As origens não se escolhem

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 24 de Novembro, li este breve texto do poeta Jaime Rocha ilustrado com uma fotografia do mar da Nazaré: “Aqui estou na terra onde nasci, a agradecer ao mar, não o peixe, mas as palavras. Silenciosamente, como um velho lobo do mar, grato por ele lhe ter adiado a morte. Faço-o sempre que termino ou publico um livro. Um ritual que dura há mais de cinquenta anos.”

Este impressivo texto fez-me pensar, pois há quase quarenta anos que escrevo livros e jamais desenvolvi este tipo de devoção face às minhas origens. Nasci em Évora no verão de 1954 e aí vivi até aos 15 anos de idade. Sairia depois para regressar até ir viver na Holanda, o que aconteceu nos anos oitenta. A partir da década seguinte, passei a trabalhar sempre em Lisboa, mas nunca deixei de ter casa na cidade onde fabulei muito do meu tempo. Na última meia dúzia de anos a minha vida organizou-se de vez em Lisboa. Contudo, na passada primavera, a pandemia e uma inundação obrigaram-me a regressar à cidade durante quatro penosos meses e essa estadia fez-me reflectir sobre as relações difíceis que sempre mantive (interiormente) com Évora.

Na realidade, quando termino um livro, jamais me passaria pela cabeça ir a Évora e ao seu mar – que é de planície e brancura – ritualizar um agradecimento demiúrgico como o do Jaime Rocha que, confesso, admiro profundamente.

Comecemos por uma primeira (e dupla) pergunta: o que são as origens e o que é uma cidade? A resposta parece-me simples: uma cidade é uma confluência de memórias (físicas e imateriais) em ininterrupto atrito com os actos que fazem e desenrolam o presente, enquanto as origens se podem definir como tudo aquilo que não se escolhe. Podemos enraizar-nos no mundo, ou seja, criar raízes e estabilizá-las em geografias de diferentes qualidades, o que, para mim, foi sempre uma urgência; no entanto, das origens somos todos escravos. Ficam para sempre.

Este talvez seja o primeiro grande entrave, muito parecido, afinal, com o da família. As origens dão-nos sempre uma família, seja de que natureza for, embora, com o tempo, pelo menos no meu caso, a família se tenha vindo a tornar cada vez mais num pequeno grupo de pessoas de quem gosto e com quem me identifico (e não nas pessoas com quem tenho “ligações de sangue”). Isto significa que só mesmo as origens estão fora de um horizonte de escolha e de radical autonomia pessoal. Posso esquecer raízes, riscá-las, fazê-las desaparecer; mas as origens não.

Nas primeiras duas décadas de vida fui eterno como todos os jovens. Tive sorte em alguns aspectos, pois a vida social era particularmente dura naquele tempo. Quando percebi que não era eterno, comecei a escrever, tinha pouco mais de vinte anos. Apesar de ter desenvolvido mil e uma actividades ao longo de toda a vida, escrever foi sempre o meu fulcral ‘fio de prumo’, título, aliás, do primeiro livro que publiquei (corria o ano de 1981).

Existirá um segundo entrave que me afasta das origens. Chamar-lhe-ia desolação. É evidente que existe um apelo existencial nesta metáfora que, sendo breve, implica subtrair à idealidade aquilo que lhe sobra em estado bruto. De facto, durante parte substancial da minha vida adulta, vivendo fora ou dentro da cidade, sempre imaginei o que a cidade podia não ser, projectando-a numa espécie de utopia íntima dificilmente traduzível. Talvez tenha sido essa exegese interior que me levou a desenhar cidades, algo que faço há já várias décadas (e é mesmo uma das minhas poéticas mais preferidas). O resultado desta involuntária operação figurativa é que, sempre que reentro em Évora, tudo aquilo me parece uma ruína adiada, espécie de meio termo entre um amuralhado de lápides sublimes e um universo de fantasmas que se move em círculo fechado, repetindo sempre os mesmos (e cansativos) pregões.

Um terceiro entrave terá uma dimensão mais simbólica e humana. Conheci diversos escritores que mantiveram com Évora relações especiais. É o caso de Vergílio Ferreira, Mário Ventura ou Almeida Faria.

Todos eles, para além do fascínio estético, me revelavam a ideia de que a cidade tem – terá sempre tido – as suas “gavetas fechadas” (cito de memória Vergílio Ferreira numa conversa que tivemos os dois há precisamente trinta anos na sua casa da Av. dos Estados Unidos da América). Pode, pois, viver-se durante meio século em Évora, mas nunca se sai realmente da aridez do tampo e do pó da secretária. As gavetas – sejam elas o que forem – serão sempre território vedado. Esta falta de respiração, ou, se se preferir, esta ausência de saudade ou de nostalgia do cosmopolitismo (que a cidade viveu há inúmeras gerações) torna o seu ambiente – e o efeito aqui parece-me francamente atemporal e não apenas “da era da outra senhora” – numa escultura algo estática, sem ânimo e sem projecto. Não será caso único na sua imobilidade poética (ou protésica), é claro, mas a própria morfologia da cidade, atada por muralhas, torna a alegoria demasiado plausível.

O meu prazer de regressar às origens faz-se a levitar por cima destas atmosferas alterosas. Talvez seja por isso que sou totalmente avesso a bairrismos, a regionalismos e a regionalizações. Claro que haverá sempre um fim de tarde com ‘antigos amigos’ para desenganar a cegueira. Mas não encontro, nem creio que alguma vez encontrarei em Évora um oceano aprazível que me permita o tipo de devoção demiúrgica que o meu querido amigo Jaime Rocha pratica.

Num romance escrito há quase década e meia, já este tipo de decantação surgia de modo particularmente nítido: “Quando naquele início de Outono chegou a Évora, Guilherme teve a impressão de que a cidade era uma espécie de âncora que caíra abrupta e desamparadamente no fundo do mar. Depois dessa biogénese remota, os oceanos ter-se-iam evaporado e sobrara em torno da urbe a planura extensa e lisa onde choravam granitos austeros e sorriam com timidez as alvenarias claras. Uma catedral desproporcionada face ao resto do casario dominava e domava a quase desolação dos pátios, dos muros, dos ciprestes solitários e dos rostos paralisados que desciam pelas sombras das ruas estreitas e frias.”.

Frequentar as origens, apenas porque são as origens, tem sempre qualquer coisa de romagem ao túmulo desconhecido de nós próprios. Declino para já esse poema.

Festival de curtas-metragens | Jacky Cheong estreia “Majestosa Macau” no domingo 

O cartaz do fim-de-semana do Festival Internacional de Curtas-Metragens de Macau inclui cinema de Macau. No domingo será dia da estreia do documentário de Jacky Cheong, intitulado “Majestosa Macau”, que não é mais do que um retrato dos bastidores do sarau cultural de celebração dos 20 anos da RAEM. No sábado será exibido “The Handover” [A Entrega], de Maxim Bessmertny

 

[dropcap]O[/dropcap] Festival Internacional de Curtas-Metragens de Macau apresenta este domingo o documentário “Majestosa Macau”, da autoria de Jacky Cheong. Com cerca de 25 minutos de duração, este documentário revela os bastidores do sarau cultural que subiu aos palcos a 19 de Dezembro do ano passado e que serviu para celebrar os 20 anos da RAEM.

“É um documentário sobre o processo pelo qual a equipa passou, desde a preparação, ensaios e o espectáculo. ‘Majestosa Macau’ foi o nome dado ao programa que incluía um espectáculo de kung fu combinado com um recital com crianças.”

Jacky Cheong recorda os desafios que teve de ultrapassar para realizar o documentário. “O tempo escasseava e precisamos acompanhar os treinos e os ensaios várias vezes. Queríamos mostrar às pessoas para que estas soubessem mais sobre os participantes de Wushu e a situação através deste filme”, adiantou.

O realizador contou com a colaboração de Jia Rui, ex-atleta de Wushu, que trabalhou na organização do sarau cultural. “Jia Rui encontrou-se comigo para gravar o programa, desde o início até ao espectáculo, para que deixássemos um documentário para as pessoas. Penso que ele acreditou que o ‘Majestosa Macau’ iria transmitir um sentimento forte e que seria transmitida a ideia de que Macau é um bom sítio para a aprendizagem do Wushu.”

Recorde-se que este sarau cultural contou com a presença do Presidente Xi Jinping e realizou-se, no dia 19 de Dezembro de 2019, na Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental de Macau. O espectáculo, que teve como tema “A Minha Pátria e Eu”, contou com várias performances musicais e actuações da dança do leão, além das artes marciais.

Jacky Cheong co-fundou a produtora IRMO em 2014, trabalhando hoje como realizador videógrafo. Ao longo da sua carreira participou em produções diversas como anúncios publicitários, micro-filmes, documentários e curtas-metragens.

Regresso do “The Handover”

No sábado é a vez de o público de Macau voltar a ver “The Handover” [A Entrega], uma curta-metragem com 31 minutos de duração realizado por Maxim Bessmertny. A curta-metragem, escrita em parceria com Jorge Vale, relata o dia-a-dia de um casal que luta contra o tempo para deixar a casa limpa antes que o senhorio chegue para fazer a inspecção geral ao apartamento.

Ao HM, Maxim Bessmertny recordou um processo fílmico que foi, acima de tudo, “divertido”.
“Foi um projecto muito interessante e divertido que surgiu quando estava na Rússia, à espera de desenvolver o meu próximo filme. Comecei a fazer isto com o Jorge Vale e tivemos um período muito divertido a escrever o filme, pois temos gostos semelhantes na área do cinema. O Jorge tinha escrito o guião com um casal português, mas sugeri cortar o guião, de 40 para 27 páginas, e o casal passar a ter uma rapariga chinesa e um rapaz português.”

“The Handover” é também um filme auto-biográfico, confessou o realizador. “Tirei coisas da minha vida, e pela primeira vez aconteceu ser algo mais auto-biográfico do que aquilo que estava à espera.”

“Este filme é sobre o dia-a-dia de um casal que tem de se mudar e é um pesadelo, um período muito stressante. E quando não se fala chinês o stress é ainda maior, o que é o caso de Miguel, o personagem principal. Para ele é um dia muito difícil”, acrescentou Maxim, para quem a presença em festivais, e sobretudo no Festival Internacional de Curtas-Metragens de Macau, é sempre importante.

“Já exibi este filme quatro vezes em Macau e obtive sempre reacções muito diferentes, o que é muito divertido. Mesmo que seja uma história longa, de 31 minutos, o que senti na última exibição é que o público acompanhou a história e tudo correu bem. Fiquei muito surpreendido, estava nervoso.”

DSEJ | Docentes do Interior da China não interferem com autonomia

[dropcap]L[/dropcap]ou Pak Sang, director dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), disse ontem no hemiciclo que a vinda de professores do Interior da China em nada interfere com a autonomia e funcionamento da escolas. “É o professor local que dá a aula e o professor do Interior da China não interfere com a autonomia pedagógica da escola. Até o Reino Unido tem convidado professores chineses para dar aulas, porque é que não podemos usar um apoio sistemático para ajudar os nossos professores? Produzimos um relatório anual e todos os anos temos optimizado o nosso projecto”, frisou.

O deputado Sulu Sou levantou a questão, falando da problemática do uso do cantonês e do mandarim na sala de aula. “Na organização curricular temos de garantir o ensino do cantonês. Se convidarmos professores que falam mandarim para ensinar numa aula onde se usa o cantonês, será adequado? Acho que a secretária tem de fazer mais”, criticou.

Já a deputada Chan Hong, defendeu a realização de uma consulta pública sobre este assunto. “Através deste intercâmbio de docentes do Interior da China foi possível aperfeiçoar o ensino porque conseguiram liderar a equipa de docentes. Precisamos de importar mais docentes para aperfeiçoar o ensino local, mas algumas escolas acham que o número não é suficiente porque os docentes jovens acham que podem ter mais tempo de permanência [em Macau]. Se calhar é necessário fazer uma consulta pública a médio e longo prazo, porque a educação é importante”, sugeriu.

Covid-19 | Vacina chega ainda este ano para pessoal da linha da frente

O pessoal da linha da frente, no combate ao novo coronavírus, vai ser o primeiro a ser vacinado. As doses para estes profissionais vão chegar já este mês. As 1,4 milhões de doses encomendadas para a população em geral deverão chegar, com optimismo, no primeiro trimestre de 2021. Face às preocupações dos deputados, a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura indicou que foram feitos vários pedidos para levantar restrições às excursões

 

[dropcap]M[/dropcap]acau vai receber doses de vacinas contra a covid-19 para o pessoal da linha da frente ainda este mês, embora se trate de uma vacina ainda não aprovada pelas autoridades sanitárias. Segundo o director dos Serviços de Saúde, Lei Chin Ion “neste momento de acordo com as informações que consegui, todas as vacinas estão prestes a sujeitarem-se ao terceiro ensaio e ainda não foram aprovadas. Quando as vacinas urgentes chegarem vamos começar com a administração aos profissionais de saúde. Na verdade, é a utilização de uma vacina não aprovada ou homologada pelas autoridades sanitárias, mas como temos um risco na humanidade temos de ter estas vacinas urgentes. Não temos vacinas para idosos nem para crianças porque faltam dados clínicos para comprovar que as vacinas são eficazes. A nossa situação não é grave e o universo dos utentes que têm de levar a vacina é menor. Estamos integrados na união de cooperação em termos de vacinas da OMS, temos contactos com os laboratórios e farmácias. Temos de matar o coronavírus”.

A informação da chegada das vacinas foi ontem avançada pela secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong, durante o debate das Linhas de Acção Governativa. Prevê-se que as doses destinadas à população em geral cheguem durante a primeira metade do ano.

“Até ao final do ano esperamos que estas vacinas de emergência cheguem a Macau e em princípio vão ser administradas ao pessoal da linha da frente porque estão expostos a maior risco”, declarou Elsie Ao Ieong, dando como exemplos pessoal médico e enfermeiro, assim como bombeiros.

Para a restante população foram encomendadas 1,4 milhões de doses de vacinas que chegam a Macau no primeiro semestre do próximo ano. A secretária especificou que com “uma postura bastante optimista” aponta a chegada das vacinas para o primeiro trimestre de 2021, mas sem garantir em que mês. A vacinação vai ter uma calendarização, e já há prioridades traçadas. Como “a situação de Macau não é tão urgente como a situação do estrangeiro”, o plano passa por ajudar primeiro as pessoas que precisam de se deslocar para fora do território, para trabalhar ou prosseguir os estudos.

Não foram avançadas informações sobre os fabricantes das vacinas a serem adquiridas por Macau. Anteriormente, o Governo tinha dito estar em contacto com diferentes entidades.

Pedidos para excursões

Vários deputados colocaram questões sobre a data de chegada da vacina, salientando o impacto da epidemia na economia de Macau. Ella Lei notou que têm vindo a ser feitos apelos à atribuição de uma terceira fase de apoios económicos, apontando a descida do número de turistas e a ausência de excursões para Macau, questionando a possibilidade de levantar algumas restrições face a grupos de Guangdong ou Hengqin. Além disso, quis saber se que medidas existem para apoiar os profissionais do sector turístico.

Leong Sun Iok mencionou também as medidas fronteiriças, comentando que no Interior da China não se distinguem as medidas para Macau e Hong Kong por considerar a situação igual nas duas zonas, apelando ao “reforço da comunicação” para divulgar que Macau é “uma cidade saudável”.

Por outro lado, Elsie Au Ieong frisou que se fizeram várias tentativas para levantar as restrições às excursões. A secretária apontou que quando esteve em Pequim em Setembro trocou impressões com as autoridades de turismo adiantando haver uma ideia sobre viagens entre Hengqin e Macau mas sem “autorização estatal para as excursões”. Além disso, a secretária indicou que o Chefe do Executivo “escreveu várias vezes ao ministério respectivo para tentar levantar estas restrições”. “Temos vindo a esclarecer a situação de Macau como um destino seguro para turismo”, apontou.

Ella Lei alertou que só algum tempo depois da vacinação é que se vão sentir efeitos e que pode haver “um desfasamento temporal” quanto ao apoio dos profissionais dos sectores afectados. Por outro lado, Leong Sun Iok mencionou que apesar de o preço dos testes de ácido nucleico ter descido, “se a medida se prolongar “o custo pode representar uma “pressão” para as empresas. Neste ponto, a secretária apontou que as insistências do director dos Serviços de Saúde em baixar as tarifas já resultou em “bronca” com entidades fornecedoras.

IAM | Protecção dos animais é área a melhorar no novo mandato de José Tavares

Foi ontem renovado o mandato de José Tavares enquanto presidente do IAM. Com as polémicas sobre a protecção dos animais em cima da mesa, Albano Martins considera que vai haver melhorias porque “ninguém gosta de ser masoquista”. Miguel de Senna Fernandes congratula o trabalho feito pelo IAM, mas acredita que podem ser feitas mais acções de sensibilização

 

[dropcap]J[/dropcap]osé Tavares viu renovado por mais um ano o seu mandato como presidente do Conselho de Administração do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM). A informação foi publicada ontem em Boletim Oficial (BO) e tem efeitos práticos a partir de 1 de Janeiro de 2021.

Questionado sobre o que aí vem, Albano Martins, economista e ex-presidente da Sociedade Protectora dos Animais de Macau (ANIMA), espera mudanças para melhor, no que diz respeito à protecção dos animais, uma das áreas mais polémicas da actuação do IAM no decorrer de 2020.

Entre outros casos que não geraram consenso no decorrer do actual mandato, o IAM considerou que, para efeitos legais, alimentar animais vadios é o mesmo que abandoná-los e admitiu a possibilidade de ter abatido um cão sem microchip, do qual um residente de Macau garante ser o dono.

Este ano foi também marcado pela decisão inicial de apenas permitir o uso da área de churrascos em Hác Sá a residentes e pela proibição da vigília e exposições alusivas ao massacre de Tiananmen.

Para o ex-presidente da ANIMA, que considera a actual lei de protecção dos animais “fraca” e “uma espécie de rede onde tudo se escapa pelos buracos”.

“Acho que o José Tavares está interessado em melhorar a situação porque as pessoas começam a protestar. Ninguém gosta de ser masoquista e ele sabe perfeitamente que a questão tem de ser resolvida. Agora, não terá todos os poderes necessários para fazer mais, sem o aval do secretário para a Administração e Justiça.

Mas acho que o secretário é uma pessoa aberta e que está disponível para resolver definitivamente este problema”, contou ao HM.

Albano Martins, para quem é incompreensível que a lei tenha sido concluída antes de existir um diploma dedicado ao exercício da actividade dos veterinários, adiantou ainda que “recentemente” a ANIMA entregou uma proposta ao IAM “para resolver definitivamente e de forma pragmática o problema dos animais de rua” e que ela foi “bem-recebida”.

“É preciso coragem para se resolver [o problema dos animais vadios] sem ser através do abate. Isso faz-se usando a cabeça e fazendo contas. Nomeadamente, que a situação actual é muito mais cara para toda a gente envolvida do que atacar o problema pela raiz, resolvendo sem matar animais”, afirmou Albano Martins.

Continuar a sensibilizar

O advogado Miguel de Senna Fernandes sublinhou que a problemática “tem muito a ver com a cultura” e que, à imagem do que já tem sido feito, o IAM deve continuar a fazer campanhas de sensibilização para “demover qualquer leviandade” de cidadãos que queiram adoptar um animal de estimação, dado que muitos acabam por ser abandonados.

Sobre o trabalho do IAM, o advogado dá os parabéns a José Tavares pela “postura de abertura” que tem permitido ao IAM estar muito mais perto da população.

“Nota-se nestes últimos tempos uma visão muito mais dinâmica do IAM que se traduz em maior prontidão na resolução dos problemas da cidade”, afirmou Miguel de Senna Fernandes.

LAG 2021 | Macau sem resposta num eventual aumento de casos importados de covid-19

A secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong, admitiu que Macau não vai conseguir dar resposta a um possível aumento de casos importados de covid-19, pelo que o levantamento de restrições de entrada a estrangeiros não residentes continua a ser analisado

 

[dropcap]M[/dropcap]acau não terá capacidade de resposta caso haja um aumento de casos importados no território. A garantia foi dada pela secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong, quando questionada sobre a possibilidade de levantar as restrições de entrada a não residentes estrangeiros que não conseguem voltar para o território.

“Será que conseguimos assegurar que os estrangeiros, quando vierem a Macau, não trazem o problema do contágio ou uma sobrecarga para os nossos profissionais de saúde? Será que podemos assegurar a 100 por cento que a sua vinda não é uma ameaça?”, questionou.

Elsie Ao Ieong exemplificou que “quem vem de Taiwan ou de Hong Kong, como são co-cidadãos, poderemos ponderar”. “Não estamos a ignorar os outros, mas Macau não tem capacidade para resolver um grande número de casos se eles aparecerem. Só quando a situação internacional ficar mais controlada, e com base nas indicações dos Serviços de Saúde, é que podemos tomar uma decisão relativamente à vinda das pessoas que têm uma ligação a Macau”, acrescentou.

A secretária disse que “não se trata de uma mera competição” face aos países com maiores ou menores taxas de incidência da covid-19. “Os nossos familiares, ou pessoas que queriam vir trabalhar, ou professores do ensino superior, quando quiseram voltar encararam as mesmas dificuldades. A nível mundial conseguimos fazer uma classificação das zonas com menor taxa de incidência e por isso temos o continente chinês. A nossa posição em relação à prevenção nunca mudou e é coerente desde o início”, frisou.

Esperança Grande Prémio

A questão das restrições de entrada no território a estrangeiros foi levantada pelo deputado Sulu Sou, que lembrou que “ver os familiares é mais importante do que o Grande Prémio”. “Alguns bebés ainda não viram o pai desde que nasceram, há trabalhadores domésticos que são necessários para cuidar das casas”, disse.

Também a deputada Agnes Lam abordou este assunto. “Os familiares dos residentes que estão no exterior compreendem a situação e esperam há muito tempo, mas até quando? Quando actividades como o Grande Prémio se realizaram, tínhamos esperança de que os familiares poderiam voltar.”

No caso dos cidadãos portugueses, já é possível entrar no território mediante realização de uma quarentena de 14 dias no Interior da China, ainda que seja necessário pedir um visto de entrada no país, o que pode ser um processo moroso.

Essa medida foi recordada por Sulu Sou. “Há novas medidas em que estrangeiros e familiares dos residentes, depois de estarem 14 dias no Interior da China, podem pedir a entrada em Macau. Não sei se o Governo pode negociar com as autoridades do Interior da China. Se calhar o Governo não quer que entrem muitas pessoas em Macau de uma só vez, mas numa situação controlável as medidas podem ser levantadas”, rematou o deputado.

Em resposta à deputada Agnes Lam, a secretária disse que o Governo “está a estudar” quais as zonas com menor taxa de incidência da doença para eventuais mudanças nas actuais políticas. “Eu também tenho pressa, estou a lançar várias medidas mas quando estão prontas a ser publicadas vem a pandemia e são suspensas”, lamentou.

Areia Preta | Idade e família entre critérios para acesso a residência de idosos

[dropcap]A[/dropcap] gestão da residência para idosos planeada para a Areia Preta deverá ficar a cargo de associações civis, avançou ontem a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura. Os cuidados a idosos mereceram a atenção de vários deputados, que questionaram como podem ser disponibilizadas mais vagas na residência e quais serão os critérios de acesso.

Elsie Ao Ieong apontou vários factores que vão ser tidos em consideração, além de a medida se destinar a idosos que moram actualmente em edifícios sem elevadores. “Quanto mais velhos forem, maior a facilidade para se mudarem para a residência”, disse a secretária. Além disso, será avaliado se têm familiares e prestadores de cuidados. Os factores vão contar com pontuações, e quanto mais alto for o valor final mais fácil será a entrada.

A conclusão da residência está prevista para 2023, com a possibilidade de se mudarem idosos para as fracções em 2024. As instalações vão contar com elementos inteligentes. Elsie Ao Ieong deu como exemplo que quando um idoso não se mexer no quarto durante um determinado tempo, é emitido um alerta para os trabalhadores. “Vamos fazer um projecto piloto de saúde inteligente destinado às residências para idosos”, indicou.

Sobre o modelo de pagamento da renda, a secretária indicou que um estudo encomendado à UMAC sobre a hipoteca invertida revelou que não há uma grande procura, algo que está relacionado com a desvalorização dos edifícios sem elevadores. São as pessoas na faixa etária dos 40 anos que aceitam melhor a possibilidade – mas são também estas que “têm mais recursos financeiros”.

O deputado Zheng Anting sugeriu utilizar outros terrenos desocupados para construir mais uma residência para idosos, salientando que a sociedade está a envelhecer.

LAG 2021 | Hospital de campanha poderá ter 500 camas

[dropcap]A[/dropcap]ngela Leong perguntou ao Governo se Macau tem pessoal suficiente para assegurar o funcionamento do hospital de campanha e se este pode ser aberto de imediato na eventualidade de um surto comunitário.

Em resposta, a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura disse que o hospital pode ser construído numa semana e que o modelo pensado prevê uma capacidade de 500 camas.

“Neste momento, não temos necessidade de avançar com o hospital de campanha. Estamos a trabalhar para estarmos preparados para uma eventual necessidade”, disse a secretária, acrescentando que o local escolhido será distante de zonas residenciais.

Por outro lado, a governante indicou que existe consenso com a Comissão Nacional de Saúde e com as autoridades nacionais da China sobre o mecanismo de prevenção da epidemia por zonas em caso de surto. O território pode ser separado em 30 zonas, classificadas consoante o risco.

O código de saúde dos moradores de zonas de médio risco é amarelo, o que os impede de passar fronteiras. Além disso, o plano prevê a realização de testes de ácido nucleico a todos os moradores da zona, se for negativo o código de saúde passa a ser verde. Se houver mais de dez pessoas infectadas, a zona é classificada como alto de risco.

Bloomberg diz que casinos foram abordados sobre introdução do yuan digital, DICJ nega

A agência Bloomberg noticiou ontem que as operadoras de jogo foram sondadas pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos sobre a possibilidade de adoptarem moeda digital chinesa para compra de fichas de jogo. A notícia indica que as conversações começaram nos últimos meses e ainda estão em fase preliminar. O Governo negou a veracidade da notícia numa curta declaração

 

[dropcap]A[/dropcap] agência Bloomberg noticiou ontem que a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) tem abordado as operadoras de jogo, nos últimos meses, sobre a hipótese de adopção de moeda digital chinesa, o yuan digital, para a compra de fichas de jogo.

Porém, a meio da tarde de ontem, o organismo liderado por Adriano Marques Ho negou a veracidade da notícia. “Foram publicadas notícias a referir que a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos discutiu com as operadoras de jogo o uso de yuan digital nos casinos, o que é falso”.

Admitindo a possibilidade de entrada de moeda chinesa no mercado, o espaço de manobra negocial dos junkets desapareceria, tornando desnecessário o serviço de crédito em dólares de Hong Kong e de troca cambial para jogar.

Apesar de a Bloomberg, citando fontes próximas das concessionárias de jogo, referir que as conversas, negadas pela DICJ, foram preliminares, a possibilidade torna ainda mais premente a necessidade de as grandes empresas promotoras de jogo procurarem mercados para expandir os seus negócios, fora de Macau.

Embora ainda estejamos longe do anúncio de um plano formal para introduzir o yuan digital no mercado, a Bloomberg escreve que a imposição de uma moeda controlada pelo Governo Central, de fácil localização, pode ser a sentença de morte do sector junket, já fortemente afectado pela crise originada pela pandemia e pelo aperto regulamentar dos últimos anos.

Ontem de manhã, as acções da Galaxy Entertainment Group Ltd, operadora que regista um dos maiores volumes de receitas de jogo VIP, caíam 3 por cento. A Suncity Group Holdings Ltd começou o dia a cair 2,8 por cento, enquanto as acções da Wynn Macau Ltd. e da SJM Holding Lts. registavam quebras de 2,5 e 1,4 por cento.

Luz na escuridão

A introdução do yuan digital não só retira o papel dos junkets na troca cambial e acesso a crédito em dólares de Hong Kong, essencial aos grandes apostadores, como pode acrescentar alguma transparência ao sector.

O controlo cambial permite a Pequim exercer maior fiscalização no fluxo de capital que passa pelas mesas de jogo VIP. Algo que a Bloomberg descreve como um factor que pode afugentar apostadores do sector VIP do sistema de junkets, aumentando o controlo quanto à fuga de capitais e lavagem de dinheiro.

Independentemente do que possa acontecer, empresas como o Suncity movimentam-se para alargar o portfolio de investimentos a mercados no exterior.

O grupo liderado por Alvin Chau, por exemplo, aumentou a fatia de capital que já detinha num casino russo e divulgou há um mês que adquiriu a parcela maioritária de uma empresa que vai operar e gerir em exclusivo o principal resort de um projecto que está a nascer em Manila, nas Filipinas, e que pretende copiar o modelo do Cotai.

O projecto, identificado como Westside City Resorts, deverá começar a operar no último trimestre de 2022. Em resposta ao portal GGRAsia, a Suncity Group Holdings revelou que pretende desenvolver um produto competitivo para os consumidores do mercado asiático de jogo. “O nosso objectivo é construir e integrar resorts que satisfaçam o mercado ao longo de muitos anos, especialmente o nosso consumidor-alvo: os jovens clientes que gastam muito, que trabalham no duro e jogam no duro”, cita o portal dedicado às notícias ligadas ao mercado.

Apesar do plano de larga escala em Manila ainda estar na fase inicial, o grupo de Alvin Chau quer apresentar um hotel com estilo, subordinado ao tema “festa dia e noite”, com um design moderno e elegante.

Só neste projecto, o Suncity Group planeia ter uma oferta de 400 mesas para os segmentos VIP e massas, e assim como 1.200 slot machines. Em termos hoteleiros, está previsto que o resort tenha capacidade para 400 quartos de cinco estrelas, parque de estacionamento e infra-estruturas que permitam organizar grandes festas de “beira de piscina”, incluindo uma piscina de luxo.

Selecção natural

Se alguns grupos têm capacidade para levar operações para outros mercados, outros, de menor dimensão, não têm hipótese de permanecer à tona no competitivo oceano das empresas promotoras de jogo. A Bloomberg dá como exemplo Eric Leong, que trabalhou como junket, oferecendo serviços a apostadores chineses nas últimas décadas.

Face às circunstâncias de mercado, o empresário reinventou-se este ano e passou a importar bens de consumo, como cosméticos, e acessórios de luxo, como malas. “Nesta indústria, estão todos a tentar sobreviver da melhor forma que conseguem. Se a água for clara demais, não há peixe. Os grandes apostadores vão-se embora se os casinos se tornarem tão transparentes”, afirmou o empresário à agência internacional.

No mês passado, o jornal oficial China Daily referiu que a moeda digital, emitida pelo Banco Popular da China, o banco central chinês, ainda vai ter de passar por vários testes antes de ser introduzida em circulação. Uma coisa é certa, Shenzhen será o palco das primeiras experiências, algo expectável porque a cidade vizinha funciona praticamente sem dinheiro físico. Aliás, em 12 de Outubro, 50 mil residentes de Shenzhen receberam o prémio de uma lotaria em moeda digital.

Enquanto não é usada em larga escala, este formato dará, teoricamente, mais controlo ao Governo Central no fluxo de capitais e no combate à lavagem de dinheiro. Em Macau, esses esforços reflectiram-se em medidas como a instalação de tecnologia de reconhecimento facial nas caixas multibanco, banindo apostas em nome de terceiros e fiscalizando actividades bancárias fora do sistema autorizado.

A chegada do yuan digital é inevitável e vai muito além do uso nas salas VIP de Macau. A moeda faz parte do alargado plano de Pequim para ultrapassar o dólar norte-americano como a divisa no topo do sistema monetário internacional.

Hong Kong | Activistas Joshua Wong, Agnes Chow e Ivan Lam condenados a penas de prisão

[dropcap]O[/dropcap]s activistas pró-democracia Joshua Wong, Agnes Chow e Ivan Lam foram hoje condenados a penas de prisão por organizarem um protesto junto à sede da Polícia de Hong Kong, em Junho de 2019. Joshua Wong, uma das caras mais conhecidas dos protestos pró-democracia em Hong Kong, foi condenado a 13 meses e meio de prisão, e Agnes Chow e Ivan Lam a 10 e a sete meses, respectivamente.

Antes de ser escoltado para fora do tribunal, Wong gritou aos apoiantes: “Sei que o caminho pela frente é difícil, mas vou aguentar-me”, com a multidão a gritar de volta palavras de apoio, descreveu a emissora pública de Hong Kong, a RTHK.

“Os arguidos apelaram aos manifestantes para sitiarem a sede [da Polícia de Hong Kong] e entoaram ‘slogans’ anti-polícia”, disse a juíza Wong Sze-lai. “A detenção imediata é a opção mais apropriada”, defendeu.

Agnes Chow explodiu em lágrimas ao ser condenada, segundo a agência de notícias France-Presse (AFP). Apesar da sua juventude, Wong, que iniciou o seu activismo político aos 13 anos de idade, já passou algum tempo atrás das grades. Tem sido descrito por vários ‘media’ como uma das pessoas mais influentes do mundo, encarnando a opinião internacional sobre a resistência a Pequim na antiga colónia britânica.

Wong, de 24 anos, declarou-se culpado de organizar a manifestação e de incitar outros a juntarem-se. Chow, de 23 anos, também admitiu ter participado e incitado pessoas a juntarem-se à manifestação. Lam, de 26 anos, confessou-se culpado da acusação de incitamento. A admissão de culpa dos três permitiu que a sentença fosse reduzida, face aos três anos de pena que arriscavam.

Os advogados dos três antigos líderes do agora dissolvido partido Demosisto tinham apelado a penas mais brandas, exortando o magistrado Wong Sze-lai a ter em conta a juventude do trio, o facto de Chow ter um registo sem mácula, e de nenhum deles ter participado em qualquer ato de violência durante o protesto.

Wong e Lam já tinham sido presos no passado após condenações relacionadas com o seu activismo, ao contrário de Chow, que em agosto chegou a ser detida, ao abrigo da lei de segurança nacional, mas sem que tenha sido deduzida qualquer acusação.

Milhares de pessoas cercaram o edifício em Wan Chai a 21 de junho do ano passado, exigindo a retirada da lei de extradição do Governo, reformas democráticas e que a polícia deixasse de descrever os protestos no início do movimento como motins.

A multidão bloqueou entradas, com alguns manifestantes a vandalizarem muros e a destruírem câmaras de vigilância, mas sem que tenham existido confrontos graves com a polícia, algo que foi frequente nos protestos de 2019, que levaram milhões de pessoas para as ruas.

Óbito | Eduardo Lourenço morre em Lisboa aos 97 anos

[dropcap]O[/dropcap] ensaísta Eduardo Lourenço, de 97 anos, morreu ontem, em Lisboa, confirmou à agência Lusa fonte da Presidência da República. Professor, filósofo, escritor, crítico literário, ensaísta, interventor cívico, várias vezes galardoado e distinguido, Eduardo Lourenço foi um dos pensadores mais proeminentes da cultura portuguesa.

Eduardo Lourenço Faria nasceu em 23 de Maio de 1923, em S. Pedro do Rio Seco, no concelho de Almeida, no distrito da Guarda, Beira Alta.

Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas, na Universidade de Coimbra, em 1946, aí inicia o seu percurso, como assistente e como autor, com a publicação de “Heterodoxia” (1949).

Seguir-se-iam as funções de Leitor de Cultura Portuguesa, nas universidades de Hamburgo e Heidelberg, em Montpellier e no Brasil, até se fixar na cidade francesa de Vence, em 1965, com actividade pedagógica nas principais universidades francesas.

Foi conselheiro cultural da Embaixada Portuguesa em Roma. Em 1999, passou a administrador não executivo da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, que tem em curso a publicação da sua obra integral.
Autor de mais de 40 títulos, possuiu desde sempre “um olhar inquietante sobre a realidade”, como destacaram os seus pares.

“O Labirinto da Saudade”, “Fernando, Rei da Nossa Baviera” são algumas das suas principais obras.
Eduardo Lourenço recebeu o Prémio Camões (1996) e o Prémio Pessoa (2011).

Entre outras distinções, recebeu as insígnias de Grande Oficial e a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.
Era Oficial da Ordem Nacional do Mérito, Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras e da Legião de Honra de França.

“Na verdade, falo de mim em todos os textos”, disse Eduardo Lourenço sobre a sua obra, citado pelo Centro Nacional de Cultura, nas páginas que lhe dedica ‘online’. “Cada um dos assuntos por que me interesso daria para ocupar várias pessoas durante toda a vida. [Mas como] não possuo vocação heteronímica, tenho procurado encontrar um nexo entre as minhas diversas abordagens da realidade”.

Luto nacional

O Presidente da República afirmou ontem que Portugal está muito grato ao ensaísta Eduardo Lourenço, ao ter dedicado “praticamente um século de serviço” ao país.

“Portugal está-lhe muito, muito grato. Foi praticamente um século de serviço à nossa pátria”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, que falava aos jornalistas no final das comemorações do 1.º de Dezembro, em Lisboa.

O Presidente da República realçou a “coincidência simbólica” de “o maior pensador sobre Portugal vivo” ter morrido no dia da Restauração da Independência. “Quase que parecia que teria que ser assim”, acrescentou.

O primeiro-ministro, António Costa, anunciou ontem que esta quarta-feira será dia de luto nacional, pela morte do ensaísta Eduardo Lourenço.

“Amanhã [quarta-feira] será dia de luto nacional, no dia em que dos despediremos do professor Eduardo Lourenço”, disse António Costa, que falava aos jornalistas à margem das comemorações do 1.º de Dezembro, em Lisboa.

Plano Director VI – da morfologia urbana

[dropcap]D[/dropcap]e todas as áreas de intervenção do Projecto de Plano Director, os Aterros da Baía da Praia Grande é aquela que teve génese ou desenvolvimento menos espontâneos, e que mais importa interpretar o que presidiu a essa génese.

O Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande, prosseguiu as orientações que remontam e resultaram ainda do levantamento exaustivo das condições hidrológicas feitas por Adolpho Loureiro no final do Sec. XIX, que à data tinha em vista aliviar o assoreamento, que sempre constituiu tormento para a utilização e gestão do domínio hídrico em torno do território, nomeadamente de acesso ao Porto Interior. Tais orientações tinham em vista estreitar o estuário entre a península de Macau e a ilha da Taipa, acelerando o caudal fluvial e de maré, para limpeza de fundos e para alívio da manutenção do canal do denominado “rada”.

Presentemente a realidade não é mais a mesma, não pelo agravamento do assoreamento das margens, mas pela urbanização do estuário a montante, ao ponto de o estuário não mais se poder espraiar e acomodar as situações extremas de caudal fluvial e de maré, passando as orlas urbanas mais antigas e mais baixas a ser recorrentemente fustigadas por inundações.

Presentemente um sistema ainda por compreender nas suas características actuais, e que hoje se faz por modelos numéricos de simulação, para informar e orientar futuras intervenções urbanísticas.

À questão geomorfológica sucede o modelo urbano de ocupação, e aquilo que mais releva para o desenho da cidade.

Ao contrário dos outros aterros efectuados no passado, que vêm substituindo sucessivamente os contornos do litoral, o Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande manteve grande parte da morfologia original da margem, nomeadamente na Av. da República, gerando “ao largo” grande parte do solo novo.

Disso resultou que os contornos da baía passaram a poder ser apreciados mais de perto, que não apenas da ilha da Taipa, como também dessas margens poderia ser apreciada a morfologia de uma nova ilha. Ou seja, diversas possibilidades de gerar nova paisagem e de apreciar a já existente.

Para isso, a regra da malha urbana pautou-se por uma rede viária de diferentes hierarquias, onde são interiores as vias de trânsito mais intenso, e são periféricas as de trânsito local. Disso espera-se que as margens do aterro mantenham o equilíbrio das suas características, mesmo que o trânsito de circulação mais geral se intensifique.

Disso resulta resguardo para as imagens de contorno litoral, visualmente ricas de reflexos urbanos na água, sem que essas imagens fossem cortadas por grandes vias marginais ou que as mesmas viessem a ser intensificadas e difíceis de atravessar. Foram ainda previstas situações em que a própria edificação existisse directamente sobre a água para perfeita continuação do seu reflexo, como é o caso do edifício da Assembleia Legislativa.

Da mesma malha urbana existem ainda vias transversais de direcções aparentemente aleatórias que captam outros avistamentos distantes no interior daquela nova “ilha”.

E como efectivamente se trata de uma “ilha” artificial, admitiu-se um núcleo de construção mais elevada que decresce em três frentes de água, como se uma colina artificial se elevasse dos lagos, por analogia à morfologia natural da península e das demais ilhas em redor.

As encostas dessa “ilha” artificial formam-se pelos os pisos que acrescem ao edifício imediatamente em frente.

A Torre de Macau não fora prevista no plano, mas serve a mesma morfologia, como algo especial que acresce ao cimo de uma de uma elevação.

Nesse plano foi ainda prevista a possibilidade de intervenções icónicas, por via de dois “colossos” com a fisionomia de duas torres de base elíptica que marcavam a entrada nesta “ilha”, pelo “istmo” por onde se acedia a partir do N.A.P.E.

Entretanto, o aterro na zona Sul desta “ilha” foi acrescentado e aquele acesso em “istmo” perdeu expressão ou preponderância.

Presentemente essa preponderância reside exclusivamente no eixo da ponte Nobre de Carvalho, mas que o Projecto de Plano Director não aproveitou para ladear por algo que fosse mais que um “descampado”, nomeadamente reposicionando os dois “colossos” previstos no plano inicial, para que enquadrassem perspecticamente a abordagem da Praça Ferreira do Amaral pela ponte Nobre de Carvalho.

O projecto de Plano Director prevê para esta zona a concentração de elementos comerciais, turísticos e de diversões, pela construção de diversas instalações públicas e instalações turísticas e culturais, mas também instalações governamentais, sem, contudo, enunciar um guião para toda essa articulação funcional.

Pretende ainda integrar esta zona num percurso de atributos paisagísticos ao longo da costa a que chama “Cintura de Turismo Histórico na Zona Costeira” que, todavia, já existe, se bem que em trechos de temas e características diferentes, e que nem sempre é periférico.

Possivelmente a intervenção pertinente seria antes a interpretação e a caracterização de cada um desses trechos existentes, a forma de os articular, para que se transitasse de um segmento para outro segmento, e se lhes desse continuidade.

O Projecto de Plano Director admite que nesta zona as construções possam atingir a altura da colina da Penha até ao máximo de 62,7 metros (aproximadamente 20 pisos) mas não diz com que partido plástico de distribuição volumétrica, sendo certo que não foi isso o que se representou nas imagens prospécticas adiantadas pelo plano, que antes se pautam pela contenção da altura.

Em verdade, a contenção das alturas nas orlas dos planos de água retira oportunidade de reflexo da arquitectura no plano da água que são sempre atributos das cidades costeiras ou litorais.

A preocupação em causa aparentemente prendeu-se com a salvaguarda dos avistamentos notáveis, todavia, a notoriedade dos avistamentos resulta tanto do objecto avistado como do partido que disso se tira do local de onde é avistado.

É por essa razão que os pontos de avistamento se seleccionam e se salvaguardam do próprio objecto avistado. Isso porque tudo o que daí se avista, significa que esse objecto é daí igualmente avistado.

É antes sobre essa vista revertida que é possível tomar decisões sobre onde é importante que um avistamento chegue, para limitar a altura da construção a edificar por meio, assim como decidir onde se pode prescindir desse avistamento, para que nesse sector a edificação em altura possa acontecer e não resulte danosa.

À preocupação de conter a cidade na sua altura, deveria antes prevalecer a preocupação de definir significativamente a cidade na sua volumetria, que está ao alcance de um plano de intervenção. Não somente de contenção que é antes atribuição de medida cautelar, na ausência de plano de intervenção.

O Projecto de Plano Director pretende “sublinhar a imagem de cidade costeira”, mas nenhuma morfologia significativa sustentou à escala dessa paisagem costeira, que é aquela que tem capacidade de ser percepcionada a grande distância. O mesmo é dizer que pretende sublinhar palavras que não escreveu.

E estamos a falar da silhueta que tem capacidade de definir o icon gráfico por que uma cidade se identifica, que vem sido construído na RAEM aleatoriamente, e que um plano director tem capacidade de aferir e de aperfeiçoar (vd. Cidades atentas ao seu “skyline”, in HojeMacau, 05-10-2007).

O sexo já não se faz no escuro

[dropcap]H[/dropcap]á muito que ainda não se sabe sobre o sexo e isso reflecte alguma, digamos, negligência por parte da ciência. Um exemplo doloroso foi que só no início deste milénio que o clitóris foi totalmente mapeado. Temas do sexo estiveram escondidos nas gavetas dos cientistas que, por desinteresse mais ou menos consciente, atrasaram o desenvolvimento de uma reflexão crítica do sexo. Nunca foi prioridade. O sexo continua a ser tabu, os vieses são mais que muitos e as queixas não param de rolar.

Mas há uma luz ao fundo do túnel. Estou a depositar a minha esperança nas muitas pessoas que agora andam a falar sobre o sexo nos mais diversos canais: são sexólogos, terapeutas, educadores sexuais, cientistas, activistas e pessoas que falam a título pessoal das suas experiências. Há um sentido de urgência em tornar público aquilo que acontece na escuridão do quarto – a intimidade não precisa de deixar de ser menos íntima, mas pode deixar de ser uma completa incógnita.

As redes sociais vieram ajudar muito na disseminação informal. As pessoas têm o poder de partilhar a sua visão do sexo e ajudar a criar comunidades onde a normalidade é o sexo positivo. Normalizar esse acesso também é essencial para que as pessoas possam fazer escolhas sobre o seu corpo, sexo e prazer. Um empoderamento sexual necessário para pôr em perspectiva as indústrias, medicina e até as ciências. A ejaculação da vagina ilustra esta dinâmica. Quando um recente estudo concluiu que se tratava de urina (e nada mais), houve uma onda de contestação nas redes sociais. Diz quem já experienciou e já viu acontecer que não podia discordar mais. O que não quer dizer que não devemos confiar na ciência, mas que a ciência precisa de escutar a experiência das pessoas – e provavelmente não está a fazê-lo. A Hite tentou fazer isso no seu estudo icónico de perceber o que dava prazer às mulheres. Mas claro, fazer ciência com base na fenomenologia já é cunhada por “pseudo-ciência” pelos críticos.

A experiência pessoal do sexo tem sido ignorada em detrimento de um conhecimento supostamente não enviesado. Isso só provoca mais enviesamento. As experiências de uma suposta maioria são tidas como as únicas experiências legitimas. Isso exclui todas as outras conversas que se mantêm secretas, longe do vislumbre da esfera pública. Muita gente vive a sua sexualidade com muita solidão e desinformação. Mas não tem que ser assim.

Não sabes como se masturbam as vulvas ou os pénis? Há vídeos que ajudam a explicar isso. Achas que a tua vulva é forma do normal? Vai olhar os muitos murais com a diversidade de vulvas que existem. Gostarias de experimentar sexo anal? Há vídeos e artigos para desmistificar os medos e explicar, passo a passo, os cuidados a ter. Achas que podes ser assexual? Junta-te à comunidade online. Fantasias com chuva dourada? Fala com terapeutas que te ajudam a perceber que, com consentimento, todo o sexo é normal.

Podem recomendar-se livros, blogs e publicações que fazem um trabalho precioso, muitos deles em língua portuguesa, em abrir a discussão do sexo. Estes têm sido, ao longo do tempo, fontes de inspiração para a minha (também) tentativa de disseminar uma sexualidade positiva. As contas @carmogepereira, @prontoadespir, @omeuutero ou @taniiagraca são algumas contas de instagram que refrescam as tradicionais ideias do sexo. Sempre com um pezito na ciência, estas contas avaliam de forma critica aquilo que vem cá para fora. Há muito pouco que justifique andar às escuras no sexo. Acendam as luzes, pelo amor das deusas.

Das vidas da vida

Horta Seca, Lisboa, terça, 10 Novembro

 

[dropcap]A[/dropcap]travessamos tempo e lugar de nós mais ou menos cegos, nuvens pesadas a fazerem-se chão duro de palmilhar, vidro moído, areias movediças, pântanos sulfurosos; ao nível dos olhos instalou-se nevoeiro compacto de nos tirar horizonte, as bússolas ora baças ora em doida rotação; no entorno aquele vociferar contínuo de bandeiras misturado com o sussurrar de desgraças íntimas, a fome a morder calcanhares, o inesperado anunciado em relatórios dos serviços de inteligência a insistir que nada nos está nunca garantido, portanto. Quantas palavras serão precisas para dizer continuar?

Este texto não saiu do lote dos atrasados, dos em falta, dos ardentes. Veio de uma das muitas crises que a crise vai desovando, e estava longe de imaginar, quando conheci final e pessoalmente o Luís Cardoso há um ano redondo, que estaria agora nesta dança com ele. Gentil, desde o primeiro momento. «O plantador de abóboras (sonata para uma neblina)» envolve-nos a partir da primeira palavra-frase, possui ritmos de encantamento, leva-nos aos cenários mais ásperos como aos de seda, faz-nos trocar de pele com personagens fortíssimas, mulher, homens, e nelas incluo fauna e flora, burro, ganso, café, abóboras, rosas.

Sem nunca cometer o pecado do óbvio, sem tentar explicar, demonizar ou até descrever, mas assumindo a delicadeza do mistério vai fundo nas teias do colonialismo, como a aguarelar até a dor. Na linhagem ancestral dos grandes contadores, tudo se oferece com simplicidade líquida, de rio a rumorejar para humedecer os diálogos, para lavar o sangue, para desenhar destinos. Ergue-se devagar para dizer dessoutro doloroso processo de depuração que desembocou em país. Conta-nos de Timor, e assim não haverá outro livro, por só agora acontecer. Timor nasce neste livro. Nada mais que uma história, mas, digo eu, sem peso, nem conta ou medida, que fará História. Não há países sem pessoas, e acompanhámos, ao longe mas com intensidade, quantas se perderam para que Timor Lorosae o fosse. Como não há nações sem literatura, sem textos fundadores, rios e montanhas, marés e árvores, mão e pensamento, vontade e esforço, gestos de semear, de rasgar, de acariciar, de erguer, passos e visões. Tudo acontece por causa da gente vivíssima que aqui habita, que morrerá jamais graças ao laborioso discorrer do autor. É de crises feita a nossa paisagem, a íntima e a outra. Jamais deixaremos de andar sobre brasas, de atravessar tempestades, de nos perdermos na floresta, de olhar cada rosto da violência, de tratar o medo por tu. É a puta da vida. Seja ela maior do que a própria vida. Há que dizê-lo cuspindo nas trombas da vida: cresce e aparece! Assim afastaremos a morte, ainda que por brevíssimos instantes. Desabafo tonto: nenhuma lição se retira dos livros.

Ou melhor: o editor tira, sim. O modo como as figuras maiores deste romance andavam pelo meio das plantações, como habitavam as casas, as varandas, pegavam nos livros, se vestiam e despiam, mas também como tocavam na vida animal e vegetal, sugeriram-me de imediato a Ana [Jacinto Nunes] para pintar as portas e janelas do habitual na nossa colecção (a da capa, aqui na página). Devo confessar, com tanto desacerto a acontecer-me, que assisti em delícia ao resultado do seu encontro com o texto. O que parecia primeira proposta, revelou-se esboço e depois nova série e outra ainda, cada uma trazendo olhar distinto, em investigação de leitor a reler, a detectar o pormenor de um olhar, um sobrolho a carregar-se, sempre o rosto como palco. A escolha estava feita, mas a Ana continuou a ler com o corpo todo no papel. Se dúvidas tivesse acerca das potestades que se escondem nestas páginas estavam desfeitas a pincel.

Sequeiro, Lisboa, sexta, 13 Novembro

Acolho a nefasta memória deste dia com almoço que só não é como antes, porque a nova normalidade tende a expulsar-nos dessas maneiras de ser. Vivi nos bastidores de alguns textos, por estes dias. Alguma dor os habita, por tratarem da matéria de que somos feitos. Deixemos para depois. Quero trazer o registo contabilístico de conversas acerca da construção do texto, prazer, portanto.

Prosa, primeiro. O Joaquim [Paulo Nogueira] surpreendeu-me com romance que força os limites dos mecanismos narrativos, de recusar a reflexão sobre a forma, nem excluir o que lhe interessa, também no teatro, desconfio, a aproximação à vida, sabendo que será inevitavelmente outra coisa, que nunca a agarrará.

Como em trabalho de dramaturgia, vi-me a empurrá-lo para o risco, para o entusiasmo, para o fulgor. Conhecemo-nos há muito em contexto de trabalho vivificador na direcção da não-violência. Reconhecemo-nos agora pondo as mãos na violência.

Depois a poesia, que me atirou para as órbitas da infância, esse astro escaldante. O José Ricardo [Nunes] vem amadurecendo volume com afã de jardineiro, atentíssimo à dimensão dos canteiros, ao convívio das espécies, ocupado a distribuir as luxúrias, sem maltratar as daninhas. Incluiu os astronautas e foi isso que me pôs a voar. Mas a partilha de leituras no lugar fresco da generosidade, a trocar truques para excitar a cor do antúrio ou garantir que o carvalho atravessa o verão, na caça ao advérbio ou aos anti-climax, nos alinhamentos que servem o baixo contínuo, na perseguição do título justo, permitiu-me a mim ver mais. Sobre a cosmonáutica e o arrastar dos pés.

Horta Seca, Lisboa, quinta, 26 Novembro

Não se entra impunemente nos livros de José Emílio-Nelson. Deviam mesmo ser proibidos, garantindo assim as leituras que merecem. Ao «Putrefacção e fósforo», que me é dedicado ferindo o meu pudor, que quase sangrou agradado, segue-se «Coração Cru», intervalados com os desenhos libertinos da Bárbara [Fonte]. Libertinos, não tanto pela abundante e convivente genitália, mas pela absoluta liberdade no redesenho dos corpos. As obsessões tocam-nos ou deixam-nos, entram e saem. Uma delícia, se quereis saber. O voluminho contém a energia do mais potente explosivo, somando reflexão erudita, prosa poética, versos, momentos de puro teatro. Um índice pontiagudo com o qual assinalar a pele dos temas mais excruciantes da nossa vida conventual, portanto doce e castigada. Habitamos os corpos como lugares do sagrado, mas saberemos qual o lugar neles para a oração? Nenhum sabor, por acre ou pestilento, está excluído. Não conheço ponte mais virtuosa e desafiante que nos ligue ao absoluto. A partir da inevitabilidade marmórea do cadáver.

Horta Seca, Lisboa, sexta, 27 Novembro

Puxo duas semanas e sento-me. Nos ares rodopiam os bumerangues: lista de traduções a pulsar na direcção de várias línguas, com o Arno Schmidt à cabeça, uma ideia de texto que me queima, as conversas na margem de Deus, as micro-narrativas com o André [da Loba], o velho infanto-juvenil também com ele, a confirmação do documentário sobre livraria onde o antigo vem à tona respirar, o projecto de puro gozo a partir da cerveja, aquela colecção nova a celebrar a memória, e, por falar nisso, a investigação sobre os passos dados por Jean Moulin em Lisboa, as possibilidades entusiasmantes que chegam a cada almoço pausado há séculos e os primeiros traços firmes no desenho associativo das editoras independentes. Fuga para frente, mas às arrecuas.

Da memória

[dropcap]Q[/dropcap]uer dizer: sabemos que ninguém rejuvenesce nesta vida. Que os nomes, os lugares, as coisas, os dias começam inapelavelmente a escaparem-se de modo a que muito do que vivemos, bom e mau, se transforma em paisagens impressionistas e distantes. Francamente não me parece que isso seja uma má notícia do ponto de vista individual. Desde que escapemos à tragédia de patologias cruéis, em que lúcidos deixamos de reconhecer quem mais amamos, a erosão do que lembramos pode ser até salvífica. Quem sabe mesmo um mecanismo de evolução natural. Que a memória pode ser selectiva é um facto conhecido; o pouco que se pode lamentar ou louvar é o critério dessa selecção. Interessará que apenas me lembre dos melhores momentos da minha vida ou irei angustiar-me porque não os consigo lembrar? Qualquer que seja a resposta há um facto irreversível: não me lembro mas vivi-os. Isso, acho eu, deveria bastar.

Mas a este nível a questão leva a escolhas ou traços de carácter. Se lamentamos um paraíso perdido, lembramo-lo como uma redenção melancólica e inútil; se houver um acontecimento terrível que nos assombre, continuamos presos. “O passado é um país estrangeiro”, diz uma das mais famosas aberturas da literatura. Sim, certamente; e o ser humano divide-se entre aqueles que persistem em habitá-lo e os outros que aceitam que fez parte de um caminho que veio dar até agora mesmo.

Eu faço parte destes últimos. Mas se dou valor ao agora é porque tenho a possibilidade de lembrar o ontem e aprender com ele. A memória, como David Hume escreveu, serve também para conservar as ideias e a sua ordem. E é por tudo isto que me custa viver num mundo e mais particularmente num país cada vez mais amnésico.

Serei sincero: se há coisa que Portugal não tem é uma cultura de memória. Não se pode atribuir isto apenas aos ares do tempo e ao actual modo de pensar basta-juntar-água. Infelizmente o meu país tem rastilho curto no que ao lembrar diz respeito. Lembram-se ocasiões grandiosas, celebram-se efemérides; mas esquecemos os pequenos actos que podem mudar um destino colectivo. Muitas vezes até as grandes infâmias são levadas pela torrente do presente. É certo que quando se trata de factos históricos os fantasmas estarão sempre `disposição dos vencedores. Mas o que custa é o contraditório ter quase desaparecido, existirem poucos que digam “isso não terá sido assim”.

Esta ausência de memória colectiva leva a outro efeito mais grave: não honrar quem já não está. Para não variar socorro-me de António Vieira: «O efeito da memória é levar-nos aos ausentes, para que estejamos com eles, e trazê-los a eles a nós, para que estejam connosco». Estes ausentes, neste contexto de país, são aqueles que se notabilizaram pelo bem comum. E são honrados não apenas pela lembrança individual mas sobretudo pela conservação de registos materiais de vária ordem que este país parece desprezar. Livros, documentos, fotografias – ou estão em lugar incerto ou é o próprio país que muitas vezes não os deseja nem protege.

A memória, é certo, pode ser nossa inimiga mas tem que existir. É um factor de civilização essencial que por aqui está em défice. E mais do que isso: são as migalhas deixadas no chão dos tempos que nos ajudam a encontrar a saída do labirinto dos dias.

CNN | Documentos revelam falhas na gestão inicial do surto de Covid-19

[dropcap]A[/dropcap] China difundiu dados mais optimistas do que os estágios iniciais do surto do novo coronavírus sugeriam e tardou em confirmar casos já diagnosticados, segundo documentos internos das autoridades citados pela cadeia televisiva norte-americana CNN.

As conclusões avançadas pela CNN têm como base a análise de documentos internos das autoridades de saúde do país asiático. No total, são 117 páginas vazadas do Centro para Controlo e Prevenção de Doenças da Província de Hubei, onde foram diagnosticados os primeiros casos de covid-19.

Num relatório marcado com as palavras “documento interno, mantenham o sigilo”, as autoridades de saúde locais listam um total de 5.918 novos casos, detectados em 10 de Fevereiro, mais do que o dobro do número público oficial de casos confirmados nesse dia.

Este número nunca foi revelado na altura, já que o sistema de contabilidade da China parecia, no caos das primeiras semanas da pandemia, minimizar a gravidade do surto.

Um relatório produzido no início de Março apontou que as autoridades estavam a demorar, em média, 23 dias a confirmar o diagnóstico de pacientes que já apresentavam sintomas.

Erros de teste significaram ainda que a maioria das pessoas infectadas recebeu resultados negativos em 10 de Janeiro.

As primeiras medidas de contenção do surto foram prejudicadas pela falta de fundos e pessoal e uma burocracia complexa, que complicou o sistema de emergência da China, segundo as auditorias internas a que a CNN teve acesso.

A CNN afirmou também que houve um grande surto de gripe, no início de Dezembro, na província de Hubei, que não foi divulgado anteriormente.

Os documentos, que cobrem um período incompleto entre Outubro de 2019 e Abril deste ano, revelam o que parece ser um sistema de saúde “inflexível, limitado por uma burocracia organizada do cimo para baixo e procedimentos rígidos, inapropriados para lidar com a crise”, apontou a CNN.

“Em vários momentos críticos da fase inicial da pandemia, os documentos apontam evidências de erros claros e um padrão de falhas institucionais”, acrescentou.

Negação sínica

O Governo chinês rejeitou veementemente as acusações dos Estados Unidos e de outros governos ocidentais de que deliberadamente reteve informações sobre o vírus.

Em Junho passado, o Conselho de Estado da China defendeu que o Governo chinês sempre publicou informações sobre a epidemia de “forma oportuna, aberta e transparente”.

“Ao fazer um esforço total para conter o vírus, a China também agiu com grande sentido de responsabilidade para com a humanidade, o seu povo, a posteridade e a comunidade internacional. Forneceu informações sobre a covid-19 de forma totalmente profissional e eficiente e divulgou informações confiáveis e detalhadas o mais cedo possível numa base regular”, acrescentou.

Segundo a CNN, embora os documentos não ofereçam evidências de uma tentativa deliberada de ocultar informação, estes revelam várias inconsistências sobre o que as autoridades acreditavam que estava a acontecer e o que foi revelado publicamente.

Ontem, fez um ano desde que o primeiro paciente conhecido apresentou sintomas da doença em Wuhan, a capital da província de Hubei, segundo um estudo publicado no jornal médico Lancet.

As revelações ocorrem numa altura em que EUA e União Europeia pressionam a China a cooperar totalmente com uma investigação da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre as origens do vírus, que infectou já mais de 60 milhões de pessoas e matou 1,46 milhões em todo o mundo.

Até à data, no entanto, o acesso de especialistas internacionais aos registos médicos dos hospitais e dados em Hubei foi limitado. A OMS disse, na semana passada, que recebeu “garantias do Governo chinês de que uma viagem ao terreno” seria concedida como parte da sua investigação.

Os arquivos foram apresentados à CNN por denunciantes que pediram anonimato, segundo a cadeia televisiva. As fontes disseram trabalhar no sistema de saúde chinês e serem patriotas que desejam expor factos que foram censurados e homenagear os colegas que falaram anteriormente.

Os documentos foram verificados por seis especialistas independentes que examinaram a veracidade de seu conteúdo, segundo a CNN.

Covid-19 | A pandemia vista por cinco prostitutos LGBT de Lisboa

Os trabalhadores do sexo estão dependentes de cada cliente e não recebem apoios do Estado. Por isso passam ao lado da covid-19 — e os clientes fazem o mesmo. Têm receios, mas dizem-se habituados a muitas outras doenças. Como é viver do sexo em época de máscaras e distanciamento?

 

[dropcap]A[/dropcap] mais famosa rua de prostituição de Lisboa era já uma sombra do passado e a pandemia fez o resto. Sandra vive aqui perto, por isso é num café do Conde Redondo, onde esteve a almoçar, que aceita encontrar-se comigo ao início de uma tarde de Outubro. Está sozinha numa mesa e larga o telemóvel para me estender a mão. Do empregado aos clientes, o dia de chuva esmoreceu humores. Sento-me e peço um café, tiro a máscara da cara e Sandra abre logo o jogo: “Assumo tudo o que faço, sou muito transparente.”

Sandra, de 37 anos, vive do sexo há duas décadas. Semblante amigável mas astuto, longos cabelos que de certo lhe ocupam horas em cuidados, mudou de sexo há menos de quatro anos e até já tem os documentos com nome feminino. Nasceu no Barreiro e cresceu em Santa Iria da Azóia, arredores da capital. Saiu cedo para viver à sua maneira, precisamente aos 16.

Fala-me dos pais e da infância marcada por alcoolismo, violência doméstica e prostituição da mãe. Sou levado pela curiosidade. Pergunto-lhe também quando percebeu que queria mudar de sexo, diz-me que “foi de um momento para o outro”. Só a custo voltamos ao assunto que nos juntou esta tarde. O relato é uma torrente.

“Pouco antes de darem o primeiro Estado de Emergência, estava na Suíça e tive de voltar para Lisboa. Estava um bocado assustada e fiquei a viver das poupanças durante dois meses, mas tinha cada vez mais chamadas dos clientes que viam os meus anúncios na internet e, em vez de os atender, em casa optei por videochamadas. Só que as brasileiras estavam aflitas e começaram a baixar o preço da câmara. Eles queriam pagar 10, 15 euros, eu disse não. Em Portugal, é fraco. Prefiro ir para fora, ganha-se mais e não te chateias tanto. Na Holanda rodo uma semana em cada cidade: Amesterdão, Roterdão, por aí fora. Estava em Friburgo quando começou isto tudo e tive de me vir embora.”

A pandemia, que assola a Europa desde o início do ano, tem vindo a alterar uma por uma todas as certezas que demos por garantidas. Em Portugal, onde as “medidas de contingência” colhem consenso político alargado, mas são cada vez mais contestadas pela sociedade civil, que possivelmente à boa maneira portuguesa cumpre tudo à vista de todos e quase nada longe de olhares indiscretos, o tecido social vai-se rompendo perante a estagnação compulsiva.

Há empresas e empregos destruídos e serviços de saúde incapazes de responder a outras doenças. A saúde mental e a paz de espírito estão em sobressalto, os cofres do Estado vão-se esvaziando, espreitam tragédias sociais de alcance desconhecido. Até as relações familiares estão sob ameaça neste Outono, com as autoridades a exibirem gráficos que alegadamente demonstram explosões de contágios entre pais, filhos, irmãos, tios, primos e avós.

São os dias da hipervigilância, da quarentena, do recolher obrigatório, da ilegalização do encontro, do prazer e do afecto. Porém, ao mesmo tempo, dias de realidades paralelas e comportamentos desalinhados ou, em certos momentos, criminais, conforme as excepções legislativas que as autoridades vão aprovando ao sabor dos números. Boletim em inícios de Novembro: mais de três mil mortos em Portugal, contados em função do “evento final” mais próximo do óbito e não a partir da causa primária (são mortos com covid-19 e não apenas por covid-19, critério que não se verifica em todos os países da União Europeia).

Se as festas furtivas de adolescentes rebeldes dão testemunho das realidades paralelas, também a intimidade comercial entra na lista. Foi o que me garantiram cinco prostitutos de Lisboa com quem falei ao longo de quatro semanas: três homossexuais, um bissexual e uma transexual. Relataram algum receio da covid-19 ao início, mas logo acrescentaram que suspender a actividade é simplesmente inconcebível.

Dependem de cada cliente para ganharem dinheiro e não têm outros rendimentos ou apoios do Estado, como o “lay-off” simplificado ou as prestações assistenciais.

Regresso a Sandra num café do Conde Redondo. No primeiro confinamento, em Março, os “clientes estavam desesperados”, diz-me. E não era com medo do vírus. Continuaram a querer combinar encontros, sem que ela cedesse. Muitos optaram pelo Parque Eduardo VII, conhecida zona de prostituição. Viu Sandra várias vezes. “Mais até do que noutras alturas e sem protecção”, garante. Aponta ao dedo à “falta de noção” e acrescenta que não teme a covid por aí além, por se considerar uma pessoa de boa saúde. Aliás, com vaidade, diz que em duas décadas de sexo remunerado nunca apanhou sífilis, hepatites ou outras doenças venéreas.

Pega no telemóvel. “Vou-te mostrar uma fotografia minha de rapazinho”. Em vésperas da transição, tinha um ar fechado, que não perdeu por inteiro. “Agora assumo-me como mulher, sou considerada transexual”, descreve.

“Como rapaz, era tímido. Agora sou desinibida, vou a todo o lado, ninguém me ofende nos cafés, as velhotas adoram-me. Há 20 anos comecei como gay, uma amiga disse-me que vinha para o Conde Redondo, que ganhava bem e conhecia rapazes bonitos. Comecei a vir e gostei. De dia trabalhava na Casa das Sandes e à noite vinha para aqui. Foi até hoje. Mas a rua já morreu, há por aí quatro ou cinco a trabalhar. E os clientes pagam pouco, também já não há tantos. Se era assim antes da covid, agora pior ainda. Ganhavas 50, 100 euros, mas gastavas logo 20 ou 30, o que é que juntavas? Nada. Na Holanda, se for preciso, fazes mil por dia.”

“Preferes a rua ou o atendimento em casa?”, pergunto.

“Apesar de tudo, gosto muito mais da rua, porque sou exibicionista. Em casa posso atender dois ou três, depois desligo o telefone e descanso”, responde com calma, mas à velocidade de quem está com muita pressa.

O depoimento de Sandra, a que não tarda se juntará o de um amigo travesti aparecido por acaso à mesma hora no café, indicia o segredo mal guardado: na prostituição, como no resto da vida social, os receios da covid-19 desanuviaram-se ao longo do tempo.

Um mês antes, no Príncipe Real, estive como outro prostituto da cidade, um brasileiro de 26 anos nascido em Curitiba. É o Ricardo. Põe a necessidade de ganhar a vida acima de tudo. Aparece de calções e “t-shirt”, o cabelo muito penteado, talvez alguma maquilhagem. Aproveita o início da conversa para se queixar dos primeiros tempos em Lisboa. Está por cá há três anos e meio.

“Comecei trabalhando num café onde sofria ataques de xenofobia dos clientes. Nunca esperei isto num país europeu que recebe imigrantes de vários países. Diziam ‘volta para a tua terra’ e coisas assim. Estava sozinho e precisava daquele trabalho para me manter legal. Hoje estou mais forte, naquela altura dependia muito e não podia responder. Aqui em Portugal fui despejado duas vezes, tive de dormir na recepção de um hotel, fingindo ser um cliente à espera. Já passei fome e grandes dificuldades.”

“Foi por isso que te dedicaste à prostituição?”
“Lógico. Foi a forma de dar a volta por cima. Um amigo cabeleireiro, que vivia muito bem, disse-me que fazia uns serviços por fora e comecei também. Hoje como em bons restaurantes, de alguns nem sei dizer o nome.

Já fui ao JncQuoi, na Avenida. Como boa comida, como nunca imaginei, e nem preciso de pagar a conta. Vou com os clientes, pagam tudo e ainda me pagam a mim para estar com eles. Cheguei há pouco dias de uma longa viagem à Áustria e à Alemanha, tenho tido experiências incríveis.”

Animado, inteligente, directo. Começou em 2018 e numa hora ganhava o equivalente a três dias no café. Conta-me que foi criado por uma avó, entretanto falecida, e pouca relação tem com a família. Recorda o Brasil e deixa o sublinhado: “Morro de vergonha do presidente”, Jair Bolsonaro. Pergunto-lhe se esteve a trabalhar durante as semanas do primeiro confinamento. A resposta sai disparada.

“Claro. Se parar, como é que pago a renda de casa? Eu vi os números sempre a crescer, as fronteiras a fechar…”
“E pensaste o quê?”

“Que ia ter alguma dificuldade, porque o número de clientes iria baixar. E baixou. Muitos deles têm mais de 45, 50 anos e é normal que quisessem ficar em casa. Perdi muitos, com certeza, mas consegui outros. A clientela continua. Talvez não todos os dias, como antigamente, mas de dois em dois dias com certeza”, diz-me, como quem se sente guardado por uma força maior que é filha da necessidade.
“Que pensas do coronavírus?”

“É só mais um risco. Não tenho outra maneira de ir buscar dinheiro, tenho de comer, viajar, pagar a renda”, repete Ricardo.” Ninguém tem nenhum cuidado especial, aqui, na Áustria ou na Alemanha.”

Há números a confirmar esta versão. Na verdade, a oferta e a procura só registaram quebras no início da primeira vaga. O responsável pelo ClassificadosX.net, uma das mais conhecidas plataformas de anúncios para adultos em Portugal, fonte de angariação de clientes para centenas de trabalhadores do sexo, partilhou comigo alguns dados.

Comecemos pela oferta. A 2 de Março — nove dias antes de a Organização Mundial da Saúde assumir a covid-19 como pandemia e muitos antes de Portugal ter declarado o Estado de Emergência e o confinamento geral obrigatório, o que veio a acontecer entre 18 de Março e 2 de Maio — o ClassificadosX tinha quase 14 mil anúncios registados. A 6 de Abril, eram pouco mais de 11 mil.

Neste período, as receitas reduziram-se para metade, até porque os administradores do “site” pediram directamente aos anunciantes para “colocarem os anúncios em pausa” até “as coisas voltarem à normalidade”. Por “e-mail” até fizeram “recomendações para trabalhadores do sexo contra o coronavírus”, caso não pudessem mesmo parar. Por exemplo: “Use luvas e preservativo em todos os actos sexuais”, “antes e após o atendimento deverá higienizar-se com água e sabão”, “minimize o contacto corporal, usando posições de menor contacto” e “evite beijos e aproximação facial”, etc.

Acontece que seis meses mais tarde, a 6 de Outubro, a oferta já tinha voltado ao normal, com cerca de 15 mil anúncios. Do lado da procura, a mesma coisa. Os gráficos mostram cerca de 36 mil visitas (“unique visitors”) ao ClassificadosX a 2 de Março, perto de 22 mil a 6 de Abril e mais de 38 mil a 6 de Outubro. A comparação tem por base a escolha de dias da semana iguais e inícios do mês. Por duas razões: porque, por exemplo, à segunda-feira há mais utilizadores do que à quarta (e muito mais do que ao domingo ou num feriado), e no início do mês há sempre picos (quando os portugueses têm mais dinheiro disponível para gastar).

Hugo, de 26 anos, tem um anúncio activo naquele “site”. Apresenta-se como acompanhante de luxo. Contactei-o através do WhatsApp e encontrámo-nos duas vezes. Primeiro numa esplanada, onde falámos longamente.

“Trabalho sexual, fazemos todos, mas para mim prostituição aplica-se a quem está na rua por necessidade e faz por qualquer preço. Sou acompanhante, tenho anúncios na internet, recebo em casa ou vou a casa.

Normalmente, faço viagens ao estrangeiro: Suíça, Alemanha, França, Espanha, Noruega. É outro tipo de serviço. Posso seleccionar a pessoa e às vezes só tenho de fazer massagens ou acompanhar o cliente a um jantar ou uma festa, o que pode ou não acabar em sexo”, conta-me, acrescentado que a mãe e a irmã mais velha estão a par e até são ajudadas por ele.

Em Janeiro esteve na Áustria. Com a crise global de saúde regressou a Lisboa. Passou três meses por cá, quase parado, e sentiu uma “redução drástica” da procura, tendo-lhe valido a “almofada financeira”, que tinha de parte, “já a pensar em imprevistos”. Depois a abertura do espaço aéreo e o aligeirar de restrições legais, levaram-no até Zurique, no início do Verão, onde não viu ninguém de máscara a não ser dentro dos transportes públicos. Manteve os preços e não cedeu à pressão de clientes que pretendiam pagar um pouco menos nesta fase atípica. São 60 euros por um momento rápido ou até 700 euros por uma noite, conforme o poder de compra do país que Hugo visita.

“Não tenho medo do coronavírus porque não faço parte de um grupo de risco. Corro um risco relativo, todos corremos riscos”, afirma.

“Mas se estiveste parado em Março e Abril é porque também tinhas receio”, contraponho.
“De certa forma, só que depois as coisas voltaram ao normal. É um dilema, mas não posso deixar de trabalhar. Tenho a minha médica, faço o PrEP [profilaxia pré-exposição, um medicamento que pode dar protecção contra o vírus da sida], paguei as minhas injecções contra a hepatite e o HPV. Sou uma pessoa com cabeça, nunca me relaxo nos cuidados, porque esta profissão é o que é. E um cliente é sempre um cliente, eles é que nos podem trazer alguma doença. Se me perguntares se tenho muitos cuidados com o coronavírus, respondo já que não tenho. Não há distância social nem máscara, é impossível numa actividade destas.”

Hugo tem uma presença pacata e mostra-se atencioso, confidencia laços de amizade com alguns fregueses assíduos que, por vezes, nem lhe pedem sexo, antes preferem desabafar sobre problemas com as mulheres, os filhos, o trabalho, as contas. Nasceu em Vila Franca de Xira, a meia-hora de Lisboa, veio estudar gestão hoteleira e decidiu começar um dia por influência de um namorado que já se dedicava à actividade. Tem bem presente a data: Agosto de 2018. Trabalhava à época num hotel da Avenida da Liberdade, “mas os ordenados portugueses não são os melhores” e não conseguia ter “uma vida minimamente estável”.

Uma semana depois desta conversa, abriu-me as portas de casa, na zona de Arroios. Estava de chinelos, calções fluorescentes e uma camisola de alças. Mostrou-me o Gucci, um cão recém-nascido que cabe na palma da mão. Na maçaneta da porta vi pendurado o saco de desporto com que vai quase todos os dias ao ginásio, daí o físico robusto de que claramente se orgulha.

O quarto é acolhedor. Sento-me na cama, vejo um televisor na parede e uma gravura com A Criação de Adão, de Miguel Ângelo. Hugo assume que toma Viagra antes de alguns encontros, “para que nada falhe”. Gosta de ter sempre música ambiente quando anda por casa. Fica-me gravada esta frase: “Atender um cliente é entrar na viagem dele.” Quando lhe falo da crise económica provocada pela covid-19, Hugo sentencia: “Um apoio do Estado por causa da pandemia? Até podia ser útil, mas não seria justo. Sei ver o que é certo e o que é errado. Se não pagamos impostos sobre o que ganhamos com este trabalho, porque é que vamos pedir ajuda ao Estado?”

Pela mesma altura, encontro-me no café da Ribeira das Naus com um rapaz negro que nasceu no Brasil, perto do Recife, e vive nos subúrbios de Lisboa desde que aqui chegou, há nove anos: Jonas, 23 anos, bissexual que só trabalha com homens. Revela uma visão muito aguçada das circunstâncias e do percurso que lhe é dado viver. Num sotaque brasileiro já muito apagado, dá-me detalhes sobre alguns traumas familiares. Diz que ainda não tem nacionalidade portuguesa porque atravessou “uma fase muito difícil” e não pôde tratar da documentação.

“Queres falar dessa fase?”
“Você é o jornalista, o que achar mais interessante para o seu artigo, pode perguntar. Nunca fui entrevistado e acho interessante”. Depois entra na biografia: “Aos 18 anos caí numa depressão, foi quando comecei a viver sozinho, uma fase de álcool, drogas, de sair todas as noites. Por essa altura, descobri também que havia uma forma de ganhar uns trocos, tendo prazer. Tive um companheiro e ao fim de três meses percebi que ele estava nesta vida. Foi uma queda ainda maior para mim, afundei-me ainda mais, mas a semente ficou plantada na minha mente. Descobri que era possível e um dia acabei por entrar, também por necessidade, porque vivia sozinho e estava mal. Pus um anúncio numa app, foi o caminho mais fácil.”

Considera-se acompanhante e sobretudo faz massagens eróticas, até por causa da pandemia, assim evitando o contacto físico directo. Puxa de um cigarro. Tem uma presença tímida e segura ao mesmo tempo. Explica-me que ainda hoje toma antidepressivos e admite ter fases mais cavadas, o que também lhe afecta a líbido. Daí o uso de “medicações naturais”, para “dar energia extra à mente e ao corpo”.

Jonas trabalhou em cozinhas e cafés. De forma intermitente regressa à prostituição, sempre em casa dos clientes, muitos dos quais homens solitários com mais de 50 ou 60 anos. Para além dos fixos, que chega a visitar duas vezes por semana, tem visto aumentar o número de novas solicitações nos últimos meses. Contactam-no a partir de anúncios na internet.

“Fiquei chocado por não terem deixado de pedir. Não tiveram medo, mesmo os que pertencem a grupos de risco. Por isso não deixei de trabalhar. Também não posso, preciso de sobreviver. Simplesmente tomo as minhas medidas: um banho antes de qualquer contacto e não pode haver troca de saliva, mesmo que insistam. Há pessoas que forçam o beijo, aí é o livre-arbítrio de cada um, mas eu aviso sempre que não”, conta Jonas, cuja atenção é de repente desviada para o ecrã do telemóvel, um cliente que lhe liga e ele decide ignorar.

Atalho a conversa, ele parece estar com pressa. Antes de se levantar e desaparecer em direcção ao Terreiro do Paço, diz que vai apostar cada vez mais nas “massagens eróticas com final feliz”. Está até convencido de que a covid-19 pode levar outros trabalhadores do sexo à mesma decisão, como forma de se protegerem. Andará muito assustado com as notícias? Nem tanto. “Mais me assusta o HIV”, justifica.

A comparação parece ter lógica e surgiu noutros depoimentos que recolhi. O vírus da sida é um espectro sobre as sexualidades e terá moldado o comportamento de duas ou três gerações, mesmo se a infecção pode hoje ser tratada e até prevenida por meio de medicação. Tornou-se um perigo com que se lida, sem se evitar, mais ainda no caso dos trabalhadores sexuais. Eles estão familiarizados com esta e outras infecções sexualmente transmissíveis. Concluo que isso os torna menos inseguros face a um coronavírus que em muitos casos não provoca sintomas.

Estes indivíduos praticam uma actividade posta à margem, valorizam mais a liberdade pessoal do que a segurança e evidentemente tendem a desconfiar das autoridades, que consideram fonte de problemas e repressão. Sem dificuldade encontrei na internet um estudo publicado em Abril na revista “Nature”, segundo o qual quem tem pouca empatia com o sistema dificilmente cumpre recomendações e ordens de médicos ou governantes.

De resto, só um dos entrevistados disse ter sido contactado nos últimos meses por alguma entidade que lhe tivesse dado conselhos e informações específicas sobre a covid-19. Hugo recebeu alertas no telemóvel “sobre o que fazer com os clientes durante a pandemia”, através de mensagens do Espaço Intendente, projecto gerido por uma organização não-governamental e a funcionar desde 2016, onde pessoas envolvidas em sexo comercial podem fazer rastreio gratuito de doenças venéreas e receber aconselhamento.

Ainda o Conde Redondo. Agora, sim, entra o amigo de Sandra, que só trabalha na rua e há muito deixou de anunciar na internet. Chama-se João, 26 anos, natural da Amadora, na vida desde os 18. A conversa é longa, mas contém principalmente pormenores sobre o percurso de um rapaz frágil que aos 21 anos foi contactado pela mãe pela primeira vez. Alinha no discurso da amiga: que a rua “está muito mal”, mas ainda “dá para pagar as contas e sobreviver”.

“Estive fechado em casa durante três meses, completamente fechada”, recorda, trocando o feminino pelo masculino, ainda que se identifique como homem e homossexual. “Parei de fumar e tudo, porque não queria gastar dinheiro. Ainda não perdi o medo, mas tenho de trabalhar e estou outra vez na rua. Trabalho vestido de mulher, nunca consegui ser acompanhante como homem, não tenho coragem.”

Sem surpresa, as conversas alongam-se menos na covid do que nas questões morais e legais que a prostituição levanta. Numa esplanada da Ribeira das Naus, Jonas mostrou-se bem informado sobre o enquadramento da actividade e lembrou que “há uma lacuna na lei portuguesa”, que “não está lá nada escrito nem contra nem a favor” da prostituição (é assim desde o Código Penal de 1982).

Depois ganhou asas e ofereceu-me esta reflexão: “Isto acontece desde os primórdios da humanidade, não cometo nenhum crime, estou de bem comigo e com as pessoas. Não é a vida mais segura, principalmente ao nível da saúde e porque podes encontrar de tudo. Graças a Deus, até hoje todos os meus clientes foram impecáveis, até os que dizem que faltam cinco euros e não podem pagar tudo. Se calhar tenho boa intuição e um bom anjo-da-guarda. Não é vida que se deva ter às escondidas da esposa ou do marido, como muitas vezes acontece, mas enquanto estiver solteiro tenho o direito de fazer o que quiser. Se não ferir ninguém e houver consentimento de ambas as partes, é apenas uma troca de prazer que é paga.”

Os dilemas hão-de continuar vivos. Exploração, vício, sobrevivência. Liberdade, autonomia, prazer. A prostituição faz o seu caminho, flutua sobre convenções. As da moral e as da saúde, como sempre.

Armas | Descoberta venda de armamento proibido no âmbito de caso de violação 

[dropcap]U[/dropcap]m caso de violação, coacção grave e sequestro, ocorrido em Julho, levou a Polícia Judiciária (PJ) a descobrir um negócio de venda de armas ilegais em Macau por parte do mesmo indivíduo que terá cometido o crime de violação contra a namorada. Enquanto decorria a investigação sobre a violação, as autoridades policiais detectaram a presença de armas proibidas na casa do suspeito.

Esta segunda-feira, a PJ descobriu um arsenal de armas proibidas na casa do homem, onde se incluem cinco armas de arco e flecha, duas facas de combate, uma espada, uma arma de electrochoque, um bastão e 246 setas de diferentes tamanhos.

A PJ revela que o suspeitou fundou sozinho uma empresa em 2016, através da qual adquiriu online na China armas proibidas. “Os materiais foram entregues em Macau por uma empresa de logística”, tendo o homem “vendido [as armas] para clientes locais e estrangeiros”. O suspeito admitiu a posse das armas, mas recusou prestar mais informações sobre o negócio.

O homem é suspeito da prática do crime de posse de armas proibidas e substâncias explosivas, podendo incorrer numa pena de prisão entre dois a oito anos. O Ministério Público já está a acompanhar o caso, estando as autoridades a tentar perceber se há mais pessoas envolvidas neste caso.

USJ | Tribunal dá como provado que Sautedé foi lesado por despedimento

O Tribunal Judicial de Base anunciou ontem o que considerou provado, antes da decisão do processo que opõe Éric Sautedé à Universidade de São José. O juiz deu como provado que o académico depois de ser despedido não conseguiu encontrar outro emprego na mesma área em Macau e que sofreu psicologicamente com a situação

 

[dropcap]O[/dropcap] caso que coloca em confronto, no Tribunal Judicial de Base (TJB), o académico Éric Sautedé e a Universidade de São José (USJ) está perto do fim, depois de ontem terem sido lidas as decisões do juiz sobre o que considerou estar provado nos factos alegados pelas partes.

Entre os pontos que podem justificar a decisão do tribunal, é de realçar a confirmação que depois de o contrato de Sautedé ter cessado o académico não conseguiu encontrar outro trabalho na mesma área em Macau. Recorde-se que a área de ensino a que se dedicava era a Ciência Política.

O juiz chegou mesmo a referir que Peter Stilwell, à altura reitor da universidade, confessou num artigo publicado no jornal Ponto Final que o motivo para o despedimento de Sautedé foi político.

O tribunal não atendeu à alegação de que o académico teria passado a ser rotulado, depois do despedimento, como activista político, ou causador de problemas, e que essas teriam sido razões para não conseguir emprego noutras instituições de ensino superior de Macau.

Porém, foi dado como provado que em resultado do fim de contrato com a USJ, Éric Sautedé sofreu um grande desgosto, sentiu insegurança e angústia e que na sequência de depressão e instabilidade psicológica teve necessidade de se isolar e deixar de conviver. Hoje em dia, o académico trabalha em Hong Kong.

Artigos de opinião

Um dos quesitos, argumentos apresentados pelas partes, que não foi dado como provado está relacionado com a ligação entre o académico e o Jornal Macau Daily Times, onde foi colaborador. A USJ argumentou que a ligação à comunicação social terá sido usada por Sautedé para reforçar a sua posição na opinião pública. O juiz não considerou o facto provado.

No cômputo geral, a maioria das alegações apresentadas pelo académico foram dadas como provadas, algo que a defesa da USJ considera não trazer nada de novo ao caso, tendo em conta, principalmente, que não foram postas em causa as palavras de Peter Stilwell, antigo reitor da USJ, quanto às circunstâncias do despedimento.

Éric Sautedé pede mais de 1,3 milhões de patacas de indemnização para compensar danos patrimoniais e morais.

Tendo em conta que se aproximam as férias judiciais, é possível que a decisão final do juiz apenas seja conhecida pelas partes já em 2021.

MUST | Inaugurados laboratórios de análise de amostras espaciais

As plataformas experimentais inauguradas ontem na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST) são únicas em todo a China e dão a Macau argumentos para receber e analisar amostras espaciais. Para André Antunes, investigador português que lidera a equipa de astrobiologia da MUST, este pode ser o primeiro passo para tornar Macau numa referência global

 

[dropcap]P[/dropcap]ode ter sido um pequeno passo para Macau, mas é certamente um grande passo para a investigação espacial de toda a China, e não só. Quem o diz é André Antunes, investigador português que lidera a equipa de Astrobiologia da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST).

Segundo o investigador, as plataformas experimentais de Astrobiologia e Cosmoquímica inauguradas ontem na MUST através do Laboratório Estatal de Referência das Ciências Lunares e Planetárias (State Key Lab) é único em toda a China e tem, por isso, o condão de fazer de Macau “um centro e referência global” e “o ponto focal para este tipo de actividades para toda a China”.

“Macau tem estado muito envolvido nas missões à Lua e tido algum envolvimento nas missões a Marte. A abertura destas plataformas experimentais é mais um passo nesta direcção, ou seja, de aumentar o contributo que Macau dá para a exploração espacial chinesa”, começou por dizer André Antunes.

Para o também coordenador das plataformas de Astrobiologia e Cosmoquímica da MUST, os dois novos laboratórios permitem que o contributo que Macau dá à investigação espacial deixe de ser apenas ligado “à análise e dados e modelação”, mas também à “componente experimental”.

“O facto de criarmos estas plataformas experimentais permite-nos ter outro tipo de dinâmica e aceder a outro tipo de áreas. Criámos aqui a capacidade laboratorial para receber e analisar amostras, fazer trabalho com elas e dar contributos mais relevantes para a ciência”, acrescentou.

Universo é o limite

Do lado da Astrobiologia, os novos equipamentos que habitam agora na MUST irão permitir, através do estudo de ambientes na Terra que partilham semelhanças com Marte ou com luas do Sistema Solar, “recolher informação vital para planear futuras missões chinesas”, destinadas, por exemplo, a recolher amostras de Marte. O objectivo último passa, eventualmente, por conseguir “detectar a presença de vida”, através do estudo das amostras.

“Os estudos que fazemos no nosso planeta irão ser úteis para condicionar parcialmente que sítios serão apropriados para recolher amostras no futuro e isso é importante, não só para a agência espacial chinesa, mas também para o mundo da investigação em geral”, apontou André Antunes.

À margem da inauguração dos novos espaços que contou com a presença, entre outros, do presidente da MUST, Liu Liang, e do subdirector da Direcção dos Serviços do Ensino Superior (DSES), Che Weng Keong, o investigador português afirmou esperar que o contributo que os novos laboratórios vão dar a futuras missões a Marte irá aumentar.

Isto, tendo em conta que a missão chinesa a Marte, Tianwen-1, que já se encontra em curso, conta apenas “com alguns componentes” que ficaram a cargo da unidade da MUST. Sobre a missão propriamente dita, que não deverá chegar a Marte antes de Junho de 2021, André Antunes diz que “está a correr tudo bem”.

Também à margem da inauguração, Shaolin Li, investigador que lidera a área da Cosmoquímica da MUST, apontou que os três novos equipamentos do laboratório do seu departamento irão permitir armazenar, analisar e interagir com amostras, sobretudo lunares, que não podem entrar em contacto com o ar, pois “correriam o risco de ver as suas características físicas e químicas alteradas”.

Diagnosticados 36 novos casos de SIDA entre Janeiro e Outubro

No ano passado, morreram no mundo inteiro 690 mil pessoas devido a doenças relacionadas com o vírus da SIDA. Em Macau, registaram-se 36 novos casos de infecção nos dez primeiros meses de 2020 e morreram dois residentes

 

[dropcap]O[/dropcap]ntem assinalou-se o Dia Mundial de Luta Contra a Sida, e os Serviços de Saúde (SS) aproveitaram a data para anunciar que vão lançar “em breve” um programa piloto de autoteste do HIV, que permite fazer o teste em casa e ter de imediato resultado. O objectivo é “proteger, ainda mais, a privacidade”.
Também ontem foi revelado que este ano dois residentes morreram na sequência da infecção com o vírus da SIDA.

Entre Janeiro e Outubro deste ano, registaram-se 36 casos de infecção pelo vírus da SIDA, dos quais 20 eram residentes do sexo masculino. “Entre estes 20 casos, 18 casos estão a ser acompanhados pelo Centro Hospitalar Conde de São Januário e os restantes dois casos morreram”, indicaram as autoridades de saúde.

De acordo com os SS, a maioria das infecções deu-se através de contacto homossexual ou intersexual, representando 15 casos. Seguiu-se o contacto heterossexual com três casos e ainda está a ser determinada a via de transmissão dos restantes dois. Oito dos casos foram diagnosticados na faixa etária dos 20 aos 29, e dez em indivíduos com idades entre os 30 e os 39 anos.

“Desde 2015, os residentes locais infectados pelo vírus da SIDA através de contacto homossexual ou intersexual têm vindo a aumentar”, comunicaram os SS. Para fazer face ao aumento, têm sido publicados anúncios sobre testes periódicos em páginas electrónicas e aplicações de telemóvel, bem como disponibilizados preservativos e lubrificantes em locais nocturnos onde “é conhecida a frequência” de homossexuais.

Obstáculos ao progresso

A nível global, os SS indicam que a luta contra a SIDA tem sido “notável, mas desigual”, nomeadamente na expansão do tratamento anti-retroviral. No ano passado, 690 mil pessoas morreram de doenças relacionadas com a SIDA e 12,6 milhões não conseguiram ter acesso ao tratamento. Em 2019, o número de infecções foi três vezes superior à meta, com cerca de 62 por cento das novas infecções em grupos como homens homossexuais, transgénero, trabalhadores do sexo ou prisioneiros.

“Os factos estudados comprovam que o estigma, discriminação, desigualdade social e exclusão social são os principais obstáculos na luta contra a SIDA”, pode ler-se. Os SS acrescentam que a pandemia “tem provocado efeitos graves e atrasado, ainda mais, o trabalho no combate à SIDA”. O objectivo de 90 por cento de infectados serem diagnosticadas, receberem tratamento e do vírus ser suprimido na mesma percentagem de pessoas não vai ser cumprido este ano.

Devolvida à China escultura em bronze usurpada e comprada por Stanley Ho

[dropcap]U[/dropcap]ma escultura em bronze que pertencia ao Antigo Palácio de Verão, em Pequim, e que foi comprada, em 2007, pelo bilionário Stanley Ho, retornou ao local de origem, 160 anos após ter sido usurpada por um contingente militar anglo-francês, reportou a agência Lusa.

A obra, uma cabeça de cavalo esculpida em bronze, é a primeira a ser devolvida ao Antigo Palácio de Verão a partir do exterior, segundo a agência noticiosa oficial Xinhua, que lista a peça como o “último tesouro perdido” do recinto.

A peça foi desenhada pelo jesuíta italiano Giuseppe Castiglione (1688-1766), um missionário que trabalhou durante mais de meio século para a corte dos Qing, a última dinastia imperial a governar a China.

A peça foi saqueada por tropas estrangeiras até ser comprada em leilão por Stanley Ho, por um valor equivalente a cerca de 70 milhões patacas. A Administração do Património Cultural Nacional da China (NCHA) reivindicou a peça e, em 2019, Stanley Ho doou-a ao Estado chinês.

O empresário, que morreu em Maio deste ano, disse estar “honrado por ter desempenhado um papel importante” no “resgate de relíquias chinesas do exterior”.

Missão histórica

Nos últimos anos, o NCHA intensificou esforços para localizar relíquias perdidas e, a partir de 2019, recuperou cerca de 140.000 peças do exterior, através de cooperação policial, acções judiciais, negociações e doações.

Construído no início do século XVIII, o Antigo Palácio de Verão (Yuanmingyuan) era um complexo de edifícios e jardins que alternavam arquitectura tradicional chinesa com a arquitectura europeia da época, realizada por Castiglione.

O palácio foi saqueado e destruído por soldados franceses e ingleses, em 1860, no contexto da Segunda Guerra do Ópio, por ordem do vice-rei britânico na Índia, Lord Elgin, que justificou esta decisão com a tortura e execução de alguns membros da uma delegação britânica que se tinham deslocado à China para negociarem com os líderes chineses.

Nas últimas décadas, várias vozes apelaram à reconstrução do palácio, para recuperar o património imperial e impulsionar o turismo, mas as autoridades preferem mantê-lo em ruínas para que continue a ser um símbolo das invasões estrangeiras, sofridas pela China nos séculos XIX e XX.

Jogo | Receitas de Novembro são o segundo melhor registo de 2020

As receitas de jogo em Novembro foram de 6,7 mil milhões de patacas, uma quebra superior a 70 por cento em relação ao ano anterior. Ainda assim, em termos mensais, este é o segundo melhor desempenho do ano, só ultrapassado por Outubro quando as receitas foram superiores a sete mil milhões de patacas

 

[dropcap]N[/dropcap]um ano atípico para o sector do jogo, Novembro tornou-se no mês com o segundo melhor desempenho de receitas desde que a pandemia começou. Ainda assim, estas foram apenas na ordem dos 6,7 mil milhões de patacas, o que representa uma queda de 70,5 por cento em relação a igual período do ano passado, revelam dados divulgados ontem pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ). Para se ter uma ideia, em Novembro de 2019 as receitas atingiram 22,877 milhões de patacas.

A receita bruta acumulada entre Janeiro e Novembro foi de 52,62 mil milhões de patacas, uma queda anual de 80,5 por cento.  No ano passado, as receitas anuais das seis concessionárias foram de 292,4 mil milhões de patacas.

A forte quebra nos números do jogo explica-se pelas restrições de circulação de pessoas nas fronteiras devido à pandemia da covid-19. A recuperação do turismo tem sido muito gradual, uma vez que só em finais de Setembro as autoridades chinesas retomaram a emissão de vistos individuais em todo o país com destino a Macau.

Previsão certeira

Segundo o portal informativo GGRAsia, a consultora JP Morgan Securities (Asia Pacific) emitiu um comunicado na semana passada a prever a quebra de 70 por cento nas receitas do jogo, com base no desempenho dos primeiros 22 dias do mês. “Mais importante”, apontou a consultora, os resultados “falham em mostrar uma subida sequencial” desde Outubro.

Nesse mês, Macau recebeu 582 mil visitantes, uma aumento de 29,6 por cento em relação a Setembro. A média de ocupação hoteleira nesse mês aumentou 40 por cento.

Várias personalidades do sector do jogo e analistas depositam esperanças na recuperação mais rápida nos próximos três meses, tendo em conta a chegada das férias de Natal e do Ano Novo Chinês, em Fevereiro do próximo ano.

AL | Governo sugere afastamento sem prazo de professores despedidos por via disciplinar

Alguns deputados consideram “grave” a proposta de afastar permanentemente docentes que sejam despedidos de escolas públicas no seguimento de processos disciplinares. A comissão da Assembleia Legislativa quer mais dados sobre o regulamento que vai definir a avaliação do desempenho dos professores

 

[dropcap]O[/dropcap] Governo pretende que os professores que sejam despedidos depois de processo disciplinar deixem de poder exercer nas escolas oficiais mesmo que sejam reabilitados. Esta é uma das medidas que consta da proposta de alteração ao Estatuto do Pessoal Docente das Escolas Oficiais. “A maioria dos deputados disse que temos de perguntar ao Governo porque foi aditada a ressalva e alguns membros da comissão não concordam com esta norma, entendendo que isto é muito grave”, disse ontem o presidente da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa.

O Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) define que, em caso de demissão, os interessados só podem pedir reabilitação cinco anos depois da aplicação da pena.
Vong Hin Fai indicou que na lei penal há penas acessórias que estabelecem que um profissional pode ser impedido de exercer durante um período, mas que é necessário fixar um prazo. Quando há reabilitação, numa lei penal dá-se “uma oportunidade à pessoa”. Alguns deputados questionaram ainda porque os professores impedidos de concorrer ou exercer funções nas escolas públicas podem dar aulas nas instituições privadas.

Por outro lado, a forma de avaliação do desempenho dos docentes vai ser definida por regulamento administrativo complementar, mas não se sabe quando entra em vigor. “Será que vai entrar em vigor no mesmo dia que esta proposta de lei?”, questionou Vong Hin Fai. Para o deputado, parece que o regime “não vai ser elaborado” a curto prazo.

Falta de posição

A proposta sugere que as faltas justificadas dos professores sejam as mesmas do ETAPM. No entanto, alguns motivos para faltas não são reconhecidos no diploma, como as faltas para fazer exames ou reuniões de avaliação dos alunos, à semelhança do que acontece no regime actual. O Governo deixa de fora cenários como o exercício de actividade sindical, a doação de sangue ou a formação académica profissional e linguística.

De acordo com Vong Hin Fai, é preciso perguntar porque foi criado um regime diferente da função pública: “não nos estamos a opor a isto, mas temos de saber o motivo do Governo”. Em resposta aos jornalistas, disse que os membros da Comissão não manifestaram opinião em relação à medida.

Há outro ponto de divergência em relação ao regime geral da função pública. Os docentes passam a ter de compensar o tempo gasto em consultas, por iniciativa própria ou por prescrição médica. No caso do ETAPM, as consultas por prescrição médica não implicam compensação. Além disso, a proposta prevê que o dever de compensar cessa com o ano lectivo, uma situação que a comissão quer esclarecer. “Como é que isto funciona?”, perguntou Vong Hin Fai.