Inteligência artificial generativa

Recentemente, uma estação de televisão de Hong Kong transmitiu um programa onde os entrevistados eram convidados a assistir a várias reportagens e identificar quais dos jornalistas eram pessoas reais e quais eram criados por inteligência artificial generativa (IAG). Veio a perceber-se que a maioria das pessoas teve dificuldade de distinguir entre os dois.

A realização deste programa decorreu da recente ascensão galopante da inteligência artificial, especialmente da tecnologia de vídeo IAG. Através da tecnologia de síntese de imagem e som, combinada com o tratamento das matérias em análise, a IAG pode gerar conteúdos de vídeo de alta qualidade, reduzindo significativamente os custos e o tempo de produção e tornando-se muito atractiva.

Esta tecnologia inovadora de produção de vídeo tem imensas possibilidades de aplicação a muitos níveis do nosso dia a dia. Por exemplo, pode ser usada para nos pôr em contacto com parentes falecidos e permitir voltarmos a “encontrá-los”. A comunicação social publicou uma notícia sobre uma mulher que não conseguiu ver o pai antes dele falecer porque se atrasou no regresso a casa, facto que muito lamentou. Sentia-se muito triste sempre que via os registos de conservas que mantinha com o pai no WeChat. Posteriormente, viu na Internet um serviço de IAG para “ressuscitar” familiares, e entregou a esta empresa os registos das gravações e das fotos do pai. Acabou por receber um vídeo de cerca de 30 segundos, que lhe permitiu voltar a “ver” o pai e a ouvir a sua voz, compensando-a dos momentos que perdeu.

No entanto, a tecnologia IAG também trouxe efeitos adversos que não podem ser ignorados, como vídeos com conteúdos falsos, roubo de imagem de pessoas reais e disseminação de informações falsas, etc. Esses casos mostraram uma significativa tendência de crescimento em 2022. Tomando os Estados Unidos como exemplo, em comparação com o mesmo período de 2021, a proporção de casos de fraude nesta área aumentou de 0,2 por cento para 2,6 por cento; em países desenvolvidos, como o Reino Unido, a Alemanha e a Itália, os casos de fraude semelhantes representaram 5 por cento do total.

Registaram-se também casos de fraude na Região Administrativa Especial de Hong Kong relacionados com manipulação de identidade. Em Janeiro de 2024, circulou na Internet um vídeo que “mostrava” o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, Lee Ka-chiu, reunido com os meios de comunicação social. No vídeo, o “Chefe do Executivo” incentivava os residentes de Hong Kong a investirem num programa de aplicação (ou seja, aplicação móvel) e afirmava que os lucros obtidos estariam isentos de impostos. O golpista alegava que, investindo 2.000 dólares de Hong Kong (HKD), se poderia obter um retorno mensal de 90.000 HKD. A voz era muito semelhante à de Lee Ka-chiu, tornando-se difícil perceber o engano. Mais tarde, o Governo de Hong Kong esclareceu a origem criminosa do vídeo e o roubo de identidade com o objectivo de enganar as pessoas. O caso foi entregue à polícia para investigação.

Estes exemplos alertam-nos para o facto de que as imagens que vemos e os sons que ouvimos através dos meios electrónicos podem não provir necessariamente de fontes fidedignas. Se estas tecnologias forem utilizadas para cometer crimes, as consequências serão desastrosas. Portanto, a forma de legislar e regular a aplicação da IAG passará a ser uma questão crucial.

Já em 2021, o “Office of the Privacy Commissioner for Personal Data” (Gabinete do Comissariado para a Privacidade dos Dados Pessoais) elaborou as “Directrizes para os Padrões Éticos do Desenvolvimento e Utilização da Inteligência Artificial”. As directrizes centravam-se na protecção de dados pessoais. Mas é preciso entender que as directrizes não são leis. Se uma empresa não respeitar estas orientações, não está a cometer uma ilegalidade e o Governo de Hong Kong não a pode processar.

Em contrapartida, a China implementou as “Medidas Provisórias para a Gestão de Serviços de Inteligência Artificial Generativa” a partir de 15 de Agosto de 2023, tornando-se o primeiro conjunto de leis do meu país sobre esta matéria. As medidas estipulam que os prestadores de serviços de inteligência artificial generativa e/ou os utilizadores devem evitar difundir informações falsas e prejudiciais e respeitar os direitos de propriedade intelectual de terceiros, os segredos comerciais, o direito de privacidade, etc., e impedir a utilização de tais serviços em acções de monopólio e de concorrência desleal, etc.

A IAG encontra-se ainda numa fase de desenvolvimento em Macau e muitos dos seus residentes utilizam-na apenas para criar vídeos, belas fotos, para escrever, etc. Há algum tempo, a Polícia Judiciária de Macau afirmou nunca ter recebido qualquer queixa relacionada com fraudes nesta área, mas os residentes da cidade devem ter cuidado e verificar os pedidos de entregas de dinheiro feitos por supostos parentes e amigos através de gravações de vídeo ou de voz.

Na era actual de rápido desenvolvimento tecnológico, as imagens que vemos e os sons que escutamos podem não ser reais. É inevitável legislar a IAG e estabelecer responsabilidades legais. Além disso, a sociedade de Macau poderá ter de ponderar a necessidade de adoptar um sistema de licenciamento para supervisionar as empresas de IAG e o pessoal que trabalha nesta área. No entanto, a legislação e a regulamentação não podem ser feitas num curto espaço de tempo. A principal prioridade é que a sociedade de Macau reforce a publicidade e a educação para sensibilizar o público para a prevenção de fraudes relacionadas com a IAG. Ao mesmo tempo, nós próprios devemos estudar mais este fenómeno, estar mais vigilantes e evitar ser enganados, para que todos os habitantes de Macau possam vir a beneficiar.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

19 Mar 2024

A democracia abanou

A democracia portuguesa com 50 anos abanou. Mas não caiu. Não caiu porque – e devo ser a única pessoa a dizer isto – o partido Chega teve uma estrondosa derrota. Sim, uma derrota, porque o seu líder André Ventura anunciou por mais de uma vez que queria ser governo e que iria vencer as eleições. Ventura queria obter o primeiro lugar no número de votos e de mandatos de deputados. Ventura queria derrotar a Aliança Democrática (AD). Melhor, queria destronar, de uma vez por todas, Luís Montenegro.

É certo, que o Chega obteve mais de um milhão e cem mil votos e quarenta e oito deputados, no momento em que ainda não é do conhecimento público o resultado eleitoral da emigração. Ventura está desesperado porque não ganhou as eleições e não pensem que o milhão e tal de votos no Chega que foram de portugueses totalmente racistas, xenófobos, anti Constituição e anti regime vigente.

Não, os eleitores do Chega, na sua maioria, foram antigos abstencionistas, descontentes com a governação socialista e dissidentes do PSD e do CDS. Foram eleitores que regressarão rapidamente ao PSD quando este partido não tiver como líder Luís Montenegro, um político que não tem a mínima ideia do que é governar. São eleitores democratas que não se reveem num regresso ao fascismo. No máximo, o Chega tem duzentos mil eleitores que pensam como André Ventura, que são contra o regime e que querem destruir a democracia, à semelhança de outros partidos na Europa, nos EUA com Donald Trump e no Brasil com Jair Bolsonaro.

O resultado das eleições deixou-nos as mais variadas análises a começar pela margem mínima de votos entre o PSD e o PS. Se o PSD tivesse concorrido sozinho, e nunca aliado a um partido semelhante a um táxi, teria muitos mais votos. Do mesmo modo, os analistas afirmam que se o Partido Socialista tivesse como líder José Luís Carneiro que venceria as eleições por uma margem distanciada do PSD. De qualquer das formas, em princípio, a AD venceu as eleições.

Não acredito que os socialistas obtenham os quatros deputados da emigração. Sendo assim, o Presidente da República, que foi o autor de um golpe palaciano, com a sua amiga procuradora-Geral da República, para destituir António Costa e o seu Governo, certamente que irá nomear Luís Montenegro como primeiro-ministro. Montenegro não deve dormir descansadamente desde a noite em que se souberam os resultados eleitorais. Não faz a mínima ideia onde irá arranjar personalidades competentes, e muito menos independentes, tal como anunciou, para formar Governo.

Na semana passada, Montenegro realizou alguns contactos para possíveis ministros e ouviu a rejeição completa da maioria dos contactados por esta não saber quanto tempo irá o novo Governo ficar em funções. O Partido Socialista já anunciou que só fará oposição e que não lhe cabe aprovar seja o que for de propostas vindas de Montenegro. O Chega deu conhecimento que apresentará uma moção de rejeição na Assembleia da República ao governo da AD, apesar de nos últimos dias já ter andado a fazer os possíveis para que a AD mude de posição e que pudesse haver um Governo de direita com maioria absoluta. Todos sabemos que Montenegro tem mantido a sua do “não, é não”, mas já afirmou que apoiará um vice-presidente da Assembleia da República que seja deputado do Chega… O Partido Comunista, pela voz do seu líder Paulo Raimundo, também já deu a conhecer que apresentará uma moção de rejeição ao novo governo de direita.

A verdade, é que Pedro Nuno Santos quando afirmou que “A AD é uma bagunça”, tinha total razão. É o que se está a verificar. Metade dos militantes do PSD querem aliança com o Chega para formar o novo Governo. A outra metade apoia Luís Montenegro e nem quer ouvir falar no Chega. Mas, vão ter que ouvir muitas vezes André Ventura a continuar a denegrir Montenegro, a acusar o Governo de não resolver os problemas dos portugueses, na Educação, Habitação, Saúde, Forças Armadas e em outras temáticas que ele sempre arranja, seja com demagogia e populismo, ou não. Há quem diga que o Chega é um fenómeno. Nada mais patético. Não se trata de fenómeno nenhum porque há muito que se sabia que, pelo menos, iria triplicar o número de votos e que o seu paradigma é idêntico aos dos partidos da extrema-direita na Europa.

Para terminar quero deixar-vos quatro notas. A primeira, é o número muito baixo da abstenção. A segunda, o bom resultado do Iniciativa Liberal (IL) porque todos pensavam que a saída de Cotrim de Figueiredo seria o fim do partido. A terceira, é o resultado muito bom do Livre, porque o discurso de Rui Tavares teve sempre coerência, humildade e propostas justas. E a quarta, tem a ver com a desilusão no resultado do Partido Comunista, especialmente no Alentejo, quando há mais de cem anos luta pela liberdade e pelo bem do povo. Aguardemos o que sucederá esta semana, após sabermos os resultados da emigração e a posição do Presidente Marcelo, que fazemos votos que acabe com trapalhadas como aconteceu na semana passada em começar a ouvir os partidos sem se saber ainda o resultado final das eleições…

18 Mar 2024

O Ocidente está a perder a guerra?

“Much of our planet is dominated by tyrants, and even in the most liberal countries many citizens suffer from poverty, violence and oppression. But at least we know what we need to do in order to overcome these problems: give people more liberty. We need to protect human rights, to grant everybody the vote, to establish free markets, and to let individuals, ideas and goods move throughout the world as easily as possible.”
21 Lessons For The 21st Century
Yuval Noah Harari

 

Trata-se de uma questão complexa e multifacetada que tem implicações de grande alcance para a política, segurança e equilíbrio de poderes globais. Ao longo da história, o Ocidente tem sido uma força dominante na definição dos acontecimentos mundiais, mas as tendências recentes sugerem uma mudança na dinâmica do poder que levanta questões sobre o futuro da influência ocidental. O Ocidente, muitas vezes referido como os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), é desde há muito uma força dominante nos assuntos mundiais. Desde a era colonial até à Guerra Fria, as potências ocidentais têm desempenhado um papel central na definição da política, da economia e da segurança internacional.

Durante o período colonial, as potências europeias estabeleceram impérios em todo o mundo, explorando recursos e exercendo controlo sobre vastos territórios. Este legado imperial lançou as bases para o domínio ocidental na era moderna, uma vez que os países europeus ganharam influência económica, militar e política à escala global. A Revolução Industrial do século XIX solidificou ainda mais o poder ocidental, uma vez que países como a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha se tornaram potências económicas e militares. As duas guerras mundiais reformularam a ordem internacional e reforçaram o domínio das potências ocidentais. Os Estados Unidos emergiram como uma superpotência após a II Guerra Mundial, liderando o Ocidente na luta contra o comunismo durante a Guerra Fria.

O colapso da União Soviética em 1991 parecia solidificar a hegemonia ocidental, com os Estados Unidos como líder incontestado do mundo livre. No entanto, a era pós-Guerra Fria trouxe novos desafios ao Ocidente, uma vez que potências emergentes como a China, a Rússia e a Índia se ergueram para desafiar o domínio ocidental. A globalização, os avanços tecnológicos e as mudanças na dinâmica geopolítica têm vindo a minar a posição do Ocidente como líder inquestionável da comunidade internacional. Esta situação tem levado muitos observadores a questionar se o Ocidente está a perder a guerra pela influência global no século XXI. Vários acontecimentos importantes moldaram a actual narrativa sobre o declínio do Ocidente.

A crise financeira mundial de 2008 expôs as vulnerabilidades das economias ocidentais e pôs em evidência o crescente poder económico dos mercados emergentes. A ascensão de movimentos populistas nos países ocidentais, o Brexit no Reino Unido e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, reflectiu uma insatisfação crescente com as elites e instituições políticas tradicionais. As guerras no Iraque e no Afeganistão sublinharam os limites do poder militar ocidental e os desafios da construção de nações em regiões complexas e voláteis.

As revoltas da primavera Árabe no Médio Oriente e no Norte de África puseram em evidência a fragilidade dos regimes apoiados pelo Ocidente e os limites da influência ocidental na região.

A crise dos refugiados na Europa tem vindo a afectar a unidade do Ocidente e a expor as divisões entre os países europeus quanto à forma de lidar com o afluxo de migrantes. A ascensão de líderes autoritários como Vladimir Putin, na Rússia, pôs em causa os valores ocidentais da democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito. O ressurgimento do nacionalismo, do proteccionismo e do sentimento anti-globalização nos países ocidentais suscitou preocupações quanto ao futuro da ordem internacional liberal que o Ocidente tem defendido desde a II Guerra Mundial. Várias personalidades desempenharam um papel importante na definição da mensagem do declínio do Ocidente como Barack Obama, enquanto primeiro Presidente afro-americano dos Estados Unidos, que procurou restaurar a imagem da América no estrangeiro e reafirmar a liderança americana no mundo.

No entanto, a sua administração enfrentou desafios no Médio Oriente, na Rússia e na Ásia que puseram em evidência os limites do poder americano. Angela Merkel, enquanto Chanceler da Alemanha, emergiu como uma líder fundamental na Europa durante as crises dos refugiados e da dívida da zona euro. A sua abordagem pragmática da governação e o seu compromisso com os valores democráticos liberais contrastaram com a ascensão de líderes populistas noutros países ocidentais. No entanto, a sua decisão de abrir as fronteiras da Alemanha aos refugiados provocou uma reacção negativa dos partidos de direita e dos grupos anti-imigração.

Emmanuel Macron, enquanto Presidente de França, posicionou-se como um defensor da democracia liberal e da unidade europeia. Os seus esforços para reformar a União Europeia e reforçar a cooperação entre os países ocidentais têm enfrentado a resistência das forças nacionalistas e dos movimentos eurocépticos. A visão de Macron de uma Europa mais integrada e coesa tem sido testada por desafios actuais como o Brexit e a ascensão de partidos populistas, em quem 32 por cento dos eleitores votaram até 2023, e desses, metade votou em países da extrema-direita (mesmo acontecerá a 10 de Março em Portugal onde segundo as sondagens o “Chega” leva já 16 por cento de intenções de voto). A percepção do declínio do Ocidente tem tido implicações de grande alcance para a política, segurança e equilíbrio de poderes a nível mundial. Na esfera económica, a ascensão da China como grande potência económica tem desafiado o domínio ocidental no comércio, no investimento e na tecnologia.

As empresas chinesas como a Huawei, a Alibaba e a Tencent emergiram como líderes mundiais nas telecomunicações, no comércio electrónico e na inteligência artificial, constituindo uma ameaça competitiva para as empresas ocidentais. No domínio militar, a Rússia tem exercido a sua influência na Europa Oriental, no Médio Oriente e no Árctico, desafiando as garantias de segurança da OTAN e minando a unidade ocidental. A interferência russa nas eleições americanas de 2016, os ciberataques e as campanhas de desinformação suscitaram preocupações quanto à vulnerabilidade das democracias ocidentais à influência estrangeira. O comportamento assertivo da China no Mar do Sul da China, em África e na América Latina levantou questões sobre o futuro das alianças de segurança lideradas pelos Estados Unidos na região da Ásia-Pacífico.

Na arena diplomática, a percepção do declínio do Ocidente tem vindo a afectar as relações transatlânticas e a enfraquecer a solidariedade ocidental em questões fundamentais como as alterações climáticas, a proliferação nuclear e os direitos humanos. A política externa “America First” da administração Trump alienou os aliados tradicionais na Europa, Ásia e América Latina, lançando dúvidas sobre a durabilidade das alianças ocidentais e a credibilidade da liderança ocidental. No domínio cultural, a ascensão do populismo, do nacionalismo e da xenofobia nos países ocidentais pôs em causa os valores da tolerância, da diversidade e da inclusão que têm sido fundamentais para a identidade ocidental. O sentimento anti-imigrante, os crimes de ódio e a polarização política corroeram a coesão social e alimentaram a agitação social em países como a Alemanha, a França e os Estados Unidos.

A ascensão de grupos extremistas como o ISIS, a Al-Qaeda e as organizações de supremacia branca constituiu uma ameaça à segurança das sociedades ocidentais e testou a resiliência das instituições ocidentais. Diversas personalidades influentes contribuíram para o campo da percepção do declínio do Ocidente. Thomas Piketty, um economista francês, escreveu extensivamente sobre a desigualdade de rendimentos, a concentração de riqueza e a mobilidade social nos países ocidentais. O seu livro “Capital in the Twenty-First Century” desencadeou um debate global sobre a desigualdade económica e o papel do governo na resolução das disparidades sociais. Yuval Noah Harari, um historiador israelita, explorou o impacto da tecnologia, da inteligência artificial e da biotecnologia na sociedade humana nos seus livros “Sapiens: A Brief History of Humankind “, “Homo Deus” e “21 Lessons For The 21st Century”.

As ideias de Harari sobre o futuro do trabalho, da guerra e do poder desafiaram a sabedoria convencional e suscitaram debates sobre as implicações do avanço tecnológico para o Ocidente e o resto do mundo. Greta Thunberg, uma ativista ambiental sueca, tem mobilizado jovens de todo o mundo para exigir acções em matéria de alterações climáticas e sustentabilidade ambiental. O seu movimento “Fridays for Future” inspirou milhões de jovens a saírem à rua e a apelarem à acção dos governos para resolver a crise climática. Os discursos de Thunberg nas Nações Unidas, em Davos e noutros fóruns internacionais chamaram a atenção para a urgência do desafio climático e para a necessidade de uma acção colectiva para proteger o planeta.

A percepção do declínio do Ocidente é uma questão complexa e contestada que tem suscitado debates entre decisores políticos, académicos e cidadãos. Alguns defendem que o Ocidente está a perder a guerra pela influência global devido à ascensão de potências como a China, a Rússia e a Índia, que desafiam a hegemonia ocidental em termos económicos, militares e diplomáticos. Outros defendem que os valores ocidentais da democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito são duradouros e podem resistir às pressões externas de regimes autoritários e movimentos populistas. O aumento do nacionalismo, do proteccionismo e do sentimento anti-globalização nos países ocidentais levantou questões sobre o futuro da ordem internacional liberal que o Ocidente tem defendido desde a II Guerra Mundial.

A erosão da confiança nas instituições, o declínio da coesão social e a polarização do discurso político enfraqueceram as democracias ocidentais e expuseram as vulnerabilidades à manipulação e interferência externas. A pandemia da COVID-19, a guerra da Ucrânia e na Faixa de Gaza pôs ainda mais em evidência a fragilidade dos governos e sociedades ocidentais e a necessidade de uma acção colectiva para enfrentar os desafios globais.

Olhando para o futuro do Ocidente e o seu papel no mundo dependerão da forma como os países ocidentais responderem às pressões internas e externas, se adaptarem à evolução da dinâmica geopolítica e defenderem os seus valores de democracia, direitos humanos e Estado de direito. O reforço das alianças, a promoção da inovação económica, a resolução das desigualdades sociais e o investimento na educação e nas infra-estruturas serão fundamentais para revitalizar o poder e a influência do Ocidente no século XXI. O Ocidente pode estar a perder a guerra pela influência global, mas não é demasiado tarde para inverter a maré e criar um mundo mais inclusivo, sustentável e pacífico para as gerações futuras.

16 Mar 2024

Macau e o turismo de massas

“Mass tourism is a complex and multifaceted phenomenon that has significant implications for society, the environment, and the global economy.”

Mass Tourism in a Small World – David Harrison and Richard Sharpley

O turismo de massas tornou-se uma indústria predominante no mundo moderno, com milhões de pessoas a viajar todos os anos para diferentes destinos em busca de lazer, descontracção e experiências culturais. Embora o turismo de massas traga benefícios económicos a muitos países e comunidades locais, também tem uma série de efeitos nocivos para o ambiente, as culturas locais e as estruturas sociais. O turismo de massas, tal como o conhecemos actualmente, tem as suas raízes na revolução industrial dos séculos XVIII e XIX. A revolução industrial trouxe mudanças significativas nos transportes, tornando mais fácil e mais económico para as pessoas viajarem longas distâncias.

Os navios a vapor e os caminhos-de-ferro tornaram possível aos cidadãos comuns explorar novos locais e conhecer culturas diferentes, o que levou ao aparecimento da indústria do turismo. Um dos principais acontecimentos que moldaram o desenvolvimento do turismo de massas foi a invenção do pacote turístico em meados do século XIX. Thomas Cook, um empresário britânico, é frequentemente considerado o responsável pela organização do primeiro pacote turístico em 1841, levando um grupo de pessoas numa viagem de comboio de Leicester a Loughborough. Este facto marcou o início do turismo organizado, tendo Cook expandido mais tarde o seu negócio para oferecer viagens ao estrangeiro. Outro acontecimento importante na história do turismo de massas foi a introdução das viagens aéreas em massa em meados do século XX.

O desenvolvimento das companhias aéreas comerciais e o aumento do rendimento disponível conduziram a um aumento nas viagens internacionais, com mais pessoas do que nunca a poderem visitar destinos longínquos. Este período assistiu ao aparecimento de agências de viagens e de operadores turísticos, que responderam à procura crescente de experiências de viagem. Para além de Thomas Cook, houve várias personalidades importantes que desempenharam um papel significativo no desenvolvimento do turismo de massas. Um desses indivíduos é Jost Krippendorf, um sociólogo alemão conhecido pelo seu trabalho sobre os impactos sociais do turismo.

A investigação de Krippendorf destacou os efeitos negativos do turismo nas comunidades locais, incluindo a deslocação social, a mercantilização cultural e a degradação ambiental. Outra figura influente no domínio do turismo de massas é Rachel Carson, uma bióloga marinha e conservacionista americana. O livro inovador de Carson, “Silent Spring”, publicado em 1962, chamou a atenção para os efeitos nocivos dos pesticidas no ambiente e salientou a necessidade de práticas de turismo sustentável. O seu trabalho ajudou a aumentar a sensibilização para o impacto das actividades humanas no mundo natural e inspirou uma geração de activistas ambientais. O crescimento do turismo de massas teve uma série de efeitos na sociedade, tanto positivos como negativos. Do lado positivo, o turismo de massas trouxe benefícios económicos a muitos países, criando empregos, gerando receitas e dinamizando as economias locais.

O turismo também ajudou a preservar o património cultural e as tradições, uma vez que as comunidades locais dependem frequentemente do turismo para obterem rendimentos e apoio. No entanto, os impactos negativos do turismo de massas não podem ser ignorados. Um dos principais problemas associados ao turismo de massas é o excesso de turismo, em que os destinos populares ficam sobrelotados e sobrecarregados de visitantes. O excesso de turismo pode levar à degradação ambiental, à erosão cultural e a tensões sociais, uma vez que os habitantes locais podem sentir-se marginalizados ou deslocados pelo afluxo de turistas. Além disso, o turismo de massas pode ter efeitos negativos no ambiente natural, incluindo a poluição, a destruição de habitats e a perturbação da vida selvagem.

As actividades turísticas, como caminhadas, mergulho e observação da vida selvagem, podem exercer pressão sobre ecossistemas frágeis e contribuir para o declínio da biodiversidade. Em destinos turísticos populares, o desenvolvimento de infra-estruturas e os projectos de construção em grande escala podem prejudicar ainda mais o ambiente e perturbar as paisagens naturais. Existem várias perspectivas sobre o tema do turismo de massas, com algumas pessoas a defenderem que é prejudicial e outras a afirmarem que é benéfico. Os defensores do turismo de massas apontam frequentemente para os benefícios económicos que o turismo traz, como a criação de emprego, a geração de receitas e o desenvolvimento de infra-estruturas. Argumentam que o turismo pode ajudar a aliviar a pobreza, promover o intercâmbio cultural e fomentar a compreensão entre diferentes sociedades.

Por outro lado, os críticos do turismo de massas manifestam preocupações quanto aos seus impactos negativos no ambiente, nas culturas locais e nas estruturas sociais. Argumentam que o turismo pode levar à degradação ambiental, à mercantilização cultural e à erosão dos modos de vida tradicionais. Em muitos casos, o desenvolvimento do turismo tem sido impulsionado por motivos de lucro, com pouca consideração pelas consequências a longo prazo para as comunidades e os ecossistemas. O turismo de massas é de facto prejudicial, pois tem uma série de efeitos negativos na sociedade, no ambiente e nas comunidades locais. A procura do lucro e do crescimento económico tem sido frequentemente feita à custa da sustentabilidade ambiental, da equidade social e da preservação cultural.

O excesso de turismo em destinos populares conduziu a uma série de problemas, incluindo a poluição, o congestionamento e a perda de autenticidade. Para resolver estas questões, é essencial adoptar uma abordagem mais sustentável do turismo que equilibre o desenvolvimento económico com a protecção do ambiente e a responsabilidade social. Tal pode implicar a limitação do número de visitantes em zonas sensíveis, o investimento em infra-estruturas ecológicas, a promoção de práticas de viagem responsáveis e a participação das comunidades locais na tomada de decisões em matéria de turismo. Os diversos sectores da sociedade devem trabalhar em conjunto para encontrar soluções para os desafios do turismo de massas, podendo garantir que as gerações futuras possam continuar a usufruir dos benefícios das viagens sem causar danos ao mundo que nos rodeia.

O futuro do turismo de massas será moldado pelas mudanças nas preferências dos consumidores, pelos avanços tecnológicos e pelas tendências globais. À medida que os viajantes se tornam cada vez mais conscientes do seu impacto no ambiente e nas comunidades locais, há uma procura crescente de opções de turismo sustentável e responsável. Esta tendência é susceptível de impulsionar o desenvolvimento de alojamentos ecológicos, programas de compensação de carbono e experiências baseadas na natureza que dão prioridade à conservação e à preservação cultural. Além disso, os avanços na tecnologia, como a realidade virtual e a inteligência artificial, estão a abrir novas possibilidades para a indústria do turismo. Visitas virtuais, experiências imersivas e recomendações personalizadas estão a mudar a forma como as pessoas planeiam e vivenciam as suas viagens, tornando estas mais acessíveis e envolventes para um público mais vasto.

O aumento do nomadismo digital e do trabalho remoto também está a esbater as fronteiras entre viagens e trabalho, à medida que mais pessoas procuram combinar lazer e produtividade em locais exóticos. O turismo de massas em Macau tem sido um tema de controvérsia nos últimos anos, com muitos a defenderem que os seus impactos negativos superam os benefícios. Macau tem uma longa história de turismo, que remonta à colonização portuguesa da região no século XVI. A cidade tornou-se rapidamente um destino popular para comerciantes e viajantes devido à sua localização estratégica no delta do rio das Pérolas. No século XIX, Macau registou um “boom” turístico, tornando-se conhecida como o “Monte Carlo do Oriente”, com os seus casinos e hotéis de luxo a atraírem visitantes de todo o mundo.

Um dos principais acontecimentos que marcaram o turismo em Macau foi a transferência da cidade de Portugal para a China em 20 de Dezembro de 1999. Este acontecimento marcou uma nova era para Macau, que se tornou uma Região Administrativa Especial da China com o seu próprio sistema político e económico. A transferência de soberania também abriu novas oportunidades para o turismo em Macau, uma vez que os visitantes chineses passaram a ter um acesso mais fácil à cidade. Outro acontecimento importante que teve impacto no turismo em Macau foi a legalização do jogo no início da década de 2000. Este facto levou a um aumento da construção de novos casinos e resorts, transformando Macau num importante centro de jogo na Ásia.

O afluxo de turistas, em particular da China continental, impulsionou uma rápida expansão da indústria do turismo em Macau. Várias personalidades desempenharam um papel importante na formação da indústria do turismo em Macau. Uma delas foi Stanley Ho, o fundador da SJM Holdings, uma das maiores empresas de jogo de Macau. Ho desempenhou um papel essencial na transformação de Macau num destino de jogo e na atracção de turistas de todo o mundo. Embora o turismo de massas tenha trazido benefícios económicos a Macau, também teve vários impactos negativos na cidade. Um dos principais problemas é a pressão que o turismo de massas tem exercido sobre as infra-estruturas e os recursos da cidade. O afluxo de turistas provocou a sobrelotação, o congestionamento do tráfego quer automóvel, quer pedonal inimaginável (com ruas cortadas, turistas controlados nas áreas de acesso a monumentos classificados pela UNESCO como as ruínas de S. Paulo e muitos outros locais) e à degradação ambiental em Macau. Macau não se deve tornar numa segunda Veneza ou Barcelona.

Outro impacto negativo do turismo de massas em Macau é a deslocação dos residentes locais conduzindo à desigualdade social e à perda do património cultural da cidade. A Directora da Direcção dos Serviços de Turismo de Macau tem-se concentrado na diversificação da oferta turística da cidade, promovendo o turismo cultural e patrimonial para além do jogo. Os seus esforços têm ajudado a atrair um leque mais diversificado de visitantes a Macau, mas não é o suficiente tendo de ser formuladas políticas públicas intersectoriais entre o turismo, protecção do ambiente e desenvolvimento social. É preciso mais zonas verdes e menos cimento.

Há várias perspectivas diferentes sobre a questão do turismo de massas em Macau. Alguns defendem que o turismo de massas é necessário para o crescimento e desenvolvimento económico da cidade, trazendo as receitas necessárias e criando emprego. Outros defendem que o turismo de massas tem conduzido a um desenvolvimento excessivo e à degradação ambiental, prejudicando o património cultural e a qualidade de vida da cidade. Uma das perspectivas é a dos residentes locais, que têm suportado o peso dos impactos negativos do turismo de massas em Macau. A construção de novos empreendimentos que são destinados aos turistas, de quase nada parecem beneficiar os residentes, bem como a comunidade local. Este facto tem o efeito de poder provocar ressentimentos entre os residentes, que se sentem marginalizados na sua própria cidade.

O lado positivo do turismo de massas trouxe prosperidade económica à cidade, criando empregos e estimulando o crescimento da indústria do turismo. O afluxo de turistas levou também a melhorias nas infra-estruturas e equipamentos, tornando Macau um destino mais atractivo para os visitantes. No entanto, o turismo de massas em Macau tem também aspectos negativos. A cidade tornou-se demasiado dependente do turismo como principal fonte de rendimento, o que a torna vulnerável às flutuações da economia mundial. A preocupação em satisfazer as necessidades dos turistas também levou a uma perda de identidade cultural e de património em Macau. Olhando para o futuro, existem vários potenciais desenvolvimentos futuros relacionados com o turismo de massas em Macau.

Uma tendência possível é uma mudança para práticas de turismo mais sustentáveis e responsáveis, à medida que a cidade procura equilibrar o crescimento económico com a protecção ambiental e a preservação cultural. Isto poderá implicar a promoção de formas alternativas de turismo, como o ecoturismo e o turismo patrimonial, mais que o turismo de saúde muito difícil de implementar, para diversificar a base de visitantes da cidade. Outro desenvolvimento potencial é a expansão contínua da indústria do turismo em Macau, com novos hotéis, resorts e locais de entretenimento a serem desenvolvidos para satisfazer a procura crescente, não esquecendo que as infra-estruturas turísticas devem servir também os residentes locais. Esta situação poderá agravar ainda mais os problemas de sobrelotação e degradação ambiental na cidade, a menos que sejam tomadas medidas para gerir o impacto do turismo de massas.

A diversificação das actividades económicas é urgente e não confundível com a abertura de apenas estabelecimentos de comidas e bebidas, venda de frutas e legumes e bugigangas, para farmácias e agências imobiliárias que têm uma grande quota-parte de responsabilidade pela especulação imobiliária em crescimento, após a acalmia da política zero. Será impossível existir desenvolvimento económico sustentável sem algum dirigismo governamental a menos que se queira cair no capitalismo selvagem e do mercado livre anárquico que Milton Friedman e Rose Friedman descrevem no “Free to Choose: A Personal Statement”, que Hong Kong tão bem conhece e com os graves prejuízos que daí advêm.

16 Mar 2024

Triunvirato

Acabamos de sair de uma situação deveras tocante no que diz respeito ao bipolarismo triunfal das conquistas sociais. Estávamos numa grande plataforma cujos equilibrios tornaram tediosas as Nações, frouxas as batalhas e ausente a memória. Vivia-se, no entanto, muito bem em terreno neutro, enriquecendo classes da maneira mais empate e empobrecendo outras até ao extermínio, mas a alvorada era assim, depois do lendário sistema único que deslocou como jogo de xadrez a peça preguiçosa para o sistema binário.

Ele há muito que vinha dando sinais de grave entorpecimento em nossos regimes democráticos, com uma tónica distraidamente tolerante para com as franjas “não-alinhadas” e a vida corria como um grande esgoto a céu aberto pelo dinheiro transbordante entre estes binários que em tempo de transsexualidade implementada tinham até dificuldade (num impasse situacionista) de escalar a complexa armadilha em que já estavam metidos. Nestas coisas recordamos outras e convidamos a frágil memória dos povos a ponderar.

Como Roma passou do período republicano para o Império Romano, só os deuses sabem e nós analisamos os factos: o Primeiro Triunvirato, tal como o nome indica, foi formado por três líderes, e marcado por perseguições políticas de tal ordem que mataram Júlio César – era ele, Pompeu, e Licínio Crasso. O Senado romano estava enraivecido e outras coisas se passaram divididas pelos três que levaram a um período ditatorial. Mesmo que os deuses amem os números ímpares na velha expressão “numero deus impare gaudit” o Triunvirato só chegou a segundo numa associação política com poderes excepcionais onde dois deles nutriam ferozes antipatias, outro fora exilado, e uma guerra fatal se deu entre as duas partes beligerantes. Um morreu, restava então ao vitorioso governar.

Estamos muito distantes de tudo isto, é um facto, mas não creio que as proporções do litígio se extingam articuladas apenas por uma masmorra de sombras pacificadoras. Para além do mais, povos altamente romanizados recriam no subsolo dos seus instintos grandes componentes miméticas, e é de esperar turbulência nos ciclos de governação que se aproximam pois que estamos num instante em que a memória tanto vai para a frente como vai para trás, e onde a fúria esquecida vem reclamar o seu lugar entre uma espécie que se imolou para evoluir, onde vai ainda ser preciso não deixar nada para trás em forma de quisto, paranoia ou complexidade.

O nosso sul tão benevolente virou a direcção, mas também muitos nazis que fugiram de Berlim Ocidental foram os mais importantes representantes de uma Berlim da R.D.A. Sabemos que não há concessos para quem vive no limite, que pode ser da paciência, do esquecimento, ou da superstição enfática de que além Tejo pode ser muito longe. E a Europa onde estamos metidos e muito justamente a jusante pertencemos, é agora um atoleiro em rota de colisão com movimentos relembrados desde as suas jovens nacionalidades, e que tais povos não serenam senão por grandes combates.

Vamos esperar um Messianismo austero? Não. As coisas podem-nos parecer as mesmas mas elas no fundo já evoluíram para patamares bem mais progressistas, mas o incómodo dos que se degradam pode ser uma arma letal, que nem reis, nem czares, estiveram preparados para deles se defenderem. Vamos para um Triunvirato e, a menos que as partes dissonantes se entendam na perspectiva do bem comum, uma guerra civil pode explodir nas barbas nos nossos insones outrora representantes. Nós acordamos sempre da pior maneira, aliás, o sono e a sua problemática é uma das epidemias do momento em que vivemos. É confrangedor, mas devemos tentar perceber a natureza humana no seio de um país também ele amordaçado por coisas tão inermes e sombrias que quase fazem desfalecer os cinquenta anos do 25 de Abril.

Estou plenamente à vontade para escrever este artigo, votei na C.D.U, não porque seja comunista ou o seu contrário, mas pela razão que tal monumento da identidade nacional dos últimos cem anos não deve acabar assim neste baile de espectros. Por outro lado, foram as pessoas mais bonitas que conheci. Não sei quem sejam hoje, talvez nem interesse, mas os de ontem foram raízes que a nossa essência não pode esquecer e quase rasantes a esse princípio prodigioso de um certo cristianismo original. Estamos sitiados! Mas a vida é assim e prosseguirá tão tecnologicamente monumental, quanto nós desfeitos pela última bruma que o Futuro já não nos concede. Entretanto, e subitamente, tornámo-nos este Terceiro Triunvirato sem grandeza nem memória.

15 Mar 2024

Os direitos dos úteros: a endometriose, o aborto e a vida

No mundo de produção e consumo, o bem-estar humano é de extrema importância para a boa continuação do sistema. A endometriose é daqueles problemas que se atravessam na visão de pessoas como máquinas, que devem estar prontas para contribuir para o enriquecimento comum. O aborto também é um direito que garante mais produtividade e crescimento económico, dir-vos-á o império do meio. E porque argumentos destes funcionam para dar um pouco de espaço no direito aos úteros existirem, o governo francês tem dado máxima importância à endometriose e à sua investigação. Recentemente, também, consagrou o aborto na sua constituição.

Ainda assim, o caminho para a paridade de género ainda é longo em qualquer ponto do planeta. O passado 8 de Março relembra-nos disso: “Queremos direitos, não queremos flores”. O caminho tanto parece infindável como circular. Esses direitos que parecem pouco estabilizados nas suas conquistas, são susceptíveis aos tremores políticos que se fazem sentir. Os úteros só estão protegidos enquanto se continuarem a reunir esforços para proteger a sua existência plena de direitos e oportunidades. Caminhos que reforçam a investigação em endometriose porque consideram o bem-estar um valor fundamental para se consagrar os direitos humanos, e não os direitos de produção capitalista. Passos ainda maiores são os que contemplam o direito ao aborto como um direito à escolha com dignidade.

O útero é a incubadora da vida humana, mas recebe pouca atenção humanista. Essa que integra a experiência dos que carregam os úteros nas suas vísceras. O fanatismo religioso que tem ditado as regras do aborto nos Estados Unidos chegou a um ponto assustadoramente caricato. Os embriões, na sua personalidade jurídica, são crianças por nascer. Os embriões sem casa, os que se encontram congelados para tratamentos de fertilização in vitro lá continuarão, à espera de que milagrosamente se transformem em crianças. Nenhum médico se arriscará a fazer o procedimento de implementação porque a perda do embrião pode ser punível por lei. Esse embrião não tem casa fisiológica, porque o útero, e quem o carrega, é completamente invisibilizado. Uma objectificação aflitiva que faz lembrar a “História de uma Serva” de Margaret Atwood.

Os direitos dos úteros são tão importantes quanto precisam de ser integradores da vida que os rodeia. No meio do genocídio que tem acontecido na faixa da Gaza há dificuldade em menstruar, parir e garantir a vida dos filhos com dignidade. A vida de quem carrega úteros, seja uma mulher, um homem trans ou uma pessoa não binária, tem de ser honrada. O útero pode não definir uma mulher na sua panóplia de existências sociais, mas não é esse objecto exterior, sem história e vontades que querem fazer acreditar. O útero é o princípio da vida só dentro de uma outra vida que o carrega.

14 Mar 2024

Hong Kong aumenta imposto sobre o tabaco

Recentemente, a Região Administrativa Especial de Hong Kong anunciou o orçamento fiscal para 2024-2025. Uma das medidas previstas é o aumento do imposto sobre o tabaco em 32 por cento, o que significa que cada cigarro custará mais 0,8 dólares de Hong Kong (HKD). Após o aumento, o preço de cada maço de cigarros será de aproximadamente 94 HKD. O ajuste do imposto sobre o tabaco é de aproximadamente 66 HKD, representando aproximadamente 70,2 por cento do preço de venda dos cigarros.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o aumento dos impostos sobre o tabaco é a medida de controlo mais eficaz do tabagismo. O custo da implementação é baixo e pode efectivamente reduzir o consumo de tabaco e reduzir o fardo económico causado pelo tabagismo aos indivíduos e ao Governo. Por isso, a Organização Mundial de Saúde recomenda que os impostos sobre os cigarros representem 75 por cento do preço de venda a retalho dos cigarros.

O Banco Mundial sugere igualmente que os impostos sobre o tabaco representem cerca de 66 por cento a 80 por cento do preço de venda a retalho de um maço de cigarros. O Conselho de Hong Kong sobre Tabagismo e Saúde também publicou resultados de pesquisas em Janeiro de 2024. Foi realizado um inquérito a 5.600 pessoas, das quais 1.500 eram fumadoras, 2.600 não fumadoras e 2.600 ex-fumadoras. Quase 70 por cento foram afectadas. Os inquiridos apoiam o aumento dos impostos sobre o tabaco em 2024 e quase 65 por cento apoiam o aumento anual dos impostos sobre o tabaco.

O Governo de Hong Kong salientou que o objectivo do aumento dos impostos sobre o tabaco é controlar o tabagismo, e Hong Kong já teve essa experiência no passado. Dados de Agosto de 2023 mostram que, se 7.000 fumadores morrem em Hong Kong todos os anos, cerca de 700 pessoas morrem devido à exposição ao fumo passivo. As despesas médicas e as perdas de produtividade causadas pelo tabagismo chegam a 5,6 mil milhões de HKD.

Ao mesmo tempo que se aumenta os impostos sobre o tabaco deve prestar-se atenção ao impacto desta medida na sociedade. Em primeiro lugar, a informação dos meios de comunicação social mostra que muitos vendedores de jornais acreditam que o aumento dos impostos sobre o tabaco reduzirá o número de cigarros que vendem, dificultando ainda mais o seu negócio. Outra consequência negativa é a possibilidade do contrabando de cigarros se vir a agravar. Após o aumento do imposto sobre o tabaco em 2023, o número de cigarros de contrabando apreendidos pelas alfândegas chegou a 650 milhões, cerca de 12 vezes mais do que em 2019. Estes dados mostram que a situação do tráfico ilegal de cigarros se agravou.

A Região Administrativa Especial de Macau implementou também algumas medidas para o controlo do tabagismo. Em 2011, o imposto sobre o tabaco era de 0,5 patacas por cigarro e o imposto por maço de 10 patacas. A partir de 14 de Julho de 2015, o este imposto foi aumentado para 1,5 patacas por cigarro, o que significa que o imposto sobre o maço com 20 cigarros passou a ser de 30 patacas, pelo que triplicou.

Além disso, a Lei n.º 5/2011 de Macau “Sistema de Prevenção e Controlo do Tabagismo” proíbe o fabrico, distribuição, venda, importação e exportação de cigarros electrónicos. Quer se trate de envio por correio, comércio online ou contrabando estas vendas são ilegais e os infractores serão multados.

Hong Kong pretende atingir o objectivo do controlo do tabaco através do aumento dos impostos. Não se sabe se este procedimento será aplicável a Macau. Mas é certo que tem valor de referência.

Os impostos sobre o tabaco fazem com que os fumadores gastem mais dinheiro. Embora este método possa levar algumas pessoas a deixar de fumar, também faz com que outras se sintam revoltadas porque têm de pagar mais pelo mesmo produto e estão a ser forçados a parar de fazer o que querem. Por conseguinte, o aumento dos impostos sobre o tabaco terá impactos diferentes nos fumadores. Ao lidar com estas questões, a sociedade deve considerar a sensibilidade dos fumadores e avançar passo a passo. Parar de fumar não é algo que se possa fazer de um momento para o outro. Se um aumento excessivo dos impostos sobre o tabaco conduzir a uma intensificação do contrabando de cigarros, a sociedade perderá mais do que ganhará.

Para além do aumento dos impostos, temos também de considerar outros métodos de controlo do tabaco. Por exemplo, a lei australiana estabelece o tipo de letra que pode ser usada nas embalagens e o local onde os fabricantes de cigarros podem imprimir os seus logos, as advertências sobre os perigos do tabagismo para a saúde, os rótulos e outras informações. As embalagens de cigarros só podem ser impressas em certas cores, não podem ter logotipos, imagens de marca, nem textos promocionais. Esta directiva é conhecida como o “programa de maço de cigarro simples”. O Canadá anunciou a 1 de Junho de 2023 que serão impressas advertências em cada cigarro sobre os prejuízos do fumo para a saúde. A eficácia destas práticas precisa ainda de ser verificada, mas é certo que existem muitas formas de controlar o tabagismo e o aumento dos impostos é apenas uma delas e cada um de nós pode adoptar a que melhor entender. Mas com uma abordagem multi-facetada, os resultados da luta anti-tabaco serão melhores. A bem da saúde dos residentes de Macau, a sociedade continuará a apoiar a luta anti-tabaco.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

12 Mar 2024

Portugal já tem novo primeiro-ministro

Estou a escrever-vos no dia mais estúpido da política portuguesa, o chamado dia de reflexão, em especial quando me recordo que há países civilizados que até fazem propaganda eleitoral no dia e hora em que os eleitores vão votar. Em Portugal parou tudo sobre eleições no sábado que antecede a votação para, ai meu Deus, para reflexão. Reflexão de quê? Quando noventa por cento dos portugueses já decidiram em quem vão votar.

Enfim, é mais uma aberração deste modelo eleitoral que Portugal escolheu para prepararem as escolas como locais de voto e o transporte das urnas e dos boletins de voto sem qualquer perturbação como se isso não pudesse realizar-se durante a semana. Certamente, no momento em que já têm o HOJE MACAU na mão já os leitores sabem quem é o novo primeiro-ministro.

O que vos posso dizer é sobre esta semana de campanha eleitoral que antecedeu o dia de ontem em que o povo escolheu o novo primeiro-ministro. E a escolha recaiu em Pedro Nuno Santos (PS) ou em Luís Montenegro (AD). Como eu votei sempre em branco, estou à vontade para vos comunicar sem facciosismos o que aconteceu. A campanha eleitoral foi possivelmente a pior de sempre. Não assistimos a uma campanha dos partidos políticos, mas sim de líderes dos partidos. Não se ouviu falar dos reais problemas que fazem o povo sofrer.

Não ouvimos falar das alternativas para que Portugal deixe de ser um dos países mais pobres da Europa. Ninguém falou da tragédia que grassa na Ucrânia ou na Faixa de Gaza, que queiram ou não, terá repercussões em Portugal, porque Putin não brinca em serviço nem esquece os detractores do seu regime.

O lado mais negro da campanha, infelizmente, coube à comunicação social e aos líderes dos partidos. A comunicação social passou dos limites, quando os canais de televisão escolheram para comentadores da campanha uma maioria que apenas soube promover a AD e, em particular, Luís Montenegro.

Os líderes dos partidos, por sua vez, negaram-se, leia-se, desprezaram, os jornais e não concederam uma única entrevista onde os temas políticos podiam ter sido mais aprofundados. O único facto político positivo foi o civismo verificado ao longo da campanha e não assistimos a insultos e a lavagem de roupa suja entre os candidatos, mesmo com André Ventura a comportar-se como um político moderado, o que lhe retirou muitos votos. Os adeptos do Chega queriam sangue, suor e lágrimas. Queriam que Ventura insultasse Montenegro, Rui Rocha, Mariana Mortágua ou Pedro Nuno Santos. Pelo contrário, conteve-se e apenas se mostrou ressabiado por Luís Montenegro ter dado a sua palavra que se ganhar as eleições não se alia ao Chega.

A campanha eleitoral mostrou pobreza no paradigma político e no entusiasmo popular. Assistimos a arruadas onde o povo estava em casa ou no trabalho. A adesão foi mínima e aconteceram acções de campanha que apenas tinham os membros da comitiva do partido que se deslocavam com o seu líder pelas ruas das cidades portuguesas.

Escândalos, tivemos dois. Por um lado, a AD foi buscar Passos Coelho, Durão Barroso, Assunção Cristas, Manuela Ferreira Leite, Luís Filipe Menezes, Santana Lopes, Rui Moreira, Marques Mendes, Rui Rio e, imaginem, a múmia Cavaco Silva, o pior primeiro-ministro da democracia com 50 anos de existência. Só disseram baboseiras e esqueceram-se dos telhados de vidro que têm e das lembranças muito negativas que o povo tem deles. Passos Coelho chegou a retirar o subsídio de Natal aos portugueses. Durão Barroso estendeu o tapete vermelho, nos Açores, para que Bush e seus amigalhaços destruíssem o Iraque.

Marques Mendes, sendo um comentador televisivo que devia manter a independência verbal, apareceu na rua aos gritos pela AD ao lado de Montenegro. Assunção Cristas foi a pior dirigente do CDS e os portugueses não esquecem a lei que ela aprovou sobre as rendas de casa, facto que ainda é um sofrimento para os mais desprotegidos. Santana Lopes, por indecente e má figura, bem teve que “fugir” da Provedoria da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e ficou sempre a suspeita de vários cambalachos.

Rui Moreira sempre se anunciou como um “independente” e apareceu ao lado de Montenegro apenas com o objectivo de no caso de a AD vencer as eleições, um dia ser apoiado como candidato a Presidente da República. Por seu turno, Pedro Nuno Santos, foi mais inteligente e apenas chamou António Costa porque sabe bem que se trata de um dos melhores políticos portugueses e ainda com muito crédito popular.

No entanto, o escândalo maior aconteceu no final da semana quando o semanário Expresso trouxe à estampa uma atitude inqualificável do Presidente da República e a merecer condenação. Marcelo Rebelo de Sousa, antes do acto eleitoral e dos resultados finais, veio anunciar que não dará posse a um governo que insira o Chega. Um acto de discriminação vergonhoso e dando a entender que a AD já tinha ganho as eleições. Se calhar, enganou-se.

Vocês, em Macau, hoje ao levantarem-se, já saberão se Marcelo estava certo da vitória de Montenegro. E a discriminação foi tanto mais grave que as suas palavras deram a entender que ninguém devia votar no Chega. Naturalmente que estamos perante um partido que defende a xenofobia, o racismo e o populismo.

Mas, queiramos ou não, trata-se de um partido com assento na Assembleia da República e que irá de certeza aumentar o número de votantes. Marcelo Rebelo de Sousa está nas bocas do mundo e já houve constitucionalistas que afirmaram tratar-se de um caso grave, que deve ser estudado pelo Tribunal Constitucional. Só faltou que Marcelo dissesse que não dava posse a um governo que tivesse comunistas. Ao fim e ao cabo, a sua atitude discriminatória foi uma ofensa ignóbil à própria democracia com 50 anos.

11 Mar 2024

Zona de Cooperação Aprofundada

No passado dia 27 de Fevereiro, assinalou-se o sexto dia da visita a Hong Kong de Xia Baolong, director do Gabinete dos Assuntos de Hong Kong e Macau junto do Conselho de Estado. O Index Hang Seng desse dia registou uma tendência de subida e fechou nos 16.790.80 pontos. No entanto, estava ainda longe do máximo das últimas 52 semanas, que atingiu os 21.000 pontos e muito inferior aos 28.000 pontos registados a 31 de Dezembro de 2019.

Acredito que o principal objectivo da visita do Director Xia a Hong Kong não foi a promulgação da legislação local destinada a implementar o Artigo 23 da Lei Básica de Hong Kong, mas sim a contínua recessão económica da cidade. Face ao declínio do mercado imobiliário de Hong Kong durante nove meses consecutivos, à desaceleração do mercado de acções e do consumo, é realmente necessário considerar seriamente a forma de voltar a pôr Hong Kong no rumo para “avançar da estabilidade para a prosperidade”.

A 1 de Março, a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin entra formalmente em funcionamento como zona aduaneira autónoma em modelo de gestão separada tendo sido implementada a “liberalização na primeira linha e controlo na segunda”.

Estas disposições trazem de facto grandes benefícios e vantagens aos cidadãos de Macau em geral e, em particular, àqueles que estudam, trabalham e vivem, ou que começaram um negócio, na Zona de Cooperação Aprofundada. No entanto, para cumprir verdadeiramente a “integração de alto nível entre Macau e Hengqin”, a Zona Nova de Hengqin deve ficar sob a administração de Macau, para que as vantagens institucionais do princípio “um país, dois sistemas” possam ser amplamente maximizadas.

Mas por agora, enquanto a Zona Nova de Hengqin não está sob a administração de Macau, embora a Zona de Cooperação Aprofundada conduza à promoção económica de Guangdong e Macau, esse efeito é definitivamente menos proeminente do que será quando a integração de Macau e de Hengqin acontecer.

Membros do sector da restauração foram entrevistados num inquérito realizado durante as comemorações do Novo Ano Lunar. Dos 150 inquiridos que trabalham em zonas turísticas, mais de 30 por cento afirmou que os seus negócios melhoraram em relação ao ano passado e cerca de 10 por cento afirmou terem piorado. A situação dos comerciantes das áreas residenciais revelou precisamente o oposto. Cerca de 30 por cento afirmaram que os seus negócios tinham piorado em relação ao ano passado e apenas 10 por cento afirmou terem melhorado.

Acredita-se que este fenómeno teve origem na implementação da política de plena abertura à circulação dos veículos de Macau para o Interior da China via Posto Fronteiriço de Zhuhai da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau (adiante designada por “Circulação de veículos de Macau na província de Guangdong).

O desenvolvimento de Macau é limitado pelas reduzidas dimensões do seu território e pela escassez de recursos naturais, pelo que pode apenas contar com a flexibilidade das políticas implementadas pelo Governo local. A liberalização das licenças do jogo levadas a cabo após o regresso de Macau à soberania chinesa, remediaram o fracasso da transformação da sua estrutura industrial, permitindo que a economia da cidade e o nível de vida dos seus habitantes tenham vindo gradualmente a melhorar.

Transformar Macau no Centro Mundial de Turismo e Lazer, em torno do sector do jogo e do turismo, deverá ser o objectivo do futuro desenvolvimento da cidade. Vai levar algum tempo para concretizar a estratégia de desenvolvimento diversificado e adequado «1+4» e para aperfeiçoar a estrutura das indústrias através da capitalização da Zona de Cooperação Aprofundada. Por isso, ter em conta as questões económicas de Macau e o nível de vida dos seus habitantes deve ser a prioridade máxima.

Depois da pandemia, a maioria dos turistas que chegam a Macau são oriundos do interior da China e a maior parte apenas vem visitar algumas atrações turísticas, ou ver a cidade através de viagens de autocarro ou então são membros dos grupos de “tarifa zero”. Por isso, muitos dos visitantes que vêm da China só passam uma noite em Macau.

Além disso, a cidade não tem novas atracções que façam com que os turistas fiquem mais do que um dia. Para colmatar esta lacuna, existem projectos integrados no Plano Director da Região Administrativa Especial de Macau (2020-2040), no entanto, estes projectos ainda não foram devidamente considerados.

Com a finalização da Ponte Marítima Macau-Taipa a acontecer num futuro próximo, a necessidade de desenvolver a Zona A dos Novos Aterros Urbanos torna-se mais urgente do que o desenvolvimento da Zona de Cooperação Aprofundada. A partir de 1 de Abril do corrente ano, será rescindido o contrato de concessão do exclusivo da exploração de corridas de cavalos da Empresa de Corridas de Cavalos de Macau. Assim, se o Governo local puder transformar os terrenos do hipódromo num complexo turístico, com instalações de diversão e lazer, será provavelmente um factor determinante para os turistas passarem mais do que uma noite em Macau!

Além disso, é necessário perceber a melhor forma de dar uso à Zona C do Novos Aterros Urbanos, terminar o aterro da Zona D dos Novos Aterros Urbanos conforme planeado, e a construção do túnel subaquático ao lado da Ponte Governador Nobre de Carvalho (a quinta ligação Macau-Taipa), tudo elementos cruciais para o desenvolvimento urbano da cidade. Como Macau é “governado por patriotas”, essas pessoas, além de patriotas, também têm de ser capazes de governar!

8 Mar 2024

RECORDES METEOROLÓGICOS

Perante notícias por vezes difundidas pelos meios de comunicação social, relativas a recordes meteorológicos, é conveniente esclarecer que os valores divulgados nem sempre correspondem à realidade. Para que seja estabelecido um determinado recorde é necessário que o parâmetro correspondente seja medido em estações meteorológicas em que os instrumentos estejam devidamente calibrados. Para que tal aconteça, os instrumentos e a sua instalação deverão obedecer a normas específicas estabelecidas pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada das Nações Unidas nas áreas da Meteorologia, Climatologia, Hidrologia e assuntos ambientais relacionados.

Os recordes de alguns parâmetros meteorológicos, desde que há registos regulares, constam na tabela “World Weather and Climate Extremes”, publicada pela OMM, a qual é periodicamente atualizada. A mais recente data de 30 de janeiro de 2024.

O recorde mundial de temperatura do ar à superfície foi 56,7 °C, em 10 de julho de 1913, em Furnace Creek, Greenland Ranch (próximo do Death Valley, Estados Unidos da América), à altitude de 54 m abaixo do nível do mar.

A temperatura mais baixa registada foi de -89,2 °C, em 21 de julho de1983, em Vostok, na Antártida (1253 km do Polo Sul e altitude 3420 m).

Nesta tabela, Bangladesh é um dos países que mais vezes é mencionado. Ali ocorreu, em 12 e 13 de novembro de 1970, o fenómeno meteorológico (ciclone tropical) que maís vítimas provocou em todo o mundo, cerca de 300 mil. Foi também no Bangladesh que foi observado, em 26 de abril de 1989, o tornado mais mortífero de sempre, que provocou cerca de 1300 vítimas. Ainda neste país, em 14 de abril de 1986, caiu o bloco de gelo (saraiva1) mais pesado até hoje observado, com 1,02 kg.

No que se refere ao vento à superfície, a rajada mais forte até hoje registada, num ciclone tropical, foi de 220 nós (407 km/h) na ilha Barrow, na Austrália, em 10 de abril de 1996. Os ventos mais fortes, à superfície, são geralmente associados a tornados, fenómenos dos mais espetaculares que ocorrem na natureza. É raro conseguir-se medir a velocidade do vento nestes fenómenos, dada a sua violência. Foi possível, no entanto, registar a velocidade de 262 nós (485 km/h) em Bridge Creek (Oklahoma, EUA), em 3 de maio de 1999.

O Tornado é um fenómeno meteorológico que consiste numa coluna de ar que rodopia em torno de um eixo, por vezes de forma violenta, que se forma entre o solo e a base de nuvens de desenvolvimento vertical, frequentemente cumulonimbus. Os tornados são, dentro de certa medida, fenómenos similares aos ciclones tropicais, mas com dimensões muito inferiores. Enquanto os ciclones têm diâmetros com algumas centenas de quilómetros, os dos tornados variam entre centenas de metros e alguns quilómetros. O tornado de maior diâmetro (4,184 km) até hoje observado ocorreu em El Reno (Oklahoma, EUA), em 31 de maio de 2011, e o que percorreu maior distância (359 km), em 11 de abril de 1991, na Califórnia.

Quando os tornados se formam sobre o mar ou superfícies aquosas, designam-se por trombas de água (ou trombas marítimas, quando no mar). É curioso relembrar como Luís de Camões (1524-1580) descreveu magistralmente a ocorrência de um destes fenómenos, no Canto V dos Lusíadas:

Eu o vi certamente (e não presumo

Que a vista me enganava): levantar-se

No ar um vaporzinho e sutil fumo

E, do vento trazido, rodear-se;

De aqui levado um cano ao Pólo sumo

Se via, tão delgado que enxergar-se

Dos olhos facilmente não podia;

Da matéria das nuvens parecia.

Ia-se pouco e pouco acrescentando

E mais que um largo mastro se engrossava;

Aqui se estreita, aqui se alarga, quando

Os golpes grandes de água em si chupava;

Estava-se co’as ondas ondeando;

Em cima dele ûa nuvem se espessava,

Fazendo-se maior, mais carregada,

C’o cargo grande d’água em si tomada.

Chupando mais e mais se engrossa e cria,

Ali se enche e se alarga grandemente:

Tal a grande coluna, enchendo, aumenta

A si, e a nuvem negra que sustenta.

Mas, depois que de todo se fartou,

O pé que tem no mar a si recolhe

E pelo céu, chovendo, em fim voou.

Por que co a água a jacente água molhe;

Às ondas torna a água que tomou,

Mas o sabor do sal lhe tira e tolhe.

Vejam agora os sábios na escritura

Que segredos são estes de Natura.

Também D. João de Castro (1500-1548, cientista, navegador, décimo terceiro governador e quarto vice-rei da Índia) dedicou grande atenção a este fenómeno. Segue-se parte da descrição que fez (num dos “Roteiros de Lisboa a Goa”), de um fenómeno deste tipo ocorrido em 1538 no Oceano Índico:

«… a ponta que pegava no mar erguia hum grande fervor por derredor, e segundo notauamos os que isto víamos, parecia chupar a água e leuala por dentro da tromba acima; duraria isto espaço de um quarto de ora e estariamos arredados della pouco maes de mea legua; e como se desfez deunos huma chuua grossa com trouões. O princípio como se ordenou esta manga, foi aparecer no mar huma grande fumaça e feruencia dagua do tamanho de huma nau e depressa foi crescendo para o ceu, ate pegar nas nuuens, deixando figurada esta tromba por onde subia a agua a elas» (D. João de Castro, Obras Completas, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Coimbra, 1968)

Desenho de D. João de Castro – tromba marítima

no Oceano Índico, em 1538.

Em altitude, nas chamadas correntes de jato, que se distribuem em torno do globo com forte componente oeste-leste, ocorrem frequentemente ventos muito mais intensos do que à superfície. Na zona de transição entre as massas de ar tropical e polar forma-se uma espécie de tubo de vento com milhares de quilómetros de comprimento e algumas centenas de largura. Estes ventos são diariamente aproveitados pelas companhias de aviação para reduzirem o tempo de voo e, consequentemente, o combustível. Foi o caso que ocorreu de maneira significativa em 24 e 25 de fevereiro de 2024. Nestes dois dias foram registados ventos extraordinariamente fortes, com cerca de 230 nós2 (aproximadamente 425 km/h), o que fez com que certos voos da América do Norte para a Europa demorassem consideravelmente menos do que numa situação normal. Os voos comerciais longos realizam-se na alta troposfera, sensivelmente entre os níveis isobáricos de 300 e 200 hPa, ou seja, aproximadamente entre 9 e 12 km de altitude, onde ocorrem, nas latitudes médias, essas correntes. Assim, um voo de oeste para leste é geralmente mais rápido do que no sentido contrário. Os planos de voo são elaborados de modo a aproveitar (ou evitar) esses ventos. Neste caso concreto as aeronaves chegaram a atingir uma velocidade de cerca de 1.300 km/h (em relação ao solo), aproximadamente mais 380 km/h do que a velocidade normal quando não há vento, cerca de 920 km/h. Os velocímetros dos aviões não indicam estes valores, na medida em que medem a velocidade em relação ao ar envolvente. Nestas condições, supondo que o nível do voo era FL3003 (ou seja, 30.000 pés = 9.144 m), os passageiros viajaram temporariamente a uma velocidade superior à do som. Neste nível o som propaga-se, na atmosfera padrão, à velocidade de 301,1 m/s, ou seja, 1.091 km/h. Viajar em plena corrente de jato tem, por vezes, o inconveniente de se ficar sujeito à chamada turbulência em ar limpo (Clear Air Turbulence – CAT), que pode ser fraca, moderada ou forte. Neste último caso, é de se evitar voar na zona da atmosfera onde está previsto que tal ocorra, na medida em que comodidade dos passageiros e a estrutura da aeronave podem ser afetadas.

Representação gráfica da corrente de jato polar

Ainda sobre recordes meteorológicos, consta na tabela “World Weather and Climate Extremes”, o recorde de aridez, medido em termos de número de dias sem precipitação. Ocorreu em Arica, Chile, onde não choveu durante mais de catorze anos seguidos (de outubro de 1903 a janeiro de 1918 – 172 meses). Por esta razão é considerada a cidade mais seca do mundo. Curiosamente está situada no litoral do país, junto ao deserto de Atacama.

Não será de estranhar que, atendendo às alterações climáticas, os recordes meteorológicos possam vir a ser batidos. Entretanto, de acordo com a OMM e o IPCC, o recorde de temperatura à escala mundial registado em 2016 foi ultrapassado em 2023 e há perspetivas que seja batido de novo em 2024, em parte devido ao episódio do El Niño que está a decorrer.

Meteorologista

  1. Quando a pedra de granizo tem 5 cm de diâmetro, ou mais, designa-se por saraiva.
  2. 1 nó (ou milha náutica por hora) = 1,852 km/h – unidade de velocidade do vento usada em navegação marítima e aérea.
  3. FL300 – significa Flight Level 30.000 pés.De acordo com a OMM e o IPCC, o recorde de temperatura à escala mundial registado em 2016 foi ultrapassado em 2023 e há perspetivas que seja batido de novo em 2024
  4. No que se refere ao vento à superfície, a rajada mais forte até hoje registada, num ciclone tropical, foi de 220 nós (407 km/h) na ilha Barrow, na Austrália, em 10 de abril de 1996
  5. Destaques
7 Mar 2024

Samaritana

Diz uma lenda encantada que o bom Jesus morreu de amores, o que por si só é belo como as lendas, e muito mais maravilhoso se torna junto a uma fonte. E que fonte, que divisória é esta onde a sede jorrava entre povos tão desérticos e sedentos? A de Jacob. E foi ali, território dos seus antepassados, que dividiam o disputado elemento, que Jesus morto de sede pede o seu quinhão a uma bela mulher que sua urgência fez imperativa. O que se segue é deleite puro, Jesus oferece qualquer coisa como água da vida àquela mulher de cinco maridos que com relutância se esquivava à oferenda de um homem só vagueando pelo deserto onde suas profundas sedes se contemplaram. Seria a sede divinal que expandiu a sua legião para outras vertentes tão bonitas quanto derramadas por águas frescas de um sacerdócio que contemplou amores junto às fontes sem importar a origem de cada um?! Seria, certamente.

Esta fonte antiga está algures no local das trevas do conflito que vemos como uma queda no poço profundo da nossa Humanidade, e pensar em idílios como este é pura especulação neste nosso tempo onde existem “sacristias” para VIPES higienizadas em atmosferas nazis para recurso ao prazer, onde estes acasos estão certamente fora de uma qualquer lembrança. Mas talvez uma saudade indecifrável nos habite para nosso transtorno na funda natureza desse remoto amor de águas claras. Os lúbricos oásis «Spas» onde a água escorregue para adensar o des astre do vazio, e o sémen encolhe para não haver contacto, apenas para “apimentar” cadeias de desgraçados que não sabem onde meter os órgãos gentis nessas águas de Tântalo, são traições à sede da fonte, e já nada consubstanciam de dádiva ou acaso que façam dos encontros acasos destinados.

Esta plebeia de Sical que, não sendo da tribo de David, também pretendia água desta fonte, é afinal a mulher cuja saciedade também não fora encontrada, e diante de um homem que mais que implorando, procurava eliminar todas as sedes, ainda argumentara sua condição de estrangeira para impedir qualquer coisa que apesar de tudo simplesmente a encantou. – Que estes actuais charcos onde encontros se dão entre piscinas e invólucros são muito mais estrangeiros face ao elemento arquetípico, que este humano está secando como os velhos e refrescantes chafarizes das cidades.

A este estratagema todo líquido, fontanário, casual, chamamos enamoramento, mas nunca nessa visão vertiginosa no cimo dos mastros, porque bem sabemos que os Oceanos não dão de beber. E regressamos à fonte. É o enamoramento dado pela representação de quando estamos sós e vemos assombrados reflectir o ser que nos complementa – ele dá-nos água – e nós prometemos-lhe qualquer coisa de eterno que pode bem ser o registo de um momento onde as vontades se conjugam, mas se alguém se abeirar desse contemplar, verá um fogo que circunscreve sede imensa. Não havia nada ali para arder, apenas areia, mas por momentos este encontro tem a particularidade do Fogo, encontrando-se munido de seiva que se transfigura, que em região e circunstâncias assim, cada elemento fala.

Creio que esta é a verdadeira fonte da Ressureição; «tenho sede» que dar de beber é suprema maravilha, que Jacob ficou lá no fundo do poço dos seus sonhos na alternância dos que sobem e descem uma escada, que não tem riacho por perto, apenas uma pedra como receptáculo onde pernoitou, que um registo mineral traz ao sonhador outros encontros. O nome desta mulher era ainda como que misteriosamente designado por Fotina, e em nenhum instante deste transbordo de rota o local se avizinha como poço. As mulheres iam às fontes, e havia homens que por elas passavam, quando a sede era colectiva, também os homens munidos de bastões prodigiosos tocavam nas pedras e delas jorrava líquido, mas ela nunca foi tão vivificante como a da Fonte de Jacoh, o Poço de Sicar.

6 Mar 2024

Orçamento de Hong Kong

No passado dia 28 de Fevereiro, o Governo de Hong Kong anunciou o orçamento para 2024/25. Dado que o Executivo já tinha antecipado a existência de um défice fiscal, a população não se surpreendeu quando foi divulgado que o valor montava aos 6 mil milhões de dólares de Hong Kong (HKD), mas várias pessoas fizeram-se ouvir sobre a forma de lidar com o problema.

A comunicação social divulgou que o Governo tem vindo a lidar com défices desde 2019. As reservas fiscais também caíram de 1.160,3 mil milhões de HKD em 2019 para 733.2 mil milhões em 2023-24. O orçamento ainda refere que as receitas do Governo em 2024-25 serão de 633 mil milhões de HKD e as despesas montarão aos 776.8 mil milhões. Durante este período, o Governo emitirá 120 mil milhões de HKD em títulos. O défice global do governo é de 48,1 mil milhões de HKD e as reservas fiscais serão revistas em baixa para 685,1 mil milhões de HKD.

 

As despesas do Governo calculadas para 2024-25 ascendem aos 776.8 mil milhões de HKD, mas as reservas fiscais não ultrapassam os 685.1 mil milhões, pelo que só podem cobrir as despesas durante 10 meses. O Governo deverá ter mais cuidado com as finanças, fazendo o possível por aumentar as receitas e cortar as despesas. Mas, acima de tudo, é necessário planear com antecedência e antecipar como é que o Governo irá responder financeiramente se houver uma mudança súbita no contexto internacional.

As medidas previstas no orçamento para aumentar as receitas são as seguintes: aumento dos impostos sobre salários e sobre receitas comerciais, reintrodução do imposto sobre o aluguer de quartos de hotel, que tinha sido suspenso há 16 anos, entre outras medidas. Alguns serviços públicos também vão aumentar as taxas. Por exemplo, a taxa cobrada pelo certificado de registo comercial foi ajustada pela última vez em 1994 para 2.000 HKD, mas agora será aumentada para 2.200. As Universidades vão aumentar as propinas igualmente. Estas medidas vão permitir que o Governo possa arrecadar mais uma quantia que ajude a diminuir a diferença entre as receitas e as despesas, mas não podem reduzir significativamente o défice fiscal de imediato. Além disso, o imposto de 3 por cento sobre o aluguer de quartos de hotel, que estava expirado desde 1 de Julho de 2008, também foi retomado. Por aqui se vê que o Governo não tenciona introduzir novos impostos por enquanto. Os residentes de Hong Kong ficam certamente satisfeitos com esta notícia, mas falta ao Governo uma fonte de receitas a longo prazo que seja estável, pelo que vai continuar a depender das vendas de terrenos, actividade à qual vai buscar a principal fatia dos seus rendimentos.

Para reduzir as despesas, o Governo vai pedir a todos os departamentos que façam os cortes possíveis. Os benefícios sociais vão ser reduzidos, a redução dos impostos sobre salários vai ficar suspensa e este ano não existirão vouchers de consumo. Na presença de um défice fiscal os benefícios sociais são afectados.

 

Outra medida fiscal digna de nota, é a emissão de obrigações do tesouro. O Governo vai emitir 120 mil milhões de obrigações no ano fiscal de 2024-25, que representa o maior volume desde 2019. Estas obrigações vão implicar um aporte financeiro de 120 mil milhões, assegurando a liquidez do Governo. Para além disso, a construção da ilha artificial de Kau Yi Chau será adiada, mas o projecto não vai ser cancelado. Primeiro será construída a área metropolitana do Norte e só depois se abordará a questão da ilha artificial de Kiao Yi Chau. Esta escolha é fundamental. O empreendimento de dois projectos de larga escala ao mesmo tempo teria implicado que o Governo despendesse enormes quantias. Desta forma pode reorganizar as finanças e ganhar tempo. Nos próximos cinco anos, espera-se que o Governo emita entre 95 a 135 mil milhões em obrigações do tesouro que lhe permitirão financiar o desenvolvimento das áreas metropolitanas do Norte e de outras infra-estruturas. Embora a emissão de obrigações exija que o Governo arque com o pagamento dos juros dos empréstimos, esta decisão foi muito bem calculada e os juros não irão causar pressão financeira. Claro que a emissão de obrigações implica a contração de empréstimos, o que terá impacto na notação de crédito do Governo, e quantas mais obrigações forem emitidas, maior será o impacto. Além disso, o fluxo de dinheiro trazido pelas obrigações não pode substituir as fontes de receitas do Governo a longo prazo. Para resolver o défice orçamental, o Governo precisa de partir de outras premissas.

Olhando para os vários aspectos do orçamento, as medidas para aumentar as receitas, as medidas para reduzir as despesas, a emissão de obrigações do tesouro, podemos ver que o Governo presta atenção ao problema do défice fiscal e que está a trabalhar para o resolver. As medidas tomadas assentaram todas no princípio do serviço público e do benefício da população. Os ajustes moderados podem resolver o problema do défice, mas só a longo prazo. Na ausência de novas fontes de receita, vai levar muito tempo até que as reservas fiscais do Governo voltem à casa dos biliões. Quando as reservas estavam nesse patamar o Governo teve fundos suficientes para lidar com a pandemia. Agora, as reservas fiscais diminuíram. Se o contexto internacional mudar, como é que vamos responder financeiramente? Esta é uma questão que o Governo deve considerar.

 

Destaque

Olhando para os vários aspectos do orçamento (…) podemos ver que o Governo presta atenção ao problema do défice fiscal e que está a trabalhar para o resolver

5 Mar 2024

Montenegro é o bombeiro

No próximo domingo Portugal terá um novo primeiro-ministro. Entrámos na última semana de campanha eleitoral. Até agora tem sido um lavar de roupa suja entre os principais candidatos, Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro e André Ventura. Nunca tivemos tantos indecisos, cerca de 20 por cento, e tanta gente a dizer que não vai votar. A grande parte do eleitorado já não acredita nas promessas dos políticos e estes nada têm feito para sensibilizar o potencial eleitor a decidir-se pelo voto concreto. Durante a semana passada assistimos a um pouco de tudo com evidência profunda nas hostes da AD comandada por Luís Montenegro. Aconteceu-lhe um pouco de tudo, incluindo uma lata de tinta verde pela cabeça abaixo por parte de um jovem activista que diz defender o clima. A AD parece não ter conselheiros que entendam de política a sério. Vejam só: pediu a Cavaco Silva para “ressuscitar” e apelar no voto AD, o homem que foi o pior Presidente da República; convocou o ex-primeiro-ministro Passos Coelho para um comício no Algarve. O mesmo Passos Coelho que os pensionistas e muitos portugueses nem querem ouvir falar no seu nome pela governação destruidora que realizou enquanto governante contra os mais desfavorecidos, incluindo o corte nas pensões e a retirada do subsídio de Natal. Passos Coelho subiu ao palco e só deixou recados a Montenegro e misturou imigrantes com a falta de segurança existente no país. Uma aberração política que foi criticada por todos os analistas políticos. E depois rematou com um recado de lesa pátria. Deu a entender a Montenegro que a AD tinha de ganhar nem que para isso tivesse uma maioria parlamentar aliada ao Chega. Uma posição contrária ao líder da AD que sempre tem anunciado que nunca fará uma aliança com o Chega. Depois, a AD chamou a outra acção de campanha Assunção Cristas, a tal governante que deixou os inquilinos na desgraça e que ao mudar a lei a favor dos senhorios, provocou na classe média um sofrimento que ainda hoje é sentido pelo país fora. Sem consultores credíveis a AD rematou da pior maneira chamando ao palco Durão Barroso, o tal primeiro-ministro que fugiu à responsabilidade de governar o país para ocupar um “tacho” na União Europeia e a mesma criatura que o povo não esquece devido ao apoio que deu a Bush e seus capangas para invadir o Iraque. E foi este mesmo político que veio apelar ao voto na AD como se uma pessoa fosse ao mercado comprar bananas. E o que restou a Montenegro? Ser simplesmente bombeiro e apagar todos estes fogos que o estiveram a prejudicar para que possa realizar o seu sonho de ser primeiro-ministro. O que ainda lhe valeu foi a lata de tinta verde pela cabeça abaixo. Fez-nos recordar a bofetada que deram a Mário Soares na Marinha Grande, quando estava em maré baixa e que a bofetada o tornou num mártir e ganhou as eleições desse ano. Durante a campanha a AD tem anunciado várias patetices impossíveis de realizar e, talvez, por isso, as sondagens dão um empate técnico com o Partido Socialista.

Quanto a Pedro Nuno Santos, o seu partido cometeu um erro de palmatória em dar-lhe indicações para parecer um político moderado, sem radicalismos, e tentar conquistar votos ao centro que normalmente poderiam pertencer ao PSD. Nuno Santos tinha de ser ele próprio: o político frontal, que fala alto, olhos nos olhos seja com quem for, activo ao máximo e a anunciar a realização dos projectos que sempre sustentou. Pelo contrário, começou apagado, melhorou um pouco, mas sempre moderado e talvez só nesta semana irá aparecer o verdadeiro Nuno Santos e é se quer ganhar as eleições.

Quanto aos outros candidatos assistimos a uma pobreza franciscana. A Iniciativa Liberal perdeu Cotrim de Figueiredo e constata-se que Rui Rocha não tem perfil para conseguir mais que cinco por cento dos votos. Mariana Mortágua não chega nem aos calcanhares da filosofia política de Catarina Martins, uma seguidora das teses aprendidas no contacto com o grande político Francisco Louçã. Mortágua não apresentou nada de novo e apenas está preocupada que os socialistas ganhem as eleições para poder fazer parte de uma nova geringonça. A CDU, com a liderança do PCP, mostrou que Paulo Raimundo foi uma péssima escolha para secretário-geral. Não tem mesmo jeito nenhum para falar às massas e o PCP deve estar muito arrependido de ter posto de parte Bernardino Soares, o melhor político comunista. Para vos falar do Livre, é dizer-vos que a desilusão sobre Rui Tavares foi total. O líder do Livre que estava a subir nas intenções de voto estragou tudo de um dia para o outro quando afirmou que se a AD ganhasse poderia viabilizar um governo da direita democrática. Uma gaffe inacreditável, para quem sempre se anunciou como homem de esquerda. Por último, referir-vos o PAN, um partido que a maioria do país nunca leu o seu programa. E é pena, porque Inês de Sousa Real sabe o que diz e defende princípios de grande valor, especialmente em defesa da natureza e dos animais. Dá a ideia de estar sozinha e se conseguir voltar a ser eleita será um milagre.

Faltam apenas cinco dias de campanha eleitoral e obviamente que nestes dias serão jogadas todas as cartadas para que cada um consiga obter o melhor resultado. Uma coisa já é certa: a abstenção voltará a ser enorme, porque os descontentes aumentaram e não querem saber mais de eleições. Ganhe quem ganhar, teremos certamente um país praticamente ingovernável a aguardar que o Presidente da República marque novamente eleições para Outubro.

4 Mar 2024

O Ocidente está a perder a guerra?

“Much of our planet is dominated by tyrants, and even in the most liberal countries many citizens suffer from poverty, violence and oppression. But at least we know what we need to do in order to overcome these problems: give people more liberty. We need to protect human rights, to grant everybody the vote, to establish free markets, and to let individuals, ideas and goods move throughout the world as easily as possible.”
21 Lessons For The 21st Century
Yuval Noah Harari

Trata-se de uma questão complexa e multifacetada que tem implicações de grande alcance para a política, segurança e equilíbrio de poderes globais. Ao longo da história, o Ocidente tem sido uma força dominante na definição dos acontecimentos mundiais, mas as tendências recentes sugerem uma mudança na dinâmica do poder que levanta questões sobre o futuro da influência ocidental. O Ocidente, muitas vezes referido como os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), é desde há muito uma força dominante nos assuntos mundiais. Desde a era colonial até à Guerra Fria, as potências ocidentais têm desempenhado um papel central na definição da política, da economia e da segurança internacional.
Durante o período colonial, as potências europeias estabeleceram impérios em todo o mundo, explorando recursos e exercendo controlo sobre vastos territórios. Este legado imperial lançou as bases para o domínio ocidental na era moderna, uma vez que os países europeus ganharam influência económica, militar e política à escala global. A Revolução Industrial do século XIX solidificou ainda mais o poder ocidental, uma vez que países como a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha se tornaram potências económicas e militares. As duas guerras mundiais reformularam a ordem internacional e reforçaram o domínio das potências ocidentais. Os Estados Unidos emergiram como uma superpotência após a II Guerra Mundial, liderando o Ocidente na luta contra o comunismo durante a Guerra Fria.
O colapso da União Soviética em 1991 parecia solidificar a hegemonia ocidental, com os Estados Unidos como líder incontestado do mundo livre. No entanto, a era pós-Guerra Fria trouxe novos desafios ao Ocidente, uma vez que potências emergentes como a China, a Rússia e a Índia se ergueram para desafiar o domínio ocidental. A globalização, os avanços tecnológicos e as mudanças na dinâmica geopolítica têm vindo a minar a posição do Ocidente como líder inquestionável da comunidade internacional. Esta situação tem levado muitos observadores a questionar se o Ocidente está a perder a guerra pela influência global no século XXI. Vários acontecimentos importantes moldaram a actual narrativa sobre o declínio do Ocidente.
A crise financeira mundial de 2008 expôs as vulnerabilidades das economias ocidentais e pôs em evidência o crescente poder económico dos mercados emergentes. A ascensão de movimentos populistas nos países ocidentais, o Brexit no Reino Unido e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, reflectiu uma insatisfação crescente com as elites e instituições políticas tradicionais. As guerras no Iraque e no Afeganistão sublinharam os limites do poder militar ocidental e os desafios da construção de nações em regiões complexas e voláteis. As revoltas da primavera Árabe no Médio Oriente e no Norte de África puseram em evidência a fragilidade dos regimes apoiados pelo Ocidente e os limites da influência ocidental na região.
A crise dos refugiados na Europa tem vindo a afectar a unidade do Ocidente e a expor as divisões entre os países europeus quanto à forma de lidar com o afluxo de migrantes. A ascensão de líderes autoritários como Vladimir Putin, na Rússia, pôs em causa os valores ocidentais da democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito. O ressurgimento do nacionalismo, do proteccionismo e do sentimento anti-globalização nos países ocidentais suscitou preocupações quanto ao futuro da ordem internacional liberal que o Ocidente tem defendido desde a II Guerra Mundial. Várias personalidades desempenharam um papel importante na definição da mensagem do declínio do Ocidente como Barack Obama, enquanto primeiro Presidente afro-americano dos Estados Unidos, que procurou restaurar a imagem da América no estrangeiro e reafirmar a liderança americana no mundo.
No entanto, a sua administração enfrentou desafios no Médio Oriente, na Rússia e na Ásia que puseram em evidência os limites do poder americano. Angela Merkel, enquanto Chanceler da Alemanha, emergiu como uma líder fundamental na Europa durante as crises dos refugiados e da dívida da zona euro. A sua abordagem pragmática da governação e o seu compromisso com os valores democráticos liberais contrastaram com a ascensão de líderes populistas noutros países ocidentais. No entanto, a sua decisão de abrir as fronteiras da Alemanha aos refugiados provocou uma reacção negativa dos partidos de direita e dos grupos anti-imigração.
Emmanuel Macron, enquanto Presidente de França, posicionou-se como um defensor da democracia liberal e da unidade europeia. Os seus esforços para reformar a União Europeia e reforçar a cooperação entre os países ocidentais têm enfrentado a resistência das forças nacionalistas e dos movimentos eurocépticos. A visão de Macron de uma Europa mais integrada e coesa tem sido testada por desafios actuais como o Brexit e a ascensão de partidos populistas, em quem 32 por cento dos eleitores votaram até 2023, e desses, metade votou em países da extrema-direita (o mesmo acontecerá a 10 de Março em Portugal onde segundo as sondagens o “Chega” leva já 16 por cento de intenções de voto). A percepção do declínio do Ocidente tem tido implicações de grande alcance para a política, segurança e equilíbrio de poderes a nível mundial. Na esfera económica, a ascensão da China como grande potência económica tem desafiado o domínio ocidental no comércio, no investimento e na tecnologia.
As empresas chinesas como a Huawei, a Alibaba e a Tencent emergiram como líderes mundiais nas telecomunicações, no comércio electrónico e na inteligência artificial, constituindo uma ameaça competitiva para as empresas ocidentais. No domínio militar, a Rússia tem exercido a sua influência na Europa Oriental, no Médio Oriente e no Árctico, desafiando as garantias de segurança da OTAN e minando a unidade ocidental. A interferência russa nas eleições americanas de 2016, os ciberataques e as campanhas de desinformação suscitaram preocupações quanto à vulnerabilidade das democracias ocidentais à influência estrangeira. O comportamento assertivo da China no Mar do Sul da China, em África e na América Latina levantou questões sobre o futuro das alianças de segurança lideradas pelos Estados Unidos na região da Ásia-Pacífico.
Na arena diplomática, a percepção do declínio do Ocidente tem vindo a afectar as relações transatlânticas e a enfraquecer a solidariedade ocidental em questões fundamentais como as alterações climáticas, a proliferação nuclear e os direitos humanos. A política externa “America First” da administração Trump alienou os aliados tradicionais na Europa, Ásia e América Latina, lançando dúvidas sobre a durabilidade das alianças ocidentais e a credibilidade da liderança ocidental. No domínio cultural, a ascensão do populismo, do nacionalismo e da xenofobia nos países ocidentais pôs em causa os valores da tolerância, da diversidade e da inclusão que têm sido fundamentais para a identidade ocidental. O sentimento anti-imigrante, os crimes de ódio e a polarização política corroeram a coesão social e alimentaram a agitação social em países como a Alemanha, a França e os Estados Unidos.
A ascensão de grupos extremistas como o ISIS, a Al-Qaeda e as organizações de supremacia branca constituiu uma ameaça à segurança das sociedades ocidentais e testou a resiliência das instituições ocidentais. Diversas personalidades influentes contribuíram para o campo da percepção do declínio do Ocidente. Thomas Piketty, um economista francês, escreveu extensivamente sobre a desigualdade de rendimentos, a concentração de riqueza e a mobilidade social nos países ocidentais. O seu livro “Capital in the Twenty-First Century” desencadeou um debate global sobre a desigualdade económica e o papel do governo na resolução das disparidades sociais. Yuval Noah Harari, um historiador israelita, explorou o impacto da tecnologia, da inteligência artificial e da biotecnologia na sociedade humana nos seus livros “Sapiens: A Brief History of Humankind “, “Homo Deus” e “21 Lessons For The 21st Century”.
As ideias de Harari sobre o futuro do trabalho, da guerra e do poder desafiaram a sabedoria convencional e suscitaram debates sobre as implicações do avanço tecnológico para o Ocidente e o resto do mundo. Greta Thunberg, uma ativista ambiental sueca, tem mobilizado jovens de todo o mundo para exigir acções em matéria de alterações climáticas e sustentabilidade ambiental. O seu movimento “Fridays for Future” inspirou milhões de jovens a saírem à rua e a apelarem à acção dos governos para resolver a crise climática. Os discursos de Thunberg nas Nações Unidas, em Davos e noutros fóruns internacionais chamaram a atenção para a urgência do desafio climático e para a necessidade de uma acção colectiva para proteger o planeta.
A percepção do declínio do Ocidente é uma questão complexa e contestada que tem suscitado debates entre decisores políticos, académicos e cidadãos. Alguns defendem que o Ocidente está a perder a guerra pela influência global devido à ascensão de potências como a China, a Rússia e a Índia, que desafiam a hegemonia ocidental em termos económicos, militares e diplomáticos. Outros defendem que os valores ocidentais da democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito são duradouros e podem resistir às pressões externas de regimes autoritários e movimentos populistas. O aumento do nacionalismo, do proteccionismo e do sentimento anti-globalização nos países ocidentais levantou questões sobre o futuro da ordem internacional liberal que o Ocidente tem defendido desde a II Guerra Mundial.
A erosão da confiança nas instituições, o declínio da coesão social e a polarização do discurso político enfraqueceram as democracias ocidentais e expuseram as vulnerabilidades à manipulação e interferência externas. A pandemia da COVID-19, a guerra da Ucrânia e na Faixa de Gaza pôs ainda mais em evidência a fragilidade dos governos e sociedades ocidentais e a necessidade de uma acção colectiva para enfrentar os desafios globais. Olhando para o futuro do Ocidente e o seu papel no mundo dependerão da forma como os países ocidentais responderem às pressões internas e externas, se adaptarem à evolução da dinâmica geopolítica e defenderem os seus valores de democracia, direitos humanos e Estado de direito. O reforço das alianças, a promoção da inovação económica, a resolução das desigualdades sociais e o investimento na educação e nas infra-estruturas serão fundamentais para revitalizar o poder e a influência do Ocidente no século XXI. O Ocidente pode estar a perder a guerra pela influência global, mas não é demasiado tarde para inverter a maré e criar um mundo mais inclusivo, sustentável e pacífico para as gerações futuras.

3 Mar 2024

A estrela não brilhou II

A semana passada, fizemos uma análise preliminar do incidente que envolveu Messi. Dado que os artigos têm espaço limitado, terminaremos hoje a discussão do assunto.

Messi sofreu uma inflamação muscular e por isso não participou no jogo disputado em Hong Kong. Do ponto de vista do público, só um problema de saúde grave deveria impedir um jogador de participar num desafio. Se uma inflamação muscular tem gravidade suficiente para justificar a ausência de Messi do jogo é uma questão a que só os profissionais de saúde podem responder e devemos confiar na decisão dos médicos da equipa.Eles consideraram que Messinão estava apto para jogar e os adeptos têm de aceitar essa decisão. Ao fim e ao cabo, nenhum atleta consegue evitar as lesões decorrentes da sua actividade. Esta não é uma questão moral. A saúde é a coisa mais importante. Esperamos que Messirecupere rapidamente.

A semana passada levantámos a questão de ser ou não suficiente a devolução de metade do valor dos bilhetes como forma de compensação ou se, em vez disso, se deveria realizar um novo jogo. Os adeptos vieram de todos os cantos do mundo para ver o jogo, para além, evidentemente, daqueles que residem em Hong Kong. O dinheiro que cada pessoa investiu variou consoante as suas circunstâncias particulares e por isso não faz sentido discutir se é justo ou não devolver metade do valor despendido na compra dos bilhetes do jogo.

A marcação de um novo jogo seria a melhor das compensações para os adeptos que se sentiram defraudados pela ausência de Messi. Basta pensarmos, os adeptos gastaram dinheiro para ver a estrelas do futebol a jogar. Queriam ver o jogo, mas também queriam ver as estrelas brilhar. Se uma destas estrelas falha o jogo devido a uma lesão, todos se sentem desiludidos. Para compensar o desapontamento, a melhor solução seria reagendar o jogo.

No entanto, o reagendamento implicaria a marcação de uma nova data, o que ficaria sujeito a muitos condicionalismos, como o tempo, a disponibilidade das equipas, etc. Mas o mais importante é o facto de o jogo se desenrolar ao ar livre. Se houver uma tempestade e muita chuva no dia do jogo, poder-se-ia fazer um segundo reagendamento? É preciso não esquecer que alguns dos espectadores são turistas que vieram do outro lado do mundo. A data do reagendamento poderia não ser conveniente para as pessoas que vieram de fora e que teriam de se deslocar de novo a Hong Kong. Por aqui podemos ver que não é fácil reagendar um jogo. Portanto, não podemos afirmar que o não reagendamento do jogo signifique uma falta de compensação.

Há pouco tempo, Messi divulgou uma mensagem por vídeo onde declarava compreender o sentimento dos adeptos chineses e que esperava poder vir a participar num outro jogo de futebol na China. Estas declarações tornaram claro que Messi valoriza os adeptos chineses. Mas isto quer dizer que Messi virá jogar brevemente em Hong Kong? Não sabemos, mas percebemos que a questão ainda não está encerrada e as coisas podem mudar a qualquer momento. A julgar por todas as diligências que estão a ser levadas a cabo, acreditamos que a Tatler Asia, o Inter Miami e Messi vão ter em conta os sentimentos de todas as pessoas envolvidas e irão passo a passo tentar resolver o problema. Nesta fase, não devemos fazer demasiados comentários sobre estas diligências. Devemos todos manter a calma e observar os desenvolvimentos da situação.

Estes dois artigos tiveram como objectivo dar a conhecer os diversos pontos de vista e fazer-nos reflectir. Espero que cada um de nós fique a compreender melhor o ponto de vista do outro e as dificuldades que enfrenta, para nos podermos aceitar melhor uns aos outros. Desta forma, espero vir a ver mais gente sorrir.

Actualmente, realiza-se um concerto atrás de outro em Macau e os artistas que participam nestes concertos são todos estrelas. Ora vejamos, se uma destas estrelas falhar de repente um concerto, não só o organizador perde muito dinheiro, como a audiência ficará desapontada. O incidente comMessilembra os organizadores de eventos de grande escala que têm de prestar muita atençãoa este problema. Talvez os organizadores possam considerar que para além de assinarem contratos com as bandas deverão também assinar contratos individuais com cada um dos seus membros. O contrato pode estipular que se o artistafalhar a actuação por qualquer motivo, a sua remuneração será deduzida. É claro que esta abordagem não pode impedir os artistas de adoecerem ou de se lesionarem, mas pode ajudar a lembrá-los que o público investiu tempo e dinheiro e que os quer ver actuar.

27 Fev 2024

O eco-sistema de Macau

No primeiro versículo do Livro de Génesis, podemos ler “Deus abençoou-os, e disse-lhes, sede fecundos, multiplicai-vos, povoai a Terra e subjugai-a: e tende domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves do ar e sobre todos os seres vivos que caminham na terra”. Actualmente, a taxa de natalidade dos países e regiões desenvolvidas está a decair, ao mesmo tempo que nos oceanos várias zonas estão sujeitas a monitorizações sazonais da fauna marítima ou mesmo consideradas áreas onde a pesca é proibida. Há cada vez menos locais onde as aves migratórias se podem recolher e inúmeras espécies extinguiram-se da face da terra. Este eco-sistema não fazia de forma alguma parte dos planos divinos quando confiou a Terra à humanidade.

O ambiente à nossa volta é moldado pelo eco-sistema social, que por sua vez é moldado pelo eco-sistema político. A capacidade dos seres humanos de se sobreporem à vontade de Deus pode ter um lado romântico, no entanto a violação das leis da Natureza só pode conduzir à auto-destruição. As questões ecológicas desempenharão um papel chave para a sobrevivência de uma pequena cidade como Macau.
Recentemente, o Governo da RAEM apresentou um plano de construção na área marítima de 85 quilómetros quadrados sob jurisdição da RAEM (zona marítima em frente à Beira-Mar de Long Chao Kok de Hac Sá em Coloane) de um novo aterro para resíduos de materiais de construção – ilha ecológica – de harmonia com a protecção ambiental e que integre a função de prevenção e redução de desastres, o que tem causado grande preocupação em muitos deputados da Assembleia Legislativa. Estes deputados não se opõem à construção da ilha ecológica, mas estão preocupados com os impactos ecológicos que a “ilha ecológica” pode vir a causar.
Se a formulação de um projecto de construção estiver errada, por mais medidas que se tomem posteriormente para o corrigir, o resultado nunca será bom. A localização apontada para a ilha ecológica é definitivamente uma má escolha. Para além desta zona ser habitat de vários golfinhos brancos chineses, é também um local onde se praticam desportos e competições marítimas. A construção de uma ilha ecológica irá causar danos irreversíveis nos eco-sistemas marinhos e vai afectar seriamente a paisagem costeira e prejudicar a realização de eventos desportivos, por isso é uma opção pouco desejável. Felizmente, no quadro do eco-sistema político actual, caracterizado por um apoio zeloso aos projectos do Governo, há quem dê a sua opinião sobre o desempenho e os empreendimentos do Executivo, embora evitando críticas mais duras. Para corrigir as “falhas” da governação, só podemos confiar na opinião pública e na sua supervisão do desempenho do Governo.
O aumento do território de Macau foi obtido através da reclamação de terrenos. Em Novembro de 2009, o então Chefe do Executivo, Ho Hau Wah, anunciou que o Conselho de Estado da China tinha aprovado o plano da RAEM do novo aterro consistindo em cinco zonas para construção de novas áreas urbanas. O então primeiro-ministro Wen Jiabao também reiterou que o Governo da RAEM teria de fazer bom uso dos terrenos reclamados. Atá à presente data, quatro zonas foram concluídas, mas o plano do aterro da Zona D não está implementado.
Estou certo de que a reclamação de terrenos terá impacto na hidrografia marinha e na qualidade da água do mar, bem como na paisagem costeira. O Plano do aterro da Zona D já foi certificado por peritos e aprovado pelo Conselho de Estado, o que o torna um facto irreversível. Assim, se é necessário destruir a qualidade das águas em torno da Beira-Mar de Long Chao Kok de Hac Sá em Coloane, a bem da construção de uma ilha ecológica destinada a resolver o problema da eliminação de resíduos, seria melhor mudar a sua localização para a Zona D, já que o Plano do aterro da Zona D ainda não foi implementado. A zona de COTAI também foi edificada sobre aterros de resíduos de construção!
O eco-sistema político molda o eco-sistema económico, e a bio-diversidade determina a sobrevivência de uma Comunidade e o Destino Comum da Humanidade!

25 Fev 2024

A estrela não brilhou

Este é o meu primeiro artigo depois da entrada do novo ano lunar e aproveito a oportunidade para desejar a todos os meus leitores um excelente Ano Novo Chinês. Espero que todos tenham muita saúde, prosperidade e que tudo corra bem. Escrevo esta peça no Dia de São Valentim. Desejo que todos os namorados do mundo possam finalmente casar-se, que todos os seus dias sejam doces e que o Dia de São Valentim se perpetue em todos os momentos.

Hoje, vamos analisar o incidente motivado pela não participação da estrela de futebol argentina, Lionel Messi, no jogo realizado em Hong Kong. A Tatler Asia (TA) convidou o Inter Miami (CF) para um jogo amigável com a principal equipa de Hong Kong. Os fãs de futebol ficaram muito entusiasmados com este jogo porque o CF tem muitas estrelas, como Messi, Jordi Alba, Sergio Busquets e Luis Suárez. Os adeptos queriam assistir ao desafio para ver estas estrelas exibirem a sua mestria em campo.

Depois da TA ter assinado o contrato com o CF, foi imediatamente combinada com o Governo de Hong Konga questão dos patrocínios. A TA recebeu o reconhecimento da marca “M” do Comité de Grandes Eventos Desportivos de Hong Kong, que implica uma doação equivalente de 15 milhões de dólares de Hong Kong (HKD) e um subsídio de1 milhão.Por outro lado, o contrato entre o Governo da RAE de Hong Kong e a TA estipulava que Messi teria de participar no jogopelo menos durante 45 minutes, a menos que estivesse doente.

O jogo realizou-se no passado dia4 de Fevereiro, mas a participação tão esperada de Messi não aconteceu. A estrela argentina assistiu ao jogo no banco. Portanto, o que os adeptos viram foi “Messi a ver o jogo”. O jogo terminou com apupos e gritos de “fraude comercial e” “reembolso”.

Depois do incidente, Gerardo Martino, treinador do CF, explicou que Messi tinha uma inflamação muscular que o impediu de jogar. Messi disse numa conferência de imprensa realizada a 6 de Fevereiro no Japão que, na ressonância magnética a que tinha sido sujeito não foi detectada nenhuma lesão, mas que “sentia desconforto” nos músculos da coxa na altura em que se realizou o jogo em Hong Kong.

O Presidente e Director Executivo daTA,Michel Lamunièredeu uma conferência de imprensa a 5 de Fevereiro, confirmando que o contrato entre a TA e o CF estipulava que, se não estivessem lesionados,Messie Suarez teriam de participar no jogo. Mas o CF acabou por informar a TA que as duas estrelas estariam ausentes devido a lesões. Michel Lamunière afirmou compreender que os adeptos se tinham deslocado para ver o jogo e estas estrelas do futebol, mas as lesões são um problema com que os jogadores têm de lidar. Devido às muitas pressões, a TA pediu ao treinador do CF que Messiviesse explicar pessoalmente as razões de ter falhado o jogo. Infelizmente isso não aconteceu e os adeptossentiram que não foram tratados com o respeito que mereciam. Messie Suarez participaram no jogo realizado no Japão 3 dias depois, a 7 de Fevereiro, o que fez com que Michel Lamunière se tenha sentido insultado.

Em relação à questão da compensação, a TA anunciou que, em primeiro lugar, iria retirar o pedido de financiamento do Governo de Hong Kong e desistir do reconhecimento da marca M. Em segundo lugar, pedia desculpa a todos aos adeptos e prometia reembolsá-los em metade do valor pago pelos bilhetes e declarou que a empresa não fugiria a assumir as suas responsabilidades enquanto organizadora do evento.

Do ponto de vista jurídico, este incidente merece ser analisado em profundidade. De acordo com os relatos da comunicação social, o contrato entre o Governo da RAE de Hong Kong e a TA estipulava claramente que, excepto em caso de doença, Messi teria de participar no jogo, pelo menos durante 45 minutos. Este requisito é muito claro e pertinente. Do ponto de vista do senso comum, o impedimento para jogar deveria ter-se ficado a dever a uma lesão mais grave. Neste caso, uma simples inflamação foi considerada uma doença e foi usada como razão para a não participação, motivo que os adeptos tiveram dificuldade em aceitar. Por outro lado, se a doença em geral for usada como motivo para não cumprir um contrato, ninguém vai querer ver essa palavra escrita nestes documentos.

A não participação devido a doença é uma clausula contratual muito importante. Deveria haver clausulas semelhantes no contrato entre a TA e o CF. Mas, claro que o contrato entre a TA e o CF é um contrato comercial e é confidencial e, portanto, não temos forma de saber o seu conteúdo. No entanto, desde o incidente, nunca mais se ouviu falar de transacções comerciais entre o CF e a TA. Então, como é que a TA e o CF resolveram este incidente? Compreender a forma como o resolveram pode permitir aos fãs entenderem por que motivo Messi não participou no jogo. Levanta-se também a questão da compensação. A devolução do valor de metade do custo dos bilhetes será suficiente?

 

É realmente uma pena que um evento internacional tenha acabado desta forma. A principal prioridade é garantir que os adeptos recebem uma compensação adequada. Se a devolução de metade do preço dos bilhetes é suficiente é um assunto que ainda terá de ser analisado. Além disso, como evitar que o mesmo se volte a repetir é outra questão fundamental. Perante isto, quando se redigir de futuro contratos semelhantes, poderia acrescentar-se o seguinte:

“O estádio é um espaço aberto e os jogos de futebol podem ser afectados pelo clima. Se chover muito ou houver uma tempestade no dia do encontro, o jogo terá de ser adiado ou cancelado. Se o contrato estipular que o jogo deve ser adiado, o mesmo se deve aplicar se os principais jogadores estiverem lesionados, para que incidentes semelhantes não voltem a acontecer.”

Existirão outras formas de evitar incidentes semelhantes? Claro que sim, mas devido a limitações de espaço, não nos iremos alargar. O método será bom desde que o jogo decorra sem problemas, que os adeptos e todos os envolvidos fiquem satisfeitos, e que a sociedade o aceite.

20 Fev 2024

A Justiça é só para pobres

Antes de mais, neste meu primeiro contacto com os leitores no Ano Novo do Dragão quero desejar a todos um ano cheio de felicidade e prosperidade, e como dizem por aí: Kung Hei Fat Choi.

Por aqui, a semana que passou deixou os portugueses ainda mais desolados com a Justiça. Tudo nesta tutela parece um descalabro. Os casos de investigação judicial têm-se sucedido e muitas vezes deixam a sociedade perplexa com um possível paradigma de defesa dos suspeitos de enorme e constante actividade ligada à corrupção. Há umas semanas, uma senhora de certa idade, com imensas dificuldades de sobrevivência, num hipermercado introduziu três latas de conserva na sua mala. Ao sair do estabelecimento os detectores assinalaram algo não pago no interior da mala. A segurança do hipermercado chamou a polícia, a senhora foi revistada, detectaram as latas de conserva, foi logo detida e presente a um tribunal foi sentenciada. Por outro lado, o Ministério Público e a Polícia Judiciária andaram quase dois anos a investigar várias personalidades da Madeira, incluindo o presidente do Governo regional, Miguel Albuquerque, e o presidente da Câmara Municipal do Funchal. Decidiram reunir todos os meios e num avião da Força Aérea seguiram para a Madeira cerca de cem agentes e procuradores onde realizaram várias buscas tendo decidido deter o presidente da edilidade madeirense e dois empresários que alegadamente conseguiam obter a concessão da maioria das grandes obras de construção civil naquele arquipélago. As suspeitas eram mais que muitas. Recebimento de dinheiro vivo, descoberta de envelopes com muitos milhares de euros na casa do presidente da Câmara e de sua mãe, que o motorista da Câmara efectuou vários depósitos bancários na conta do autarca presidente. As suspeitas judiciais concluíram que a empresa de construção civil em causa oferecia benesses às autoridades investigadas em troca da aprovação das obras no valor de milhões de euros. O presidente do Governo regional foi indiciado como arguido e depois de alguns dias lá se demitiu provocando a queda do Governo e o mesmo a situar-se em gestão e a aguardar-se uma decisão do Presidente da República para o caso de se decidir por eleições antecipadas, à semelhança do que acontecera com o primeiro-ministro António Costa. Miguel Albuquerque chegou ao ponto de adquirir um terreno com uma casa em ruínas, construiu um palacete que está transformado em alojamento local sem que as Finanças tivessem alterado o valor do IMI a pagar.

Os detidos viram iniciar-se o processo de decisão judicial que a Constituição insere que deve ser tomada em 48 horas. Ora, a partir desse momento o país assistiu a um descalabro absoluto na relação Ministério Público com o juiz de instrução criminal a quem foi entregue a análise das acusações. Vergonhosamente os detidos estiveram privados da liberdade e encurralados numa cela, sem condições, das instalações da Polícia Judiciária. Os advogados de defesa solicitaram, por duas vezes, a liberdade dos detidos, o que foi recusado pelo juiz. Se o juiz não aceitou a pretensão dos advogados de defesa é lógico que qualquer cidadão pense que se tratava de um caso gravíssimo. Mas não, ao fim de 21 dias o juiz de instrução criminal decidiu surpreendentemente pela libertação dos detidos pronunciando que não existiam quaisquer indícios de crime. O Ministério Público nem queria acreditar na decisão sobre as medidas de coação e já requereu da decisão do juiz. Inclusivamente a Procuradoria-Geral da República emitiu um comunicado onde salienta “existir indício de crime”.

O paradoxo é de tal forma inconsequente que observamos dois factos concretos: o presidente do Governo regional e o presidente da Câmara Municipal do Funchal demitiram-se, dando a entender que os factos eram passíveis de grande gravidade. Na Madeira, há muitas décadas que se suspeita de casos de corrupção ao mais alto nível da governação. E quando aconteceu uma investigação a sério, eis que um juiz permite que a lei seja violada com a detenção de três cidadãos durante 21 dias e depois envia-os em liberdade. Segundo as nossas fontes, que não conseguimos confirmar, o juiz em causa terá sido colega de curso de dois advogados de defesa deste caso de corrupção, branqueamento de capitais, de fraude fiscal e até diamantes entregues a Miguel Albuquerque e ao presidente da edilidade. Recorde-se, que este autarca tinha trabalhado para a empresa em causa que tem obtido a concessão das grandes obras na Madeira. E algo de mais grave, quando as mesmas fontes nos informaram que o juiz deste processo já tinha sido castigado por ofensas a um arguido noutro processo e que a pessoa que testemunhou contra o juiz foi precisamente uma procuradora deste caso da Madeira, levando a pensar que a decisão surpreendente do juiz se tratou apenas de uma vingança contra a referida procuradora.

Depois, temos a posição do Presidente da República que, num caso desta gravidade, tendo percorrido os seus dois mandatos de Chefe de Estado como um comentador quase diário de todo e qualquer caso, agora veio afirmar que não comentava casos judiciais. As críticas a Marcelo Rebelo de Sousa, ao juiz em causa e à procuradora-Geral da República têm sido uma constante dos mais variados quadrantes, nomeadamente do ex-presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, que já requereu ao Presidente da República que convoque o Conselho de Estado antes das eleições de 10 de Março, a fim de se debater a reforma necessária e urgente na Justiça. Rui Rio, ex-presidente do PSD também se pronunciou contra a morosidade na justiça e a leviandade de três cidadãos estarem privados da liberdade contra todas as regras dos direitos humanos. Uma coisa é certa, está instalada uma tensão muito significativa entre o Ministério Público e os juízes. E isto não é bom para um Estado que se diz democrático e de bem. A Justiça há muito que passa por momentos de degradação e não há dúvidas de que necessita de uma reforma urgente. Basta lembrarmo-nos dos adiamentos judiciais dos casos BES e José Sócrates. Mas, o pior de tudo é que o povo tem a consciência absoluta de que a Justiça é só para pobre…

19 Fev 2024

BELA ADORMECIDA

Roubam-nos a paz, e que paz viria, se ela não for igual aquela paz que noutros havia?

É uma situação que nos inquieta o estilhaçar da serenidade por essa manobra insidiosa da sociedade gradualmente esfomeada em salvo-conduto para o ronco demagogo, instalado, empolgado, estéril e opressivo, um abrasão de indelicadeza que ecoa nos confins da Terra. Estamos demasiado vibráteis com restos de mortandade e configurações grotescas para retorno à “cápsula” onde se instala toda a substância que é a favor da vida, define um centro, irriga o ser, e se vê melhor que entre multidões.

O sono, esse deleitoso ritmo do universo, pareceu contrariar os mais frenéticos aposentos da hiperactividade, e a luta para manter tão natural condição foi varrida a ansiolíticos e corrigida com a vigília da regularidade mórbida. Coisas simples e boas elevadas à condição de dilema, corrobora ainda mais o desgaste, que para tudo se tem de dar para manter a trepidação em alta frequência, que o mito da felicidade se dá por enervamento constante, recorrendo cada vez mais a plenitudes sem sentido.

Nós já padecemos de tudo de todas as maneiras, já esperámos a salvação por outrem, quando não ele, por um grupo, e mais eloquente e mordaz, por esferas sociais. Dos receituários experimentámos alguns, convivemos com mestres da alegria, fomo-nos abaixo em alguns ataques de riso, e das ideologias havia um cimento tão duro que as dispensámos. Dito assim, ficaram-nos então os ritmos gregários, as finalidades, o tempo certo para adormecer as lágrimas, ficar duro de compreensão, e ainda legitimar a herança de um progresso que consideramos invencível. Neste desfile de objectores de consciência vêm agora dizer-nos que não temos Defesa. – Nem Defesa nem Agravo! Assim, só estamos em sintonia com o Mercado. Somos Mercantis.

É evidente a médio e longo prazo que vamos todos ser outra qualquer coisa e, para bem dos conquistadores, sabemos bastante de mercadoria, e não vale a pena andar a esconder os valores em estantes de Código Penal nem na lúbrica jornada de invasores ao fisco, que a mais-valia vai dar directamente ao invasor que se esforçou para não morrermos de martírios governativos e de péssimas conclusões. Aí podem serenar os mais nervosos da sociedade que não dorme para recarregar forças, e se mesmo assim, se estiverem possuídos de eloquente trepidação, terão de abrandar para não colocar rédeas ao sinistro que os apanhou como presas amedrontadas.

Com este acabrunhamento inesperado os grandes compulsivos terão a oportunidade de pôr os sonos em dia e se lhes faltar combustível podem sempre começar a andar a pé e fazer grandes paragens dormindo a ver as estrelas. As dissidências com o fervor que lhes assiste, terão sonhos visionários, e cobertos de lã dos últimos pastores, reversar-se-ão pela tomada de uma identidade desfeita. Aqueles que conseguem já conquistar Marte devem achar de menor monta uma conquista da Europa em modalidades várias (que ela se mantém bastante contrária a qualquer sossego) mas, e dada a explosão de centros vibratórios cósmicos onde até o sol pode fazer a sua tempestade, eu, aqui, neste Fevereiro, vejo o espectro de Gengis Khan a atravessar já a Beira Litoral. Isto tudo acontece porquê? Por que estamos na Grande Roda- tudo vai, tudo vem, assim é o caminho da imortalidade- o que fazemos deixa rasto, o que não fizemos atormenta-nos, só que tudo vai e volta mas de uma outra maneira. Por ora a gincana das competências está alinhada com a situação, e é vê-las como se não houvesse amanhã. Mas amanhã virá, e não será para muitos os «amanhãs que cantam» que em estado de coma induzido ainda permaneceremos.

Talvez não seja tarde nem cedo, nestas propostas ancestrais que passaram pelo grupo, forjando a célula (família) fomos aqueles que serviram a condição. Uns mais, outros menos, outros nada: mas quem sabe se essa negação lhes era devida? Tal qual aqueles que a serviram. Por ora não sabemos. Desejaríamos que tudo finda-se num indulto universal e capacidade de ver, mas o belo sono ainda não chegou, que as tormentas têm veios fundos como a própria memória que construímos unida por fileiras em rota de colisão com a paz trazida por estrelas muito mais distantes. Porém, a paz, pode ser dispensada. Aqui, só desejamos um tranquilo sono, e que quem nos beije finde o anterior ciclo, e com ele sejamos despertados.

18 Fev 2024

Dia de Não-Namorados

O Dia dos Namorados pode ser um dia difícil. Seria bom se fosse opcional, mas desde cedo, como na escola primária, vemos uma tentativa de institucionalizá-lo. Quando estava na 2.ª classe, a professora criou uma caixa de correio para celebrar o Dia dos Namorados, onde se podiam deixar cartas anónimas para as paixões secretas. Crianças de 7 anos têm uma compreensão muito madura do amor romântico, certo? No âmago do meu ser, eu sabia que não ia receber uma carta. E assim foi, era a mal-amada, e todos na turma deram conta disso. Se o Dia dos Namorados é difícil, é porque o tornaram assim. Tornou-se o triunfo da existência de um parceiro romântico, ou a desilusão da sua ausência.

Entretanto, tomei conhecimento de um conjunto de estratégias e actividades para tornar o Dia dos Namorados mais alternativo. Aqui, explanarei algumas opções que encontrei. Vou excluir desde já o mais óbvio: tempo para cuidar de si próprio. No Dia dos Namorados, parece-me a estratégia mais eficaz para não mergulhar no frenesim. De repente, somos invadidos por menus de jantar para namorados, promoções, vendas temáticas e, claro, redes sociais empenhadas em tornar o dia miserável.

Evitar. Para quem não quer ser lembrado de que o dia existe, pode ser possível bloquear notificações relacionadas com o dia. Este ano, uma empresa de comércio questionou-me se gostaria de ser contactada sobre o tema. Uma interpelação simpática, senti que era uma tentativa de dar controlo ao consumidor sobre a avalanche de conteúdos amorosos. Com um pouco mais de pesquisa, percebi que existem outras formas mais sofisticadas de bloquear conteúdos nas redes sociais. É só perguntar ao motor de busca favorito, descarregar as aplicações recomendadas e aplicar filtros para não receber informação sobre “namorados”, “amor” ou “São Valentim”.

Contrariar. Na tentativa de dar espaço aos que não se revêem no dia, há quem celebre a antítese do Dia de São Valentim, que já tem rituais e imagética associada. Falo-vos de festas temáticas com roupa e até comida decorada com o tema do amor não correspondido. São os corações partidos a jorrar sangue, uma paleta de cores mais sombrias, em vez do habitual vermelho e cor-de-rosa. Acusações de que o cupido é estúpido ou que o amor não existe. Chutam uma piñata em forma de coração até a estilhaçarem toda. Os mais sérios vão optar por tornar o dia uma consciencialização para os solteiros e espalhar outro tipo de amor para quem precisa.

Enraivecer. Não há nada como apaziguar um coração partido com acções de puro desdém. Um abrigo animal em Ohio, nos EUA, em troca de um donativo, oferece a possibilidade de escrever o nome do ex-namorado ou ex-namorada numa caixa de areia onde os gatos para adopção irão urinar e defecar à vontade. O abrigo prometeu fazer um vídeo público de todas as contribuições e dos momentos de alívio dos animais, e irá publicá-lo no Dia dos Namorados. O zoológico de San Antonio, no Texas, também preparou uma actividade de angariação de fundos ainda mais, digamos, assertiva desta raiva. Dependendo da quantia, o zoológico pode dar o nome do/a ex- a uma barata ou a um rato, que será devidamente consumido por um dos residentes do zoológico. Por 150 dólares, eles filmam a presa a ser devorada e depois enviam a filmagem ao ex- a quem a acção é dedicada. Alegadamente, todos os donativos servirão para ajudar os espaços a continuar o seu trabalho na protecção da biodiversidade e bem-estar animal.

Estas acções tentam oferecer novas formas de dar significado ao dia, mas não deixam de perpetuar a capitalização do amor romântico (ou a sua zanga com ele). Não quero desvalorizar o simbolismo do dia nem o desconforto que ele gera. Talvez me caiba sugerir uma reflexão sobre como estão associadas a ele memórias e emoções que materializam um ponto muito sensível da existência humana: a prova de que somos aceites ou rejeitados. E essa dicotomia precisa de ser desconstruída com muito carinho. A celebração do amor é sempre bem-vinda, mas talvez seja necessário expandi-la para o amor que nutrem por vocês próprios, pela família, amigos, amantes, amigos coloridos e até aqueles que ficaram para trás. Talvez perceber que a presença de um parceiro romântico na vida não é sinal de triunfo, nem a sua ausência um sinal de falhanço. O amor que traz uma carta no Dia dos Namorados não é o indicador de sucesso nem a condição prévia para a aceitação pessoal.

15 Fev 2024

Cidade de cristal

Há muito tempo, a “Radio Hong Kong” tinha um programa chamado “The Glass Ball of Happiness” (A Bola de Cristal da Felicidade). A frase de abertura do programa era, “a bola de cristal da felicidade caiu ao chão e desfez-se em mil cacos. Algumas pessoas apanharam mais pedaços enquanto outras apanharam menos”. Na verdade, quando a bola de cristal se parte, a felicidade deixa de existir. Hong Kong e Macau são duas pérolas reluzentes do sul da China que deveriam ser preservadas e protegidas. Seria uma pena se se estilhaçassem.
A BBC NEWS da China publicou recentemente um artigo com o seguinte título “O Index Hang Seng fechou num mínimo histórico. Será que Hong Kong está a caminho de se tornar a relíquia de um centro financeiro internacional ou ainda espera avançar da estagnação para a prosperidade?” O artigo também mencionava que o mercado de acções da Índia tinha ultrapassado o de Hong Kong, tendo-se classificado pela primeira vez como o quarto maior a nível mundial.
Como residente de Macau, cidade vizinha de Hong Kong, não desejo de todo que Hong Kong se torne a relíquia de um centro financeiro internacional e a maior parte das pessoas desejará que passe da estagnação para a prosperidade. O Chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee Ka-chiu, deu início a 30 de Janeiro último, a uma longa consulta pública, com a duração de um mês, sobre a promulgação de leis de segurança nacional, da responsabilidade do seu Governo, de acordo com o Artigo 23 da Lei Básica da cidade. No mesmo dia, o Index Hang Seng caiu, ao contrário de subir, fechando nos 15.703.45 pontos. Se o Governo de Hong Kong quer que o mercado de acções volte a conquistar a confiança da cidade, e que a Pérola do Oriente recupere o seu brilho, além de tentar o seu melhor para o bem de Hong Kong, é também importante que ajude a cidade a “voltar à normalidade” e a seguir o “caminho da reconciliação”.
Em Hong Kong, a promulgação de leis de acordo com o Artigo 23 da Lei Básica da cidade representa a observância das responsabilidades constitucionais, e todos são responsáveis pela salvaguarda da segurança nacional. Depois da promulgação de leis de acordo com o Artigo 23, o Governo de Hong Kong deve compreender os conteúdos do Artigo 45 que estipula que (o método de selecção do Chefe do Executivo será especificado em função da situação real na Região Administrativa Especial de Hong Kong e de acordo com o princípio de progresso gradual e ordenado. O objectivo final do Artigo 45 é que a selecção do Chefe do Executivo seja feita por sufrágio universal mediante a nomeação de uma comissão amplamente representativa, de acordo com os procedimentos democráticos. O Artigo 68 estipula que o método de formação do Conselho Legislativo será especificado em função da situação real na Região Administrativa Especial de Hong Kong e de acordo com o princípio de progresso gradual e ordenado. O objectivo final deste artigo da Lei Básica é que a eleição de todos os deputados do Conselho Legislativo seja feita por sufrágio universal. Acredito que Hong Kong possa “avançar da estagnação para a prosperidade” com sucesso.
A “Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado” de Macau foi promulgada em 2009 e alterada em meados de 2023. No entanto, as leis, por si só, não são suficientes. Ao longo da última década, Macau, como um todo, alcançou basicamente um consenso no que respeita à salvaguarda da segurança nacional através da cooperação cordial entre pessoas de todas as classes sociais e associações de todos os sectores. Mesmo que o controlo político esteja mais reforçado, não se desencadearam tumultos. Pelo contrário, devido à excessiva concentração de poder dentro do sistema e à perda de contraditório, os problemas surgem uns atrás dos outros quando existe menos capacidade governativa e falta de supervisão.
Segundo os dados publicados pelos Serviços de Saúde de Macau, foram reportados em Macau 88 casos de suicídio em 2023, o número mais alto desde o regresso de Macau à soberania chinesa. De acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde, considera-se que uma zona tem uma taxa de suicídio alta quando, anualmente, 13 em cada 100.000 pessoas terminam com a própria vida. Assim sendo, Macau já atingiu uma taxa elevada de suicídio. Não se pode negar que o Governo da RAEM deu o seu melhor para implementar mecanismos de salvaguarda dos quatro principais aspectos (pilares) da saúde mental dos residentes – emocional, social, financeiro e saúde física. Estes pilares foram definidos pela Organização Mundial de Saúde através de coordenação inter-departamental entre os Serviços de Saúde, o Instituto de Acção Social e a Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude, e através de colaboração entre organizações e associações de cariz comunitário, para facultar serviços de saúde mental aos residentes. No entanto, face às mudanças no ambiente social e a outros factores, ainda existe margem para aperfeiçoamento da acção do Governo na área do bem-estar psíquico.
Para transformar Macau numa “Cidade do Espectáculo” e numa “Cidade do Desporto” e não numa cidade de tristeza, o Governo da RAEM deve ter sempre muito presente a saúde física, mental e espiritual dos residentes. Enquanto o sector do jogo está a passar por profundos ajustes, o Governo da RAEM deve lutar para criar um clima favorável a todos os negócios e profissões e para criar mais oportunidades de trabalho para os seus residentes. Antigamente, o Governo da RAEM realizava eventos de larga escala no Dia do Trabalhador (1º de Maio) e no aniversário do estabelecimento de RAE de Macau (20 de Dezembro).
Recentemente, foi apresentado um a mega-concerto da boys band Seventeen, da Coreia do Sul, no Estádio do Centro Desportivo Olímpico na Taipa, e a Selecção Nacional de Futebol portuguesa também se deslocou a Macau há alguns anos para treinar, pelo que Macau tem a experiência e o conhecimento para realizar eventos grandiosos. Se o Governo da RAEM dedicar este ano mais energia à criação de eventos desportivos e de entretenimento, acredito que Macau sobreviverá às pesadas restrições auto-impostas.

10 Fev 2024

Dragão

Havia um adágio oriental que dizia: «se é Rato, nunca deixe fugir um Dragão» queria então tal máxima referir-se à grande complementaridade existente entre o roedor e a fera alada de grande ignição. Ora, deixar fugir um dragão, é aspecto de grande monta, sobretudo por um roedor pequenino, todo enervado, e creiam-me, em posse mesmo assim de ilimitados recursos. Mas, vamos a ele! Dragão abre o Ano Lunar Chinês no dia 4 de Fevereiro deste 2024, geralmente é no primeiro dia da Lua-Nova, que o calendário é lunar, nesse arranque marcado por um Bestiário formidável onde as festividades abundam. Buda não convoca os animais para nada, dá-lhes tarefas, impõe-lhes registos, coordena tempos e ainda características, o que é ligeiramente diferente de um Francisco que a todos atende com a mesma benevolência.

A China tremeu há quatro anos no início do Ano do Rato, que sendo como já disse de carácter lunar, se deu por isso um pouco mais cedo, 25 de em Janeiro de 2020, e todos arredaram pé da festa que estava a começar concomitante ao alarme público, daí o trauma ” Ratatouille” que justamente lhes advém, pois não sendo povo de espectro visionário tremia já pela má qualificação das lembranças de anteriores outros anos. Podemos dizer que se perdeu um dos festejos mais bonitos do mundo tendo por epicentro do mal o seu próprio território. Ninguém pensava muito bem na pandemia, mas de como deixar de festejar uma data quase sagrada. Bom, o ano passou, mais tarde outros vieram, como o do Gato que agora se despede (que Gato com Rato pode dar barafunda, mas nada que não se possa solucionar). E agora? Agora, como dizemos em bom (mau) português, é que vão ser elas! Estamos no Ano do Dragão.

Este nosso Dragão é de polaridade Yang, ou seja, imponente, varonil, dogmático, e porque não, na sua extrema composição, titânico. O facto de ser Dragão de Madeira (vários elementos distributivos na mandala) dá-lhe um duplo sentido de ignição, o que pode antever uma labareda que desnorteará ainda mais o mundo, se não tanto, pelo menos tórrido será. E estaremos atentos, que muita coisa vai arder de modo metafórico ou literal, pois que somos chegados ao instante inflamatório mais impactante na rede global. Os pequenos prazeres podem definitivamente estar em causa, pois que, ou serão grandes deleites, ou derrotas totais. Há este afã de totalidade que não nos deixará prosseguir na moleza sedentária, o que pode indicar que estaremos cilindrados em nossos espaços interiores, e nos exteriores, pulverizados. Das coisas boas, é que será certamente um Ano magnânimo. Mas, para onde corremos nesta fogueira acelerativa que troca deuses por escravos, e esquece a benigna capacidade de acender fogueiras?!

Em termos geopolíticos a China enceta a sua inusitada marcha expansionista, a Europa no seu derradeiro emblema, a mudança que é por demais evidente num acelerativo e confuso instante diante de todos a acontecer, que o fogo frio da Rússia ditará ainda um código onde nos precipitaremos como reféns, para que no fim das ilusões nos reste sobreviver da melhor maneira, que o nosso Dragão do ano que inicia trará a borrasca aos enfatuados desperdícios fátuos diante daqueles cuja ilusão só produziu “néons” e clarões artificiais. Estamos agora no sul europeu e as temperaturas são demasiado altas, o que faz prever um Estio quentíssimo por um Dragão cuspindo fogo em nossos flancos, que a energia mantida para aquecimento se fez divisiva na busca de tórridos tormentos e já não aguentaremos o que virá seguido do ardil mucoso deste ser mitológico.

A Oriente há uma encantada festa a ser vivida, e nós seguiremos a flama já um pouco entorpecidos, mas ainda não vencidos. O que virá por aí será de grande monta e de complexas lutas, Putin estará em pleno no seu Ano, e é só levá-lo a respirar no outeiro dos emergentes. Poder-se-ia dizer: cheira a esturro! Mas já estava assim. Por exemplo, em Lisboa cheira a azeitonas. – É o que todos dizem, mas eu, odorífica extremosa, nunca inalei o cheiro de uma azeitona. Se o ridículo matasse nestas latitudes prestes a sucumbirem, há muito que estaríamos todos mortos.

Também vou engalanar-me para o festivo instante, que o Carnaval me derruba, e a torpeza da sua modalidade me é ainda estranha. – Bem-vindo, Dragão. Afinal é o Ano anunciado para todos aqueles que não desejam morrer de tédio, que esta agitação não passa de um aglomerado de espectros em luta contra uma liquidadora mudança que a todos liberte. Piromania à parte, que se dê já por extinta tal doença humana, que vem aí a grande Labareda.

8 Fev 2024

Execução adiada

A semana passada, falámos sobre o caso de um condenado submetido duas vezes ao processo de execução. O caso aconteceu nos Estados Unidos, mais precisamente no Alabama. Da primeira vez, a injecção letal que lhe foi administrada não funcionou. Da segunda vez, foi usado nitrogénio e o prisioneiro morreu por asfixia. Este foi o primeiro caso a nível mundial de utilização deste gás numa execução. Este método causa um sofrimento muito prolongado, o condenado fica em agonia durante 22 minutos. Além disso, o facto de este homem ter passado duas vezes pela experiência de uma execução iminente, implicou que tenha “morrido duas vezes”. Este acontecimento vai contra o princípio “um crime, um castigo” e é injusto para o condenado. No entanto, se tivesse sobrevivido, o Governo teria falhado a missão de fazer cumprir a decisão do tribunal. Se isso tivesse acontecido, o público e a família da vítima teriam ficado revoltados. O Governo Federal estava, portanto, perante um dilema. Mas, o mais importante, é que apenas onze minutos antes da execução, o Governo Federal recebeu a decisão do tribunal que analisou o recurso de prisioneiro, no sentido de confirmar a pena de morte, por isso o estado tinha de agir em conformidade com esta decisão.

Hoje, vamos analisar a pena de morte no Japão e explorar a questão do sentimento dos executores.

Um homem tinha lançado fogo à Japan’s Kyoto Animation Company, no qual morreram 36 pessoas e outras 33 ficaram feridas. O Tribunal Distrital de Kyoto proferiu a sentença no passado dia 25 de Janeiro. O réu foi considerado culpado e condenado à morte. No entanto, existem algumas questões que podem pôr em causa a aplicação da pena de morte. Uma delas prende-se com um dos mais importantes cultos no Japão, o Aum Shinrikyo.

O Governo japonês considerou o líder deste grupo culpado do ataque com gás sarin no metro de Tóquio. Este caso ocorreu em Março de 1995 e provocou 13 mortes e ferimentos em 6.500 pessoas. A 27 de Fevereiro de 2004, o responsável da seita foi condenado à morte. Mas só a 6 de Julho de 2018 é que a execução foi efectuada. A demora foi motivada por recursos sucessivos. Entre o momento do ataque e o momento da execução decorreram 23 anos.

Porque é que esta demora foi tão grande? A comunicação social assinalou que, embora o ministro da Justiça japonês tenha o poder de assinar ordens de execução, para evitar injustiças, muitas vezes recusa-se a assinar. Esta “falta de vontade”, aliada ao facto de o Código Penal japonês dar aos condenados à morte o direito a múltiplos recursos, tem como resultado grandes adiamentos nas execuções.

A longa espera a que ficam sujeitos estes prisioneiros é mitigada por condições de vida muito favoráveis. Desfrutam de instalações limpas, de uma dieta equilibrada e podem apanhar banhos de sol de 15 minutos três vezes por semana. Podem celebrar o Natal e o Ano Novo. Perante a perspectiva da execução, estes condenados têm atitudes diferentes. Alguns trabalham arduamente para juntarem dinheiro para deixar às famílias, mas a maioria vive aterrorizada. O medo da morte tortura-os constantemente. Esta pressão psicológica é um tipo de tortura, que os pode levar à loucura e ao suicídio. Podem andar na cela de um lado para o outro como animais enjaulados, bater com a cabeça nas grades e tentar apanhar as armas dos guardas para se suicidarem. Em 1975, na Prisão deFukuoka, depois de um condenado ter sabido da execução de um companheiro, cortou os pulsos. Depois de ter sido socorrido, foi enviado para um hospital psiquiátrico. Embora o prisioneiro tenha sido salvo, o guarda foi demitido por negligência.

Ao fim desta longa espera, o dia da execução acaba por chegar. Os guardas responsáveis pelo cumprimento da pena recebem o nome de “executores”. Os executores avisam os condenados com uma hora de antecedência. Depois de serem informados, os condenados reagem de maneiras diferentes. Alguns suspiram de alívio, enquanto outros ficam tão aterrorizados que caiem no chão e por vezes ficam incontinentes. Uma hora mais tarde, o prisioneiro pode confessar-se, escrever uma nota para a família, comer qualquer coisa e fumar. Depois disso, é-lhe colocado um capuz e levado para o local de execução. No Japão, os condenados à morte são enforcados. O prisioneiro dirige-se para a forca algemado de mãos e com os pés atados, e fica à espera em cima do alçapão. Três executores primem o botão simultaneamente na sala ao lado, o alçapão abre-se e o condenado é enforcado. A corda estrangula-o, a coluna vertebral quebra-se e morre sufocado.

Numa entrevista transmitida na televisão, um dos executores disse que apenas um dos três botões abre o alçapão e por isso nenhum deles sabe qual foi o responsável pela morte do prisioneiro. O objectivo desta medida é a redução da pressão psicológica dos carrascos. No final, recebem um pagamento suplementar e são compensados com um dia de folga. No entanto, o pagamento que recebem pela execução é gasto em sacrifícios e incenso, e o dia de folga é passadoa visitaras sepulturas dos condenados erezam para que na próxima vida venham a ser pessoas de bem.

Os guardas designados para a execução não têm o direito de recusar e têm de se forçar a aceitar a missão. Quem não conseguir desempenhar esta tarefa tem de se demitir ou pedir a transferência para uma prisão onde não haja execuções. Por isso, quem tem mais probabilidades de ser escolhido para esta função são guardas com mais de dez anos de experiência, que não tenham familiares hospitalizados, que não estejam a planear casar-se e, no caso de serem mulheres, que não estejam grávidas, porque estas pessoas pela sua experiência e condições familiares reúnem condições para ser menos afectadas por esta tarefa ingrata.

Se a pena de morte significa a aplicação da justiça e o conforto da família das vítimas, então não deverão os Estados Unidos equacionar forma de não se voltar a repetir o caso do condenado do Alabama que “morreu duas vezes”? Qual a solução? Como é que o Japão deve lidar com a demora na execução das penas de morte? É obrigação dos executores fazer cumprir a sentença, pelo que recebem um pagamento adicional. Estes pagamentos podem apaziguá-los e acalmar a sua “confusão interior”? Que método pode reduzir a ansiedade dos executores? Em Macau e Hong Kong, duas cidades onde não existe pena de morte, só podemos especular sobre os sentimentos dos condenados à morte e dos seus executores a partir do que lemos nos jornais. Até que ponto os podemos entender? Quais são os nossos sentimentos?

6 Fev 2024

Macacadas portistas

Entre 2013 e 2018, quando o Sport Lisboa e Benfica conquistou vários campeonatos nacionais de futebol, lembro-me perfeitamente do que li por parte dos detractores do Benfica. Essencialmente, que o Benfica “comprava” os árbitros e essa era a razão de tantos títulos. Esqueciam-se os críticos que o Benfica teve durante essas vitórias, dos melhores jogadores que passaram por Portugal. Mas, esqueceram-se do fundamental: que o presidente do FC Porto foi levado a tribunal como suspeito do famoso caso ‘Apito Dourado’ e da “fruta” para os árbitros. Recordo-me perfeitamente que nessa altura, Pinto da Costa entrou no tribunal ladeado e protegido por um grupo enorme pertencente à claque oficial do FC Porto, os chamados ‘Super Dragões’, onde já figurava Fernando Madureira, mais conhecido pelo ´macaco’, como chefe da claque. Constatou-se em 2018 que os portistas tinham memória curta quando criticaram as vitórias do Benfica com a “ajuda” dos árbitros.

Na semana passada, este facto mereceu a recordação de tudo o que se passou nas hostes portistas quando a PSP entrou pela casa de Madureira, fez buscas, encontrou grande quantidade de dinheiro, de drogas, de material pirotécnico e uma arma, para além de os telemóveis seu e da sua mulher, os quais devem ter dado aos investigadores imenso conteúdo comprometedor entre Madureira e a Direcção da SAD do FC Porto. A verdade é que foram 12 pessoas detidas ligadas a Madureira e ao FC Porto. Inclusivamente Madureira e sua mulher declaravam às Finanças um rendimento mensal de dois mil euros e, no entanto, estão a construir uma casa no valor de milhões de euros junto à praia de Gaia.

Naturalmente que este caso não é virgem. Madureira já esteve incluído há mais de 15 anos em vários processos judiciais e ao livrar-se da prisão convenceu-se em absoluto que seria intocável porque tinha a protecção do presidente do FC Porto. E esta acção policial teve a ver precisamente com a última Assembleia-Geral dos portistas onde o grupo de Madureira – às ordens de funcionários do FC Porto que foram agora detidos – agrediu e ameaçou quantos se encontravam no pavilhão e que fossem adeptos da candidatura de André Villas-Boas à presidência do FC Porto. O grupo de Madureira, o célebre ´Super Dragões´, por diversas vezes já tinha ameaçado um grande número de adeptos de outros clubes, jogadores do FC Porto que desejavam deixar o clube, um treinador estrangeiro e árbitros que se negavam a deixar-se corromper. O volume de acções alegadamente criminosas teve agora o seu epílogo nesta “Operação Pretoriano”, um nome que eu apenas entendo dirigir-se directamente ao patrão Pinto da Costa, já que a esquadra pretoriana de Madureira teve sempre as costas quentes do presidente portista.

Em face deste escândalo, contactámos uma fonte amiga policial do Porto que nos disse: “Ó meu caro, as acusações ao macaco e ao seu grupo são mais que muitas, existem provas de venda de drogas, de controlo de prostituição de brasileiras, de branqueamento de capitais, de milhares de euros escondidos em casa incluindo atrás do televisor e no interior do sofá, de vendas de bilhetes para jogos a um preço excessivo, fuga ao fisco, ameaças a colegas meus que realizavam patrulhamento junto dos estádios, compra de carros de topo de gama sem justificação coincidente com os rendimentos declarados à Autoridade Fiscal e não tenho dúvidas que haverá mais pessoas a serem nomeadas como arguidas e para se fazer justiça o macaco terá de ficar em prisão preventiva”.

Esta opinião demonstra bem que não se trata de uma simples claque que ia para os estádios de futebol gritar em apoio ao seu clube. O caso poderá ser muito mais grave quando a investigação do Ministério Público apresentar provas ao tribunal que na estrutura do FC Porto é que as ordens eram dadas ao grupo de Madureira.

Obviamente que há um portista que respira de alívio e estará a pensar que os seus apoiantes não irão ter receio de votar em si. Falamos de André Villas-Boas a quem os seus apoiantes, por mais que uma vez, lhe transmitiram ter receio em ir votar nas próximas eleições para a presidência do FC Porto devido às ameaças que andavam a receber dos cabecilhas do grupo de Madureira agora detidos.

À hora que escrevemos esta crónica, os detidos continuavam a ser ouvidos pelo juiz de instrução criminal e as nossas fontes informaram-nos que alguns dos detidos não queriam falar à justiça, mas que o advogado de Madureira tinha-o convencido a prestar declarações. Tudo está em aberto no que deu muito que falar durante a última semana e os interrogatórios poderão ir até entre hoje e quarta-feira, contudo, o que se pode extrair deste facto é que as claques “oficiais” não têm razão de existir e que o futebol deve ser um espectáculo desportivo pacífico e ao qual os pais possam levar os seus filhotes sem medo de violência nas bancadas.

5 Fev 2024