Cheques pecuniários | Ho Iat Seng evasivo sobre continuidade do programa

Ho Iat Seng deixou em aberto a continuidade, nos moldes actuais, do plano de comparticipação pecuniária no próximo ano. Apesar do sinal, economistas acreditam ser difícil retirar o apoio numa altura de crise. Dada a “situação irrecuperável” das receitas, o Chefe do Executivo anunciou ainda que o Governo está a planear injectar mais 20 mil milhões de patacas no orçamento

 

[dropcap]H[/dropcap]o Iat Seng afirmou que o Governo ainda está a estudar a aplicação do plano de comparticipação pecuniária no próximo ano. A informação foi avançada na passada quinta-feira, à margem das celebrações do 71º Aniversário da Implantação da República Popular da China.

“Em relação ao plano de comparticipação pecuniária para o próximo ano, o Chefe do Executivo adiantou que o Governo está ainda a estudar e as informações concretas serão divulgadas no relatório das linhas de acção governativa do próximo ano”, pode ler-se numa nota oficial.

O facto de Ho Iat Seng não ter sido taxativo relativamente à continuidade do plano, contrasta com as declarações proferidas em Junho, quando garantiu que o programa que atribui 10 mil patacas por ano aos residentes permanentes e 6 mil patacas aos residentes não-permanentes, iria manter-se inalterado. Na altura, o Chefe do Executivo justificou a decisão por considerar os cheques pecuniários uma despesa que serve o “bem-estar” da população e que assume grande importância nas famílias mais desfavorecidas.

Contactado pelo HM, o economista João Pãosinho considera que as declarações do Chefe do Executivo são “um aviso” para as pessoas estarem preparadas para a eventualidade de o apoio vir um dia a ser extinto. No entanto, dado o actual contexto, o economista acredita que uma eventual suspensão apenas aconteça num horizonte temporal distante.

“Penso que o Governo vai chegar a um ponto em que vai tentar eliminar a comparticipação pecuniária, que é uma questão melindrosa há já vários anos. Portanto, na minha opinião, a não ser que as condições se continuem a deteriorar, o Governo para já não vai suspender. Mas, se o PIB continuar a derrapar, ou seja, se o jogo continuar a cair e as receitas do turismo continuarem a ser muito más, penso que poderá ser uma questão de tempo”, referiu.

Opinião semelhante é partilhada por José Isaac Duarte, sublinhando que uma eventual suspensão da atribuição de cheques pecuniários seria “seguramente impopular em termos políticos” numa altura de crise.

Contudo, frisando que não é primeira vez que o tema vem à tona, o economista considera natural que Ho Iat Seng tenha sentido necessidade de “sinalizar que existem preocupações políticas ao nível das receitas”.

“Esse plano já teve ‘ameaças anteriores de extinção’ e politicamente é delicado, sobretudo numa situação de crise económica. Vai ser difícil ao Governo tirar apoios de natureza social sejam eles quais forem.

Independentemente de ter sido ou não, a forma mais adequada de o fazer, é natural que [o Chefe do Executivo] diga que estão a repensar [o plano] e poderão eventualmente até alterar a forma como tem vindo a ser feito. Mas diria que não é o momento propício para retirar benefícios à população”, apontou José Isaac Duarte.

Para o economista essa seria uma situação muito difícil de justificar politicamente, dado que a crise “já se está a prolongar bastante mais do que se estaria à espera” e que esse facto irá criar “pressão adicional para apoios do Governo dirigidos à população”.

Por seu turno, Albano Martins considera que o Governo “não vai ter coragem para mexer nisso”, pois habituou as pessoas a receber essa receita, que é usada para “ultrapassar os períodos maus”. “O Governo não vai ter capacidade política para confrontar a maioria da população”, acrescentou.

Reforços de Inverno

Também à margem das celebrações do dia nacional, Ho Iat Seng anunciou que o Governo planeia injectar mais 20 mil milhões de patacas da reserva financeira no orçamento, para fazer face às baixas receitas e à despesa pública, decorrentes do impacto da pandemia de covid-19 na economia de Macau.

O líder do Governo indicou ainda que as propostas da execução orçamental do ano financeiro de 2019, da segunda alteração ao orçamento e do orçamento financeiro para 2021 vão ser apresentadas à Assembleia Legislativa, em Novembro.

Sobre o reforço de 20 mil milhões, Ho Iat Seng explicou que, apesar já ter sido injectada uma verba de 40 mil milhões de patacas no primeiro semestre de 2020 e tendo em vista a “situação irrecuperável das receitas”, o actual orçamento financeiro é insuficiente para suportar as despesas até ao final do ano, prevendo-se apenas que seja capaz de cobrir as despesas até ao final de Outubro.

No actual contexto, Ho Iat Seng vincou ainda a necessidade de garantir o funcionamento de todos os sectores da Administração, apesar do abrandamento do sector do jogo e das baixas receitas do Governo.

“O erário público tem de suportar as despesas rígidas, incluindo o pagamento dos salários dos funcionários públicos, da previdência social, da educação e da saúde pública, com um aumento relativo dos gastos com a saúde devido aos trabalhos da prevenção e combate à epidemia”, afirmou.

Para Albano Martins, apesar da diminuição de receitas, faltam argumentos para justificar a injecção de 20 mil milhões de patacas, sobretudo porque, de acordo com as contas apresentadas pelo Executivo em Agosto, apenas foram gastos 55,5 mil milhões de patacas de um total de 109,6 mil milhões.

“Não acredito que o orçamento existente, apenas seja suficiente para suportar os gastos até ao fim deste mês, porque até Agosto tiveram autorização orçamental para gastar 109,6 mil milhões e só gastaram 55,5 mil milhões. Não consigo perceber. Acho muito difícil que tenham gasto 45 mil milhões em Setembro”, explicou ao HM.

Para o economista é preciso “olhar para as contas”, pois até Agosto, as despesas correntes foram executadas apenas em 54,5 por cento e o PIDDA executado em 28,2 por cento, sendo que até esse momento o orçamento estava realizado em 50,6 por cento.

“O saldo orçamental em Agosto era quase de 19,5 mil milhões, portanto, não sei o que é que [o Chefe do Executivo] quer dizer, não estou a ver tanta execução para isto”, explicou.

Já para José Isaac Duarte a injecção de mais 20 mil milhões de patacas da reserva financeira no orçamento era “um anúncio inevitável”, pois quando o orçamento foi feito, havia uma previsão de receitas diferente e que não se está a verificar, “porque a economia está numa situação de contração muito mais acentuada” do que se pensava.

“O orçamento quando foi feito, implicitamente nas receitas, dava a ideia de que o Governo estava à espera de uma economia a funcionar a 50 por cento. Como neste momento ela está bem abaixo disso (…), naturalmente que do lado das receitas há uma insuficiência que tem de ser coberta com uma transferência da reserva. Por isso, julgo que, não só era esperado, como era inevitável, pois as receitas estão abaixo do que estava previsto”, apontou José Isaac Duarte.

Também para João Pãosinho, o reforço anunciado surge com alguma naturalidade, pois “as receitas são largamente inferiores às despesas” e, dado que em Macau não existe “a questão da dívida pública”, é necessário recorrer a saldos anteriores.

“Estão a tentar utilizar a reserva financeira para equilibrar o orçamento de Macau. No passado, esse orçamento era sempre superavitário, portanto, não havia necessidade de ir às reservas acumuladas”, explicou.

Apoios a prazo

Em relação ao pedido do Governo dirigido aos serviços públicos para concretizar um corte de 10 por cento do orçamento, Ho Iat Seng salientou que esse corte deve ser realizado através de “poupanças com as despesas do funcionamento quotidiano” e que, tendo em conta esse orçamento já de si apertado é “impossível reduzir a despesa rígida” e “cortar o orçamento financeiro mais uma vez”.

Sobre a possibilidade de medidas de apoio económico, como uma nova ronda de vales de consumo, poderem vir a ser anunciadas no futuro, Ho Iat Seng fez questão de frisar que estas medidas “não são aplicáveis a longo prazo”.

“Como a emissão de vistos individuais para todo o País já foi retomada e as medidas de ‘circulação económica para o exterior’ recuperadas, o Governo da RAEM não deve gastar mais erário público, não havendo planos para mais medidas de apoio económico, mas continuará a acompanhar o impacto que a evolução da pandemia terá”, pode ler-se no comunicado oficial.

Recorde-se que as receitas do jogo caíram 90 por cento em Setembro, relativamente ao mesmo período de 2019, enquanto que para os primeiros nove meses do ano, as perdas dos casinos em relação ao ano anterior foram de 82,5 por cento, um resultado devido ao impacto da pandemia de covid-19 e às fortes restrições fronteiriças.

Até Agosto, a receita de impostos sobre o jogo em Macau caiu para cerca de um terço, comparativamente a 2019, e os apoios públicos subiram 28 por cento.

Nova ronda

A presidente da Associação de Direitos dos Trabalhadores de Jogo, Cloee Chao, entrega hoje uma petição na Sede do Governo a pedir uma nova ronda de apoio ao consumo. Além disso, perante a crise gerada pela pandemia, a responsável pretende também vincar a importância de o Governo continuar com a atribuição do plano de comparticipação pecuniária no próximo ano.

Os impressionantes quartetos de cordas

[dropcap]H[/dropcap]á 75 anos, no dia 27 de Setembro de 1945, menos de três semanas após o dia oficial da rendição formal do Japão, 2 de Setembro, que marcou o final da Segunda Grande Guerra, falecia em Nova Iorque o compositor, pianista, etnomusicólogo, e professor húngaro Béla Bartók, considerado um dos mais notáveis compositores do séc. XX. As suas obras principais têm um sabor notoriamente húngaro e incluem peças orquestrais, quartetos de cordas, peças para piano solo, várias obras para o palco, uma cantata e vários arranjos de canções populares para voz e piano.

Béla Bartók, cujo nome na forma húngara é Bartók Béla, nasceu no dia 25 de Março de 1881 em Nagyszentmiklós, na Áustria-Hungria, hoje Sânnicolau Mare, na Roménia. Bartók passou a infância e a juventude em várias cidades do interior da Hungria, estudando piano com a mãe e posteriormente com uma sucessão de professores. Começou a compor pequenas peças de dança aos nove anos, e dois anos depois tocou em público pela primeira vez, incluindo uma composição sua.

Seguindo o exemplo de outro eminente compositor húngaro, Ernö Dohnányi, Bartók realizou os seus estudos profissionais em Budapeste, na Academia Real Húngara de Música, em vez de estudar em Viena, o centro musical da Europa por excelência. Desenvolveu-se rapidamente como pianista, embora menos como compositor, mas a descoberta em 1902 da música de Richard Strauss estimulou o seu entusiasmo pela composição. Ao mesmo tempo, um espírito de nacionalismo optimista varria a Hungria, inspirado por Ferenc Kossuth e pelo seu Partido da Independência. Como outros membros da geração de Bartók demonstraram nas ruas, o compositor, então com 22 anos, escreveu um poema sinfónico, Kossuth, retratando num estilo que lembra Strauss, embora com um toque húngaro, a vida do grande patriota Lajos Kossuth, pai de Ferenc, que liderou a revolução de 1848-49. Apesar do escândalo na primeira apresentação, ocasionado por uma distorção do hino nacional austríaco, a obra foi recebida com entusiasmo.

Pouco depois de Bartók terminar os seus estudos em 1903, ele e o também compositor húngaro Zoltán Kodály, com o qual viria a colaborar extensivamente, descobriram que o que consideravam música folclórica húngara e utilizavam para as suas composições era, em vez disso, música cigana. Um vasto repositório de música camponesa húngara autêntica tornou-se posteriormente conhecido pela pesquisa dos dois compositores. A colecção inicial, que os levou aos cantos mais remotos da Hungria, teve início com a intenção de revitalizar a música húngara. Ambos não apenas transcreveram muitas canções folclóricas para piano e outros media, mas também incorporaram na sua música original os elementos melódicos, rítmicos e texturais da música camponesa. Fundamentalmente, o próprio trabalho de Bartók foi inundado pelo espírito popular.

Bartók foi nomeado para o corpo docente da Academia Real de Música em 1907 e manteve esse cargo até 1934, quando renunciou para se tornar membro activo da Academia das Ciências. Passava as férias a recolher material folclórico, que depois analisava e classificava, e depressa começou a publicar artigos e monografias. Ao mesmo tempo, expandia o catálogo das suas composições, com muitas obras novas para piano, um número substancial para orquestra e o início de uma série de seis quartetos de cordas que constituiria uma das suas realizações mais impressionantes. O seu primeiro quarteto numerado, Op. 7, composto em 1909, mostra já alguns traços de influência folclórica, mas nos restantes essa influência é totalmente assimilada e omnipresente. Os quartetos põem em paralelo e iluminam o desenvolvimento estilístico de Bartók: no segundo quarteto (1915–17), elementos berberes (Amazigh) reflectem a viagem de recolha do compositor no Norte de África; na terceiro (1927) e no quarto (1928) há um uso mais intensivo da dissonância; e no quinto (1934) e no sexto (1939) há uma reafirmação da tonalidade tradicional.

Ano interessante, 1909, em que o Terceiro Concerto para Piano de Sergei Rachmaninoff, a ópera Elektra dc Richard Strauss, a Nona Sinfonia e Das Lied von der Erde, de Gustav Mahler, Klavierstücke, Op. 11 e a ópera Erwartung de Arnold Schoenberg, e os primeiros quartetos de cordas de Béla Bartók e Zoltán Kodály foram escritos e/ ou estreados. Entre as conclusões que podem ser tiradas deste breve catálogo estão que 1909 foi um ano de começos estilísticos, com a atonalidade de Schoenberg e as inovações folclóricas dos húngaros, e o fim de uma era, misturada com uma forte dose de tradição a ser homenageada, através de Rachmaninoff.

O Bartók de 1909 é recordado pela primeira mulher, nascida Marta Ziegler, com quem era então recém-casado: “Compôs principalmente à noite. Durante o dia, estava ocupado a transcrever e a organizar as suas colecções de canções folclóricas gravadas em cilindros de cera… para publicação ”. Temos também o testemunho de Hugo Leichentritt, que mais tarde viria a ser um académico musical internacionalmente respeitado, que encontrou “Bartók, um jovem compositor e pianista de Budapeste” em Berlim, e que tocou para ele as Bagatelles, Op. 6, compostas em 1908, “um conjunto de peças para piano com as harmonias mais estranhas que já haviam chegado ao seu ouvido. Não davam a impressão de um requinte polido, mas de um sentimento instintivo primitivo, rústico, forte e instintivo… Esse primeiro e breve encontro com a música de Bartók revelou a sua característica nacional básica, originada no seu solo húngaro nativo. Todos naquela época tinham uma noção clara da música húngara, derivada das rapsódias de Liszt e das danças de Brahms.

No entanto, a música húngara de Bartók era muito diferente desses modelos bem conhecidos. Diferente porque Bartók cavou muito mais fundo do que o hungarianismo pop e a música cigana para encontrar o elemento nativo. Já em 1904, ele e Kodály, se haviam convencido de que a “verdadeira” música húngara não se encontrava nos cafés ou nas salas de concerto de Budapeste, mas no campo que eles frequentemente visitaram durante os anos seguintes. Recolher, registar, catalogar e, por fim, publicar os sons das pessoas. O estilo húngaro de base popular inicial de Bartók é exemplificado nas Bagatelles, Op. 6 e no Primeiro Quarteto.

O estudioso e biógrafo de Bartók, Halsey Stevens, observa que “a liberdade contrapontística característica do tratamento de Bartók do quarteto de cordas, a extrema plasticidade com que as linhas individuais giram, mudam, combinam e se opõem” já são perceptíveis no Primeiro Quarteto. Além disso, “cada jogador é considerado um indivíduo, com o seu próprio fio de tecido; esta autonomia traz uma riqueza textural comparável aos últimos quartetos de Beethoven…”

Sugestão de audição:
Béla Bartók: The String Quartets
Guarnieri Quartet – RCA Red Seal, 1995

Prémio de Conto Manuel da Fonseca atribuído a “Contos de Macau” de João Morgado

[dropcap]A[/dropcap] obra “Contos de Macau”, da autoria de João Morgado, venceu a 13.ª edição do Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca, instituído pela Câmara de Santiago do Cacém, no distrito de Setúbal, em Portugal. A cerimónia de entrega do prémio ao vencedor, que assinou sob o pseudónimo “Liang”, está marcada para o dia 17 de outubro na Biblioteca Municipal Manuel da Fonseca, em Santiago do Cacém.

A obra vencedora foi escolhida por unanimidade pelo júri, constituído pelo secretário-geral da Associação Portuguesa de Escritores, Luís Machado, presidente da Associação Portuguesa dos Críticos Literários, Manuel Frias Martins, e pelo ensaísta e crítico literário, Miguel Real.

O primeiro prémio do concurso recebe um valor pecuniário de quatro mil euros e a obra será editada, no próximo ano, pela Câmara Municipal de Santiago do Cacém.

Segundo o júri, trata-se de “uma obra de grande lirismo. As narrativas dos vários contos deixam transparecer uma elevada qualidade estética e um excelente domínio da linguagem. A atmosfera da cultura oriental está muito bem representada, seduzindo a atenção do leitor”.

De acordo com o município, em comunicado, João Morgado nasceu em 1965, na Covilhã, é poeta e romancista, doutorado em Comunicação na Universidade da Beira Interior e foi distinguido com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cívico e Cultural, oficializada pela República Federativa do Brasil, pelo seu trabalho de investigação sobre Pedro Álvares Cabral.

“Autor premiado nas áreas do romance, poesia e conto, foi na literatura que se afirmou com os romances ‘Diários dos Infiéis’ e ‘Diário dos Imperfeitos’”, acrescentou.

O Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca, de caráter bienal, procura distinguir uma coletânea de contos originais, escritos em língua portuguesa, por autor natural de qualquer país que integre a comunidade lusófona.

Este ano, segundo a autarquia, foram admitidos a concurso 96 obras literárias originais de autores lusófonos, verificando-se um acréscimo em relação a 2018 em que concorreram 19 trabalhos.

O júri deliberou atribuir duas menções honrosas às obras “O eterno ciclo da vida ao ritmo das estações do ano: contos didáticos”, da autoria de António Gonçalves Ventura, pseudónimo Simão Alves Cabral, e “A pele é um incêndio”, da autoria de Maria Teresa T.G. Branco, sob pseudónimo A. Branco.

O Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca, instituído em 1995, presta homenagem a um “grande escritor” e “figura incontornável da literatura portuguesa”.

Manuel Lopes Fonseca (1911-1993), conhecido no mundo das letras como Manuel da Fonseca, foi poeta, contista, romancista e cronista.

Deixou obras como os romances “Cerromaior” (1943) e “Seara de Vento” (1958), vários volumes de poesia e também de contos, como “O Anjo no Trapézio” (1968) ou “O Fogo e as Cinzas” (1953).

Nas suas obras, marcadas pela intervenção social e política, relatou a dureza da vida no Alentejo, realidade que lhe era próxima.

#paremdepartilhar

[dropcap]C[/dropcap]omo dizem os distópicos das redes sociais, estas redes vieram explorar as fragilidades e dificuldades humanas. Nos vários problemas já identificados, como notícias falsas, polarização política, câmaras de eco, o crescimento do autoritarismo e conservadorismo, está o sexo no seu pior também.

Há uma prática comum entre sei lá eu quem – porque felizmente, não é coisa que me chegue às caixas de entrada – onde se partilham vídeos, áudios e imagens sensacionalistas. A ânsia pelo escândalo é tão grande que carregar no botão para partilhar o choque é inevitável. Cria-se uma corrente de partilha sem fim. Nem sempre se sabe se os conteúdos partilhados são fidedignos ou se foram consentidos pelos autores ou protagonistas. O Zuckerberg bem tenta dicotomizar o público do privado com um pacote de aplicações sociais. O facebook é público, é como estar com os vizinhos e os amigos num bar, o whatsapp é privado, e é como estar em casa com a família. Esta dicotomia que nos tentam impingir desresponsabiliza muitas das coisas que acontecem na suposta esfera privada do whatsapp. Lugar esse onde são partilhados conteúdos sexuais mais à vontade. Nas redes sociais, supostamente, públicas, as políticas para controlar e denunciar conteúdos desadequados já é muito mais apertada.

Pessoalmente não acho nada de errado em partilhar conteúdos sexuais, quando há consentimento na interacção. Querem enviar nudes? Querem enviar dick pics? Viva a sexualidade positiva e aberta. Mas as práticas que aqui vos trago não são bem essas. Muitos dos vídeos e imagens de sexo que andam a ser partilhadas não são consentidas. A história típica é a do ex-namorado que, raivoso, partilha os vídeos de sexo que foram gravados para uso pessoal do casal. A chamada pornografia de vingança, para além de ser crime, já levou muitas mulheres ao suicídio. Repito: mulheres já se suicidaram porque as suas imagens vieram a público. Os interesseiros e coscuvilheiros – que só prova que muita gente deve ter o seu ‘quê’ de voyeurismo – alimentam estas correntes, e esse é o outro factor problemático na equação.

Quando estas correntes aumentam de proporção com reencaminhamentos constantes e exponenciais, são trazidas para as redes sociais, para os jornais e os cafés. O voyeurista plebeu intromete-se na esfera privada e íntima do sexo, de onde certas narrativas começam a surgir, e o discurso não vos surpreenderá. Dou-vos o exemplo do caso do vídeo de sexo no comboio da CP. O evento foi gravado por terceiros e partilhado por todo o lado. A identidade da participante foi divulgada, e claro, o que é que aconteceu? Bullying à séria. Os rapazes que participaram não foram escrutinados na praça pública da mesma forma. Este duplo critério não tem nada mais, nada menos, que laivos de machismo resistentes e persistentes nas sociedades liberais contemporâneas. As mulheres só podem ser um híbrido esquisito entre virgem e devassa, e são condenadas por serem uma e a outra.

Movimentos como #cortaacorrente (muito melhor do que o hashtag que eu inventei) alertam para a responsabilização individual e colectiva de não alimentar toda esta parvoíce. Assim que se recebe um vídeo, pode-se denunciar, e não alimentar a corrente de partilhas de onde veio, e para onde tenderá a ir. Denunciem conteúdos que não sabem de onde vieram ou se são consentidos, não partilhem coisas a torto e a direito. As partilhas têm consequências: e para muitas raparigas, este pequeno contributo pode salvar-lhes a vida.

Encontro Magik

[dropcap]U[/dropcap]ma história extraordinária que começou em 1929 e deu origem a artigos vários e a uma atmosfera de espionagem numa Lisboa já “amansada” pelo novíssimo Estado Novo. O início dela está num poeta que manda requisitar dois livros ingleses e promete fazer o horóscopo do autor por lhe parecer estar errado, este interesse serve certamente de isco a tudo o que irá unir dois homens em novelísticas manobras, ou por tédio a uma Lisboa onde nada mais se passava, ou por o outro ser espião inglês, ou, quem sabe, por puro passional, pois que o poeta caiu de amores pela sua mulher , tanto, e de tal forma, que até escreveu o seu único poema erótico. O que é certo é que aquele mês de Setembro de encontros e desencontros, culminando na Boca do Inferno com uma rocambolesca carta de despedida iria levantar celeuma público nos dois países. E claro está, falamos então de Aleister Crowley e Fernando Pessoa!

O repto que Pessoa lança com a averiguação da carta do céu não será apenas uma mera curiosidade pessoal, mas, quem sabe, uma aproximação à edição inglesa, e desde o início desse ano passam então a trocar correspondência com projetos de idas e vindas o que deixa Pessoa um pouco aterrado e que tudo faz para averiguar o tempo mais propício para tal encontro, por outro lado ele era avesso a compromissos, o outro, mundano e desgarrado, não deve ter entendido tanta objeção – e eis que veio e Pessoa foi esperá-lo ao cruzeiro onde tinha ficado ainda, algures, parado, por causa do mau tempo, e o nosso poeta é logo interpelado de forma surpreendente: «olhe lá, porque mandou o nevoeiro lá para cima?» Verdade ou não, é que parece que o encontro foi simpático e para aqueles tão interessados na sexualidade de Pessoa, este encontro, mais não seja, deita por terra muitas teorias acerca dela, diz assim o poema inspirado na tão almejada Dama Escarlate: « Dá a surpresa de ser/ é alta, de um louro escuro/ faz bem só pensar ver/ seu corpo meio maduro/ Seus seios altos parecem (se ela estivesse deitada)/ dois montinhos que amanhecem/ sem ter que haver madrugada/ …apetece como um barco/ tem qualquer coisa de gomo/ ó fome, quando é que eu embarco? Ó fome quando é que eu como?» Só por isto já tinha valido a pena. Alguns ainda dirão: que não, que não…..! Problema deles.

E vamos então viajar com os nossos Magos, um Negro, outro Branco, mas certamente muito competentes para virar a cabeça aos Cinzentos, e sempre lembrando o grande interesse do nosso poeta por literatura policial, aliás, os únicos romances que gostava, só que estes efeitos passavam agora por um protagonista real que se achava a reencarnação de um chinês nascido há três mil anos de seu nome Tu Li Yu, e que nesta reencarnação era apelidado de Besta- isto por causa da mãe que sendo irrascível dizia então que ele era uma besta- como lia muito a Bíblia pensou que fosse a do Apocalipse. Pessoa estava muitos graus de iniciação acima, e a sua mais alta demanda se bem que não o separasse do seu congénere, tinha trilhos mais apertados. É certo que sempre deixou o outro suspenso com a leitura da dita carta que nunca chegou a fazer, mas creio que o ajudou a virar costas a algumas contas que deixou atrás de si, que por pressa de se suicidar, ou porque teve de se “raspar” abruptamente para Berlim, ou fatal homicídio, o pusera a dar entrevistas e depoimentos nos jornais e na polícia.

Suponhamos que ambos se divertiram com o estranho caso em que se falou até de assassinato devido ao universo inglês altamente criminalista, mas o certo é que a Dama Escarlate embarca antes de Crowley com uma mais enigmática cigarreira pertencente a Pessoa (no interrogatório é assim que é descrita) e sabe-se lá o que eles andaram a fazer no insólito mundo que os catapultou para aqui?! Acho que ainda se escreveram para além da “morte” agora com o Mago Negro submetido às vantagens de Pessoa, que lhe traduziu o «Hino a Pã» mais as notícias que saíam no Jornal de Notícias e na revista Girassol. Afinal, o Bem vence sempre se quisermos tirar elucubrações do caso. E já de bem com a sua talvez inusitada e brilhante jogada, o poeta encerra a comunicação e assim se separam para sempre.

Tinha passado o tempo. As vantagens esgotaram-se e creio que o outro se lamentava amargamente com derrocadas financeiras o que para o nosso poeta seria assunto que ele não conseguiria jamais responder – amargurava-se agora ele mesmo de estar com posições tensas no seu próprio horóscopo para se ocupar de outros.-

O Hino a Pã, magistral poema deste fauno, foi enviado para a revista Presença, mas creio que nem isso lhe chegou. As mãos do Mago ficariam vazias de promessas feitas pelo nosso que já muito se tinha esforçado para uma história bem guardada nos Infernos e nos Céus. Era gente singular! Em Lisboa se não olharmos para o bom tempo podemos bem morrer de tédio e os portugueses também não incitam ao despacho do inesperado, e esta Inglaterra de espíritos do outro mundo sempre esteve muito presente na pessoa de Pessoa, que nunca tirando a máscara, se revelou infalível em matéria criminal.

«…..Assim sei que sou quem sou, e terei que o ser separadamente.
A alta lição do escárnio alheio alberga astros em seu futuro».

A propósito desta jornada.

Respirar fundo

Centro Cultural, Lisboa, quinta, 10 Setembro

[dropcap]N[/dropcap]ão escreverei a palavra que se insinua. O dia começou com gesto que me faz chorar apenas de um olho, o mais próximo da narina sujeita à prospecção da vareta com cabeça de algodão, no lado oposto com que outra me vasculha o lado de lá do céu-da-boca. Está uma daquelas manhãs indistintamente belas dos romances, e os reflexos nos equipamentos de guerra química não alteram em nada o sabor do dia.

A rotina do mundo inteiro virou teste, não temos por onde chorar. Ou antes, enxaguemos as lágrimas mecânicas, filhas de nenhum sentimento, antes de recolocar a máscara e seguirmos em frente. Atentos ao pôr dos pés.

Horas depois vejo-me em pleno «Diário de uma Pandemia», exposição de muitas páginas, repartidas por cinco partes, da novíssima associação de fotojornalistas CC11, que até me desafiou para escolher e comentar algumas primeiras da nossa tão pouco entusiasmante imprensa. A poeira ainda não assentou, os ventos varrem a cidade com mais vozes e medos além dos habituais no verão alfacinha, e os olhares já se vão cristalizando em testemunho brutal. Mal entramos e o cansaço reencontra-se em instalação que amplia ao exagero os noticiários sobre a Covid-19 e as várias emergências do estado em que fomos ficando. Isto antes de nos perdermos em 90 das mais de 600 fotos oriundas do «Everydaycovid», projecto criado no instagram por Miguel A. Lopes e Gonçalo Borges Dias, que foi recolhendo as diárias deambulações de 119 fotojornalistas. Segue-se o trabalho dos correspondentes estrangeiros, as tais primeiras páginas e a subtil instalação da Luísa [Ferreira], «Claro e Escuro. A dimensão do que nos foi acontecendo está patente no ambiente tonitruante que por ali se respira. Não falta carga simbólica, homem só com bandeira, as farmácias e os hospitais feitos palco, a coreografia dos novos gestos pó-de-talco, toques de cotovelo e zaragatoas.

Uma parede ergue-se enorme com os retratos simples e pujantes que Rui Oliveira fez a profissionais de saúde, gente com marcas, das máscaras e do cansaço, da apreensão e da dúvida. Não arrisco dizer que está lá a realidade toda, até por sentir falta de alguma sujidade, algum desfoque, enquadramentos mais movediços, mas estarão muitos ângulos do sofrido. A Luísa multiplica as maneiras de ver, chamando a atenção para detalhes, aqueles do chão, ou os da hesitação, estes de súbito habituais de não sabermos o que fazer com as mãos. Ou por onde ir.

Horta Seca, Lisboa, sexta, 18 Setembro

O que desatámos a fazer com o telemóvel será auto-retrato? Ou papel de forrar as paredes em que nos vamos encerrando no labirinto do quotidiano? Nesse espelho contínuo não paramos de simular uma alegria de beijos suspensos, frios, paralíticos que nem cinema parado. Falta-nos ar. O volume 05 da importante colecção PH, dirigida pelo Cláudio [Garrudo], saiu dedicado a José M. Rodrigues, senhor de obra irrequieta que se apresenta em retrospectiva mínima, cronologia invertida que parte do presente para chegar aos anos 1970, como que a querer confundir partida e chegada, nascente e foz. Tem muitas pontas por onde se pegue, esta maneira de rasgar perspectivas. Aliás, creio que um dos seus lados mais desafiantes está na multiplicações de linhas a perseguir, de horizontes a alcançar. Sigamos a da sombra do corpo na parede de papel. Não é a primeira foto que vemos, mas é a que abre a série (algures na página): ao baixo e a cores, declinadas da madeira, duas sombras sobrepostas projectam-se sobre canto de parede tintado com textura miúda e pontuada nos extremos superiores por duas molduras vazias, se não contarmos o reflexo de outras tantas molduras. Cartões de legenda em branco brilham paralelos aqueles fragmentos de objecto comum. A figura está de costas e acentua o rasgo onde a superfície se desdobra em fenda. Eis sublime auto-retrato do fotógrafo: sombra perdida na fronteira dos reflexos, imagens aplicadas em superfícies que se espelham dizendo, a um tempo, matéria densa de construção mas volátil assim a espessura da luz. Pode a fotografia existir sem lugar que a revele? O corpo do artista pode ser ecrã. Quase nas últimas páginas, as do início do percurso, em clássicos quadrado e preto e branco, pedaço de parede forrada de motivos florais sobre o qual assenta moldura com reflexos desfocados do mesmo motivo. Por não ser uniforme, a luz permite que o chiaroscuro vá revelando as subtilezas, as marcas da natureza morta, do tempo. De súbito, rasgada pelo enquadramento, uma tomada. A presença eléctrica do humano faz-se flor, vivifica a matéria inerte. De igual modo, o espelho dialoga com o espectador, quando vemos o objecto torna-se distinto. Outro século agora, de novo ao baixo e a cor, com a paginação em dupla página acentuando a cadência. Sobre fundo hipnótico de florões com dominância de roxos, com vibrações distintas, do muito vivo ao esbatido, parece tombar uma moldura barroca que acolhe foto de mulher vestida sobre a relva, de pose e olhar oferecidos. A parede há-de estar erguida, mas ao alto entrega-se um corpo deitado em chão de ervas. O fotógrafo revela deitado sobre o seu objecto e expõe quase sempre ao nível dos olhos. A fotografia será sempre janela excessiva rasgando a possibilidade de dimensões e narrativas. Esta investigação do José M. sobre a pele do mundo passa por inúmeras texturas e matérias, muitas águas e rochas, mas encontra constância nesta tentativa de fazer da parede, do papel, ou seja, do suporte também ele substância, carne. Há ainda outra onde o corpo do artista se sobrepõe sobre costas de cadeira e o fundo outro não é senão parede com tomada de vários canais, eléctricos, telefónicos, de antena? E nisto desembocamos em presente mais próximo, para já a mais perturbadora das fotos aqui incluídas. Cor, ao baixo, impressa ao alto na ímpar. O artista está arrumado ao canto de duas paredes com frescos emoldurados por sancas de gesso, encimadas por fios eléctricos de cores distintas e colocados também sobre florão pintado no início do tecto que se deixa ver. O enquadramento propõe um desequilíbrio dinâmico que faz do centro o artista de olhos fechados e boca aberta, sorvendo ar. Enquadram-no paisagens campestres com grande presença de céu e azul, de água, visões irreais de um bem-estar composto para o olhar. O fotógrafo respira ou diz em voz alta? Na página par, acontece correspondência, a modos que curto-circuito. No negro puro rasga-se um pequeno rectângulo com homem de costas, a mesma camisa aos quadrados da seguinte: o fotógrafo no estúdio em trabalho de revelação? Ali respira-se luz. O corpo do artista, o seu rosto, pertence a esta pele do mundo que se prolonga, que tatua as construções, a natureza paisagem íntima, que assombra os muros. O olhar, como a luz, define superfícies, estabelece contactos e possibilidades. O fotógrafo, como a sombra, está em todo o lado. O ar é a grande razão de ser.

Hong Kong | Mãe de Tsz Lun Kok pede ajuda ao Consulado português

A mãe do jovem com nacionalidade portuguesa detido, juntamente com outros 11 activistas, desde 23 de Agosto, foi até ao Consulado de Portugal em Hong Kong pedir ajuda, mas saiu de lá sem qualquer resposta. Tsz Lun Kok está isolado em Shenzhen há 37 dias, sem contacto da família nem advogado

 

[dropcap]A[/dropcap] mãe do estudante com passaporte português detido em Shenzhen, na China, pediu ajuda ao Consulado de Portugal em Hong Kong, mas não teve resposta, disse ontem à Lusa o advogado do jovem.

“A mãe foi ontem [segunda-feira] ao Consulado de Portugal em Sheung Wan, em Hong Kong, pedir ajuda, foi lá pessoalmente, e não teve resposta”, contou à Lusa o advogado do estudante naquele território, que pediu para não ser identificado.

Tsz Lun Kok, que enfrenta acusações relacionadas com os protestos pró-democracia em Hong Kong no ano passado, foi detido pela guarda costeira chinesa em 23 de Agosto, com mais 11 activistas, quando tentavam chegar por mar a Taiwan, onde se pensa que procuravam asilo.

Desde então, nenhum dos 12 detidos pôde contactar com a família, tendo-lhes sido também negado acesso a advogados mandatados pelos familiares. Em alguns casos, os advogados foram alvo de ameaças por parte das autoridades chinesas, que alegaram que já teriam sido nomeados advogados oficiosos pelo Estado chinês.

Tanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) como o Consulado de Portugal em Macau e Hong Kong afirmaram que estão a acompanhar o caso, apontando, no entanto, que “a China não reconhece a dupla nacionalidade a cidadãos chineses”, o que limitaria a intervenção das autoridades portuguesas “ao domínio humanitário, procurando assegurar que o detido se encontra bem, que lhe seja dispensado um tratamento digno e que possa ser defendido por um advogado”.

Apesar disso, o advogado do jovem de 19 anos disse ontem à Lusa que o Consulado continua sem informações sobre o detido.

“Ele está isolado há 37 dias, sem contacto da família nem advogado”, recordou o jurista, que questionou várias vezes o Consulado, nomeadamente sobre se as autoridades consulares já tentaram visitá-lo no Centro de Detenção Yantian de Shenzhen, a 50 km de Hong Kong, onde está detido.

Na semana passada, o Consulado tê-lo-á informado apenas, num e-mail enviado na terça-feira, de que tem “vindo a prosseguir os contactos com as autoridades competentes”, mas que “uma resposta ainda está pendente”, acrescentando que “a única informação [de que o posto consular dispõe] é a veiculada pelas autoridades públicas de Hong Kong”.

“Basicamente, até agora, só sabem o que o público sabe em Hong Kong”, lamentou o advogado, considerando “inaceitável” que as autoridades consulares ainda não tenham visitado o detido, com nacionalidade portuguesa e chinesa.

Pressão internacional

Na segunda-feira, a organização não-governamental Human Rights Watch apelou às autoridades portuguesas para que visitem o estudante universitário, recordando que o direito internacional permite essa intervenção.

“A Convenção de Viena sobre Relações Consulares permite que funcionários consulares portugueses visitem [o detido] e lhe providenciem representação legal. O consulado português deve imediatamente procurar encontrar-se com Kok, se ainda não o fez”, instou a ONG, em comunicado.

A Lusa questionou o Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a situação do detido, em 11 de Setembro, mas não obteve resposta.

Em novas questões enviadas ontem ao gabinete de Augusto Santos Silva, a Lusa perguntou que diligências foram feitas para garantir o acesso do detido a um advogado e se as autoridades consulares tentaram visitá-lo, mas voltou a não obter resposta.

O advogado em Hong Kong do estudante com passaporte português disse à Lusa em 4 de Setembro, quando tinham passado 12 dias desde a detenção, que as autoridades chinesas recusaram o acesso ao advogado mandatado pela família no continente chinês, alegando que “a investigação do caso não [estava] concluída, e que [o detido] não tem o direito de ver um advogado”.

Um segundo advogado foi igualmente levado a abandonar o caso, devido a alegadas pressões das autoridades chinesas, indicou no domingo a rádio pública RTHK.

Lei e desordem

O jovem com passaporte português tinha sido detido em 18 de Novembro, e mais tarde libertado, durante o cerco da polícia à Universidade Politécnica de Hong Kong, sendo acusado de motim, por ter participado alegadamente numa manobra para desviar as atenções das forças de segurança com o objectivo de permitir a fuga de estudantes refugiados no interior.

A lei da segurança nacional imposta por Pequim à antiga colónia britânica, em 30 de Junho, levou vários activistas pró-democracia a refugiar-se no Reino Unido e Taiwan.

O diploma pune actividades subversivas, secessão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras com penas que podem ir até à prisão perpétua.

Cinemateca | Outubro dedicado ao cinema em língua chinesa e com obras locais

Apesar de só terem sido anunciados quatro filmes até ao momento, a programação de Outubro da Cinemateca Paixão vai incluir uma selecção de 19 películas, algumas delas locais, dedicadas ao cinema em língua chinesa. Em jeito de balanço do primeiro mês da nova gestão, Jenny Ip considera ter sido “um começo de sucesso”

 

[dropcap]D[/dropcap]epois do arranque polémico da sua nova e desconhecida empresa gestora, marcado pela exibição de filmes clássicos, a Cinemateca Paixão promete um mês de Outubro “substancialmente diferente”. De acordo com Jenny Ip, gestora do espaço, além dos quatro filmes já anunciados, a programação para este mês irá incluir uma selecção dedicada ao cinema em língua chinesa, com 13 curtas e seis longas metragens.

Para o arranque da programação de Outubro, como celebração do Dia Nacional a 1 de Outubro, está programada a exibição de “To Live to Sing”, do realizador chinês Johnny Ma.

“Escolhemos o filme “To Live to Sing” de Johnny Ma, da China, para ser projectado no dia 1 de Outubro em celebração do dia Nacional. É um grande filme que explora um tema valioso, que é a arte produzida na China. Neste caso, é um filme sobre a ópera de Sichuan, uma tradição preciosa e provavelmente em vias de extinção e que temos a oportunidade de ver aqui. Além disso, explora também a forma como está a ser encarado o desenvolvimento do cinema artístico na China”, partilhou Jenny Ip.

Ao HM, a gestora da Cinemateca Paixão revelou ainda que o realizador Johnny Ma virá a Macau durante o mês de Outubro para uma palestra, que terá lugar após uma das projecções entretanto agendadas de “To Live to Sing”.

Das obras já anunciadas para Outubro, inclui-se ainda “Swallow” (EUA), que acompanha a história de uma mulher, cuja existência idílica durante a gravidez toma um rumo alarmante, a partir do momento em que desenvolve uma compulsão de comer objectos perigosos e “The Specials” (França) que aborda o tema do autismo, no contexto do quotidiano de um bairro problemático.

Por fim, será ainda exibido “Tora-san, Wish You Were Here” (Japão), do conhecido realizador Yoji Yamada. O filme, que será exibido em Macau em forma de comemoração do 50º aniversário da carreira do cineasta, fala de uma história onde o amor, a nostalgia e uma amizade de longa data, estão no centro do enredo.

Sobre a selecção dedicada ao cinema em língua chinesa, cujos títulos e detalhes das 19 obras serão anunciados “em breve”, Jenny Ip acrescentou apenas que “a selecção irá incluir obras locais.

“Estamos muito entusiasmados por apresentar um novo programa em breve. Em Outubro o programa será consideravelmente diferente, já sem clássicos e com obras de novos realizadores. Vamos ver se somos capazes de promover estes novos filmes e realizadores perante o público de Macau”, referiu,

Ver para crer

Em jeito de balanço ao final do primeiro mês ao leme da Cinemateca Paixão, a responsável de operações afecta à In Limitada, a nova operadora, considera que o mês passado materializou “um começo de sucesso”, com muito feedback positivo e salas cheias.

“As pessoas gostaram da nossa selecção, de ter a oportunidade de ver filmes clássicos em Macau e sugeriram também outras obras que gostavam de ver no futuro. Estamos muito satisfeitos por receber este feedback, porque é um bom sinal de que o programa foi apreciado e que o público tem grandes expectativas. Além disso, muitos filmes tiveram a lotação esgotada e acrescentámos projecções adicionais (…) e mesmo essas sessões esgotaram em apenas um ou dois dias”, apontou.

Para Ip, outro dos pontos altos do primeiro mês de operações da “nova” Cinemateca foi a presença do realizador de Hong Kong, Stanley Kwan, na conversa online promovida pelo espaço e intitulada “Cineastas de Macau: A sua jornada para o cinema”.

Segunda bienal de arte feminina com “mais participação da sociedade civil”

[dropcap]A[/dropcap] bienal internacional de mulheres artistas de Macau é hoje inaugurada, “na véspera da celebração da Lua”, uma segunda edição com mais participação da sociedade civil, disse ontem à Lusa um dos organizadores.

Em 2018, a primeira edição da bienal foi inaugurada no Dia Internacional da Mulher, em 8 de Março, mas este ano a epidemia de covid-19 levou ao adiamento da abertura da segunda edição para 30 de Setembro, para coincidir com a festividade chinesa do bolo lunar.

Uma coincidência feliz, disse à Lusa o presidente da comissão organizadora, Carlos Marreiros, recordando que o “solstício da lua [é] também um elemento feminino, na véspera da celebração da Lua”. A mostra inclui pintura, escultura, cerâmica, instalações, desenho, serigrafia em diversos suportes, vídeo e fotografia.

Esta edição, sublinhou, tem “muito mais [participação] da sociedade civil”, já que quatro instituições privadas vão albergar a bienal internacional: Albergue da Santa Casa da Misericórdia, Antigo Estábulo Municipal de Gado Bovino, Galeria Lisboa e Fundação Oriente.

O tema escolhido é “Natura”, para dar valor “à contribuição das mulheres na defesa dos valores fundamentais”, na conservação da natureza e também “na natureza mais íntima de todos nós”, explicou.

Cinco curadores asseguram a bienal deste ano: além de Carlos Marreiros, também Leonor Veiga, em Lisboa, Alice Kok e James Chu, de Macau, e Angela Li, da China continental. A pandemia da covid-19 dificultou o trabalho, mas “hoje, com as tecnologias, é possível fazer à distância” a organização das curadorias, explicou, acrescentando que neste momento os cinco curadores já se encontram em Macau e apenas Leonor Veiga se encontra em quarentena obrigatória de 14 dias.

Estética caseira

Esta segunda edição vai contar com 143 obras criadas por 98 mulheres artistas de 22 países. Há muitos “artistas de Macau”, segundo Carlos Marreiros. Macau (31), China continental (13) e Portugal (16) são os mais representados, seguindo-se Hong Kong (7), Coreia do Sul (2), Japão, (1), Indonésia (3), França (3), Espanha (1), Itália (3), Países Baixos (1), Reino Unido (1), Alemanha (3), Suécia (1), Bélgica (1), Brasil (3), Estados Unidos (2), Canadá ( 1), Índia (2), Timor-Leste (1), Irão (1) e Austrália (1).

Até dia 13 de Dezembro, último dia da bienal, estão programados vários seminários e ‘workshops’ com transmissões via Facebook.

Empresário Kevin Ho acusa jovens de preconceito contra Partido Comunista

O sobrinho de Edmund Ho acredita que é preciso apostar mais no “Turismo Vermelho”, para que as gerações mais novas não se esqueçam do sofrimento do passado e que o Partido Comunista da China está disponível para sacrificar tudo pelo país

 

[dropcap]O[/dropcap] empresário Kevin Ho acusou os jovens de Macau e de Hong Kong de terem preconceito contra o Partido Comunista da China, durante uma visita à província de Hebei. As declarações do sobrinho de Edmund Ho, primeiro Chefe do Executivo da RAEM, foram citadas num artigo publicado na edição de terça-feira do jornal Ou Mun.

Na visita ao Interior, Kevin Ho sugeriu o reforço da aposta no “Turismo Vermelho”, que foca a história oficial do Partido Comunista, e defendeu que deve haver mais promoção das vitórias alcançadas, apesar das muitas dificuldades sentidas.

Segundo Ho, esta educação devia ser também cada vez mais promovida junto dos jovens locais, para que não se esqueçam dos esforços das gerações anteriores em prol do país, assim como da intenção original e missão do Partido Comunista.

No entanto, as críticas de Kevin não focaram apenas os jovens de Macau e Hong Kong. O empresário, e principal accionista do grupo português Global Media, proprietário do Diário de Notícias, acusou também os países ocidentais de não perceberem a China, o que no seu entender levou à Guerra Comercial com os Estados Unidos.

Como solução para o problema da imagem internacional, o sobrinho de Edmund Ho defendeu que os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 sejam utilizados para promover a imagem de poder da China e mostrar que o país está pronto e vai assumir responsabilidades mundiais.

Elogios ao Partido

Se por um lado, Kevin Ho criticou os jovens de Macau, por outro, não deixou de elogiar as pessoas que vivem no Parque Natural de Saihanba, na Província de Hebei. O local fazia parte de deserto, mas foi recuperado e florestado.

O também representante de Macau na Assembleia Nacional Popular elogiou todos os que se sacrificaram para que Saihanba se tornasse num local melhor e considerou ainda que é um exemplo de como os membros do partido estão disponíveis para se sacrificarem pela China, segundo a intenção original do partido.

Estas são as primeiras declarações públicas de Kevin Ho, após o Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) ter concluído a investigação sobre o empréstimo de 212 milhões de patacas cedido pelo Governo, liderado por Edmund Ho, à VIVA Macau. A empresa acabaria por falir em 2010 e o montante foi considerado irrecuperável. Kevin Ho era director-executivo não só da VIVA Macau, mas também da Eagle Airways, empresa que se tinha comprometido a assumir o pagamento do empréstimo, em caso de incumprimento, mas que nunca o fez.

No relatório, o CCAC considerou haver indícios de que os directores da empresa tinham cometido o crime de falência não intencional, mas que não seira possível acusar os mesmos, uma vez que já teriam prescrito.

Jogo | Ligações com Lawrence Ho criam obstáculos a empresa australiana

A Crown Resorts, de James Packer, está a encontrar dificuldades para obter uma licença de jogo para um novo casino em Sidney. Um dos pontos mais quentes é a relação com Lawrence Ho, devido às alegadas ligações do pai Stanley com as tríades

 

[dropcap]A[/dropcap] operadora do jogo Crown está a ser questionada na Austrália devido às ligações com Lawrence Ho, filho do já falecido magnata Stanley Ho. A empresa liderada por James Packer pretende obter uma licença para abrir um casino em Sidney, mas o regulador local (Autoridade Independente para o Álcool e o Jogo) está preocupado com eventuais ligações ao mundo do crime de Macau e à falta de cuidados internos da companhia.

Durante vários anos a Crown e a Melco, empresa de Lawrence Ho, foram parceiras em Macau, através da concessionária Melco Crown, responsável pelos casinos City of Dreams, Altira e Studio City. O regulador australiano aprovou a parceria com a condição de os negócios de Lawrence Ho não terem nenhuma ligação com o pai, Stanley Ho, considerado pelas autoridades australianas, mas não só, como um homem ligado às tríades.

Finda a parceria, Lawrence Ho mostrou a intenção de comprar 19,9 por cento da Crown, numa operação, posteriormente abortada. Contudo, na segunda-feira, Michael Johnston, ex-director da Crown, denunciou à comissão de inquérito que quando o negócio esteve em cima da mesa nunca houve a preocupação de verificar se havia efectivamente ligações entre os negócios do filho e do pai.

De acordo com Johnston, houve uma tentativa de verificar as ligações de Lawrence Ho com o pai, que acabou frustrada por ordem de James Packer, o principal accionista da Crown. “Claro, Mike, mas é a minha vida e vou anular a tua decisão”, terá escrito Packer numa mensagem a Johnston a recusar que fosse obtida mais informação.

Sobre o negócio para a compra de 19,9 por cento da Crown, a Melco concretizou uma primeira fase, que resultou numa participação na empresa australiana de 9,99 por cento. Porém, a segunda fase foi mesmo abortada e já em Abril deste ano a empresa de Lawrence Ho desfez-se de qualquer participação na companhia australiana.

Sem certezas

Johnston confessou ainda “não ter a certeza” que Stanley Ho não estivesse ligado à Melco do filho e revelou que mesmo o presidente da Crown, John Alexander, só ficou a saber da venda de 9,99 por cento depois de esta estar consumada.

A Autoridade Independente para o Álcool e o Jogo está neste momento a investigar se a primeira fase da venda da Crown à Melco constitui uma infracção às regras da licença, uma vez que as autoridades não foram avisadas com antecedência do negócio.

Esta não é a primeira vez nesta comissão de inquérito que ligações da australiana Crown com empresas de Macau estão no centro de várias perguntas. Anteriormente, a comissão questionou os membros da operadora de casinos australiana sobre as ligações com a empresa junket Suncity e a falha nos procedimentos internos para impedir lavagens de dinheiro. Um dos pontos mais focados desta análise foi o facto de ter sido encontrado dinheiro vivo no valor de 5,6 milhões de dólares americanos numa das salas geridas pela Suncity.

Cloee Chao questiona utilidade da DSAL na resolução de disputas

[dropcap]A[/dropcap] presidente da Associação de Direitos dos Trabalhadores de Jogo, Cloee Chao, lamentou que a Direcção dos Serviços para os Assuntos Legislativos (DSAL) não tenha um papel activo na resolução de disputas laborais que considera relevantes. Deu como exemplo o caso dos funcionários que no final de Agosto pediram ajuda ao Ministério Público para conseguirem obter a compensação retroactiva de horas de trabalho extraordinárias, na sequência de a DSAL ter considerado as queixas inválidas.

Em conferência de imprensa, Cloee Chao indicou que a DSAL acaba apenas por arquivar as queixas em casos de indemnização por rescisão da relação laboral, apesar de os contratos de fundo de previdência das empresas de jogo terem uma cláusula sobre a cobertura nestas situações. “Os empregados precisam de recorrer ao Ministério Público e pagar a um advogado para pedir a compensação? Qual é a utilidade da DSAL se só arquiva os casos em vez de os resolver?”, perguntou.

Cloee Chao reiterou que o Governo deve colmatar as lacunas legais sobre o subsídio de trabalho nocturno e por turnos. Em causa, está o facto de as empresas não precisarem de pagar subsídios se os contratos estipularem que os funcionários estão dispostos a trabalhar à noite ou por turnos. “Quando [um trabalhador tem] um contrato de trabalho à frente, só há opção de assinar ou não assinar. Como pode escolher rejeitar cláusulas?”, questionou.

Ponto de viragem

A Associação de Direitos dos Trabalhadores de Jogo considera que a situação de sub-emprego é pior do que o Governo anunciou, estimando que só no sector do jogo haja mais de 20 mil pessoas nesta situação. Por outro lado, a associação recebeu queixas denunciando a situação de que se os funcionários não colaborassem com as empresas para reduzir as horas de trabalho ou tirar licenças sem vencimento, eram pressionados pelas chefias ou colocados a trabalhar a longo prazo no turno da noite.

No entanto, a dirigente associativa apontou que nos últimos dois dias os clientes e o volume das apostas aumentaram de forma significativa, no seguimento da retoma de emissão de vistos para residentes da China Continental. A mudança de cenário terá levado alguns casinos a contatar croupiers que tinham férias na semana dourada para as cancelar e voltarem ao trabalho, bem como a suspenderem licenças sem vencimento. De acordo com Cloee Chao, as empresas precisam de ter o máximo de mesas de jogo a funcionar porque as medidas de prevenção permitem apenas três jogadores por mesa.

Parque Oceanis | Empresa perde último recurso para o Governo

[dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Última Instância (TUI) deu razão ao Governo em oito processos relacionados com a anulação da concessão de terrenos. Um dos processos diz respeito ao terreno situado à entrada da Taipa concessionado à sociedade Chong Va – Entretenimento Lda e que tinha como objectivo a construção do parque “Oceanis”.

O prazo de aproveitamento do espaço terminou a 11 de Março de 2001, mas só em 2018 o então Chefe do Executivo, Chui Sai On, proferiu o despacho que dá conta da declaração de caducidade da concessão “por falta de realização, imputável à concessionária, do seu aproveitamento nas condições contratualmente definidas”, esclarece o acórdão do TUI.

Os juízes decidiram também, a favor do Governo, em mais cinco processos relacionados com terrenos situados na zona do Fecho da Baía da Praia Grande, concessionados à Sociedade de Investimento Imobiliário Tim Keng Van, Sociedade de Investimento Imobiliário Man Keng Van, Sociedade de Investimento Imobiliário Chui Keng Van e Sociedade de Investimento Imobiliário Pun Keng Van e Sociedade de Investimento Imobiliário Fok Keng Van.

Foram ainda considerados improcedentes os recursos apresentados pela Companhia de Investimento Predial Hoi Sun Limitada e Sociedade Fomento Predial Predific, Limitada relativos a dois terrenos situados na Taipa.

Dirigentes de escola suspeitos de burla de 20 milhões

Entre 2014 e 2016, a DSEJ atribuiu subsídios a uma escola para realizar projectos, mas descobriu-se que a maioria não se concretizou. Os antigos director e sub-directora da instituição são suspeitos de burla no valor de cerca de 20 milhões de patacas. Depois de a PJ ter revelado o caso, a DSEJ comunicou que o dinheiro foi reembolsado

 

[dropcap]A[/dropcap] Polícia Judiciária (PJ) avançou ontem que foram detidas três pessoas por suspeitas de envolvimento numa burla à Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ). Em causa estão cerca de 20 milhões de patacas atribuídos a uma escola ao longo de três anos, que se destinavam a subsidiar projectos relacionados com cursos e obras, que nunca se concretizaram. Segundo a DSEJ, a quantia foi devolvida pela escola.

Uma das pessoas detidas é a antiga sub-directora da instituição de ensino, que foi ontem apresentada ao Ministério Público (MP) por suspeita de burla de valor consideravelmente elevado e falsificação de documentos. De acordo com a TDM – Rádio Macau, recaem sobre o ex-director da escola – que se encontrará em parte incerta – suspeitas semelhantes.

Entre 2014 e 2016, a DSEJ atribuiu à escola 28 milhões de patacas. No entanto, de acordo com a investigação da PJ, dos 582 projectos previstos só foram concluídos 61, pelo que a burla totalizou cerca de 20 milhões de patacas. A PJ descobriu que os dados sobre a execução do projecto não correspondiam à verdade, incluindo por exemplo fotografias que correspondiam a materiais antigos da escola e não com os projectos novos.

De acordo com a PJ, o caso foi remetido pela DSEJ às autoridades em 2018, por suspeitas de falsificação de documentos para obter subsídios, depois do alerta do novo director da escola, que assumiu o cargo em 2017. O dirigente notou que a maioria os projectos não tinham sido realizados.

Pagar de volta

Depois das informações divulgadas pela polícia, a DSEJ declarou que a entidade titular da escola reembolsou na totalidade o valor do apoio financeiros aos projectos que não se realizaram, num total superior a 20 milhões de patacas. A DSEJ explica que fez visitas e entrevistas ao pessoal do estabelecimento e encontrou irregularidades nos planos da escola e na análise dos dados dos subsídios.

O organismo alega que os antigos responsáveis da instituição particular “defraudaram a entidade titular, pedindo subsídios para projectos fictícios, falsificando documentos e burlando, entre outras infracções criminais”. Os subsídios alegadamente obtidos por meios fraudulentos no caso de suspeita de burla por ex-responsáveis da escola eram do Fundo de Desenvolvimento Educativo, explica a nota.

Segundo as informações divulgadas pela PJ, o caso envolve ainda a empresa que seria responsável pelas obras na escola, e cujos responsáveis, que são irmãos, também foram detidos. São suspeitos de burla de valor consideravelmente elevado e branqueamento de capitais.

Na altura, a escola transferiu o dinheiro para a empresa. A irmã, uma residente de 40 anos, explicou que não sabe como a companhia opera e que se limitou a fazer registos, assinaturas e transferências de acordo com as instruções do irmão. O dinheiro terá passado por contas bancárias de outras firmas para evitar impostos, chegando depois à conta individual e da empresa de um dos irmãos.

A antiga sub-directora disse apenas que a escola autorizou a entrega de documentos à DSEJ mesmo quando os planos ainda não estavam concluídos. Não há provas de que tenha beneficiado das verbas.

Pornografia | Detidos 12 suspeitos de difundir vídeo com menor

[dropcap]F[/dropcap]oram detidos 12 indivíduos suspeitos de difundirem um vídeo pornográfico que envolve a participação de uma menor, e que já motivou detenções no mês passado. O caso foi encaminhado para o Ministério Público. Todos os suspeitos são nepaleses com idades entre os 23 e os 47 anos.

Em conferência de imprensa, a Polícia Judiciária (PJ) explicou que dez dos detidos confessaram ter partilhado o vídeo através do “messenger”, na rede social Facebook, enquanto os restantes negaram a sua divulgação.

A Interpol comunicou à PJ a 11 de Agosto suspeitas da divulgação de um vídeo relacionado com pornografia de menor através do Facebook. As autoridades indicaram que o vídeo tem cerca de dois minutos e meio, e mostra um homem a ter relações sexuais com uma menor de idade estrangeira. No mês passado, a PJ deteve 11 nepaleses por suspeitas de partilharem este mesmo vídeo.

Na RAEM, o crime de pornografia de menor – que inclui a difusão de filmes ou gravações pornográficas – é punido com pena de prisão de um a cinco anos, que pode chegar aos oito anos se o crime tiver sido praticado “como modo de vida ou com intenção lucrativa”.

A Direcção dos Serviços Correcionais (DSC) comunicou ontem que “presta elevada preocupação e lamenta profundamente” o caso de um guarda prisional de nacionalidade nepalesa que foi detido por suspeitas de ter cometido o crime de pornografia de menor. O organismo explica que vai cooperar com as investigações e instaurou um processo de inquérito disciplinar interno. Além disso, exigiu atenção ao caráter e deontologia profissional ao pessoal.

Associação Novo Macau defende mais representatividade nos órgãos consultivos

[dropcap]O[/dropcap] vice-presidente da Associação Novo Macau, Rocky Chan, defende a necessidade de reformar o Conselho Consultivo para os Assuntos Municipais, assim como os Conselhos Consultivos de Serviços Comunitários da Zona Norte, Zona Central e das Ilhas. A ideia foi defendida num comunicado em que acusou os órgãos consultivos do Governo de serem demasiado exclusivos, com encontros feitos à margem da população e à porta fechada.

A falta de abertura e o facto de os 44 órgãos de consulta do Executivo serem todos nomeados, ao invés de escolhidos de forma mais democrática e representativa, foi a primeira crítica de membro da associação. “É muito frequente que a população questione qual é a eficácia de todos estes conselhos consultivos no que diz respeito a ouvir a voz das pessoas nas questões que vão além das agendas dos seus membros”, afirmou Rocky Chan. “Acredito que se houver mais transparência da informação e participação nos organismos de consulta que não haverá qualquer impacto negativo para a capacidade de o Executivo governar”, começou por apontar o vice-presidente da Novo Macau.

Segundo Chan, a necessidade de reforma dos órgãos consultivos passa principalmente por garantir que as opiniões das pessoas que estão fora das associações tradicionais também são ouvidas. “O Governo devia mudar para conseguir atrair a opinião das pessoas, através de canais alternativos como sessões à porta aberta ou reuniões com participação de mais pessoas”, sugeriu.

Só tradicionais

O democrata considerou também que se o Governo já tivesse aberto os órgãos consultivos além das associações tradicionais que teria conseguido evitar polémicas recentes como as propostas de construção de um crematório na Taipa ou um Armazém de Substâncias Perigosas em Seac Pai Van.

Só no caso do armazém em Seac Pai Van, os residentes daquela zona conseguiram reunir mais de 7.000 assinaturas contra a proposta, que já tinha sido discutida no Conselhos Consultivos de Serviços Comunitários das Ilhas. A forte oposição levou o Executivo a desistir daquela localização.

Face a este cenário, Rocky Chan propõe ao Governo que comece a divulgar com antecedência os assuntos que são discutidos nas reuniões dos conselhos consultivos e que permita que os residentes se possam inscrever para serem ouvidos.

Mak Soi Kun alerta para pressão financeira nas famílias

[dropcap]M[/dropcap]ak Soi Kun considera que após um bom controlo da pandemia que os residentes estão preocupados com os efeitos económicos e a redução dos rendimentos. Esta foi a mensagem deixada pelo deputado depois de uma acção de rua em que visitou vários locais, como restaurantes e associações.

“Apoiei sempre o Governo e as políticas de combate à epidemia, principalmente quando estávamos na fase inicial e mais séria. A política de prevenção da epidemia foi implementada de uma forma séria e acertada”, começou por realçar o deputado. “Mas, recentemente a minha equipa nas visitas que fez pela cidade ouviu muitas opiniões que revelaram preocupações com a revitalização da economia”, acrescentou.

De acordo com Mak Soi Kun, além do crescimento dos números do desemprego, existem muitos agregados familiares com membros que apesae de estarem empregados sofreram uma quebra acentuada de rendimentos. “A pressão financeira é muito maior do que anteriormente”, apontou sobre os cortes salariais.

Outra das preocupações partilhadas ao deputado foi a dificuldade nos procedimentos de passagem de fronteira para Zhuhai, principalmente devido aos custos dos testes de ácido nucleico, que são de cerca de 180 patacas.

Segundo o deputado, urge arranjar uma solução para que as famílias possam ir ao Interior, ou regressar a Macau, sem terem de pagar tanto pelos testes ou perder tempo em filas. Mak pergunta mesmo ao Governo se não há possibilidade de fazer uma zona de circulação entre Macau e Zhuhai sem necessidade de realizar o teste do ácido nucleico.

Viva Macau | Ho Iat Seng quer melhor gestão de fundos públicos

Num encontro para analisar o relatório do Comissariado Contra a Corrupção sobre o caso Viva Macau, André Cheong transmitiu que o Chefe de Executivo quer mais rigor na concessão de empréstimos. Chan Tsz King reforçou a importância de rever a lei

 

[dropcap]O[/dropcap] secretário para a Administração e Justiça, André Cheong revelou que o Governo atribui grande importância ao relatório do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) sobre a concessão de empréstimos de apoio à Viva Macau e que o Chefe do Executivo quer que as entidades gestoras de fundos públicos apresentem medidas correctivas e preventivas.

A posição de Ho Iat Seng foi dada a conhecer ontem, por ocasião de um encontro que contou com responsáveis de entidades gestoras de fundos públicos e que serviu para partilhar opiniões sobre o “Relatório de investigação sobre a concessão dos empréstimos de apoio à Viva Macau pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização”.

Segundo uma nota oficial, o Chefe do Executivo emitiu instruções para as entidades gestoras de fundos públicos “estudarem o relatório com seriedade e procederem com o trabalho de auto-verificação abrangente ao contraste dos problemas revelados e às sugestões apresentadas no relatório”.

Ho Iat Seng disse ainda as mesmas entidades devem melhorar e aperfeiçoar os diplomas legais e o regime de apreciação e aprovação de apoio financeiro, de forma a garantir “o uso razoável e adequado do erário público nos termos legais”.

No mesmo encontro, o comissário contra a Corrupção, Chan Tsz King reforçou a importância de rever a lei e os procedimentos de análise de riscos e fiscalização, no momento de conceder de apoios financeiros ou empréstimos.

Lembrando que a relação jurídica entre fundos públicos, privados e entidades privadas envolve quatro fases diferentes, ou seja, preparação, apreciação e aprovação, assinatura do acordo e o cumprimento do mesmo, Chan Tsz King, enumerou algumas sugestões a ser adoptadas.

Sobre a fase de preparação disse considerar indispensável “acelerar a elaboração da respectiva lei e regulamento suplementar”. Já na fase de apreciação e aprovação, sugere que sejam solicitados “com rigor”, aos requerentes, a “entrega de todos os documentos detalhados e indispensáveis para efeitos de apreciação e aprovação”.

Relativamente à elaboração do acordo de empréstimo, Chan Tsz King afirmou que as cláusulas “devem ser muito claras, na garantia por activos, com capacidade efectiva de pagamento”, de forma a assegurar que os apoios possam ser pagos “nos casos de não pagamento pontual pelos devedores”.

Chan Tsz King referiu ainda que, na fase do acordo, a entidade responsável deve fiscalizar “periodicamente e conforme as cláusulas” o beneficiário do fundo, através da apresentação de relatórios e sugestões à entidade da tutela.

Milhões no ar

Recorde-se que sobre a investigação do empréstimo de 212 milhões de patacas concedidos pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e Comercialização (FDIC) à falida Viva Macau Airlines, o CCAC considerou que não houve crime de corrupção nem dolo nos actos praticados, mas sim más práticas que o Executivo deve corrigir.

No relatório do CCAC, ficou patente que os administradores e sócios da companhia aérea não cumpriram a lei no que diz respeito às regras de contabilidade e transações comerciais. No entanto, o organismo defendeu que os administradores Kevin Ho e Ngan In Leng tentaram salvar a empresa e que a falência não foi intencional, chegando a fazer vários empréstimos à companhia aérea. Quando a Viva Macau faliu em 2010, devia um total de 1.1 milhões de patacas.

AL | Possível saída de Au Kam San e Ng Kuok Cheong não surpreende analistas 

Au Kam San disse que é quase certo o facto de não se candidatar a um lugar de deputado nas próximas eleições legislativas, enquanto que Ng Kuok Cheong poderá ser candidato, mas não como cabeça de lista. Analistas ouvidos pelo HM revelam não estar surpreendidos com esta tomada de posição. Larry So prevê duas listas candidatas, mas teme um maior enfraquecimento do movimento pró-democracia

 

[dropcap]V[/dropcap]ários analistas dizem não estar surpreendidos com a possibilidade de os deputados Au Kam San e Ng Kuok Cheong poderem não concorrer aos lugares de deputados pela via directa, algo que pode pôr um ponto final a décadas de trabalho político por parte das duas figuras históricas do campo pró-democracia.

A informação da saída foi avançada pelo canal chinês da TDM e depois confirmada ao HM pelos próprios. Ng Kuok Cheong ainda pondera concorrer caso a saúde o permita, mas não como cabeça de lista. Au Kam San admitiu mesmo sair da corrida eleitoral.

Para o analista político Larry So, há muito que Au Kam San e Ng Kuok Cheong mostram sinais de cansaço. “Ng Kuok Cheong tem demonstrado algum cansaço, e [os dois deputados] já não têm uma postura tão agressiva como antes. Têm exibido um comportamento que transmite a mensagem de que estão cansados de estar nessa posição e que querem sair, ou, pelo menos, fazer uma pausa. Não estou surpreendido com o facto de não serem candidatos nas próximas eleições, já esperava isso.”

Larry So frisou que até esperava mais a saída de Ng Kuok Cheong ao invés de Au Kam San. “Parece que este está mais determinado em não ser candidato”, apontou. O analista político prevê que o campo pró-democracia poderá apresentar duas listas, uma delas ainda sob influência de Ng Kuok Cheong, para garantir votos.

“Espero que Sulu Sou não seja a única voz do campo pró-democracia [no hemiciclo]. Mas o pior cenário será esse, a existência de um único deputado desse campo. Mas pode haver uma lista criada sob a sua influência. Ele pode dar uma espécie de assistência a um candidato mais jovem e, talvez, o cabeça de lista seja eleito, mas o segundo dificilmente será. Desta forma ele poderá reformar-se sem sentimentos de culpa.”

Larry So alerta, contudo, para a falta de experiência política dos novos rostos, o que poderá ter influência no número de votos. “As caras que surgirem agora serão novas, mas também inexperientes. Penso que nas próximas eleições teremos apenas duas listas a concorrer porque o número de pessoas que votam em Ng Kuok Cheong e Au Kam San podem não se sentir próximas dos jovens que acompanham a lista de Sulu Sou. Não estou a dizer que Sulu Sou não é um bom candidato, mas a separação que ocorreu [entre os deputados e a ANM] não foi uma coisa boa.” Desta forma, para Larry So, o campo pró-democracia só poderá reforçar-se com duas listas na corrida.

Jason Chao, activista ligado à ANM que chegou a concorrer às eleições ao lado de Au Kam San, também diz “não estar surpreendido” com a informação. “Ng Kuok Cheong já tinha dito que poderia apoiar um candidato colocando-se na sua lista. Mas em relação a Au Kam San foi um pouco mais surpreendente. Como alguém que trabalhou com ele há alguns anos digo que temos de analisar de forma cuidadosa as suas palavras. Au Kam San pode não ser candidato, mas não sabemos o que ele quer dizer com isso, porque pode vir a apoiar outro candidato, ou fazer campanha por alguém. Ambos [os deputados] continuam a ter alguma influência.”

O HM questionou Luís Leong, ligado à União para o Desenvolvimento da Democracia de Macau [associação criada pelos dois deputados] se poderá ser cabeça de lista nas próximas eleições, mas este disse apenas que “ainda está a considerar” essa possibilidade.

“Penso que será melhor anunciar os nomes depois de uma discussão interna. Neste momento estamos focados em questões sociais importantes, como a pandemia e a vacina, o planeamento urbanístico e a preservação de Coloane”, disse ao HM.

Um ano de preparação

Scott Chiang, ex-presidente da ANM, também confessou que a possível saída de Ng Kuok Cheong e Au Kam San não é uma novidade. “Esta notícia dificilmente surpreende ainda que eles não tenham confirmado o rumor que existe desde as últimas eleições, de que essa seria a última vez que iriam liderar listas candidatas. Além disso, há muito que se comenta que Ng Kuok Cheong pode concorrer em segundo lugar ao lado de outro candidato.”

“Agora que essa possibilidade se confirma, têm um ano para introduzir e vender junto do público um ‘jovem’ (palavras de Ng) que ainda precisa de ser mais conhecido. Esse objectivo não será mais fácil de atingir do que se eles concorrem para uma nova reeleição”, frisou Scott Chiang.

Apesar dos conflitos internos, Scott Chiang continua a ter uma palavra de apreço pelo trabalho que os dois têm feito no panorama político de Macau, embora o destaque vá para Ng Kuok Cheong. “Teve, sem dúvida, um grande contributo para a introdução da política parlamentar democrática moderna que temos hoje. Poderemos dizer que ele é uma espécie de Elsie Tu [política de Hong Kong] de Macau, no sentido em que estabeleceu um exemplo para os democratas, desde a narrativa ao processo de trabalho.”

Camões Tam, analista político, prefere não analisar o trabalho dos dois deputados e a sua importância, assumindo que o movimento pró-democracia poderá renovar-se. “Sobre o desenvolvimento da democracia em Macau, temos figuras como Sulu Sou ou Kam Sut Leng [presidente da ANM] e muitos outros jovens estão a crescer. Penso que não temos de nos preocupar com isso. Au Kam San e Ng Kuok Cheong estão velhos e esta é a altura para eles saírem, talvez seja a fase mais adequada.”

Influência de Hong Kong

A possível saída de Au Kam San e Ng Kuok Cheong faz-se numa altura difícil para a política de Macau e de Hong Kong, devido aos protestos e à implementação da lei da segurança nacional na região vizinha. Além disso, as duas filhas de Au Kam San estão acusadas do crime de reunião ilegal depois de terem estado presentes na praça do Leal Senado no dia 4 de Junho, dia em que se assinala o aniversário do massacre de Tiananmen.

Larry So não tem dúvidas de que este cenário poderá ter contribuído para a decisão de Au Kam San e Ng Kuok Cheong. “Há algum medo por causa da lei da segurança nacional e com tudo o que está a acontecer em Hong Kong. Isso desencoraja a chamada geração jovem de participar em causas de maior justiça social. O movimento pró-democracia poderá ficar afectado”, defendeu.

Jason Chao não tem dúvidas de que Ng Kuok Cheong “teve uma grande contribuição para o movimento democrático de Macau”, mas não deixa de apontar algumas “fraquezas” relativamente ao seu trabalho como deputado.

“Ele não conseguiu apresentar propostas muito concretas e nesse aspecto é muito diferente do Sulu Sou, que tem muitos ajudantes a fazerem investigação e a preparar as suas propostas. É essa a grande falha de Ng Kuok Cheong.”

Sobre Au Kam San, é público o desentendimento entre os dois desde que participaram em conjunto numa lista às eleições legislativas para o hemiciclo. “O projecto não correu bem e tivemos muitos conflitos internos. Claro que aprecio o facto de me ter dado uma oportunidade de participar nas eleições, mas Au Kam San sempre foi mais seguidor de Ng Kuok Cheong.”

Para o jurista António Katchi, a saída de Au Kam San e Ng Kuok Cheong não acontece por “medo”, mas sim para “dar lugar a uma nova geração”. “Não são pessoas de se agarrar ao poder e a cargos – isso viu-se perfeitamente pela forma serena com que, no interior da ANM, apoiaram a eleição de Jason Chao como seu presidente, tinha ele 22 anos. Ainda assim, não sei se a vergonhosa e ilegal acção da PSP contra as filhas de Au Kam San na noite de 4 de Junho não terá contribuído para a decisão de Au Kam San. É difícil não colocar esta hipótese”, frisou.

Para António Katchi, Au Kam San “tem sido, nos últimos anos, o candidato preferido do movimento pró-democrático nos bairros operários da zona norte”, o que traz riscos para as próximas eleições.

“Uma parte desses votos pode deslocar-se para a abstenção, para uma lista pró-governamental, ou para uma lista de oposição sem votos suficientes para eleger um deputado. O campo democrático tem agora um ano para tentar evitar isso”, frisou. Cabe ao movimento saber definir caminhos e analisar os adversários, aponta Katchi.

Semana Dourada leva a aumento de vagas para testes de ácido nucleico

[dropcap]O[/dropcap] número de vagas diárias para a realização dos testes de ácido nucleico vai aumentar para 19 mil, de acordo com um anúncio de ontem do médico Alvis Lo. Segundo os cálculos apresentados, as vagas no Fórum Macau e Pac On vão aumentar para 13 mil, enquanto no Kiang Wu e no Hospital da Universidade de Ciência e Tecnologia sobem para 1.500 e 1.000, respectivamente.

“Com o Dia Nacional haverá mais turistas, um maior fluxo de visitantes, assim como uma maior procura pelos testes […] Temos um número suficiente e a população pode ficar descansada”, garantiu o médico-adjunto da direcção do Hospital Conde São Januário.

Além disso, Alvis Lo anunciou que passa a ser possível fazer testes com urgência em que os resultados são obtidos no mesmo dia, mas que esse serviço tem um custo de 500 patacas.

Outra das novidades passa pelo alargamento da venda de máscaras disponibilizadas pela RAEM aos alunos não-residentes que frequentem as instituições locais. Esta manhã arranca mais uma fase de venda e as pessoas vão poder adquirir 30 máscaras por 24 patacas até 28 de Outubro.

“Além de residentes e trabalhadores não-residentes vamos estender este programa aos estudantes não residentes do ensino superior. Para fazerem a compra têm de exibir o cartão de estudante”, indicou Alvis Lo.

Isenção de quarentena

Também na tarde de ontem, Lau Fong Chi, dos Serviços de Turismo, divulgou que foram recebidos 554 pedidos para isenção do pagamento da realização da segunda quarentena. Os residentes passaram a pagar pela segunda quarentena desde 1 de Setembro. Entre os 554 pedidos, 185 foram autorizados, 101 recusados e 268 estão em apreciação.

Ainda na conferência de ontem, foi anunciado que o Hotel Regency Art vai deixar de ser um dos espaços designados para a quarentena, ficando livre a 30 de Setembro. “Vai ser esvaziado a 30 de Setembro e os Serviços de Saúde de Macau vão fazer os trabalhos de limpeza. Depois o hotel deixará de ser indicado para o cumprimento de quarentena”, apontou.

Suicídios

[dropcap]A[/dropcap] escritora alemã Sabine Ulbricht propôs-se investigar a relação entre a literatura e o suicídio no seu ensaio «Abismos», partindo do livro de Thomas Bernhard «O Náufrago» e de «Van Gogh O Suicidado da Sociedade», de Antonin Artaud. Para a autora, «[…] o suicídio é um tema existencial por excelência, que desde a antiga Grécia que aparece na literatura. Mas há suicídios e suicídios. Aqueles que importam aqui ver não são os suicídios que advém de uma contrariedade material, como uma súbita falência, ou uma contrariedade amorosa, como a perda do amado ou amada. O que importa aqui ver é a relação entre a arte, o artista e o suicídio […]».

Em Portugal não parece ser um tema que nos interesse particularmente. Curiosamente, o filósofo espanhol Miguel de Unamuno escreveu um livro chamado «Por Terras de Portugal e Espanha» onde se pode ler um texto – hoje editado separadamente, como um pequenino livro – «Os Portugueses, Um Povo Suicida», em que são abordadas várias figuras da nossa história, com Camilo e Antero representando os suicídios nas letras. A análise do amigo de Pascoaes vai mais longe e analisa o comportamento suicida de «esse povo triste, mesmo quando sorri», nós, portugueses. Apesar da questão do suicídio português, para o autor espanhol, estar mais ligado a uma ausência de futuro, a verdade é que temos vários suicidados: Camilo, Antero, Manuel Laranjeira, Sá-Carneiro, Florbela Espanca. E outros menos reconhecidos, em maior número certamente, que podemos ligar à análise de Sabine Ulbricht acerca do suicídio em «O Náufrago», visto a autora ligar o suicídio de Wertheimer com a frustração artística. «Bernhard faz com que Wertheimer se suicide porque o Glenn Gould existe ou, na tese mais trágica, porque não pode ser o Glenn Gould.» A escritora alemã não esquece o título do livro e as relações com o livro «Naufrágio com Espectador», de Hans Blumenberg, que mostra como a metáfora do naufrágio está amarrada à existência, pelo menos desde Tales de Mileto, esse que é considerado o primeiro filósofo. Diz-nos Blumenberg, que a despeito do humano ser um habitante da terra, a metáfora da existência ligada ao mar e à situação de embarcado surge-nos já na Grécia Antiga e torna-se comum na reflexão filosófica ao longo dos séculos. Contudo, a metáfora que ficou mais conhecida na história do ocidente foi a de Lucrécio em «De Rerum Natura / A Natureza das Coisas».

Aqui, Lucrécio traça uma metáfora do naufrágio com espectador, cujos elementos constituintes são o navio, a sua tripulação, o timoneiro e o mar, encontrando-se os navegantes em perigo de vida. A este cenário é acrescentada a figura do espectador que está em terra firme –na praia – e que observa, à distância, a calamidade do naufrágio. Neste sentido, Lucrécio fazia a defesa de um viver em ataraxia, isto é, fazia a apologia de que devíamos viver afastando de nós as afectações, as paixões. Assim, estava bem de ver, que o naufrágio não era a existência, mas um particular modo de a efectivar, que seria o entregar-se aos prazeres desmedidos e às paixões. Não podemos esquecer que Lucrécio era epicurista e defendia que o melhor que se podia alcançar na vida era ser espectador dela. Não devemos esquecer que os epicuristas além de condenarem os excessos condenavam também qualquer actividade política, pública. Devíamos abstermo-nos de participar da vida. A vida foi feita para o espectador. Para aqueles que leram Pitágoras, lembrar-se-ão da poderosa metáfora que usa ao defender a vida contemplativa, ligando isso à filosofia. A fonte é Diógenes Laércio, leia-se: «A vida, dizia Pitágoras, é como um festival; tal como alguns vêm ao festival para competir, outros para fazer o seu negócio, enquanto os melhores vêm como espectadores, assim os homens servis vão à caça de fama ou de lucro, e os filósofos, da verdade.» Fica aqui, para sempre na história ocidental, a ligação estreita entre procura de conhecimento e verdadeira vida. E esta vida é a do espectador. Isto será recuperado por Epicuro, e será o centro do seu pensamento ético. Embora não fosse neste sentido que Lucrécio usasse a metáfora do espectador, ela foi também usada para defender o ponto de vista de Epicuro; a de uma vida longe da acção. Acção que é a do homem que embarca.

Sabine Ulbricht escreve ainda acerca das interpretações de Pascal, de Schopenhauer e de Nietzsche acerca da metáfora do naufrágio, tal como aparece no livro de Blumenberg, para então escrever: «Mas a metáfora da existência em ligação a náufrago, em Bernhard, contrariamente a Nietzsche [para este somos todos náufragos, mas podemos alcançar terra firme tornando-nos naquilo que somos, criando os nossos valores] , não tem terra firme a que se chegue. Não há a possibilidade de transfiguração dos valores, de construir novos valores, porque a existência é assim mesmo e não admite inovações ou transfigurações. Assim, para Bernhard, existir é ser náufrago e sem possibilidade de chegar a terra firme, a não ser talvez com o génio, como é no livro o caso de Glenn Gould, mas que se estende a Horowitz, a Mozart, a Bach, a Schoenberg, a Berg, a Mahler, a Handel… Mas para além ou aquém do génio, toda a existência é a de um náufrago em alto mar. É assim com o narrador e é assim com o Wertheimer, embora de modos distintos. Ambos são náufragos, mas cada um deles vive a situação à sua maneira. O Wertheimer desiste de continuar a nadar, a manter-se à tona da existência, assim que percebe que não há terra firme a que chegar. O narrador embora saiba que não há terra firme a que chegar não desiste de se manter à tona, pois entende que existir é manter-se à tona, sem a ilusão de uma terra firme a que chegar. É o ponto de vista mais aterrador da existência, a de que existimos para nada, a não ser para as migalhas que o dia traz. Assim, mais do que Nietzsche, é a Schopenhauer que Bernhard e o seu livro mais devem. Em a metáfora do naufrágio, Schopenhauer torna o náufrago espectador de si mesmo.»

Adiante no livro, a autora alemã escreve que, «[…] partindo de um ponto de vista estético, Bernhard descreve um profundo drama existencial, o de alguém que nunca esteve bem consigo e com o mundo, que nunca se viu a si mesmo, mas apenas uma projecção que fez de si mesmo. Se isso é suficiente para levar ao suicídio é outra questão. No modo como Bernhard descreve, sim. O náufrago deixa de nadar, por não conseguir ver terra firme a que se possa chegar. O suicídio advém de não se ver futuro. Advém de que a vida é um eterno presente naufragado em alto mar, sem possibilidade de chegar aonde quer que seja, embora este futuro não seja um vínculo temporal com acontecimentos materiais, e sim com uma vontade estética. Não é falta de um futuro concreto, material, mas a perda irremediável – é assim que é sentido – da possibilidade de se viver segundo um sentido estético»

No fundo, segundo Ulbricht, o suicídio acontece por um curto-circuito com o futuro. E nos artistas esse curto-circuito é o rompimento com uma vida para a estética. O existente não deixa apenas de se ver no futuro, de não conseguir imaginar-se adiante, não consegue imaginar a sua vida sem uma vivência plena na estética, que julga ter terminado para sempre, seja por que razão for. Literalmente, a vida acabou, deixa de nadar. «Wertheimer mata-se porque vê que a estética deixa de fazer sentido na sua vida. E, sem isso, não vale a pena viver.» Continuaremos na próxima semana a seguir este livro de Sabine Ulbricht.

Turismo | Visitantes atraídos por compras e férias

[dropcap]N[/dropcap]um inquérito feito a 107 turistas, apenas 16,8 por cento admitiu ter vindo a Macau para jogar. Mais de metade justificou a deslocação ao território com a vontade de fazer compras e férias. Foram estes os principais motivos que levaram os turistas de Zhuhai e Cantão a visitarem Macau entre 12 e 26 de Agosto, de acordo com um inquérito feito pelo Centro de Pesquisa de Macau.

Entre os 107 turistas inquiridos numa fase em que apenas estavam a ser emitidos vistos de visita individual às pessoas da província de Cantão, mais de 51,4 por cento apontou que veio a Macau para fazer compras. A segunda razão mais mencionada foi passar férias, com uma proporção de 21,5 por cento, seguida pela justificação “jogar”, com uma proporção de 16,8 por cento.

Em relação ao consumo, os turistas deixam uma média de 9.018 patacas em Macau, sendo que 5.713 patacas, ou seja 63,3 por cento, tem como destino as compras. Já o montante gasto com comida nos restaurantes locais é de cerca de 1.830 patacas, ou seja 20,3 por cento. A nota sobre o inquérito do Centro de Pesquisa de Macau não indica os montantes gastos nas mesas de jogo.

Quanto à estadia em Macau, o estudo indica que mais de metade dos turistas entra e sai do território no mesmo dia, numa proporção de 51,4 por cento, sendo que a média de permanência é de 1,9 dias.

Ainda em relação aos visitantes pós emissão de vistos de turismo individual, para a esmagadora maioria, ou seja 92,5 por cento, esta é uma viagem repetida. Por outro lado, 7,5 por cento dos 107 inquiridos estava em Macau pela primeira vez.

Mais de 200 mil visitantes

Segundo os dados disponibilizados pela Direcção de Serviços de Censos e Estatística (DSEC), em Agosto entraram em Macau 227.113 visitantes, o que significa praticamente o triplo das 74.006 visitas à RAEM, registadas em Julho.

Entre os motivos que levaram estas pessoas a escolherem Macau, nesta altura, o principal motivo foi a segurança na RAEM e as medidas implementadas nesta matéria. Esta foi a justificação de 36 por cento dos inquiridos. Por outro lado, 28 por cento respondeu que veio a Macau por gostar dos produtos aqui podem comprar e 11 por cento afirmou que as visitas se devem ao facto de os preços serem agora mais baratos, do que em alturas anteriores.

Sobre a satisfação da viagem, os inquiridos deram uma nota de 7,9 pontos a Macau, numa escala que tinha como nota máxima 10. Por outro lado, 25,2 por cento considerou que a viagem para Macau é actualmente mais confortável porque há menos pessoas.

Pintura Arte Lusófona no Clube Militar a partir de amanhã 

A exposição de Pintura Lusófona regressa amanhã ao Clube Militar, onde poderá ser vista até 2 de Novembro. Ao todo, são nove os artistas oriundos dos países de língua portuguesa que vão expor 27 obras originais. A mostra, que não tem tema, obrigou a curadoria a partir em busca de “alguma harmonia”

 

[dropcap]“É[/dropcap] uma mostra diversificada que nos obrigou a um esforço complementar para tentar que, no conjunto, pareça uma salada bem composta e não um ajuntamento de obras”. É desta forma que José Duarte, curador da exposição de Pintura Lusófona que arranca amanhã no Clube Militar de Macau, descreve o facto de não existir um tema subjacente ao evento.

Como em anos anteriores, o objectivo passa celebrar as relações com os países Lusófonos através da mostra do trabalho de artistas plásticos contemporâneos de cada um dos países de língua portuguesa, ou seja, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor e ainda de Macau. No total, vão estar expostos entre 30 de Setembro a 2 de Novembro, 27 trabalhos originais, três de cada um dos nove artistas convidados.

“A exposição não tem um tema comum para além da Lusofonia e, por isso, procurámos que fosse uma exposição diversificada, que mostre diferentes abordagens, sensibilidade e técnicas. É uma mostra da diversidade das artes plásticas no mundo Lusófono, em que os curadores procuraram, como é natural, que nessa diversidade haja, apesar de tudo, alguma harmonia”, explicou José Duarte ao HM.

Apesar dos constrangimentos provocados pela pandemia terem levado a organização a “repetir artistas” de anos anteriores “dadas as dificuldades de comunicação”, o curador sublinha que existem vários pontos de interesse na edição deste ano, tendo destacado o artista angolano Cristiano Mangovo, que nunca expôs em Macau, e o artista local Vitor Marreiros. “O Cristiano Mangovo, de Angola é provavelmente a maior novidade. É um artista em ascensão que nunca expôs em Macau e cuja obra é para acompanhar. O Vitor Marreiros, é um conhecido artista e designer local que tem um estilo muito característico e algumas das suas obras têm características mais impressionistas na forma de pintar, ou até abstractas”, partilhou o curador.

Para além dos dois artistas, a exposição de Pintura Lusófona vai ainda acolher os trabalhos originais de Jayr Peny (Brasil), Tutu Sousa (Cabo Verde), Sidney Cerqueira (Guiné-Bissau), Suzy Bila (Moçambique), Fernando Direito (Portugal), Eva Tomé (São Tomé e Príncipe) e Dulce Martins (Timor-Leste).

Desafios e incertezas

Depois da exposição prevista para Junho, também ela integrada no ciclo “Pontes de Encontro” do Clube Militar e dedicada à pintura portuguesa, ter sido cancelada, a organização da Pintura Lusófona “confrontou-se com muitas dificuldades” e custos adicionais resultantes das restrições de comunicação e transportes, impostas pela covid-19.

“Uma exposição deste tipo envolve, da nossa parte, contactos com os artistas e os seus atelier. Tudo isso foi limitado e executado por teletrabalho. Os custos de transportes foram elevadíssimos para garantir que as obras estavam cá em tempo útil”, partilhou José Duarte.

Quanto ao número de visitantes esperados, o curador assume estar preparado para a ideia de haver “alguma perda em relação ao que é normal”, embora o impacto da Semana Dourara continue a ser “uma grande incógnita”.

“Existe muita incerteza quanto aos fluxos turísticos da cidade, cujas visitas são uma componente importante do público das exposições do Clube Militar”, acrescentou.

A exposição estará patente no Clube Militar de Macau entre 30 de Setembro e 2 de Novembro, entre as 12h00 e as 19h00.

Líderes de associações contestam conclusões de novo livro de Roy Eric Xavier

“The Macanese Chronicles: A History of Luso-Asians in a Global Economy” é o título do mais recente livro de Roy Eric Xavier, académico da Universidade de Berkeley. Roy Eric Xavier defende que as associações macaenses não estão a desenvolver devidamente o seu papel de ligação entre a diáspora e as oportunidades económicas da Grande Baía e da China, mas Miguel de Senna Fernandes e Jorge Valente contestam: não só o interesse da diáspora é pouco como as associações não têm meios para fazerem esse trabalho

 

[dropcap]O[/dropcap] mais recente livro de Roy Eric Xavier, macaense e académico da Universidade de Berkeley, Califórnia, traça o retrato das comunidades luso-asiáticas ao longo dos séculos e o seu papel na construção da primeira economia a ligar a Europa à Ásia. Publicado pelo jornal Ponto Final e pela Far East Currents Publishing, e distribuído pela Amazon, a obra “The Macanese Chronicles: A History of Luso-Asians in a Global Economy” traça também o retrato da comunidade macaense desde os seus primórdios, sobretudo o seu papel económico.

Mas Roy Eric Xavier não deixa de lançar algumas críticas sobre a actuação das associações de matriz macaense quanto ao fraco aproveitamento das oportunidades económicas lançadas pela China nos dias de hoje, nomeadamente no que diz respeito ao projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. “Os líderes macaenses em Macau têm tido dificuldades em definir o seu próprio legado histórico enquanto tentam definir o papel da comunidade na agenda geopolítica da China”, lê-se nas conclusões do livro.

O autor fala de falhas na comunicação entre associações e membros da comunidade macaense na diáspora que “procuram informação sobre oportunidades regionais de comércio e de negócios”. Há uma “apatia” e uma “falta de ligação com as empresas”, aponta Roy Eric Xavier.

“A falta de capacidade dos líderes macaenses de incluir empresários e profissionais de turismo” em actividades como os Encontros da Comunidade Macaense pode ter efeitos negativos, aponta o livro. “A indiferença em relação a novos negócios em Macau pode minar a relação dos macaenses com a China em geral”, lê-se.

Ao HM, o autor defendeu que “as oportunidades que os líderes macaenses obtiveram da China desde a transição não foram utilizadas plenamente”. E dá exemplos. “O fundo recebido nos últimos 20 anos pelo Conselho das Comunidades Macaenses (CCM) foi dado para encorajar as trocas culturais, de turismo e empresariais com a diáspora macaense, mas o CCM não conseguiu atrair as gerações mais jovens.”

Roy Eric Xavier alerta ainda para o decréscimo crescente da participação dos mais jovens nos Encontros, “na maioria devido ao facto de o CCM não envolver os macaenses jovens que querem trazer novas oportunidades de negócio para Macau”. “O CCM evita questões durante os Encontros sobre visitas a zonas tecnológicas em Shenzhen. Isto poderia ser apenas uma de muitas oportunidades para desenvolver parcerias, e para ajudar a diversificar a economia de Macau através do turismo cultural. Mas estas oportunidades não foram aproveitadas”, acrescentou.

Objectivos distintos

Roy Eric Xavier disse também ao HM que reuniu e comunicou com os líderes do CCM várias vezes, mas que teve sempre não como resposta às suas sugestões. “Disseram-me sempre que o seu interesse não passa pelo envolvimento nos negócios. Além disso, comunicaram com os líderes das casas de Macau na diáspora para não darem crédito à minha investigação ou a outras tentativas de envolvimento. Mas eu não vou desistir”, confessou.

Para o autor, “é importante que a China reconheça os macaenses a nível internacional, especialmente os que residem nos EUA, Europa e Austrália, e que estão dispostos a ultrapassar as actuais tensões entre a China e os EUA ao trabalhar com a China, desenvolvendo parcerias empresariais e culturais”. “O CCM e outros líderes macaenses em Macau que desperdiçam esta oportunidade não representam toda a comunidade”, frisou Roy Eric Xavier.

Em relação ao projecto da Grande Baía, “alguns líderes macaenses em Macau simplesmente não vêem como o turismo cultural pode trazer novos visitantes às oportunidades de negócio”. “Muitos macaenses da diáspora estão envolvidos nas áreas da tecnologia e indústrias que o projecto da Grande Baía espera atingir. Não tem havido o encorajamento ou convites por parte do CCM ou de outras associações de macaenses para se envolverem”, aponta.

Contactado pelo HM, Miguel de Senna Fernandes, presidente da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), disse que as associações locais não têm recursos financeiros e humanos para levar para a frente a tarefa que Roy Eric Xavier propõe.

“Ele tem uma perspectiva que não é a nossa, a de aproveitar a comunidade para os negócios”, frisou. “Os Encontros não são para fazer negócios, mas se nascerem daí, tudo bem. As pessoas com quem contactamos não têm nada a ver com o mundo dos negócios, para começar. Sabemos as nossas limitações e as nossas associações não estão vocacionadas para isso”, disse Miguel de Senna Fernandes.

O presidente da APIM destaca também o facto de serem escassos os pedidos de informações por parte da diáspora macaense para o investimento. “A comunidade macaense que está na diáspora luta pela sobrevivência nos locais onde se encontram e trabalham, e a maioria deles não pensa na Grande Baía. Se é uma pena, claro que sim. Não recebemos pedidos de informações, que eu saiba. Ninguém da diáspora manifestou interesse em desenvolver algum projecto económico aqui.”

Acrescentar e não mudar

Miguel de Senna Fernandes não tem dúvidas de que, com mais recursos, até se poderia pensar em criar uma plataforma exclusivamente destinada aos negócios, à semelhança de uma câmara de comércio. Mas, para já, é impossível.

Quanto a uma possibilidade de mudança na forma de actuação, o presidente da APIM diz que “não vamos mudar, mas podemos acrescentar”. “Há sempre horizontes para mais, desde que haja condições. Mas fora deste âmbito não é fácil ter esse tipo de ambição porque não temos meios. Caso contrário a própria comunidade portuguesa teria outra dinâmica. Mas com uma câmara de comércio não seria apenas para a comunidade, teríamos inevitavelmente de incluir membros que não têm nada a ver com a comunidade macaense. E assim seria apenas mais uma organização.”

Jorge Valente, presidente da Associação de Jovens Macaenses, fala também de escassos pedidos de informação por parte da diáspora, uma média de dois por ano, um número que considera muito baixo.

“As oportunidades da Grande Baía estão a ser mal aproveitadas não apenas pelos macaenses, mas por Macau inteiro. Até agora não houve o devido aproveitamento, mas com esta crise da covid-19 penso que as pessoas estão seriamente a querer aproveitar essas oportunidades”, declarou ao HM.

Quanto ao papel dos Encontros da comunidade macaense, “sempre foi uma decisão dos líderes de que não serviria apenas para reviver o passado ou como um espaço de convívio, mas para que tivesse também uma componente comercial de forma duradoura”. “Foi uma pena que isso não tenha acontecido, mas é algo que não podemos forçar e que os participantes também têm de desenvolver”, acrescentou.

Os programas dos Encontros da comunidade macaense passaram a incluir algumas visitas ao Interior da China e a Hengqin nos últimos anos, com a economia à espreita, mas a verdade é que é difícil contabilizar os resultados práticos.

“Quando vamos a Hengqin e quando visitamos empresas na China ou em Macau isso faz parte da componente empresarial, mas não dizemos que esta pessoa vai assinar um contrato com aquela empresa, por exemplo. Para isso acontecer teria de estar tudo bem negociado, os Encontros servem mais como um primeiro passo para esse contacto.”

Jorge Valente não concorda que as associações mudem a sua matriz em função da vertente económica. “As pessoas têm é de saber os objectivos de cada associação e contactarem a associação certa para fazer as perguntas certas. Há perguntas que nos fazem e transmitimos essas questões a outras associações que têm a informação mais completa, ou dizemos para se deslocarem ao IPIM”, por exemplo. O HM tentou chegar à fala com Leonel Alves, presidente do CCM, mas até ao fecho desta edição não foi possível estabelecer contacto.

Comunidades esquecidas

Este livro nasceu de alguns artigos já publicados no blogue Far East Currents, mas é sobretudo um retrato “das migrações [dos macaenses] e o desenvolvimento da sua cultura até ao presente”. “Queria destacar a grande comunidade macaense de Hong Kong, onde nasci. A segunda parte do livro conta-nos várias histórias de individualidades e eventos que, em conjunto, mostram a deterioração gradual das relações dos macaenses da segunda geração com o Governo colonial britânico. Esta é uma história que não está devidamente explorada e escrevi o livro também para encorajar mais investigações e bolsas para esta área”, defendeu ao HM.

Mas o livro é também o retrato do desenvolvimento de várias comunidades luso-asiáticas em locais como Goa e Malaca. Comunidades essas que têm sido destinadas ao esquecimento, defende Roy Eric Xavier.

“Os Governos e instituições de todo o mundo deveriam reconhecer e celebrar as contribuições destas comunidades para a cultura de cada país. Há muitas influências que não são reconhecidas, incluindo a língua, arte e diferentes gastronomias. O facto de muitas destas comunidades terem mantido estas tradições desde o século XVI sugere a longevidade e a força destas culturas, bem como as contribuições que os portugueses trouxeram a diferentes culturas no mundo”, rematou.