DSSOPT diz que fendas no edifício Mei Lok Garden não são estruturais 

[dropcap]O[/dropcap]s moradores do edifício Mei Lok Garden, na zona da Ilha Verde, estão preocupados com o surgimento de enormes fendas no prédio e que podem pôr em causa a sua segurança. Segundo o jornal Exmoo News, as fendas, com uma largura de cerca de três centímetros, surgiram entre o primeiro e quinto andar do prédio. Vários moradores temem que as obras de construção do posto operacional provisório dos bombeiros da Ilha Verde estejam a causar estragos na estrutura do edifício, de três torres habitacionais.

Numa nota ontem divulgada, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) informa que, com base numa inspecção preliminar, está em causa “um problema relacionado com uma junta de dilatação e não uma fissura estrutural”. Quanto às obras em curso “os dados mantêm-se estáveis e não têm havido alterações significativas”, pelo que “a monitorização continuará a ser feita”. A DSSOPT realizou ontem uma “inspecção mais aprofundada” ao edifício e fica a promessa de proprietários e empreiteiros vão manter a comunicação.

Negligência?

Chan Ka Seng, presidente do condomínio, disse que as obras adjacentes têm obrigado à extracção de areia e a mexidas no solo, o que pode pôr em causa a segurança. Apesar disso, Chan Ka Seng também admitiu que as fendas podem dever-se à negligência dos construtores do prédio. Chan Fong, moradora no Mei lok Garden há cerca de 20 anos, disse que os moradores já alertaram o Instituto da Habitação, o Corpo de Bombeiros e a DSSOPT, tendo já ocorrido algumas reuniões com o presidente do condomínio e responsáveis da empresa construtora.

O Exmoo News escreve que o construtor alegou que os dados de monitorização da segurança revelam que não existe qualquer perigo de queda, mas o presidente do condomínio declarou que os dados não correspondem à situação real. O Governo pediu, entretanto, a suspensão da perfuração do solo, tendo sugerido aos moradores taparem as fendas com pedaços de lona para evitar infiltrações com água da chuva.

Plano Director | Aumento de área para o comércio para colmatar “défice”

A área do território com finalidade comercial vai aumentar para quatro por cento, uma medida que o secretário para os Transportes e Obras Públicas considera necessária à diversificação

 

[dropcap]O[/dropcap] secretário para os Transportes e Obras Públicas disse ontem que a área comercial foi a única que se considerou estar “em défice”. O Plano Director abrange uma área de aproximadamente 36,8 quilómetros quadrados, e aumenta para quatro por cento a percentagem com finalidade comercial. Os conteúdos do plano, que está em consulta pública até 2 de Novembro, foram ontem apresentados ao Conselho do Planeamento Urbanístico.

A Venceslau de Morais e a antiga zona administrativa judiciária em frente ao MGM Macau, estão entre as zonas que o Governo considerou poderem “ter alguma vocação” para o comércio, algo que o secretário diz que contribui para a política de diversificação económica.

Quando um terreno é destinado em mais de 65 por cento a uma finalidade, é essa que fica categorizada. No entanto, há flexibilidade no aproveitamento do terreno. “Em Macau, há muitos edifícios em que mais de 65 por cento são habitacionais e por baixo têm lojas. (…) Não impede que haja algum comércio”, disse o secretário.

Mak Tat Io, chefe do Departamento de Planeamento Urbanístico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) explicou que vão ser incluídas lojas de comércio para criar turismo histórico na zona costeira com o objectivo de “melhor mitigar os problemas causados pela concentração dos turistas num só lugar”. O documento de consulta prevê o desenvolvimento de círculos comerciais para apoiar o desenvolvimento de “novos núcleos industriais de alta tecnologia” e de aproveitar oportunidades económicas derivadas da Ponte do Delta.

Possíveis ajustes

Em relação ao Metro Ligeiro, o foco é na Linha Leste, mas o secretário indicou que no futuro podem ser consideradas outras opções. “Por enquanto, no Plano Director temos esta linha de metro, mas não descartamos a possibilidade de no futuro fazermos outra linha no Porto Interior. Cinco anos depois podemos ter uma revisão e outra alternativa”.

Perante preocupações de um membro do Conselho do Planeamento Urbanístico sobre a capacidade deste transporte face à procura no futuro, o presidente da Comissão Executiva do Metro Ligeiro disse que a frequência do Metro Ligeiro pode ser ajustada.

Por outro lado, questionado sobre o Alto de Coloane, Raimundo do Rosário remeteu informações para os planos de pormenor, que vão ser criados depois do Plano Director. “O limite exacto, (…) densidade ou altura do edifício só com o plano de pormenor”, disse o secretário.

UNESCO pede clarificações à China sobre Farol da Guia

Três meses depois, a UNESCO respondeu às cartas enviadas pelo Grupo de Salvaguarda do Farol da Guia em Junho e Julho. Na volta do correio, o organismo diz ter tomado nota das preocupações sobre a zona envolvente ao Farol e pedido esclarecimentos à China sobre o caso. A questão será analisada na próxima reunião do Comité do Património Mundial, em 2021

 

[dropcap]A[/dropcap] UNESCO pediu esclarecimentos à China sobre as questões levantadas pelo Grupo de Salvaguarda do Farol da Guia acerca da protecção da integridade visual da paisagem do Farol, considerado património mundial deste 2005. É o que consta da resposta divulgada ontem e assinada pelo director-geral adjunto para a Cultura da UNESCO, Ernesto Ottone.

“O Secretariado da Convenção do Património Mundial pediu esclarecimentos ao estado-membro [China] acerca da informação recebida por parte da vossa organização em Junho e Agosto de 2019 e Junho e Julho de 2020, relativamente à construção de edifícios de altura elevada, na zona envolvente da propriedade considerada património mundial”, pode ler-se na resposta da UNESCO, partilhada pelo Grupo de Farol da Guia.

Recorde-se que a resposta da UNESCO vem no seguimento da chamada de atenção por parte do grupo para alguns problemas que já duram há vários anos, nomeadamente o facto de existir um prédio que estava em construção na Calçada do Gaio, entretanto embargado por já ter ultrapassado o limite máximo de altura, e o projecto de construção da Avenida Dr. Rodrigo Rodrigues, que prevê a existência de edifícios com 90 metros.

“Ao fim de 12 anos, o Governo da RAEM ainda não cumpriu a promessa de reduzir a altura do edifício inacabado da Calçada do Gaio. Em vez disso, tem justificado a decisão de manter a altura do edifício nos 81 metros, numa clara violação do limite permitido de 52,5 metros”, consta da carta enviada em Junho pelo grupo, à directora do Centro do Património Mundial da UNESCO, Audrey Azoulay.

Na nota divulgada ontem, a UNESCO informa já ter recebido “informação e documentação” da China sobre as questões levantadas, estando agora a proceder à sua análise. Contudo, o organismo das Nações Unidas lembrou ainda que está a aguardar um relatório sobre o estado de conservação dos edifícios do património cultural de Macau, que deverá ser apresentado pela China até ao dia 1 de Dezembro. Esse documento também será analisado na próxima reunião do Comité do Património Mundial, a acontecer em 2021.

Notas e garantias

Ao contrário da solicitação do Grupo de Salvaguarda do Farol da Guia, a UNESCO não vai avançar com qualquer tomada de posição urgente para avaliar a gravidade dos danos na integridade visual e paisagem do Farol da Guia.

Recorde-se que, numa das cartas enviadas à UNESCO em 2020, o grupo sugeria a tomada de “medidas urgentes” para implementar a Convenção para a Protecção do Património Mundial em Macau e o envio de uma equipa de peritos “com a máxima prioridade”.

Quase a fechar a resposta, a UNESCO afirma ter tomado nota do encontro realizado em Julho entre Grupo para a Salvaguarda do Farol da Guia e o Instituto Cultural (IC) e ainda, que tudo fará para preservar a especificidade do património cultural em questão.

“Não duvidem que a UNESCO continuará a trabalhar em estreita colaboração com as autoridades e órgãos consultivos chineses, para assegurar que o valor universal excepcional do património cultural é totalmente preservado”, garantiu o organismo.

Imposto de Selo | Contratos de cedência de espaço fora da “zona cinzenta”

[dropcap]V[/dropcap]ai passar a ser mais difícil contornar a lei, nos casos em que é exigido o pagamento de imposto de selo durante a realização de contratos de cedência de uso de espaço em imóvel. Foi esta a principal conclusão a que chegou ontem a 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL) que se encontra a analisar a proposta de lei sobre o regulamento do Imposto de Selo.

Se em reuniões passadas, a comissão presidida por Vong Hin Fai mostrou preocupação com o facto de não existir uma definição jurídica clara para os contratos de cedência de uso de espaços em imóveis, colocando-os numa “zona cinzenta”, o novo texto de trabalho entregue pelo Governo, passa a delimitar que os acordos dizem apenas respeito aos espaços dos centros comerciais.

“Na versão mais recente vemos que há uma melhor definição do conceito (…), passando a delimitar esses espaços como sendo centros comerciais, para evitar que alguém depois possa fugir à responsabilidade de pagamento do imposto de selo”, explicou o deputado.

Já sobre a realização de leilões, que implicam também a cobrança de imposto de selo, foram introduzidas melhorias na proposta de lei. No entanto, os deputados levantaram questões sobre a realização de licitações online e o respectivo enquadramento legal da cobrança do imposto de selo.

“Há a possibilidade de esta matéria não estar regulamentada na actual proposta de lei. O Governo respondeu que ia ponderar a melhor forma de melhorar o regime com o objectivo de fiscalizar estes eventos online”, partilhou Vong Hin Fai.

Forças de Segurança | Wong Sio Chak evoca confidencialidade para não divulgar casos 

O secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, negou dar informações sobre processos em investigação pela Comissão de Fiscalização da Disciplina das Forças e Serviços de Segurança de Macau, alegando confidencialidade dos casos. Em resposta ao deputado Sulu Sou, Wong Sio Chak frisou a independência da comissão face à sua tutela

 

[dropcap]O[/dropcap] Governo recusou dar informações sobre processos que estão sob investigação por parte da Comissão de Fiscalização da Disciplina das Forças e Serviços de Segurança de Macau. Em resposta a uma interpelação escrita de Sulu Sou, Wong Sio Chak, secretário para a Segurança, garantiu que a comissão é totalmente independente e que não devem ser divulgadas informações sobre casos em investigação por serem confidenciais.

“A informação pedida pelo deputado requer confidencialidade e está relacionada com casos que estão sob investigação segundo a lei”, lê-se na resposta. “O secretário para a Segurança não deve divulgar informações que envolvem questões de privacidade, segredos governamentais ou segredo de justiça em nome da segurança do público e do sigilo a que estão sujeitas as forças de segurança”, acrescenta o documento.

Wong Sio Chak argumentou ainda que a comissão presidida pelo advogado e ex-deputado Leonel Alves “funciona sob alçada do Chefe do Executivo desde Novembro de 2019 e de forma independente face ao gabinete do secretário para Segurança”. “As autoridades de segurança devem respeitar a independência da comissão e não devem interferir de nenhuma forma com os seus trabalhos. Devem também cooperar com a comissão no exercício de supervisão de poderes”, frisou a resposta do secretário.

Silêncio absoluto

Na sua interpelação, Sulu Sou defendeu a concessão de mais poderes à referida comissão, alertando para a ocorrência de vários processos disciplinares e de violação da lei no seio das Forças de Segurança.

“Os relatórios da comissão enumeram várias deficiências na aplicação da lei por parte das forças de segurança e fornecem algumas sugestões de melhoria. Será que a Administração aceitou e implementou essas sugestões?”, questionou o deputado.

Sulu Sou disse ainda que a “imprudência” das autoridades prejudica a relação de confiança entre a população e as forças policiais. Um dos exemplos mencionados foi o episódio da noite de 4 de Junho, aniversário de Tiananmen, quando houve uma “distribuição inadequada” de polícias no Largo do Senado.

“Será que a comissão tem poderes para realizar investigações mais específicas, relacionadas com denúncias de ‘abuso do poder policial’ ou ‘uso indevido da força’, além de ouvir as declarações dos queixosos? Vão ser revistas [pela comissão] as informações e provas apresentadas pelas autoridades de segurança?”. Questões às quais Wong Sio Chak não deu resposta.

Disney | Entidades acusadas de abusos de direitos humanos nos créditos de “Mulan”

Estreia amanhã nos cinemas chineses “Mulan”, o filme da Disney que multiplica polémicas e contratempos. Primeiro, foram as críticas que chegaram ao Global Time, de falta de autenticidade revelada no trailer, seguido do apoio público da protagonista, Liu Yifei, à polícia de Hong Kong e finalmente do adiamento da estreia devido à pandemia. Agora, aumentam apelos ao boicote devido à presença de entidades oficiais de Xinjiang nos créditos do filme

 

[dropcap]C[/dropcap]ada vez existem mais preocupações éticas no comportamento dos consumidores, até mesmo no entretenimento, numa extensão da “cancel culture”. A grande produção dos estúdios da Disney “Mulan” é um dos mais recentes campos de batalha política, principalmente depois de o filme ter estreado na plataforma de stream Disney+. Nos créditos finais, a Disney agradece a agências do Governo chinês acusadas de abusos contra os direitos humanos na província de Xinjiang pela ajuda dada na produção.

Entre as organizações está o departamento de segurança pública da cidade de Turfán ou o departamento de propaganda do Partido Comunista Chinês na região. Turfán é uma cidade da periferia de Ürümqi, a capital da província onde se suspeita estar em curso um genocídio cultural. Este departamento público foi incluído pelo Governo norte-americano numa lista de organizações envolvidas em violações e abusos de direitos humanos.

O filme, que já havia gerado controvérsia, voltou assim a provocar uma onda de críticas e apelos ao boicote, algo inimaginável quando foi anunciado que os estúdios da Disney iriam produzir uma adaptação em filme da animação com o mesmo nome lançada em 1998.

Até agora, a Disney ainda não comentou o caso publicamente. Não se sabe ao certo “quanto” do filme foi rodado em Xinjiang, mas de acordo com inúmeras publicações nas redes sociais, e em entrevistas, de pessoas ligadas à produção sabe-se que a produção teve lugar em vários pontos da província.

Desde que o filme ficou disponível na plataforma Disney+, na sexta-feira, a ligação entre a obra e o poder político em Xinjiang tornou-se incendiária nas redes sociais. O caso levou várias organizações de defesa dos direitos humanos a exigir a divulgação de acordos entre o Governo chinês e a Disney firmados na sequência da autorização para filmar na província, uma das zonas mais vigiadas do mundo.

“É profundamente perturbante que a Disney tenha julgado normal entrar em parcerias, e agradecer a departamentos de propaganda e de segurança pública envolvidos em genocídio”, referiu à CNN Isaac Stone Fish, da Asia Society, uma organização sem fins lucrativos sediada em Nova Iorque.

Montanhas de problemas

O projecto de readaptar “Mulan” para filme de acção tinha tudo para ser um sucesso de bilheteira, em particular na China, o segundo maior mercado do mundo no consumo de filmes produzidos por Hollywood.

No ano passado, as críticas começaram quando ficou disponível o trailer do filme, levando a queixas em vários quadrantes chineses em relação à falta de rigor histórico e ao excesso de estereótipos na forma como se retratavam as personagens.

Um artigo publicado em Julho de 2019 no jornal oficial Global Times deu voz a várias opiniões negativas, nomeadamente do crítico de cinema Shi Wenxue que referiu que as casas, maquilhagem e guarda-roupa eram característicos da Dinastia Tang. Apesar de temporalmente deslocada da data em que se desenrola a narrativa, os estúdios da Disney preferiram usar “o imaginário mais conhecido da China antiga”. Porém, um dos aspectos mais criticados foi o facto de nas cenas de luta serem usados técnicas e movimentos típicos dos ninjas japoneses. Outra presença nipónica está no estilo do mobiliário usado em algumas cenas.

O mesmo crítico, citado pelo Global Times, apontava “Mulan” como um exemplo perfeito de como o Ocidente não entende e deturpa a China, socorrendo-se de estereótipos que apelam à imaginação ocidental.
Ao longo do artigo são enumeradas razões para duvidar que “Mulan” seja uma obra apelativa ao público chinês.

O contra-ataque da Disney chegou em forma de entrevista a outro órgão de comunicação oficial do Governo Central. Em discurso directo à agência Xinhua, o presidente da Walt Disney Studios Motion Picture Production, Sean Bailey, garantiu o empenho da equipa em ser fiel à história. “Passámos muito tempo, no início da produção, com académicos, especialistas e pessoas da região. Estivemos muito tempo na China”, revelou.

Bailey acrescentou que não só o elenco é chinês, como também foi contratado um produtor chinês para fazer “Mulan”.

Aliás, o compromisso da Disney com o público e as autoridades chinesas pode-se aferir a partir das múltiplas entrevistas dadas à Xinhua, de Bailey, ao realizador Niki Caro, à actriz principal, Liu Yifei, até chegar ao CEO da Disney Bob Chapek.

Opiniões virais

Tudo indicava que a Disney tinha em mãos um sucesso garantido. Em Agosto do ano passado, vários activistas pró-democracia apelaram ao boicote a “Mulan” depois de a actriz principal, Liu Yifei, ter demonstrado nas redes sociais o apoio à polícia de Hong Kong. Isto numa altura em que as autoridades da região vizinha enfrentavam acusações de violência policial.

“Apoio a polícia de Hong Kong. Podem-me atacar agora. Que vergonha, Hong Kong”, partilhou Liu na sua conta de Weibo, um post originalmente publicado pelo Diário do Povo.

Depois da publicação da actriz, de nacionalidade norte-americana, #BoycottMulan subiu na lista dos mais populares hashtags do Twitter.

Após a polémica, que o departamento de marketing da Disney com certeza dispensava, chegou a pandemia do novo tipo de coronavírus. Sem condições para haver público nas salas de cinema, a Disney viu-se forçada a adiar a estreia em Março.

Os pedidos para a companhia de estúdios ser transparente quanto aos acordos estabelecidos com o Governo Central chegaram de vários quadrantes. Yaqiu Wang, um investigador chinês da Human Rights Watch, pediu à Disney para revelar que tipo de assistência recebeu das autoridades de Xinjiang e que acordos firmou com as autoridades da província.

Stone Fish, da Asia Society, realça em declarações à CNN que é comum as empresas fazerem pequenas concessões ao Governo Central para acederem ao mercado apetecível chinês. “Os estúdios entendem que têm de se comprometer com Pequim, que podem censurar ligeiramente os filmes para aceder ao mercado chinês, mantendo a integridade. Não é necessário dar os passos extra que a Disney deu, e pelos quais agora está a ser, e bem, criticada”, rematou o activista.

Sequelas políticas

Em Outubro do ano passado, o Governo norte-americano elaborou uma lista negra de organizações políticas em Xinjiang proibidas de comprar produtos aos Estados Unidos. Até ao dia de ontem, ainda não era claro se a Disney seria investigada pelas autoridades norte-americanas devido às ligações ao poder provincial da região do noroeste chinês.

Ainda assim, a empresa foi alvo das críticas de alguns políticos norte-americanos. O republicano Mike Gallagher, do Wisconsin, escreveu no Twitter que “enquanto o PCC comete crimes contra a humanidade em Xinjiang, a Disney agradece a quatro departamentos de propaganda que mentem sobre esses crimes.

Também agradece ao departamento de segurança pública da cidade de Turfán, uma entidade apontada como responsável por essas atrocidades”.

Importa recordar que no ano passado, Mike Pence criticou empresas norte-americanas por tentarem silenciar opiniões sensíveis para aceder ao mercado chinês. Por exemplo, o vice-presidente norte-americano acusou a Nike de “deixar a consciência à porta”, assim como jogadores e empresários da NBA, por alinharem com o PCC contra os movimentos pró-democracia de Hong Kong.

Vibra, vibra, vibrador!

[dropcap]A[/dropcap] controvérsia que normalmente gira em torno dos vibradores começa logo na história da sua génese. A assumpção comum – e que já está bem integrada na cultura popular (até em peças da Broadway) – é de que os vibradores terão sido criados pelos médicos vitorianos para o alívio da tão malfadada maleita da altura, a histeria. Estes médicos estariam carentes por um utensílio que os auxiliassem na intensa tarefa de massajar todas as detentoras de vulvas que precisavam do alívio de sintomas. Reza a lenda que os vibradores conheceram o seu grande propósito orgásmico porque os médicos precisavam de descansar os pulsos, de tanto trabalho que teriam.

Acontece que esta versão da história não é assim tão precisa. Foi Hallie Lieberman que recentemente contestou esta suposta teoria com a sua mais recente obra Buzz: The Stimulating History of the Sex Toy. Não há qualquer evidência/relatos/factos que o início dos vibradores terá sido esse – não deixem que a internet ou a academia vos indique o contrário. Os vibradores terão sido um auxílio médico, sim, mas nada indica que terão sido usados nos tratamentos de histerias, muito menos usados nos genitais em contexto médico – por mais caricata e curiosa que esta imagem seja. Os primeiros vibradores terão sido usados no tratamento de problemas nos rins, surdez, ou dores de cabeça. Ninguém pode dizer com certeza que o uso nos genitais estivesse a acontecer de facto. A história da sexualidade tem destes problemas, ninguém sabe ao certo o que se fazia porque os relatos sobre tudo o que envolvia sexo ou genitais, não eram muitos.

Foi só nos anos trinta que se começou a ver os vibradores a interagir com vulvas, nos vídeos pornográficos da altura. E a partir daí tornou-se mais fácil acompanhar a sua evolução. Nos anos 60 tornaram-se num ícone de empoderamento feminino, especialmente em contexto norte-americano, onde se viu o surgimento de empresas com uma abordagem diferente da tradicional sex-shop. Um vibrador à antiga – e às vezes nos dias de hoje – implicava a interacção com o senhor de meia idade da loja de produtos sexuais local, que, acompanhado por comentários pouco agradáveis, podia oferecer informação pouco útil sobre os produtos.

Agora há consultoras capazes de informar as pessoas com vulvas das possibilidades do mercado. Até os estudos de marketing e design têm relatado e incentivado a proliferação de produtos sexuais, agora com ares mais modernos e apetecíveis e até com maior consciência ambiental sobre os materiais utilizados.

Assim parece-se normalizar cada vez mais a utilização do vibrador como um utensílio comum à descoberta do prazer individual e/ou em companhia. O vibrador já não é um objecto para as solteironas desesperadas, como tantos filmes e séries quiseram vender. Re-significaram-se os vibradores para todas e todos, de qualquer sexo, género, orientação, idade e estado civil. Apesar da ideia ser recorrente, os vibradores não são uma ameaça à sexualidade saudável, ou um sinal de comportamento desviante, nem são um competidor direito ao pénis. Os defensores de uma educação sexual com foco no prazer sugerem que os brinquedos sexuais devem ser incluídos, explicados e contextualizados porque são poderosos complementos a uma consciência plena do corpo.

Claro que os vibradores ainda têm um logo caminho a percorrer para uma aceitação mais tranquila. Ainda há desconforto, vergonha e mal-entendidos. Há pénis que, ingenuamente, ainda se sentem ameaçados por um pedaço de borracha que vibra, se estende e se manipula. Já para não falar no difícil acesso a produtos de qualidade (são caríssimos!), na generalidade. O vibrador pode ser um objecto de auto-conhecimento e de empoderamento, mas também se arrisca a tornar-se numa forma de comercialização do prazer sem uma narrativa coerente e contestadora das normatividades que atrapalham. Por isso é que vale a pena reflectir sobre o progresso do vibrador e para que lados caminha, e se as promessas de libertação sexual que o vibrador traz sempre se concretizam.

Hospitalidade (1997) – Julia Kristeva

[dropcap]P[/dropcap]osso hoje dizer que vivi alguns dos melhores momentos da minha vida pessoal e profissional em solo americano.

Porém, nada me destinava a essa afeição. Escusado será dizer que, na minha Bulgária natal do pós-guerra, o Tio Sam não estava na moda: dificilmente era apreciado por distribuir leite em pó nas escolas; zombavam dele pelo seu culto à Coca-Cola, que a propaganda comunista apresentava como uma droga; odiavam-no devido à Guerra da Coreia. Quando cheguei a Paris, a guerra do Vietname estava no auge e manifestávamo-nos contra os bombardeamentos americanos. Foi então que René Girard, que me ouviu apresentar Bakhtin no seminário de Roland Barthes, me convidou para ir ensinar na Universidade de Baltimore. Não me via a colaborar com os “polícias do mundo”. E apesar do conselho fortemente dialéctico do meu mestre, Lucien Goldmann, que me dizia: “Minha pequena, o imperialismo americano deve ser tomado a partir de dentro”, francamente, não me senti com forças: fiquei em França. Estávamos em 1966. Alguns anos mais tarde, em 1972, conheci o professor Léon Roudiez, da Universidade de Columbia, no colóquio de Cerisy sobre Artaud e Bataille. Fiz a minha primeira viagem a Nova Iorque em 1973, e desde 1976 sou Permanent Visiting Professor no Departamento de Francês desta universidade – o que pode não ter ajudado na qualidade do meu inglês, mas permitiu-me encontrar muitos amigos e cúmplices nesse tão particular mundo das universidades americanas.

De toda esta experiência sobre a qual tentei escrever o essencial nas páginas do meu romance Os Samurais [1990], gostaria apenas de reter aqui duas imagens-símbolo que são inseparáveis da minha vida psíquica, e que podem dar uma ideia do meu apego aos Estados Unidos. A primeira é uma pequena foto a preto e branco, tirada por Léon Roudiez, onde me vêem a bordo de um ferry em aproximação aos arranha-céus de Manhattan; sou uma estudante e uso o cabelo comprido. Como não tenho foto da minha chegada a Paris, é este, para mim, o único e melhor vestígio do meu re-nascimento n’«o mundo livre». A segunda imagem é a do meu apartamento em Morningside Drive; com vista para o vizinho Parque de Harlem, fico lá muitas vezes quando ensino em Columbia; é inundado por esta estranha e acolhedora luz, escrevi lá páginas, a meu ver essenciais, de Histórias de Amor (1983) e de Sol Negro (1987); este apartamento continua a ser, na minha mitologia pessoal, o lugar perfeito para a solidão feliz.

Quando, com Philippe Sollers, dedicámos o n.º 71-73 da Tel Quel (Outono de 1977) a Nova Iorque, muitos leitores ficaram surpresos. Continha nada menos do que uma apologia da democracia americana, em contraponto à centralização francesa, estatal e jacobina. Na verdade, foi, e ainda é para mim, um reconhecimento do que me parece ser a primeira qualidade da civilização americana, e que explica o meu apego ao trabalho que a universidade americana me propôs (daqui em diante, devo incluir no adjectivo «americano» os seus vizinhos do Norte: o Canadá e as universidades canadianas): essa qualidade é a hospitalidade.

Chamo hospitalidade à capacidade que possuem certos seres humanos para oferecer um lar a quem não o tem ou está temporariamente privado dele. Exilada do comunismo e acolhida em França, não foi em França que experimentei tal hospitalidade, ainda que a França me tenha concedido a nacionalidade francesa, pela qual eu nunca saberia agradecer o suficiente. Cimentado pela tradição administrativa e cultural, o meu país adoptivo gera, para delas se distanciar, novidades excessivas (como as várias vanguardas artísticas, filosóficas, teóricas) que me seduziram e que fazem a sua glória no exterior; mas também violentas rejeições, quando não mesmo os ódios ferozes contra estas inovações. A América, pelo contrário, parece-me uma terra que acolhe e incentiva a enxertia – talvez em excesso. Quando a xenofobia deste velho país me fere, dou por mim a acalentar a ideia de me instalar definitivamente nos Estados Unidos, ou possivelmente no Canadá, mais europeu e francófono.

No nosso mundo moderno, não possuímos realmente uma definição positiva do que caracteriza a humanidade (não no sentido de «género humano» mas de «qualidade humana»). Contudo, somos mesmo levados a perguntar «o que é a humanidade?», mais que não seja quando nos deparamos com… «crimes contra a humanidade». A minha experiência pessoal leva-me a pensar que a definição minimalista de humanidade, o «grau zero», como diria Barthes da humanidade, é justamente a sua capacidade de hospitalidade. Além disso, os Gregos não se enganaram ao escolher a palavra ethos para designar a aptidão mais radicalmente humana, a aptidão agora designada de ética e que consiste em fazer uma escolha – a escolha entre o bem e o mal, mas também todas as outras escolhas. Ora, esta palavra ethos (donde provém ética) significa residência habitual, abrigo de animais; e como derivação desse sentido de habitat, significou progressivamente hábito, carácter, aquilo que é específico de um indivíduo, de um grupo social.

Diria, pois, que dar refúgio, acolher, abrigar, abrir a sua porta, as suas universidades, as suas editoras, mas também o seu pensamento, a sua maneira de reflectir, as suas preocupações profissionais e pessoais, à existência e ao trabalho de um estrangeiro, em suma, a hospitalidade que os americanos têm praticado comigo, é o grau zero do ethos. A América encarna para mim esta atitude moral, que se torna hoje essencial – ao mesmo tempo que problemática –, quando a migração massiva de populações torna imprescindível o acolhimento do estrangeiro, mas exige ao mesmo tempo uma legislação realista e uma moralidade adequada.

Quaisquer que sejam as suas dificuldades intrínsecas, ou mesmo os seus ostracismos relativamente aos estrangeiros, no continente americano sinto-me uma estrangeira com outros estrangeiros. E tenho a sensação de que com essa solidariedade podemos fazer algo, já que pertencemos a uma humanidade futura, e essa humanidade futura será, como nós, formada por estrangeiros que tentam entender-se.

A hospitalidade que os Americanos me ofereceram dirige-se, antes de mais, às minhas ideias, ao meu trabalho. Trouxe-lhes – e não páro de trabalhar nisso – uma memória cultural, francesa e europeia, na qual se misturam as tradições germânica, russa e francesa: Hegel e Freud, o formalismo russo, o estruturalismo francês, as vanguardas do Novo Romance e da Tel Quel. Talvez achassem que a minha personalidade de migrante fosse menos frenchy, fechada e, às vezes, arrogante ou desdenhosa, conforme o sentido que atribuem a essa palavra. E que, por intermédio da estrangeira que sou, pudessem igualmente aceder a esta cultura francesa, mas também europeia, que se mostra amiúde inacessível e ciosa da sua pureza. Seja como for, algumas das minhas pesquisas encontraram hospitalidade na América – quero dizer ressonância e desenvolvimento –, o que me encantou e encorajou sobremaneira. Por vezes, a imagem que os Americanos me devolvem surpreende-me, não me reconheço nela. Mas nunca tive nem terei a tentação de polemizar.

Porque estou convencida tratar-se de uma de duas coisas: ou essas interpretações são contra-sensos estéreis que se esgotam por si próprios – como certas recuperações militantes ou politicamente correctas – ou fazem parte da busca pessoal de homens e mulheres americanos, originais e inventivos, que absorvem o meu trabalho no seu e que, portanto, enfrentam os riscos das suas próprias obras; o que é seguramente, apesar dos mal-entendidos, uma excelente forma de praticar a hospitalidade. Não é a «enxertia» uma adopção com consequências imprevisíveis? O exacto contrário da «clonagem»?


KRISTEVA, Julia – “L’avenir d’une révolte, Paris, Calmann-Levy”, 1998, pp. 86-91

O Tédio sempre existiu

«- Don’t tell me Venice has no lure!
– Just a town without a sewer!»
It ’s a bore!, canção de Alan Jay Lerner e Frederick Loewe para o filme Gigi.

 

[dropcap]N[/dropcap]o musical Gigi, retirado do romance maravilhosamente amoral de Colette e transportado para cinema por Vincent Minelli, o protagonista masculino sofre de uma enfermidade que não vê maneira de curar. Bonito, jovem e rico, um dândi ocioso que tem Paris aos seus pés, reuniria todas as condições para uma existência tranquila e livre. Mas não: sofre de um tédio profundo. Tudo: desde cidades, pessoas, amores, beleza,… – tudo o aborrece de morte. E de facto, atacado por esse mal, é a vida que desaparece.

Lembrei-me dele (e para variar na canção que sei de cor) quando estava a ler um magnífico artigo-ensaio de Margaret Talbot, publicado na revista The New Yorker com o título What Does Boredom To Us – And For Us ?

A própria escolha do tema deixou-me curioso e com algumas perguntas. Será possível existir tédio nos nossos dias? Quando a velocidade de informação é tanta, os acontecimentos parecem chegar em catadupa, o ritmo de obrigações quotidianas nos obriga a não estar quieto por um segundo que seja? Catástrofes sortidas, ditadores em flor, identitarismos de faca na liga, praga em acção. Haverá tempo para estar maçado?

Um conceito tão novecentista, tão fin-de-siécle… Ou não? Nas últimas duas décadas houve um surto de estudos e ensaios sobre o tédio, vistos de uma perspectiva psicológica, clínica e até política. É evidente que o assunto não é novo – a filosofia e a literatura têm-no sob observação há milénios. Mas é o advento da modernidade que dá sentido e palco a este inefável sentimento, «um desejo por desejos», como o definiu Tolstoi. Heidegger, por exemplo, dedicou-lhe bastante atenção e chegou a classificá-lo em três géneros: o tédio mundano, que acontece por exemplo quando se está à espera de um comboio; um mal-estar mais profundo que associa à condição humana; e o estado mais grave e incompreensível que resulta da falta de algo que não conseguimos nomear mas que nos é familiar. Mais sisudo e ainda menos solar, Schopenhauer já tinha antes avisado que a vida não era mais do que um movimento pendular entre o desejo e o tédio. E por aí fora: até o punk usou o tédio como arma de arremesso (os Clash, por exemplo) e, noutro nível, são famosas as considerações de Adorno sobre a estreita ligação entre o tédio e o capitalismo moderno, que oferece teoricamente mais ócio mas não o resolve.

O tédio não tem o chique da melancolia e muito menos do ennui. É um sentimento cinzento, de uma ausência qualquer que se percebe mas não se lamenta. E em resposta às perguntas que fiz no início da crónica existe ainda em plena pandemia, como uma força e uma permanência inesperada. Vários estudos feitos em países muito afectados pela COVID-19, como a Itália, demonstraram que o tédio segue-se logo à angústia da incerteza sobre o que irá acontecer com a doença.

Não irei aqui arriscar nenhuma explicação , preferindo remeter para a já vasta bibliografia sobre o tema. Mas para não entediar mais o leitor, termino com uma nota sobre o que o tédio pode fazer por nós. Reclamar e praticar o direito à resmunguice, à queixa. Parece pouco em tempos trágicos e difíceis como só de agora mas devolve-nos a familiaridade e variedade da vida. E de facto, muitas vezes é o resmungar que nos ajuda a sobreviver.

Dias canhestos

Horta Seca, Lisboa, sexta, 28 Agosto

[dropcap]E[/dropcap]stranho esta ideia de férias em plena pandemia. O mundo está a acabar, mas convém continuar a pôr óleo nas engrenagens do costume. Devidamente autorizado a sair, brinco com as minhas rotinas, que sempre misturaram prazeres e deveres, os diversos calendários, horários e agendas. Talvez explique este andar feito num oito. Tanto tempo parado e não me atrevi à planificação que tenho de fazer com uma urgência de sede. Antes há decisões por tomar, talvez realinhamentos de direcção, muito tacteamento de sentidos, quem sabe desdobramentos, mas também murros na mesa. Para já, alegro-me por poder contar com dois novos nomes.

Logo o de Luís Cardoso, que há muito se empenha em criar uma cosmogonia, literária convém sublinhar, para um país perdido nos mitos, Timor. E tem-no feito com uma língua na qual a água soa de muitas maneiras e discorre com uma elegância muito própria. Este romance será pedrada no charco, pelas personagens e acontecimentos que evoca, com extrema maturidade e polida palavra.

Depois o Nuno Bragança, outro daqueles autores que me justificam a criação de uma editora. Excluo o fascínio pela personagem, que interessa aqui e agora o seu texto-laboratório, ferramenta de constante alinhamento das perspectivas e dos seres. Para já trataremos dos ensaios sobre cinema, que revelarão muito do fascínio pelas imagens projectadas, pela construção da narrativa, pelo alcance máximo da vida.
Temos mais (com) que contar. Convém confundir a realidade com a literatura, dispersar uma na outra. Ou não valerá a pena.

Mouriscas, Abrantes, terça, 1 Setembro

Vejo a morte anunciada da Cotovia e o lamento dialogado da Fernanda [Mira Barros], nas redes: « – Imagino como se sente. – Não. Não imagina.» E discordo: imagino, sim! A editora não é a nossa vida. A editora pode bem ser uma vida inteira. Tendemos a fazer coincidir a editora com o seu criador, mas seria injusto atribuir o essencial da Cotovia ao André Jorge, pois também a Fernanda foi asa do pássaro. E teve a desventura de a herdar, com tudo o que acarreta. Na medida da solidão de cada um, consigo aproximar-me deste senso comum da perda.

Devo à Cotovia parte do que fui sendo. Não seria este corpo sem aqueles livros, aqueles autores, aquelas escolhas. E tive a sorte de subir os degraus daquela editora em espiral, de cumprimentar gatos e beber café em chávenas altas, de aprender ofícios e visões e sabores. Sinto muito perder o cantar de bicho que ainda agora nos trouxe monumental «Eneida». Quem sabe se não regressará rouxinol.

Não terá sido a primeira vítima da crise, não será a última. Estranhamente, o acontecido e o anunciado devia aproximar uma certa raça de editores, na busca de territórios partilhados, de respostas comuns, de associações livres para além do nos possa dividir. Será caminho difícil de trilhar em terra árida de cidadania e em tempo que celebra a vilania escudada na mais patética celebração da individualidade.

Mouriscas, Abrantes, quinta, 3 Setembro

Tenho poucas histórias partilhadas, mas bastam-me duas para sentir a perda de Francisco Espadinha, isto além da admiração pela obra como editor, pautada por equilíbrios dignos de estudo, que soube criar sucessos com a ficção em português, não esqueceu a poesia e soube trazer para esta língua autores do mundo inteiro. Devo à Presença parte do que fui sendo. Lançámos em conjunto, ele o mais recente romance do Helder [Macedo], eu uma antologia da poesia do mesmo autor, atravessada pela óptica do Paulo [José Miranda]. A meio da função, com exacta descrição, veio dizer-me o quanto lhe agradava esta colaboração, sobretudo por ser rara no panorama nacional. Meses depois, aquando da falência da Urbanos, a distribuidora que então (mal) nos servia, foi um dos dois editores que me ofereceu ajuda (sendo o outro também da sua geração). Fiz mal em não ter aceitado.

Santa Bárbara, Lisboa, domingo, 6 Setembro

Dizem que as Feiras do Livro estão a correr bem, mas não se tal será sinónimo de venda de livros ou de adesão de públicos. São mais os passeantes que os compradores, disso estou certo, e o interesse destes parece estar, antes do mais, nos preços. Saldos, eis o segredo. Vender pelo mínimo, em hora h, esmagando por completo essa ideia tontas de valor, de custo aceitável ou sustentável. Pouco importa o sustento, apenas o circo sanguinolento da produção: imprimir novidades a cada minuto, em ritmo estonteante que a só aproveita à facturação. A ninguém interessa enfrentar os modos de fazer, velhos e cegos.

Por razões diversas, do preço à saúde, a abysmo não tem pavilhão próprio, sendo acolhida, em Lisboa e no Porto, pelo pavilhão da Afrontamento, afinal o da nossa distribuidora-armadilha. O ano passado, em Lisboa, fomos atirados para uma canto agradabilíssimo, de sombra e verde, mas arredado das rotas de circulação. No Porto foi pior: ficámos a comer o pó e o ruído das obras do pavilhão ex-Rosa Mota, no fim de uma rua que dava para um lago. Continuamos entre assombração e charco.

Horta Seca, Lisboa, segunda, 7 Setembro

O envelope vem duplamente fechado, com uns rectângulos de fita castanha a marcar o triângulo da abertura no verso, para que não se solte a não ser pela faca o que transporta desde o Oeste. (Uma impressão dourada e em relevo de uma águia de asas abertas sobre o globo diz de um tempo em que as viagens eram a grande paisagem, sentido para uma vida inteira). Extraído a golpe de rasgo, eis objecto feito de texto a envelopar caderno de corpos que se desdobram, múltiplos e uno: «como falharam cortar-me a cabeça talharam-me um corpo mais pequeno». O texto é circular como seiva e faz de corpo protector das folhas frágeis, cada uma tornada palco-tela de suavíssimo bege onde corpos inteiros e assexuados se deixam intervir pelo traço. Cada traço um rasgo, até que o líquido explode em dupla página, uma dupla sombra aguarelando-se em posição mais aberta, deitada e posta à disposição. «Para me suster neste corpo encolhido, sobre mim desdobrei-o, e ao fabricar um corpo duplamente canhestro consegui ficar de pé porque,». A vírgula, pequeno rasgo, diz volta ao início, «como falharam cortar-me». Uma simples frase, talvez poema de versos por montar, pele de figura, faz as vezes de manifesto. Ecoa: sobre mim desdobrei-o. Mudam-se assim os dias por força de uma ideia. Fulgurante que nem raio. A Isabel Baraona vai oferecendo obra assim, com cortante singeleza (detalhe algures na página). Os envelopes e os pincéis são lâminas de talhar corpos. À medida dos dias.

Indústrias culturais | FIC já está a aceitar candidaturas para prémios de excelência 

Desde ontem que o Fundo das Indústrias Culturais está a aceitar candidaturas para a primeira edição dos “Prémios na área das indústrias culturais”. Serão atribuídos dez prémios com montantes pecuniários que variam entre as 100 mil e 500 mil patacas

 

[dropcap]O[/dropcap] Fundo das Indústrias Culturais (FIC) começou ontem a aceitar as candidaturas para a primeira edição dos “Prémios na área das indústrias culturais”, destinados a empresas e projectos específicos que se tenham destacado neste segmento. Segundo um comunicado, as candidaturas podem ser apresentadas até ao dia 9 de Novembro, estando prevista a atribuição de dez prémios com montantes que variam entre as 100 mil e 500 mil patacas.

Esta iniciativa inclui os “Prémios de excelência de empresas na área das indústrias culturais” para a área de design criativo e os “Prémios de excelência de projectos na área das indústrias culturais” para a área de exposições e espectáculos culturais.

As recompensas destinadas às empresas “visam premiar [as que] tenham melhor capacidade nas operações financeiras e industrialização”. Já os prémios destinados a destacar o que de melhor se faz na área das exposições e espectáculos culturais “visam premiar os projectos desta área com maior potencialidade de desenvolvimento no mercado, conseguindo promover a marca de Macau”.

Caberá à Comissão de Avaliação das Candidaturas a Prémios a análise de todas as propostas apresentadas, uma entidade é composta maioritariamente por deputados e académicos. A escolha da secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong U, recaiu sobre nomes como Ip Sio Kai, Wang Sang Man e Dominic Sio Chi Wai, entre outros.

Os critérios usados para a avaliação das candidaturas passam pelo crescimento das empresas, a inovação e o seu impacto na sociedade. Quanto aos prémios que distinguem projectos, os critérios seguidos são “a originalidade e conteúdo cultural, o benefício económico, os efeitos no impulso da indústria e benefícios sociais, bem como os efeitos na construção da imagem da marca”.

Presença de mercado

Para se candidatarem a estes prémios, as empresas devem pertencer à área de design criativo e ser constituídas antes ou até 31 de Dezembro de 2016, com uma operação contínua entre os anos de 2017 e 2019.

Os candidatos-alvo dos “Prémios de excelência de projectos” da área de exposições e espectáculos culturais incluem empresas, personalidades ou associações, cujos projectos devem ser os mesmos espectáculos, realizados pelo menos cinco vezes entre os anos de 2017 e 2019, com a venda de bilhetes ao público.

O FIC irá atribuir até dez prémios, incluindo uma medalha de ouro, prata e bronze do Prémio da Flor de Lótus, com valores que variam entre as 200 mil e 500 mil patacas. Serão atribuídos sete prémios de distinção com o prémio pecuniário individual de 100 mil patacas.

Os “Prémios de excelência de projectos” dividem-se em grupos de empresas, personalidades e associações, sendo atribuída uma medalha de ouro, prata e bronze do Prémio da Flor de Nenúfar a cada grupo, com os valores pecuniários a variar também entre as 200 mil e 500 mil patacas.

Haverá ainda sete prémios de distinção em que será atribuído a cada um o valor de 100 mil patacas. O número máximo de prémios por cada grupo é de 10.

Ministério Público | Novo delegado vindo de Portugal tomou ontem posse

O novo delegado do Procurador do Ministério Público, Jorge Duarte, defende que os sistemas jurídicos estão sempre em construção e que devem ter capacidade para aceitar críticas justas dos cidadãos e melhorarem. Como a sociedade muda, assim devem mudar as leis e os ordenamentos jurídicos

 

[dropcap]J[/dropcap]orge Duarte tomou ontem posse como delegado do Procurador do Ministério Público (MP). À margem da cerimónia, frisou o papel das críticas dos cidadãos na evolução do sistema de justiça. O magistrado foi nomeado por dois anos, a partir do dia 1 de Setembro.

“No dia em que um sistema jurídico, qualquer que ele seja, diga ‘nós somos fantásticos, funcionamos tão bem que não sentimos pressão’, nesse dia esse sistema de justiça está fechado em si mesmo e não está ao serviço dos cidadãos. É bom que os cidadãos critiquem, objectiva e justamente, e que o sistema tenha capacidade de aceitar essa crítica quando ela é justa e melhorar em função [dela]. Essa pressão tem de existir”, declarou. Na sua óptica, a pressão faz parte do progresso.

O magistrado reconheceu que vai sentir uma pressão acrescida em Macau, “pelo menos nos primeiros dias”, mas que “isso é excelente”. Durante o período de adaptação espera perceber não só como o exercício legislativo funciona na prática, mas também como as pessoas se relacionam no tribunal, por exemplo.

“Os sistemas jurídicos, nunca podem considerar-se perfeitos e acabados. São sempre uma obra em construção. Porque a sociedade muda, a sociedade evolui, e as leis e os sistemas jurídicos, se estão ao serviço das populações têm de acompanhar essas mudanças”, explicou. Jorge Duarte acrescentou ainda desejar “para a RAEM, para toda a China, para Portugal, e o resto dos sítios onde a humanidade vive sob um sistema jurídico, que esses sistemas estejam em permanente evolução porque isso é um sinal que estão realmente preocupados em servir os respectivos cidadãos”.

Experiência de vida

O novo delegado fez licenciatura e mestrado em Direito, na Universidade Católica Portuguesa. Jorge Duarte desempenhou funções de auditor de justiça no Centro de Estudos Judiciários desde 1991, foi nomeado magistrado auxiliar na Comarca do Porto em 1993 e Procurador da República em 2009. Do seu currículo consta também a coordenação do círculo judicial de Vila Nova de Gaia, bem como da formação nos tribunais na região Norte, do Centro de Estudos Judiciários.

Sobre a necessidade de experiência profissional para a candidatura ao curso e estágio de formação para ingresso na magistratura em Macau, disse que tem uma “opinião ambivalente”. Considera que se podem perder alguns talentos, mas que há a vantagem de ter pessoal com experiência de vida. “Alguém que sabe muito Direito, é excelente a ler as leis, mas não sabe perceber a realidade das pessoas que estão à volta dele é um bom técnico, pode ser um bom jurista, mas é capaz de não ser um grande magistrado”, observou. Jorge Duarte chegou a Macau a 23 de Agosto e cumpriu os 14 dias de quarentena.

Separação de poderes

“Acho que a Lei Básica é clara quando diz que as instituições de Macau são lideradas pelo Executivo. É isso que está na Lei Básica e é isso que tem sido feito. É o Executivo que tem o papel preponderante, embora nós queremos acreditar que os tribunais são independentes”, referiu o presidente da Associação dos Advogados à margem da cerimónia, sobre a separação de poderes em Macau. No entanto, Jorge Neto Valente recordou um presidente do Supremo Tribunal Popular que “exortou os magistrados a apoiarem o Governo”, em Macau. “Portanto, com certeza na maneira de ver dele não serão tão independentes assim”, acrescentou.

Jogo | Receitas diárias de Setembro duplicam em Agosto

As receitas brutas de jogo dos primeiros seis dias de Setembro praticamente duplicaram a média diária do mês de Agosto. Segundo a Bernstein, a subida de 94 por cento em termos mensais, resulta do aumento de turistas que chegaram depois da retoma de emissão de vistos de Guangdong

 

[dropcap]S[/dropcap]ão os primeiros sinais positivos de que os efeitos da retoma de emissão de vistos podem vir a ser sentidos de forma significativa no final do mês. De acordo com dados divulgados na segunda-feira por analistas da Sanford C. Bernstein Ltd e citados pelo portal GGR Asia, as receitas médias diárias dos casinos de Macau nos primeiros seis dias de Setembro são praticamente o dobro do registo de todo o mês de Agosto.

Detalhando, de 1 a 6 de Setembro, a receita bruta diária foi em média de 83 milhões de patacas, quando a média diária do mês de Agosto foi de 43 milhões de patacas, representando uma subida de 94 por cento, segundo a Bernstein.

“A média diária, comparada com o mesmo mês do ano passado, caiu 89 por cento, mas subiu 94 por cento em relação a Agosto de 2020”, constatam os analistas.

A consultora norte-americana estima ainda que, no final de Setembro, as receitas brutas dos casinos de Macau registem perdas anuais acima dos 80 por cento, dado que “os valores semanais estão cada vez melhores” devido ao aumento da emissão de vistos a partir da província de Guangdong.

De notar que o impacto da retoma de emissão de vistos turísticos, individuais e de grupo, a 12 de Agosto desde Zhuhai e a 26 de Agosto desde a província de Guangdong, não se reflectiu nas receitas de jogo do mês passado, tal como previram alguns especialistas do sector. Recorde-se ainda que a China planeia autorizar a emissão de vistos turísticos para Macau a todo o país, a partir de 23 de Setembro.

No entanto, o impacto começa agora a ser visível já que só no dia 3 de Setembro, o número de visitantes a entrar em Macau foi de 14.600. Isto, quando no início de Agosto, o número de médio de visitantes foi de aproximadamente 5.000.

“Com o calendário da retoma de emissão de vistos em marcha, acreditamos que os impulsionadores da recuperação assentem agora nos níveis de confiança dos clientes para viajar e gastar em Macau, na abertura das fronteiras com Hong Kong e no aumento da frequência de voos entre o Interior da China e os aeroportos de Guangdong, Hong Kong e Macau, para facilitar as viagens de longo curso”, apontam os analistas da Bernstein, Vitaly Umansky, Tianjiao Yu e Kelsey Zhu, citados pelo GGR Asia.

A pouco e pouco

Recorde-se que Agosto foi o terceiro pior mês de 2020 para a indústria do jogo, com as receitas brutas dos casinos a caírem 94,5 por cento relativamente ao mesmo período do ano passado, totalizando cerca de 1.330 milhões de patacas. Isto, dado que em Agosto de 2019, as receitas brutas mensais foram de 24.262 milhões.

Na altura do anúncio da retoma de emissões de vistos no início de Agosto, analistas citados pela agência Lusa avisaram que, apesar de ser “uma grande notícia” para o sector, a recuperação seria demorada.

Homem apanhado a traficar cocaína numa torradeira

[dropcap]U[/dropcap]m homem oriundo do Interior da China foi detido por suspeitas de tráfico de droga, depois de as autoridades policiais o terem encontrado na posse de 16,66 gramas de cocaína. Segundo informação revelada pela Polícia Judiciária (PJ), os estupefacientes terão entrado no território escondidos numa torradeira.

As autoridades afirmam que a investigação começou com a informação de que uma associação criminosa de Hong Kong estaria a recrutar cidadãos chineses para vender droga em Macau, tendo como alvos os clientes dos estabelecimentos de diversão nocturna do ZAPE. A investigação policial levou à identificação do hotel onde o suspeito estaria hospedado na zona centro da península de Macau.

Na segunda-feira, a PJ seguiu o suspeito quando este apanhou um táxi e saiu nas imediações do Edifício Long Yuen na Areia Preta. Aí, aparentou estar à espera de alguém, que não apareceu, e terá abandonado o local aparentemente frustrado, de acordo com a descrição feita pela PJ. Foi nesta altura que as autoridades agiram e detiveram o indivíduo, alegadamente na posse de 56 pacotes com cocaína, com peso total de 16.66 gramas e valor de rua de 60 mil patacas.

A PJ afirmou que o indivíduo terá admitido ter sido recrutado por um grupo de Hong Kong dedicado ao tráfico de droga, que terá enviado os estupefacientes para Macau escondidos numa torradeira através de uma empresa de encomendas.

Esta foi a primeira vez que traficou drogas em Macau, segundo o relato das autoridades, cobrando por cada pacote com 0,3 gramas de cocaína entre 1000 e 1500 patacas. O seu “salário” diário foi de 800 patacas.

O indivíduo, de 30 anos de idade, foi transferido ontem para o Ministério Público, suspeito do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.

Consulado | MNE questionado sobre saúde do jovem com dupla nacionalidade

O consulado geral de Portugal pediu ao Comissariado dos Negócios Estrangeiros em Hong Kong informações sobre o estado de saúde de Tsz Lun Kok e alertou para a necessidade de acesso a um advogado. Os contactos não foram devolvidos. Neto Valente diz que não ficaria surpreendido com uma confissão no jovem. O HM falou com um advogado de um dos detidos, que teme a nomeação de representantes oficiais

 

[dropcap]A[/dropcap] história do jovem detido em Shenzhen com dupla nacionalidade portuguesa e chinesa tem sido marcada por tentativas goradas de contacto. Segundo o HM apurou, Tsz Lun Kok continua impedido de falar com a família e com representantes legais. O Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong revelou estar “em contacto permanente com o advogado do Sr. Kok na RAEHK”. Segundo a informação que chegou à representação diplomática, “o senhor Kok ainda não teve contacto com a família ou com o advogado”.

Também os contactos diplomáticos entre as autoridades portuguesas e chinesas se mantêm num impasse.
O Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong revelou ao HM que continua a “desenvolver contactos com as autoridades chinesas no sentido de obter informações sobre o estado de saúde do Sr. Kok e alertando para a necessidade do detido ter acesso a um advogado”.

A representação consular especificou ao HM que na manhã de segunda-feira foi feita “nova insistência com o Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês em Hong Kong”. Até ontem à tarde, o consulado português aguardava resposta às solicitações feitas.

A Chefe do Executivo da região vizinha, Carrie Lam, afirmou ontem que não é expectável o simples retorno dos detidos a Hong Kong, porque os procedimentos legais na China continental ainda não terminaram. Citada pelo South China Morning Post, Lam revelou que os familiares dos detidos foram notificados.

Confissão na CCTV

Questionado sobre o caso, Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau, salientou que a China não reconhece dupla nacionalidade e que, de qualquer modo, “é uma regra aceite por todos” que quem está numa jurisdição onde também tem nacionalidade não pode invocar outra. “Agora, nada impede que as autoridades portuguesas tenham algum interesse pela pessoa em causa”, notou o advogado à margem da tomada de posse do novo delegado do Procurador do Ministério Público. Reconheceu, porém, que as autoridades portuguesas têm “muito pouca” margem de manobra.

“Vi que a pessoa é suspeita de ter atravessado ilegalmente a fronteira, ter saído sem ser pelas portas normais de controlo de imigração. Não sei o que haverá mais, mas não ficarei surpreendido se um dia destes tiver assinado uma confissão de coisas que fez e até talvez de coisas que não fez”, comentou o advogado.

Direito de defesa

Em relação à alegada fuga de Hong Kong, Neto Valente considera a situação “complicada”, porque quem procura fugir de um território onde está sujeito a restrições legais de mobilidade, dá a entender que procura evitar consequências.

“Claro que defendo que toda a gente tem direito à assistência de um advogado, mas sabemos que na China não é como em Macau ou em Hong Kong. Há muitas restrições ao trabalho dos advogados e aos detidos que se encontram nestas circunstâncias. Portanto, não vejo que se possa fazer muito, além de notarmos que se deve dar assistência a quem precisa dela”.

O HM falou com Ren Quanniu, advogado do Interior da China, da província de Henan, que está a tentar representar um dos detidos que seguia no mesmo barco que Tsz Lun Kok. O jurista, que não quis identificar quem representa, a pedido dos familiares do detido, confirmou que também ainda não conseguiu contactar com o seu cliente.

Na segunda-feira de manhã, dirigiu-se ao centro onde estão detidos os 12 acusados de travessia ilegal, munido de um documento de autorização para representar um dos suspeitos, assinado por familiares.

Segundo contou ao HM, foi impedido de entrar no complexo e foi-lhe exigido uma certidão notarial, algo que o causídico diz não ser requerido num processo penal.

Ren Quanniu teme que o seu cliente venha a ser representado por um advogado oficioso, uma realidade possível se, entretanto, continuar sem mandatário. O impacto político do caso pode justificar a existência de pressão para que os detidos sejam representados por “advogados oficiosos que cumpram ordens”, não necessariamente dos clientes.

“Caso aconteça, isso significa que este caso é muito mais sério, merecendo um tratamento das autoridades que vai além do crime de travessia ilegal”.

Reciclagem | Macau sem condições para desenvolver indústria

[dropcap]E[/dropcap]m resposta a uma interpelação escrita de Au Kam San, a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) reiterou que a possibilidade de desenvolver a industria de reciclagem em Macau é remota.

“A escassez de recursos terrestres, densidade populacional e falta de equipamentos complementares industriais, tornam difícil o desenvolvimento, em Macau, de uma cadeia completa de procedimentos para a indústria da reciclagem”, pode ler-se na resposta assinada pelo director da DSPA, Tam Vai Man.

Recorde-se que na interpelação escrita enviada a 31 de Julho, Au Kam San acusou o Governo de “apregoar a diversificação industrial sem qualquer progresso” e de “encaminhar um grande número de projectos (…) para as regiões vizinhas”, tendo sugerido que a indústria de reciclagem de papel pode efectivamente ser desenvolvida em Macau, pois “não há falta de matéria-prima (…) e há mercado local”.

Em resposta, a DSPA afirma que a construção de fábricas de reciclagem de papel devem ter em conta factores como os recursos do solo a ocupar, o consumo de recursos hídricos, tratamento de águas residuais, consumo de energia, poluição ambiental e a competitividade do mercado e que, por isso, a questão deve ser submetida “à análise e ao estudo de uma instituição profissional”.

Sobre a possibilidade de a Imprensa Oficial (IO) abrir uma fábrica de papel reciclado, a DSPA limitou-se a dizer que, mais de 99 por cento das 300 toneladas de papel compradas anualmente, estão classificadas como “recicláveis e ecológicas” e de acordo com os padrões internacionais.

Plano Director | Sulu Sou crítica aproveitamento de terrenos na Taipa 

O aproveitamento dado ao terreno situado à entrada na Taipa, bem como a quatro terrenos na zona centro da ilha, é criticado por Sulu Sou. O deputado lamenta as finalidades reveladas pelo projecto do Plano Director de Macau e teme a “cobertura” dada a interesses empresariais

 

[dropcap]O[/dropcap] deputado Sulu Sou fez criticou ontem o projecto do Plano Director relativamente às finalidades do terreno à entrada na Taipa, recuperado pelo Governo, e dos quatro terrenos no centro da Taipa onde vai nascer um parque provisório de pneus. Numa nota divulgada na sua página oficial de Facebook, Sulu Sou destacou o facto de, no projecto, os terrenos destinados ao parque provisório de pneus estarem situados numa zona de habitação, enquanto que o terreno situado à entrada da Taipa está classificado como zona comercial. O documento “confirma que o terreno do parque temporário de pneus está sinalizado como uma zona habitacional, ao invés de ser uma zona verde ou um parque aberto ao público”, disse o deputado.

Para Sulu Sou, “quando o Governo recusou avançar para a preservação da fábrica devoluta em conjunto com o projecto do parque de pneus, confirmou que não tinha como objectivo preservar o parque a longo prazo, e que este seria apenas um brinquedo provisório”. “É provável que venha a tornar-se num espaço de habitações luxuosas e privadas no futuro”, adiantou.

Privatização à vista

Sulu Sou escreveu também que o Governo “está a dar cobertura a um outro protagonista, o terreno à entrada na Taipa onde iria ser construído o parque aquático Oceanis”. “O terreno foi recuperado pelo Governo e cobre uma área superior a 130 mil metros quadrados. Há muito que a comunidade vem pedindo [no local] um planeamento para fins de lazer e zonas verdes. No entanto, o documento de consulta do projecto do Plano Director mostra que o terreno está classificado como zona comercial sem ‘espaços verdes ou zonas de acesso ao público’”, frisou.

O deputado teme que, com a aprovação do projecto do Plano Director, o terreno à entrada da Taipa “seja completamente privatizado pelo sector empresarial, e o máximo que será dado à sociedade será um ‘corredor verde junto ao mar’ ou algumas árvores”.

“Por outras palavras, quando a zona comercial no terreno à entrada da Taipa estiver concluída, o parque temporário de pneus será convertido numa zona de casas de luxo, e esse será o dia em que os grandes empresários vão ganhar”, concluiu. O HM tentou chegar à fala com o deputado Sulu Sou, mas até ao fecho desta edição não foi possível estabelecer contacto.

Anunciado a 21 de Agosto, o parque provisório de pneus vai nascer em quatro terrenos actualmente desaproveitados no centro da Taipa, perto da Avenida Kwong Tung, Rua de Bragança, Rua de Chaves e edifício Nam San. A ideia do projecto é construir, “com o uso de pneus como elementos principais da concepção, num grande número de instalações de lazer, recreação e desporto”.

Plano Director | Governo prescinde da zona D para construir novo aterro

Para construir o novo aterro que vai unir a Zona A ao Nordeste de Macau, o Executivo está a negociar com o Governo Central deixar cair os planos previstos para a Zona D, situada entre Macau e a Taipa. O Plano Director deverá ser aprovado entre o final de 2021 e o início de 2022, seguindo-se os planos de pormenor das 18 zonas do território

 

[dropcap]O[/dropcap] secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário revelou ontem que o Executivo está a negociar com o Governo Central para trocar os 58 hectares previstos para a Zona D, situado junto ao acesso à ponte Governador Nobre Carvalho do lado da Taipa, pelos 41 hectares do novo aterro que consta do Plano Director e que vai unir a Zona A e o Nordeste de Macau.

Segundo o secretário, esta é uma troca que vai permitir “juntar o útil ao agradável”, até porque, não só a criação de um parque de grande dimensão vai contribuir para o bem-estar da população previsivelmente densa da Zona A, como permite preservar também, a beleza natural do local destinado à construção do aterro da Zona D.

“Como Macau não tem um grande parque ou espaço verde, achámos que não era mau aterrar essa zona [do novo aterro] e fazer um grande parque e, em contrapartida, desistir da Zona D, que não nos parece ser aquilo que Macau mais precisa. Até porque, para a generalidade das pessoas, a zona mais bonita é precisamente essa junto à água e que todas as cidades gostam de ter. Nesse espaço de água, que há entre Macau e a Taipa, já está em curso a Zona C e daqui a pouco, se fizermos a Zona D, quase que deixa de haver água”, explicou Raimundo do Rosário, no final de uma sessão de apresentação do Plano Director, destinada aos deputados.

Apesar de considerar “não ser conveniente falar mais sobre o assunto” porque as conversações com o Governo Central ainda estão em curso, Raimundo lembra que, “apesar de, no final, Macau ficar com menos 17 hectares”, esta é uma decisão que fará com que todos saiam a ganhar, até porque se estima que na Zona A possam vir a viver cerca de 96 mil pessoas.

“Para o bem-estar de quem vive (…), quer na zona A, quer na zona norte, toda a gente fica mais satisfeita existindo este parque de grande dimensão, pois se 41 hectares de parque é muito em qualquer parte do mundo, então em Macau ainda é maior”, acrescentou o secretário.

Plano orientador

Na apresentação do Plano Director dedicada aos deputados foram várias as vezes em que os representantes do Governo fizeram questão de frisar que o projecto tem um carácter essencialmente orientador e que será revisto a cada cinco anos, deixando mais detalhes da execução para quando forem elaborados os planos de pormenor das 18 zonas, pelas quais Macau aparece dividido.

Questionado pelo deputado Au Kam San sobre a calendarização prevista para finalizar os planos de pormenor e aprovar o Plano Director, Mak Tat Io, chefe do Departamento de Planeamento e Urbanístico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) avançou estimar que tudo estará pronto até Setembro de 2021. No entanto, a execução do plano pode estender-se ao início de 2022, como confirmou de seguida Raimundo do Rosário, adiantando que, muito provavelmente, a Zona A será o primeiro alvo do projecto.

“Esperamos que tudo isto acabe bem, com a aprovação do Plano Director. De acordo com a lei de planeamento urbanístico, a sua aprovação terá de ser feita através de um regulamento administrativo. Tencionamos que, no final de 2021 ou no princípio de 2022, o Plano Director esteja aprovado (…), seguem-se os planos de pormenor das 18 zonas. A Zona A (…) talvez seja das primeiras, mas não há ainda decisão sobre o local por onde vamos começar”, disse o secretário.

Longe do centro

Questionado sobre se o metro ligeiro está definitivamente arredado do centro de Macau, Raimundo do Rosário deu a entender que esse é, de facto, o cenário mais possível, devido às prioridades do Governo apresentadas no Plano Director, mas não descarta que as condições possam mudar no futuro.

“Neste plano não se prevê que o metro passe no centro de Macau e penso que é muito difícil fazê-lo, é domínio do óbvio. Por isso, no curto prazo não vai acontecer, até pelas prioridades que foram definidas. Mas de cinco em cinco anos, à medida que formos actualizando o plano, logo veremos”, apontou o secretário.

Respondendo a Ip Sio Kai sobre o prazo de execução e orçamento estimado para a construção da linha leste do metro ligeiro, que ligará o aeroporto às Portas do Cerco através de seis estações, Raimundo do Rosário admitiu não ter informação suficiente para avançar montantes e datas, porque os valores podem variar muito. No entanto, afirmou que o objectivo a curto prazo, passa por avançar com a adjudicação da linha.

Também durante o dia de ontem se procedeu à abertura de propostas da linha Seac Pai Van do metro ligeiro. De acordo com uma nota oficial, todas as 10 propostas foram admitidas, variando entre 896 e 975 milhões de patacas, com os prazos de execução a variar entre 490 e 820 dias de trabalho. O início da empreitada da linha de 1,6 quilómetros de extensão está previsto para o final de 2020.

Felicidade dúbia

O deputado Si Ka Lon questionou ontem os representantes do Governo sobre o facto de o Plano Director traçar como objectivos, tornar Macau numa cidade feliz e inteligente. “A felicidade e a inteligência serão metas adequadas a alcançar? Ao longo do plano não é dada ênfase a estes aspectos”, vincou o deputado. Na resposta, Mak Tat Io, chefe do Departamento de Planeamento e Urbanístico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) afirmou que os dois objectivos “estão de acordo com o plano quinquenal de Macau”, sublinhando que, para criar uma cidade inteligente, “não basta abrir estradas” e que é preciso utilizar “tecnologia de ponta” para desenvolver os transportes e resolver os problemas de trânsito.

“Então e os mortos?”

O deputado Mak Soi Kun mostrou-se ontem preocupado com o facto de o Plano Director não prever espaços reservados à criação de cemitérios, tendo em conta que em 2040, o projecto prevê que em Macau existam mais de 800 mil habitantes. “Em 2040 vamos ter 800 mil residentes (…), estamos a definir planos para pessoas vivas, mas então e os mortos, chegaram a pensar nisso? Há cemitérios na Taipa e em Coloane mas o Governo chegou a pensar em reservar terrenos para criar mais cemitérios?”, questionou o deputado. Na resposta, Lo Chi Kin, vice-presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) considerou que o número de terrenos “destinados aos falecidos” actualmente existentes “é suficiente” para resolver o problema nos próximos 20 anos, embora admita que seja preciso criar mais locais para depositar ossos.

Marisa Gaspar, antropóloga, sobre a continuação da comunidade macaense: “Sou uma optimista permanente” 

O livro “No Tempo do Bambu – Identidade e Ambivalência entre Macaenses”, lançado em 2015, acaba de ganhar uma versão revista e traduzida, editada pela Berghahn Books. Marisa Gaspar, antropóloga, acredita na continuação da comunidade macaense e lamenta que, apesar das inúmeras distinções, continue a existir um fosso entre o Executivo e as associações macaenses

 

[dropcap]D[/dropcap]e onde vem a ambivalência do macaense, tema que aborda neste livro?

Publiquei este livro em 2015 e já sofreu alterações. É o resultado da minha tese de doutoramento em que o trabalho de campo foi feito em Lisboa, com o grupo do Partido dos Comes e Bebes. É um grupo informal de amigos, todos eles ex-colegas de turma do Liceu ou da Escola Comercial de Macau que ao longo dos anos foram vindo para Portugal por diferentes razões. Foi com este grupo que me debrucei mais sobre as questões da definição identitária, relacionadas com a memória e ambivalência. O último capítulo de livro aborda o facto de o macaense pertencer, não pertencendo, a dois mundos e duas culturas. Na verdade, eles tiram das duas e constroem uma cultura que é sua.

Nunca sabem muito bem o que são.

Discordo nesse sentido. Acho que fazem um uso muito prático do facto de se moverem bem nos dois mundos. O macaense tira um partido positivo dessa sua ambivalência e consegue adaptar-se e saber ser o que tem de ser numa determinada situação social. Em termos profissionais essa é também um bocado a história dos macaenses em Macau. Sempre fizeram a ponte entre a comunidade chinesa e a Administração portuguesa.

Isso leva-me à questão da elite macaense e aos cargos que ainda tem em Macau, um ponto também abordado no livro. Era esperada a continuação dessa elite tão activa após a transição?

A elite anterior, que ainda estava no poder no tempo da Administração portuguesa, e que hoje está quase na idade da reforma, está a preparar novas gerações para essas posições e a forma como o fazem é através do associativismo. Foi criada a Associação dos Jovens Macaenses, os descendentes dessa antiga elite ainda activa, mas que em breve deixará de estar, e há uma consciência disso. Essa preocupação de passar o testemunho é permanente. Há também a organização dos Encontros dos Jovens Macaenses que acontecem há três anos. A ideia que eu tenho é que eles [os participantes dos Encontros] conhecem muito pouco do seu património. São estas associações, como os Doci Papiaçam di Macau ou a Confraria de Gastronomia Macaense [que fazem esse trabalho]. Querem que a gastronomia seja reconhecida pela China e mais tarde pela UNESCO como património da humanidade, mas não sei se chegará lá. Mas há essa vontade.

Os jovens macaenses que estão em Macau têm um maior conhecimento da sua cultura, por comparação aos da diáspora?

Os jovens [da diáspora] têm a noção de que há um título atribuído a esse património e acho que é por aí. São jovens muito diferentes dos de Macau. Os jovens macaenses de Macau têm a perfeita noção do seu papel na sociedade, dessa passagem de testemunho para que continuem a lutar pelos seus direitos e por um posicionamento quase único naquela sociedade, onde ainda existe o modelo de “um país, dois sistemas”, com uma cultura e identidade próprias. O Governo de Macau, um pouco por obediência do que a China dita, continua a dar valor à comunidade macaense, muito mais agora do que era dado antes na Administração portuguesa. Pela primeira vez o macaense começou a definir-se em termos mestiços, de mistura, uma coisa que não acontecia antes da transição.

Porque é que acha que se dá mais importância hoje à comunidade? Deve-se à China?

Acho que é mesmo só por isso. De resto, os macaenses queixam-se até de um certo “chega para lá” da parte do Governo local. Mas eventualmente também tem a ver com o Executivo que está no poder na altura. Agora, com este novo Chefe do Executivo as coisas podem mudar. No final do mandato do anterior Chefe do Executivo [Chui Sai On], o património material macaense recebeu alguns títulos, mas as associações esperavam outras regalias, nomeadamente melhores condições. Todas as associações recebem um montante da Fundação Macau, mas como se trata de uma comunidade especial, reconhecida por Macau e pela China, deveriam dar-lhes mais condições para trabalhar. Por exemplo, para o teatro [Doci Papiaçam di Macau] deveria ser dada uma sala para os ensaios, e na gastronomia [Confraria da Gastronomia Macaense] deveria ser dada uma sala própria para confeccionarem os pratos, para que desta forma possam chegar ao público. De outra forma estão sempre um bocado encurralados nessa limitação logística com falta de condições que o Governo não lhes proporciona. Ao mesmo tempo, Macau venceu a candidatura a cidade da gastronomia e uma das principais causas para ter integrado essa rede foi o facto de existir uma culinária única no mundo. Mas depois as comunidades patrimoniais não entram nesse sistema, não participam nesse tipo de iniciativas e é sempre um jogo um bocado estranho.

Em que sentido?

Os técnicos do turismo fazem as coisas por iniciativa própria, sem grandes colaborações das associações. Agora está a ser feita uma base de dados para o levantamento de todas as receitas. Mas parece que isto é feito sem uma integração entre as partes. Falta uma comunicação entre os técnicos, os académicos e a comunidade que é detentora do património e que pode fornecer mais informações. Este é um projecto meu que está em curso, sobre o turismo gastronómico em Macau. Estive lá há dois anos, entrevistei muitas pessoas e a sensação com que fiquei é que as coisas não fluem. Em Macau há esse problema de comunicação. Eu própria me vi aflita para falar com pessoas que têm esses dossiers em mãos porque tinham receio de falar. Acho que cada vez mais a mão da China se começa a notar em Macau e as pessoas têm medo de falar. Uma coisa é as coisas acontecem no plano simbólico e formal, outra é o que acontece no dia-a-dia. A gastronomia e a o patuá são super importantes, são reconhecidos pelos governos e pela UNESCO, mas na prática as pessoas não sabem o que são. Não se distingue a comida macaense das restantes gastronomias. Os próprios profissionais que trabalham sobre este assunto não sabem e isso é um bocado aflitivo. Tudo funciona de forma simbólica.

Falando das associações dos jovens macaenses. Que desafios antevê na continuação da comunidade? Há que adoptar novas estratégias?

Sou uma optimista permanente em relação aos macaenses, ao contrário do discurso deles, fatalista, de que a comunidade vai acabar. A verdade é que não se vêem muitos jovens nos Encontros. No caso do patuá deixar-se-á de falar uma língua completamente arcaica, porque não é usada na comunicação diária. As pessoas conhecem expressões e é isso que vai ficar. A comunidade tem tudo para continuar a existir. As pessoas que se sentem macaenses vão continuar a dizer que o são, mas a identidade não vai ser igual à dos seus bisavós. Esta comunidade tem de se preparar para esse contexto que é Macau, cada vez mais globalizado, com muitos emigrantes vindos da China. Portanto, é uma comunidade que vai ter de aprender mandarim senão, não sobrevive em Macau. E isso já se nota nos jovens. Vai ser uma comunidade que se vai adaptando e nesse sentido continua a existir.

A comunidade macaense tem também um papel económico nos dias de hoje?

Não ia tão longe quanto ao papel de captação de investimento, por exemplo. O que ainda existe é essa preocupação de colocar à frente [alguns macaenses]. Pelo menos com os dois primeiros Chefes do Executivo, continuaram a ter macaenses à frente de instituições determinantes para Macau. Foi o caso de Rita Santos no Fórum Macau e José Sales Marques no Instituto de Estudos Europeus de Macau. São figuras reconhecidas pela sociedade e também pela elite chinesa. Mas Macau continua a ter uma sociedade de emigrantes que estão lá para ganhar a vida, que não conhecem muito sobre Macau, vivem na sua bolha e depois vão à sua vida. Continuam a existir muitos problemas.

A comunidade macaense poderia ser mais interventiva nesse aspecto?

Sim. Todas as comunidades em Macau deveriam ser mais interventivas. Não nos podemos esquecer que a comunidade macaense tem esta carga simbólica, é muito minoritária. O macaense, mesmo enquanto intermediário cultural, tem consciência de que ainda tem esse papel para desempenhar e que pode ser útil nesse sentido, mas temos de pensar isto muito ao nível de relações diplomáticas. Não se pode pensar que o macaense vai para o terreno reivindicar direitos. O macaense queixa-se muito do facto de, quando se deu transição, ter sido obrigado a optar por uma das duas nacionalidades, chinesa ou portuguesa. E discuto isso no capítulo sobre a ambivalência, porque aqui neste ponto é levada ao expoente máximo. A China, não concordando com a dupla nacionalidade, impôs a escolha aos cidadãos de Macau. Os macaenses tinham esta ambivalência de ser as duas coisas. Foi-lhes dada a possibilidade de escolher e isso foi uma ofensa atroz para eles. Quem não quis abrir mão de ser português não pode exercer determinadas funções. A comunidade tem esse papel [reivindicativo], mas a um nível muito diplomático. Os macaenses também não querem ter muitos problemas, [então pensam que] se calhar é melhor continuar nos bastidores. Todos os anos a comunidade é convidada para encontros [com o Governo] e isso tem de facto mão da China. Quase como se fossem artefactos de museu.

Vão continuar a existir macaenses na Administração ou vão sendo progressivamente afastados?

(Hesita). Temos de perceber se existem macaenses com competência ou vontade para estarem nesses cargos. Não é só o facto de ser macaense que garante um lugar com competência política. Mas se houver, acho bem que continuem a fazer parte, porque o Governo de Macau foi sempre tendo macaenses. Mas não sei quem virá a seguir.

Mas, tal como disse, acredita que a comunidade se vai manter.

Os macaenses vão continuar a existir nem que seja desta forma mais simbólica ou para justificar um discurso político de que Macau é este sítio pacífico de encontro de culturas. O papel de Macau hoje para a China tem vários componentes. Faz a ponte com os países de língua portuguesa onde a China tem interesses comerciais. Não nos podemos esquecer também do projecto “uma faixa, uma rota” e mais uma vez Macau tem um papel para se aproximar de Portugal. Nos 20 anos da transição foram assinados vários acordos. E Macau é também um sítio de referência para a Grande Baía.

Covid-19 | Xi Jinping diz que China passou “teste histórico” ao superar a doença

[dropcap]O[/dropcap] Presidente chinês defendeu hoje que a China passou o “teste histórico” do novo coronavírus, após ter erradicado a doença do seu território, numa altura em que já matou cerca de 900 mil pessoas em todo o mundo.

A propaganda oficial do regime celebra há vários meses a gestão do Partido Comunista Chinês (PCC) do surto, inicialmente detetado no país, em dezembro passado.

A China registou, oficialmente, 4.634 mortes desde o início da epidemia, e há 23 dias consecutivos que não soma casos de contágio local.

O Presidente chinês, Xi Jinping, distinguiu hoje quatro “Heróis do Povo” que estiveram na luta contra a doença, perante centenas de convidados, no Grande Palácio do Povo, junto à Praça Tiananmen, em Pequim.

“Travámos uma grande batalha contra a epidemia, que acabou por ser dura para todos. Passámos por um teste histórico e extremamente difícil”, disse Xi Jinping. “Estamos agora na vanguarda mundial em termos da recuperação económica e na luta contra a covid-19”, apontou.

A China “ajudou a salvar um grande número de vidas em todo o mundo com ações concretas”, disse Xi, apontando para a exportação de 209.000 ventiladores, 1,4 mil milhões de fatos de protecção e 151 mil milhões de máscaras. A China também enviou equipas de médicos para ajudar alguns países.

A China é acusada pelos Estados Unidos de negligência na gestão da fase inicial do vírus e de ter ocultado a gravidade da doença, inicialmente detetada na cidade chinesa de Wuhan, no centro do país.

Uma posição que foi criticada por Xi Jinping: “qualquer ato egoísta, qualquer rejeição da responsabilidade para acusar os outros e qualquer distorção dos fatos” podem “causar danos” à sua própria população e ao resto do mundo, advertiu.

A cerimónia de hoje começou com um minuto de silêncio em homenagem aos mortos. Se o novo coronavírus foi detectado pela primeira vez na China, Pequim ressaltou que a sua origem não foi comprovada cientificamente.

Nenhuma menção foi feita durante a cerimónia ao médico Li Wenliang, de Wuhan, que alertou os colegas sobre o surgir de uma misteriosa doença respiratória, mas foi repreendido pela polícia, que o acusou de espalhar “boatos”. A sua morte, em fevereiro passado, gerou forte indignação contra o Governo.

Partido no poder no Japão inicia campanha eleitoral para escolher sucessor de Abe

[dropcap]O[/dropcap] Partido Liberal Democrático (PLD), no poder no Japão, lançou hoje oficialmente a sua campanha eleitoral interna para escolher o sucessor do primeiro-ministro Shinzo Abe, que renunciou por motivos de saúde, sendo Yoshihide Suga o favorito para o cargo.

Yoshihide Suga, 71 anos, chefe de Gabinete e ministro porta-voz do Governo japonês, já garantiu o apoio das principais facções do PLD, que deve eleger no dia 14 de setembro o seu próximo presidente, que deverá também assumir o cargo de primeiro-ministro japonês.

Suga prometeu hoje dar continuidade à política económica do actual chefe de Governo, Shinzo Abe, embora tenha destacado que “o que está mal deve ser objectivamente revisto”.

O braço-direito de Abe participou numa conferência de imprensa neste primeiro dia da campanha eleitoral junto com os outros dois candidatos à liderança do PLD, o ex-ministro da Defesa Shigeru Ishiba e o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Fumio Kishida.

Ao traçar as suas propostas eleitorais pela primeira vez, Suga sublinhou que vai defender políticas de promoção do emprego e lembrou as vantagens que o programa económico de Abe tem promovido desde 2012.

Esse programa, conhecido como “Abenomics”, promoveu afrouxamento monetário, estímulos fiscais e reformas estruturais para gerar crescimento, pilares a que Suga prometeu dar continuidade, embora com foco no emprego.

“O importante agora é apoiar o emprego, promover negócios e prestar assistência” às empresas devido ao impacto da pandemia do novo coronavírus, que levou a atividade económica do Japão à recessão e a níveis de declínio que não eram vistos em meio século, referiu Suga.

Na conferência de imprensa dos três candidatos, que aconteceu na sede do PLD horas após o lançamento da campanha eleitoral interna, surgiu a possibilidade de que esses tempos políticos se acelerassem e de que ocorressem eleições antecipadas.

A este respeito, Suga defendeu que o país não deve ir a eleições antecipadas antes de os esforços do Governo para conter a pandemia do novo coronavírus serem consolidados e o país “recuperar uma vida segura e confortável”.

Ishiba, legislador veterano do PLD e com grande apoio da militância partidária, opôs-se a Suga nesta questão de convocação de eleições antecipadas.

De qualquer forma, Ishiba lembrou que a possibilidade de dissolver a Dieta (parlamento) e convocar eleições gerais antecipadas é prerrogativa do primeiro-ministro.

Haverá dois debates públicos durante esta curta campanha eleitoral interna do PLD e a votação será aberta a apenas 535 eleitores, os representantes do partido no Parlamento e representantes do partido em 47 municípios do país.

A corrida para suceder Abe, de 65 anos, começou no final de agosto, quando este anunciou de surpresa que planeava deixar o cargo por motivos de saúde, após quebrar o recorde de longevidade de um primeiro-ministro japonês.

A situação suscitou especulações sobre uma possível convocação de eleições legislativas antecipadas pelo novo dirigente do PLD, com o objetivo de conquistar um mandato público e silenciar qualquer contestação da oposição.

Vários partidos da oposição estão atualmente a tentar reagrupar-se para formar um contrapeso mais forte aos conservadores que estão no poder.

Jornalista australiana detida na China por motivos de segurança nacional

[dropcap]A[/dropcap] China disse hoje que a apresentadora australiana Cheng Lei, que trabalhava para a emissora estatal chinesa CGTN, foi detida em Agosto por “motivos de segurança nacional”, numa altura de tensão entre Camberra e Pequim.

“Os serviços relevantes iniciaram recentemente uma ação legal contra a cidadã australiana Cheng Lei, que é suspeita de atividade criminosa que pôs em perigo a segurança nacional”, disse o porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Zhao Lijian.

Entretanto, a biografia e imagens da apresentadora desapareceram do portal da CGTN, desde que esta foi detida. Cheng Lei trabalhou anteriormente durante nove anos na China para o canal norte-americano CNBC.

O anúncio surgiu poucas horas após dois jornalistas australianos terem escapado da China, temendo serem detidos também.

Bill Birtles, correspondente em Pequim do canal ABC, e Michael Smith, correspondente em Xangai da Australian Financial Review (AFR), refugiaram-se por vários dias nas instalações diplomáticas do seu país, antes de deixarem a China na noite de domingo, acompanhados por diplomatas australianos.

Eles chegaram a Sydney na terça-feira de manhã, de acordo com a ABC. “Desde que os jornalistas estrangeiros respeitem a lei […] não têm motivo para se preocupar”, avisou o porta-voz chinês.

BESOR | Tribunal em Portugal reduz coimas a Ricardo Salgado, antigo presidente do Grupo Espírito Santo

[dropcap]O[/dropcap] Tribunal da Concorrência, em Portugal, condenou esta segunda-feira Ricardo Salgado e Morais Pires ao pagamento de 290.000 e 100.000 euros, respectivamente, reduzindo as coimas aplicadas por violação de normas de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Na leitura da sentença do recurso apresentado pelo ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, e pelo antigo administrador Amílcar Morais Pires, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS) absolveu os dois da condenação pela falta de mecanismos de controlo que havia sido aplicada pelo Banco de Portugal (BdP).

Contudo, condenou Salgado e Morais Pires, a título de dolo eventual, e não directo, pelas cinco contra-ordenações por incumprimento das obrigações de aplicação de medidas preventivas e de prestação de informações às autoridades de supervisão e de adopção de medidas preventivas suplementares nas sucursais no estrangeiro.

Neste processo, Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires contestavam as coimas de 350.000 e 150.000 euros, respectivamente, aplicadas pelo BdP pela não aplicação de medidas de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo nas sucursais e filiais do banco em Angola, Cabo Verde, Miami e Macau.

Salgado foi ainda condenado pela prática de uma contra-ordenação, sob a forma de dolo directo, “por omissão do dever de reporte em sede de relatório de prevenção de branqueamento de capitais” visando a filial de Angola (BESA). O cúmulo das seis coimas aplicadas ao ex-presidente do BES resultou numa coima única de 290.000 euros e das cinco coimas a Morais Pires, numa coima única de 100.000 euros, tendo o juiz Sérgio Sousa afastado a possibilidade de suspensão da sua execução.

Para o tribunal, as contra-ordenações praticadas são “graves”, salientando o papel das instituições financeiras na prevenção de branqueamento de capitais e a necessidade de prevenção geral. Sérgio Sousa justificou a absolvição da condenação por falta de mecanismos de controlo por considerar que ficou provado, durante o julgamento, que o BES, que tinha 26 filiais e sucursais em 14 países, possuía uma estrutura que detetava e comunicava eventuais irregularidades.

Considerou mesmo um “paradoxo” que se conclua pela sua não existência nas unidades alvo do processo sem que se tenha sequer procurado explicar porque então existia nas restantes. “Podia não fazer uso dos mecanismos de controlo, mas não se pode concluir que não existiam”, declarou.

O que disse a defesa

Adriano Sequilacce, advogado de Ricardo Salgado, afirmou, que apesar da absolvição parcial, a decisão ficou “muito longe” do que era esperado pela defesa, tendo pedido ao tribunal a extensão do prazo para apresentação de recurso junto do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual foi alargado de 10 para 20 dias.

O BdP havia condenado Salgado e Morais Pires pela prática de cinco contra-ordenações, na forma dolosa, pelo incumprimento das obrigações de aplicação de medidas preventivas, de comunicação de procedimentos internos, de prestação de informação às autoridades de supervisão, bem como de medidas preventivas suplementares nas unidade de Angola (BESA), Macau (BESOR), Cabo Verde (BESCV e SFE) e Miami (ESBANK), e ainda pela inexistência de mecanismos de controlo.

UE acompanha “de perto” caso de detido na China com passaporte português

A União Europeia (UE) está a acompanhar “de perto” o caso de Tsz Lun Kok, o estudante de Hong Kong com passaporte português detido na China com 11 activistas pró-democracia, disse ontem à Lusa um porta-voz. “A União Europeia está a acompanhar de perto o caso do Sr. Kok e dos outros detidos, nomeadamente através do Gabinete da UE em Hong Kong e Macau”, referiu Nabila Massrali, porta-voz para a Política Externa e de Segurança da União Europeia.

A Lusa questionou o Serviço Europeu de Acção Externa da UE sobre a situação do estudante de 19 anos, com dupla nacionalidade portuguesa e chinesa, detido em Shenzhen, na China, por alegada travessia ilegal, após ter sido intercetado na embarcação em que seguia com um grupo de activistas pró-democracia pela guarda costeira da província chinesa de Guandgong, em 23 de agosto, quando se dirigiam a Taiwan.

Numa nota enviada ontem, em resposta a questões sobre o jovem, que estará sem acesso a advogado desde a sua detenção, a porta-voz afirmou que “o Gabinete da UE está em estreito contacto com o Consulado Geral de Portugal em Macau, que está envolvido no caso do Sr. Kok”, precisando no entanto que a União Europeia não presta assistência consular direta aos cidadãos da UE.

“Notando que, neste caso, o Sr. Kok tem nacionalidade portuguesa e chinesa, a prestação de serviços consulares a um cidadão continua a ser um assunto da competência das autoridades nacionais. As delegações da UE não prestam assistência consular direta aos cidadãos da UE”, pode ler-se na nota.

Na sexta-feira, o advogado do jovem em Hong Kong, onde enfrenta acusações relacionadas com a participação nos protestos pró-democracia no território, no ano passado, disse que a mãe do jovem contratou um advogado chinês em Shenzhen, mas que a polícia lhe recusou o acesso.

“A polícia chinesa disse ao advogado que a investigação do caso não está concluída, e que [o detido] não tem o direito de ver um advogado”, contou à Lusa o advogado em Hong Kong, que pediu para não ser identificado. “Já são 12 dias em total isolamento”, acrescentou, então.

A Lusa também questionou o MNE na sexta-feira sobre se considera tomar alguma iniciativa em relação à recusa de acesso ao advogado. Em resposta, o gabinete de Augusto Santos Silva informou apenas que “a China não reconhece a dupla nacionalidade a cidadãos chineses”, mas que continua a acompanhar o caso.

Na semana passada, o consulado português em Macau já tinha dito à Lusa que a China só reconhece o passaporte português “enquanto documento de viagem não atributivo da nacionalidade”, o que limita a intervenção das autoridades portuguesas “ao domínio humanitário, procurando assegurar que o detido se encontra bem, que lhe seja dispensado um tratamento digno e que possa ser defendido por um advogado”.

Uma posição já criticada pelo advogado em Hong Kong, que defendeu que o jovem, cujo pai tem cidadania portuguesa, é “cidadão português” de pleno direito, lamentando que o consulado não tenha informações sobre a sua situação, numa altura em que a família e o advogado na China continuam sem conseguir falar com Kok.

Tsz Lun Kok tinha sido detido em 18 de novembro, com outras centenas de estudantes, durante o cerco da polícia à Universidade Politécnica de Hong Kong (PolyU), que se prolongou de 17 a 29 desse mês, tendo terminado com a invasão dos agentes ao campus universitário, onde a polícia diz ter encontrado milhares de bombas incendiárias e armas.

O jovem é acusado de motim, por ter participado alegadamente numa manobra para desviar as atenções da polícia que cercou as instalações do campus, com o objetivo de permitir a fuga de estudantes refugiados no seu interior.

Kok, que estudava engenharia noutra universidade, enfrenta ainda acusações de posse de “instrumentos passíveis de uso ilegal”, disse o advogado, precisando que, ao contrário do que a polícia de Hong Kong afirmou na quinta-feira à Lusa, não está acusado de posse de armas.

O jovem deveria ser ouvido no tribunal de Tuen Mun, em Hong Kong, em 25 de setembro, mas o advogado desconhece se a polícia da China o vai manter detido por travessia ilegal.

Aprovada em 30 de junho e criticada pela União Europeia, a lei da segurança nacional, considerada uma resposta de Pequim ao protestos pró-democracia em Hong Kong, sob administração chinesa desde 1997, levou vários activistas a refugiar-se no Reino Unido e Taiwan, para onde fugiram muitos manifestantes em busca de asilo.

No barco onde seguia o jovem com passaporte português encontravam-se mais 11 pesssoas, incluindo Andy Li, activista pró-democracia detido no mesmo dia da detenção de Jimmy Lai, proprietário do jornal Apple Daily, numa operação da nova unidade policial criada pela lei de segurança, segundo o jornal South China Morning Post, que cita fontes policiais.