Líderes de associações contestam conclusões de novo livro de Roy Eric Xavier

“The Macanese Chronicles: A History of Luso-Asians in a Global Economy” é o título do mais recente livro de Roy Eric Xavier, académico da Universidade de Berkeley. Roy Eric Xavier defende que as associações macaenses não estão a desenvolver devidamente o seu papel de ligação entre a diáspora e as oportunidades económicas da Grande Baía e da China, mas Miguel de Senna Fernandes e Jorge Valente contestam: não só o interesse da diáspora é pouco como as associações não têm meios para fazerem esse trabalho

 

[dropcap]O[/dropcap] mais recente livro de Roy Eric Xavier, macaense e académico da Universidade de Berkeley, Califórnia, traça o retrato das comunidades luso-asiáticas ao longo dos séculos e o seu papel na construção da primeira economia a ligar a Europa à Ásia. Publicado pelo jornal Ponto Final e pela Far East Currents Publishing, e distribuído pela Amazon, a obra “The Macanese Chronicles: A History of Luso-Asians in a Global Economy” traça também o retrato da comunidade macaense desde os seus primórdios, sobretudo o seu papel económico.

Mas Roy Eric Xavier não deixa de lançar algumas críticas sobre a actuação das associações de matriz macaense quanto ao fraco aproveitamento das oportunidades económicas lançadas pela China nos dias de hoje, nomeadamente no que diz respeito ao projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. “Os líderes macaenses em Macau têm tido dificuldades em definir o seu próprio legado histórico enquanto tentam definir o papel da comunidade na agenda geopolítica da China”, lê-se nas conclusões do livro.

O autor fala de falhas na comunicação entre associações e membros da comunidade macaense na diáspora que “procuram informação sobre oportunidades regionais de comércio e de negócios”. Há uma “apatia” e uma “falta de ligação com as empresas”, aponta Roy Eric Xavier.

“A falta de capacidade dos líderes macaenses de incluir empresários e profissionais de turismo” em actividades como os Encontros da Comunidade Macaense pode ter efeitos negativos, aponta o livro. “A indiferença em relação a novos negócios em Macau pode minar a relação dos macaenses com a China em geral”, lê-se.

Ao HM, o autor defendeu que “as oportunidades que os líderes macaenses obtiveram da China desde a transição não foram utilizadas plenamente”. E dá exemplos. “O fundo recebido nos últimos 20 anos pelo Conselho das Comunidades Macaenses (CCM) foi dado para encorajar as trocas culturais, de turismo e empresariais com a diáspora macaense, mas o CCM não conseguiu atrair as gerações mais jovens.”

Roy Eric Xavier alerta ainda para o decréscimo crescente da participação dos mais jovens nos Encontros, “na maioria devido ao facto de o CCM não envolver os macaenses jovens que querem trazer novas oportunidades de negócio para Macau”. “O CCM evita questões durante os Encontros sobre visitas a zonas tecnológicas em Shenzhen. Isto poderia ser apenas uma de muitas oportunidades para desenvolver parcerias, e para ajudar a diversificar a economia de Macau através do turismo cultural. Mas estas oportunidades não foram aproveitadas”, acrescentou.

Objectivos distintos

Roy Eric Xavier disse também ao HM que reuniu e comunicou com os líderes do CCM várias vezes, mas que teve sempre não como resposta às suas sugestões. “Disseram-me sempre que o seu interesse não passa pelo envolvimento nos negócios. Além disso, comunicaram com os líderes das casas de Macau na diáspora para não darem crédito à minha investigação ou a outras tentativas de envolvimento. Mas eu não vou desistir”, confessou.

Para o autor, “é importante que a China reconheça os macaenses a nível internacional, especialmente os que residem nos EUA, Europa e Austrália, e que estão dispostos a ultrapassar as actuais tensões entre a China e os EUA ao trabalhar com a China, desenvolvendo parcerias empresariais e culturais”. “O CCM e outros líderes macaenses em Macau que desperdiçam esta oportunidade não representam toda a comunidade”, frisou Roy Eric Xavier.

Em relação ao projecto da Grande Baía, “alguns líderes macaenses em Macau simplesmente não vêem como o turismo cultural pode trazer novos visitantes às oportunidades de negócio”. “Muitos macaenses da diáspora estão envolvidos nas áreas da tecnologia e indústrias que o projecto da Grande Baía espera atingir. Não tem havido o encorajamento ou convites por parte do CCM ou de outras associações de macaenses para se envolverem”, aponta.

Contactado pelo HM, Miguel de Senna Fernandes, presidente da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), disse que as associações locais não têm recursos financeiros e humanos para levar para a frente a tarefa que Roy Eric Xavier propõe.

“Ele tem uma perspectiva que não é a nossa, a de aproveitar a comunidade para os negócios”, frisou. “Os Encontros não são para fazer negócios, mas se nascerem daí, tudo bem. As pessoas com quem contactamos não têm nada a ver com o mundo dos negócios, para começar. Sabemos as nossas limitações e as nossas associações não estão vocacionadas para isso”, disse Miguel de Senna Fernandes.

O presidente da APIM destaca também o facto de serem escassos os pedidos de informações por parte da diáspora macaense para o investimento. “A comunidade macaense que está na diáspora luta pela sobrevivência nos locais onde se encontram e trabalham, e a maioria deles não pensa na Grande Baía. Se é uma pena, claro que sim. Não recebemos pedidos de informações, que eu saiba. Ninguém da diáspora manifestou interesse em desenvolver algum projecto económico aqui.”

Acrescentar e não mudar

Miguel de Senna Fernandes não tem dúvidas de que, com mais recursos, até se poderia pensar em criar uma plataforma exclusivamente destinada aos negócios, à semelhança de uma câmara de comércio. Mas, para já, é impossível.

Quanto a uma possibilidade de mudança na forma de actuação, o presidente da APIM diz que “não vamos mudar, mas podemos acrescentar”. “Há sempre horizontes para mais, desde que haja condições. Mas fora deste âmbito não é fácil ter esse tipo de ambição porque não temos meios. Caso contrário a própria comunidade portuguesa teria outra dinâmica. Mas com uma câmara de comércio não seria apenas para a comunidade, teríamos inevitavelmente de incluir membros que não têm nada a ver com a comunidade macaense. E assim seria apenas mais uma organização.”

Jorge Valente, presidente da Associação de Jovens Macaenses, fala também de escassos pedidos de informação por parte da diáspora, uma média de dois por ano, um número que considera muito baixo.

“As oportunidades da Grande Baía estão a ser mal aproveitadas não apenas pelos macaenses, mas por Macau inteiro. Até agora não houve o devido aproveitamento, mas com esta crise da covid-19 penso que as pessoas estão seriamente a querer aproveitar essas oportunidades”, declarou ao HM.

Quanto ao papel dos Encontros da comunidade macaense, “sempre foi uma decisão dos líderes de que não serviria apenas para reviver o passado ou como um espaço de convívio, mas para que tivesse também uma componente comercial de forma duradoura”. “Foi uma pena que isso não tenha acontecido, mas é algo que não podemos forçar e que os participantes também têm de desenvolver”, acrescentou.

Os programas dos Encontros da comunidade macaense passaram a incluir algumas visitas ao Interior da China e a Hengqin nos últimos anos, com a economia à espreita, mas a verdade é que é difícil contabilizar os resultados práticos.

“Quando vamos a Hengqin e quando visitamos empresas na China ou em Macau isso faz parte da componente empresarial, mas não dizemos que esta pessoa vai assinar um contrato com aquela empresa, por exemplo. Para isso acontecer teria de estar tudo bem negociado, os Encontros servem mais como um primeiro passo para esse contacto.”

Jorge Valente não concorda que as associações mudem a sua matriz em função da vertente económica. “As pessoas têm é de saber os objectivos de cada associação e contactarem a associação certa para fazer as perguntas certas. Há perguntas que nos fazem e transmitimos essas questões a outras associações que têm a informação mais completa, ou dizemos para se deslocarem ao IPIM”, por exemplo. O HM tentou chegar à fala com Leonel Alves, presidente do CCM, mas até ao fecho desta edição não foi possível estabelecer contacto.

Comunidades esquecidas

Este livro nasceu de alguns artigos já publicados no blogue Far East Currents, mas é sobretudo um retrato “das migrações [dos macaenses] e o desenvolvimento da sua cultura até ao presente”. “Queria destacar a grande comunidade macaense de Hong Kong, onde nasci. A segunda parte do livro conta-nos várias histórias de individualidades e eventos que, em conjunto, mostram a deterioração gradual das relações dos macaenses da segunda geração com o Governo colonial britânico. Esta é uma história que não está devidamente explorada e escrevi o livro também para encorajar mais investigações e bolsas para esta área”, defendeu ao HM.

Mas o livro é também o retrato do desenvolvimento de várias comunidades luso-asiáticas em locais como Goa e Malaca. Comunidades essas que têm sido destinadas ao esquecimento, defende Roy Eric Xavier.

“Os Governos e instituições de todo o mundo deveriam reconhecer e celebrar as contribuições destas comunidades para a cultura de cada país. Há muitas influências que não são reconhecidas, incluindo a língua, arte e diferentes gastronomias. O facto de muitas destas comunidades terem mantido estas tradições desde o século XVI sugere a longevidade e a força destas culturas, bem como as contribuições que os portugueses trouxeram a diferentes culturas no mundo”, rematou.

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