João Pedro Góis, autor de “Identidade e Resistência da Língua Portuguesa em Timor-Leste”: “Jovens aprenderam português nas montanhas”

Resultado de uma tese de mestrado defendida na Universidade de São José, “Identidade e Resistência da Língua Portuguesa em Timor-Leste” é o primeiro livro de João Pedro Góis, jurista e ex-residente em Macau, que acaba de ser lançado em Portugal pela Lema D’Origem. Este projecto traça um olhar sobre o uso da língua portuguesa no período de ocupação do país pela Indonésia como uma forma de luta e de resistência

 

Este trabalho começa a partir de uma obra de Luís Cardoso “Crónica de uma Travessia”. Porque é que este livro foi tão marcante?

No meu mestrado quis estudar a questão da língua portuguesa em Timor-Leste, nomeadamente o seu uso durante o período de ocupação da Indonésia, entre 1975 e 1999, sabendo que o português era falado em Timor, embora fosse proibido pelos indonésios. Queria saber como é que a língua tinha sobrevivido. Fui a Timor e aproveitei para fazer alguma investigação de terreno. A minha ideia original era reunir com Xanana Gusmão, que não teve disponibilidade para me receber. Uma professora disse-me que pensava a resistência apenas do ponto de vista bélico, mas que não era apenas uma questão militar. E falou do uso da língua portuguesa quando ela é proibida, como um acto de resistência, nomeadamente o facto de ser usada pelas milícias refugiadas nas montanhas, tal como escrever e publicar em português. Portanto, foi-me sugerido que pegasse num autor timorense que tivesse escrito em português nesse período. Ocorreu-me estudar Luís Cardoso porque é considerado, em termos literários, o primeiro romancista timorense em português e contemporâneo. O seu primeiro livro chama-se “Crónica de uma Travessia”, li-o e achei que tem uma questão curiosa, porque tem um tom autobiográfico mas não é uma autobiografia. Como cruza várias épocas de Timor contemporâneo, durante o período colonial português e de ocupação indonésia, o livro é muito interessante porque é construído a partir do percurso que o seu pai, enfermeiro, que se deslocou por toda a ilha em trabalho com a família. Isso permitiu ao escritor ter um conhecimento da realidade local e conhecer as línguas locais que são ali faladas. O livro funciona como uma linha transversal a toda a minha dissertação. É a partir do livro que abordo as questões da identidade, da resistência, da diáspora, da saudade, da memória.

No período de ocupação indonésia, quem é que falava a língua portuguesa? A população ou uma elite?

Toda a população não. Aliás, o número de falantes de língua portuguesa materna em Timor é muito baixo. Durante o período de ocupação, como o português era proibido e a língua oficial passou a ser o bahasa, os meios de comunicação funcionavam em bahasa e todas as instituições usavam o bahasa, houve toda uma geração de timorenses que se habituaram mais ao uso da língua indonésia. Hoje em dia há talvez mais pessoas a compreender bahasa do que português. Uma pequena elite continuou a comunicar em língua portuguesa durante o período de ocupação indonésia, porque era a língua do poder durante o período colonial português e era, por isso a língua de acesso ao poder e ao sistema. Era uma língua com algum prestígio social e político.

Mas como funcionou com os membros da resistência à ocupação indonésia?

Os que estavam refugiados nas montanhas utilizavam a língua portuguesa como meio de comunicação privilegiado. Por uma questão afectiva, pelo sonho de recuperar uma entidade cultural em que a língua portuguesa tem um papel importante, mas também porque sendo uma língua não falada pelos indonésios permitia comunicar de forma clandestina, secreta. Os membros da resistência estão hoje envolvidos no exercício da governação, e por todos os motivos que disse antes, preferiram manter a língua portuguesa como oficial por ser um idioma de comunicação internacional e uma língua com prestígio. Mas no período da ocupação indonésia, além de comunicarem em português, também tinham muitos jovens que aderiram à resistência e que não falavam português. Os membros da resistência, adultos, tiveram o papel de os ensinar. Muitos dos jovens aprenderam assim a falar português nas montanhas. Isso é interessante e até comovente.

Também há o papel da Igreja Católica na difusão da língua. Teve um papel mais importante do que o próprio Estado português.

Sim, a Igreja Católica teve um papel muito importante. Aliás, a Igreja teve sempre um papel importante na língua portuguesa, desde a chegada dos portugueses no século XVII, nos primeiros tempos de ocupação, em que houve sempre um acompanhamento das missões católicas, que difundiram a fé mas também ensinavam a língua portuguesa. Era o uso associado à estratégia portuguesa de colonizar. O papel da catequização foi muito importante, porque permitiu a difusão da língua. A maior parte dos timorenses são católicos e continuam a ser, porque sendo católicos significa que não são muçulmanos, isso distingue-os da Indonésia.

O livro aborda também a ligação entre o português e o tétum, e lê-se que o tétum foi crioulizado e até sofreu a incorporação de palavras do português. Sim. O tétum é o crioulo mais falado em toda a ilha, mas sendo uma língua de fusão recebeu a incorporação de muitas palavras em português. 

Diz também que a língua portuguesa nunca hostilizou o tétum e até contribuiu para o seu enriquecimento.
Acho que houve sempre algum equilíbrio. A elite [que falava português] também falava tétum. Há mais falantes de tétum do que de língua portuguesa, mas [o tétum] também nunca hostilizou o português. Se calhar o tétum era a língua do povo colonizado e o português a língua do povo dominante. Havia aqui uma questão política e hierárquica que tem algum peso. Mas no período de ocupação pela Indonésia alguns padres chegaram a propor, como estratégia de sobrevivência o ensino de tétum, achando que era mais fácil do que defender o ensino da língua portuguesa. Então os missionários de origem portuguesa também colaboraram para a disseminação do tétum. Não hostilizaram o tétum e até oficialmente houve momentos em que promoveram o ensino nesta língua. E as autoridades portuguesas também nunca o hostilizaram. No período colonial português nunca houve ensino oficial em tétum, houve umas tentativas. De alguma forma, o tétum nunca foi hostilizado pelos portugueses e esteve sempre presente.

De um modo geral o posicionamento do Estado português face à questão da língua foi muito fraco.

Durante o período de ocupação da Indonésia o Estado português não fez nada. Houve algumas intervenções não oficiais, mas as autoridades portuguesas sempre estiveram muito esquecidas da questão de Timor. No final dos anos 90 houve um movimento em que as autoridades públicas estiveram mais atentas, através da Ana Gomes e de outras personalidades. As autoridades religiosas, como o D. Ximenes Belo e outros, continuaram a ter uma atitude diplomática secreta de defesa e protecção dos timorenses que estavam detidos pelos indonésios. Hoje em dia, que Timor é um país soberano e democrático, e é o mais jovem país membro da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], debate-se muito com a implementação do português. Acho que Portugal tem tido algum papel nessa promoção, através do Instituto Camões (IC). Embora ache que a questão da língua portuguesa tem mais importância do que aquela que lhe tem sido atribuída pelas autoridades responsáveis. O IC deveria ter um papel mais pró-activo na promoção da língua. Penso que, a nível de Portugal e da CPLP, faz sentido e é urgente haver uma estratégia global e sistemática para a política da língua portuguesa. Não existe, é uma coisa muito disseminada, funciona por capelinhas. Os dois países em que o português é língua oficial e a língua materna de toda a população (Portugal e Brasil) continuam infelizmente a trabalhar de costas voltadas a este respeito.

Sismo de 5,1 no Japão sem danos materiais e pessoais a registar

Um terramoto de 5,1 graus na escala de Ritcher atingiu hoje o Japão e foi fortemente sentido em Tóquio, sem que as autoridades tenham emitido qualquer aviso de tsunami ou comunicado danos materiais ou pessoais.

O sismo ocorreu às 09:35 com o epicentro localizado em Ibaraki, a nordeste de Tóquio, a cerca de 60 quilómetros de profundidade, informou a Agência Meteorológica do Japão.

O terramoto atingiu o nível 4 na escala japonesa de 7, mais concentrado nas áreas afectadas (Ibaraki, Tochigi e Chiba), mas foi também sentido e registado como nível 3 na capital.

O Japão está situado no chamado Anel de Fogo, uma das zonas sísmicas mais activas do mundo, com as infra-estruturas nacionais a serem concebidas para resistir aos terramotos.

Covid-19 | Chinesa Sinopharm diz que a sua vacina tem 79% de eficácia

A farmacêutica estatal chinesa Sinopharm revelou hoje que uma das suas vacinas candidatas contra a covid-19 revelou uma eficácia de 79,34%, e que já pediu autorização às autoridades do país asiático para comercializá-la.

Esta é a primeira vacina, entre as várias chinesas que concluíram a fase 3 de testes, de que é conhecida oficialmente a sua eficácia.

No início do mês, as autoridades dos Emirados Árabes Unidos, um dos países que participaram nos testes da vacina, tinham apontado para 86% de eficácia.

O país árabe tornou-se assim o primeiro a aprovar uma vacina chinesa, mesmo antes da própria China, que ainda não autorizou oficialmente a comercialização de nenhuma das vacinas desenvolvidas no país, embora a imprensa estatal tenha assegurado que esse processo estará concluído antes do final deste ano.

O Instituto de Produtos Biológicos de Pequim, uma subsidiária da Sinopharm, disse que os resultados dos testes de fase 3 revelaram que os seus níveis de segurança são “bons” e que todos os participantes desenvolveram altos níveis de anticorpos, após receberem ambas as doses, embora não mencione possíveis efeitos colaterais.

O comunicado refere, em linha com os testes realizados nos Emirados Árabes Unidos, que a taxa de soroconversão, ou de desenvolvimento dos anticorpos que defendem contra a infeção, é de 99,5%.

O Instituto de Produtos Biológicos de Pequim assegurou que os dados provisórios extraídos dos ensaios estão em linha com as normas técnicas da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Esta vacina tem sido usada na China, desde julho passado, em grupos de maior risco, como funcionários de saúde ou de programas de prevenção da doença, trabalhadores em portos ou serviços logísticos, ou profissionais colocados em países onde o risco de contágio é considerado alto.

Há pouco mais de um mês, o presidente da Sinopharm, Liu Jingzhen, afirmou que quase um milhão de pessoas na China tinham recebido uma das vacinas de “emergência” e que apenas um pequeno número experimentou efeitos adversos e ligeiros.

Atualmente, quatro vacinas desenvolvidas na China alcançaram a fase 3 dos ensaios clínicos – duas da Sinopharm, uma da Sinovac e uma da CanSino Biologics.

China condena activistas de Hong Kong a penas entre sete meses e três anos de prisão

Dez activistas de Hong Kong acusados de terem entrado ilegalmente em águas territoriais da China, durante uma tentativa de fuga para Taiwan, foram hoje condenados a penas entre sete meses e três anos de cadeia.

De acordo com a rádio pública de Hong Kong, a RTHK, Tang Kai-yin, considerado o líder do grupo, foi condenado a três anos de prisão e ao pagamento de uma multa de 20 mil yuans pelo tribunal do distrito de Yantian, em Shenzhen, zona económica especial chinesa adjacente à região semi-autónoma.

A única mulher do grupo, Quinn Moon, recebeu uma sentença de dois anos de prisão e uma multa de 15 mil yuans, por o tribunal ter considerado que desempenhou um papel de co-liderança no caso.

Os restantes oito detidos, incluindo o residente de Hong Kong com passaporte português Tsz Lun Kok, foram condenados a sete meses de cadeia e multas de 10 mil yuans, indicou a RTHK.

O grupo, na maioria ligado aos protestos anti-governamentais do ano passado, em Hong Kong, foi julgado na segunda-feira, em Shenzhen, e, de acordo com o tribunal, todos se apresentaram como culpados de travessia ilegal das águas da China continental.

O tribunal, que divulgou o veredicto no seu ‘site’, referiu ter decidido as sentenças depois de ter avaliado o papel dos diferentes réus, a extensão e consequências do crime em causa e também o remorso demonstrado.

Em 23 de Agosto, um grupo de 23 residentes de Hong Kong foi detido pela guarda costeira da província chinesa de Guangdong (sul), depois de ter saído da região administrativa especial chinesa numa lancha.

A tentativa de fuga terá sido motivada pela imposição por Pequim da lei de segurança nacional em Hong Kong. Desde então, vários críticos do Governo fugiram de Hong Kong, muitos dos quais para Taiwan.

Dois elementos do grupo, menores de idade, não foram julgados em Shenzhen e foram entregues esta tarde à polícia de Hong Kong, que admitiu a possibilidade destes enfrentarem acusações adicionais, acrescentou a RTHK.

Desmantelada rede que lucrou cerca de 69 milhões com sistemas POS

Em coordenação com a polícia do Gabinete de Ligação da China em Macau, a Polícia Judiciária (PJ) desmantelou uma rede transfronteiriça dedicada a promover transacções ilegais com recurso a terminais de venda (POS – Point of Sale na sigla inglesa) modificados.

Ao todo, 30 suspeitos foram detidos em Macau por envolvimento na rede criminosa que terá movimentado 11,6 mil milhões de patacas desde 2016. No Interior da China foram detidas outras 39 pessoas.

Segundo revelou ontem a PJ em conferência de imprensa, a operação começou a ser desencadeada após a polícia local ter sido alertada pelas autoridades de Guangdong para o facto de existir em Macau, uma ramificação da rede criminosa que utilizava terminais de venda POS modificados, para efectuar transacções financeiras ilegais.

Isto, tendo em conta que as compras e trocas de dinheiro feitas através dos equipamentos alterados e com recurso a aplicações móveis e cartões de crédito eram, na verdade, registadas no Interior da China, contornando assim os limites legais de transporte de dinheiro para Macau.

Durante a investigação, as autoridades identificaram uma residente de Macau, de apelido Wong, como sendo o “cérebro” da rede em Macau. Segundo as autoridades, a suspeita terá sido responsável por angariar membros para actuar em Macau e pelo transporte e modificação dos sistemas POS no território. Quanto ao modo de operação, a PJ revelou que inicialmente as máquinas eram levadas para os casinos, possibilitando aos jogadores o acesso fácil a dinheiro.

Dia D

No passado domingo, em coordenação com as autoridades de Guangdong, Jiangsu e Fujian, a PJ levou a cabo uma operação que envolveu 110 agentes e investigadores, procedendo a rusgas e detenções em 12 lojas, 19 residências e duas empresas de Macau. Contas feitas, foram detidos 23 homens e sete mulheres, entre os quais 12 residentes. Entre os 30 detidos, oito foram considerados “cabecilhas” da operação.

Durante as rusgas, a PJ apreendeu ainda 8,84 milhões de dólares de Hong Kong, 59 mil renminbis e ainda cerca de 1,26 milhões de patacas em fichas de jogo.

Já na China, a operação contou com a participação de mais de 300 agentes do Interior, resultando na detenção de 39 pessoas com idades entre os 21 e os 56 anos, sendo que cinco foram considerados “cabecilhas”. Foram ainda apreendidos vários cartões de crédito e equipamentos POS.

De acordo com o porta-voz da PJ, a rede criminosa operava desde 2016, tendo lucrado, desde então, 69 milhões de renminbis.

Os 30 suspeitos detidos em Macau foram ontem presentes ao Ministério Público (MP), por suspeita da prática dos crimes de associação criminosa e burla telefónica. A ficar provada a acusação, os suspeitos podem vir a ser punidos, pelo primeiro crime, com pena de prisão de 3 a 10 anos.

Perguntas Natalícias Inconvenientes

Para muita gente no mundo o Natal significa tempo em família. Para outra gente o Natal significa tempo com aquelas pessoas com quem partilhamos ADN, mas com quem não gostamos de estar na mesma sala. Famílias são assim, esse conceito aberto que gravita entre harmonia, conforto e disrupção – é a complexidade que lhe dá um certo charme.

Um dos acontecimentos clássicos natalícios é o do constante questionamento por parte das famílias: então e namorado/namorada? Então e filhos? No Natal discute-se a vida romântica e a procriação, sem rodeios e censuras, não fosse esse o dia do parto de uma virgem. A maioria dos filmes e séries românticas natalícias partem desta interação em particular. O enredo vai, muito provavelmente, girar à volta do desespero de se arranjarem parceiros românticos para satisfazer as ansiedades das famílias que não se vêm multiplicadas em outras famílias como elas. Clássico.

Todo este questionamento, no entanto, é problemático por várias razões. O conceito de família tende a ser bastante limitador e inflexível. Não só se baseiam em expectativas heteronormativas de relacionamentos românticos – desrespeitando todas as outras formas de romance que não são entre um homem e uma mulher – mas como desrespeitam todas as outras formas de estar no mundo, e em família, que podem não implicar relacionamentos românticos. Os solteiros são sacrificados, criticados e escrutinados porque não oferecerem essa tal normalidade.

Muitas famílias também não aceitam a transição, o não-binarismo, as performances de género que as cabecinhas retrogradas acham fora da caixa. Nu e cru: no natal fala-se muito de sexo, mas com pruridos.

Depois há a pergunta dos filhos à qual já fui pessoalmente vítima inúmeras vezes e em várias situações familiares. Outro clássico natalício deveras preocupante. Lá porque o útero pode gerar vida, não quer dizer que a detentora do útero o queira. Caso existam desses perguntadores por aí, vale a pena relembrar que ter filhos é uma escolha e não uma obrigatoriedade da vida. Para as pessoas que não podem ter filhos, fazer essa pergunta não só é dolorosa, como cruel. Apela-se à sensatez no que toca à privacidade e, muitas vezes, à dificuldade destas questões da procriação, da fertilidade e das desigualdades de género que ainda se vivem à custa da parentalidade. Partir do princípio de que a pergunta dos filhos é inócua, só mostra o caminho longo por percorrer para a mudança.

O Natal pode ser um grande stressor porque a família não é necessariamente uma zona de conforto e porque o sentido de família continua contíguo a uma representação antiga e desactualizada. Ter consciência disto talvez ajude os muitos Natais por aí que não são perfeitos como as lenga-lengas natalícias nos fazem querer. Num ano em que existem dificuldades acrescidas nestes encontros familiares, esta eterna busca por perfeição é cada vez mais desmistificada. Para quem precisar, as perguntas natalícias inconvenientes já fizeram com que se escrevessem listas de possíveis respostas à letra. Basta procurarem. Não há nada como atrapalharem a dinâmica familiar natalícia com o azedume comum de quem está farto de se justificar à frente da mesa do bacalhau e das rabanadas. “O mundo já está cheio de gente estúpida de qualquer forma” – toma lá, Tia Alberta.

“E-racing” | Corridas virtuais ganham o seu evento na RAEM

Num ano atípico, a temporada de automobilismo em Macau não terminou com o habitual Grande Prémio Internacional de Karting, que este ano não se realizou, mas sim com o primeiro grande torneio de “sim racing” organizado na RAEM

 

Para aqueles que não estão familiarizados com o fenómeno, o “sim racing” (ou “e-racing”) é a modalidade dos e-sports, ou desportos electrónicos, que engloba as corridas de carros que têm por base simuladores de automóveis, que conseguem reproduzir praticamente tudo o que acontece num verdadeiro carro de competição. Um simulador é diferente das corridas de videojogos e consolas, pois estas não conseguem reproduzir estes efeitos. Estes simuladores, a um nível menos complexo, são usados há muito tempo pelas equipas de Fórmula 1.

O GBA Sim Racing Grand Prix (SRGP) ficará para a história como o primeiro grande evento de “sim racing” organizado em Macau. Com 500 mil yuans de prémios monetários, o dobro que ofereceu o Grande Prémio de Macau este ano, este torneio, que usou a plataforma Assetto Corse, foi lançado em meados de Outubro em Jiangmen, Guangzhou, Zhuhai, Hong Kong e Macau, tendo só a eliminatória de Zhuhai reunido mais de quinze mil participantes “online” e “offline”. No anfiteatro do “The House of Dancing Water”, no City of Dreams, realizaram-se as pré-finais e a grande final. Durante quarenta minutos, ou dezoito voltas ao Circuito da Guia virtual, os dezoito finalistas, todos ao volante do mesmo carro (Audi R8 GT3), discutiram o triunfo. Yin Zheng de Pequim veio à Grande Baía levar a melhor sobre Zheng Zhaojie de Shenzhen e Huang Kuisheng de Guangzhou.

A selecção dos pilotos de Macau para a final foi feita no local, com uma corrida de qualificação para os vinte mais rápidos nas voltas de selecção e que apurou os três representantes do território. E do trio da RAEM, o melhor na decisiva corrida foi Filipe Veloso Chan que acabou na quarta posição, deixando uma boa imagem dos praticantes do território. “Temos jogadores com muito potencial em Macau e espero que haja mais participantes em torneios de e-racing no futuro”, disse Filipe Veloso Chan no final do evento.

Com o apoio de várias entidades de peso de Guangdong, a competição foi transmitida em directo em plataformas online da CCTV e da iQiyi Sports, aguçando assim o apetite de muitos que perderam esta oportunidade e que não quererão perder uma próxima. Até porque a promessa do sucesso deste ano é para repetir para em 2021.

Razões para repetir

Este evento não contou com a colaboração da Associação SimRacing Macau-China, que apesar de tudo se manteve atenta ao que foi realizado. Para o piloto das corridas de carros de Turismo locais, Sabino Osário Lei, que começou o seu trajecto desportivo nas corridas virtuais, este evento foi um sucesso e o interesse que gerou em seu redor é merecedor de uma repetição. “Macau é uma cidade especial, onde se incluí o Circuito da Guia e sua história, portanto como é que não poderia existir um evento de ‘sim racing’ aqui?”, interrogava-se o também participante do primeiro SRGP do território. “É algo novo para Macau. Honestamente, não sabia que o evento ia ser tão grande, só me apercebi da sua dimensão quando cheguei ao City of Dreams. Fui ver a corrida final e os lugares sentados estavam todos ocupados, até eu tive que ficar de pé para ver a corrida”, afirmou ao HM.

Lawrence Ho, o CEO da Melco, em comunicado, reconheceu o porquê desta aposta: “O turismo desportivo é um segmento chave do turismo actual, com mais e mais pessoas a viajarem pelo mundo para participar. Os e-sports são um desporto emergente com um grande potencial”.

Mais próximo do real

As provas de simuladores viram a sua exposição mediática crescer abruptamente com a pandemia de COVID-19. Com os circuitos fechados e campeonatos parados, os pilotos profissionais, como as estrelas de Fórmula 1 Max Verstappen ou Charles Leclerc, viraram-se para o “sim racing”, trazendo toda atenção mediática e dos fãs consigo. Contudo, esta já era uma actividade em crescimento por todo o mundo, com uma cada vez maior proximidade ao mundo real, proximidade essa que começa também a acontecer na Ásia.

A SRO Motorsports Group, co-organizadores da Taça do Mundo de GT da FIA no Grande Prémio de Macau e do GT World Challenge Asia, organizou o seu primeiro campeonato virtual, um exemplo seguido pela FRD Sports de Hong Kong que fez o mesmo com o Campeonato Asiático de Fórmula Renault e o troféu Renault Clio. A proximidade entre o virtual e o real nunca esteve tão perto e até as equipas com base em Zhuhai seguem a tendência. A Champ Motorsport organizou o primeiro torneio do género na cidade vizinha, a Absolute Racing vai participar na competição virtual World eX e a Asia Racing Team fez este ano uma parceria com a equipa virtual Team Squadios.

“O nosso foco claro é continuar a interagir com uma nova geração de jovens fãs do automobilismo”, explica Rodolfo Ávila, o Chefe de Equipa da Asia Racing Team. “A acessibilidade que o ‘sim racing’ oferece uma nova entrada no mundo das corridas para apaixonados das corridas e novos fãs. Espero que esta parceria (com o Team Squadios) nos ajude a ligar o ambiente virtual com o desporto na vida real na China e na região da Ásia-Pacifico”.

Das promessas de um ano novo

Pois sim, pois claro: estes 365 dias que são a medida do tempo que por estas bandas se inventou não correram nada bem. E a razão do medo, solidão, revolta e outras emoções que todos sabemos atravessou de forma implacável a maneira como cada um vê os dias. De repente os calendários uniram-se numa constatação terrível e óbvia de que de nada vale a hora que cada um inventa quando a urgência é maior, visível e letal. E mesmo assim – mesmo assim, amigos – todos os crentes no calendário gregoriano, para não me afastar de onde vivo, irão reiterar os seus desejos e resoluções optimistas e, aqui entre nós, irresolúveis.

Não estou aqui para envergonhar ninguém mas a verdade é que me lembro na perfeição do que desejei entre brindes no primeiro minuto de 2020 – o mesmo do que toda a gente. Que a partir daquele momento a vida fosse mais fácil e bonita e próspera para nós e para os que nos estão próximos. E depois chegou 2020.

Não me levem a mal. Até eu embarco nesse optimismo sazonal e, de preferência, ligeiramente ébrio. Mas na ressaca e quando a dor de cabeça vem dar razão ao pessimista do costume a mesma pergunta regressa: porque raio desejamos o que será extraordinário acontecer? E mais bizarro ainda: porque diabo nos comprometemos a mentir descaradamente a nós próprios?

Não tenho grandes respostas, apenas perguntas. Sei que em relação à primeira pergunta o desejo desesperado de um mundo melhor já vem de trás: desde os babilónios que prometiam aos deuses devolver o que tinham roubado durante o ano, passando pelos votos dos romanos ao deus Janus e chegando ao judaísmo e ao cristianismo, reflecte sobretudo uma vontade de dias mais solares e um melhor comportamento para si e em relação aos outros.

Não duvido que a poucos passos do dealbar de 2021 o mesmo irá acontecer – mesmo que esses desejos possam vir a ser tragicamente contrariados como agora infelizmente soubemos da pior maneira. Francamente, continuarei a considerar as promessas de melhores dias pessoais e universais desta época algo que oscila entre o desejo e a culpa.

Mas não faz mal: este ano, mais do que outros, essa suspensão da descrença torna-se ainda mais necessária. E não serei eu a interrompê-la com a verdade do cínico. Por isso, amigos, estejam onde estiverem, acreditem que o próximo ano será melhor, a começar por vós mesmos. Peçam-no, gritem-no. Vivamos em festa e em vertigem feliz, até que a realidade nos venha morder as canelas. E quando isso acontecer, apaziguem-na com gratidão e com o melhor que os dias têm para oferecer.
Feliz ano novo para todos.

Visões do inferno e nem tanto

Santa Bárbara, Lisboa, segunda, 7 Dezembro

Não sei se deram por isso, mas a Livros do Meio tratou de verter para português, por obra e graça do Rui [Cascais], «Um inferno chinês», atribuído a Divino Panorama, nome justo para tão singela obra! O livrinho tem-me atormentado as noites e não falo de ilustrações, que as tem roubadas à antiguidade clássica. As torturas disputam o protagonismo com os valores da sã convivência. Um dos tribunais condenará aqueles que falam dos pecados dos outros a serem amarrados por cobras de metal e esmagados por cães de ferro. Noutro condenam-se os que se apropriam de cartas, imagens ou livros postos à sua guarda dizendo que os perderam. Também condenável se diz ser a prática da má escrita. O corpo dos inúmeros condenados irá desfazer-se das mais diversas maneiras no território. Se aprendermos a viver respeitando a luz dos outros talvez nos salvemos, mas não estou certo da leitura. Preciso de mais umas noites em branco.

Horta Seca, Lisboa, terça, 8 Dezembro

E no entanto ela move-se. A «Ilustração portuguesa» foi exposição e agora repositório das dezenas de produtores de imagens. Não gosto da expressão, mas não encontro outra, entalada entre o modo fabril e o artesanato, a exigência de um suposto mercado e o desejo íntimo de expressão. Espanta-me mais uma vez a quantidade e a qualidade do que se produz e não está tudo aqui reflectido, nem todos os que fazem, nem o muito que desenham. Mas o somatório abre janelas sobre o que se vai imprimindo nos jornais, nos livros para as infâncias, nas capas, como nos ecrãs ou nas paredes de galeria. A pandemia, por exemplo, está ausente, que a selecção foi prévia, mas próximas edições irão conter esses dias carregados de metáforas, de corpos em tensão, de retratos ao espelho, de delírios e registos do quotidiano. De qualquer modo, as facetas do cristal dos dias reflectem a luz nestas páginas. Para trás e para frente flano por entre estas construções, rostos e paisagens, para me deter no abstracto. O João [Maio Pinto] parece coreografar as melodias que se soltam da guitarra, e assim acrescenta dimensões ao que era plano antes da tinta, vazio antes do gesto. Nervuras sustentadas no que parece peça de mobiliário, figurações aparentes sustentadas por nuvens, veludo negro, subtilezas da carne. De novo, quanto de vida se perdia sem as ilustrações? Haverá vida para além delas?

Horta Seca, Lisboa, sexta, 11 Dezembro

Abrimos lugares no sítio (www.abysmo.pt). Não quisemos apenas loja, mas página onde se falará de livros e do mais a partir deles. Começámos até oferecendo distopia em rima com os dias, assinada pelo mano Zé Xavier Ezequiel. Brilhará portanto uma óbvia paixão pel objecto, reverberando no vazio, canções sólidas, formas de vestir e habitar, lâminas e algodão. Além do mais, que esperamos muito, haverá sempre encontros na «mymosa», que se chama assim pela natureza do óbvio, que naquela agora extinta sala de saciar fomes e sedes aconteceu tudo e mais alguma coisa. «Grandes conversas sobre o tempo a partir dos gregos, da física quântica, dos palcos e de Proust. Aquela sobre a pintura e como nos jogamos nela. A localização exacta do Inferno. Camões foi assunto e destino de partida.

Os detalhes do uso de variegadas drogas, desde tempos imemoriais, falas na primeira pessoa, práticas na terceira. Apareciam mágicos, dos que faziam aparecer e desaparecer. Velhos trazendo histórias e vidas pela trela. Moradores das mais distintas paragens. De súbito, ao balcão vozes cavas discutiam a teoria das cordas e o contista não queria acreditar. Aconteceram canções, mesmo que não cantadas. Fado, por uma vez. A concertina amiúde. Golpes de teatro, a dar com um pau. Gargalhadas eram o pão nosso de cada dia. Enormes momentos de futebol, com jogos dentro. E até jantares. Ou almoçares, dos que começavam ao meia dia e acabavam à meia noite, dando nós no tempo. Claro que se semearam poemas, se cimentaram amizades e outras se desfizeram. Ainda recordo o concreto de cada uma. Chorou-se, por ser o apropriado ou sem querer. Longuíssimos testemunhos de vida, gente a despir-se lentamente, locomovendo-se.»

Horta Seca, Lisboa, segunda, 29 Dezembro

Queria que acontecesse de modo semelhante, o leitor sem saber ao que vai, recebendo nas mãos um certo «Tom», e no gesto mudando a melodia dos dias. Distraidamente, terá talvez visto as três letras dançando, nos cantos inferiores da convenção. Aqui uma onda, com a linha do t prolongado atirando o redondo o pelos montes do m, delícia de movimento, a mão a fazer da assinatura ponto final. Casos há distintos, em que o t faz de antena e raiz, linha recta procurando profundezas no vazio, as restantes letras um horizonte ainda por estender. E outras declinações ainda nomeiam o produtor das imagens, um entre tantos outros, nem se dá por ele na poeira do tempo.

Mas o livro verde amplia doravante essa ligeireza. O Jorge [Silva] anda há muito a coligir papéis, pele frágil mas duradoura na qual pousam as imagens, sem que isso signifique repouso. Ainda que quietas, as imagens despertam sem cessar movimentos, a interpretação suscita o pensamento, desdobra-o em ziguezague de aproximação e afastamento das formas do real. Quanto de vida se conserva nestes traços e cores de coisa nenhuma? Foram encomendas, divertimentos, maneiras de iluminar o que se diz, de retirar ao caos uma ordem mínima capaz de sustentar olhares, de fazer cidades e por aí adiante. A verdade é que, coligidas, dizem de uma profunda plasticidade, afirmam a pés juntos dispersa identidade e nisso nos surpreende que nem madrugada. O nosso modernismo praticou o jogo com uma alegria que espanta, sem dispensar a melancolia. Foram revistas para as infâncias e cinéfilos, livros e depois produções para modelar o gosto, caricaturas a capturar rostos, cores a fixar cidades e o tanto que estas páginas ilustram. Folhear estas páginas é alinhar na brincadeira. Está lá o devido enquadramento, o lugar na fita do tempo, as explicações do artista e de quem o sabe ler, passos na direcção da armadilha, mas pouco mais importa que a sucessão libertária dos seres vivos: as imagens. Ao acaso, vejam estas duas, uma que aqui vos deixo, um galo de ferro posto algures em alto de Monsanto, a aldeia mais aldeia da grande aldeia tuga. Mas atentemos nos retorcidos do ferro, nas furações, nos recortes, nos modos de fazer penas, e digam-me onde começa a tradição e para que futuro aponta o bico. Tomás de Mello procedia com esse método em cada parte da realidade que tocava, síntese maravilhada, a extrema complexidade a pulsar na clareza. Ora como podia o nosso olhar alcançar o bicho lá no alto do longe? Só aqui, no livro de fresco verde que me surpreende com a canção do vento. Depois há um Camões actualizado, com crítica e leitura dos idos de setenta. Uma geometria a quadricular a página em fragmentos, como se a vida se tivesse desmultiplicado em partículas que convergem na cena central, um palco feito coração a pulsar com a galáxia no seu entorno. E fico horas a remirar como quem mastiga. Que interessa a disciplina onde se há-de guardar isto? Os mestres da brevidade são bem capazes de parar o tempo, e nós com eles. Poucos haviam dado por isso, mas o Jorge anda nisto há anos, a vasculhar no esquecimento para nos dizer da pujança de nomes como Pavia, Lapa, Tóssan e tantos outros. Um cata-vento, portanto. Dos que cantam direcções.

Covid-19 | China transforma crise em oportunidade face a “caos” no Ocidente

Numa altura em que o Ocidente, em particular a Europa e os EUA, se debatem com um aumento crescente de casos de covid-19, a China parece recuperar a passos largos, num sinal de que o “século americano” pode muito bem ter chegado ao fim

 

Reportagem de João Pimenta, da agência Lusa 

Um ano após o primeiro caso de covid-19 ter sido diagnosticado, a China é o único grande país que derrotou a doença, reforçando a crença doméstica na superioridade do autoritarismo, face ao “declínio” do Ocidente liberal. “A ideia de que o Ocidente fazia tudo melhor acabou”, resumiu à agência Lusa um diplomata europeu colocado em Pequim, acrescentando: “Após esta epidemia, os chineses nunca mais vão olhar para nós da mesma forma”.
Três semanas após o primeiro caso de uma “misteriosa pneumonia” ter sido anunciado pelas autoridades de Wuhan, no centro da China, em 31 de Dezembro, as autoridades chinesas adoptaram restritas medidas de prevenção, que incluíram isolar cidades com milhões de habitantes.

A origem da doença continua a ser uma incógnita, mas os estágios iniciais do surto revelaram que as autoridades foram lentas a agir. Mais grave: no final de Dezembro, já vários médicos em Wuhan alertavam para os perigos de uma nova doença desconhecida, mas a polícia deteve oito deles para os “educar” sobre os perigos associados a espalhar rumores.

Mas, assim que a liderança do Partido Comunista se mobilizou, fê-lo com resolução. O anúncio do bloqueio de Wuhan, em 23 de Janeiro, surgiu a meio da noite, sem aviso ou debate público.

Enquanto a afluência de pessoas sobrecarregava os hospitais da cidade, pacientes com sintomas leves foram mandados para casa, onde infectaram os familiares.

Num fenómeno raro no país, que condena frequentemente à prisão críticos do regime por “perturbação da ordem pública”, críticas abertas ao regime multiplicavam-se nas redes sociais chinesas. No entanto, quando parecia que o Partido Comunista Chinês tinha tropeçado num buraco, esse buraco revelou-se uma mina de ouro.

O caos a Ocidente

Mais de dois meses após o primeiro caso de covid-19 ter sido diagnosticado em Wuhan, a Europa e os Estados Unidos sucumbiram ao caos, ultrapassando rapidamente a China no número total de infectados e mortos.

“Está na hora de acordar da fé cega no sistema ocidental”, proclamou, em editorial, o jornal oficial China Education News. “No Ocidente, as violentas lutas partidárias estão a agravar-se, as fissuras sociais a aprofundar-se e começa-se a formar uma grave crise social”, vincou.

Para Wang Xiangsui, coronel aposentado do exército chinês e professor universitário, a luta contra a pandemia é uma história de “vencedores e vencidos”.

“Nós somos a potência vitoriosa, enquanto os Estados Unidos caíram no caos e penso que podem muito bem tornar-se na potência derrotada”, apontou.

A ideia de um Ocidente em declínio e uma China triunfal não é nova no país. O fundador da República Popular da China, Mao Zedong, comparava o mundo capitalista a alguém às portas da morte.

Estas ideias terão sido abaladas quando o Partido Comunista adoptou reformas de mercado e os Estados Unidos emergiram como a única superpotência, após o colapso da União Soviética.

“No entanto, a crise financeira de 2008, da qual a China saiu relativamente ilesa, fez com que os líderes chineses se questionassem se o declínio ruinoso do capitalismo que Mao previra não teria de facto chegado”, escreve Julian Gewirtz, Professora de História na Universidade de Columbia, na revista Foreign Affairs.

A pandemia da covid-19 deu finalmente aos comentadores chineses a oportunidade de declarar o “fim do século americano”. Num cenário que contrasta com a situação vivida em vários países, na China, à porta dos restaurantes mais populares formam-se agora longas filas, os ginásios enchem-se de pessoas ao fim da tarde e os alunos há vários meses voltaram às salas de aula.

Uma exposição temática sobre a luta de Wuhan contra o surto, no norte da cidade, exalta o papel do Partido Comunista Chinês, em particular do líder Xi Jinping, na luta contra a epidemia, mas não faz qualquer referência à origem da covid-19.

A exposição enaltece antes o apoio prestado pela China a países estrangeiros, incluindo o envio de equipamento médico e funcionários de saúde, e a generosidade dos líderes chineses em partilharem a “solução chinesa” com o mundo.

Zhao Xiaosong, um estudante chinês, de 24 anos, que assiste à exposição, parece convencido. “Em dois meses conseguimos derrotar a doença. Um feito único a nível mundial”, explica à Lusa. “O Partido Comunista desempenhou um papel crucial”, diz.

Poluição | Dias insalubres reduziram durante a pandemia

A diminuição de actividades humanas e industriais contribuiu para uma descida do número de dias em que a qualidade do ar esteve insalubre. Com critérios mais rigorosos para a medição de poluentes a partir do próximo ano, os SMG estimam um aumento dos dias com má qualidade do ar

 

A pandemia levou a uma redução dos dias em que a qualidade do ar esteve insalubre. Até Outubro, a estação da Berma da Estrada em Macau registou 10 dias insalubres, uma quebra face aos 27 do ano passado. “Esta diminuição é por volta de 60 por cento”, avançou ontem Tang Iu Man, director substituto da Direcção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG). No caso da estação ambiental, deu-se uma redução de 26 para sete dias insalubres.

“Durante este ano, o número de dias insalubres e concentrações de poluição em relação a 2019 diminuíram muito. (…) Por causa da epidemia, as actividades humanas ou industriais diminuíram e isso resultou na melhoria da qualidade”, descreveu Tang Iu Man. No entanto, frisou que há outros factores a influenciar a qualidade do ar, nomeadamente que “depende muito das condições meteorológicas”.

Além dos valores-guia das directrizes de qualidade do ar, a Organização Mundial da Saúde define metas intermédias. Destinam-se a locais onde a poluição é alta, para incentivar etapas de redução progressiva de poluição do ar. A partir do próximo ano, os parâmetros vão ser mais exigentes em Macau, passando do “Interim Target 1” para o “Interim Target 2” para a concentração de partículas PM2.5. Há ainda outro nível intermédio antes de se chegar aos valores-guia.

“Nos últimos 10 a 20 anos optimizámos regularmente o índice da qualidade de ar e revimos e optimizámos o serviço”, disse Tam Chan Vai, chefe substituto do Centro de Clima e Ambiente Atmosférico, quando questionado sobre porque se deu apenas agora a mudança na medição da qualidade do ar.

Com o aumento da exigência dos novos critérios, os SMG antecipam também mais dias insalubres. “Devido ao aumento dos critérios, o número de dias insalubres vai aumentar de certeza, mas isso não significa que a qualidade do ar em Macau se tornou pior”, notou Tang Iu Man, que voltou a frisar a influência do contexto atmosférico.

Olhar para trás

Analisar o passado à luz dos novos padrões alterava a classificação atribuída à qualidade do ar em vários dias. Observando os anos de 2017 e 2018, na estação da Taipa Grande registaram-se entre 30 a 40 dias de qualidade do ar insalubre, um número que aumentaria para 40 a 50 dias. Na estação da Berma da Estrada, em Macau, no passado existiam cerca de dez dias insalubres. Com os novos critérios, aumentariam para 40 ou 50.

Um dos exemplos é recente. A concentração de partículas PM2.5, às 15h de segunda-feira da semana passada, foi considerada de nível moderado. No entanto, se fosse avaliada com os critérios do novo índice seria insalubre. Uma mudança que tem impacto nos cuidados que os cidadãos devem ter.

O índice horário dos novos padrões a serem adoptados dá recomendações sobre os cuidados que a população em geral e de grupos sensíveis, como por exemplo idosos e pessoas com doenças respiratórias, devem adoptar. Em caso de qualidade de ar moderada os grupos sensíveis devem reduzir actividades extenuantes ao ar livre. No nível insalubre, a população em geral deve reduzir actividades extenuantes e o tempo de permanência ao ar livre, especialmente em áreas com tráfego intenso, enquanto os grupos sensíveis devem “reduzir ao mínimo” estas acções.

CEPA | Macau exportou 73 milhões em mercadorias isentas de taxas

Ao abrigo do CEPA, acordo de comércio livre com o Interior da China, de Janeiro a Novembro de 2020, o valor total das exportações de mercadorias que entraram no mercado chinês sem direitos aduaneiros foi de cerca de 73 milhões de patacas. A informação foi avançada ontem pela Direcção dos Serviços de Economia (DSE).

Segundo um comunicado oficial, desde a implementação do acordo a 1 de Janeiro de 2014, o valor total das exportações das mercadorias para o Interior da China com isenção de direitos aduaneiros atingiu os 1.120 milhões de patacas, com montante isento de cerca de 76 milhões de patacas. “Os produtos incluem principalmente laminados de cobre, têxteis e vestuário, selos, alimentos e bebidas”, pode ler-se na mesma nota.

A DSE revelou ainda que, a partir de 1 Janeiro de 2021 serão introduzidas “alterações de melhoria aos critérios de origem de 7 itens de mercadorias do CEPA”.

Esta é a segunda alteração ao CEPA acordada este ano, depois de em Julho terem sido alterados os critérios de origem de sete itens de mercadorias, totalizando 14 produtos anunciados em 2020, que incluem “preparados de carne e nozes e outros produtos de origem animal comestíveis (incluindo ninhos de pássaro e geleia real), ingredientes medicinais chineses, condimentos e suplementos medicinais”.

Hotéis | Taxa de ocupação de 43,9% em Novembro

Em Novembro, a taxa de ocupação média nos hotéis de Macau fixou-se em 43,9 por cento, um acréscimo de 4,1 por cento em relação ao mês anterior. Contudo, face a Novembro de 2019, o registo assinala uma queda de 48 por cento em termos anuais.

De acordo com os dados divulgados ontem pela Direção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC), excluíndo os alojamentos que estão a ser usados para as quarentenas, em Novembro de 2020, os 120 hotéis e pensões do território hospedaram 473 mil pessoas, menos 59,3 por cento em comparação com o período homólogo do ano passado.

Do total de 473 mil pessoas, o número de hóspedes da China foi de 404 mil, representando uma queda de 49,3 por cento em comparação a Novembro de 2019, enquanto o número de hóspedes locais, 47 mil, registou uma ligeira baixa de 0,5 por cento em termos anuais.

Já o período médio de permanência dos hóspedes, situou-se em 1,6 noites, mais 0,1 noites, face a Novembro de 2019.

Os dados publicados pela DSEC revelam ainda que, entre Janeiro e Novembro, a taxa de ocupação hoteleira foi de 26,3 por cento, menos 64,4 pontos percentuais, relativamente ao mesmo período do ano passado. Detalhando, os hotéis e pensões de Macau receberam ao fim de 11 meses, 3.293.000 hóspedes, menos 74,4 por cento, em comparação com os primeiros 11 meses de 2019.

De acordo com o comunicado oficial, não se registou qualquer visitante em excursões chegadas a Macau do exterior e o número de visitantes em excursões locais foi de 2.000.

Livros | Centenário da publicação de “Clepsydra” celebrado na Casa de Portugal

Por ocasião dos 100 anos da publicação da obra única de Camilo Pessanha, foram lançadas as obras “Clepsydra 1920-2020 – estudos e revisões” e “Ladrão de Tempo”. Entre académicos, especialistas e escritores, um dos maiores legados da “obra imortal” do escritor foi colocar Macau no mapa da literatura lusófona

 

“Já gostava muito da poesia de Camilo Pessanha antes de vir para Macau, mas depois de ter vindo e sentido a presença dele na cidade, compreendi melhor os seus poemas e a sua sensibilidade”, disse Carlos Morais José, director do Hoje Macau e autor de “Ladrão de Tempo”, uma das duas obras lançadas ontem na Casa de Portugal, para assinalar os 100 anos da publicação de “Clepsydra”.

Além de “Ladrão de Tempo”, que reúne uma série de textos e artigos sobre Camilo Pessanha, publicados ao longo de vários anos por Carlos Morais José, foi também apresentada ontem a obra “Clepsydra 1920-2020 – estudos e revisões”. Esta última, abarca uma colecção de ensaios sobre a vida e a obra de Pessanha, sob coordenação de Catarina Nunes de Almeida (Faculdade de Letras de Lisboa), que conta com textos de Carlos Morais José, Catarina Nunes de Almeida, Daniel Pires, Duarte Drumond Braga, Fernando Cabral Martins, Paulo Franchetti, Pedro Eiras, Ricardo Marques, Rogério Miguel Puga e Serena Cacchioli.

“Em ‘Ladrão de Tempo’, os leitores podem aprender um pouco das minhas teorias sobre a vida e obra de Camilo Pessanha. No outro livro que publicámos, feito por académicos de grande competência existem textos realmente importantes para uma melhor compreensão da obra de Pessanha”, explicou Carlos Morais José.

O autor fez ainda questão de sublinhar a importância de Pessanha “não só para a literatura portuguesa, mas também para Macau”, pois através da sua obra “foi possível colocar Macau no mapa da literatura lusófona”. “Macau será sempre lembrada como um local onde floresceu a literatura em língua portuguesa pela pena de Camilo Pessanha, quer se queira, quer não”, acrescentou.

Por seu turno, Catarina Nunes de Almeida, que marcou presença no evento através de uma plataforma online, lembrou que a “Clepsydra é, não só um livrinho que traduz o expoente máximo do simbolismo em língua portuguesa, mas também uma obra máxima de todos os tempos” e que Camilo Pessanha foi um “mestre” para nomes como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Eugénio de Andrade.

Sobre a vida omissa e mística do escritor, acrescenta que Pessanha é inclusivamente personagem de romances e novelas, como é o caso de “A 5ª essência” de Agustina Bessa-Luís ou de “O Mal”, de Paulo José Miranda.

“A biografia de Camilo Pessanha continua a ser compensada por muitas suposições e lacunas. Há muitas brechas ao longo da sua vivência em Macau e da metrópole e a literatura tem aproveitado para criar uma série de ficções e de se deleitar com esses espaços em branco”, apontou a coordenadora de “Clepsydra 1920-2020 – Estudos e revisões”.

Intervindo também via online, Duarte Drumond Braga, fez questão de frisar o percurso “activo” de Camilo Pessanha na sociedade de Macau, onde foi professor e juiz, por oposição à imagem de “lenda” que foi sendo criada em torno do escritor.

Nas entrelinhas

Durante a sua intervenção, Duarte Drumond Braga assinalou ainda que a China não está presente na obra de Camilo Pessanha “de forma directa”, mas apenas “de forma subtil”.

Sobre o tema, Carlos Morais José referiu que, apesar de os sinais não serem declarados, “nota-se a presença de um outro lugar, ou seja a presença do exilado numa cidade estranha”.

“Aconselhava as pessoas a encontrar a sua própria experiência pessoal, sobretudo aqueles que estão em Macau. Se passearem pela cidade, saindo fora dos circuitos habituais, perdendo-se pela cidade chinesa de Macau, penso que talvez encontrem essa sensibilidade. Não é uma coisa que se atinge só pela razão ou pela leitura mas que se atinge muito pela sensibilidade e pela empatia com a cidade e a obra do autor”, acrescentou.

Referindo-se a “Clepsydra”, o autor de “Ladrão de Tempo” aponta ainda que “a grande poesia é infinita nas interpretações que se podem fazer dela”, tal como acontece com Camões ou Fernando Pessoa.

“É sempre possível encontrar novas leituras, novas explicações e, sobretudo, novas sensações e penso que isso torna este livro numa obra imortal”, rematou Carlos Morais José.

Na linha da frente

Marcando presença no evento, a presidente da Casa de Portugal, Amélia António vincou que “Pessanha é indissociável de Macau”, que a sua obra “extravasa” os limites do território e que, por isso mesmo, era importante “estar na linha da frente” para assinalar os 100 anos da publicação de “Clepsydra”.

Por seu turno, José Tavares, presidente do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) frisou que “ainda há muito por descobrir” sobre um “escritor da terra” que deixou obra feita e que está sepultado em Macau.
Sobre a iniciativa vincou que “é um trabalho contínuo”, que é preciso “valorizar e apoiar”.

Galaxy | Assegurado pagamento a trabalhadores despedidos

A Galaxy garante que todo os trabalhadores não-residentes despedidos das obras do casino com o mesmo nome foram indemnizados de acordo com a legislação em vigor. A garantia foi deixada ontem pela operadora, em comunicado, depois de quatro dos trabalhadores terem ameaçado saltar do prédio em construção, por se queixarem não serem compensados de acordo com os contratos assinados.

O caso levou à intervenção das autoridades, através da Direcção de Serviços para os Assuntos Laborais, que após uma investigação no local concluiu que havia mais 14 trabalhadores afectados pela disputa salarial.

O caso foi resolvido, apesar das investigações das autoridades irem continuar, com os quatro homens a aceitarem deixar o local sem saltar. Após o episódio a DSAL explicou ainda aos 18 afectados os seus direitos e a forma como se podiam proteger. Além disso, o Governo não deixou, através de um comunicado, de apelar aos trabalhadores ao apelar que “resolvam as situações de disputa laboral de forma racional”.

Após o caso ter sido noticiado a Galaxy garantiu que todos os pagamentos foram cumpridos, de acordo com a legislação em vigor, por pedido aos subempreiteiros. Segundo a Galaxy, os trabalhadores foram dispensados uma vez que o trabalho que estavam a fazer tinha sido concluído. Sobre a disputa, tudo terá ficado relacionada com a questão dos pagamentos às “agências de emprego” no Interior.

Ministério Público | Trabalhadora com 10 anos de casa dispensada em tempo de pandemia

Uma funcionária do Gabinete do Procurador foi despedida por extinção de posto. No entanto, confessa-se injustiçada por considerar que a sua conduta não justificava a decisão

 

Após mais de 10 anos de trabalho, uma funcionária do Gabinete do Procurador do Ministério Público foi despedida por extinção do posto de trabalho e está disposta a levar o caso para a Direcção de Serviços de Assuntos Laborais (DSAL) e tribunais. Em declarações ao HM, Tang Weng Ian considera-se injustiçada com a decisão e diz ter sofrido pressões para assinar o documento em que consta o despedimento.

“Disseram-me que, neste momento, o Gabinete do Procurador não tinha mais nenhum posto que se adequasse às minhas características. Também me informaram que a decisão tinha sido tomada com o aval do procurador Ip Son Sang, que isso fazia com que o meu contrato fosse terminado”, revelou Tang, residente local.

A decisão foi comunicada a 10 de Dezembro e Tang teve de assinar uma carta em que reconhecia que lhe tinha sido comunicada a decisão. No entanto, foi nesta altura que surgiram pressões. “Após me terem comunicado a decisão, os responsáveis pela gestão dos recursos humanos fizeram tudo para que eu assinasse os documentos relacionados com o despedimento. Mas, quando os esforços deles falharam, senti que houve uma pressão maior, que olhavam para mim como se tivesse cometido um homicídio”, acrescentou.

O documento acabou por ser assinado, mas a funcionária, que vai ficar até Fevereiro no Gabinete do Procurador, admite que está a enfrentar uma situação difícil, com dificuldades em dormir. “Senti muita pressão e senti-me muito desesperada. Recentemente tenho tido muitas dificuldades para dormir”, admitiu. “Com esta decisão perdi toda a confiança nos departamentos governamentais”, indicou.

Tang era assistente técnica administrativa especialidade de 2.º escalão e tinha sido contratada em regime de contrato além do quadro. Ao HM diz estar inconformada, porque afirma que não cometeu nenhuma infracção ou ilegalidade para ser despedida. Também aponta que não teve avaliações negativas do desempenho. Face a este desfecho, Tang considera que a decisão foi tomada com base na vontade de cortar no orçamento, devido aos tempos da pandemia. Por esse motivo, está também a preparar uma carta para o Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, sobre a situação.

Segundo o Regime do Contrato de Trabalho nos Serviços Públicos, que se aplica igualmente ao Gabinete do Procurador, apesar de este ser independente do Governo, o despedimento pode ser feito por iniciativa do serviço, desde que com a aprovação do responsável. O despedimento exige um aviso prévio de 60 dias que foi cumprido. Tang Weng Ian vai exercer funções até Fevereiro.

Sugestão de Vong Vai Va

Segundo a carta com o despedimento, a sugestão partiu do Procurador-Adjunto Vong Vai Va, que considerou que já não necessitava dos trabalhos da residente. “Tang Weng Ian está a trabalhar no Serviço de Acção Penal, responsável por assistir o procurador-adjunto Vong Vai Va para receber os documentos relacionados com os casos, recolher e organizar os relatórios de trabalhos do pessoal do gabinete”, é explicado. “Na sequência da mudança do Serviço de Acção Penal para a nova morada, em meados de Dezembro, houve um ajuste na carga de trabalhos e, segundo Vong Vai Va, as funções de Tang Weng Ian deixam de ser necessárias”, é acrescentado.

Ainda segundo o documento, a funcionária tinha desempenhado anteriormente funções de recepcionista, mas como não existem vagas no Gabinete do Procurador para a posição, foi recomendado o despedimento, mediante a aprovação do Procurador.

De acordo com Tang, também outro funcionário terá vivido uma situação semelhante, mas neste caso foi possível encontrar uma vaga em outro serviço, para evitar o despedimento.

O HM tentou obter uma reacção a este caso junto do Ministério Público e ainda se havia uma vaga de despedimentos em curso, mas até ao fecho da edição não houve qualquer resposta. Também a Direcção de Serviços para os Assuntos Laborais foi contactada para saber se ia investigar o caso, mas não foi fornecida qualquer resposta.

Habitação | Governo pondera construir pré-fabricados para Zona A

Os resultados da construção de residências para idosos na Areia Preta, com pré-fabricados, podem determinar se esta técnica também vai ser usada na habitação pública da Zona A. A possibilidade foi ontem avançada por Raimundo do Rosário. Já sobre o contrato de concessão da CTM, o secretário revelou que não há intenções de ser prolongado

 

A adjudicação directa do projecto de residências para idosos na Areia Preta à Companhia de Engenharia e de Construção da China (Macau) foi ontem justificado pelo secretário para os Transportes e Obras Públicas com o tempo de construção, diminuição de resíduos e a falta de experiência de empresas locais. Caso a experiência do projecto-piloto com pré-fabricados se revele positiva, esta técnica pode alargar-se à habitação pública da Zona A.

“Vai ser a primeira obra com este sistema de fabricação, portanto não há nenhuma empresa de Macau que tenha experiência nessa área. Tivemos de encontrar uma empresa com experiência. (…) Temos muita construção na Zona A, há 28 mil fogos para serem feitos, e esperemos que esta experiência corra bem. Se correr bem, haveremos de replicar este esquema de pré-fabricação na Zona A. E, portanto, é também uma oportunidade para as construtoras locais aprenderem”, disse Raimundo do Rosário.

O contrato da adjudicação, num valor de cerca de 2,1 mil milhões de patacas, era assinado ontem. Apesar de indicar que “a pré-fabricação é sempre um pouco mais cara que a construção tradicional”, o secretário da tutela indicou que o valor acordado está dentro dos parâmetros e que o valor final não pode superar o acordado. Raimundo do Rosário considera “aceitável” o preço do metro quadrado, que vai ficar na ordem das 16 mil patacas. Não há obrigatoriedade no uso de mão de obra local. O responsável político apontou que a percentagem de mão de obra local na construção civil “é muito reduzida”.

Uma das preocupações do Governo era concluir este alojamento para idosos no mandato actual. O objectivo é terminar a obra que vai começar no terreno que se destinava ao Pearl Horizon em 2023, a tempo de ser equipada e alojar pessoas.

O ambiente também foi tido em consideração. “O aterro onde depositamos os materiais e resíduos de construção já está saturado. (…) Uma das vantagens dos edifícios pré-fabricados é que a construção é mais rápida e a outra é que gera menos resíduos de construção”, declarou o secretário para os Transportes e Obras Públicas.

Raimundo do Rosário apontou também a vontade de evitar processos judiciais. Em causa, estão as paragens e atrasos nas obras adjudicadas quando há acções judiciais nos concursos e consultas. Um dos objectivos era que não houvesse “percalços” na obra para assegurar a sua conclusão em 2023.

CTM sem prolongamento

A um ano do fim de contrato de concessão com a CTM, Raimundo do Rosário revelou não haver intenções de prolongamento. “Espero que não. Pelo menos não tencionamos fazer aquilo que foi feito com os autocarros”, declarou, acrescentando que será feito um esforço para resolver a situação até Dezembro do próximo ano. O secretário para os Transportes e Obras Públicas reconheceu atrasos no regime de telecomunicações: “está atrasado, mas estamos a tratar disso”.

Foi conhecido em Outubro que a proposta de Lei das Telecomunicações tinha sido concluída. O anúncio da directora dos Serviços de Correios e Telecomunicações de Macau surgiu em resposta a uma interpelação escrita, na qual indicava que o novo regime de convergência previsto na proposta vai contribuir “para que os mecanismos de mercado funcionem de forma mais eficaz”.

Eleições | Comissão toma posse e aponta pandemia como principal desafio

Tong Hio Fong revelou que as eleições vão ficar mais caras do que em 2017, quando houve um orçamento de 55 milhões de patacas. O aumento vai ser “racional” e é explicado com um maior número de eleitores

 

A Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL), liderada pelo juiz Tong Hio Fong, tomou ontem posse e traçou como principal desafio para as eleições do próximo ano a situação de pandemia. Nesta fase, o Chefe do Executivo ainda não decidiu a data do acto eleitoral, que tradicionalmente ocorre no mês de Setembro.

“Sabemos que estamos numa fase de epidemia, por isso vamos comunicar de forma frequente com os Serviços de Saúde para tomar as medidas de prevenção e reforçar a comunicação”, afirmou Tong Hio Fong, presidente da comissão. “Vamos estar em permanente comunicação e ver as medidas que são necessárias [para realizar as eleições]. Se for preciso, a legislação eleitoral tem um artigo que nos permite adiar as eleições. É um cenário possível”, acrescentou, quando questionado sobre a possibilidade de haver um ressurgimento da pandemia em Macau.

A cerimónia de tomada de posse decorreu ontem à tarde na Sede do Governo, e Ho Iat Seng saiu sem prestar qualquer declaração aos jornalistas. Entre os membros da comissão destaca-se Inês Chan, directora do Gabinete de Comunicação Social, que assume o cargo de vogal pela primeira vez, em substituição de Victor Chan. Os restantes vogais, José Tavares, Kou Peng Kuan, Lai U Hou e Iong Kong Leong mantêm-se face aos actos eleitorais de 2017 e 2019.

Sobre as alterações na constituição, Tong disse que a equipa está habituada a trabalhar junta e que espera que a integração de Inês Chan ocorra de forma natural, sem problemas. Ao mesmo tempo, apelou ainda às pessoas para se recensearem até 31 de Dezembro, de modo a poderem votar.

Orçamento vai subir

Quanto à eleição dos 14 deputados pela via directa e os 12 pelo sufrágio indirecto, o presidente da CAEAL admitiu que espera um orçamento maior face às despesas de 2017, quando o acto eleitoral se cifrou nos 55 milhões de patacas. “O orçamento vai ser superior porque temos mais eleitores, mas claro que vamos ter em mente que temos de utilizar o orçamento de forma racional. Ainda não temos um número exacto”, explicou.

O que também deverá mudar são os arranjos de alguns locais de voto. Neste momento, ainda não está decidido se vão ocorrer mudanças. Porém, a estação de voto em Seac Pai Van foi identificada como problemática, assim como o Instituto Politécnico de Macau, onde decorrem as eleições indirectas.

“Em relação ao passado é possível fazer alguns arranjos nos postos de votação, onde podemos melhorar. Se não me engano, no posto de votação de Seac Pai Van houve muitas pessoas e é necessário ampliar o espaço. Também no IPM, onde decorreu o sufrágio indirecto, o tempo de espera na fila foi muito grande, por isso é possível melhorar”, afirmou Tong.

Quanto à possibilidade de haver candidatos proibidos de participar nas eleições devido a opiniões políticas, o juiz garantiu que a CAEAL vai agir de acordo com a lei e que todos os candidatos estão sujeitos a assinar uma declaração, como no passado.

António Candeias, vice-reitor da Universidade de Évora: Valorizar o património comum

É no laboratório Hércules, na Universidade de Évora, Portugal, que se estuda o património em todas as suas vertentes. António Candeias, vice-reitor da UE, disse ao HM que alguns dos equipamentos que farão parte de um laboratório semelhante na Universidade Cidade de Macau já estão a ser adquiridos e deverão chegar à instituição de ensino no início do próximo ano. Pelo meio, fica a vontade de alargar a rede de parcerias já existente com o Governo, nomeadamente com o Instituto Cultural

 

Foi inaugurado, em Novembro, na Universidade de Soochow, o Laboratório Conjunto China-Portugal das Ciências de Conservação do Património Cultural, uma parceria entre a Universidade de Évora (UE) e a Universidade Cidade de Macau (UCM). Concretamente o que vai ser desenvolvido na UCM, fruto desta parceria?

Em relação à UCM, a parceria que a UE tem é até anterior a este laboratório conjunto que foi agora anunciado. Na realidade encetamos ligações com a UCM há dois anos e meio, após a visita de uma delegação dessa universidade, e após uma ida nossa até Macau. Aí foi possível estabelecer uma série de áreas estratégicas de cooperação, uma delas o património partilhado. Ficou logo delineado que, através das competências do laboratório Hércules, que é único do ponto de vista de instrumentação e competências, seria possível delinear uma parceria com a UCM no sentido de criar, na UCM, um laboratório conjunto. Este teria algumas competências que o Hércules tem, do ponto de vista instrumental e, por outro lado, iria beneficiar dos especialistas. Foi assim estabelecido um acordo entre as duas universidades que prevê três grandes iniciativas.

Como vai funcionar esse laboratório na UCM?

Candidatámo-nos, o ano passado, ao financiamento pelo Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e Tecnologia (FDCT), com um valor de quase meio milhão de euros. Neste momento estamos em fase de aquisição dos equipamentos. Se tudo correr bem, serão entregues em Janeiro ou nos primeiros dois meses do ano. Os nossos investigadores irão a Macau para apoiar a montagem dessas metodologias analíticas e para desenvolver os primeiros trabalhos em Macau. O objectivo é reforçar, de forma contínua, esse laboratório, e capacitar docentes e investigadores da UCM para a área do património.

Cria-se, assim, uma rede com a Universidade de Soochow.

Já tínhamos visitado a Universidade de Soochow e percebeu-se que havia a colaboração na área do património, ao nível da conservação e reabilitação. A cidade de Soochow é também património mundial da Humanidade. Mas um dos professores da UCM foi para a Universidade de Soochow e surgiu a possibilidade de avançar para um projecto com uma maior escala, que era candidatar o laboratório conjunto à iniciativa “uma faixa, uma rota”. Trabalhamos com Soochow nesta candidatura, que foi bem sucedida, e que culminou na inauguração do laboratório [em Novembro]. Na realidade este vai ser um laboratório distribuído e o que está previsto, para já, é a criação de projectos de investigação conjuntos. No início do ano vamos identificar projectos conjuntos em Macau e China.

Falamos de projectos ligados a monumentos, por exemplo?

E não só. Quer o laboratório em Macau quer o de Soochow não se focam apenas no património construído, mas também no património móvel, integrado e imaterial. A questão do saber fazer também é algo que nos diz muito. Em termos de iniciativas, vamos desenvolver projectos conjuntos e prevejo que investigadores nossos possam ir, por períodos definidos, para Macau e para Soochow. Seria muito importante que no próximo ano se identificassem possíveis estadias de investigadores em Évora, no laboratório Hércules. Além disso, a presença dos nossos investigadores em Macau e Soochow será também uma oportunidade para dar uma formação específica, com workshops. Isso é apenas para começar, porque o que se pretende a seguir é criar formações conjuntas, que vão desde doutoramentos a mestrados.

Já há um plano para essas formações?

Esse plano vai ter de ser definido. O laboratório foi agora lançado, mas a ideia é podermos definir um conjunto de formações na área do património com estas duas universidades.

Podem ser estudados elementos da cultura macaense, por exemplo?

Espero que sim, e o objectivo é mesmo esse. [O nosso trabalho] não se cinge ao edificado e o que queremos é valorizar o património no seu todo. É uma abordagem muito transversal e chega até ao património arqueológico. Com a UCM foi possível criar uma cátedra em património sustentável aqui na UE.

E como funciona?

Esta cátedra já está no seu segundo ano de actividade é apoiada pela UCM e tem desenvolvido projectos de investigação e valorização do património. Devido à pandemia a interacção com a UCM não tem sido muito grande, mas há trabalhos em curso e que vão ser lançados muito em breve, com algum impacto mediático e social. Pensamos que esta cátedra, associada ao laboratório Hércules, tem um papel muito importante.

Que tipo de projectos estão em curso?

Estamos muito envolvidos no projecto da Vila Romana de Pisões, estamos a desenvolver conteúdos digitais para a visita deste campo arqueológico. Estamos também envolvidos no restauro dos Painéis de São Vicente, pois é através da cátedra que se está a realizar esse trabalho. Vamos estudar no Museu Nacional de Arte Antiga os papéis decorativos chineses do século XVII, que são de facto peças únicas e que são muito importantes, e que vão ser alvo de um estudo. Vamos lançar um passaporte do património da cidade de Évora, muito à semelhança do que já existe em Macau.

Como olha para a preservação do património em Macau, incluindo do ponto de vista arqueológico? É ainda necessário fazer muita coisa?

É sempre preciso fazer muita coisa, nunca temos o trabalho concluído. Mas há um olhar sobre a preservação do património na criação de um discurso. Percebe-se agora que valorizando esse património criam-se noções identitárias dos povos e, no caso de Macau, parece-me que se está no caminho certo. Espero vir a contribuir para a valorização e preservação desse património comum.

Gostavam de trabalhar com o Governo de Macau, nomeadamente com o Instituto Cultural?

Com certeza que sim. Estamos abertos a colaborações. Neste caso deu-se a coincidência da UCM visitar a UE e nós irmos a Macau no âmbito de um fórum universitário, mas estamos muito disponíveis para colaborações. Ganhando escala podemos fazer mais.

A atribuição de um doutoramento honoris causa a Chan Meng Kam, fundador da UCM, também serviu para estreitar estas relações.

Sim, penso que tudo foi uma consequência. Havia estas ligações e uma série de interesses comuns.

Activistas de Hong Kong julgados na China declaram-se culpados, revelam familiares

Familiares dos jovens de Hong Kong, entre os quais o luso-chinês Tsz Lun Kok, acusados na China de tentarem escapar de lancha, face a uma campanha repressiva contra dissidentes, revelaram hoje que os jovens se declararam culpados.

As famílias dos detidos foram ainda informadas por advogados nomeados pelo tribunal do distrito de Yantian, na cidade de Shenzhen, sudeste da China, que o veredicto será entregue na quarta-feira, de acordo com a associação 12 Hongkongers Concern Group, que está a apoiar as famílias.

Não se sabe se os 10 jovens que foram a julgamento na segunda-feira serão condenados já na quarta, mas os tribunais chineses costumam emitir sentenças em simultâneo com os veredictos.

Os 10 réus, incluindo o luso-chinês Tsz Lun Kok, são acusados de cruzamento ilegal da fronteira. Dois deles são também acusados de terem organizado a tentativa de fuga, segundo a acusação, emitida em Shenzhen. São ainda esperadas audiências separadas para dois menores, que também estavam a bordo do barco.

Os 12 detidos, a maioria ligados aos protestos anti-governamentais do ano passado, em Hong Kong, estão detidos há cerca de quatro meses em Shenzhen, cidade chinesa adjacente à antiga colónia britânica, por “travessia ilegal” das águas continentais.

O grupo tinha iniciado a viagem com destino a Taiwan, onde se pensa que procuravam asilo, quando a lancha em que seguiam foi interceptada, em 23 de agosto, pela guarda costeira chinesa.

A tentativa de fuga terá sido motivada pela imposição por Pequim de uma lei de segurança nacional em Hong Kong. Desde então, vários críticos do governo fugiram de Hong Kong, muitos para a ilha de Taiwan.

A imprensa de Hong Kong diz que pelo menos um dos réus pode ter recebido um mandado de prisão, sob a nova lei de segurança nacional.

Familiares dos réus afirmaram que foram impedidos de contratar os seus próprios advogados e que as acusações têm motivação política.

Os réus podem ser condenados a até um ano de prisão, por cruzarem a fronteira, e a sete anos, por terem organizado a viagem.

Os familiares foram informados apenas na sexta-feira de que o julgamento iria decorrer na segunda. Ou seja, não puderam assistir à sessão, devido à quarentena de 14 dias imposta a quem chega à China continental, uma medida de combate à pandemia de covid-19.

Tsz Lun Kok, que tem nacionalidade portuguesa e chinesa, embora a China não reconheça a dupla nacionalidade, tinha já sido detido em 18 de novembro de 2019, em Hong Kong, e mais tarde libertado, durante o cerco da polícia à Universidade Politécnica daquele território, sendo acusado de motim, por ter participado alegadamente numa manobra para desviar as atenções das forças de segurança com o objetivo de permitir a fuga de estudantes refugiados no interior.

Empresário e produtor chinês Lin Qi morto com suspeitas de envenenamento

O empresário chinês Lin Qi, administrador da empresa de videojogos Yoozoo e produtor de uma série na Netflix, morreu na sexta-feira, alegadamente por envenenamento, e as autoridades chinesas detiveram um suspeito, foi ontem anunciado.

A Yoozoo Games confirmou, em comunicado, que Lin Qi, de 39 anos, morreu na sexta-feira, dia de Natal, depois de ter estado hospitalizado, mas não revelou a causa da morte.

A polícia de Shangai revelou que o empresário foi hospitalizado no dia 17, na sequência de um envenenamento, e que deteve um homem, que trabalha na Yoozoo, suspeito de ter cometido o crime.

A publicação Caixin, citada pela Associated Press, indica que o suspeito do envenenamento estava a trabalhar na produção da série “The Three-Body Problem” para a plataforma de ‘streaming’ Netflix, da qual Lin Qi era coprodutor executivo.

A imprensa chinesa local acrescenta que o suspeito é Xu Yao, um outro executivo da Yoozoo, responsável pela área de produção para cinema e televisão, e que terá havido uma disputa entre administradores por causa daquela série.

A “The Three-Body Problem” é uma série de ficção, a partir de uma popular trilogia de ficção científica do autor chinês Liu Cixin, e está a ser produzida também por David Benioff e D. B. Weiss, criadores da série “A Guerra dos Tronos”.

Por sua vez, a emprega Yoozoo desenvolveu o videojogo “Game of Thrones: Winter is coming”.

Lin Qi fundou a Yoozoo – também conhecida como Yuzou Interactive – em 2009, e tinha uma fortuna estimada em mil milhões de dólares.

O primeiro volume da trilogia do escritor Liu Cixin será publicada em Portugal em 2021 pela Relógio d’Água, com o título “O problema dos três corpos”.

ONU pede libertação da jornalista chinesa que reportou surto em Wuhan

A ONU apelou ontem à libertação da jornalista chinesa independente Zhang Zhan, condenada esta segunda-feira a quatro anos de prisão pelas informações que recolheu sobre o surto inicial do novo coronavírus em Wuhan, no centro da China.

O apelo dirigido às autoridades chinesas foi feito pela Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, a ex-Presidente chilena Michelle Bachelet.

“Temos falado sobre este caso com as autoridades ao longo de 2020 e consideramos este caso com um exemplo das restrições excessivas à liberdade de expressão em relação à covid-19”, afirmou a equipa de Michelle Bachelet numa mensagem publicada na rede social Twitter.

Um tribunal de Xangai condenou hoje Zhang Zhan a quatro anos de prisão.

Zhang Zhan viajou para Wuhan, em fevereiro passado, para recolher informações sobre o surto inicial da covid-19, ocorrido no final de dezembro de 2019, e a subsequente campanha de prevenção contra a doença e tratamento dos pacientes, mas desapareceu, em maio, sendo mais tarde revelado que tinha sido detida pela polícia em Xangai, no leste da China.

O tribunal considerou que Zhang Zhan tinha “provocado distúrbios” e “procurado problemas” com as notícias que fez sobre o surto em Wuhan.

A jornalista independente recusou-se a reconhecer as acusações, tendo considerado que as informações publicadas por si em plataformas chinesas como o WeChat ou nas redes sociais Twitter e YouTube não deveriam ter sido censuradas.

Segundo a organização não-governamental (ONG) Amnistia Internacional, o trabalho de Zhang Zhan centrou-se na denúncia das detenções de outros repórteres independentes e do assédio que foi feito a familiares de vítimas do novo coronavírus durante aquele que é considerado como o primeiro surto da pandemia da covid-19 e que posteriormente viria a ganhar proporções mundiais.

A organização Defensores dos Direitos Humanos na China revelou, em setembro passado, que a jornalista tinha sido presa por informar que os cidadãos de Wuhan receberam comida estragada, durante as 11 semanas de confinamento da cidade, ou que foram obrigados a pagar para realizarem testes de deteção do novo coronavírus.

A pandemia da doença covid-19 já provocou pelo menos 1.765.049 mortos resultantes de mais de 80,6 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

Contratempos da vacina (I)

Durante a última semana as vacinas contra a COVID estiveram na ordem do dia em todo o mundo. Várias vacinas estão a ser produzidas em massa e está para breve a sua distribuição em muitos países e regiões.

Actualmente existem cinco vacinas reconhecidas. A primeira, à base de ácido ribonucleico, foi desenvolvida pela Pfizer, uma empresa farmacêutica norte-americana e pela BioNTech, uma empresa alemã. O Reino Unido foi o primeiro país a aprovar a utilização da vacina. No passado dia 11, a vacina foi também autorizada nos Estados Unidos pela US Food and Drug Administration. Esta vacina usa pela primeira vez uma nova tecnologia e tem de ser conservada a uma temperatura de 70º graus negativos. Só pode ser guardada no frigorífico durante cinco dias. A julgar por estas condições, percebe-se que o transporte vai levantar algumas dificuldades.

A segunda vacina é da Moderna, outra empresa norte-americana. Esta já pode ser conservada a 20 º negativos, durante seis meses. Também pode permanecer num frigorifico doméstico até 30 dias. A US Food and Drug Administration aprovou-a no passado dia 17.

A terceira foi desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela AstraZenca, uma empresa farmacêutica britânica Esta vacina usa um vector viral não replicável e pode ser conservada a uma temperatura entre os 2 e os 8º Celsius, factor que facilita bastante o seu transporte.

A quarta, a CoronaVac desenvolvida pela Sinovac, uma empresa chinesa de ciência e tecnologia, é feita a partir dos métodos tradicionais contendo estirpes modificadas do agente patogénico. Esta técnica é amplamente utilizada, por exemplo, na vacina contra a raiva.

A quinta, é a vacina russa Sputnik-V. Foi desenvolvida pelo Centro Nacional de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya em Moscovo, e foi registada no Ministério da Saúde da Federação Russa, a 11 de Agosto. O Presidente Putin anunciou que a filha tinha tomado a vacina. A Sputnik-V foi testada em cerca de 80 pessoas durante dois meses, passando rapidamente a fase de ensaios clínicos e registo.

As vacinas trazem grandes benefícios na supressão das epidemias. No entanto, algumas pessoas tiveram reacções adversas após terem sido inoculadas. No Reino Unido, houve dois casos. Ambos tinham várias alergias. Depois de terem tomado uma injecção de epinefrina, recuperaram.

Nos Estados Unidos também ocorreram alguns casos. Uma mulher de meia idade, que trabalha na área da saúde, foi vacinada dia 15 deste mês. Passados dez minutos, começou a ter dificuldade em respirar e aceleração do ritmo cardíaco. Mesmo após receber uma injecção de epinefrina, os sintomas continuaram a surgir. Depois de ter passado um dia nos Cuidados Intensivos, teve alta, mas o médico disse-lhe que nunca mais podia tomar esta vacina.

No Reino Unido quatro pessoas desenvolveram paralisia de Bell, depois de terem sido vacinadas. Actualmente estão todas recuperadas.

Nestes últimos casos, não existem provas científicas que demonstrem que estas reacções estão directamente relacionadas com a vacina. Cientificamente, não é possível estabelecer a relação causa efeito entre a paralisia facial e a vacina.

June Raine, uma representante da Agência Reguladora do Medicamento e e Produtos para a Saúde do Reino Unido (MHRA – sigla em inglês), assinalou que, após a vacinação, a maior parte das pessoas não vai ter reacções alérgicas, um pequeno grupo terá algumas reacções moderadas e que as reacções graves vão ser raras. As vacinas protegem as pessoas de infecções virais. Os seus benefícios superam largamente os riscos. Estas vacinas vão de encontro aos critérios extremamente exigentes da MHRA, no que respeita a segurança, qualidade e eficácia.

O facto de terem surgido estas reacções alérgicas, é um alerta para a necessidade de ter em atenção a história clínica do paciente antes da vacinação. Se houver um historial alérgico as equipas médicas podem assegurar a medicação necessária para combater estas reacções.

As reacções adversas à vacinação não são novidade. Por regra, leva mais de dez anos a desenvolver uma vacina. Esta vacina teve o seu prazo de desenvolvimento encurtado para dez meses. Geralmente o período de protecção de uma vacina varia entre os 3 a 5 anos. O ciclo de vacinação começa com a inoculação e termina com o fim da protecção. Só nessa altura se podem ter dados mais precisos sobre a sua eficácia, efeitos secundários, etc. A actual situação de emergência forçou os investigadores a apressar o desenvolvimento desta vacina e a saltar algumas etapas habitualmente necessárias, para que a vacinação possa começar a partir deste momento.

Na próxima semana analisaremos as questões legais relacionadas com o assunto.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog

O homem que escrevia sobre os outros

Numa entrevista nos anos 80, o escritor franco-polaco, Charles Ravinski dizia que escrevia muito sobre os outros para se proteger de escrever demasiado obre si mesmo. Outra das suas tácticas para se proteger desse pecado mortal, como lhe chamava Ravinski, era a tradução. Isso não o impediu de, aos 87 anos, já no início deste século, escrever a sua obra magna «Os Caminhos do Senhor». Neste livro, de mais de 700 páginas, a que o filósofo francês Louis Garnier chamou «a obra dos outros», Ravinski escreve só sobre os seus amigos e vizinhos. Não naquele sentido telenovelístico de espreitar para a casa do outro e descrever o que lá se passa – eventualmente trocando os nomes e por vezes as profissões – mas intercalando frases deles mesmos com pensamentos que poderiam pertencer-lhes, partindo das suas frases. Aliás, escreve à página 23: «O que pensamos nunca é nosso.» Mas veja-se como começa o livro, de modo a entendermos a operacionalidade: «Gustave chegou ao café sentou-se à minha frente e disse-me que ia morrer. Um cancro no pâncreas, detectado apenas a tempo de ordenar o que ia ficar para os outros. Perguntou-me: “Charles, queres ficar com alguma coisa lá de casa?” Quando nos separámos fiquei a pensar em quando aquela dor seria também a minha. Teria a coragem dele? Olhar para as coisas da casa, tentar entender o que deveria ser dado indiferentemente, o que deveria ser destruído e aquilo que devia ficar para os amigos. Tenho tido muita sorte com o meu corpo, com a minha vida. A situação de Gustave fez com que me lembrasse de um dos meus primeiros amigos, Jacques, que morreu aos 19 anos, num acidente de carro. E depois lembrar-me também da minha primeira mulher, Catherine, que morreu de cancro da mama aos 37 anos. Ainda oiço e palpo o sofrimento dela. E lembro-me, muito claramente, da minha incompreensão. Tenho tido muita sorte com este corpo.»

Estas reflexões e discursos de Gustave – porque há mais conversas no café –, alongam-se por mais de trinta páginas. Em momento algum, nos encontros entre Charles e os seus amigos ou vizinhos aparece uma palavra que não seja derivada da situação dos outros frente a ele ou das suas próprias palavras. Nem sequer um «bom dia» ou «como está?». As recordações da sua vida são apostas ao que os outros falam, ao que lhes acontece, como se as suas memórias fossem um prolongamento dos outros e não dele. Porque, escreve Ravinski, a propósito do «Vidraças», um pedinte junto à casa de Charles, que se sentava sempre encostado aos vidros das montras a ler, com uma pequena caixa de plástico em frente, para as esmolas: «Nenhum de nós é único. Somos todos paredes contíguas de outros. De um de nós para o outro, ouve-se tudo o que dói. A vida humana é tão incompreensível que deveríamos ter outra palavra para ela. A vida não é isto que somos. É uma parte dela, não é significativa, nem sequer a melhor ou a mais importante; nem sequer a que mais sofre. Somos a parte absurda da vida. Escutamos tudo, não compreendemos nada.»

Ravinski expressa o absurdo de viver para ver morrer quem se ama. Ele mesmo dizia ser uma maldição continuar a viver para além dos outros. Pensa, enquanto está sentado no café com o amigo: «Quando Gustave morrer, ficarei só no mundo. Nem mais um amigo dos tempos em que havia futuro e não se dava por viver. Mas Gustave interrompe-me os pensamentos e diz: «Lembras-te da Sara? A Sara Bronstein, uma poeta muito bonita, que se apaixonou perdidamente pelo Camus e se suicidou aos trinta e poucos anos… Nas últimas semanas não me sai da cabeça.

Lembro-me continuamente de uma coisa que ela me disse: achas que alguém se vai lembrar de mim se eu morrer amanhã? Nunca lhe respondi. Nunca lhe disse nada. Ela tinha bebido bastante e julguei aquilo um disparate. Enchi-lhe o copo com um sorriso, foi tudo. Dias depois matava-se. E agora, mais de trinta anos depois, aqui estou à beira da morte a lembrar-me dela, mais do que das minhas amantes e dos meus amigos.” Fiquei em silêncio a olhar para ele e não tive coragem de lhe dizer que também eu tinha sido amante de Sara, a bela poeta suicida.»

O livro está repleto de pequenas histórias a envolverem os seus amigos, alguns apenas conhecidos, intelectuais e artistas de Paris. Assim, «Os Caminhos do Senhor» torna-se um longo desfilar de mortes, de sofrimento à volta das mortes, de muitas pessoas que fizeram parte da vida de Ravinski. O livro aparece-nos como uma espécie de longa ode à memória. Porque, mais do que exaltação da vida ou da morte ou do amor ou da amizade, é a memória que surge com mais iluminação. Como diz Gustave: «Poder chegar à nossa idade lembrando tanto e ainda continuar a descobrir novas sentidos nessas memórias não deixa de ser belo, não achas Charles?» Ou já a mais de meio do livro, uma fala do seu barbeiro de décadas, pouco mais novo que Charles: «“Doutor, isto de lembrar o antigamente, tem que se lhe diga! Veja lá que ainda ontem me lembrei de quando era criança, ainda em Rheu, na região de Rennes, ter partido a cabeça ao meu irmão com uma pedrada, por estarmos a discutir por causa de uma bicicleta… E a vida toda, ou quase toda, está bem de ver, tinha a ideia de que quem lhe partiu a cabeça tinha sido o Frederique, um amigo nosso que só nos fazia mal. Uma espécie de aviso pra vida… E afinal o amigo mau fui eu. Para você ver. Como o meu irmão já morreu e da outra peste nunca mais ouvi falar, vou ficar sem saber o que realmente se passou.”

Fiquei a pensar que provavelmente o irmão também não iria lembrar os acontecimentos tal como se passaram, porque talvez ao longo da vida eles tenham sido tão construídos como na realidade aconteceram. E hoje o que importa é a luz que ilumina esse dia, há mais de setenta anos. Esse dia continua iluminado, como se fosse um actor em palco, movimentando-se e dizendo as suas falas.»

Os caminhos do senhor, para que o título do livro remete, tem a ver com a estreita e estranha relação entre o destino e a memória. E por destino, em Ravinski, devemos entender os caminhos que se desenrolam ao passarmos de um dia para o outro, como portas. As pessoas que são invocadas ao longo destes caminhos, quer seja o Vidraças ou o barbeiro ou a senhora da mercearia ou os amigos mais próximos, que na altura da narrativa é apenas Gustave, tornam-se criações de Ravinski através não só da reflexão, mas fundamentalmente da memória. «A memória transforma tudo. A grande diferença, entre a memória de um computador e a nossa, é que o computador é um armazém e a nossa é um negociante. A memória do computador guarda tudo como foi, a nossa negoceia tudo para que seja como foi.», diz Gustave, e continua: «“Um dia, lembrar-te-ás de mim, sim, porque tu ainda vais passar dos 100 anos, e dirás: aquele gajo era muito boa pessoa. Logo eu, que sempre fui do pior com os outros. Sem simpatia, sem compaixão, sem uma mão estendida. Tu sabes bem, Charles, que sempre quis que o outro se fodesse, não sabes?” Eu sabia, claro, já éramos amigos há mais anos do que nos lembrávamos. Mas, evidentemente, o Gustave não tinha só qualidades. De quando em quando, lá tinha uma fraqueza e fazia qualquer coisa boa. Ou será que já a minha memória a trair-me.» Neste momento do livro, damo-nos conta de que tudo pode ser uma grande invenção.

De que na realidade talvez tudo não passe de uma grande invenção. Um livro que, além de belo, de nos mostrar algumas personagens icónicas de Paris, no faz pensar de um modo pertinente a acção da nossa memória. Porque no fundo, o que é a memória senão invocar os outros? Tudo o que não está aqui é outro. Ravinski sabia isso muito bem e mostrou-nos melhor ainda.