Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesA inovação começa em cada um de nós Sam Hou Fai, o sexto Chefe do Executivo de Macau, apresentou a sua equipa à imprensa e cada um dos membros do Governo proferiu um discurso. A julgar pela atitude e pelo conteúdo da dissertação de cada um deles, torna-se evidente que Sam Hou Fai irá arcar com a pesada responsabilidade pelo desenvolvimento da RAE de Macau. Sob o slogan “integração no desenvolvimento nacional”, é necessário encontrar maneira de enfrentar a concorrência homóloga na Área da Grande Baía e é também crucial entender os potenciais impactos do conflito comercial sino-americano no modo de vida dos residentes de Macau. Não é tão simples como contar uma história bonita sobre a cidade. Há pouco tempo, deparei-me com um artigo num jornal de Hong Kong que espelhava a situação actual. No artigo, mencionava-se como exemplo um debate financeiro que teve lugar durante a Dinastia Han, na China, e que mostrava que os reformistas defendiam o combate aos monopólios e a abertura dos mercados para proporcionar às pessoas oportunidades de melhorar as suas vidas e para resgatar o país de dificuldades financeiras. No entanto, os governantes colocaram três questões para refutar estas recomendações: 1) Como é que o país pode fazer face à suas enormes despesas sem as receitas provenientes dos impostos? 2) Como é que o país pode estar preparado para a guerra ou para desastres naturais sem reservas financeiras suficientes para lidar com essas calamidades? 3) Se o Governo central não tiver total controlo dos recursos económicos, como é que pode manter o total controlo da sociedade? O autor do artigo considera estas três questões absurdas, salientando que se pede sempre ao povo que se sacrifique pelo país, enquanto as verdadeiras despesas, o número de governantes e os seus salários permanecem intocáveis. O Secretário das Finanças de Hong Kong anunciou que o deficit orçamental do ano fiscal de 2024/25 tinha aumentado significativamente em relação aos 48 mil milhões de dólares de Hong Kong previstos e que se espera que venha a atingir os 100 mil milhões. E o que reserva o futuro para Macau? Quando tomou posse, o objectivo de Ho Iat Seng, o ainda Chefe do Executivo, era a racionalização da estrutura do funcionalismo público com a redução do quadro. No entanto, depois de vários anos, a situação não melhorou. Só no passado mês de Abril, quando os funcionários de três instituições do ensino superior de Macau deixaram de ser enquadrados no âmbito do controlo do número total de trabalhadores dos serviços públicos, o número total de funcionários públicos em Macau passou para cerca de 35.000, embora este número seja proporcionalmente muito elevado quando comparado com a Coreia do Sul, o Japão, Taiwan e Hong Kong. Foi publicado outro artigo num jornal de Hong Kong, mas desta vez escrito por um comentador cultural de Macau, que recorria a alguns números para ilustrar certas anormalidades desta cidade. Todos os anos, a distribuição de dinheiro pelos cidadãos de Macau através do Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico tem o objectivo de satisfazer toda a gente, e uma vez que Macau tem o PIB mais elevado da Ásia, o nível de vida dos cidadãos de Macau deverá ser elevado. No entanto, em 2023, a taxa de suicídio em Macau foi de 13 casos em cada 100.000 pessoas, significativamente mais alta que a taxa média global de 9 casos em cada 100.000 habitantes, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. A taxa de suicídio em Macau está a aproximar-se dos números registados em alguns países africanos mais pobres. E em 2024, quantos suicídios ocorreram em Macau? Excluindo casos em que os corpos não foram encontrados, o Governo de Macau reportou 44 suicídios de pessoas de todos os estratos sociais, incluindo jovens, na primeira metade do ano. Será que os residentes de Macau se sentem verdadeiramente e felizes e realizados? Como é que está a sua saúde física e mental? O número de casos de suicídio pode reflectir estas questões. Discursos vazios não só prejudicam o país como desencaminham Macau. Para construir uma sociedade estável, saudável e sustentável deve procurar-se a inovação e ela deve começar dentro de cada um de nós.
Olavo Rasquinho VozesCOP29 – Outra vez a raposa no galinheiro Realizou-se em Baku, capital do Azerbaijão1, entre 11 e 22 de novembro, a 29.ª conferência da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP29). Estiveram representados cerca de 196 países, conjuntamente com cientistas, líderes empresariais, representantes de povos indígenas, membros da sociedade civil, etc., perfazendo um total de aproximadamente 30.000 pessoas Numa altura em que as emissões dos gases de efeito de estufa (GEE) continuam a aumentar e em que paira a ameaça de que os Estados Unidos da América, o segundo maior emissor e responsável por 12% a 15% do total das emissões à escala global, se poderão retirar pela segunda vez do Acordo de Paris, estiveram ausentes muitos dos líderes das maiores potências mundiais. Tal como os Emirados Árabes Unidos, onde se realizou a COP28, o Azerbaijão é provavelmente um dos países menos interessados em que se cumpram os compromissos anteriormente assumidos sobre as alterações climáticas, nomeadamente o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris. Segundo o Banco Mundial, os combustíveis fósseis perfazem entre 80 e 90% das exportações do Azerbaijão, e constituem uma parte substancial das receitas do país, apesar dos esforços do governo para diversificar a economia. Talvez por razões financeiras, uma vez que o país anfitrião cobre parte das despesas inerentes à realização das COP, as Nações Unidas insistem em realizar estas cimeiras em países que, além de serem produtores de petróleo, são também conhecidos por desrespeitarem os direitos humanos. Segundo a Amnistia Internacional, o governo do Azerbaijão restringe frequentemente as liberdades fundamentais e não é rara a detenção arbitrária de jornalistas, ativistas e defensores dos direitos humanos. Há também relatos sobre o recurso a tortura a presos políticos. Entre os participantes contava-se um número elevadíssimo, mais de 1700, de representantes de lóbis relacionados com a exploração de combustíveis fósseis, o que levantou objeções por parte de algumas delegações. Durante a conferência decorreram manifestações de ativistas contra a ineficácia, segundo o seu ponto de vista, da luta contra as alterações climáticas. Numerosos participantes manifestaram, durante os trabalhos, frustração pela falta de avanços significativos na luta contra as alterações climáticas, nomeadamente no que se refere à redução dos combustíveis fósseis e aos compromissos financeiros para a compensação dos países mais afetados. Algumas delegações chegaram mesmo a abandonar temporariamente a conferência como protesto contra o montante inicialmente proposto para o Fundo de Perdas e Danos. Foi o caso das delegações dos países da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Alliance of Small Island States) e dos Países Menos Desenvolvidos (Least Developed Countries). Talvez por influência destes protestos foram tomadas decisões no sentido de aumentar significativamente o estabelecido na COP27. A meta anterior de US$100 mil milhões passou para US$300 mil milhões anuais até 2035. Foram também garantidos esforços no sentido de aumentar o financiamento para US$1,3 biliões de dólares por ano até 2035. Pretende-se, com este fundo, que os países mais desenvolvidos compensem os mais vulneráveis pelas perdas e danos causados pelas alterações climáticas. Espera-se que na COP30, a realizar no Brasil em novembro de 2025, o Fundo de Perdas e Danos continue a ser discutido de modo que se estabeleçam metas mais concretas e progressivas e não se limite a custear perdas e danos, mas também se aplique à adaptação às alterações climáticas e à sua mitigação nos países mais vulneráveis. Apesar de a conferência ter tido um certo êxito, o facto de se ter realizado num país fortemente dependente da exploração de combustíveis fósseis fez com que alguns observadores recorressem à metáfora da “raposa no galinheiro”, tal como acontecera na COP28, nos Emirados Árabes Unidos. * Meteorologista Nota: O Azerbaijão está situado entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, numa região agitada no que se refere conflitos, em parte devido à existência de extensas jazidas de petróleo. Entre esses conflitos sobressai o problema do Nagorno Karabakh, que constituía uma região autónoma que fazia parte da República Socialista Soviética do Azerbaijão, apesar da maioria da população ser etnicamente arménia. Com a implosão da URSS, as tensões entre azeris e arménios aumentaram, o que deu origem a confrontos que por vezes se reacendem. A Federação Russa não apoia claramente nenhum dos países envolvidos no conflito, enquanto o Ocidente manifesta mais simpatia pela posição da Arménia, em termos diplomáticos e humanitários, mas mantém laços económicos com o Azerbaijão devido ao papel importante que este país desempenha na área da exploração petrolífera.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA sensibilidade trágica perdida dos Estados Unidos (II) “American power is not what it used to be, and cannot coerce the way it used to … and that power is not coming back.” Robert D. Kaplan A cultura americana tem dificuldade em reconhecer esta verdade devido à falta de um elemento crucial da tragédia que é a capacidade de apresentar os argumentos de ambos os lados como justificados e necessários. Além disso, a tragédia ensina que a justiça só existe se nos opusermos à unilateralidade dos nossos argumentos. Esta é uma forma de notar que a justiça não é justificada. É uma maneira tão boa como qualquer outra de detectar o cansaço americano para se tornar curioso, para legitimar o ponto de vista do outro integrando-o no seu próprio raciocínio. Não para nos rendermos ao inimigo; para o compreendermos, para o derrotarmos melhor. Citando a classicista Edith Hamilton, Kaplan defende que “a tragédia é a beleza das verdades intoleráveis”. E o que é mais intolerável do que as razões do inimigo durante uma guerra? Segundo o autor, a sensibilidade trágica não é fatalismo, relativismo, cinismo ou quietismo. É discernimento. O que é senão um hino ao raciocínio geopolítico e ao seu método de dar igual peso, na análise de um conflito, aos argumentos de todos os actores? O problema, segundo Kaplan, reside na formação académica da classe dirigente. Conclui explicitamente que os clássicos da literatura são guias mais rigorosos e mais úteis do que qualquer metodologia das ciências sociais para aqueles que não tiveram uma experiência pessoal de guerra e de morte. Critica as ciências sociais e a gestão pela mesma razão, pois ambas têm a presunção de poder e dever de melhorar o mundo. A primeira acredita que teorias bem pensadas não só reflectem a realidade como podem aperfeiçoá-la através da aplicação da política correcta. A segunda concebe a missão da América como a redenção do planeta e, por conseguinte, todas as questões de política externa são solucionáveis. O entrelaçamento de poder entre estas ideias é muito mais profundo do que se possa pensar. Para o apreciar, mergulhemos na história. Politologia é império. O poder americano sempre utilizou abundantemente as ciências sociais para legitimar a sua expansão. As ciências sociais, como é sabido, surgiram no final do século XIX como uma ramificação do positivismo e do progressismo e a ideia é encontrar as leis através das quais a política e a história funcionam, a fim de melhorar constantemente a sociedade e orientá-la para um futuro melhor. Na América, porém, está ligada a outra corrente. No final do século XIX, os Estados Unidos estão em rápida ascensão. Após a Guerra Civil, transformam-se rapidamente numa potência manufactureira. Completaram a conquista do Oeste. Começam a adquirir possessões ultramarinas. Neste contexto, a crença de que a América está destinada a redimir o mundo é galopante. A política deve ser o instrumento de elevação das massas, no país e no estrangeiro. Para tornar o “Velho Mundo” mais parecido com o “Novo Mundo”. Estabelecer uma ordem internacional baseada no direito. A guerra será substituída pela arbitragem. A ameaça pela persuasão. A rivalidade pela razão. Tudo sob o olhar benigno da América. Estas ideias ganham força quando os Estados Unidos se tornam um império. Uma figura é emblemática; Elihu Root. Advogado nova-iorquino, Secretário da Guerra e Secretário de Estado entre 1899 e 1909, é um fervoroso apoiante da anexação das Filipinas e pertence ao grupo de elite dos estadistas que, com Theodore Roosevelt e Alfred Mahan, afirmam os Estados Unidos como uma grande potência mundial. Com uma particularidade em relação aos seus colegas o de acreditar firmemente que a América deve conduzir o mundo para uma nova forma de relações internacionais baseada no direito, na paz e no comércio. Concebe o direito internacional como um instrumento para erradicar a guerra e o egoísmo, para construir bons hábitos a serem alargados entre os Estados. Um esforço a que se dedicou sem descanso, com 24 casos de conflitos entre Estados terminados por tratados de arbitragem, que lhe valeram o Prémio Nobel da Paz em 1912. Longe de ser um pacifista, apoiou a mobilização geral para entrar na I Guerra Mundial. Embora com algumas reservas, apoiou o projecto falhado de Wilson para a Liga das Nações. Root é Wilson antes e durante Wilson. Há quem lhe chame, incorrectamente, o pai do imperialismo progressista. É certo que, como fundador e director do Council on Foreign Relations, de 1918 até à sua morte em 1937, e como primeiro presidente do Carnegie Endowment for International Peace, dois dos principais grupos de reflexão do país, moldou profundamente a ideia da classe dominante sobre o papel superior e moral da América no mundo. Isto mede-se no projecto, não muito distante, de criação de um governo mundial e de uma nação global, lançado noventa anos mais tarde por outro demiurgo; Strobe Talbott, antigo secretário de Estado de Clinton, director de longa data da Brookings Institution, mentor de Antony Blinken e Jake Sullivan. Estas ideias fluem para as ciências sociais, informam-nas. Permanecem protegidas dentro dos muros das academias, mesmo perante derrotas flagrantes, como a eclosão de guerras mundiais. E, depois da II Guerra Mundial, entram firmemente no governo, quando Washington saqueia as universidades em busca de teorias e de pessoal para gerir a ordem internacional do pós-guerra. É o caso de Henry Kissinger e Zbigniew Brzezinski, que ascenderam às burocracias graças às suas carreiras universitárias. No entanto, não foram as ciências sociais que determinaram o comportamento do poder. Os próprios Kissinger e Brzezinski tiveram êxito precisamente porque se afastaram daquilo que pregavam na Ivy League. (continua)
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAs extraordinárias conquistas de Tony Leung (I) Para o actor de Hong Kong Tony Leung chiu-wai (梁朝偉), 2024 foi um ano de marcante. Em Abril, ganhou o Prémio de Melhor Actor do Cinema de Hong Kong” (香港電影金像獎最佳男主角) pela sexta vez com o filme “Goldfinger” (金手指), com argumento e realização de Chong Man-keung (莊文強). Em Novembro, a Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong distingui-o com um doutoramento honorário em humanidades. Em Dezembro, a Academia de Hong Kong de Artes performativas também lhe vai atribuir igual distinção, desta vez em Representação. Desde os Prémios Cinematográficos de Hong Kong (香港電影金像獎最佳男主角) que recebeu no início do ano até ter envergado por duas vezes a toga de Doutor Honoris Causa no final do ano, a frase “ganhar prémios ao longo do ano” não podia ser mais apropriada mais descrever a vivência de Tony Leung em 2024. O percurso de Tony Leung não foi fácil. A mãe criou-o sozinha. Deixou a escola aos 15 anos e foi trabalhar como vendedor de jornais e de artigos eléctricos. Em 1981, ingressou num curso de representação ministrado pela Hong Kong Television Broadcasts. Depois de se formar em 1982, passou a trabalhar como actor na cadeia de televisão TVB. Em 1984, Tony Leung desempenhou o papel de “Wai Siu-bao”(韋小寶) na série televisiva “The Deer and the Cauldron” (鹿鼎記) e conheceu um sucesso imediato, tornando-se um actor famoso em Hong Kong. Desde então, Tony Leung passou a ter quer no cinema quer na televisão papéis cada vez mais importantes. Este ano, coincidindo com o 100.º aniversário do mestre de artes marciais Jin Yong (金庸), a TVB voltou a transmitir “The Deer and the Cauldron” (鹿鼎記), uma forma de lembrar o público de que o caminho glorioso de Tony Leung tem sido imparável. Até este momento, Tony Leung protagonizou 100 séries televisivas e filmes. Os sucessos da carreira do actor atingiram um novo pico em 2023. Na 80ª edição do Festival de Veneza Film (威尼斯影展), ganhou o “Leão de Ouro pelas Conquistas ao Longo da Carreira” (終身成就金獅獎). Foi o terceiro artista chinês a ganhar esta distinção. E, finalmente em 2024, Tony Leung recebeu a cereja em cima do bolo, dois doutoramentos honorários. As conquistas de Tony Leung são fruto de trabalho árduo, da luta para progredir e de uma grande tenacidade. Ouvimo-lo falar destes princípios no discurso que proferiu no pódio da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong. “Represento há 42 anos e tornei-me naquilo que sou hoje em dia com um pouco de método, ambição, disciplina, trabalho árduo e, certamente, alguma sorte. Tudo isto fez com que que fosse melhorando cada vez que a câmara entrava em acção.” Todos deveríamos trabalhar com afinco. Nem sempre o esforço é sinónimo de sucesso, mas a consequência de não nos aplicarmos será inevitavelmente o fracasso. Tony Leung compreendeu isto muito bem, por isso afirmou que primeiro vem o trabalho e só depois vem a sorte, podemos ter resultados extraordinários com trabalhos comuns. Claro que a sorte não é igual para todos, e não sabemos quem vai ser mais ou menos bafejado por ela. Mas podemos ter a certeza de que sem esforço, mesmo que tenhamos sorte, não poderemos desfrutar de nada de especial. Na próxima semana, falaremos da perspectiva de Tony Leung sobre o seu profissionalismo. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesLeilão de candidatos presidenciais A política é sem dúvida o refúgio de quem deseja ser poder, de quem pretende seguir uma carreira rentável, de quem aproveita o oportunismo e a ganância por dinheiro, de quem sobrevive com a corrupção, de quem afirma servir o povo sem sequer se preocupar com as suas dificuldades, de quem sonha em ser governante nacional, regional, deputado, eurodeputado e Presidente da República. É sobre este cargo que durante a semana passada não se falou em outra coisa nos canais televisivos e alguns jornais. De que modo? Falando de putativos candidatos ao cargo de Chefe do Estado. Isto, quando teremos eleições presidenciais em Portugal só em 2026. A data é longínqua, mas os políticos com a enorme antecipação resolveram já iniciar toda a sua influência magistral nas mentes dos possíveis eleitores sobre o melhor candidato a suceder a Marcelo Rebelo de Sousa. Mais uma vez, assistimos a uma luta política, mais psicológica que prática, na tentativa de influenciar uma decisão futura do eleitorado. Vejamos o inacreditável posicionamento das mais variadas fontes de informação sobre a matéria. Até ao momento, o cenário é quase caótico quanto aos nomes de possíveis candidatos ao cargo de Presidente da República. Para a praça pública já foram “atirados” os mais diversos nomes de personalidades conhecidas do eleitorado. António Guterres, Luís Marques Mendes, Rui Rio, Leonor Beleza, Pedro Passos Coelho, Rui Moreira, Pedro Santana Lopes, Carlos Moedas, Paulo Portas, José Pedro Aguiar-Branco, José Manuel Durão Barroso, António José Seguro, Mário Centeno, Carlos César, Augusto Santos Silva, Ana Gomes, António Filipe, António Vitorino, Marisa Martins, Henrique Gouveia e Melo e até André Ventura. Afinal, o que leva a política a enveredar pelo lançamento de tantos nomes como candidatos a ocupantes do Palácio de Belém, se em análise profunda, se pode concluir que alguns dos nomes lançados não passam de políticos que se limitaram a desprezar o povo? Recordamos, por exemplo, o nome de Pedro Passos Coelho, que foi primeiro-ministro e que retirou benefícios aos pensionistas, que terminou com o subsídio de férias e de Natal e que levou a cabo uma política que desgostou a maioria dos portugueses. O que é que este senhor podia fazer no cargo de Presidente da República? Quanto a nós, nada. Ou simplesmente apoiar incondicionalmente um governo do Partido Social Democrata. O que seria eleger Marques Mendes, um porta-voz de Cavaco Silva e de Luís Montenegro, que se tem limitado a exercer comentários na televisão mais díspares e disparatados com um único vector político, o da cor de quem ocupa actualmente o poder executivo. Para que serviria um Presidente chamado Mário Centeno, se teve a pouca vergonha de passar directamente de ministro das Finanças para o maior “tacho” que existe no nosso país, que é o cargo de Governador do Banco de Portugal. Para quê lançar o nome de Carlos César, se no Partido Socialista existe uma facção quase maioritária preconceituosa relativamente a quem não é “doutor”. E nesse particular, justiça seja feita a Carlos César que sempre teve a humildade de esclarecer toda a gente que não é “doutor”. A que propósito Pedro Santana Lopes já admitiu que poderia vir a posicionar-se para eleições presidenciais? Se Pedro Santana Lopes foi o pior primeiro-ministro da história governamental em democracia e a sua passagem pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa está repleta de interrogações de índole obscura? Surpreendente é a nova vontade de Marcelo Rebelo de Sousa em indirectamente ter lançado o apoio a Carlos Moedas, depois de ter concedido apoio esporádico a Marques Mendes para andar na berlinda das presidenciais. Carlos Moedas? Um engenheiro que na Câmara Municipal de Lisboa apenas tem degradado a cidade em vários aspectos e que nem sequer ainda apresentou – publica e juntamente com outros intervenientes, ditos investidores – as contas globais gastas no Encontro Internacional da Juventude, com a presença do Papa Francisco. Como é que alguém tem a ideia descabida de propor certos nomes para chefiarem a Nação e as Forças Armadas, num tempo muito especial, em que ainda é uma incógnita se a guerra na Ucrânia se estende à Europa. Amigos leitores, o que apetece escrever é que se realize um leilão… é verdade, juntavam-se todos estes nomes numa taça de prata e leiloavam-se os candidatos e quem desse mais dinheiro pela escolha de um nome entre os nomes avançados, teria direito a anunciar o novo Presidente da República, mas, o dinheiro recolhido teria de ser entregue a uma instituição de caridade. Obviamente que os leitores dirão que isto não passa de algo absurdo. Obviamente. Contudo, com a caricata atitude de certos fazedores da opinião pública em lançar para o ar os mais variados nomes de possíveis candidatos a Presidente da República, só nos resta fazer humor… Rir com tudo isto, para não chorarmos pelo ponto degradado a que chegou a política portuguesa.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA sensibilidade trágica perdida dos Estados Unidos (I) (continuação) No entanto, é com as presidências Obama e Trump, em substancial continuidade apesar de inegáveis diferenças, que um novo momento na arte da governação americana ganha forma. O erro colossal da “Guerra ao Terror” abre uma contestação popular mais ampla da política externa, um cepticismo claro não sobre os fins do projecto americano de construção de uma ordem mas sobre os custos, riscos e frustrações tradicionalmente associados a ele. Os americanos rejeitam certos pilares do papel global do seu país como o aumento das despesas de guerra (financiadas pela dívida), acordos de comércio livre, promoção da democracia e dos direitos humanos, protecção dos aliados, defesa pela força de certas normas internacionais. Por isso, elegem governantes animados por uma visão do mundo ingénua, perigosa e a-histórica. Brands e Edel gostariam que os americanos aceitassem o seu papel e aplicassem constantemente o poder necessário para manter a ordem. O argumento é muito elitista, mas aponta para um problema real que são as capacidades narrativas da América atrofiaram. Os governantes perderam a capacidade de explicar como o modo de vida americano mudaria sem o império ou se os rivais prevalecessem. Falta a capacidade descritiva. Durante a Guerra Fria, a maioria da população tinha a noção racional de que o contra-modelo soviético era inaceitável. Hoje em dia, em parte devido à desconfiança popular em relação às instituições e aos círculos mediáticos que são incapazes de mudar de opinião, os contornos das ameaças e dos riscos para o americano médio não estão bem definidos. O que é dito de que se a China ganhar, diminui a prosperidade americana; se a Rússia ganhar, não se fica pela Ucrânia; a América é uma nação indispensável para a estabilidade mundial. O como é escasso, o domínio da imaginação realista. Domínio da tragédia. Para sair da amnésia, Brands e Edel sugerem que se redescubram alguns princípios e convenhamos que a natureza humana não mudou e que o mundo não quer ser como nós; é impossível criar uma ordem verdadeiramente pacífica, mas não devemos deixar de tentar; não podemos concordar com os rivais porque não podemos saciar um revanchista (corolário implícito são os jogos da Conferência de Munique de 1938); para evitar a catástrofe, é necessário agir preventivamente para desviar os acontecimentos da sua trajectória (deixemos de ser reactivos, respondamos com força aos testes de credibilidade dos rivais, até agora todos falhados). Apelam (último imperativo) ao sentido da proporção e da medida para não caírem na hybris, esgotarem-se e retirarem-se do mundo. No entanto, na prática, as afirmações mais prudentes e necessárias do poder americano não parecem ser muito diferentes da abordagem predominante da liderança dos Estados Unidoa nas últimas décadas. É aqui que entra Robert Kaplan. Na sua opinião, a tragédia é um tipo particular de catástrofe; a anarquia, o maior e mais fundamental medo dos gregos. Também ele concebe a tragédia como um meio de informar o público sobre os perigos do esquecimento de certos princípios básicos. A tónica é, no entanto, colocada no sentido da medida. Definido como modéstia, humildade, pessimismo construtivo, consciência dos limites, previsão ansiosa, extrema parcimónia no uso da força, contemplação do irracional. Embora exortando os intelectuais e a população a compreenderem os constrangimentos dos detentores do poder e a razão de Estado, o seu principal público-alvo é a “nomenklatura” de Washington e Nova Iorque. A crítica durante os últimos trinta anos, ignorou o elemento dionisíaco dos assuntos humanos e mundiais, baseando-se em suposições alegres. Por exemplo, o fim da Guerra Fria conduziria a uma expansão imparável da democracia e dos mercados livres; quanto mais negociarmos com a China, mais rica e mais liberal se tornará; a terapia económica de choque tornará a sociedade russa democrática e capitalista; a geopolítica desapareceu da história, substituída pela geoeconomia, enquanto o que aconteceu foi a fusão entre as duas numa mistura ainda mais perigosa e explosiva para tornar a guerra melhor. A acusação mais forte de que a classe dirigente não tem um medo visceral da anarquia, nunca teve de negociar o trânsito num posto de controlo durante uma guerra civil e, por isso, subestimou demasiadas vezes uma lição de que os picos de regime são menos perigosos e aterradores do que nenhum regime. Saddam e Kadhafi acenam com a cabeça nos seus túmulos. Kaplan também se centra no conceito de defesa da ordem, mas como um apelo à modéstia para não alimentar ainda mais a desordem. Insta a liderança americana a ser mais subtil e humilde no seu pensamento, menos maximalista e prepotente. Nas palavras de Joseph Conrad em “Under Western Eyes” as comunidades humanas oscilam entre governos autocráticos ferozes e imbecis e a resposta não menos imbecil dos ideais utópicos. O pecado crucial das últimas décadas é ter espalhado o caos em nome de objectivos ambiciosos e inatingíveis. Agora os Estados Unidos já não se podem dar a esse luxo. Nesta nova era, o nível e a qualidade do erro de cálculo que gerou o Iraque e o Afeganistão conduziriam o mundo à catástrofe. O mesmo pensamento que deu origem a guerras intermináveis, se não for moderado, corre o risco de levar a América a uma guerra total. A referência implícita é à facilidade com que os Estados Unidos ainda concebem a mudança de regime como uma solução para as rivalidades. Não é um objectivo concretamente perseguido no desafio com a Rússia e a China, apesar de mais do que alguns o exigirem abertamente. Mas se o foco da retórica americana continuar a ser a inaceitabilidade destes regimes, em vez de apostas mais negociáveis e específicas, corre-se o risco de convencer o adversário de que a sua sobrevivência e identidade estão em jogo. Acima de tudo, diminui a possibilidade de negociar uma coexistência, mesmo que temporária, para ganhar tempo para reconstruir os factores de poder que permitem a competição. Os americanos, admite Kaplan, são alheios à ideia de que as tiranias não governam no vácuo, mas têm pelo menos algum apoio popular porque se legitimam como uma alternativa à desordem.
Carlos Coutinho VozesAguentai-vos! TODA a gente sabe que, se as taxas alfandegárias de Trump prevalecerem, a economia europeia, já de si estagnada por causa das despesas com a guerra da Crimeia e com a perda do petróleo e do gás russos a baixo preço, vai ser ainda mais duramente atingida. O risco de uma crise levar ao fracasso e à desagregação do bando dos 27 existe e até o chanceler alemão Scholz já o percebeu. Assim como o próximo xerife-mor ianque que, para já, escolheu sabiamente para liderar o Departamento da Energia um grande empresário do petróleo, para a Saúde um ativista antivacinas e para a Educação um gorila que, além do mais, é empresário de wrestling, aquela tão norte-americana luta em ringue com cordas e árbitro. Como escreve o colunista do britânico “The Guardian”, Simon Tisdal, afinal, a União Europeia não passa de um guloso sem escrúpulos “discutindo tostões sobre quem fica com os assentos acolchoados da Comissão, como se isso fosse decisivo num mundo caótico e predador” e até Macron considera que “a Europa é uma frágil ovelha rodeada de lobos”. É notório que Trump, o “lobo” menos que rasca e mais que apalhaçado da “América Primeiro”, representa uma certa rutura na alcateia da política externa norte-americana desde o pós-guerra, para a qual a Europa não está preparada- As escolhas da sua próxima administração provocam calafrios e são a prova provada da sua intenção de aplicar os planos que anunciou durante a campanha eleitoral, desde aplicar à Ucrânia uma “solução para o fim da guerra” até ao agravamento radical de uma guerra comercial com a Europa. “Os bárbaros estão à porta”, avisa o mesmo Tisdal que escreve com sotaque hebraico. * DEPOIS de um périplo quase à sorrelfa, por todas as capitais da União Europeia, durante outubro e novembro, António Costa que acaba de ser rotulado por Ursula von Leyen como indivíduo pertencente a uma minoria étnica, vai assumir formalmente o cargo de presidente do Conselho Europeu, um cargo de penacho que sempre foi entreque a rafeiritos cautelosos sem propensão para fazer ondas. Sai das mãos do belga Charles Michel, um careca muito alto e extrovertido, mas ultra obediente a quem de facto manda na coisa. Além de provar as ideias que têm condimentado o apresigo da União, Costa tem tido como objetivo imediato escabichar as prioridades de cada chefe de Estado e de Governo, no bando dos 27, e começar a explanar também as prioridades do seu mandato de dois anos e meio. À cabeça dessa lista está religiosamente a manutenção do apoio incondicional à Ucrânia, nem que tenha de lhe enviar um saco de fisgas e outro de mocas de Rio Maior, assim como o alargamento da EU com foguetório de potência global. Há duas semanas o Charles belga disse ter a certeza de que o seu sucessor vai ser um indefectível “guardião de unidade” entre os Estados membros, sobretudo quando a EU enfrenta grandes desafios económicos e geopolíticos. A presidência a dar na sexta-feira ao filho de Maria Antónia Pala, que é meio irmão de Ricardo Costa, coincide, assim, com a presidência da loira e donairosa maltesa Roberta Metsola no Parlamento Europeu e com a liderança de outra loira ainda mais loira, a tal von Leyen na liderança da Comissão Europeia. Mas a última palavra pertencerá sempre a Donald Trump, nem que seja através de um megafone instalado no cadeirão mais apropriado da NATO. “Quem tem fome não tem escolha. O seu espírito não vem de onde ele gostaria, mas da fome”, assim falava, não Zaratustra, mas o grande escritor suíço que também era arquiteto, Max Frisch, e nos deixou obras primas como “Biedermann e os Incendiários” e “Andorra”. * Mariano José Pereira da Fonseca, filósofo, escritor e primeiro Marquês de Maricá, viveu entre 18 de maio de 1848, no Rio de Janeiro, deixando escrito: “A vitória de uma fação política é ordinariamente o princípio da sua decadência pelos abusos que a acompanham.” Talvez isto baste para que percebamos as razões por que o território mundial em guerra aumentou dois terços nos últimos três anos, ou seja, passou de 2,8% da superfície do planeta em 2021 para os 4,6 em 2024. Claro que foi em tempos imemoriais, mas, perante isto, Gonçalo M. Tavares apenas conseguiu dizer: “Catar pulgas seria, então, um ato físico que permitiria que os primatas se aproximassem uns dos outros, em tom amigável, e assim começassem a comunicar.” Mas não foi o que aconteceu e até a Albânia tem há onze anos um primeiro-ministro de tez acobreada, bigode farto e calvície absoluta que se chama Edi Rama e deixou os EUA transformarem o seu pequeno país balcânico na maior base militar na Europa que agora têm na têm na Europa. Edi é também chefe do PS albanês e quere agora entrar para a NATO e seguidamente para a União Europeia, onde os neofascistas já fazem parte de vários governos, como acontece na vizinha Itália, na Bélgica, Holanda, na Suécia, na Noruega e na Finlândia. Pensando em tudo isto, dei-me a recordar um Walt Whitman ainda condoído pela morte, assassinado, de Abraham Lincoln, entrando por uma elegia que começa com os versos: “A última vez que os lilases floriram no jardim junto da porta E, à noite, o grande astro se inclinou a ocidente no céu, Lamentei e hei-de lamentar o regresso eterno da primavera. Regresso eterno da primavera, trazes-me sempre esta mesma trindade, O perpétuo florescer do lilás, o astro que se inclina a ocidente E o pensamento daquele que amo.” Fernando Pessoa, atingido profundamente pelo célebre poema do autor das “Flores de Erva”, gritou para a outra banda do Atlântico: “De aqui, de Portugal, todas as épocas no meu cérebro, Saúdo-te, Walt, saúdo-te meu irmão em Universo, Ó sempre moderno e eterno, cantor dos concretos absolutos, Concubina fogosa do universo disperso, Grande pederasta roçando-te contra a diversidade das coisas Sexualizado pelas pedras, pelas árvores, pelas pessoas, pelas profissões, Cio das passagens, dos encontros casuais, das meras observações, Meu entusiasta pelo conteúdo de tudo, Meu grande herói entrando pela Morte dentro aos pinotes, E aos urros, e aos guinchos, e aos berros saudando Deus.” Claro que Pessoa não era uma pessoa qualquer e até conseguia lavrar horóscopos e haver tido um tempo em que também fazia anos, mas eu não ignoro serem muitas as almas aguerridas que apoiam incondicionalmente os norte-americanos, mesmo que tal nos ponha a todos muito perto de uma III Guerra Mundial. Grande azar, sermos nós a escrever as derradeiras palavras da história dos primatas, ou seja, a catar pulgas a alguém. Aguentai-vos!
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesBurlas académicas Este mês, a comunicação social de Macau publicou uma notícia sobre burlas académicas. Depois de ter verificado os créditos académicos de 24 estudantes não residentes com a Autoridade de Exames e Avaliação de Hong Kong, uma universidade de Macau suspeitou que esses créditos não estavam de acordo com os resultados publicados pela referida Autoridade. Quatro dos estudantes admitiram que nunca tinham feito em Hong Kong o Exame para a obtenção de Diploma, nem o Exame para o Ingresso na Universidade, realizado na China continental. O incidente teve início no passado dia 23 de Agosto. Estes estudantes deslocaram-se em segredo a uma agência académica, perto da universidade. A agência deu-lhes diplomas e créditos falsos do ensino secundário, explicou-lhes os procedimentos de registo na universidade e ensinou-os a responder às perguntas dos funcionários. Depois de os estudantes terem completado o processo de admissão, a agência fez desaparecer os documentos comprometedores. Os estudantes acabaram por ingressar nos cursos universitários da sua escolha. Estas agências académicas são na verdade contratadas pelos pais dos alunos, que despendem muito dinheiro para os filhos realizarem os seus sonhos universitários. A Polícia Judiciária entregou os quatro jovens à Procuradoria de Macau. Os restantes 20 estudantes fugiram de Macau e regressaram ao Interior da China depois de terem sabido que a universidade os tinha denunciado à Polícia Judiciária. Este problema não ocorre só em Macau, as universidades de Hong Kong também estão a lidar com fraudes académicas. No passado mês de Maio, a Faculdade de Economia e Gestão da Universidade de Hong Kong encontrou cerca de 30 casos suspeitos de fraude de qualificações académicas, que envolviam 80 a 100 estudantes provenientes do interior da China. O incidente foi entregue à polícia de Hong Kong e pelo menos dois dos estudantes foram presos sob a acusação de falsificação de documentos e prestação de falsas declarações ao Departamento de Imigração de Hong Kong. Um destes estudantes alegou que se tinha formado numa universidade dos Estados Unidos frequentada por pessoas da classe média-alta. No entanto, como acreditava que não iria ser admitido na universidade de Hong Kong, recorreu aos serviços de uma agência académica que afirmava “garantir as admissões” e que o ajudou a apresentar os créditos académicos e a preencher o formulário de ingresso. Inesperadamente, a agência forneceu à universidade de Hong Kong documentos falsificados, aparentemente emitidos pela universidade de Nova Iorque, nos quais se incluíam o currículo académico, certificados de licenciatura, envelopes, selos, etc., para induzir a universidade de Hong Kong a aceitar a candidatura. As qualificações académicas e o histórico do aluno podem ser impressas em papel. Mas o conhecimento só pode ser inscrito no cérebro. Não sabemos quando iremos precisar desse conhecimento, mas quando isso acontecer, e se ele não existir, as consequências serão graves. Imaginemos que um médico está a tentar salvar um doente, será que lhe pode pedir um tempo para ler os manuais e ver o que tem de ser feito? Num julgamento, quando o advogado está a defender o réu, será que pode pedir ao juiz para ir a casa rever a legislação e os precedentes? Poderá o arquitecto pedir para voltar à universidade para perceber se uma construção está em risco e precisa de ser demolida imediatamente? A honestidade é um valor universal e é unanimemente reconhecida. Os candidatos que fazem batota para entrar na universidade estão a ser desonestos. É um comportamento que viola os valores universais e é moralmente inaceitável. Além disso, depois deste caso ter sido exposto, a universidade anulou as admissões e os candidatos terão ainda de enfrentar processos legais. Em Macau, considera-se que aqueles que têm este procedimento incorreram no crime de “falsificação de documentos”. O Artigo 244, parágrafo 1º, do Código Penal de Macau estipula que quem falsificar documentos para obter benefícios indevidos pode receber uma pena até 3 anos de prisão. Em Hong Kong, a secção 71 da Portaria de Crimes estipula que quem faça falsificações com a intenção de levar terceiros a acreditar na sua veracidade e com o objectivo de os levar a fazer ou impedir de fazer certos actos, comete um crime. Pode ser condenado até 14 anos de prisão. As qualificações académicas fraudulentas não só não produzem conhecimento, como conduzem à condenação moral e à prisão. Será que vale a pena? Os alunos poderão ter pouca experiência social e pensar que a batota pode resolver os problemas, mas os pais têm obrigação de os educar e de lhes incutir os valores correctos. Mas qual é que é o objectivo de gastar este dinheiro? Poderá o conhecimento académico ser comprado? Além de incutirem nos filhos a desonestidade, o que mais têm a ganhar? Pelo que foi dito nas notícias, percebemos que os jovens fugiram à pressa e que arriscam processos penais. Estes estudantes e os seus pais enganaram a universidade. Como é que as universidades podem ser prejudicadas com a submissão de falsas candidaturas? O engano pode não ser detectado a tempo. Se nunca for descoberto ou se for descoberto tarde demais, então os serviços que presta ao falsário terão sido um desperdício dos seus recursos. Se as universidades não puderem cultivar pessoas talentosas, como é que a população pode ser beneficiada? Porque é que se forjam os documentos para as candidaturas? Porque o candidato não tem qualificações académicas suficientes. Não é vergonhoso não ter qualificações que permitam a entrada na universidade. Desde que o aluno continue a trabalhar com afinco, a estudar com empenho, pode tentar no ano seguinte e acaba por ingressar. No dia em que o candidato entrar na universidade por direito próprio, conhecerá o verdadeiro sucesso. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesCorrida para a morte nas estradas Ainda bem que em Macau o trânsito é caótico e que apenas em Coloane se pode acelerar o carro um pouquinho. Em Portugal as estradas e autoestradas estão transformadas em cemitérios primários. Os acidentes rodoviários acontecem todos os dias. Meus amigos, pelas mais diversas razões. Comecemos pela aprendizagem. Nas escolas de condução não é prestado um ensinamento seguro para se poder pegar num volante de automóvel. Nas lições de condução não se ensina um futuro condutor a levar o carro até à velocidade máxima permitida e controlar o veículo em travagem a fundo em caso de necessidade, como se na estrada se atravessasse uma pessoa ou um animal. Não se ensina um condutor a aprender o mínimo, que é saber fazer um pião à base do travão de mão, em caso de um obstáculo que apareça na frente do condutor. Não se ensina a conduzir de noite e os futuros utilizadores das estradas não aprendem a usar os faróis mínimos, médios e máximos. Não se convencem os aprendizes de condução automóvel que é uma falta muito grave, com apreensão de carta, pisar um risco contínuo, quanto mais dois riscos contínuos como acontece em muitas das estradas portuguesas. Depois, temos as mafias organizadas que vendem cartas de condução automóvel a troco de bom dinheiro. Esses condutores passam a ser os verdadeiros criminosos da estrada. Não sabem o código, não sabem guiar e em muitos casos, o papá oferece-lhes carros de topo de gama e eles e elas carregam no acelerador até embaterem numa árvore ou num camião e as ambulâncias levá-los para as morgues dos hospitais. Não existe falta de segurança nas estradas, o que existe são homicidas e suicidas ao volante de “bombas” que atingem mais dos 200 km/hora. Os jovens que acabam de receber a carta de condução deviam exibir no seu carro uma placa com um “P”, de praticante, e durante dois anos deviam apenas poder andar a uma velocidade máxima de 90 km/h. O número de mortos e feridos graves nas estradas de Portugal é triste e assustador. Só para terem uma ideia, mais de 123 mil acidentes rodoviários ocorreram nas estradas portuguesas este ano, provocando 442 mortos e 2279 feridos graves, sem que posteriormente alguém informe dos 2279 feridos graves quantos vieram a falecer. Portugal, entre 32 países analisados, está entre os seis países com mais mortes nas estradas. O nosso país regista uma subida de 1,5 por cento no número de vítimas mortais em acidentes rodoviários em 2023, face ao ano anterior e ainda não há dados finais de 2024 comparando com 2023, mas um oficial da GNR transmitiu-nos que os acidentes mortais aumentaram de certeza. Uma outra razão grave para esta tragédia nas estradas é o vinho ou outra qualquer bebida alcoólica. Todos sabemos que Portugal é um grande produtor de vinhos e que o português gosta de em viagem parar num bom restaurante. E o que acontece? Poucos são os condutores conscienciosos que se inibem de beber vinho à refeição, e alguns em exagero, seguem para a estrada sob o efeito do álcool. E este efeito é tenebroso porque transmite ao condutor enganosamente que está cheio de forças e de reflexos para conduzir. É precisamente o contrário. Sob o efeito do álcool os reflexos diminuem e em alguns casos chegam a zero. Daí, muitos condutores bem bebidos, ultrapassarem numa lomba e morrerem; acelerarem demasiado numa curva e acabarem com a vida contra uma árvore; ultrapassarem um camião sem se darem conta de que o álcool diminuiu-lhes a visão e que outro camião, em sentido contrário, estava muito mais perto do que o condutor imaginou. Obviamente que o embate frontal leva à morte de toda a família que ia no interior do veículo. No entanto, existiria uma forma de diminuir o número de acidentes mortais nas nossas autoestradas. À semelhança do que acontece na Alemanha, quando uma autoestrada tem três faixas de rodagem devia ser decretado pelo Governo que a faixa da direita era para camiões, a faixa do meio somente para carros em velocidade limitada aos 120 km/h e a faixa da esquerda sem limite de velocidade. Mas, nenhum carro seria permitido rolar na faixa da esquerda a 120 km/h ou menos. Ser-lhe-ia de imediato retirada a carta de condução. Isto, porquê? Porque o mercado permite a venda de Ferrari, Lamborghini, Aston Martin, Bugatti, Porsche e tantos outros, carros que só estragam a sua mecânica ao rolarem a 120 km/h, que é o limite nas nossas autoestradas. O mais importante é que a Segurança Rodoviária mude completamente o sistema de ensinamento da condução automóvel nas chamadas “escolas”. Sem uma mudança radical, incluindo pôr os instruendos a aprenderem a conduzir em pisos molhados com bidons sequenciais que os obriguem a conduzir aos esses sem perder o controlo do carro. Parecem pormenores sem importância, mas que são vitais para que diminuam as mortes nas nossas estradas. Um oficial superior da GNR informou-nos que 70 por cento dos condutores em Portugal não deviam ter sido licenciados para conduzir. Um panorama de lamentar e sem solução à vista.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto Vozes19 de Novembro O dia 19 de Novembro teve um grande significado para Hong Kong, para Macau e para a China continental. A 20 de Março de 2018, o Partido Democrata de Hong Kong realizou o seu jantar anual, ao qual compareceu a então Chefe do Executivo da região, Carrie Lam, e vários membros do Governo. Carrie Lam sentou-se junto a Wu Chi-wai, Secretário Geral do Partido Democrata à época. Durante o jantar, o cantor Fred Li Wah-ming actuou e procedeu a uma angariação de fundos para o Partido Democrata e Carrie Lam contribui com 30.000 dólares de Hong Kong. Posteriormente, a Chefe do Executivo explicou que a sua equipa tinha colocado uma foto desse jantar nas redes sociais, com a legenda “grande reconciliação”. Um ano mais tarde, os protestos contra a revisão da Lei da Extradição irromperam em Hong Kong, transformando a “grande reconciliação” em “grande divisão”. Seguidamente, a “Lei da República Popular da China para a Salvaguarda da Segurança Nacional na Região Administrativa Especial de Hong Kong” (Lei de Segurança Nacional de Hong Kong) foi promulgada e Wu Chi-wai foi preso em Janeiro de 2021, ao abrigo da Lei de Segurança Nacional de Hong Kong, por envolvimento numa conspiração com fins subversivos. Do crime de subversão do poder do estado, foram acusados no total 47 indivíduos. Este caso ficou conhecido como o caso das “eleições primárias”. A 19 de Novembro de 2024, o processo foi concluído e Wu Chi-wai foi condenado a 4 anos e 5 meses de prisão. É provável que este caso afecte pelo menos 610.000 residentes de Hong Kong que votaram nas “eleições primárias”. Se o Governo de Hong Kong desejar levar a cabo uma transição da “estabilidade para a prosperidade” mais rápida, com mais e melhor alcance, deve considerar a realização da “grande reconciliação” porque, em última análise, “a cooperação beneficia ambas as partes, enquanto a confrontação não serve os interesses de nenhuma delas”. Em Macau, o Chefe do Executivo Ho Iat Seng participou na sessão plenária da Assembleia Legislativa a 19 de Novembro de 2024, onde apresentou o Balanço das Acções do Governo realizadas no Ano Financeiro de 2024 e o Programa Orçamental para o Ano Financeiro de 2025. Numa entrevista que se seguiu a esta apresentação, Ho Iat Seng declarou que após cinco anos de governação, dos quais três foram afectados pela pandemia, se sente cansado, um sentimento que é partilhado pelos cidadãos de Macau. Ho Iat Seng tirou algum tempo para recuperar a saúde e também é tempo de Macau regressar rapidamente à normalidade. Ao longo dos últimos cinco anos, Macau teve de lidar com o impacto na economia provocado pela pandemia de COVID-19, e ocorreram mudanças políticas significativas ao abrigo das directivas do Governo Central para exercer de forma eficaz o poder pleno da governação e a plena implementação do princípio fundamental de “Macau governado por patriotas”. Roma não se fez num dia e nós não dependemos de uma só pessoa. Depois de Ho Iat Seng ter ajudado os cidadãos de Macau a libertarem-se da pandemia, o caminho restante para a plena normalidade dependerá de Sam Hou Fai e da sua equipa. Mas na China continental ocorreu um evento mais preocupante a 19 de Novembro de 2024, quando comparado com Hong Kong e com Macau: a selecção nacional de futebol enfrentou o Japão, num jogo de qualificação para o Campeonato do Mundo de 2026. Devido a incidentes recentes de violência indiscriminada cometidos por certos indivíduos na China continental, o clima era de alguma forma tenso. Além disso, o Japão já havia derrotado a China por 7-0 em casa, tornando este jogo crucial para a equipa da casa. Outra derrota desastrosa da equipa chinesa levaria a uma situação semelhante à ocorrida a 19 de Maio de 1985, em Pequim, quando os adeptos se amotinaram depois da equipa ter perdido num jogo contra Hong Kong. Embora o Japão tenha vencido por 3-1 a 19 de Novembro, o desempenho da equipa chinesa, especialmente o espírito combativo dos jogadores mais jovens, satisfez os adeptos. Acredita-se que, após os jogos de qualificação, a Associação Chinesa de Futebol precise de passar por amplas reformas e inovação. 19 de Novembro foi apenas um dos dias de 2024 e não tem nada de muito especial. Mas o que aconteceu nesse dia ou em qualquer outro tem uma causa e um efeito. É necessário deliberar para lidar com a causa e o efeito, a fim de enfrentar as consequências.
Hoje Macau Confeitaria Contos e histórias PolíticaFinanças | Orçamento aprovado na Assembleia Legislativa Os deputados aprovaram ontem na generalidade o orçamento da RAEM para o próximo ano, que prevê receitas de jogo de 240 mil milhões de patacas, um crescimento de 11 por cento face a este ano. O Governo prevê também para 2025 um saldo positivo do orçamento ordinário integrado num valor superior a 7,7 mil milhões de patacas, com receitas de quase 121,09 mil milhões de patacas e despesas de 113,384 mil milhões de patacas. Durante o debate, os deputados Leong Sun Iok e Ella Lei, ligados aos Operários, mostraram-se preocupados com a falta de aumentos na Função Pública. Na perspectiva de Ella Lei, estes aumentos são importantes, porque tendem a reflectir-se não só no sector público, mas também ao nível das empresas privadas, que acompanha o exemplo do Governo. Leong Sun Iok alertou para o facto de os bairros comunitários não estarem a beneficiar da recuperação da economia, pelo facto dos turistas terem novos hábitos de consumo. Esta foi uma preocupação também partilhada por Lo Choi In, que vincou que as PME estão a atravessar muitas dificuldades e que o Governo tem de oferecer respostas para o problema. Por sua vez, Leong Hong Sai, dos Moradores, pediu mais dinheiro para os professores, por considerar que precisam de melhores salários e protecção depois da reforma.
Hoje Macau Confeitaria Contos e histórias PolíticaDesemprego | Ma Io Fong alerta para “grave situação” dos jovens O deputado Ma Io Fong alertou ontem para o desemprego jovem, que diz ter atingido uma proporção de 28,8 por cento, entre o total da população desempregada. O assunto foi abordado ontem na Assembleia Legislativa, numa intervenção antes da ordem do dia. “Com a retoma económica, a situação do emprego melhorou […] No entanto, a situação de emprego dos jovens vai no sentido contrário. Segundo o inquérito ao emprego referente ao terceiro trimestre deste ano, a taxa de emprego só diminuiu nos grupos etários dos 16 aos 24 anos e dos 25 aos 34 anos; este último grupo apresentou a taxa de desemprego mais alta, 28,8 por cento”, alertou. “E 42,4 por cento da população desempregada têm habilitações académicas do ensino superior. Estes números demonstram a grave situação de emprego dos jovens”, sublinhou. Sem criticar directamente a falta de ineficácia do que afirmou terem sido as medidas lançadas pelo Governo para promover o emprego dos jovens, Ma Io Fong não deixou de destacar que “há quem entenda que faltam medidas complementares” e que “o apoio é insuficiente em termos da eficácia e duração”. O legislador da bancada da Associação das Mulheres alertou também para os impactos futuros: “Esta situação não é benéfica para o desenvolvimento de novas forças produtivas de qualidade nem para a preparação dos quadros qualificados necessários à diversificação económica”, atirou.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA sensibilidade trágica perdida dos Estados Unidos (I) “Americans have forgotten that historic tragedies on a global scale are real. They’ll soon get a reminder.” Hal Brands Os Estados Unidos deixaram de imaginar a catástrofe, no meio da introversão popular e da tranquilidade da classe dirigente. O declínio do pensamento estratégico foi substituído por teorias hiper-racionais. O moralismo da juventude e a cultura popular niilista em que tudo pode ser dito sobre os Estados Unidos nos últimos trinta anos, excepto que mantiveram uma abordagem estratégica equilibrada. Pode mesmo dizer-se que fizeram o contrário. De que outra forma pode-se definir a destruição da classe média (rejeitada com há sempre vencedores e vencidos), o envolvimento crónico em guerras intermináveis, a pretensão de ocidentalizar a China, a ilusão de antagonizar a Rússia sem pagar o preço, a extensão descuidada dos compromissos face a uma contracção consciente dos meios? Como foi possível negligenciar a tal ponto uma visão prudente e clarividente? E porque é que a América parece hoje paralisada? Concentramo-nos aqui num factor entre muitos, mas raramente observado. Desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos deixaram de pensar em termos trágicos. De imaginar uma possível catástrofe. De prever as consequências mais devastadoras das suas acções e omissões. De agir com sentido de proporção. A sensibilidade trágica é uma caraterística essencial do pensamento estratégico. “A arte de governar não pode ser praticada na ausência de perspicácia literária”, escreveu Charles Hill, um mestre e veterano da diplomacia americana. A literatura e a tragédia fornecem lições cruciais sobre como manter uma comunidade saudável. Cultivam uma forma de sabedoria que é o oposto do cinismo, porque mantém unido o peso da força e da indignação perante a injustiça. Dão elasticidade mental para apreender as condições da história, fundidas na realidade e não em teorias abstractas. Alimentam o método geopolítico, com o seu confronto com as razões de cada um. Contam histórias que são também úteis à população, para compreender e legitimar os dilemas dos poderosos ou para os criticar responsavelmente. Estas lições não são agora ouvidas. Três gerações após a última guerra mundial, os americanos já não vivem a morte e a devastação em grande escala. A memória das catástrofes anteriores está a definhar. A classe intelectual e política tem dela apenas um conhecimento académico, formal e preciso, e também frio, sem humanidade e empatia. Qualidades que se obtêm através dos clássicos. Educação, no entanto, cada vez mais negligenciada nas universidades e na cultura popular. Uma condição comum nas suas premissas a muitos países ocidentais, mas única nas suas consequências. Porque, se não for corrigida, a ausência de sensibilidade trágica pode causar os cataclismos que a América já não consegue imaginar. A amnésia da tragédia suscitou um debate limitado mas influente na América. Segundo alguns, o problema é a população. Esta imagina o presente como eterno, dá por garantida a base geopolítica da sua prosperidade e tem relutância em sacrificar sangue e tesouros. Para outros, a falha é da classe dirigente. Aplicou de forma irresponsável a supremacia dos anos 1990-2000 e corroeu a solidez da República, as fontes de poder e a credibilidade, e por conseguinte a capacidade de dissuasão, dos Estados Unidos. Para os primeiros, o pecado original é o da negligência; a introversão. Para os segundos, o pecado original é o da arrogância; a extensão excessiva. O debate gira em torno de dois volumes recentes como “The Lessons of Tragedy: Statecraft and World Order” de Hal Brands e Charles Edel (2019) e “The Tragic Mind: Fear, Fate, and the Burden of Power” de Robert Kaplan (2023). Ambas obras são de íntimos do poder. Mas muito diferentes, não só pelas teses quase opostas que defendem. Kaplan, de 72 anos, é um famoso repórter de guerra dos Balcãs e do Médio Oriente, um apoiante irredutível da invasão do Iraque, um amante da geografia política (chama-lhe geopolítica) e autor de estudos para o Pentágono. Brands e Edel, ambos na casa dos 40 anos, sempre educados em Yale no altamente selectivo programa de grande estratégia do historiador John Gaddis, pertencem à nova geração de intelectuais. O primeiro, Hal Brands, titular da cátedra Henry Kissinger na Johns Hopkins e editor do texto de referência “The New Makers of Modern Strategy: From the Ancient World to the Digital Age”. O segundo, Robert Kaplan, reservista da Marinha e figura de proa do emblemático Centro Segurança Internacional e Estudos Estratégicos. Para ambos, uma passagem de dois anos pelos gabinetes de planeamento dos Departamentos de Defesa e de Estado, em meados da década de 2010. Para Brands e Edel, a tragédia é a catástrofe. A tragédia é o medo da catástrofe e a sua função é educar os cidadãos para os interesses estratégicos da comunidade. Para os gregos, escrevem, “o teatro e outras representações dramáticas eram educação pública. As tragédias serviam para admoestar e aterrorizar os cidadãos e para os inspirar. As elites acreditavam que Atenas só poderia ascender a grandes alturas se o público compreendesse o abismo em que se poderia afundar sem grande esforço, coesão e coragem”. A melhor definição deste papel estaria nas “Rãs” de Aristófanes. Por que razão admirar os poetas, pergunta Ésquilo a Eurípides; resposta é que “Para o juízo sábio, para o conselho correcto para que possamos converter os nossos concidadãos ao bem”. As virtudes da tragédia, estabelecem os autores, citando a “Retórica” de Aristóteles, residem na arte da persuasão, na prontidão para o sacrifício, ao aceitar a autoridade do Estado para preservar a ordem da desordem. Embora reconheçam que o teatro grego incutia lucidez e humildade no público, insistem no seu apelo à força e determinação comuns. Mesmo numa peça como “Os Persas”, em que Ésquilo faz com que o público se solidarize com a queda do inimigo, salientam a sugestão do autor de que a vitória de Atenas não foi mérito de heróis individuais, mas de uma comunidade unida capaz de evitar os erros de cálculo do adversário. Segundo Brands e Edel, a trágica perda de sensibilidade da América reside no fracasso da vontade popular de defender o império. Algo está quebrado nos Estados Unidos, pois os cidadãos já não querem pagar os custos inerentes ao papel de garante da ordem. Mas, ao fazê-lo, deitam tudo a perder, porque o “Número Um” não pode fazer menos sem induzir um colapso mais geral. A base deste afastamento remonta ao fim da Guerra Fria em que a população exige e obtém uma redução de algumas despesas do império para se concentrar na frente interna; entretanto, a classe intelectual e empresarial convence-se de que a globalização é a lei e o destino da humanidade, a natureza dos seres humanos está a mudar para melhor, a guerra é coisa de arquivos e o sistema internacional sustenta-se mesmo sem a América (John Ikenberry). (continua)
Tânia dos Santos Sexanálise VozesJogar “Badminton” em Hong Kong O badminton tornou-se um nome de código para sexo entre os jovens em Hong Kong. Aprendi isto num evento de comédia em Hong Kong, um Comedy Game Show Panel (se quiserem saber mais podem procurar por Hong Kong as F*ck) que, em inglês, satirizam as notícias da semana aos sábados à noite. A associação entre sexo e badminton tem origem numa iniciativa governamental. Tudo começou com um manual sobre adolescentes e relações íntimas lançado para auxílio dos professores nas aulas de educação sexual com os jovens do secundário. O objetivo do manual é claro: prevenir sexo pré-marital a todo o custo. Lá se explanam as consequências do sexo pré-marital como uma gravidez indesejada, as consequências legais quando se trata de menores de 16 anos, e até o desconforto emocional que pode surgir da experiência. Se os jovens sentirem a vontade de ter sexo, o manual sugere que eles procurem alternativas, como jogar badminton. Todo o aconselhamento escolar é feito no sentido de identificar os estímulos e circunstâncias que levam à excitação e aconselhar os jovens a evitá-las ao máximo. Em sala de aula, o professor e alunos discutem possíveis cenários para melhor compreender o percurso que vai do estímulo ao comportamento. Por exemplo, analisam o impacto de estímulos ambientais, visuais e sensoriais de quando ela optou por vestir uma blusa com os ombros à mostra, quando estavam sozinhos em casa, que levou a uma excitação indesejada. De seguida, debatem-se as estratégias para lidar com essas situações: 1) evitar (por exemplo, sair de onde se está) ou 2) criar atividades alternativas que consumam energia de modo a criar uma distração, como irem jogar badminton. O manual está repleto de “pérolas” que tanto servem de material para comédia como como são extremamente explícitas e utilitárias. A cereja no topo do bolo é a minuta de contrato que é sugerida como atividade para que os jovens definam, por escrito, com os seus parceiros, as condições para a sua intimidade, e as estratégias que irão utilizar para que não tenham fantasias e comportamentos “inapropriados” antes do casamento. O contrato pede assinatura de uma testemunha para verificar o compromisso de ambas as partes. A formalidade e o decoro são, claramente, elementos fundamentais no processo. Em reposta, os jovens, os grandes contribuidores para a contra-cultura, começaram a usar emojis de badminton para falar sobre sexo. É um clássico exemplo de resignificação que nos indica como estes conteúdos estão a ser reinterpretados e disseminados por uma audiência mais complexa, com outras opiniões e experiências. Um manual para jovens para a abstinência não é o pior dos problemas. Ao folheá-lo, percebe-se que aborda questões importantes, como os limites que os jovens podem querer traçar no seu próprio caminho da intimidade. No entanto, várias secções são motivo de desconforto. A constante responsabilização das raparigas pela excitação masculina, sugerindo que não devem vestir-se de forma “provocatória”, ou a repressão sistemática da masturbação, impede a discussão de outros temas fundamentais que os jovens precisam de abordar. Além disso, não se encontram no manual conteúdos sobre contraceção, prazer ou consentimento explicados de forma aprofundada, nem qualquer tentativa de desafiar o discurso heteronormativo predominante na abordagem à sexualidade e à intimidade. Os jovens em Hong Kong aprendem essencialmente a dizer “não”, mas não recebem ferramentas ou espaço para compreender as formas saudáveis de vivenciarem a sua sexualidade e as transformações do seu corpo, não só neste período crítico, como ao longo da sua vida. O “sim” não é uma ode à libertinagem sexual. O “sim” pressupõe um leque de nuances que envolve informação, reflexão e espaços seguros de discussão, algo que muitos jovens não têm oportunidade de explorar — nem em Hong Kong, nem, atrevo-me a dizer, noutras partes do mundo.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDar a vida pelos outros No passado dia 13, em Melbourne, Austrália, uma professora morreu ao tentar salvar os seus alunos. O incidente ocorreu porque o condutor de um camião que transportava um depósito de água se sentiu mal pelo que o veículo se despistou e embateu contra as instalações de um jardim infantil. Bryant, uma terapeuta da fala de 43 anos, ignorando a sua segurança fez todos os possíveis para afastar as crianças da trajectória do camião, mas acabou por ser atingida e teve morte imediata. A polícia declarou que se Bryant não se tivesse sacrificado, muito mais crianças teriam morrido ou ficado feridas. Toda a comunidade teve rapidamente conhecimento da acção heroica de Bryant e os residentes locais deslocaram-se à cena do acidente para depositar flores e expressar a sua admiração infinita e as suas condolências. Bryant deixou um marido que a amava profundamente, um filho de 11 anos e uma filha de 9 anos. A família ficou destroçada. Em contrapartida, registou-se um caso oposto com o professor Fan. No terramoto de 2008 em Wenchuan, na província de Sichuan, China, este professor foi o primeiro a sair da aula quando se apercebeu do abalo. Só depois é que os estudantes evacuaram a sala, um atrás do outro. O professor Fan disse à comunicação social: “Escolhi viver, só me sacrificaria pela minha filha. Mesmo que a minha mãe estivesse em perigo, não queria saber, porque não consigo transportar um adulto. Em momentos de crise, só se pode salvar uma pessoa de cada vez.” Estes comentários causaram indignação na Internet e o professor foi alcunhado de “Fan Run Run” (“Corre, corre, Fan”). O Ministro da Educação chinês reviu subsequentemente o “Código de Ética Profissional dos Professores do Ensino Primário e Secundário” de forma a incluir disposições para a “protecção da segurança dos estudantes.” Presentemente, o Código estipula que os professores devem “cultivar sentimentos nobres.” Posteriormente, o professor Fan pediu desculpa pelas suas declarações à imprensa. Mas anos mais tarde, ainda afirmava que faria o mesmo se voltasse a haver um incidente idêntico. Não tem remorsos porque sabe que era incapaz de salvar todos os alunos. Diz que admira heróis, mas que não é um deles. Aprecia sobretudo a própria vida. Confrontados com duas opções completamente diferentes, qual devemos escolher? Como devemos avaliar? Talvez uma história Budista nos possa ajudar a encontrar a resposta. Havia na floresta um elefante com seis presas. Era gentil, forte e diligente. Certo dia, salvou um caçador seriamente ferido e levou-o para a aldeia. Depois de o caçador recuperar dos ferimentos, viu um édito do rei, que dizia: Quem caçar um elefante de seis presas e me trouxer como tributo o marfim será recompensado. O caçador ficou ganancioso, disfarçou-se de médico bondoso, entrou sorrateiramente na floresta, aproximou-se e atingiu o elefante com setas venenosas. O elefante das seis presas caiu ao chão por causa do veneno. Os outros elefantes cercaram rapidamente o caçador, mas o elefante das seis presas pôs as patas dianteiras em torno do caçador para o proteger e para dar sinal aos outros para se retirarem. O elefante das seis presas perguntou ao caçador: “Porque é que me feriste?” O caçador ficou envergonhado e contou-lhe a verdade. O elefante partiu as suas presas e deu-as ao caçador, dizendo-lhe: “Com este donativo, podes entender o lado glorioso da vida. Se eu me tornar um Buda, voltarei para te salvar e retirar as três setas venenosas do teu coração: a ganância, o ódio e o engano.” Esta fábula ilustra o verdadeiro significado do amor. O amor e a bondade do elefante das seis presas são incondicionais, tal como o amor de muitas mães pelos seus filhos, que se sacrificam para os proteger em alturas difíceis. O amor de Bryant pelos seus alunos, como o amor maternal, aquece os corações, ajuda as crianças a crescerem harmoniosamente e faz a escola brilhar. Assim sendo, os professores têm a obrigação de se sacrificarem pelos seus alunos? Na perspectiva de Fan Run Run a profissão de professor não implica sacrificar a vida. Mas, em certas circunstâncias, o cumprimento do dever do professor pode custar-lhe a vida. Professores que arriscam a vida para salvar os alunos praticam actos heroicos e demonstram ter os mais altos padrões morais. Mas também devemos compreender que os professores não têm obrigação de sacrificar a vida. Uma das principais prioridades dos professores é a protecção da vida dos seus alunos, mas isso não significa que tenham de se sacrificar. Como optar? As escolhas das pessoas baseiam-se nos seus valores e experiência de vida, por isso deixo ao leitor a capacidade de julgar. Mas prestemos aqui a mais alta homenagem à dedicação de Bryant que sacrificou a vida para salvar e iluminar os seus alunos. Amamo-la e sentimos a sua falta. A sua família está extremamente orgulhosa dela. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal Vozes11 mortos sem importância Ai, Portugal, Portugal onde acontece tudo o de mais inacreditável referindo apenas os aspectos sociais e políticos. Morreram 11 portugueses por alegada falta de socorro do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). Custa a acreditar, não custa? Mas foi o caso mais grave e mais triste da semana passada neste jardim mal plantado à beira-mar. O Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-hospitalar, uma profissão que inventaram e que não é carne nem peixe, ou melhor, esses técnicos não são enfermeiros nem médicos – mas alguns têm raiva aos enfermeiros -, só porque aprenderam a executar os primeiros socorros quando uma ambulância se dirige a um paciente que esteja mal de saúde num acidente rodoviário, em casa à beira de um ataque cardíaco ou noutra situação qualquer incluindo confirmarem a morte do socorrido, resolveram reivindicar o pagamento das horas de trabalho extra e, vai daí, decidiram fazer uma greve, como se moralmente os enfermeiros, médicos e técnicos de saúde devessem ter o direito à greve, quando está em causa a vida das pessoas. E não venham com a conversa da treta dos serviços mínimos. Foi por causa dos serviços mínimos que morreram 11 portugueses sem socorro de emergência. Como assim? Passo a explicar: o referido sindicato enviou para o presidente do conselho de administração do INEM, para a secretária de Estado da Saúde, para a ministra da Saúde e para o Gabinete do primeiro-ministro um aviso de pré greve às horas extraordinárias, que são imensas. Todas as entidades que receberam o pré-aviso de greve não ligaram nenhuma ao assunto, tomaram conhecimento e assobiaram para o lado. No dia da greve começaram a chover centenas, ou mais, de telefonemas oriundos dos mais diversos locais do país a pedir o habitual socorro do INEM. Mas, os tais serviços mínimos não tinham sido accionados e neste ponto, em nosso entender, a culpa não é só das autoridades avisadas, mas também do sindicato. As senhoras e senhores técnicos de emergência pré-hospitalar tinham a obrigação de ser humanistas e pensarem que estava em causa uma única coisa, a vida dos portugueses. Obviamente que sem serviços mínimos não haveria socorro e os pedidos de emergência clínica chegaram a ter uma resposta entre meia hora e duas horas, acabando por morrer 11 portugueses alegadamente devido à causa efeito da greve dos técnicos do INEM. Permitam-me um parêntesis apenas para vos dizer que ainda me recordo que todas as ambulâncias do INEM em socorro tinham uma equipa constituída pelo motorista, que algumas vezes era assistente de enfermagem, um médico e um enfermeiro. Depois, devido à falta de médicos e de enfermeiros, formaram estes técnicos que chegam ao local onde se encontra o doente ou sinistrado, medem a tensão arterial, fazem algumas perguntas ao doente quando este pode falar, registam toda a situação que encontraram num computador e transportam o doente para a ambulância e vão a caminho do hospital mais próximo. Voltando ao grave acontecimento de 11 mortes por alegada culpa de uma greve de técnicos do INEM e de políticos incompetentes, saliente-se que está tudo preparado para que a culpa morra solteira. O primeiro-ministro pouco ou nada disse sobre o caso, aliás, disse que não podia haver uma ambulância em cada prédio… que horrível para um chefe do Executivo. A ministra da Saúde quando toda a gente começou a exigir a sua demissão foi à Assembleia da República pronunciar umas baboseiras, entre elas, que não se demitia porque não mentia, não se escondia e que ia assumir a total responsabilidade e a pasta do INEM. Houve deputados que riram para não chorar. A secretária de Estado da Saúde ficou de boca aberta quando soube pela televisão que tinha ficado sem a tutela do INEM, ficando absolutamente fragilizada politicamente e, nem assim, pediu a demissão do cargo. O presidente do INEM, o quarto presidente do INEM nomeado pela ministra desde que o Governo tomou posse, nem sabia o que dizer aos jornalistas, para além de mais parecer um “menino de copo de leite”… E o sindicato que foi para a greve e que provocou alegadamente a morte de 11 portugueses por falta de socorro médico? Bem, o Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-hospitalar é um caso sui generis. Em primeiro lugar, nunca tinha visto uma entidade sindical a louvar uma ministra. Afinal que raio de sindicato é este politicamente? Defende os seus trabalhadores, a greve ou um governo de direita com aliados da extrema direita? Mas que raio de sindicalismo é este? Ou os sindicatos agora têm cada um a sua cor de política partidária? Este sindicato, depois dos factos graves que vos descrevi, louva a ministra e atira as culpas para a secretária de Estado. Coisa feia e inadmissível para uma instituição que apenas devia defender os direitos dos trabalhadores. Um presidente de sindicato que aparece nas televisões de fato e gravata como se fosse um ministro e a “explicar” o que ninguém entende… E afinal, de quem é a culpa das 11 mortes sem socorro? A secretária de Estado da Saúde, ao tirar a água do capote, teve o desplante e a pouca vergonha de afirmar que a culpa era do anterior Governo… Ai, Portugal, Portugal ao que chegámos. Então a senhora está a governar há mais de oito meses, mandou embora outros presidentes do INEM e a culpa da falta de socorro em Novembro de 2024 é do Governo de 2023? Absurdo, para não lhe chamar um nome feio. Resumindo: a ministra terminou a semana dizendo que terá de se aguardar pelo resultado dos inquéritos que decorrem sobre as 11 mortes dos portugueses sem socorro, quando todos sabemos que normalmente a abertura de um inquérito tem a intenção de fazer esquecer o assunto grave acontecido e deixar passar um qualquer resultado sentencioso para as calendas. Neste particular, recordando que a ex-ministra da Saúde, Marta Temido, se demitiu quando morreu uma mulher grávida num hospital por alegada assistência negligente, resta dizer-vos que estamos absolutamente convencidos que a culpa irá morrer solteira e os 11 mortos para toda esta gentinha não tiveram qualquer importância… P.S. – O Governo nem sequer se pronunciou sobre eventuais indemnizações aos familiares das vítimas por falta de socorro estatal.
Carlos Coutinho VozesO imperador e a escritora. Sem olhos em Gaza. No seu leito de morte, o imperador Adriano ainda escreveu ou ditou um poema, talvez o último da sua vida irrepetível: Animula vagula blandula Hospes comesque corporis Qua nunc abibis in loca Palidula, rigida, nudula Nec, ut solles, dabis locos. Ou seja, em português de lei: Pequena alma terna flutuante Companheira e hóspede do corpo Agora se prepara para descer a lugares Pálidos, árduos, nus Onde terás mais dos devaneios costumeiros. (Tradução da historiadora Letícia de Andrade) Andei anos até saber quem era o autor destes versos e nem a Marguerite Yourcenar, aquela extraordinária escritora belga que foi viver para os EUA e pertence ao grupo dos meus imprescindíveis teve a caridade de dizer. Mas em “De Olhos Abertos” disse a Matthieu Galey: “Quando se ama a vida, eu diria sob todas as suas formas, tanto as do passado como as do presente – pela simples razão de que o passado é maioritário, como diz não sei que poeta grego, sendo mais longo e mais vasto do que o presente, sobretudo este estreito presente de cada um de nós –, é normal que se leia muito. Por exemplo, durante anos li a literatura grega, às vezes de uma forma mais intensa, durante longos períodos, ou ao contrário, aqui e ali, viajando com este ou aquele filósofo ou poeta grego na bolsa. No final, reconstruí a cultura de Adriano: sabia mais ou menos o que Adriano lia, a que é que se referia, a maneira como olhava certas coisas através dos filósofos que lera. Não disse a mim própria: ‘Preciso de escrever sobre Adriano e informar-me acerca do que ele pensava.’ Julgo que nunca se chega lá desta maneira. Acho que temos de nos impregnar de um assunto por completo até que ele saia da terra, como uma planta cuidadosamente regada.»” Depois da morte do pai, em 1929, Yourcenar decidiu gastar a herança numa vida de boémia, passada entre Paris, Lausana, Atenas, as ilhas gregas, Constantinopla, o Cáucaso e Bruxelas. Teve relações amorosas com algumas mulheres e apaixonou-se por um homossexual, André Fraigneau, escritor e editor da Grasset. Em 1939, o seu conhecimento da Alemanha nazi e a falta de recursos levaram-na a partir para os EUA, juntando-se a Grace Frick, sua companheira havia dois anos, e com quem viveu até à morte desta, em 1979. A partir de 1950, instalou-se com Grace na ilha de Montes Desertos, designando a sua casa em madeira por “Petite Plaisance”. O que lhe permitiu deixar a sua atividade docente foi o êxito internacional de “Memórias de Adriano” (1951). Em meados dos anos 60 visitou Lisboa, Sintra, Évora e a Madeira. Antes de falecer, a 17 de dezembro de 1987, ainda escreveu para sempre “A Obra ao Negro”. Está enterrada no Cemitério de Brookside, em Somerville, no Maine, EUA. Já de Adriano eu apenas sabia que teve um amante chamado Antino e, quando este se afogou no Nilo, em 130 d.n.e., ficou por se saber se ele caiu nas águas do rio, se cometeu suicídio ou se foi empurrado, mas, depois da sua morte, Adriano imediatamente o declarou um deus e fundou em sua memória a cidade de Antinópolis, no Egito, no local onde o cadáver do seu namorado foi encontrado. Adriano nasceu provavelmente em Itálica, na Hispânia. Foi um imperador viajante, visitando quase todas as províncias e passando muito tempo longe de Roma. Era um amante da cultura grega e procurou fazer de Atenas a capital cultural do Império, ordenando a construção de vários templos sumptuosos na cidade. O seu casamento com Vibia Sabina, sobrinha-neta do Imperador Trajano, foi infeliz e não produziu filhos. Em 138 adotou Antonino Pio e nomeou-o seu sucessor. Faleceu no mesmo ano em Baías. Foi divinizado por Antonino, a despeito da oposição do Senado, que sempre o considerou distante e autoritário. Adriano tem suscitado opniões divrgentes entre os críticos, descrito como enigmático e contraditório, capaz tanto de atos de grande generosidade como de extrema crueldade, dominado por uma curiosidade insaciável, pelo orgulho e pela ambição. O renascimento do interesse contemporâneo pela sua figura deve muito ao romance “Memórias de Adriano” de Marguerite Yourcenar , publicado em 1951. A sua primeira viagem foi em 121, visitando a Gália, a Germânia e a Britânia, uma província agitada por rebeliões, onde iniciou a construção da célebre Muralha de Adriano, destinada a conter as invasões e migrações de bárbaros. Em Roma supervisionou a reconstrução do Panteão e terminou a sua ‘villa’ de repouso, em Tivoli. Caçou leões no deserto da Líbia e morreu em 10 de julho de 138, em Roma, depois de uma longa doença. O seu corpo foi depositado num mausoléu que veio a ser transformado no atual Castelo de Santo Ângelo, em Roma. * MUITO antes do “bom samaritano” que Lucas não nomeou, de Anne Frank, de Aristides de Sousa Mendes, de Ho Chi Min e de Mohammad Arafath, já Aristóteles perguntava: “Haverá flagelo mais terrível do que a injustiça de armas na mão?” De facto, antes e depois do jogo de futebol entre o Ajax de Amesterdão e o Maccabi Tel Aviv, ocorreu variado e abundante vandalismo que a nossa televisão não mostrou de um certo lado, o dos israelitas, e empolou do outro, o dos árabes ou originários de países muçulmanos. Vimos israelitas a entoar canções que enaltecem o comportamento das IDF (Forças de Defesa sionistas) na Palestina ocupada e arrancando as bandeiras palestinianas que iam encontrado na sua marcha por Amsterdão. Muitos de nós viram também “mouros” corajosos a retaliar de forma por vezes igualmente violenta. A Comissão Europeia condenou estes atos e ignorou a selvageria hebraica. Para Von der Leyen, a islamofobia pode ser um modo natural de respirar no mundo em que vivemos. Surpreendentemente, até em Israel, o “Haaretz”, um jornal visceralmente sionista, mas avesso a Netanyahu e ao pior de Biden, Harris e Trump, afirmava no dia de S. Martinho, em editorial, que o Exército israelita está a levar a cabo uma operação de limpeza étnica no Norte da a Faixa de Gaza” e que os poucos palestinianos no local estão a ser levados à força”. E mesmo que “foram destruídas casas e infraestruturas bem como há estradas largas a ser construídas para completarem a separação das comunidades do Norte das do Centro da cidade de Gaza!”. Completando o horror da situação, um residente local contava no mesmo dia a “The Washington Times”: “Antes comíamos erva, agora nem isso temos. A cidade é agora um cemitério.” E isto quando até em Israel, o “Haaretz”, um jornal visceralmente sionista, mas avesso a Netanyahu e ao pior de Biden, Harris e Trump, afirmava no dia de S. Martinho, em editorial, que “o Exército israelita está a levar a cabo uma operação de limpeza étnica no norte da Faixa de Gaza” e que os poucos palestinianos no local estão a ser levados à força” e que “foram destruídas casas e infraestruturas bem como há estradas largas a ser construídas para completar a separação das comunidades do norte das do centro da cidade de Gaza!. (…) Parece que foi atingido por um desastre natural.” E Lousie Waterige, responsável da UNRWA, o organismo da ONU que Israel nunca respeitou, disse neste fim-de-semana “não há maneira de dizer onde a destruição começa ou acaba. Não interessa de que direção se entra na cidade de Gaza. Casas, hospitais, escolas, clínicas, mesquitas, apartamentos, restaurantes, está tudo totalmente arrasado”. A cidade e tudo à volta parecem, de facto, “um cemitério em que as vítimas são, sobretudo, mulheres e crianças. Segundo um relatório publicado na sexta-feira pelo supracitado Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, estas “representam quase 70% dos mortos na Faixa Gaza”, uma análise feita com base em 8 119 mortes identificadas durante os primeiros seis meses de guerra. Ainda segundo este mesmo relatório, também citado por “The Washington Post”, cerca de 80% dos mortos estavam em casas ou outro tipo de habitação, dados estes que “dão peso às alegações de que Israel tem atacado indiscriminadamente”.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesPensar em termos estratégicos “Strategic thinkers don’t just make decisions; they assess and communicate their broader potential effects.” Brenda Steinberg & Michael D. Watkins A América perdeu o talento intelectual para pensar em termos estratégicos. Já não consegue gerir uma política externa coerente. Se continuar a descer esta encosta, será a guerra. Uma coligação para controlar a Eurásia. A incapacidade dos Estados Unidos de fornecer uma modesta assistência militar e financeira à Ucrânia é uma vergonha moral e estratégica. A América está envolvida numa luta amarga pelo controlo da Eurásia, que terminará com um vencedor. Os lados são claros e os Estados Unidos com os seus parceiros insulares ou peninsulares, os europeus, Israel, algumas potências árabes e Estados ao longo do litoral asiático contra uma coligação frouxa de potências revisionistas continentais, nomeadamente a China, o Irão e a Rússia. O resultado desta disputa definirá a história mundial para o resto do século. É por demais evidente que os Estados Unidos têm de competir em todas as regiões da Eurásia. Pensar em dar prioridade estratégica a uma ou a outra não só carece de substância como é perigoso. Tais argumentos criam divisões nebulosas, fictícias e principalmente retóricas, quando a natureza da Eurásia está, pelo contrário, profundamente interligada económica e militarmente. O “centro de gravidade económica mundial” pode muito bem ter-se “deslocado para a Ásia” em termos puramente de PIB. Mas a produção asiática depende de recursos, capital e tecnologias de muito mais longe, como a China bem sabe e como a Rússia aprendeu à sua custa após a invasão da Ucrânia. Os laços euro-asiáticos implicam que o que acontece num extremo da massa bicontinental repercute-se no outro. Israel e o Irão estariam a enfrentar-se mesmo sem a guerra na Ucrânia, mas a agressão de 7 de Outubro de 2023 e as crises subsequentes não se teriam desenrolado como se desenvolveram sem a erosão da credibilidade estratégica americana e a insistência israelita numa relação com a Rússia. O mesmo acontecerá quando a guerra se estender à Ásia, o que muito provavelmente acontecerá. Temos de ultrapassar a nossa perplexidade perante a ideia de um conflito euro-asiático e aceitar os desafios que temos pela frente. Caso contrário, a causa da civilização terá ainda mais dificuldades em sobreviver. As más escolhas estratégicas dos Estados Unidos contribuíram para esta situação. Não é intenção diminuir o papel dos outros actores. Os países europeus não conseguiram, mais ou menos, alimentar adequadamente as suas defesas desde a queda da União Soviética, facto que limitou grandemente a coerência da sua resposta ao expansionismo russo na Ucrânia ou a sua capacidade de agir independentemente da assistência estratégica americana. É claro que as potências revisionistas também contam muito e uma justifica a agressão aos seus vizinhos com base na crença bizarra de que a semelhança linguística exige unidade política; outra conduz subversões híbridas no Médio Oriente; outra ainda pressiona os parceiros asiáticos dos Estados Unidos. No entanto, o factor-chave é o fracasso da política externa americana, uma vez que só os Estados Unidos têm a perspectiva estratégica para lidar com os problemas daquilo a que se poderia chamar a coligação da Orla Eurasiática. O Reino Unido e a França podem ter armas nucleares; o Japão, a Austrália, a Alemanha e a Itália podem ser economias prósperas e ter capacidades militares não negligenciáveis. Mas só os Estados Unidos têm os meios, os aliados e os interesses ao longo de todo o arco da Eurásia. Há já algum tempo que Washington saiu da tutela estratégica britânica, que durou grande parte da Guerra Fria, durante a qual o Reino Unido, ainda com a sensação de ser um império com alcance euro-asiático, podia dar conselhos coerentes aos decisores americanos. Actualmente, os Estados Unidos estão sozinhos. Nenhum dos seus aliados cultiva uma perspectiva propriamente euro-asiática necessária para liderar uma coligação num desafio pela supremacia. O fracasso não está de modo algum escrito. A política externa europeia cometeu certamente erros mesmo durante a Guerra Fria. Entre eles, a bofetada de Eisenhower na cara de Paris e de Londres na crise do Suez, a retirada do Vietname e a cedência de Cuba a Moscovo. Mas, de um modo geral, a Europa foi liderada por estadistas lúcidos e eficazes. Mesmo a presidência de Carter, justificadamente criticada, deu uma viragem a partir de 1979, lançando as bases para a expansão militar da era Reagan que acabou por levar os soviéticos à exaustão. Kennedy permitiu a crise de Cuba, mas geriu-a bem para evitar uma catástrofe. A administração Nixon perdeu o Vietname do Sul, mas conseguiu uma política hábil para o Médio Oriente que transformou a região e fez de Israel o ponto central de uma estratégia coerente a longo prazo. Estes êxitos resultaram, em parte, do próprio Presidente dos Estados Unidos. Mas o processo burocrático é imensamente complicado. Longe vão os tempos em que um pequeno grupo de conselheiros, os ministros dos Negócios Estrangeiros, da Defesa, as altas patentes das Forças Armadas e funcionários civis seleccionados podiam tomar decisões com a confiança de que seriam implementadas de forma coerente nos vários ramos administrativos. Actualmente, o Estado é uma máquina burocrática que se rege por práticas rigorosas e estruturadas de recolha, tratamento, análise e divulgação de informações que facilitam a tomada de decisões. Ao longo do último século, o tipo de personalidade necessária no topo mudou. Uma figura como Henry Kissinger, algures entre um burocrata e um académico, continuaria a ser desejável, mas teria de combinar sensibilidade histórica e bom senso com qualidades de gestão e políticas. Figuras como ele são excepcionalmente difíceis de encontrar e cultivar em qualquer sistema educativo. O melhor que se pode aspirar é a burocratas experientes, alguns bons em gestão, outros bons em análise, outros bons em estratégia. Esta é a principal diferença entre o establishment da política externa de ontem e o de hoje. Uma diferença que explica os muitos erros recentes. Qualquer estudante sério de história estratégica compreende imediatamente que as teorias da “gestão de conflitos” aplicadas à Ucrânia são meros exercícios pseudo-intelectuais. No entanto, ideias como estas tornam-se populares precisamente porque a actual elite burocrática foi educada num pequeno círculo de universidades como Harvard ou Yale, por vezes com um diploma adicional de Oxford, onde os mesmos mandarins do acaso ensinam. Pessoas agarradas a concepções convencionais e obsoletas, que inculcam nos seus alunos uma profunda aversão ao confronto. Aqueles que podem discordar da interpretação ortodoxa de uma crise como a de Cuba ou estão mortos como Bill Rood e Donald Kagan ou estão fora do circuito como Doug Feith por razões de temperamento e de auto-selecção profissional. Quando, por outro lado, frequentamos os arquivos diplomáticos do fim da Guerra Fria e do período imediatamente a seguir, ficamos impressionados com a presciência de certas pessoas, como Dick Cheney, na altura Secretário da Defesa, que pouco se importava com o mal-estar russo face à expansão da NATO. E que reconheceram que, mesmo depois da era soviética, Moscovo representaria uma ameaça tal que mesmo os cenários mais calmos exigiriam décadas de contenção. Mesmo os seus opositores, como o muito elogiado Brent Scowcroft, operavam a um nível de sofisticação sem paralelo nos decisores e formadores de opinião actuais. Resumindo, os Estados Unidos e os seus aliados estão numa má situação porque a América e os seus parceiros, consequentemente perderam o talento intelectual para pensar em termos estratégicos. Isto levanta duas questões para os países europeus que têm interesse em manter a actual ordem euro-asiática. Um interesse que diz respeito a todos os actores do continente, da Ucrânia a Portugal, incluindo o húngaro Orban, o eslovaco Fico e o sérvio Vucic, porque a realidade é que mesmo os chamados soberanistas só sobrevivem porque são mantidos pela União Europeia e pela segurança proporcionada pelo sistema UE-NATO. A primeira questão é se estamos a assistir a um declínio da América. A resposta é um sim categórico. Não há outra maneira de explicar quinze anos de uma política externa cada vez mais inconsistente. Em todas as áreas, a situação era sempre recuperável, como a administração de George W. Bush ironicamente demonstrou ao recapturar o desastre iraquiano com o surto, um facto sempre ignorado por um revisionismo intelectual motivado mais pela ignorância e antipatia ideológica do que por uma análise aprofundada dos factos. Depois, porém, a administração Obama abandonou o Iraque, reduziu as despesas militares, procurou um desanuviamento quimérico com a Rússia e a China, apoiou tacitamente a expansão do Irão em detrimento de Israel e dos países do Golfo. A presidência de Trump fez algumas correcções substanciais, com uma postura mais agressiva em relação ao Irão e a prestação de ajuda militar à Ucrânia; mas nunca considerou um aumento concreto das despesas de guerra, dando antes prioridade às despesas sociais numa altura em que os Estados Unidos estavam a entrar numa fase de turbulência internacional. A administração Biden continuou na mesma linha, achatando efectivamente o orçamento do Pentágono em termos reais, enquanto abandonava o Afeganistão, procurava outro acordo com o Irão e se recusava a articular uma verdadeira estratégia para a Ucrânia, permitindo que a guerra se arrastasse, a um preço cada vez maior em termos de vidas. Este é um retrato de declínio manifesto. Significa que os aparelhos burocráticos foram totalmente incapazes de enfrentar os desafios actuais, por razões intelectuais, morais e políticas. A continuar a trajectória actual, não só se acabaria numa grande guerra euro-asiática, como provavelmente se perderia. Ou talvez fosse possível ganhar, mas com imensos custos humanos e económicos. É claro que há uma ressalva. Nunca enfrentámos as condições de hoje, mas já defrontámos condições igualmente adversas e recuperámos. Antes da II Guerra Mundial, os Estados Unidos tinham decisores mais prudentes, apesar de um clima popular muito contrário ao envolvimento na Eurásia. No entanto, embora possuíssem um enorme poder industrial, não tinham qualquer acesso diplomático ou estratégico às potências euro-asiáticas; consequentemente, organizar o envio de forças de combate para o estrangeiro era uma tarefa formidável, muito mais do que a retrospectiva nos diria. Além disso, no passado, um grande choque estratégico despertou normalmente no povo americano uma consciência nacional mais profunda que ajudou a colocar os Estados Unidos na direcção certa. Actualmente, outro choque deste tipo poderá ter o mesmo efeito, especialmente se incluir um custo em termos de vidas americanas. A segunda questão é ainda mais importante, pois face ao declínio americano, o que é que os países europeus devem fazer? A resposta mais fundamentada, e difícil, é que devem passar por uma transformação intelectual para produzir uma verdadeira estratégia a longo prazo para a Eurásia. Só assim a Europa, poderá sobreviver sem os Estados Unidos. Uma Europa unida, uma evolução da actual União Europeia, pode ser parte da solução, mas não é a solução. O obstáculo é intelectual. Se os Estados Unidos têm falta de burocratas capazes de conduzir um verdadeiro sistema político, os europeus têm um défice ainda maior neste domínio. Existem indivíduos talentosos, não faltam instituições académicas, bem como alguns políticos, advogados e analistas competentes. Mas não há infra-estruturas para uma verdadeira abordagem de síntese que cultive sistematicamente a capacidade de pensar e desenvolver uma estratégia para a Eurásia. Este tipo de capacidade só pode vir de governos nacionais que se interessem seriamente por certas secções da massa bicontinental. Neste domínio, a Europa pode desempenhar um papel central. Kissinger observou que a sua política externa consiste em encontros sorridentes com importantes estadistas; muito correctos, dada a necessidade de fazer malabarismos com uma política interna sempre frágil. Todos os países da Europa Ocidental, estão subdimensionados e não estão optimizados para o combate sustentado. No entanto, dispõem de unidades rapidamente destacáveis, forças especiais de elevada qualidade (especialmente anfíbias) e vários veículos sofisticados. O centro da abordagem da Europa deve ser o apoio público e coberto à Ucrânia e especialmente a Israel, dado o papel central de Jerusalém no Médio Oriente sistémico mas estratégico e dada a importância deste quadrante para a segurança europeia. Depois, a Europa seria prudente se continuasse a sua abordagem musculada à China e se integrasse com alguns países da cintura Intermarium, incluindo a Ucrânia. O que precede não substitui a liderança americana. Os Estados Unidos continuam a ser indispensáveis até um certo ponto. A coligação Rimland não existiria sem a liderança americana e os seus meios para facilitar as operações de ponta a ponta na Eurásia. No entanto, a vantagem desta coligação é a possibilidade de os seus membros individuais darem impulsos decisivos, desde que estejam rodeados por um ambiente que lhes proporcione enquadramento, prudência, conhecimentos especializados e uma visão comum do mundo. A República Checa é um exemplo disso, pois Praga forçou recentemente o braço de Berlim, reforçou a nova proactividade da França, obrigou Macron a aceitar a aquisição de munições não europeias e forneceu um apoio indispensável às capacidades de defesa ucranianas. A ameaça na Eurásia não diminuiria se a América regressasse a casa. Só aumentaria. A Rússia, a China e o Irão continuariam a exercer pressão sobre um Ocidente distorcido. Serão necessários nervos, habilidade e, acima de tudo, inteligência para conduzir os europeus na direcção certa.
Amélia Vieira VozesE. E. Cummings Desarmar, recriar, inventar e dar à língua um fôlego renovado, é a missão mais comprometida de um poeta, que recriará novas semânticas e valências a partir de um equilíbrio constante em seu não menos intenso labor. Cummings acaba por agregar todos estes atributos numa obra que muitos consideram deveras desconcertante. Vejamos que a nível do grafismo e dos sinais de pontuação começa por subverter toda a composição estabelecida como correta, expondo desse modo o leitor a um processo dinâmico para seguir a composição; não é fácil, e por isso se torna apaixonante seguir a desconstrução aparente de uma ideia que vem em estilo poético, mas que parece absolutamente legítima, que é o de buscar para o centro do labirinto o próprio leitor, que como muita gente sabe, é um agente passivo à espera de projectar os seus anseios no tecido da escrita que outros fizeram. Estamos nos anos vinte do século passado e as vanguardas estão na ordem dos dias, onde ele ocupa um espaço dominante, e é no embrião do Surrealismo que edita o primeiro livro e integra os primeiros movimentos do século, mas desviado de um certo estruturalismo, e sua marcha não foi fácil, sua aceitação, difícil, e a nível da publicação sofrerá ainda interditos. Só a partir dos anos cinquenta vai existir um alvorecer instigado pela poesia concreta que lhe dá asas tendo a reciprocidade deste vínculo uma importância decisiva. É considerado um dos mais inventivos poetas da linguagem, e isso, é trabalho que terá de ser feito sempre por poetas. Ou seja, pela estrutura da sua natureza, que quem quiser escrever “poemas” terá toda a liberdade de o fazer, evidentemente, que de escriturários autores estamos cheios, e seus sentimentos eles que os sintam. Falamos, claro está, de outra coisa. Há coisas que por mais que nos consumam atenção, seguidas logo como moléstia pelo tempo perdido, vamos recuperá-las em pequenos prodígios como este [não te importes com o mundo, com quem faz a paz e a guerra, pois deus gosta de raparigas e do amanhã da terra] e estamos lavados das imundices. A linguagem pode ser imunda, sim, sem nenhuma retórica escatológica para movimentar os paralisados da ordenação correcta acerca daquilo que se deve ou não dizer. Deve-se e pode -se dizer tudo, a diferença está somente naquele que sabe fazê-lo. A língua portuguesa, essa, está entregue a uma minoria tão silenciosa, que pensamos que sejam seitas telepáticas em confronto com as vicissitudes da linguagem tangível dos quotidianos acontecimentos. E por falar em telepático, há muito que não viajava por E.E. Cummimngs (aliás, até o nome é todo ele repleto de minúsculas e maiúsculas como se nos baralhasse o sentido intitular, que o aparelho fonético aderiu tanto ao cérebro que “chuta” para trás o que lhe é estranho mencionar) não é que me caiu aos pés, impulsionado por movimentos felinos, o seu livro de poemas?- Tudo junto, livrodepoemas, exatamente no dia 14 de Outubro que o acaso quis fosse o seu aniversário. Tinha sido em 1894. Aqueles instantes onde a linguagem continua, e falamos. Mas falamos como, de quê? Nestes casos pode ser uma certa “aeroglifisação” que nestas coisas o poema é sempre mais adiante, e acontece pronto. Morreu com sessenta e sete anos, tão perto de ti, de mim, de nós…
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLicença parental As leis laborais de alguns locais, contemplam a “licença parental” destinada a facultar aos trabalhadores com filhos mais tempo livre para se ocuparem das crianças e de assuntos familiares, de forma a ser obtido um maior equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar. Tomando o exemplo de Guangxi, na China, os “Regulamentos para o Planeamento da População e da Família da Região Autónoma de Guangxi Zhuang” estipulam que cada um dos membros do casal tem direito a dez dias de licença parental por ano até que os filhos atinjam os três anos de idade. Se os dois progenitores tiverem 20 dias de licença parental todos os anos, têm a possibilidade de lidar com vários assuntos relativos à criança e à própria vida familiar. Olhando para Hong Kong e para Macau, verificamos que em Macau não existe actualmente licença parental. Nas linhas para a governação, recentemente apresentadas, o Governo de Hong Kong propõe-se implementar a partir de Abril de 2025 a licença parental anual para funcionários públicos com crianças até 3 anos de idade. Um estudo realizado em Hong Kong mostrou que perto de 80 por cento dos inquiridos acredita que criar um filho até aos 22 anos custa pelo menos 6 milhões de dólares de Hong Kong. Este tipo de pessoas espera que as empresas possam ter mais flexibilidade laboral. Os inquiridos ainda acrescentaram que se pensarem ter um filho num período em que estão muito ocupados, para se dedicarem totalmente ao trabalho e atingirem os seus objectivos, podem ter de adiar ou desistir dessa ideia. Os resultados do referido estudo demonstram que mesmo que as pessoas queiram ter filhos, a sua principal preocupação é a questão económica. Se a situação económica for boa, a hipótese de virem a ser pais mais melhora relativamente. Se a empresa que os emprega lhes proporcionar medidas que os ajudem a tratar das crianças e dos problemas familiares esse factor será certamente tomado em conta. As notícias não mencionavam se, para além da licença parental a ser atribuída aos funcionários públicos, o Governo de Hong Kong irá tomar outras medidas para ajudar a coordenar as relações entre o trabalho e a família. Mas podemos encontrar outros exemplos na sociedade de Hong Kong que ilustram estas medidas. Para que os empregados lidem melhor com as questões familiares, uma empresa permitiu que coordenassem com os seus superiores horas e locais de trabalho flexíveis e, ao mesmo tempo, aumentou as licenças parentais. Esta empresa criou também o “Dia de Levar o Filho para o Trabalho” para permitir que a próxima geração tenha contacto com o mundo empresarial e ainda para aumentar e cultivar o relacionamento entre os empregados e os seus filhos. Durante o “Dia de Levar o Filho para o Trabalho”, a empresa proporciona actividades para pais e filhos, tais como brincadeiras com balões, espectáculos de magia, confecção de sobremesas, etc., para assegurar que o trabalho dos pais não afecta a vida familiar. Licença parental, disposições para a flexibilização do trabalho, licença paterna, “Dia de Levar o Filho para o Trabalho”, etc. são todas medidas favoráveis implementadas no local de trabalho. “Ambiente de trabalho amigável” é sinónimo de reconhecimento por parte das empresas dos diversos talentos dos seus elementos, pelo que lhes proporcionam cuidados extensos, não discriminatórios e justos, para que eles possam trabalhar sem preocupações, dar o seu melhor e usar as suas capacidades a bem dos empregadores e da produtividade da empresa. Um ambiente de trabalho amigável contem três elementos: diversidade, igualdade e inclusão. Podemos dar como exemplo típico de diversidade uma empresa que emprega diferentes tipos de pessoas; mais velhas, mais jovens, pessoas de diferentes etnias e nacionalidades, etc. Uma empresa que pratica a igualdade trata todos os funcionários com equidade e submete todos aos mesmos procedimentos. Uma empresa inclusiva ouve e respeita as opiniões dos empregados. Por exemplo, algumas universidades realizam todos os semestres sessões de perguntas e respostas com funcionários e estudantes para ouvir as suas opiniões. Para alcançar estes três elementos, diversidade, igualdade e inclusão, uma empresa não deva apenas proporcionar licenças parentais, trabalho flexível, licenças paternas, etc, mas também ter em termos gerais um código interno que proíba os vários tipos de discriminação. Estas medidas ajudam os empregados a compreender que a criação de um ambiente de trabalho amigável faz parte da cultura ética da empresa. Ambiente de trabalho amigável é uma designação que surgiu nos últimos anos. As disposições e medidas que implementa permitem que os empregados tenham espaço para as suas famílias, e evoluíram do conceito de “equilibrar o trabalho com a família” para “integrar o trabalho e a família”, tornando assim os empregados mais devotados ao trabalho, aumentando a produtividade e a competitividade das empresas, e, por conseguinte, alcançando uma situação vantajosa para todos. São medidas que vale a pena a sociedade vir a considerar. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesPor favor Por favor, amigos leitores, regozijem-se por ler este diário dirigido pelo jornalista e escritor de excelência Carlos Morais José. Recebo diariamente o jornal em PDF e posso dizer-vos, sem sombra de dúvidas, que é o melhor jornal em língua portuguesa. Graficamente não conheço melhor no panorama nacional e internacional em língua portuguesa. Um jornal com o conteúdo literário e de uma paginação muito apelativa. Escrevo estas linhas porque em Portugal a imprensa escrita, e mesmo a comunicação em geral, está pelas ruas da amargura. Temos diários, semanários e revistas. Todos essas publicações têm vindo a degradar o seu conteúdo e aspecto gráfico. O jornalismo tem de ser uma profissão nobre, de liberdade, de competência e transparência. No nosso país temos vindo a assistir a um negativismo jornalístico em todos os aspectos. Os jornalistas jovens acabam os cursos de duvidosa qualidade e aceitam as condições mais que precárias para ingressarem nos jornais, nas televisões e nas rádios. Na imprensa o visionamento é cada vez mais desinteressante. Os jovens jornalistas não têm um conhecimento profundo do que aconteceu desde o 25 de Abril de 1974, não têm um acervo da história sobre os acontecimentos decorridos ao longo de 50 anos de democracia nem sabem o que de bom deixaram a Portugal diversas personalidades como Palma Carlos, António Spínola, Costa Gomes, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Magalhães Mota, Pinto Balsemão, Ramalho Eanes, Mário Soares ou Álvaro Cunhal. Quando precisam, abrem a wikipédia e lêem o que por vezes é absolutamente deturpado e insuficiente, para se poder escrever com conhecimento de profundidade. O semanário Expresso tem vindo a perder leitores, ano após ano, e algumas vezes a própria manchete é um tema que já é do conhecimento de todos. O Diário de Notícias vive momentos de interrogação sobre o seu futuro, tal como os órgãos de comunicação social do grupo económico que nem paga os salários a tempo e horas. O Público foi o diário de referência, hoje é uma banalidade de mau jornalismo. O Jornal de Notícias era o menino querido do norte do país, e nos dias de hoje as gentes do norte compram o Correio da Manhã. Correio da Manhã que é um chorrilho de páginas dedicadas ao crime, aos casos passionais, à vida dos pimbas e, pelos vistos, os potenciais compradores é disso que gostam porque o jornalismo português global baixou muito de qualidade e nunca se preocupou em diminuir o número de analfabetos em política, em história e em cultura. O semanário Tal&Qual reapareceu, mas apresenta um populismo de bradar aos céus, sem o mínimo de credibilidade noticiosa. O i era o diário com mais impacto gráfico e com qualidade jornalística, não aguentou e hoje apenas se publica às terças-feiras. O Sol é um porta-voz do Governo, vale pela qualidade de alguns cronistas. No aspecto político toda a imprensa gere-se pela mesma batuta: há que agradar ao Governo. Estamos certos que Luís Montenegro, chefe do Executivo, espalha a sua propaganda política por todos os jornais a troco de financiamento aos patrões dos grupos de comunicação social. Um facto, que demonstra bem que a linha editorial das publicações é mera apoiante de quem está no poder. E já não falamos dos jornais e rádios regionais, que sem dinheiro, apresentam uma falta de qualidade jornalística impressionante e uma musicalidade quase total de timbre pimba. Os jornalistas com quem temos contactado trabalham frustrados. Chegam ao ponto de investigar e escreverem textos de grande interesse e deparam-se com a “ordem” das chefias de que esses trabalhos não podem ser publicados porque vão colidir com os interesses de quem financia os jornais. O jornalismo tem acima de tudo de ser regido sobre o símbolo da liberdade de expressão. Sem liberdade não existe jornalismo sério e apelativo. Por favor, amigos leitores, apreciem bem este diário e vejam a diversidade de temas, os colaboradores de enorme qualidade que deixam a sua sapiência nas páginas do jornal nos mais variados temas, como história portuguesa, história chinesa, política local, nacional chinesa, nacional portuguesa e internacional, sexologia, mudanças climáticas, obras literárias e outros temas de grande interesse. Sobre a cultura chinesa não existem páginas centrais, a cores, como as do HOJE MACAU e os leitores que em Macau e no estrangeiro leem o que é publicado, admiram-se como é que um diário de Macau consegue apresentar uma literatura cultural chinesa de tão grande envergadura. Estas minhas palavras não se devem ao convite que me fez o ilustre director para vos enviar semanalmente umas linhas sobre o que se passa em Portugal. Não, com toda a sinceridade vos informo que estas linhas se devem apenas ao facto da tristeza que os portugueses que compravam jornais constatam que nos dias de hoje não vale a pena. As vendas, na verdade, têm diminuído assustadoramente. Há mesmo quem pense que daqui a poucos anos apenas haverá um diário e um semanário. É triste. Para onde vão os jornalistas que sonharam com a sua nobre profissão? Obviamente para o desemprego, para um qualquer escritório de advogados, para uma agência de comunicação, para um gabinete de imprensa de uma empresa poderosa ou para assessor de um ministro, de um secretário de Estado ou de qualquer grupo parlamentar da Assembleia da República. Um dos piores exemplos da derrota da imprensa e televisões portuguesas foi a última campanha eleitoral americana onde apresentaram até à exaustão Trump com o seu discurso de ódio e a desinformação em vez de fornecer ao público factos e rigor jornalístico. Por favor, amigos leitores que possuem em Macau empresas, escritórios de advocacia, cargos de direcção na função pública, por favor, acreditem que devem dar todo o seu apoio em anúncios, a um diário como este de grande qualidade e que não pode deixar de estar na nossa companhia, para gáudio da língua e dos valores culturais portugueses em terras do oriente.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesA lista de Sam Ho Fai Com o recente anúncio feito pelo Governo da RAEM da lista de agraciados com medalhas e títulos honoríficos e a próxima Cerimónia de Imposição das Medalhas e Títulos Honoríficos do ano 2024, agendada para 29 de Novembro, a lista das nomeações para os diversos Secretários do VI Governo da RAEM tornou-se um tópico de grande interesse para a sociedade. Acredita-se que as individualidades e entidades a condecorar sejam aquelas que são reconhecidas pela sua contribuição para o bem de Macau e pelo apoio prestado ao Governo da RAEM. Além disso, Sam Ho Fai respondeu às perguntas dos jornalistas respeitantes aos candidatos para os cinco cargos de Secretários do VI Governo da RAEM, enunciando os sete requisitos necessários às funções. Embora Sam Ho Fai tenha elencado os requisitos, ainda não é claro se a lista de candidatos a anunciar irá conquistar o apoio e a aprovação do público. Uma publicação mensal chinesa incluiu uma reportagem especial intitulada “Nós e Ho Fai”, que analisava o “conceito de governação” do novo Chefe do Executivo. Um dos colunistas convidados chegou mesmo a avaliar o desempenho de cada um dos actuais cinco secretários, assinalando as suas insuficiências e inadequações, o que é muito pouco habitual no meio das críticas positivas que costumam aparecer na comunicação social. Dado o actual clima político de Macau, trata-se, de facto, de uma tarefa difícil encontrar profissionais talentosos e respeitáveis para preencher cargos de grande responsabilidade. Sam Ho Fai já deve estar ciente da avaliação pública dos actuais cinco secretários, mas a aprovação final dos candidatos propostos será da responsabilidade do Governo Central. A partir da minha análise pessoal, penso que o actual Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário, deve provavelmente renunciar honrosamente ao cargo. Nascido em 1956, Rosário serviu directa ou indirectamente durante muitos anos o Governo português e o Governo da RAE. Ele é não só um funcionário público sénior como também alguém que conhece a arte da governação. Em termos de trabalho realizado, Rosário utilizou eficazmente as suas competências e adaptou-as às circunstâncias prevalecentes, tentando resolver os problemas que tinham sido deixados pelos Governos anteriores. Desde que tomou posse em 2014, o sentido de humor de Rosário e a sua vontade de assumir as responsabilidades solucionaram inúmeros conflitos, nomeadamente alguns problemas da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes. Actualmente, os projectos que ele supervisiona, incluindo a habitação pública, o transporte de Metro Ligeiro e as construções na Zona A dos Novos Aterros Urbanos, estão basicamente encaminhados e está na hora de poder tirar algum tempo para si próprio e desfrutar de uma reforma confortável. Quanto ao Secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, já que Macau está consistentemente estável sob a vigilância de olhos no céu, poderá seguir os passos do seu antecessor, Cheong Kuoc Vá, e assegurar firmemente outro mandato de cinco anos, durante o qual devem ser tomadas medidas para encontrar um sucessor adequado. O Artigo 5 da Lei Básica de Macau estipula “na Região Administrativa Especial de Macau não se aplicam o sistema e as políticas socialistas, mantendo-se inalterados durante cinquenta anos o sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente existentes”. Ao longo dos últimos 25 anos, a par do progresso social, Macau tornou-se diferente, quer política quer economicamente. Sam Ho Fai, sendo o novo Chefe do Executivo de Macau e tendo ocupado por muito tempo o lugar de Presidente do Tribunal de Última Instância, defende e apoia naturalmente a Lei Básica, especialmente o Capítulo 3, que salienta os direitos e deveres fundamentais dos residentes. Quanto aos candidatos a novos secretários, além de terem de conquistar a confiança do Governo Central e de estar à altura dos sete requisitos estabelecidos por Sam Ho Fai, também devem ser capazes de cumprir e manter o espírito da Lei Básica de Macau.
Olavo Rasquinho VozesPrós e contras da transição energética ou presos por ter cão e presos por não ter Para quem segue com atenção os problemas associados às alterações climáticas, a transição energética é um assunto de primordial importância. É, sem dúvida, uma das maiores preocupações dos decisores políticos, pois a tomada de decisões nesta área afeta a vida quotidiana dos cidadãos e é frequentemente motivo de protestos contra o custo de vida, em grande parte devido ao aumento dos preços dos combustíveis. Por vezes esse aumento não está relacionado com custo na origem, mas sim com a aplicação de taxas tendo em vista incentivar a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e promover a transição para uma economia mais sustentável e neutra em carbono. Nos países democráticos a taxa de carbono é frequentemente tema de crítica por parte dos partidos da oposição. Quando um dos partidos alternantes nos governos das democracias sobe ao poder, recorre a esse tipo de taxas não só para o fim para que foram criadas, mas também para equilibrar as finanças do Estado. Quando na oposição, esses partidos voltam a criticar o aumento do preço dos combustíveis. Sem dúvida que os combustíveis fósseis deram, desde meados do século XVIII, forte impulso ao progresso da humanidade. No entanto, passados pouco mais de 250 anos, desde o início da revolução industrial, é discutível que o balanço entre os benefícios do uso desses combustíveis e os prejuízos seja positivo. Os prós são muitos, mas os contras poderão ser mais significativos, considerando que a sua utilização tem sido a causa do aquecimento global e do aumento da poluição da atmosfera, dos recursos hídricos e dos oceanos, levando à degradação do ambiente, pondo em causa a sustentabilidade do nosso planeta. Através da história da Terra, o sistema climático tem sofrido alterações significativas. Na realidade, durante muitos milhares de anos ocorreram vários períodos glaciais intercalados com períodos interglaciais, devido a vários fatores, tais como variações na inclinação do eixo da Terra, movimentos tectónicos, vulcanismo, variações do albedo (reflexão da radiação solar). Na transição dos períodos glaciais para os interglaciais a temperatura média do ar subiu alguns graus, mas essa transição demorou milhares de anos. A grande diferença entre as alterações que então ocorreram e as que estão a decorrer, consiste no facto que o aquecimento global estar a acontecer desde há menos de 300 anos, não restando dúvidas de que tal se deve ao aumento de concentração dos gases de efeito de estufa devido a causas antropogénicas. Quanto mais quente está a atmosfera, maior quantidade de vapor de água pode conter, o que implica maior quantidade de precipitação em algumas regiões. Noutras regiões, a evaporação é mais intensa, o que é a causa de perda de humidade do solo, o que facilita períodos de seca mais longos e frequentes. Por outro lado, a circulação geral da atmosfera não distribui essa maior quantidade de vapor de água de maneira equilibrada. Estamos, na realidade, perante uma situação de extremos – excesso de água e água a menos. Segundo o relatório da OMM “Estado dos Recursos Hídricos Globais” (“State of Global Water Resources”), os caudais dos grandes rios têm sofrido forte diminuição, o que implica redução da água disponível para as comunidades, agricultura e ecossistemas. Também os glaciares têm sofrido grande perda de massa. Tudo isto pode ser o reflexo do aquecimento global que continua a não abrandar. O ano transato, 2023, foi o mais quente à escala global, desde que há registos, e o segundo ano consecutivo em que os glaciares sofreram maior degelo. Foi também um ano de contrassensos, caracterizado por secas em extensas regiões e por inundações severas noutras. A transição de La Niña para El Niño contribuiu provavelmente para que tivessem ocorrido esses extremos hidrológicos. Perante esta realidade, os governos estão a tomar consciência de que é necessária a aceleração da transição energética, de modo a diminuir as emissões dos GEE. No entanto, apesar do Protocolo de Quioto, do Acordo de Paris e das já 28 Conferências das Nações Unidas sobre o clima (COP), a concentração na atmosfera desses gases não deixa de aumentar. As medidas já tomadas e as que são imprescindíveis a breve trecho, não são populares. Os movimentos populistas, essencialmente negacionistas, estão a aproveitar o descontentamento das populações menos esclarecidas. Provavelmente o avanço da extrema-direita à escala mundial tem sido, e poderá continuar a ser, potenciado pela necessidade de acelerar a transição energética. Esses movimentos aproveitam as legítimas preocupações dos cidadãos para propagandearem que as alterações climáticas são uma falácia e que, consequentemente, não é necessária a mudança de paradigma no que se refere aos combustíveis fósseis. Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas 2023/2024, cerca de 25% dos países estão sob regimes com características que se podem classificar como populistas. As Nações Unidas, através de algumas das suas agências especializadas e programas, tais como a Organização Meteorológica Mundial (World Meteorological Organization – WMO) e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (United Nations Environment Programme – UNEP), continuam a insistir na necessidade de acelerar as medidas de mitigação das alterações climáticas e de adaptação a essas alterações. Mas as dificuldades são imensas. Os governos assinam acordos no sentido da redução dos GEE, mas, na realidade, continuam a autorizar novas explorações de petróleo. Também os atuais conflitos constituem obstáculos à transição energética, pondo em risco o cumprimento da Agenda 2030 da ONU, cuja concretização tem em vista alcançar um mundo mais sustentável e próspero. Esses conflitos atuam como um travão à sustentabilidade. Outro obstáculo consiste nos danos colaterais inerentes à exploração de energias renováveis sobre a natureza, nomeadamente no que se refere à biodiversidade, agricultura, exploração florestal, paisagem, etc. Por exemplo, o impacto dos geradores eólicos sobre as aves, o abate de árvores ou a utilização de terrenos agrícolas para a instalação de painéis solares contribuem para a degradação do ambiente. Outro exemplo de interesses que se chocam consiste nas altas taxas impostas pela União Europeia aos veículos elétricos exportados pela China. Em princípio até seriam bem-vindos, atendendo a que são significativamente mais baratos, o que ajudaria na transição energética. Mas os interesses dos fabricantes europeus de veículos elétricos seriam seriamente afetados, pois a mão de obra europeia é muito mais cara, o que implicaria uma queda drástica no seu fabrico e, consequentemente, o despedimento de largos milhares de trabalhadores da indústria automóvel. Por outro lado, as energias renováveis não são exploráveis ininterruptamente. Por exemplo, à noite não é possível a captação de energia solar; quando não há vento os geradores eólicos não funcionam; em situações de seca hidrológica a produção de energia hidroelétrica é escassa, etc. É, portanto, necessário o recurso a baterias. Estas, por sua vez, requerem para a sua fabricação minerais críticos, tais como lítio, cobalto, níquel, manganésio, grafite e terras raras, cuja extração e processamento podem implicar impactos ambientais significativos, com graves consequências sociais. Em Portugal já há projetos de extração de lítio, nomeadamente o Projeto Barroso, no norte do país, que tem levantado grande oposição por parte da população, devido aos impactos ambientais. Perante esta situação, os líderes políticos têm de decidir entre optar pela continuação da exploração dos combustíveis fósseis ou pela extração mineira dos minerais críticos. No primeiro caso, estarão em conflito com os movimentos ambientalistas e contribuindo para o aquecimento global, contrariando os compromissos assumidos em acordos internacionais (Protocolo de Quioto, Acordo de Paris, etc.). No segundo caso, terão a oposição das populações, agricultores, e ainda dos ambientalistas. Ou seja, presos por ter cão e presos por não ter. Na China dir-se-ia “进退两难” (jìn tuì liǎng nán). Meteorologista
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRevogação da pena de morte Na antiguidade, um criminoso só podia ser executado depois do Imperador o ordenar. O Imperador, enquanto “Filho Celestial”, administrava o seu povo em nome de Deus, incorporando o conceito tradicional do “direito divino dos monarcas.” Hoje em dia, esse conceito já não existe. Nos países que ainda aplicam a pena de morte, o poder de revogar a sentença de morte foi transferido para as autoridades judiciais e tem de ser exercido de acordo com o Código Penal. O procedimento jurídico japonês obedece ao sistema de “três níveis e três tentativas”. Depois de o Supremo Tribunal deliberar, o réu tem o direito de requer novo julgamento se a sentença lhe desagradar. O Artigo 420, parágrafo 1, do Código Penal japonês estipula que o pedido de novo julgamento deve por regra assentar na apresentação de novos factos e novas provas que possam vir a inocentar o réu ou a reduzir a sua pena. Recentemente, um prisioneiro japonês condenado à pena de morte consegui um novo julgamento ao fim de 48 anos e foi finalmente inocentado. Foi o prisioneiro que passou mais tempo com uma condenação à morte em todo o mundo. O seu nome é Hakama Tianyan e tem 88 anos. Em 1966, foi acusado de roubar e matar o dono de uma fábrica de miso e quatro pessoas da sua família. Nessa altura, Hakamada, um jogador de boxe profissional, foi preso porque tinha uma mão ferida e o pijama sujo de sangue. Nos 20 dias que se seguiram, foi interrogado pela polícia numa média de 12 horas por dia e finalmente confessou o crime. Além disso, mais de um ano após o incidente, a polícia encontrou cinco peças de roupa manchadas de sangue nos barris de miso que estavam dentro da fábrica, que foram usadas como provas materiais do caso. Em Setembro de 1968, o Tribunal do Distrito de Jinggang considerou Hakamada culpado e condenou-o à morte. Em 1981, o Supremo Tribunal do Japão confirmou a sentença de morte. Hakamada pediu repetidamente, desde 1981, um novo julgamento. Teve de esperar 23 anos até ser julgado de novo e, entretanto, ocorreram muitas peripécias. Como acima foi referido, no Parágrafo 1º do Art. 420 do Código Penal, a razão que justifica um novo julgamento é o surgimento de novas provas que possam inocentar o réu ou reduzir a sua pena. Por conseguinte, a defesa de Hakamada mergulhou peças de roupa sujas de sangue num barril de miso, comparou-as com as peças originais e apoiou-se nesta experiência para requer um novo julgamento. Além disso, para apresentar novos factos, a defesa solicitou o acesso aos ficheiros para examinar as provas apresentadas pela acusação. No entanto, vale a pena salientar que no sistema de acusação japonês, as provas que não são utilizadas no processo não constam dos ficheiros. Este método beneficia sem dúvida os advogados de acusação porque podem escolher as provas mais incriminadoras e sonegar as outras. Por outro lado, a defesa do réu, como não tem acesso a todas as provas, não pode escolher as que lhe são mais favoráveis. Depois de Hakamada submeter muitos pedidos, o delegado do ministério público permitiu finalmente que a defesa tivesse acesso a todas as provas. No passado dia 8 de Outubro, a acusação declarou que não iria recorrer da decisão do Tribunal e Hakamada tornou-se o quinto prisioneiro japonês do período pós-guerra a ser inocentado depois de um novo julgamento. Em contrapartida, o sistema de investigação criminal de Hong Kong é mais transparente. Quando a polícia de Hong Kong investiga casos criminais, as provas que encontra, quer venham ou não a constar dos processos, são entregues à defesa para serem analisadas. Este método assegura que a defesa pode usar todas as provas a favor do réu. Claro que, desta forma, a acusação vê reduzidas as suas possibilidades de ser bem-sucedida, mas, ao abrigo do direito consuetudinário, o réu só pode ser condenado “para além de qualquer dúvida razoável”. A polícia entrega todas as provas à defesa antes do julgamento para garantir que o réu não seja condenado sem que se estabeleça que é culpado “para além de qualquer dúvida razoável”. Este método reduz também a possibilidade de virem a ocorrer julgamentos injustos. A possibilidade do caso de Hakamada ter acontecido em Hong Kong é extremamente baixa. O caso de Hakamada foi sem dúvida para os japoneses condenados à pena de morte uma luz ao fundo do túnel, dando-lhes esperança que, através de novos julgamentos, possam vir um dia a ser exonerados e terem as penas comutadas. Mas também aumentou a pressão sobre os órgãos judiciais japoneses em relação a novos julgamentos. Tudo tem seus prós e contras. Os novos julgamentos dão esperança aos condenados à morte de verem as suas penas exoneradas ou reduzidas, mas é um processo frequentemente muito longo e difícil. Para os condenados à morte, a longa espera e a incerteza sobre a decisão que será tomada no novo julgamento são simultaneamente um raio de esperança e uma forma de tortura. Este processo vale a pena? Isso vai depender das escolhas e da atitude de cada um destes prisioneiros. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk