Natal: uma calamidade desejada

Muito se escreveu já sobre a possibilidade de as baleias se suicidarem. Parece que é mesmo pura ilusão desta nossa espécie que é, ao mesmo tempo, a maior predadora do planeta e a única com real vocação suicidária. Antonio Petri, professor da universidade de Cagliari, analisou mais de um milhar de estudos de caso publicados ao longo de quatro décadas e não encontrou quaisquer provas de que os animais, baleias incluídas, praticassem suicídio de um modo consciente.

O fenómeno do suicídio colectivo ou, mais exactamente, da arte da entrega ao suicídio colectivo, é exclusivamente humano e não faltam seitas religiosas e narrativas mitológicas para o documentar. É evidente que a vastíssima genealogia das guerras é uma parte seminal deste escol. A ‘Ilíada’ é porventura o texto em que o corpo a corpo na guerra é mais delirantemente colocado a nu, mas sempre com um pano de fundo encantatório. A entrega ao sangue surge naqueles combates de centenas e mais centenas de páginas como o supra-sumo de uma glória maior.

Até ao início do século passado, mais concretamente até ao simbólico ano de 1914, era ainda normal a população vir para as ruas saudar e festejar a partida dos soldados para as frentes de guerra. As guerras sempre aconteceram em nome duma aura colectiva, fosse o filtro a graça divina, o que aconteceu durante séculos no mundo pré-moderno, fosse o filtro uma nuvem nacionalista ou ideológica, já no alvor do ocidente moderno. Logo no início de ‘Viagem ao fim da noite’, Céline, com aquela sua ironia e escárnio habituais, focava este ambiente: “Era um nunca mais acabar de ruas e ruas, e dentro delas ainda os civis e as suas mulheres que nos gritavam encorajamentos, que atiravam flores nas esplanadas, em frente das estações de igrejas repletas. Quantos patriotas ali havia!”.

Em Portugal, antes de a primeira grande guerra mundial se iniciar, Jaime Cortesão também apelou profeticamente à grande batalha com argumentos “civilizacionais” a par da “livre e democrática” Inglaterra e em nome da “grande, bela e generosa” França e contra a Alemanha “imperialista e militarista” e a Áustria “católica e déspota”. Apontando no mesmo sentido, Augusto Casimiro evocava “dois princípios hostis: a liberdade generosa e a força tirânica”. Teixeira de Pascoaes, referindo a antiga aliança anglo-portuguesa, escrevia que o “passado vela pelo futuro” e concluía que a sorte da Inglaterra e da França seria sempre a sorte de Portugal. Teófilo Braga temia, pelo seu lado, a perda da “ocidentalidade”, enquanto alicerce do equilíbrio europeu. Raul Proença apelou mesmo à “mobilização moral dos portugueses” com o objectivo de se criar um “nexo patriótico” que sustentasse a campanha portuguesa na guerra. Por fim, Leonardo Coimbra via a guerra como o “esforço transcendente das forças espirituais” contra “a vertigem materialista do mundo moderno”*.

Enfim, a intelectualidade portuguesa estabelecida teria a consciência dos efeitos de todos estes apelos e sentava-se tranquilamente no palanque que Céline descreveu no seu mítico romance, mas, apesar disso, a história acabou por falar mais alto. E sabe-se bem como. Esta tendência de entrega generalizada ao sacrifício (ou mesmo ao suicídio) nem sempre se revestiu de uma aura bélica. Há uma longuíssima história sobretudo de rituais que fazem jus a esta atracção colectiva pelo que diríamos ser de calamidade própria. Joana Guimarães, num ensaio sobre suicídios colectivos, referiu a abundância do tema na mitologia grega (é o caso, entre outros, de Praxítea, Aglauro, Alciónidas, Cicno, Híades, das filhas de Erecteu e de Cécrops ou das companheiras de Erígone)*. Poderíamos juntar a este caudal, entre muitíssimos outros e com a devida diversidade, as tradições dos sacrifícios astekas, o haraquiri nipónico ou mesmo os estranhos acontecimentos de Jonestown em 1978.

Se todos estes casos surgem como exóticos, datados ou próprios de um alhures (situados no território do ‘outro’, isto é, fazendo parte daquilo que nós ‘não’ somos), pode crer, caro leitor, que existem casos deste teor que se passam connosco, mesmo na nossa frente e com um golpe de asa tão translúcido – e tido como normal – que quase passam incólumes ou invisíveis. Foi o caso da estratégia do governo português para a pandemia, tal como foi delineada no início do outono passado e que foi secundada por todos (repito: todos) os partidos políticos existentes no país.

Fiquei estupefacto, quando, em Outubro passado, o PM e o ministro da economia, cada um à sua maneira, apareceram nas televisões a dizer que a estratégia anti-pandémica do governo passava por “salvar o natal”, sabendo-se que estávamos à distância de pouco mais de um semestre para que o processo de vacinação começasse a produzir alguns efeitos. Cálculos matemáticos publicados pouco depois disso referiam um desmedido número de mortos e um grande número de infectados, caso se optasse por não anunciar medidas restritivas no natal. Unânimes e conscientes do sacrifício colectivo, a medida de ‘liberalização’ avançou. É evidente que tudo o que agora está a acontecer em Portugal tem essa estranhíssima decisão como fonte primeira.

Em vez de se convidar o povo a festejar (criativamente) o natal em Junho ou em Julho de 2021, o peso pesado do ritual foi de tal monta que agora bastar-nos-á infelizmente contar os mortos, fazer um confinamento redobrado – que meio mundo está a levar a brincar – e observar as misérias e as falências em série e em catadupa que se esperam. Tudo podia ter sido evitado, se não fosse essa bizarra obsessão chamada natal. Talvez seja exagerado dizer que se tratou de um verdadeiro crime, pois os humanos, como se viu, estão talhados para este tipo de arte da entrega ao sacrifício colectivo. Valha-nos, pois, o ouro muito escuro – escuríssimo – desse saber que dá pelo nome de antropologia.

*Castro Leal, E. ‘Narrativas e Imaginários da 1º grande guerra – O Soldado-Saudade português nos nevoeiros de morte’ em ‘Revista de História das Ideias’, Coimbra, 2000, p. 445.
*Guimarães, Joana. Suicídio mítico: uma luz sobre a antiguidade clássica. Publicado por: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos; Imprensa da Universidade de Coimbra URL persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/2325 (acesso: 14-Jan-2021 18:42:12)

FRC | Evento de Ano Novo Chinês marcado para terça-feira

A Fundação Rui Cunha (FRC) organiza na próxima terça-feira, dia 28, um evento sobre o Ano Novo Chinês que se avizinha, intitulado “Fai Chun – Oferta de Papéis Votivos”, em que o público poderá escolher as mensagens de boa sorte escritas em caligrafia chinesa. A actividade é gratuita e decorre entre as 10h e as 16h.

Os votos de boa sorte e prosperidade têm a orientação de 28 mestres calígrafos de Macau, como Ung Choi Kun, Ng Pio (Yum Fung Chan),Yum Wing On, Yuen Wai Sang, Ho Lai Sim, entre outros, que vão estar presentes na galeria da FRC. O evento é organizado em parceria com a Associação dos Amigos de Poesia do Jardim da Flora.

Fai Chun (揮 春) é uma decoração tradicional, frequentemente usada durante o Ano Novo Chinês, que marca a chegada da época primaveril, e que em português se pode traduzir por “Onda de Primavera”. As pessoas colocam os Fai Chun nas portas das suas casas para criar uma atmosfera festiva e jubilosa, já que as frases caligrafadas significam boa sorte e prosperidade. Normalmente, os Fai Chun são escritos à mão, mas as versões impressas são, hoje em dia, mais convenientes e produzidas em larga escala. Podem ser quadrados ou rectangulares e pendurados na vertical ou na horizontal, geralmente aos pares. Não existem apenas na China, mas também na Coreia, Japão e Vietname.

Os Fai Chun tradicionais são de cor vermelha, com caracteres pretos ou dourados inscritos a pincel. Semelhante à cor do fogo, o vermelho foi escolhido para assustar a lendária besta feroz “Nian”, que devorou as colheitas dos aldeões, o gado e até os próprios camponeses na véspera de ano novo. Daí a tradição de proteger as casas com os melhores votos festivos para o ano que se segue.

Segundo o calendário chinês, este é o ano do Búfalo de Metal e começa a 12 de Fevereiro, terminando a 31 de Janeiro de 2022. O búfalo é o segundo signo no ciclo de 12 anos do zodíaco chinês.

Orquestra de Macau | Centro Cultural acolhe Concerto do Dia dos Namorados

A pensar no amor e na brisa primaveril, a Orquestra de Macau apresenta a 26 de Fevereiro o “Concerto do Dia dos Namorados” no Grande Auditório do Centro Cultural, que inclui interpretações de bandas sonoras de clássicos de Hollywood. Ao longo de Fevereiro serão ainda realizados quatro concertos gratuitos de música clássica um pouco por toda a cidade

 

Apesar de todos os constrangimentos o espectáculo vai continuar, sobretudo quando o tema principal é o amor. No próximo dia 26 de Fevereiro, a Orquestra de Macau vai apresentar o “Concerto do Dia dos Namorados – Amor na Primavera”.

O espectáculo, que será dirigido pela Maestrina Principal da Orquestra Sinfónica de Guangzhou, Jing Huan, e o jovem violinista Mengla Huang, irá decorrer no Grande Auditório do Centro Cultural de Macau pelas 20 horas.

Recorde-se que, de acordo com um comunicado do Instituto Cultural (IC), o concerto contava inicialmente com a participação do maestro Christoph Poppen e a violinista Mayumi Kanagawa. Contudo, os dois artistas não podem deslocar-se a Macau devido às restrições impostas pela pandemia.

Um dos destaques da programa do “Concerto do Dia dos Namorados” vai para a apresentação da obra de Korngold, compositor austríaco naturalizado americano, que ficou conhecido por ter dado vida à banda sonora de inúmeros clássicos de Hollywood.

O “Concerto para Violino em Ré Maior, Op. 35. Korngold“ é a obra-prima do compositor que poderá ser apreciada no Centro Cultural de Macau, sendo composta por três andamentos, cada um dedicado à banda sonora de um filme. “Another Dawn”, “Anthony Adverse” e “The Prince and the Pauper” são os filme incluídos na mostra.

Além de música para cinema, o programa do concerto inclui a Sinfonia N.º 1 em Si bemol Maior, op. 38 de Schumann, a primeira escrita pelo compositor romântico após casar com a sua esposa, Clara. Segundo o IC, a obra é vista como “uma reflexão da ‘Primavera da vida de Schumann’, evidenciando a pureza e a felicidade de um relacionamento romântico”.

Os bilhetes para o “Concerto do Dia dos Namorados – Amor na Primavera” já se encontram à venda. Quem estiver interessado por recorrer à Bilheteira Online de Macau e aos balcões respectivos. Os preços variam entre 150 e 250 patacas.

Para os meus ouvidos

Além do concerto dedicado aos namorados, ao longo de Fevereiro, a Orquestra de Macau vai promover três concertos dedicados à música clássica, todos gratuitos.

O primeiro, intitulado “Expresso Clássico”, terá lugar no dia 6 de Fevereiro no Pequeno Auditório do Centro Cultural e ficará a cargo do Maestro Assistente da Orquestra de Macau, Francis Kan, que irá “guiar o público ao longo de uma viagem pelo mundo da música clássica, através de interacções animadas e intrigantes”. Para requisitar os bilhetes gratuitos é necessária uma inscrição, que pode ser feita no website da Orquestra de Macau.

No dia 20 de Fevereiro, segue-se o concerto “Música no Museu de Arte”, integrado na exposição “Renascer à Brisa da Primavera: Exposição de Arte de He Duoling”, mostra que pode ser vista no mesmo espaço. Durante a actuação, a Orquestra de Macau irá apresentar obras de Shostakovich, o compositor preferido de He Duoling.

No mesmo dia, a Biblioteca da Taipa irá acolher pelas 17h30 o concerto “Música na Biblioteca”, onde serão apresentadas obras ligeiras de Mozart e Boccherini e ainda jogos interactivos, com o objectivo de cativar os mais novos. A entrada para ambos os concertos é livre, não sendo necessária reserva.

Nota ainda para o cancelamento do concerto “Flauta Melodiosa – Tributo a Mozart”, programado originalmente no dia 5 de Fevereiro. Segundo o IC, o cancelamento está também relacionado com a “impossibilidade de os artistas estrangeiros se deslocarem a Macau”, devido à pandemia.

Deputado Lam Lon Wai associa crimes sexuais a pobreza

O deputado Lam Lon Wai submeteu uma interpelação oral em que se mostra preocupado com crimes de abuso sexual no território, considerando que o poder económico da população pode ter influência neste contexto.

“Provavelmente, o surgimento desses casos imorais que envolvem crianças e alunos tem a ver com o facto de a população ‘navegar mais na net’ em casa e com a mudança da situação socioeconómica após a epidemia, o que resultou na alteração emocional de algumas pessoas”, escreve o deputado. Assim, sugere que os serviços públicos se juntem a associações para cuidar de quem teve rendimentos afectados pela epidemia e conhecer a sua situação.

Além disso, questionou se o Governo vai reforçar a supervisão e controlo de “informações negativas”, e sensibilizar menores que facilmente acedem a material questionável na internet.

Por outro lado, o também subdirector da Escola para Filhos e Irmãos dos Operários, onde houve um caso suspeito de abuso sexual por parte de um professor, quer uma análise das causas e características dos crimes sexuais mais frequentes nos últimos anos. “A fim de garantir a privacidade da vítima e evitar causar-lhe nova ofensa, o Governo vai aperfeiçoar a recolha de provas e reforçar serviços de aconselhamento e tratamento psicológico da vítima e das pessoas próximas?”, quer ainda saber.

Na interpelação oral, Lam Lon Wai apontou que embora Macau já tenha educação sexual, o objectivo inicial é a auto-protecção e pedido de ajuda depois do sucedido, mas que os jovens não têm capacidade para lidar com os riscos. No seu entender, a “formação de sobrevivência” deve ser incluída na educação, para que os alunos saibam como lidar com situações de emergência e “serem capazes de fugir do perigo”.

Detido residente envolvido em empréstimos ilegais milionários

Um residente de Macau envolvido num esquema de agiotagem foi ontem entregue à Polícia Judiciária pelas autoridades do Interior. Outros cinco suspeitos foram detidos em Junho de 2019. O grupo fazia parte de uma rede criminosa que operou durante quatro anos oferecendo empréstimos ilegais de mais 25 milhões de dólares de Hong Kong

 

As autoridades do Interior da China entregaram ontem à Polícia Judiciária (PJ) um residente de Macau suspeito de fazer parte de uma rede criminosa que se dedicava à agiotagem através de uma plataforma de empréstimos ilegais.

O homem foi detido em Zhuhai a 24 de Junho de 2020, depois de ter fugido de Macau a 12 de Maio de 2019. Ao todo, a rede criminosa que operou durante quatro anos, entre 2015 e 2019, ofereceu empréstimos ilegais de mais 25 milhões de dólares de Hong Kong.

Numa conferência de imprensa realizada no posto fronteiriço das Portas do Cerco e onde foi possível assistir à entrega do suspeito às autoridades de Macau, a porta-voz da PJ revelou que o suspeito de 33 anos detido em Zhuhai é o autor moral dos crimes de usura, associação criminosa e branqueamento de capitais alegadamente cometidos pela rede que fazia empréstimos ilegais. De acordo com a PJ o suspeito aproveitava “diversos pretextos” para convencer as vítimas com condições de crédito rápidas, acabando, posteriormente por cobrar 10 por cento de juros por cada operação.

Além disso, para materializar o processo, o suspeito exigia às vítimas que depositassem o dinheiro dos juros numa conta bancária aberta para o efeito. Contas feitas, terão sido oferecidos empréstimos ilegais a 61 pessoas, num valor de mais de 25 milhões de dólares de Hong Kong. No total, 200 pessoas terão pedido empréstimos à associação criminosa, revelou a PJ.

Questionada sobre o facto de, durante a entrega, a identidade do suspeito não ter sido preservada como habitualmente, com o uso de uma máscara protectora, a porta-voz da PJ apontou que a decisão foi do próprio suspeito.

A peça que falta

Recorde-se que a detenção do suspeito entregue ontem às autoridades de Macau vem no seguimento da detenção de outros cinco suspeitos envolvidos na mesma rede criminosa, detidos no dia 24 de Junho de 2019 pela PJ.

De acordo com um comunicado oficial, na altura, a PJ mobilizou 18 investigadores para deter quatro indivíduos locais em quatro apartamentos e em duas lojas situadas em diferentes zonas da cidade, incluindo o cabecilha e os elementos principais da rede. O quinto suspeito acabou por ser interceptado no Aeroporto Internacional de Macau, tendo sido também apreendidos vários instrumentos utilizados para a prática do crime e documentos referentes aos empréstimos.

Segundo a mesma nota, a PJ começou a receber denúncias de residentes e de serviços públicos desde Junho de 2017, nomeadamente da Autoridade Monetária de Macau, da Direcção dos Serviços de Economia e do Instituto para os Assuntos Municipais, indicando que uma agência financeira estaria a oferecer serviços de empréstimos ilegais.

Durante a conferência de imprensa de ontem, a PJ revelou ainda que uma pessoa envolvida no caso, continua a monte e que, por isso, a investigação prossegue.

Caso se confirmem as acusações, o suspeito pode ser punido com pena de prisão entre 1 a 5 anos pelo crime de usura, entre 5 a 12 anos pelo crime de associação criminosa e de limite máximo superior a 3 anos pelo crime de branqueamento de capitais.

Central nuclear | SPU diz que incidente operacional não foi grave

O Gabinete da Comissão de Gestão de Emergência Nuclear da Província de Guangdong comunicou aos Serviços de Polícia Unitários (SPU) de Macau uma ocorrência na Central Nuclear de Ling Ao. O aviso às autoridades locais foi feito ontem, cinco dias depois de a situação ter sido detectada numa inspecção. Em comunicado, os SPU indicam que o incidente “não afectou o funcionamento, segurança da central, saúde do seu pessoal operacional, da população e do ambiente adjacente à central”.

Dia 15 deste mês, foi detectado numa inspecção periódica ao sistema contra incêndio da fábrica de motor de gasóleo de uma unidade da central nuclear que os resultados de uma parte das amostras do líquido de espuma não satisfaziam o padrão exigido. Dois dias depois, os operadores renovaram o líquido conforme o procedimento e a qualidade voltou ao normal. Durante essas operações, a unidade manteve-se em condições de segurança.

De acordo com os SPU, a Companhia de Energia Nuclear da Baía de Daya comunicou atempadamente o sucedido à entidade nacional fiscalizadora da segurança nuclear. Segundo a Escala Internacional de Acidentes Nucleares (INES), a ocorrência foi classificada na terça-feira como incidente operacional de nível 0, que é considerado como um desvio. “Serve essencialmente para a correcção de desvios e retorno de experiências”, explicam os SPU.

Governo está a analisar mais de 700 opiniões para projecto da Biblioteca Central

Os projectos para a nova Biblioteca Central, que vai ocupar o lote do antigo Hotel Estoril, geraram mais de 700 opiniões de residentes. Mok Ian Ian estima que sejam precisos dois meses para analisar os pareceres. A presidente do Instituto Cultural falou do projecto da biblioteca à margem da cerimónia de abertura da 20ª edição do Festival Fringe

 

A Presidente do Instituto Cultural (IC), Mok Ian Ian, revelou ontem que foram recebidas mais de 700 opiniões de residentes sobre os projectos propostos para a nova Biblioteca Central. Além disso, o Governo convidou especialistas de construção civil para apresentarem pareceres profissionais. Mok Ian Ian indicou ainda que, em princípio, será possível fazer o balanço das opiniões recolhidas no espaço de dois meses, após o qual se vai “fixar um plano final”.

De acordo com a representante do IC, os temas centrais aos quais os residentes prestam atenção prendem-se com as instalações vizinhas da biblioteca, bem como a sua função. Além disso, destacou que alguns deputados estão atentos ao custo da construção, mas que o orçamento só poderá ser feito depois da selecção do projecto. “Ainda estamos a fazer uma análise sobre a biblioteca e achamos que é ideal termos um plano ecológico de construção”, disse Mok Ian Ian. A previsão inicial é de que o edifício fique construído em 2025.

Estão a ser equacionados projectos de quatro equipas de arquitectos internacionais: Mecanoo (Holanda), ALA (Finlândia), Grafton Achitects (Irlanda) e Herzog & de Meruon (Suíça). Quando os projectos conceptuais para a biblioteca foram apresentados, o Instituto Cultural indicou que a área bruta pode atingir mais de 10 mil metros quadrados, com o edifício da Biblioteca Central a ocupar o lote do antigo Hotel Estoril.

Arranque do Fringe

Mok Ian Ian falou à margem da cerimónia de abertura da 20ª edição do Festival Fringe. “Tivemos em conta que o impacto da epidemia vai durar, por isso nesta edição convidámos artistas locais, ocupando uma proporção de mais de 80 por cento. (…) Claro que há impedimentos para convidar artistas estrangeiros, mas com as novas tecnologias podemos ultrapassar muitos impedimentos”, descreveu. Uma das formas encontradas para contar com a participação de artistas do exterior foi a realização de conferências online.

Até dia 31 de Janeiro, a cidade vai contar com 18 programas e 16 actividades de extensão, depois do cancelamento do workshop de dança “Combstrength Technique in Body Playground”.

Durante a primeira semana podem encontrar-se programas da série “Crème de la Fringe: On Site”, que apresenta dança contemporânea em diferentes espaços da cidade, ou “Vida em suspenso: uma instalação performativa em 5 capítulos”, que permite ao público reflectir sobre o significado de ser vítima ou agressor.

DSEC | Apenas 27% dos comerciantes com melhorias em Novembro

De acordo com Inquérito de Conjuntura à Restauração e ao Comércio a Retalho referente a Novembro de 2020, 27 por cento dos comerciantes declararam que o volume de negócios cresceu ou estabilizou em relação ao mês anterior. Contudo, o registo reflecte a melhoria de dois pontos percentuais, comparativamente com o mês de Outubro de 2020.

Detalhando, segundo os dados divulgados ontem pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC), o volume de negócio de 33 por cento dos comerciantes de joalharia e 15 por cento dos retalhistas do sector do vestuário para adultos subiram 17 e 10 pontos percentuais, respectivamente. Em sentido contrário, o volume de negócio de 67 por cento dos supermercados diminuiu 22 pontos percentuais.

Quanto à restauração, o volume de negócios de 28 por cento dos proprietários entrevistados da restauração aumentou ou estabilizou, em termos anuais, tendo esta proporção descido 2 pontos percentuais, face à de Outubro.

AMCM | Reserva financeira sobe para 620 mil milhões

A reserva financeira de Macau subiu em Novembro de 2020 para 620 mil milhões de patacas, segundo dados divulgados ontem em Boletim Oficial. Segundo a nota, a Reserva Financeira de Macau é maioritariamente composta por depósitos e contas correntes no valor de 269,2 mil milhões de patacas, títulos de crédito no montante de 184,6 mil milhões de patacas e até 163,69 mil milhões de patacas em investimentos subcontratados.

Recorde-se que a Autoridade Monetária de Macau já indicara que os valores dos capitais da Reserva Financeira tinham atingido os 579 mil milhões de patacas em 2019 e os 597 mil milhões de patacas no primeiro semestre de 2020.

De referir ainda que, no ano passado, o Governo foi obrigado a injectar dinheiro da Reserva Financeira no Orçamento para suportar a despesa extraordinária resultante do pacote de estímulos à economia, afectada pela crise causada pela pandemia do novo coronavírus, e que se traduziu num plano sem precedentes de ajuda e benefícios fiscais dirigidos à população e às pequenas e médias empresas.

Habitação para idosos | Governo promete rendas abaixo do mercado

Hon Wai, presidente do Instituto de Acção Social (IAS), garantiu, em resposta a uma interpelação escrita da deputada Song Pek Kei, que as rendas cobradas nos edifícios residenciais para idosos serão abaixo dos valores praticados no mercado. “A renda das fracções dos edifícios residenciais para idosos será ligeiramente inferior ao preço do mercado, para que os idosos possam suportar as despesas.”

Além disso, o Governo promete dar prioridade aos idosos que sejam proprietários das suas habitações ou que residam em edifícios antigos e que tenham “capacidade para se cuidarem”. Estes “podem viver nos edifícios residenciais por arrendamento e colocar as suas fracções no mercado de arrendamento”, adiantou Hon Wai.

O IAS adiantou ainda que o projecto de construção dos edifícios residenciais para idosos, no lote P da Areia Preta, poderá estar concluído no prazo de três anos e meio, proporcionando 1800 apartamentos de tipologia T0. “Vão ser criadas condições de acessibilidade, integrada tecnologia destinada à terceira idade, possibilitar acomodação autossuficiente. Será também construído um centro de dia para seniores e serviços de apoio e de cuidados domiciliários”, adiantou Hon Wai na resposta à deputada.

Plano Director | Rui Leão lamenta ausência de relação com dados estatísticos

Rui Leão critica a ausência de dados estatísticos no Plano Director, actualmente em consulta pública. O arquitecto considera que a falha pode afectar a política de diversificação económica e aponta também o dedo ao plano de transportes. O Plano Director voltou a ser discutido ontem num debate promovido pela Câmara de Comércio Britânica em Macau

 

Sem dados estatísticos ou relação com as políticas urbanísticas para o território, o Plano Director não terá o efeito desejado. Esta foi uma das ideias apresentadas pelo arquitecto Rui Leão num debate promovido ontem pela Câmara de Comércio Britânica em Macau sobre a política urbanística de fundo, que se encontra actualmente em consulta pública.

Ao HM, o arquitecto disse que está “preocupado com a ausência quase total de dados estatísticos” no Plano Director. “Se não existem é preocupante, se existem e não foram partilhados na consulta pública é menos grave. Mas isso faz com que as opiniões emitidas pela sociedade civil não vão muito longe.”

Rui Leão destaca o facto de o plano prever o aumento da população para 850 mil pessoas sem definir se se trata de mão-de-obra importada ou residentes. “Há um aumento da população de forma artificial, essa importação de mão-de-obra é destinada a quê? Interessa perceber como é que o plano director pensa na questão da diversificação da economia ou no aumento da monofuncionalidade do jogo.”

Para o arquitecto, o plano director deve “fazer essa reflexão, sobre a forma como a cidade se vai organizar para dar resposta a essa diversificação”. Se não o faz, “é mais uma oportunidade perdida para tentarmos criar uma sociedade e economia mais eficientes”.

Pensar só a cinco anos

Rui Leão abordou também a necessidade de o Plano Director apresentar uma estratégia para os próximos 20 anos para a rede de transportes, o que não acontece na proposta, em especial para o Metro Ligeiro. “O plano apresentado é muito insuficiente e só faz sentido como uma solidificação da linha que já existe.”

Para o arquitecto, o Plano Director não pode ser apenas “uma quantificação de terrenos e transportes”. “Transportes para quem? Não sabemos quem são as 850 mil pessoas. Onde fazem falta os transportes, quais são as redes? Isso deveria estar definido como estratégia, inserido no plano, e eu não vi isso.”

O arquitecto lembra que “não se pode esperar que a primeira fase de uma rede de metro dê respostas à cidade”. “Este projecto tem uma ligação importante nas Portas do Cerco e na ponte para Hong Kong, uma passagem forte pela zona norte, liga à Taipa e cria uma infra-estrutura muito antecipada para as zonas de aterro, o que também é uma estratégia muito interessante. Só que é uma estratégia com cinco anos de visão”, frisou.

O debate contou ainda com a presença de Christine Choi, presidente da Associação de Arquitectos de Macau, mas até ao fecho da edição não foi possível estabelecer contacto. A moderação coube ao jornalista José Carlos Matias.

UM | Assinado acordo para divulgação da Lei Básica

A Associação de Divulgação da Lei Básica de Macau assinou um acordo de cooperação com o Centro de Estudos da Lei Básica e Direito Constitucional da Universidade de Macau, com o objectivo de reforçar os estudos e divulgação da Lei Básica e Direito Constitucional nas escolas primárias, secundárias, institutos superiores e sociedade.

“Com o acordo de cooperação com o Centro, contribuímos nos esforços para aprofundar os estudos e divulgação educativa, que são uma necessidade real e cujo significado é profundo”, afirmou o presidente da direcção da associação, Chui Sai Cheong. No seu entender, a Lei Básica e o Direito Constitucional elaboram o fundamento constitucional da RAEM, constituindo “pedras basilares” do princípio “Um País, Dois Sistemas”.

O reitor da Universidade de Macau, Song Yonghua, apontou que a cooperação nesta área pode trazer vantagens de complementaridade porque a associação tem experiência abundante na divulgação da Lei Básica e Direito Constitucional, enquanto a universidade contribui a vertente do ensino. Song Yonghua explicou que se criaram cursos obrigatórios da Lei Básica e do Direito Constitucional para os alunos da licenciatura de Direito, enquanto para outras licenciaturas foi criado um curso obrigatório de conhecimento geral.

Covid-19 | Faz amanhã um ano que Macau registou primeira infecção

Foi a 22 de Janeiro de 2020 que Macau registou o primeiro caso de contágio de covid-19, de uma mulher oriunda de Wuhan. O Governo adoptou então medidas urgentes, muitas delas inéditas, como o fecho dos casinos. Hoje, Macau está no fim da lista dos países em termos do número de casos de covid-19 e sem óbitos

 

Macau foi um dos primeiros territórios a identificar infectados com o novo coronavírus, mas é hoje um dos locais mais seguros do mundo, sem registar contágios há cerca de sete meses.

Os dados oficiais dão força à campanha que as autoridades têm procurado passar de um território livre de covid-19: há cerca de sete meses sem registar casos, há quase dez meses sem identificar contágios locais, sem contabilizar qualquer morte ou infecções entre profissionais de saúde.

De resto, é preciso olhar para o ‘ranking’ da plataforma ‘online’ Worldmeter, que reúne as estatísticas mundiais sobre a pandemia, para descobrir Macau no fundo da tabela de casos e óbitos, concorrendo com territórios como as Ilhas Salomão, Samoa, Micronésia, Vanuatu, Cidade do Vaticano e Ilhas Marshall.

A 22 de Janeiro as autoridades de saúde anunciaram o primeiro caso, uma mulher natural da cidade de Wuhan, onde se crê que a pandemia teve origem. Um padrão nas diferentes vagas, em que foram identificados dois contágios locais relacionados com os casos importados: a celeridade das medidas e das restrições decididas pelas autoridades, tanto fronteiriças como dentro do território, com destaque para o inédito encerramento dos casinos.

No final de Janeiro, dois dias após ter sido detectado o primeiro caso em Macau, as autoridades avançaram para a venda racionada de máscaras, cujo uso se tornou obrigatório nos transportes públicos e nos serviços públicos. A cada dez dias, cada pessoa pode adquirir dez máscaras em cerca de meia centena de farmácias convencionadas no território, a um preço reduzido: oito patacas.

Reacções rápidas

Logo no início de Janeiro, mal Pequim decidiu avisar o resto do mundo sobre o vírus altamente contagioso identificado em Wuhan, Macau avançou para o reforço da medição da temperatura corporal nos postos fronteiriços, com a medida a alastrar para quem quisesse entrar nos casinos, serviços públicos e, mesmo hoje, em alguns casos, simplesmente no acesso às habitações.

Em Março, em entrevista à Lusa, um representante dos serviços de saúde explicou que 40 por cento dos casos tinham sido detectados precisamente através da medição da temperatura corporal, uma decisão que se pode também explicar pela experiência em outros ‘combates virais’, como foi o caso em 2009/2010, com a gripe suína.

Macau fechou então escolas, estabelecimentos de diversão nocturna e espaços desportivos, remeteu os funcionários públicos para o teletrabalho e encaminhou milhares de residentes que entraram no território para hotéis onde foram obrigados a cumprir quarentena de 14 dias (entretanto alargada para 21 dias), com ‘direito’ a testes regulares de despiste à covid-19.

Hoje, ainda, e apesar de Macau não registar casos há cerca de sete meses, é muito raro descobrir pessoas sem máscaras na rua, ainda que a lei não obrigue a tal. As mesmas pessoas que se isolaram em casa assim que foram anunciadas as acções de prevenção iniciais, mesmo que o Governo não tivesse determinado, mas apenas aconselhado o confinamento.

O histórico no combate a outros vírus ajudou também a delinear a estratégia a seguir pelas autoridades de saúde para proteger, com sucesso, o pessoal da linha da frente.

Os profissionais de saúde trabalharam por turnos de 14 dias, equipados com material de protecção individual, que incluía óculos, luvas e máscaras. E, uma vez revezados, seguiam para uma quarentena de outros tantos dias, cumprida numa residência anexa ao local onde prestaram tratamento aos primeiros infectados, num total de 46 desde o início da pandemia.

À excepção da China, na prática, Macau mantém as fronteiras fechadas a todos aqueles que não possuam o estatuto de residentes, obrigando-os, ainda assim, quando regressam, a uma quarentena obrigatória de 21 dias num quarto de hotel.

Jogo | Economistas alertam para resultados abaixo das expectativas do Governo

O Governo prevê que as receitas do jogo cheguem a 130 mil milhões de patacas este ano, mas os economistas Albano Martins e José Sales Marques alertam para o excesso de optimismo e para a possibilidade de os números serem bem diferentes. A desilusão pode começar já no Ano Novo Chinês, que deverá ter menos visitantes do que é esperado

 

O economista Albano Martins considera que tudo joga contra o optimismo do Governo na previsão de receitas do jogo para 2021, apesar de ser um dos territórios mundiais mais seguros no controlo da pandemia.

A tradição conservadora do Executivo na previsão das receitas do jogo no orçamento deu lugar a um invulgar optimismo, estranhou o economista, que duvida que o valor arrecadado se aproxime das projecções anunciadas para a capital mundial do jogo, que assinala agora um ano desde que registou o primeiro caso de covid-19, uma mulher natural de Wuhan, na China.

“Tudo joga contra a expectativa dos 130 [mil milhões de patacas de receitas] para este ano. O montante permanece uma grande incógnita, mas acredito que seja melhor do que em 2020, que foi uma catástrofe. Mas não os 10,8 [mil milhões de patacas], a não ser que o Governo de Macau tenha informação privilegiada”, procurou resumir, em declarações à Lusa.

“Nunca vi a Administração ser tão optimista, ela que é normalmente tão conservadora”, enfatizou o economista.
O Governo de Macau estimou que o jogo possa render 130 mil milhões de patacas este ano, mesmo assim, metade do valor projectado inicialmente no Orçamento de 2020. “A técnica habitual nos orçamentos é subestimar receitas e maximizar despesas para não haver ‘buraco’”, explicou.

Contudo, isso pressupõe que em média os casinos consigam ter receitas mensais de 10,8 mil milhões de patacas. Isto quando em Dezembro, o melhor mês em 2020 para as concessionárias da capital mundial do jogo no período pandémico, as receitas foram de 7,8 mil milhões de patacas.

“A não ser que o Governo de Macau tenha informação privilegiada de Pequim, algo como um aval da China que permita perceber que ainda este ano, por exemplo, se verifique um crescimento do segmento VIP, e que pode valer mais de metade da receita”, admitiu Albano Martins, que salientou as restrições nos fluxos turísticos, com o segmento de massas a ser fortemente afetado.

“É muito difícil de prever, há demasiadas variáveis, sendo uma delas o facto de a China estar bem ou mal-humorada, de poder fechar ou abrir a torneira”, em especial num período em que têm aumentado os casos, contrariando a ideia de que o país tinha a situação pandémica completamente controlada, até porque a maioria dos contágios resulta de surtos locais.

Ano Novo, vida velha

Também à Lusa, o economista José Luís Sales Marques defendeu que a economia deve viver em Fevereiro “um Ano Novo Chinês invernoso”. Em causa está o facto de Pequim e depois a China terem desencorajado a população a viajar por altura do Ano Novo Lunar chinês, quando tradicionalmente tem lugar a maior migração interna do planeta, e Macau regista habitualmente um crescimento significativo do fluxo turístico e enchentes nos casinos.

“As recomendações (…) e o aumento dos casos na China a impressão que temos é que vamos ter um Ano Novo Chinês invernoso”, estimou Sales Marques, agora que se assinala um ano desde que o território registou o primeiro caso de covid-19, mas está há cerca de sete meses sem identificar qualquer contágio. “É muito cedo para tirar conclusões, mas a perspectiva não é muito encorajadora”, ainda que seja o “princípio do ano e se espere que, com a vacina, as previsões possam ser mais positivas”, acrescentou.

Recuperação tímida

Sales Marques sustentou que manda a prudência não se fazer qualquer tipo de prognóstico em relação ao comportamento da economia de Macau para 2021, sobretudo na área do jogo, que tem evidenciado uma recuperação tímida, mas com muitas variáveis difíceis de analisar.

“Os dados sobre o mercado VIP não são famosos”, exemplificou. Em Dezembro, o melhor mês de 2020 durante o período da pandemia, “o peso do mercado VIP no jogo foi apenas de 26 por cento, quando normalmente é de metade”, justificou.

Sales Marques admitiu a dificuldade de fazer previsões num contexto pandémico, mas defendeu que “quando o Executivo fez as projecções, obviamente que tinha elementos à sua disposição e procuraram ser razoavelmente prudentes”.

O economista duvida que este ano se venham a repetir as ajudas financeiras governamentais de 2020, sem precedentes e dirigidas à população e pequenas e médias empresas. “Não existem mais dados de que venham a ser dados mais apoios. De resto, não está orçamentado pelo Governo, e existem expectativas de que a economia regresse um pouco à normalidade”, salientou. Contudo, “se alguma vez a situação piorar, é evidente que o Governo terá de tomar outra atitude, admitiu.

Derrocada de visitantes

No ano passado, o território perdeu 85 por cento dos visitantes em comparação com 2019, segundo dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) ontem divulgados. Em 2020 entraram 5.896.848 visitantes no território, longe dos quase 40 milhões registados no ano anterior.

O período médio de permanência dos visitantes foi de 1,4 dias, mais 0,2 dias, relativamente a 2019. A esmagadora maioria dos visitantes, mais de 4,7 milhões, veio da China continental, segundo a DSEC.

A China continental beneficia de excepções face às restrições fronteiriças determinadas no âmbito do combate à pandemia do novo coronavírus. Os últimos dados apontam para um aumento de 3,6 por cento em Dezembro, em relação aos números de Novembro, mas um decréscimo de 78,6 por cento quando comparado com o mesmo mês de 2019.

Neste momento, e segundo o ‘ranking’ da plataforma ‘online’ Worldmeter, que reúne estatística mundial sobre a pandemia, Macau encontra-se no fundo da tabela em termos de casos e óbitos por covid-19, estando ao lado de territórios como Ilhas Salomão, Samoa, Micronésia, Vanuatu, Cidade do Vaticano e Ilhas Marshall.

Sector VIP instável e ligeira recuperação no segundo semestre, diz Bernstein

Analistas da consultora Stanford Bernstein defendem que o sector do jogo pode “recuperar no semestre de 2021 e atingir a retoma em 2022, com o regresso à normalidade no ambiente de operações e no mercado bolsista”. Em relação ao jogo VIP, as previsões apontam para alguma instabilidade este ano, cenário que se deverá prolongar até 2022.

“O sector VIP vai continuar a sofrer com o escrutínio das transferências de dinheiro e as preocupações de clientes e agentes na relação com os junkets. No entanto, tal pode resultar num impacto positivo para o jogo de massas directo e premium”, com a transferência de clientes do segmento VIP, explica o comunicado da consultora citado pelo portal GGRAsia.

Macau irá continuar a sofrer alguma instabilidade este ano no que diz respeito à vinda de turistas da China, uma vez que persistem “obstáculos” quanto à emissão de vistos e a necessidade de apresentação de testes à covid-19 negativos.

Além disso, há também o impacto negativo da “contínua suspensão” dos vistos turísticos para excursões. “Muitos clientes de Macau estão a adiar viagens, mesmo ao nível do consumo premium, enquanto as viagens na China recuperam. Não esperamos nenhuma abertura na bolha de viagem [sem a realização de uma quarentena obrigatória] com Hong Kong até finais do primeiro trimestre, ou mesmo no segundo”, frisaram os analistas.

“As restrições de viagem relacionadas com Macau não serão eliminadas até ao segundo semestre de 2021”, adiantaram os analistas da Bernstein, mas poderá haver uma “forte” melhoria nas receitas do jogo de massas e no número de visitantes assim que as opções de viagem “regressem ao normal”.

Quanto ao desempenho dos casinos, a Bernstein prevê que o segmento do mercado de massa chegue 75 por cento dos valores de 2019, com o sector VIP a aproximar-se apenas dos 50 por cento.

“O sector já está a atingir um melhor EBITDA [lucros antes de impostos, juros, depreciações e amortizações] com os actuais níveis de receitas e a projecção da forte recuperação do sector de massas (e do segmento não jogo) deverá registar-se um aumento do crescimento dos lucros EBITDA”, lê-se.

Bilionário chinês Jack Ma reaparece após estar “desaparecido” quase três meses

O bilionário fundador do gigante do comércio eletrónico chinês Alibaba, Jack Ma, reapareceu hoje numa reunião virtual com professores rurais após meses de incerteza sobre o seu paradeiro. No vídeo, publicado no ‘site’ do jornal Tianmu News, a sua província natal (Zhejiang), Ma cumprimenta uma centena de professores rurais do país asiático seleccionados para um prémio. “Quando a epidemia acabar, voltaremos a encontrar-nos”, afirmou.

Embora o seu discurso não faça qualquer menção à sua situação, Jack Ma afirmou que durante “os últimos seis meses” – ou seja, um período que inclui o tempo em que esteve longe dos holofotes – tem participado activamente no processo de selecção de professores para o prémio que apresentou.

Ma não aparecia em público desde finais de outubro de 2020 e a imprensa internacional tinha especulado sobre o seu paradeiro, chegando ao ponto de utilizar o termo “desapareceu” após o atrito que teve com o Governo chinês, que forçou a suspensão, em novembro, da Oferta Pública Inicial da sua empresa Ant Group. O grupo seria objeto da maior oferta pública de aquisição da história.

Na sua última aparição pública, dias antes de se ter gorado a Oferta Pública Inicial, Ma tinha feito um discurso altamente crítico da estratégia de Pequim de minimizar os riscos no sistema financeiro e dos bancos tradicionais, que, segundo ele, ainda são geridos como “lojas de penhores”.

Os rumores cresceram em novembro depois de Ma não ter participado como juiz no programa televisivo “Heróis de Negócios em África”, que fundou e no qual foi substituído por outro executivo Alibaba.

Entretanto, os meios de comunicação oficiais mantiveram um silêncio coordenado durante semanas, coincidindo com as notícias de alegadas ordens de Pequim para não dar mais cobertura mediática à investigação ‘antitrust’ recentemente aberta contra o grupo.

Na semana passada, fontes familiarizadas com o processo disseram à agência noticiosa espanhola Efe que Ma estava a tentar manter um “baixo perfil” e que se encontrava “bem”, enquanto chamavam “infundados” os rumores de que tinha sido preso ou que as autoridades o tinham proibido de sair do país.

Ma deixou a presidência de Alibaba em 2019 – 20 anos após a sua fundação – e não exerce quaisquer cargos executivos, embora seja acionista maioritário da empresa.

Covid-19 | China regista 103 novos casos, incluindo 88 de contágio local

A Comissão Nacional de Saúde da China informou hoje que o país asiático diagnosticou 103 novos casos de covid-19 na segunda-feira, 88 dos quais são infeções locais. As infeções locais foram detectadas nas províncias de Jilin (46), Hebei (19) e Heilongjiang (16), enquanto na capital, Pequim, o número subiu para sete casos.

As autoridades chinesas redobraram os seus esforços para conter os surtos nestas três províncias do nordeste, onde várias áreas foram isoladas e estão a ser efetuados testes em massa entre a população, numa tentativa de refrear a curva dos casos.

As autoridades estão a tentar travar o ressurgimento de surtos na véspera do período de férias do Ano Novo lunar, que decorre entre 11 e 17 de Fevereiro de 2021, quando centenas de milhões chineses viajam para os seus locais de origem.

A Comissão de Saúde da China disse que, nas últimas 24 horas, 17 pacientes receberam alta, pelo que o número de pessoas infectadas activas no país se fixou em 1.473, incluindo 62 em estado grave.

O organismo tinha anunciado uma nova morte devido à covid-19 na quinta-feira, depois de quase oito meses, desde 17 de maio, sem registar qualquer óbito causado pela doença. O número de mortes é agora de 4.635.

O país somou, no total, 88.557 infectados desde o início da pandemia. A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.041.289 mortos resultantes de mais de 95,4 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

Conta-fios

Horta Seca, Lisboa, sexta, 8 Janeiro

Não sei bem o que pensar sobre o assunto. O encontro do editor com o autor começa sempre por um texto, mas a expectativa está em que o autor entre nesta casa para a habitar. «Nós não somos do século d’inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século d’inventar outra vez as palavras que já foram inventadas.»

Custa-me trazer para o assunto a palavra trabalho, uma palavralha, mas disso se trata, além dos textos e das suas potencialidades, interessam-me trabalhar com autores para nasçam criações que seriam diferentes sem esse encontro. Daqui mais se poderia desdobrar, assim escadote extensível. Nisto me afasto dos caçadores de tesouros que por aí proliferam. Terão o seu lugar no ecossistema literário, claro, mas procuro outras madrugadas. Uma inesgotável produtividade somada à ânsia de ver papel impresso, faz com que as gavetas transbordem para todas as chancelas e mais uma. Na poesia não há lugares, está visto. E um logótipo pouco mais é. Enfim, o Herberto sofreu ao ler nas suas capas Porto Editora na vez de Assírio & Alvim, mas o homem era excepção. O mais curioso, digamos à falta de melhor palavra, acontece quando a justificação assenta no facto de a abysmo ser editora de casos difíceis.

Aqui te deixo este objecto desafiante, mas vou ali publicar o habitual. Depósito de complicações, não me parece mal como apresentação. Não sei bem o que pensar, mas tomo nota da perturbação que estes trânsitos me causam.

Talvez seja natural, por estes dias de fragmento e ruína, atirar tijolos o mais depressa possível a quantas janelas se possa.

Janelas Verdes, Lisboa, domingo, 10 Janeiro

Está um frio como há muito não se via. E uma luz como há muito não a sentia. As manhãs são mais esplendorosas nesta colina expectante, comentando à vez com o Tejo as passagens, do tempo e das mercadorias, as diferentes velocidades, a rima dos degraus de uma escadaria ignorada pelos nossos filmes e as solipas de uma linha férrea que desenha este contorno com que o oceano beija a cidade. Este museu não podia ter escolhido melhor porto para atracar.

Fujo das famílias deliciadas com o sangue que brota do «encontro» das civilizações e vou ao encontro do Simão [Palmeirim] na Sala do Tecto Pintado, para me emaranhar com ele no Almada que pensa. O original que se mostra é o pensamento, o resto são maquetas, uma exposição de reversos, da carpintaria que sustenta a arte. (Minto, há dois originais absolutamente fascinantes, de tal modo que hesito no rumo do texto. O gozo que me dá este titubear…)

Fiquemos, por ora, com o «retábulo imaginado para o Mosteiro da Batalha». A história de «Almada Negreiros e os painéis» tem as facetas de diamante, mais perspectivas que prisma, e, se nos metermos com ela pelos becos da vida e da morte, nuances de roman noir. Três putos e um século na casa dos vinte entram no museu e, perante, meia dúzia de velhas tábuas fazem uma aposta: estudá-las, autopsiá-las, enfim, fazê-las suas. Amadeo de Souza Cardoso e Guilherme de Santa Rita acabaram não tendo tempo. Almada usou o dele para decifrar o enigma da criação artística. Enquanto a praticava. A vanguarda rasgava épocas para descobrir raízes nos primitivos. O estudo enquanto duradoira obsessão. Fora isto policial e tratava de disparar sobre esta moralidade que agora assomou. O caro António [Valdemar] reconta bem os meandros, que, aliás, o envolvem, no catálogo. A entrada no debate de lava da nossa historiografia da arte nasce de pormenor, o chão que as figuras pisam. Se aplicada lógica geométrica, o movimento das circunferências e dos triângulos haveriam de nos levar longe, a certa capela de mosteiro onde encaixar aquelas personagens e várias outras, em narrativa que, ainda por cima, poria no centro aquele perturbador e irradiante Ecce Homo. Quando, no fim da vida, ergue o painel Começar, à volta do qual construíram a Gulbenkian, Almada confirmava o eterno retorno: a sua vida estava toda ela cheia de inícios, de invenções de Dias Claros. «Há palavras que fazem bater mais depressa o coração – todas as palavras – umas mais do que outras, qualquer mais do que todas. Conforme os logares e as posições das palavras. Segundo o lado d’onde se ouvem – do lado do Sol ou do lado onde não dá o Sol./ Cada palavra é um pedaço do universo. Um pedaço que faz falta ao universo. Todas as palavras juntas formam o Universo./ As palavras querem estar nos seus logares!»

Eis-me aqui basbaque a mirar os bastidores de uma ideia. Só que estes esboços, com reproduções fotográficas à escala, montados em madeira e depois percorridos por fios de várias cores são ainda, além de ferramenta, obra em si. Vibrante. Atravesso o corredor feito de passagens entre as salas até ao Tiepolo, saudei o general do mar (se tivesse que ser general queria ser do mar, só para cavalgar a revolta das ondas) e dei-lhe costas para vislumbrar a maravilhosa cama-de-gato que Almada aplicou sobre os painéis para descobrir as mais insuspeitas relações, entre números e gestos da geometria, entre objectos de nada e posições de mão. Chamou-lhe com delícia «estudo em fio», como deveriam ser todos, e pouco importa agora que seja mapa de descoberta. O encantamento não pára um instante e chama-nos de longe, fazendo-nos atravessar poses e afirmações, lugares, palácios e paisagens, nuvens e pesadelos, esperanças e demónios, seres das mais geométricas carnes e formas pensantes ou não, evocações e narrativas. Vem, parece dizer a estrela sob o tecto pintado, que aqui se oferece a vera explicação de tudo. Pega nos números e arrisca dar esses passos de funâmbulo sobre cada um dos fios. Este caminho há-de ser diagonal sobre plano. «Há systemas para todas as coisas que nos ajudam a saber amar, só não há systemas para saber amar!»

Esta exposição está ligada por um fio a outra, na Capela do Fundador, no Mosteiro da Batalha, de igual composta pela mão conhecedora do Simão. Estas curadorias são também elas performance. Ainda está para uns meses, mas não sei se a pandemia me permitirá ir lá pôr os olhos. Entretanto, antes de regressar à luz ajoelho perante o Ecce Homo, agora a ignição do estudo a linha do Almada. Voltarei.

Alecrim, Lisboa, quarta, 13 Janeiro

O Bernardo [Trindade] resolveu mudar de pele e encerrar, 44 anos volvidos, o 44 da Rua do Alecrim. Cidade que perde faróis desta altitude arrisca naufragar, quebrando casco nos penhascos da desmemória, da ignorância, da cegueira. Vezes sem conta fui espectador. Da luxúria que se arrumava nas estantes e nos recantos, nas gavetas e na memória narradora do senhor da casa. Livros em toda a sua extensão, de capa encerada a guarda colorida, desdobráveis e ilustrações, cunhos a ouro e compartimentos secretos, incunábulos e uma floresta cerrada e luminosa de tipografia. E depois mapas, pautas, cartazes, dedicatórias, cartas, bilhetes, fotografias, documentos fulgurantes, restos de nada, pequenas esculturas e largas pinturas. Do jogo de sedução entre aquele que anseia e o seu procurador. Entendi os modos como um negócio pode ser elevado a bela arte, com elegância e extrema generosidade. E humor. Aqui se misturavam os tempos em dança vertiginosa de alegria e descoberta, a de certos rostos à vista do objecto do desejo. Vezes sem conta fui espectador da vida nesta loja onde ela brotava que nem fonte. Esta noite vi ainda a tristeza ser tratada como deve ser. E depois, Bernardo, está nos livros, que o aprenderam das velhas voltas do mundo: a cada noite sucede um dia.

Batom Vermelho

O batom vermelho precisa de contexto, muito para além de explicação. O batom vermelho, para além de muita coisa, é um símbolo de sensualidade. Para mim foi sempre um fetiche do glamour hollywoodesco dos anos 50.

Valeu-nos a Marilyn Monroe e Elizabeth Taylor para tornar o batom vermelho bem mais comum do que qualquer outro. Mas o batom teve (e tem) uma vida para além desta sensualidade cinematográfica. Nasceu de práticas e vivências centenárias (milenares?) para chegar a um momento onde ainda é, de algum modo, polémico.

Há um pluralismo aparente nos lábios encarnados, mas uma consistente assumpção: a da sexualidade no feminino e a sua história de luta por legitimidade. Na Grécia Antiga as mulheres eram identificadas como prostitutas porque usavam uma cor vermelha nos lábios. Nos tempos medievais os lábios vermelhos eram sinais do demónio, de imoralidade e da heresia. Foi a rainha Elizabeth de Inglaterra que lhe deu moda e visibilidade, por mais tóxico que fosse (nesta altura ninguém sabia que o mercúrio o era). As sufragistas tinham como arma e símbolo de sororidade os seus lábios vermelhos. Uma espécie de indicador de união e resistência – que durou até aos tempos da segunda guerra mundial. O Hitler tinha um ódio especial por esta cor de lábios. Foi assim que o batom vermelho se tornou parte da indumentária das mulheres pelos Aliados e a sua produção nunca foi parada. De tantas estórias e história voltada, os lábios vermelhos foram pela visibilidade e contestação. Dá nas vistas, ressalta, vira-cabeças. Chateia muita gente, mas dá espaço a muita outra. Para além disso, há secções de pornografia dedicadas ao fetiche com este tão icónico batom. O batom vermelho nunca deixou de ser cultural, político e sexual.

Quando, recentemente, os lábios vermelhos foram acusados de serem sinal de brincadeira – opondo-se a seriedade, entendi eu – mobilizaram-se os muitos batons vermelhos que estavam guardados nas gavetas. Reclamou-se o uso do batom com o poder que a cor vermelha tem, sem medo de ser visível. Mobilizou-se este passado de resistência que nem eu tinha consciência que existia. Um batom vermelho nunca foi só um batom vermelho. A resistência com este tão singelo objecto de maquilhagem uniu as pessoas de forma incrivelmente bonita.

Não querendo ser pessimista, contudo, é preciso estender este gesto, e esta conversa a outros domínios. Vale a pena reflectir acerca dos batons que ficam, e ficaram, por usar. Os muitos contextos em que o batom vermelho ainda é mal visto, criticado e simbolicamente desprezado. Tenho eu tanto espaço para usar um batom vermelho como a outra pessoa que está ao meu lado? A que nível de normalização do batom vermelho nos encontramos? Pode um homem cisgénero pintar os lábios de vermelho para ir para o trabalho? Será que uma mulher racializada pode usar um batom da mesma forma que uma mulher branca?

A luta pelo batom vermelho está longe de estar terminada. Ainda que nos apareçam pessoas e ideias que põem em causa as conquistas que há muito pensámos terem sido travadas, não percamos o foco das muitas outras lutas que ainda estão por travar. A luta actual contra o re-surgimento de valores conservadores precisa de ser enquadrada nesta outra em que as oportunidades e liberdades ainda não são de todos.

Nunca comprei outro batom na minha vida, senão o vermelho. Nunca soube muito bem porquê, mas talvez a nível inconsciente percebesse que a resistência está na visibilidade e a contestação está tanto nas palavras como nos gestos.

Carta de separação a um lugar e mais

Em 29 de Outubro de 1953 o extraordinário cronista brasileiro Paulo Mendes Campos escrevia mais uma das suas jóias do quotidiano, desta vez virada para dentro. A crónica chama-se (Carta de separação à garrafa de uísque) – assim mesmo, entre parêntesis – e o título é auto-explicativo. Com humor mas também com alguma nostalgia o autor despede-se da sua bebida preferida, que tantas vezes lhe fez companhia – até que essa companhia tomou conta dele. A separação era inevitável, para que ambos sobrevivessem.

A princípio não percebi porque é que este texto me veio à memória. É certo que o conheço de trás para a frente e aconselho os leitores a procurarem-no. Mas depois de fazer de detective de mim próprio durante algum tempo cheguei à causa da coisa. Elementar, meu caro Guedes: estou prestes, também eu, a enfrentar uma separação. Nada que tenha a ver com amores, amigos, países ou dependências. Não: tem a ver com um lugar e nesse lugar existem pessoas. É esta separação que mesmo não sendo definitiva – poderei sempre regressar a lugares onde fui feliz – me remeteu para o humor terno da crónica de Mendes Campos.

Despeço-me então do lugar onde vivo, pronto que estou para rumar a outras geografias que são felizmente desejadas. Escrevo para me despedir de um lugar lindo, no coração da cidade que mais amo no mundo, com vista próxima para o azul-lisboa e tudo o que sob esse milagre existe. Mas sobretudo a separação aqui é do bairro feito gente, à escala humana. Escrevo para me despedir do senhor Manuel, do Carlos ou do épico mau humor do senhor Sebastião do café que eu frequentava e que ao recomendar o prato do dia não se abstinha de comentar: “Eu não gosto como eles fazem mas se quiser é bom…”. Separo-me do senhor Manuel, cozinhando sempre de boné e da sua mulher, a Dona Carmo, casal proprietário e resistente do restaurante onde tantas vezes fui o único cliente e onde, quando isso não acontecia, tive o prazer de discutir tudo e mais alguma coisa com os nativos do bairro. Ou seja: pertencer, pertencer-lhes. Despeço-me dos miúdos da escola municipal número 1, cujo chilrear me entrava pela janela e tantas vezes me deu forças para enfrentar os dias. Digo adeus a esta rua íngreme com frutarias, armazéns de revenda, floristas, cafés onde se joga à moeda, com quatro ou cinco nacionalidades por metro quadrado. Lisboa vive, sem folclore e assumindo sem problemas a sua raiz mestiça, esfarrapada mas digna, capaz de a qualquer momento sair de casa na sua mais deslumbrante roupa só porque sim.

Escrevo esta carta de separação um pouco triste mas com a certeza de que irei regressar. Porque de facto é de mim que me separo, do pedaço da minha vida que fica agarrado a esta calçada, a estas vozes, a estes sorrisos. Sei que me esperam outras aventuras e rostos amigáveis. Mas seremos sempre Ítacas de nós próprios e francamente não quero escapar a esse destino. Não é adeus, é até já.

Fotojornalismo | World Press Photo regressa a Hong Kong

De 1 a 21 de Março, a população de Hong Kong vai poder ver presencialmente as fotografias premiadas no concurso anual da World Press Photo, noticiou a Tatler. A galeria Koo Ming Kown vai acolher a mostra de 2020, que inclui fotografias dos protestos em Hong Kong.

Os vencedores foram escolhidos por um júri independente que avaliou mais de 73.996 fotografias, submetidos por mais de quatro mil fotógrafos. Entre os nomeados encontra-se uma série de fotografias intitulada “Hong Kong Unrest”, de Nicolas Asfourni, que inclui a imagem de um homem a segurar um poster em Shatin.

A exposição conta com a organização do Instituto para o Jornalismo e Sociedade da Hong Kong Baptist University, e o apoio do Consulado Geral dos Países Baixos em Hong Kong e Macau. Recorde-se que a exposição passou pela RAEM no ano passado, mas acabou por ser encerrada sem aviso prévio. Na altura, o fecho prematuro foi justificado pela Casa de Portugal com um “problema de gestão interna”, mas levantaram-se suspeitas de pressões políticas.

Exposição | Instituto Cultural quer trazer a Macau trabalhos de Siza Vieira

O Museu de Arte de Macau poderá receber a exposição “In/Disciplina”, com obras dos arquitectos Álvaro Siza Vieira e Carlos Castanheira. O Instituto Cultural contactou a Fundação de Serralves para tornar a mostra uma realidade, mas a pandemia remeteu o processo de volta à estaca zero

 

O Instituto Cultural (IC) pretende trazer para Macau a exposição “In/Disciplina”, que faz a retrospectiva das obras de arquitectura de Álvaro Siza Vieira, vencedor de um prémio Pritzker, e Carlos Castanheira. A exposição esteve patente na Fundação de Serralves, no Porto, entre 19 de Setembro de 2019 e 5 de Janeiro de 2020.

A confirmação foi dada ao HM pelo IC. “O Museu de Arte de Macau (MAM) pretende, no que se refere à exposição ‘Álvaro Siza – In/Disciplina’, exibir, de forma sistemática, as obras arquitectónicas de destaque projectadas por Álvaro Siza em todo o mundo e pretende acrescentar ainda os seus projectos de arquitectura no Interior da China, em Macau e noutras cidades asiáticas.”

Foi, neste contexto, solicitado “ao curador da exposição uma nova escolha de obras”, mas a pandemia veio adiar os planos, não existindo, para já, um calendário concreto. “Devido à situação pandémica, o conteúdo, a dimensão, a duração, e os pormenores dos preparativos da exposição, entre outros, estão sujeitos a uma nova avaliação após discussão com os co-organizadores, pelo que não há mais informações a disponibilizar de momento.”

Do lado da Fundação de Serralves, também existe vontade de colaboração. “Existe todo o interesse na realização da exposição In/Disciplina no MAM, tendo já sido tomadas as providências necessárias para que tal seja possível. A crise sanitária obrigou à reavaliação de alguns aspectos relativos à exposição, nomeadamente as datas de exibição, algo que está a ser analisado pelo IC do Governo da RAEM e por Serralves.”

Mudança de cadeiras

O projecto de expor as obras de Siza Vieira em Macau foi tornado público por Carlos Castanheira numa entrevista ao HM. Confrontado com a resposta do IC, o arquitecto, que assina há muitos anos projectos com Siza Vieira, sobretudo na Ásia, disse estar afastado deste projecto, pelo menos para já.

“Não sei que contactos Serralves tem mantido com o IC, e vice-versa. Esta situação da pandemia tem-nos limitado muito. Não tenho tido contactos com ninguém de Macau, não tem havido razão”, frisou.
Carlos Castanheira recorda que o projecto começou a ser desenvolvido quando Alexis Tam era ainda secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, não afastando a hipótese das alterações se ficarem a dever à mudança de Executivo.

“Perdeu-se muito trabalho feito, mas, pelo que sei, os serviços são os mesmos, assim como a maioria das pessoas. Só nos resta aguardar e ver se esta pandemia nos larga para que a exposição, com um ou outro formato, avance e seja uma realidade”, rematou o arquitecto.

TSI | Ex-funcionário público perde retroactivos após reforma

Um antigo coordenador do Centro de Promoção e Informação Turístico de Macau em Portugal (CPITMP), ligado à Direcção dos Serviços de Turismo (DST) em Lisboa, viu rejeitado um recurso que apresentou ao Tribunal de Segunda Instância (TSI) sobre o pedido de abonos e subsídios com retroactivos após a reforma. O pedido foi rejeitado pelo Governo em 2018, mas o homem recorreu da decisão para o TSI, entendendo estar em causa “a violação da lei e a falta de audiência dos interessados”.

O tribunal deu meia razão ao recorrente, mas entendeu que, segundo a lei, não tem direito a receber os retroactivos. O acórdão refere que o despacho do Executivo está “inquinado dos vícios de forma e de violação de lei”, mas o pedido do ex-funcionário “nunca poderia ser deferido nos termos da lei”, uma vez que o regime do pessoal das delegações contém “normas especiais” que “só se aplicam ao pessoal que presta serviço nas delegações da RAEM”.

Entendeu o TSI que, no caso do CPITMP, “embora funcionando nas instalações da Delegação Económica e Comercial de Macau, em Portugal, não é, ele próprio, uma Delegação da RAEM, mas apenas uma pequena equipa de projecto que tem objectivos muito limitados e específicos, razão pela qual ao pessoal que presta serviço no CPITMP, não é aplicável o Regime do Pessoal das Delegações.” O recorrente entrou para a função pública em 1982 e exerceu o cargo de técnico superior no escritório de representação da DST em Lisboa. Em 2005 foi criado o CPITMP, do qual o recorrente foi coordenador até se aposentar, em 2018.

DSAL | Cloee Chao denuncia caso de croupiers chantageados com despedimento

A Associação Novo Macau para os Direitos dos Trabalhadores do Jogo entregou uma carta a pedir a intervenção da DSAL num caso de cerca de 10 croupiers pressionados a apresentar demissão. Cloee Chao considera que os argumentos do casino não são válidos, sobretudo quando todas as concessionárias estão a distribuir bónus aos funcionários

 

A presidente da Associação Novo Macau para os Direitos dos Trabalhadores do Jogo, Cloee Chao, entregou ontem uma carta à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) a alertar para um caso de cerca de 10 croupiers, de um casino de uma subconcessionária não mencionada, que terão sido chantageados, através de cartas de aviso, com despedimentos por justa causa. Isto, caso os funcionários não apresentem a demissão por sua própria iniciativa.

De acordo com Cloee Chao, o empregador justificou o acto com o facto de os trabalhadores terem ultrapassado o limite de 45 dias de faltas justificadas ou injustificadas, previsto na lei das relações de trabalho, por motivo de acidente ou doença. Para a responsável, o argumento não faz sentido pois, para além de as faltas terem sido aprovadas pelas chefias, durante a pandemia as empresas de jogo têm incentivado os funcionários a pedir licenças sem vencimento.

Além disso, argumenta Chao, que também trabalhou como croupier, “é impossível não falhar nesta carreira”. “É como perguntar a um motorista com 20 anos de experiência se nunca recebeu uma multa”, disse aos jornalistas.

À porta das instalações da DSAL, a presidente da Associação Novo Macau para os Direitos dos Trabalhadores do Jogo revelou ter contactado o casino em questão e que, na réplica, a empresa afirmou não favorecer uma “política de despedimento”. Contudo, acrescenta, até à manhã de ontem os 10 croupiers chantageados não foram informados acerca do seu futuro.

Cloee Chao considera ainda que, dependendo da gravidade, existe um mecanismo que permite ao empregador anular cartas de aviso e que é injustificável despedir 10 trabalhadores quando concessionárias como a MGM, Wynn e Melco anunciaram recentemente o pagamento de bónus para os seus funcionários.

“Acredito que a culpa é do departamento de recursos humanos deste casino. Várias concessionárias anunciaram o pagamento de bónus aos seus funcionários, que já custaram centenas de milhões de patacas. Não é preciso despedir uma dezena de croupiers para poupar algumas centenas de milhares de patacas”, vincou a responsável.

Sentir na pele

Uma das croupiers, que acompanhou Cloee Chao na entrega da carta na DSAL, revelou ter sido forçada a demitir-se ao final de um ano, logo após ter recebido a terceira carta de aviso. “Fui informada que se não tivesse pedido a demissão, entraria numa lista negra, que me impediria de trabalhar no sector do jogo no futuro,” apontou.

Segundo revelou a ex-trabalhadora do casino satélite, que pediu para não ser identificada, o seu único requisito passa por manter o cargo, para poder cumprir obrigações, como o pagamento da hipoteca da casa. Situação agravada por problemas físicos que impediram de assumir outro tipo de trabalho.

MP | Explicador arguido por nove crimes de abuso sexual de crianças

O Ministério Público (MP) deduziu a acusação contra um explicador de um centro de explicações pela prática de nove crimes de abuso sexual de crianças, tendo sido aplicadas ao arguido as medidas de coacção de prestação de caução, apresentação periódica às autoridades e proibição de ausência do território. O MP esclarece ainda que, “a prática de importunação sexual ou acto exibicionista de carácter sexual contra menor de 14 anos pode constituir o crime de abuso sexual de crianças”.

Nesse sentido, “não obstante a falta de apresentação de queixa, o respectivo processo, por razões excepcionais relativas à protecção de interesses do ofendido, pode começar legalmente por iniciativa do MP, no sentido de se efectivar a responsabilidade penal do agente do crime”. O inquérito relativo ao processo de investigação já foi remetido para o Tribunal Judicial de Base para a marcação do julgamento.

O caso foi descoberto em Outubro do ano passado, quando “umas menores, com idade inferior a 14 anos, tinham sido ofendidas sexualmente por um explicador de um centro de explicações”. A investigação concluiu que o arguido “se aproveitou, por várias vezes, na orientação do estudo a alunos no centro de explicações, para as acariciar ou tocar intencionalmente nas partes corporais íntimas de várias alunas menores, actos que o arguido continuou a praticar não obstante as menores terem evitado ou recusado expressamente”.

Foram as menores que apresentaram queixa ao responsável do centro de explicações. O arguido pode incorrer numa pena de prisão de até três anos por cada crime cometido”, aponta o MP.