Alunos da UM alertam para a escassez de dormitórios

[dropcap]U[/dropcap]m grupo de 155 estudantes da Universidade de Macau (UM) entregou uma petição a alertar para a escassez de dormitórios destinados aos alunos, sublinhando ainda a falta de clareza dos critérios de apreciação dos pedidos de candidatura. A informação foi avançada ontem pelo Orange Post.

De acordo com os alunos dos cursos de pós-graduação e mestrado da UM que entregaram a petição, para o próximo semestre existem menos de 800 vagas em comparação com o semestre anterior, fazendo com que cerca de 30 por cento dos estudantes não tenham lugar nos dormitórios da UM.

Quanto aos critérios de apreciação das candidaturas, os peticionários apontam que estes são pouco claros ao nível do sistema de pontuação. Isto porque, existem candidatos que cumprem os critérios exigidos e estão na lista de espera e outros que, apesar de não cumprirem esses mesmos critérios ou de terem adiado a sua graduação, viram a sua candidatura ser aceite. Perante este cenário, é feito um apelo para que a instituição reveja eventuais erros administrativos e clarifique os critérios aplicados.

De acordo com a petição, a falta de vagas contribui ainda para prejudicar os interesses dos estudantes que ficaram de fora, pois são obrigados a interromper os seus estudos por mais tempo e prejudicam o trabalho junto das associações estudantis.

Por fim, os peticionários querem ainda que UM apoie os alunos que precisam de abandonar os dormitórios e que estão impedidos de recolher os seus pertences por se encontrarem impedidos de entrar em Macau devido à pandemia de covid-19. Os estudantes pretendem assim que o organismo possa manter os pertences dentro dos quartos ou, em alternativa, que antes do início das aulas possa coordenar a recolha das suas bagagens e objectos pessoais.

São João Baptista

“Depois desta batalha, os vitoriosos portugueses foram dar graças à Sé Catedral, prometendo o Senado e o povo idêntica comemoração na véspera da festa de S. João Baptista…” Instituído desde 1622 (até 1999), o dia 24 de Junho, data do nascimento de São João Baptista e data que celebra o milagre da vitória sobre os “Calvinistas da Holanda”, passa a ser comemorado como o “Dia da Cidade do Nome de Deus na China”.

Vitória que obrigou o Senado “por voto, a celebrar todos os anos a sua festa, segundo se lia numa antiga tabuleta que se encontrava na Câmara” – escreve Monsenhor Manuel Teixeira, referindo-se à sede do actual Instituto para os Assuntos Municipais, antigo Leal Senado, ainda apoltronado no emblemático edifício classificado património mundial.

A denominação de Macau como “Cidade”, em vez de “povoação”, é-lhe atribuída a partir de 1583. Acontecimento confirmado a 10 de Junho de 1586, por intermédio de D. Duarte de Meneses, Vice-rei da Índia e rectificado por D. João IV em 1643.

Com Portugal subjugado ao poder da Dinastia Filipina (1580 – 1640), Macau sofreu um rude golpe, não só com os vexames castelhanos de Manila – apesar de a bandeira dos leões de Castela nunca ter chegado a ser içada em Macau (Não Houve Outra Mais Leal), mas também, com as repetidas tentativas dos holandeses de se apoderarem da Cidade. Estes, inimigos de Castela e invejosos do nosso florescente comércio com a China e com o Japão, tentam, através da Companhia Holandesa das Índias Orientais, interceptar as redes comerciais portuguesas asiáticas e o seu porto de abrigo – Macau.

A frente da Guerra Luso- Holandesa (1595 – 1663), não vivia só de confrontos na Ásia (Índia, Malaca, Bornéu, Ceilão, Batávia…) com a Companhia Holandesa das índias Orientais, mas também com as Companhias Ocidentais, por causa dos escravos de África e sobretuto do açúcar do Brasil.

Macau à época, nas palavras de Jaime Cortesão, era, na sua origem, uma cidade de “fundação urbana puramente democrática, o que aproxima Macau sob este aspecto dos grandes burgos medievais (…). A cidade … deveu a sua rápida prosperidade à posição magnífica que ocupava cerca de Cantão, e a meio caminho entre o arquipélago malaio e japonês. Fundada por mercadores portuguêses, práticos já no comércio da China (…). Uniu-os desde o princípio a comunidade dos interesses comerciais; e a mesma avançada civilização do país, onde a cidade encravara, os auxiliou a manter no burgo uma tonalidade mais elevada que nas restantes cidades portuguesas da Ásia”.

Cidade burguesa, livre, cosmopolita – terra de comércio -, segundo Charles Boxer, “havia então uma bateria no ponto onde hoje existe o forte de Santiago da Barra, outra em S. Francisco e uma terceira em Bomparto. A cidadela de São Paulo do Monte, principiada em 1616, ainda não estava concluída de todo, embora devesse estar bastante adiantada; a ermida de Nossa Senhora da Guia estava ainda por fortificar, e não havia quaisquer outras obras de defesa”.

O primeiro sinal de um eminente ataque é dado quando “Chegaram a esta barra de Macao quando menos se esperava, a vinte e nove de Maio, quatro naos, duas Olandesas e duas inglesas”.

Uma ideia já antiga. A primeira tentativa remonta a 1601, a 3 de Outubro, quando os navios holandeses, o Amsterdam e o Gouda, sob o comando do almirante J. van Neck, tinham surgido à vista de Macau. Facilmente dominados, alguns homens viriam a ser presos e executados. Não contentes com o seu destino, os holandeses repetiram a sua sorte em 1607 e 1621.

Pouco fortalecida e nada fortificada, a Cidade, na opinião do governador geral das Índias Orientais, Jean Pieterzoom Coen – numa carta mandada aos seus superiores, diz que “Macau foi sempre uma praça aberta sem guarnição que, embora dispondo de algumas munições e de ligeiros entrincheiramentos, facilmente poderia ser tomada por uma força de 1000 a 1500 homens e convertida numa praça que poderíamos defender contra o mundo inteiro”.

É aqui que entra no palco das operações um nome que convém desde logo fixar, Lopo Sarmento de Carvalho. Foi ele que, desde logo, pressentiu, talvez devido ao seu ofício de Capitão, que algo de anormal, de estranho, se passava e que tomou, quanto antes, as devidas precauções na defesa da Cidade – “não dormia, como prudente, e entendendo os enganos de inimigo, ajuntou toda a gente que na terra havia, ordenando-a em companhias, fortificou os logares que lhe pareceram mais fracos, por onde poderiam os inimigos entrar, pondo capitães, e dividindo a gente o melhor que pode”. Previu que “Cacilhas que era uma praiazinha distante da cidade um quarto de legoa, que ficava detras de dois montes, poderia servir de facil entrada aos inimigos, que ganhando a praia e os montes, ficariam fazendo damno á cidade, pretendeu cercala com uma tranqueira forte mas, pela contradição que houve da parte da cidade …” – , o que se veio a verificar.

Apesar de ser época de tufões (Junho), a maioria da população portuguesa andava no mar alto, o ofício de comerciante assim o exigia. Era o período do ano das compras da seda crua em Cantão e da grande viagem anual ao Japão. A cidade estava desprotegida, restavam poucos ou nenhuns para combater, mas por poucos que fossem, eram contudo “homens briosos e aptos para a guerra”. Na missiva acima citada, de Jean Coen, este refere que “Ao presente há em Macau uns 700 a 800 portugueses e mestiços e cerca de 10.000 chineses”.

A vitória, conforme afirmou Manuel Teixeira, deveu-se à “coesão dos seus habitantes, cujos interesses particulares eram os interesses da cidade. Quem tocasse nesta terra, tocava neles próprios; quem a atacasse, feria-os na própria carne, no sangue e na vida”.

Montalto de Jesus, no seu “Macau Histórico”, diz que havia apenas 80 europeus capazes de pegar em armas, o que é manifestamente pouco!

A esquadra holandesa que veio atacar Macau – 24 de Junho de 1622 – sob o comando do almirante Cornelius Reijersen, compunha-se de 15 navios – 13 holandeses e 2 ingleses (os números aqui divergem muito, estes parecem ser os mais fidedignos) – Zierikzee, Groeningen, Delft, Gallias, Engelsche Beer, Enchuysen, Pallicatta, Haan, Tiger, Victoria, Santa Cruz, Troom e Hoop (holandeses) e Palsgrave e Bull (ingleses). As forças de desembarque contavam com 600 homens europeus e outros 200 homens entre índios, malaios e japoneses (Charles Boxer fala em 1024 homens). Os ingleses recusaram-se a combater. A vitória dos holandeses parecia assegurada, tal era a despropoção de forças em combate. Os holandeses não estavam com pretensões de dividir o saque.

Para desviar as atenções, já a 23 de Junho três navios holandeses – Groeningen, Gallias e Engelsche Beer, bombardeiam o Forte de S. Francisco – “desde as duas athe ás seis horas da noite”, que se lhes respondeu no mesmo tom – “Eram os estrondos tão grandes, que pareciam medonhos trovões, e os pelouros vinham tão furiosos, que pareciam ligeiros coriscos, e em tanta quantidade que parecia um grande e grosso chuveiro”.

Na manhã do dia 24, os dois primeiros navios continuavam a bombardear. Gallias é fortemente atingido, vindo a afundar a 1 de Agosto.

O desembarque dá-se na praia de Cacilhas – duas horas depois do nascer do Sol.

Foram “os corações resolutos e braços esforçados dos seus moradores”, sobre o comando de António Rodrigues Cavalinho, que entricheirados num banco de areia da praia, receberam a tiro de mosquete o exército holandês. Apesar de entre os feridos do inimigo se contar o próprio almirante Reijersen, estes não cedem, tendo os portugueses dificuldade em conter a fúria holandesa. Em inferioridade numérica, a ordem é de retirada – “pela campina que corre ao pé da serra da Nossa Senhora da Guia”, sempre que possível ripostando.

É o Pe. Jerónimo Rho – italiano e grande matemático da congregação dos padres Jesuítas da Fortaleza de S. Paulo, que das três bombardas daí lançadas, (teria sido a sua, segundo reza a história), acerta num barril de pólvora mesmo no meio do exército holandês, o que terá desorientado e amedrontado as hostes inimigas.

Entram em pânico. Atemorizados, hesitantes – estavam estacioados na Fontinha – , planeavam alcançar pelo lado oriental o cimo do monte do “Charil”, (Monte da Guia). Lopo de Sarmento, ajudado pelo capitão João Soares Vivas, apercebeu-se das intenções dos holandeses e então, juntos, tomaram a dianteira pelo lado ocidental, incentivaram os seus homens, “com tão grande alarido e gritos de valorosos Portuguezes que foram bastantes intocentos mosqueteiros para os deterem”.

A coragem, ousadia e valor de uns – “união de almas e de corações, … coesão de espíritos” – , a mágoa, desolação e vergonha de outros – a batalha perdida, a humilhação, a fuga.

Os chineses alegraram-se com a vitória – “As autoridades de Cantão mandaram como presente de parábens uma grande provisão de arroz à cidade. Com sua licença, foi Macau bem fortificada”.

O verdadeiro herói do milagre da vitória sobre os holandeses – no dia de S. João Baptista de 1622 – foi, além da sua população, naturalmente, o Capitão-mor das viagens do Japão, o transmontano Lopo Sarmento de Carvalho – pelo seu conhecimento, visão estratégia e destemida bravura.

Com a reaquisição da independência nacional, em 1640, pondo fim aos 60 anos da Dinastia Filipina, com a aclamação de D. João IV como rei de Portugal, Lopo Sarmento de Carvalho pediu licença para regressar ao reino, “alegando os seus serviços nas partes da Índia por mais de trinta e seis anos”.

O pedido foi analisado em Janeiro de 1641, aludindo os conselheiros do rei os seus “grandes e assinalados serviços prestados em ocasiões de mayor importancia”. O despacho só viria a verificar-se em 1644. Reza assim:

“Por rezolução de S. Mg. de 14 de dez. De 1643
El Rey nosso Sr. hauendo respeito ao que se lhe reprezentou por parte de Lopo Sarmento de Carvalho fidalgo de Macao do nome de Ds da china e os seus bons serviços que naquellas p.tes lhe feito, por espasso de mais de trinta e seis annos; Ha por bem de lhe fazer merce de lhe conceder licença que se possa vir para este Reino com a sua caza e familia, E que possa trazer consigo seu sogro, E que vindo pella via de Goa, lhe de o Vizo Rey o fauor e ajuda q lhe pedir para a comodidade e passagem de sua pessoa e familia, E que se lhe passem p. isso os despachos necess.s. Lx a 4 de Jan. de 1644”.

O Boletim Oficial de Macau n.º 30, de 27 – VI – 1863 – sensivelmente duzentos anos após a mais gloriosa vitória contra os holandeses, descrevia assim a festa desse ano: “Na tarde pelo Senado a Procissão de voto popular, do milagroso S. João Baptista, testemunho dado a Deus, pelo milagre deste dia há dois séculos a esta parte, na vitória brilhante, heroísmo de armas e dedicação ao rei de Portugal que esta Cidade soube ganhar e, que é uma das mais ricas páginas da sua história”.

Temos um Santo Padroeiro – é outra especificidade da – , mas não existe um lugar de culto que lhe tenha sido especialmente erigido. Apesar de ser uma data já raramente difundida, o que a torna pouco ou nada conhecida, é uma efeméride que a todos pertence.

Na segunda metade dos anos oitenta, o arraial em honra de S. João Baptista realizava-se na recentemente já meio ‘assassinada’ mata de casuarinas (não fossem elas chamadas ‘árvores da tristeza’…) de Hác Sá, em Coloane. Era uma festa organizada pela Associação dos Aposentados e Reformados da Polícia de Segurança Pública, sob as ordens do Comante Dias. Uma festa do povo e para o povo – vadia, de rua. O tempo nem sempre ajudou, mas a essência e o conteúdo marcavam sempre presença. Alegria, boa disposição, animação, comes e bebes à farta – penso que foi aqui que Madeira de Carvalho bebeu um pouco de inspiração para a realização da Festa da Lusofonia.

Nos anos 90 – com a chegada do último governador de Macau -, institucionalizaram-se, nas arcadas do Fórum, as festas em honra dos Santos Populares. Da virtude passou-se ao pecado. Os arraiais eram abertos, mas o lustro, o pó de arroz, o rímel, o batom e a música – nem sempre eram adequados à efeméride. Sérgio Godinho, Janita Salomé, entre outros -, passaram por lá, animados, claro, por essa feira das vaidades. Foi perdendo adeptos, desapareceu.

Houve uns anos de recolhimento, talvez devido ao politicamente correcto.
Nos últimos anos, as associações de matriz portuguesa têm realizado, com esforço e dedicação, no Bairro de S. Lázaro, a romaria para celebrar e relembrar S. João, o Santo Padroeiro e protector da Cidade de Macau. Este ano, como estamos a viver uma situação atípica, o arraial não se realiza.

“O código da vanguarda” [1964], de Jean-François Revel

[dropcap]«F[/dropcap]igurativo, especialista em temas marítimos, grande produção: efeitos de ondas, linhas costeiras, venda directa a partir de 20 fig. ao verdadeiro coleccionador amador. Bom preço.»

Este pequeno anúncio tirado ao acaso da imprensa mostra que não é necessário ser-se de vanguarda para ter dificuldades em triunfar.

Procurar visibilidade através do canal que é habitualmente usado para oferecer estúdios mobilados revela, no caso de um artista, uma dificuldade de integração, que o senso comum reserva aos verdadeiros inovadores.

Ao contrário do que é de regra, vemos que foram os criadores classificados, quero dizer classificados como de vanguarda, os que alcançaram facilmente, desde a guerra, o auge da fama. Com vastos e reverentes públicos, com solicitações oficiais calorosas, entrámos na era da vanguarda de massas.

A ponto de vermos o Times Literary Supplement, sensível a esse paradoxo, dedicar dois números especiais (6 de Agosto e 4 de Setembro de 1964) à vanguarda, analisando-a no mesmo plano doutros fenómenos colectivos da sociedade de consumo.

Até ao início da guerra, a vanguarda não era senão uma etapa na evolução de todos os géneros literários: tornou-se um género literário por si própria. O público acredita que existe uma vanguarda em si mesma, mesmo sem o academismo contra o qual é suposto lutar. Não é mais o anúncio de um estilo, é um estilo.

No entanto, a noção de vanguarda é, por definição, relativa: é concebível apenas em relação a um academismo hegemónico e significa “o que precede”, “o que está à frente”, “o que prepara”.

Um escritor “marginal” pode perfeitamente não ser de vanguarda, na medida em que não tem posteridade. E como pode ele saber se terá uma?

Pensar “sou um precursor” é tão ingénuo quanto o famoso “nós, homens da Idade Média”. E caso tenha posteridade, essa mesma posteridade não mais será vanguarda, uma vez que aprofundará e ampliará invenções anteriores.

Contudo, existe hoje um código da vanguarda cujos principais artigos são os seguintes:
O primeiro: na arte apenas conta o que “renova”, o que tem carácter de pesquisa.

Isto é, a bem dizer, perfeitamente correcto. Foi preciso um século e meio para que as pessoas admitissem que a obra de arte é o que não pode ser refeito, em oposição à estética baseada na imitação de alguns modelos definidores de um belo fixo.

Dito isso, apressamo-nos a reintroduzir a imitação dentro da vanguarda, como se a novidade fosse uma propriedade imanente, eternamente vinculada a uma certa maneira de escrever ou pintar.

Afirmava que toda a vanguarda tem uma posteridade já que é preciso ser-se a vanguarda de alguma coisa. Mas essa posteridade não é forçosamente composta por discípulos, homens de retoma mais do que de rebelião. O verdadeiro epígono nem sempre é detectado à primeira vista, nem sempre é aquele que exibe o rótulo.

Assistimos assim a uma dessas falsificações de uma ideia justa, tão recorrentes na actual, prolixa estética. Do facto de que qualquer obra interessante é, por natureza, inovadora, passamos aos sinais externos de novidade, congelados da forma mais torturantemente académica.

Um dos aspectos fundamentais dessa «novidade» (e trata-se do segundo artigo do código) seria a obscuridade, a dificuldade.

Novamente, ideia justa ao início: qualquer trabalho é difícil porque o acesso não é prefigurado por nenhum hábito. Só que essa dificuldade não está necessariamente situada ao nível dos meios de expressão ou construção.

Em suma, confundimos duas coisas: a obscuridade com base na novidade, consequência da impreparação do público de um certo período (as telas impressionistas, «indecifráveis» em 1875) e o hermetismo desejado.

Porém, o hermetismo verbal não está ligado, por natureza, à novidade. É uma estética, entre outras, que também comporta o seu academismo.

Desde a Idade Média que vemos, alternadamente, períodos de poética «sombria» e «clara»: escola de 1660 contra requintes barrocos, Apollinaire após o simbolismo, etc. Por volta de 1660-1670, os «claros», Racine, eram a vanguarda. Identificar vanguarda com gongorismo não pode ser considerado senão como uma ingenuidade de seguidista, que pretende ver atestada a sua identidade de pioneiro.

Acrescento que o desconcertante e o novo podem ser pouco significativos. Em 1920, ao conceber O Enigma de Isidore Ducasse, Man Ray produzia novidade, anunciando a Arte Pop e o «novo realismo»; produzia certamente mais «novo» do que Matisse nesse momento. Não deixa de ser verdade que o seu achado, mesmo carregado de futuro (e ainda tem de avaliar-se esse futuro), foi, à época, menorizado, ao contrário da pintura de Matisse. Por outro lado, foi já dito, e é verdade, que Rauschenberg explorou as velhas descobertas Dada feitas há quarenta anos: mas o que ele extrai delas dá-lhe, no entanto, uma obra cujo stimmung nada tem em comum com o dada.

Um outro artigo do código da vanguarda actual, artigo recente e curioso, tende a fazer do tédio o sinal de valor. Toda a grande obra deve entediar. Era já hora de o afirmar, pois sabemos quão rica é a safra desde há dez anos.

É um facto que entrámos na era do tédio, quero dizer, do respeito pelo tédio, desde há uma quinzena de anos, e os públicos mais banais alcançaram uma capacidade de resignação entusiástica cujo limite ainda se desconhece.

Aqui, novamente, lidamos com a distorção de uma ideia justa. É verdade, de facto, que nenhuma obra de arte está sujeita à obrigação de entreter o primeiro que chegue. O critério «eu gosto», «eu não gosto» não tem qualquer interesse, ou melhor, deve ser avaliado em função do espectador assim como da obra.

Uma obra difícil cansa aquele que não pode compreendê-la, mas essa não é uma propriedade que lhe seja inerente. O facto de obras grandiosas parecerem maçadoras aos que não conseguiram estabelecer contacto com elas não implica que qualquer obra aborrecida seja grandiosa.

Hoje em dia, existe provavelmente uma vanguarda que não é a vanguarda recebida. Esta última recusa o mundo. A nossa sociedade do bem-estar pode querer recuperar o risco na forma de um safari cultural permanente. Culpa em relação ao período anterior, do qual se explora, de modo publicitário, os erros críticos? Eterna incapacidade de discernir o bom do mau, sendo a solução, preguiçosa, a de aderir acriticamente a um sistema, a uma atmosfera, a um tom?

Porquê esta necessidade de chamar obras de vanguarda às que, muito simplesmente, são aquelas do nosso tempo, aquelas que admiramos, que amamos, que todo o mundo conhece?

«Certos homens só podem permanecer de vanguarda por um tempo relativamente curto», escreveu Douglas Cooper no segundo dos números do Times a que aludi no princípio. Mas o facto novo é que o artista de hoje tem necessidade, para obter ânimo, de dizer a si mesmo que o seu acto é sempre o primeiro.

Um «ready-made» de Marcel Duchamp, que é muito simplesmente um desses porta-garrafas outrora usados por comerciantes de vinho para segurar pelo gargalo as garrafas quando lavadas – Duchamp comprou-o em 1914 –, foi recentemente fundido em bronze, em oito cópias, competindo os fãs por essas várias réplicas bastante dispendiosas.

Tal é o destino de um objecto lançado pela vanguarda, há cinquenta anos, à cara do público com o intuito de ridicularizar a própria noção de obra de arte. O autor dessa provocação, ao autorizar a operação que a comercializa como objecto de arte, não anula, retroactivamente, o significado do seu gesto?

tradução de:
“Le code de l’avant-garde”
in REVEL, Jean-François, Contrecensures, Paris, Jean-Jacques Pauvert, 1966, pp. 110-115

A nova utopia (12)

A nova utopia é um símbolo de distinção.
O novo utopista aprende árabe
com um refugiado palestino,
francês com um haitiano,
quéchua em vez de castelhano.
É obrigado a fazer logística de prestígio online.
Não é um sofá velho da Era do Patriot Act,
um tolo de um dia de sol em Guantánamo.
É um connoisseur de todos os lixos.
Já ouviu algo a respeito do slogan:
“O petróleo é nosso !”
O novo utopista é obrigado a ser um etimólogo,
defende a origem lendária da palavra cadáver,
CArne DAta VERmem,
embora saiba que cadáver, do latim cadaver,
deriva do verbo cadere:
“cair, cair no combate, morrer”.
É contra uma guerra sem combatentes,
é a favor da greve dos coveiros,
do adeus impossível e da incineração de corpos.
O novo utopista é um obscuro terrorista do moribundo.
Os sinos da igreja tocam o morto largado na rua.
O novo utopista é também um xamã Yanomani:
inala yakoana, o rapé alucinógeno,
para mais um rito fúnebre.
O petróleo se alastra pelos mangues:
camarões, caranguejos, ostras e peixes, todos mortos!
Dinheiro não tem princípio.
Toda meta é alcançável: just do it.
A verdade é a verdade, seja dita por Agamenon
ou por um ladro.
O novo utopista é uma espécie em perigo de extinção.
Narra, para as crianças, a lenda do duende do beco.
É um gnomo, no oco de um tronco, mas não um espectro.
É a favor de patíbulos:
agora ao menos um morto por justiça,
a chuva rebate em seus dentes postiços,
genocida, usurário:
até a Virgem Maria o abortaria.
Encara o ofício de não poder morrer, quando tudo morre.
O novo utopista expropria cadáveres de luxe
para lhe desferir tiros.
O cara enfia fezes de cachorro na boca da mulher.
Um narco, de barato, fuzila três de suas belas garotas.
Um filhote de jiboia carbonizado
pelo incêndio da floresta,
jacaré sujo de resíduos de carvão.
Mancha de petróleo no mar.
Terapia do choque econômico.
O bebê resgatado de um bueiro
é também apenas uma notícia.
Mais um óbito: cadáver intacto na calçada,
não é da guerra, não é da blitz,
cruzes, túmulos, vala comum, é a vida.
O novo utopista trava
um duelo suicida com a história.
Uma estrela cai.
Um coro de anjos, à base de anfetaminas, canta:
“A mulher do mineiro
se pode chamar de viúva.
Ele passa o dia inteiro
cavando a própria sepultura”.
O novo utopista é contra o tributo da urina
em mictórios públicos.
O novo utopista é contra a importação
de capitais infectados.
O novo utopista é um editor de igualdade,
é contra o protesto pop:
glamour freak de boutique haute-bourgeois.
Negros, indígenas, white trash, lixo branco até virar gás.
A nova utopia, às vezes, entra em stand by.

Régis Bonvincino

Livros | Antologia de poemas “Rio das Pérolas” apresentada hoje na Casa de Vidro 

São 24 autores a escreverem sobre a beleza e a singularidade do Delta do Rio das Pérolas. O coordenador da obra, e também poeta, António MR Martins partiu dos contactos já feitos aquando da sua participação no festival literário Rota das Letras e desenvolveu uma antologia poética que se insere no programa oficial das comemorações do 10 de Junho

 

[dropcap]A[/dropcap] imagem da capa é de Erik Fok, os autores são de Macau, por cá passaram ou por cá viveram e alguns ainda vivem. O pequeno território à beira do Delta do Rio das Pérolas plantado é o elo de ligação dos 24 poetas que se dedicaram a escrever sobre o território chinês onde também se fala português, inglês e tantas outras línguas e onde várias culturas se reúnem.

“Rio das Pérolas”, com coordenação do poeta português António MR Martins e edição da Ipsis Verbis, é uma antologia de poesia apresentada hoje na Casa de Vidro do Tap Seac e que se insere nas comemorações oficiais do 10 de Junho – Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas.

António MR Martins, autor de cinco poemas que compõem esta obra, fala ao HM de um livro que “ficou bonito” e que começou a ser pensado depois da sua participação no festival literário Rota das Letras, em 2016. “Comecei a consultar pessoas e houve adesão. A maior parte das pessoas começaram a apresentar os seus trabalhos, consoante aquilo que fui pedindo. Entretanto, deu-se a covid-19 e atrasou um pouco tudo.”

Neste livro “que é até acima da média em termos poéticos”, participam autores como Carlos Morais José, também director do HM, Ana Cristina Alves, António Graça de Abreu, Fernanda Dias e Fernando Sales Lopes, entre outros. Há também autores brasileiros como Natalia Borges Polesso ou Sellma Luanny, bem como autores de outros países de língua portuguesa, como é o caso de Deusa D’África ou Hirondia Joshua. A ideia, desde o início, era “escrever sobre Macau”. “O que está no livro é Macau, ou é algo sentido em Macau. E mesmo que não seja sobre Macau, foi aqui escrito.”

Era também fundamental que o livro fosse escrito em português. “Há autores que estiveram cá 30 anos, antes da transferência, há autores que estiveram cá na altura da passagem, que estiveram cá a relatar esses factos para a imprensa e para a televisão. Autores que estiveram também na rádio. Há a Macau descrita por pessoas que estiveram cá nos anos 80, anos 90 e a história dos autores de hoje. Toda essa panóplia de conhecimentos tem interesse para as pessoas que vão ler o livro”, apontou António MR Martins.

O “Rio das Pérolas” contém, portanto, poemas de autores que “encontraram no mito, nas lendas, situações para protagonizarem a sua escrita poética”, como é o caso de António Graça de Abreu, tradutor de poesia chinesa e, ele próprio, poeta. “É muito interessante na mistura escrita”, apontou o coordenador do livro.

Depósito de memórias

António MR Martins assume não conseguir escolher um ou vários poemas preferidos desta obra, porque, desde o início que “nunca se colocou nessa posição”. “Os poemas eram enviados, lia o poema para ver se estava tudo em condições, falava com as pessoas se houvesse algum problema. Este livro ainda não o li como leitor”, acrescentou.

Na obra, o coordenador de “O Rio das Pérolas” fala de um “significado emblemático e um valor enorme”, por serem “águas que encerram sentidos a oriente e englobam inúmeras histórias de milhões de pessoas, entre o imaginário e a realidade, muitas vezes míticas”.

No prefácio, Ana Paula Dias, doutorada em Educação e Interculturalidade e com formação em Estudos Portugueses, escreveu que esta antologia está radicada “nas memórias individuais e colectivas de um património comum de vivências” e nela “emergem ecos do cruzamento civilizacional com que os poetas aqui representados, portugueses ou de expressão poética em língua portuguesa, coabitam no quotidiano de Macau”.

Depois de ter coordenado uma antologia de poemas traduzidos para a língua romena, e também outra colectânea de poemas, António MR Martins diz ter o sonho de publicar um segundo volume de “O Rio das Pérolas”. “Pode ser que um dia aconteça um sonho louco, com mais autores que tenham interagido com o território”, rematou.

CURB integra Aliança de Designers Urbanos da Grande Baía

[dropcap]U[/dropcap]ma associação de Macau ligada a projectos de arquitectura, liderada por Nuno Soares, integrou uma aliança de organizações para melhorar o espaço urbano no projecto da Grande Baía.

“O objectivo é muito claro: promover a qualidade do desenho urbano, planeamento urbano, da arquitectura da Grande Baía e fazer com que as populações e os governos dêem mais valor à qualidade do planeamento urbano no desenvolvimento das cidades”, disse à Lusa o presidente do CURB – Center for Architecture and Urbanism, o arquitecto Nuno Soares.

Na quarta-feira, a organização não-governamental criada em Macau em 2014 para promover pesquisa, educação, produção e disseminação de conhecimento nas áreas de arquitectura, urbanismo, design e cultura urbana integrou a fundação da Aliança de Designers Urbanos da Grande Baía (GBAUDA, na sigla em inglês).

A cerimónia de assinatura dos cinco institutos fundadores teve de ser feita ‘online’, devido às contingências da covid-19, e contou com a participação da Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam.

“Esta aliança surge num contexto de desenvolvimento urbano estratégico desenvolvido pelo Governo Central da China de fazer com que esta zona do Rio das Pérolas passe a ser a Grande Baía”, explicou Nuno Soares. Contexto esse que criou a necessidade de se criarem políticas e colaborações entre as várias cidades, acrescentou.

No futuro, frisou o arquitecto português, “estas cidades vão ter um planeamento coordenado (…) vão ser criadas bastantes sinergias e interdependências e isso vai espoletar uma série colaborações ao nível da academia, institutos profissionais”. Esta ‘aliança’ surge por isso mesmo: “instituições profissionais no campo do desenho urbano da Grande Baía que resolveram juntar-se, fazer uma aliança, para com isso promoverem a qualidade do espaço urbano, desenho urbano, na Grande Baía”.

Muito no pouco

Neste momento, a associação conta com representantes de cinco das 11 cidades, mas o objectivo é alargar a cooperação aos restantes territórios, sublinhou Nuno Soares.

O arquitecto português explicou ainda que o objectivo da GBAUDA não é uniformizar a arquitectura na Grande Baía, mas sim dar mais importância ao espaço público. “Cada uma das cidades vai continuar a ter a sua idiossincrasia e a sua especificidade”, disse.

Nuno Soares acredita que Macau tem condições para se promover um desenvolvimento urbano de excelência, apesar das limitações impostas pela elevada densidade populacional. Macau cresceu muito em termos económicos e em Produto Interno Bruto, disse, “mas não melhorou ainda a qualidade de vida. Acho que Macau tem de se concentrar em melhorar a qualidade de vida”. Mais espaços verdes, melhores transportes, melhores espaços públicos, deve ser o foco, concluiu.

Docomomo promete enviar relatório sobre projecto de expansão da EPM

A organização não-governamental Docomomo Internacional promete enviar ao Conselho de Planeamento Urbanístico, no prazo de um mês, um relatório sobre o projecto de expansão do edifício da Escola Portuguesa de Macau, alegando que o mesmo põe em risco a preservação do que já está construído. André Ritchie, arquitecto ligado ao projecto, nega as acusações

 

[dropcap]A[/dropcap] construção de uma torre com 50 metros de altura que deverá ficar a um mínimo de 1,5 metros dos edifícios já existentes é o motivo da discórdia no projecto de expansão da Escola Portuguesa de Macau (EPM). Neste âmbito, a Docomomo Internacional, uma organização não-governamental ligada à preservação de espaços arquitectónicos, promete enviar, no espaço de um mês, um relatório de análise ao projecto, depois de ter sido alertada pela Docomomo Macau, presidida pelo arquitecto Rui Leão.

“Solicitamos para tal a vossa atenção para a recepção do nosso relatório e a possibilidade de re-agendar a discussão desta planta de condições urbanísticas (PCU) na reunião consecutiva do Conselho de Planeamento Urbanístico (CPU), ou caso isso não seja politicamente viável, encaminhar o dito relatório aos técnicos com competências de avaliar o dito projecto para a EPM”, lê-se na carta enviada a Chan Po Ah, presidente do CPU.

O documento alerta para o risco de descaracterização do edifício da autoria do arquitecto Chorão Ramalho e que é um dos poucos exemplos de arquitectura moderna em Macau.

“Entendemos que os edifícios evoluem e acompanham o desenvolvimento institucional das actividades que albergam, mas igualmente reconhecemos que muitas vezes, as intervenções em áreas de valor patrimonial pré-existente não consideram a priori um enquadramento urbanístico que previna intervenções ou abordagens que ponham em risco a visibilidade e funcionamento dos edifícios pré-existentes.”

Ana Tostões, também historiadora de Arquitectura Portuguesa do Século XX, coordena o relatório que ainda está a ser produzido e assume que “não contava que esta PCU voltasse ao plenário passado tão pouco tempo”.

Na visão da Docomomo Internacional, é necessário “clarificar algumas questões relativas à sua salvaguarda, perante a necessidade de prever áreas para instalações adicionais para a EPM”.

Arquitectos atentos

Num contacto recente feito pelo HM, arquitecto André Ritchie, que colabora no projecto de expansão juntamente com o arquitecto Carlos Marreiros, rejeitou as críticas apontadas.

“O projecto propriamente dito ainda não foi desenvolvido e até agora fizemos apenas um estudo volumétrico das edificações. É um estudo muito preliminar, mas nada de definitivo. A questão da distância de 1,5 metros, a ser colocada, seria numa fase mais desenvolvida de apreciação do projecto, e não agora.”

Sobre a carta da Docomomo Internacional, André Ritchie frisou ontem que “está-se a levantar uma alegada ameaça ao património feita com base em pressupostos etéreos e que, verdadeiramente, não existem”.

“No pior cenário, e caso as dificuldades sejam de facto criadas no desenvolvimento do processo, os verdadeiros prejudicados serão os alunos e não a arquitectura moderna portuguesa, a qual todos nós respeitamos”, frisou o responsável.

O CPU discute hoje o projecto de expansão da EPM, que foi suspenso em Outubro do ano passado depois das críticas feitas pelo arquitecto Rui Leão relativamente à baixa distância entre a torre e os edifícios já existentes.

Caso IPIM | Uso de “powerpoint” por testemunha recebido com oposição da defesa

A sessão do julgamento durou toda a manhã, mas a primeira testemunha a ser ouvida em relação ao caso do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) pouco disse. Em causa, esteve a possibilidade de recorrer a “powerpoints”, uma prática admitida pelo tribunal por causa do volume das provas, mas contestada pela defesa

 

[dropcap]O[/dropcap] Ministério Público pediu para a primeira testemunha a ser ouvida em relação ao caso do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), um investigador do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC), poder usar powerpoint. O Tribunal Judicial de Base (TJB) acedeu ao pedido tendo em conta o volume das provas, deixando a avaliação sobre se a testemunha cumpria as regras para depois de iniciar o seu depoimento. Mas a defesa mostrou oposição.

O advogado Pedro Leal argumentou com o Código de Processo Penal, que explica que a testemunha é inquirida sobre factores de que tenha conhecimento directo e sejam objecto da prova, e com a necessidade de as respostas serem espontâneas e sinceras. Assim, observou que a testemunha deve responder às perguntas que lhe são colocadas ao invés de reproduzir em audiência o depoimento “preparado em casa”, apontando que o acesso constante ao “powerpoint” retira espontaneidade ao depoimento. Por sua vez, o advogado Rui Moura disse desconhecer se foi a própria testemunha a fazer o “powerpoint”, apontando a possibilidade de esta ir falar sobre algo elaborado por outra pessoa.

O Ministério Público defendeu que as testemunhas do CCAC fizeram investigação e “tiveram intervenção directa” no caso. E acrescentou considerar “prematuro” dizer que o depoimento é preparado já que “a defesa não sabe o que vem no powerpoint”. Assim sendo, observou que o ponto só deveria ser feito depois de se perceber se o suporte tecnológico induzia as respostas.

No entanto, já depois do aval do TJB, a testemunha mostrou vários documentos em “Powerpoint” enquanto foi questionada, e a defesa voltou a não se mostrar satisfeita. Álvaro Rodrigues, o advogado de Jackson Chang, apontou que a testemunha estava a “debitar” e que aparentava ter “um relatório na memória”. Durante a sessão, foi ainda apontado que na acusação não estão indicadas as folhas dos autos correspondentes.

Não é a primeira vez que o recurso a “powerpoints” enfrenta críticas. No caso La Scala, em 2013, foram expressadas preocupações idênticas.

Estadias inconsistentes

Apesar de ter passado pouco tempo a ser questionado, o investigador do CCAC indicou que quando a investigação começou, um dos elementos que levantou suspeita relativamente a pessoas que obtiveram residência temporária por pertencerem a quadros dirigentes ou especializados foi que apesar de alegarem viverem e trabalharem em Macau, os registos de entrada e saída “não batiam certo” com o horário de trabalho. De acordo com a testemunha, havia incongruências ao nível do tempo de permanência no território.

Ng Kuok Sao foi considerado o elemento comum entre casos por ter assinado contratos de trabalho. Fizeram-se buscas ao escritório da sua empresa, onde foi encontrada uma “grande quantidade” de dossiers sobre pedidos de residência. O investigador do CCAC indicou que apenas se conseguiu uma investigação mais profunda ao conjugar o que foi encontrado com dados do IPIM.

Além disso, foi encontrada uma caderneta bancária, cartões e códigos dos cartões, recibos de levantamentos e de depósitos. Dos documentos encontrados, foi possível estabelecer a ligação de pelo menos quatro indivíduos que pediram fixação de residência ao escritório do empresário.

A sessão terminou sem que a testemunha acabasse de ser questionada, já que o tribunal pediu para o processo se organizar de outra forma. A parte referente à associação criminosa será deixada para mais tarde, e a próxima sessão deverá focar-se em casos concretos.

Habitação económica | Multas reduzidas para metade

Um ano e meio depois, chegou ao fim a discussão da proposta de lei da habitação económica que deve ser votada em Julho. O novo texto enviado pelo Governo prevê uma redução de quase 50 por cento das multas por uso de fracções para fins não habitacionais e para os casos em que os membros do agregado passem menos de 183 dias por ano na casa

 

[dropcap]V[/dropcap]ão ser reduzidas praticamente para metade as multas previstas para punir os proprietários das habitações económicas que utilizem as fracções para uma finalidade diferente da original.

Foi esta a principal alteração introduzida no novo texto enviado pelo Governo sobre a proposta de lei da habitação económica que se encontra a ser analisada pela 1ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), que esteve ontem reunida.

Depois de na última reunião, que teve lugar no início de Maio, os deputados da Comissão terem considerado as punições demasiado pesadas e que havia margem para baixar, o Governo introduziu alterações ao texto no sentido de baixar consideravelmente o valor das multas a aplicar para o uso das fracções para finalidades não habitacionais e para os casos em que os membros do agregado passem menos de 183 dias por ano na casa atribuída.

Assim, de acordo com Ho Ion Sang, que preside à Comissão, ao invés de os proprietários serem penalizados com uma multa que podia ir de 10 a 40 por cento do valor da compra da habitação, caso esta seja arrendada, cedida de forma gratuita ou utilizada como armazém ou espaço comercial, os infractores serão agora punidos com uma multa entre os 5 e os 20 por cento do valor inicial da habitação.

“Na nova versão, a margem foi reduzida para 5 a 20 por cento do preço de venda inicial da fracção, ou seja, sofreu quase metade de redução”, confirmou o deputado.

Já para a punição dos casos previstos na proposta de lei em que os membros do agregado passem menos de 183 dias por ano na fracção, a margem da multa a aplicar foi reduzida de 10 a 30 por cento, para 5 a 15 por cento do preço de venda inicial.

Quanto à justificação para a redução da margem das multas a aplicar, Ho Ion Sang limitou-se a dizer que “existiram várias razões” do lado do Governo, sublinhando, no entanto, que a nova proposta de lei vem colmatar o facto de este tipo de casos não ser punido na actual lei, contribuindo assim para combater a especulação e em torno da habitação económica.

“As habitações económicas são sempre alvo de muita procura e há muitas pessoas que necessitam destas habitações. Quem consegue adquirir estas habitações têm de apreciar o seu valor (…), por isso, quem não respeitar a finalidade das habitações económicas deve ser punido. Além de procurar resolver as necessidades de habitação, outro dos objectivos desta proposta de lei passa por eliminar o carácter especulativo e de investimento da habitação económica”, explicou Ho Ion Sang, acrescentando que a Comissão não apresentou objecções às alterações avançadas pelo Governo.

Por fim, alinhados

Com a reunião de ontem, ficou concluída a análise da proposta de lei que teve início a 13 de Novembro de 2018, sendo esperado, segundo Ho Ion Sang, que o articulado seja votado em plenário no próximo mês de Julho.

O deputado referiu ainda que o Governo “fez um balanço genérico” da proposta de lei que é o resultado “de uma longa discussão onde todas as opiniões foram plasmadas”.

Recorde-se que a idade mínima dos candidatos à habitação económica foi um dos temas que mais dividiu os deputados, tendo ficado estabelecido que a idade para a apresentação de candidaturas individuais é de 23 anos, ao passo que as candidaturas de indivíduos em nome de um agregado familiar podem ser apresentadas a partir dos 18 anos. Isto, porque houve deputados a defender que a idade mínima para concorrer devia ser de 18 anos para ambos os casos.

Na proposta de lei, que aguarda ainda uma última verão a ser entregue pelo Governo para a Comissão elaborar o parecer final, consta ainda que o tempo de residência em Macau (pelo menos sete anos) e a proporção de residentes permanentes passam a contar para a pontuação das candidaturas e que em caso de empate, é dada prioridade aos candidatos com rendimentos mais baixos.

Apenas o candidato vai poder assumir a compra da fracção e, quanto à definição dos preços da habitação económica, este vai ser definido por despacho do Chefe do Executivo e terá em conta o prémio da concessão do terreno, os custos de construção e os custos administrativos. De referir ainda que as regras da nova proposta de lei só serão aplicadas a futuras candidaturas.

AL | Aprovadas alterações à importação de TNR

[dropcap]A[/dropcap] Assembleia Legislativa aprovou ontem na especialidade as alterações à contratação de trabalhadores não-residentes (TNR) que vão reforçar o papel das agências de emprego. A proposta foi votada sem debate, mas no final a deputada Ella Lei fez uma declaração de voto em nome da banca dos deputados apoiados pelos Operários a pedir protecção do emprego dos residentes.

“O aperfeiçoamento do mecanismo de importação de TNR contribui para a estabilidade social. Mas, há que salvaguardar a prioridade no acesso aos postos de trabalho dos locais e ainda resolver os problemas dos trabalhadores ilegais e dos TNR que desempenham trabalhos foram do âmbito do seu posto”, defendeu em nome de Leong Sun Iok, Lam Lon Wai e Lei Chan U.

Outra proposta aprovada por unanimidade foi o diploma que vai permitir pagar horas-extra aos agentes de segurança, quando ultrapassarem as 44 horas semanais de trabalho. O diploma vai agora ser discutido na especialidade, mas o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, recusou, para já, a ideia de uma grande revisão na forma como os agentes são pagos.

“Estamos numa altura de epidemia e não é a melhor fase para discutir este tipo de aumentos. O Governo já utilizou 40 mil milhões de patacas com a vida da população e é esta a prioridade. […] No futuro, poderá haver alterações, se os agentes tiverem mais trabalho e houver menos pessoas a trabalhar, mas para isso também tem de haver consenso social”, explicou.

Ontem foram também aprovadas na especialidade, por unanimidade, as alterações ao regime que vai regular o curso e estágio de formação para ingresso nas magistraturas judicial e do Ministério Público.

Quarentena | Deputados apelam a condições de circulação mais fáceis entre Macau e o Interior

[dropcap]V[/dropcap]árias forças políticas na Assembleia Legislativa (AL) querem que o Governo aumente a quota diária de residentes de Macau que podem entrar em Zhuhai sem serem obrigados a cumprir quarentena. Actualmente, há 1.000 quotas diárias e as marcações são feitas online. No entanto, ontem em plenário, vários deputados apontaram que o número não é suficiente e ressalvaram que em Macau não se registam casos de covid-19 há mais de 70 dias e em Zhuhai há mais de 50 dias.

Wong Kit Cheng, legisladora apoiada pela Associação Geral das Mulheres, foi a primeira a queixar-se das actuais condições de circulação. “Há apenas mil quotas por dia para marcação prévia on-line, e a concorrência é muito forte, pois esgotam-se num instante. Isto demonstra a grande necessidade dos residentes locais quanto à entrada e saída do Interior da China, necessidade que não consegue ser satisfeita com o actual número de quotas”, criticou a deputada.

A opinião foi comum a outras forças tradicionais. A mesma crítica foi apontada por Mak Soi Kun, deputado ligado à comunidade de Jiangmen, e Ella Lei, legisladora dos Operários.

Lei indicou mesmo que alguns residentes ficaram impedidos de se despedirem de familiares em funerais, por não terem vaga para passar a fronteira. “Segundo um residente, a sua avó faleceu recentemente depois de ficar doente, e os seus familiares querem deslocar-se quanto antes a Zhuhai, mas não conseguem vaga, de modo algum”, relatou a deputada.

Privilégio TNR

A questão não ficou por aqui, os legisladores apontaram ainda o dedo às autoridades de Macau por entenderem que existe tratamento discriminatório entre residentes e trabalhadores não-residentes, com os últimos a poderem circular entre Macau e o Interior, sem quarentena. José Pereira Coutinho, deputado da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), foi o mais crítico neste aspecto.

“Estas famílias [desfavorecidas de Macau] não percebem, por exemplo, que grau de cientificidade e lógica têm as autoridades sanitárias adoptado para permitir que os trabalhadores não residentes possam todas as semanas entrar e sair de Macau, deslocando-se para quase todos as províncias do Sul da China, incluindo a cidade de Cantão, e os residentes de Macau estejam privados de se deslocarem a Zhuhai?”, atirou. “Será que a covid-19 só ‘ataca’ os residentes de Macau e os trabalhadores não residentes estão imunes ou ‘vacinados’?”, questionou.

As medidas fronteiriças de circulação na província de Guangdong são responsabilidade do Governo Central e das autoridades de Guangdong.

Au Kam San pediu à polícia para não espezinhar direitos dos cidadãos

Após ver a vigília sobre o massacre de Tiananmen proibida e as duas filhas detidas, o democrata acusou a polícia de esconder elementos das decisões dos tribunais para produzir acusações contra cidadãos. Além disso, avisou que a má-fé pode levar a violações de direitos humanos

 

[dropcap]O[/dropcap] deputado Au Kam San acusou a polícia de agir com má-fé nas interpretações que faz da Lei de Reunião e Manifestação e pediu às autoridades para não espezinharem os direitos garantidos aos cidadãos de Macau pela Lei Básica. As declarações foram prestadas na Assembleia Legislativa (AL), depois do legislador ter visto a vigília que organiza anualmente em memória das vítimas do massacre de Tiananmen proibida e as duas filhas detidas.

Primeiro, o deputado explicou uma decisão de 2011 em que o Tribunal de Última Instância (TUI) julgou que mesmo que um pré-aviso de manifestação só esteja assinado por uma pessoa, quando deve estar assinado por três, que uma actividade com este cariz não pode ser impedida. Terá sido nesta decisão que o Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) se “inspirou” para declarar que até uma pessoa pode ser uma manifestação.

Traçado o cenário, Au Kam San acusou a polícia de esconder informação só para produzir acusações: “Obviamente, a intenção do tribunal nesta decisão foi aplicar princípios jurídicos para proporcionar protecção, para que mesmo só uma ou duas pessoas pudessem exercer o direito de se manifestar ou reunir”, defendeu. “Mas, a polícia recorreu à decisão do tribunal para acusar pessoas, que não tinham intenção de reunir-se ou manifestar-se, de incumprimento do aviso prévio, e deu a explicação espantosa de que ‘é considerada reunião ilegal mesmo que seja apenas uma pessoa’, ignorando e escondendo intencionalmente alguns elementos que o tribunal considera necessários para se considerar tratar-se de reunião ou manifestação, como gritar slogans, exibir faixas e falar em público”, criticou.

Perante esta conduta, o deputado deixou ainda um aviso: “A violação de direitos humanos através de leis que protegem os direitos humanos é produto da interpretação da lei com má-fé por parte dos executores da lei”, alertou. Au acrescentou depois que esta conduta das autoridades “não conduz à harmonia social e espezinha os direitos básicos da população consagrados na Lei Básica”.

A vigília proibida

Se por um lado, Au Kam San nunca mencionou o caso em que as suas duas filhas foram protagonistas, por outro, não se coibiu de criticar a decisão de proibir a vigília em memória do massacre de Tiananmen apontando ter existido má-fé. “Isto ficou comprovado quando a polícia não autorizou a vigília do 4 de Junho da União de Macau para o Desenvolvimento da Democracia, e até os órgãos judiciais, que são sempre mais imparciais e independentes, concordaram, devido ao seu juízo político, com as justificações totalmente irrazoáveis da polícia, distorcendo a finalidade da vigília e classificando-a como ‘concentração de pessoas’”, atirou.

O deputado focou ainda as atenções no pré-aviso de manifestação, que considerou poder ser utilizado como forma de reprimir manifestações indesejadas e acusar os visados com o crime de desobediência qualificada.

Este ponto sobre o pré-aviso mereceu o apoio do também democrata Sulu Sou, que contestou a forma como a polícia exige este procedimento, que em muitos casos não é uma obrigação, como aconteceu com a entrega de petições ao Governo.

O deputado apoiado pela Associação Novo Macau criticou ainda o CPSP, pelas justificações apresentadas depois de 4 de Junho em que era apontado, como forma de acalmar a população, que as acusações só resultam em condenações depois de passarem pelos órgãos judiciais. “Perante a indignação do público suscitada naquela noite, a Polícia veio tranquilizar os cidadãos, afirmando que ‘o resultado final depende dos órgãos judiciais’, o que é uma treta, pois o alvo das críticas é precisamente a interpretação distorcida e o mau julgamento da polícia, que originou um mau começo”, considerou.

Covid-19 | Re-industrialização portuguesa conta com o investimento chinês 

João Marques da Cruz, presidente da Câmara de Comércio Luso-Chinesa, defende que a economia portuguesa irá atravessar um período de re-industrialização devido à crise causada pela covid-19. Nessa mudança, a China diz-se disposta a apostar em “investimentos de raiz”. Num seminário onde o tema foi debatido, o embaixador da China em Portugal, anunciou a criação de mais um Instituto Confúcio no país

 

[dropcap]C[/dropcap]omo vão ser as relações entre a China e Portugal depois da pandemia? Esta foi a pergunta a que João Marques da Cruz, presidente da Câmara de Comércio Luso-Chinesa (CCLC), e Cai Run, Embaixador da República Popular da China (RPC) em Portugal, tentaram responder num seminário online promovido pela CCLC que decorreu na última sexta-feira.

O mote foi lançado por João Marques da Cruz, que defende que a economia portuguesa vai passar por um processo de re-industrialização, fruto de uma nova globalização, graças à covid-19.

“Esta nova globalização vai permitir um processo de re-industralização de Portugal. Acredito que o peso no Produto Interno Bruto português no sector indústria será superior ao que é hoje, ou antes do vírus, e a RPC é um grande parceiro nesta re-industrialização”, frisou o responsável.

Lembrando o papel que a China teve na recuperação da economia portuguesa há alguns anos, quando foram feitos investimentos nos processos de privatização de empresas públicas, como foi o caso dos investimentos do grupo Fosun na REN e na compra da seguradora Fidelidade, entre outros exemplos.

“Na fase seguinte, estamos a falar de investimento produtivo novo. Não se trata de comprar empresas, mas de investir para criar empresas que sirvam os mercados globais, baseadas em Portugal. Acredito que a RPC tem grande capacidade para ser um parceiro com empresários portugueses para a criação de empresas.”

João Marques da Cruz acredita que na possibilidade de surgirem mais investimentos importantes “no sector de infra-estruturas, quer sejam portuárias ou ferroviárias”. O dirigente considera “a Europa aposta muito no reforço da ferrovia e a RPC é um país fortíssimo em termos de ferrovia, tem uma grande rede de alta velocidade, além de ser grande fabricante de comboios modernos”.

Investimentos de raíz

Cai Run, Embaixador da China em Lisboa, não só concordou com João Marques da Cruz como anunciou novos conceitos-chave para a cooperação sino-portuguesa. Esta deve fazer-se “andando sobre os dois pés” e com aposta em investimentos de raiz por parte das empresas chinesas. Para a China, já não basta investir em privatizações.

“Deve-se andar sobre os dois pés ao realizar a cooperação ao nível do investimento e indústria em Portugal”, disse Cai Run, que apresentou duas explicações para esta expressão.

“[Vamos] continuar a encorajar as empresas chinesas a desenvolver cooperações de investimento e indústria em Portugal, no sentido de obter mais oportunidades e mais espaço de desenvolvimento para a própria empresa, e para dar mais contributos para o desenvolvimento sócio-económico de Portugal.”

Ao mesmo tempo, “as empresas portuguesas são bem-vindas a investir e a abrir negócios na China, na medida em que a China promove activamente a reforma e abertura, amplifica o seu acesso ao mercado e aprimora de forma consistente o ambiente de negócios”. Por isso, defende Cai Run, “as empresas portuguesas terão mais oportunidades na China”.

Para o embaixador, é importante que as companhias chinesas realizem “investimentos de raiz”, para “abrir fábricas ou centros de investigação, formação e serviços em Portugal, de maneira a tornar mais robusta a cooperação e o desenvolvimento industriais”. “Serão encorajados mais investimento deste tipo”, acrescentou.

Uma vez que “as estruturas económicas e industriais de todos os países vão sofrer um ajuste profundo” com a pandemia, Cai Run acredita que “a cooperação no investimento e indústria entre a China e Portugal enfrenta desafios e oportunidades”. A mudança de paradigma, faz-se sentir, “particularmente, neste momento em que a China está a elevar o nível geral da sua abertura ao exterior e a ampliar o seu acesso ao mercado, levantando algumas restrições”. Além disso, “a parte portuguesa também está a iniciar o seu processo de re-industrialização, pelo que haverá novas oportunidades”.

Olhar para fora

São frequentes as declarações sobre o facto de as relações sino-portuguesas atravessarem, neste momento, a melhor fase em termos históricos. Em 2019, celebraram-se os 40 anos do estabelecimento das relações diplomáticas e as autoridades dos dois países expressam sempre a existência de uma boa relação bilateral.

Mas em tempos de pandemia, é importante olhar também para um mercado que é muito importante para a China: o dos países lusófonos.

Desta forma, Cai Run destacou, não só no âmbito da cooperação bilateral, mas também da política “Uma Faixa, Uma Rota”, o quão importante é apostar em relações trilaterais. Deve haver um “aproveitamento das vantagens”, pelo que “China e Portugal têm incentivado as suas empresas a desenvolverem cooperações trilaterais voltadas para os países lusófonos e explorarem juntos os mercados desses países”.

“As cooperações nas áreas da energia, electricidade, seguros e finanças já produziram um conjunto de resultados consideráveis”, acrescentou Cai Run.

Apesar de a pandemia ter levado à estagnação de muitos investimentos, incluindo no âmbito da política “Uma Faixa, Uma Rota”, a China promete não baixar os braços.

“É importante que as rotas terrestre e marítima assumam um papel significativo na construção de ‘Uma Faixa, Uma Rota’. A cooperação pragmática sino-portuguesa nas mais variadas áreas registou avanços fundamentais. A parte chinesa empenha-se na construção de ‘Uma Faixa, Uma Rota’ em conjunto com a parte portuguesa. Os dois lados são bons parceiros e participantes.”

Cai Run destacou os contactos feitos entre o Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, e o Presidente chinês, Xi Jinping. O Embaixador falou também do facto de Portugal ter sido “o primeiro país atlântico europeu a assinar um memorando de entendimento para a construção conjunta de ‘Uma Faixa, Uma Rota’ com a China, além de ter sido “o primeiro países da zona Euro a emitir obrigações em renmimbi”.

Mais um Instituto Confúcio

Outro ponto debatido no seminário online prendeu-se com a cooperação ao nível da educação. Cai Run destacou o facto de hoje serem cerca de 40 as universidades chinesas que ensinam português, além de haver uma ligação na aprendizagem das línguas portuguesa e chinesa no ensino pré-universitário. Os números do intercâmbio de alunos no ensino superior são também significativos, destacou o Embaixador.

“Quando assumi este cargo o número de estudantes chineses nas universidades portuguesas eram apenas 260, e este número subiu para 2.900. Os estudantes chineses a estudar nas universidades portuguesas vão ser cada vez mais”, declarou.

Cai Run anunciou ainda a abertura de um novo Instituto Confúcio em Portugal. “Há cada vez mais alunos a aprender a língua chinesa nestes cinco Institutos Confúcio. Estamos a trabalhar para abrir mais um Instituto Confúcio a sul do Tejo, para facilitar a aprendizagem da língua chinesa dos portugueses”, rematou.

Competitividade Global

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 18, a comunicação social divulgou o relatório do Swiss Lausanne International Management Development Institute (IMD) sobre Competitividade Global em 2020. Nos cinco primeiros lugares encontram-se Singapura, Dinamarca, Suíça, Holanda e Hong Kong. Taiwan surge em 11º lugar e a China em 20º.

O IMD foi fundado em 1990. Não é uma Universidade, mas desenvolve cursos que conferem o grau MBA, muito bem cotados a nível internacional. Para elaborar este relatório, o IMD recolhe dados de duas formas diferentes. Primeiro, junto de instituições reconhecidas mundialmente, como o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, etc. Dois terços dos dados analisados no relatório são recolhidos através destas instituições. Em segundo lugar, as equipas de investigação do IMD enviam todos os anos questionários aos chefes executivos de instituições de renome internacional, e os resultados deste levantamento representam um terço dos dados do documento. O IMD avalia 63 países e regiões e é publicado anualmente no mês de Maio. Este documento é tido em consideração por Governos, empresas internacionais e instituições académicas.

O relatório deste ano inclui dois pontos dignos da maior atenção: primeiro, a classificação não reflecte na totalidade o impacto da pandemia nos diferentes países e regiões, o que é compreensível visto a infecção ter surgido em Dezembro de 2019. Nessa altura, já o Relatório estava a ser preparado. O impacto da pandemia deve vir reflectido no Relatório de 2021. Em segundo lugar, os países e regiões que ocupam os cinco primeiros lugares, são pequenos. Devido a este factor, é-lhes mais fácil obter consenso social, o que resultou numa vantagem óbvia quando se tratou de lidar com a epidemia e de contabilizar os riscos globais.

A situação de Hong Kong pode ser considerada mista. Hong Kong aparece em quinto lugar, mas é a primeira vez nos últimos cinco anos em que não está entre os três primeiros. O principal motivo prendeu-se com a queda do desempenho económico, que passou de ocupar o 10.º lugar a nível mundial em 2019, para se situar em 28.º em 2020. Os inquiridos também manifestaram alguma preocupação a propósito da revisão da Lei de Extradição. Mas, graças à legislação comercial e à eficácia do Governo, subiu de segundo lugar para primeiro na avaliação da moldura administrativa, e de 19.º para 1º, no que respeita à estabilidade cambial. Quanto à eficácia comercial permaneceu em segundo. Estes factores positivos estabilizaram a posição de Hong Kong.

O relatório tem ainda outra imprecisão, ou seja, não toma em conta a proposta da “Lei de Segurança Nacional – na versão para Hong Kong” aprovada em Maio de 2020. Esta questão só vai ser analisada em detalhe no documento de 2021.

A partir destes dados, podemos facilmente chegar à conclusão de que Hong Kong ocupa a quinta posição devido, principalmente, à legislação comercial, à moldura administrativa, à estabilidade cambial e à eficácia do Governo, entre outros factores. É óbvio, que estes factores estão relacionados com o sistema social enquanto um todo. Por outras palavras, o sucesso de Hong Kong depende de uma série de boas práticas que sempre existiram. Desde que estas boas práticas se mantenham e se optimizem, Hong Kong continuará a subir de posição.

A principal razão para a descida de Hong Kong foi o decréscimo económico, o que não é difícil de entender. Seria de estranhar se as manifestações violentas, que continuaram a ocorrer na segunda mentade de 2019, não tivessem um impacto sócio-económico. Logo a seguir a todos estes distúrbios surgiu a pandemia, que também afectou grandemente a economia da cidade. Hong Kong foi ainda vítima da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, que apesar de tudo está actualmente amenizada devido ao sucesso das primeiras negociações. Em presença da simultaneidade destes três factores, como é que a economia de Hong Kong não poderia ter sido afectada?

Não nos esqueçamos que o relatório não toma em linha de conta a “Lei de Segurança Nacional – na versão para Hong Kong”. O Congresso Nacional do Povo Chinês vai ajudar em breve Hong Kong a promulgar esta lei.

Os conteúdos da lei vão influenciar, não apenas a China mas também Hong Kong. De momento, é difícil avaliar o impacto que vai ter na economia da região.

A classificação do documento reflecte a opinião da maioria das pessoas sobre competitividade. Claro que uma boa posição resulta em confiança e a confiança é um indicador de competitividade. É inegável que actualmente Hong Kong atravessa momentos difíceis. A descida de posição é um sinal da queda de competitividade. Se a população não fizer um esforço conjunto para que as condições melhorem, esta posição continuará a cair, o que significa que a competitividade irá diminuindo gradualmente.

O desenvolvimento económico requer um ambiente estável. O ambiente estável é criado por todos. O relatório dá um alerta à população de Hong Kong Hong, no sentido de reconquistar a estabilidade para que a economia volte a crescer. Hong Kong não pode perder o comboio. Só prosseguindo em frente com determinação, pode voltar a brilhar. E só quando voltar a brilhar, poderá Hong Kong afirmar com orgulho “Sou a Pérola do Oriente”.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

A Abertura Solene

[dropcap]A[/dropcap] Abertura Solene Para o Ano de 1812 em Mi bemol Maior, Op. 49, conhecida por Abertura 1812, de Tchaikovsky, tornou-se uma das obra mais populares do compositor, em conjunto com os seus ballets O Quebra-nozes, A Bela Adormecida e Lago dos Cisnes. A abertura comemora o fracasso da invasão francesa da Rússia em 1812 e a subsequente devastação do “Grande Armée” de Napoleão. De carácter altamente nacionalista, é também conhecida pela sua sequência de tiros de canhão que é, em alguns concertos ao ar livre, executada com canhões verdadeiros.

Foi encomendada a Tchaikovsky pelo director de concertos da Sociedade Imperial Russa e amigo e mentor do compositor, Nicolai Rubinstein, tendo em mente os 25 anos da coroação do Czar Alexandre II, em 1881, e a abertura da Exposição Universal das Artes e Indústrias em Moscovo, em 1882. A abertura da Exposição coincidiria também com a consagração de uma nova catedral cristã ortodoxa, a Catedral de Cristo Salvador, mandada erigir pelo Imperador Alexandre I para comemorar o fracasso da invasão, em honra dos soldados russos mortos, situada a algumas centenas de metros a sul do Kremlin, e que levou mais de 40 anos a construir. A catedral, que ostentava um sino gigante de 24 toneladas, seria apenas inaugurada no dia 26 de Maio de 1883, com a coroação do Imperador Alexandre III, sendo dinamitada em 1931 por ordem de Stalin, por ser um símbolo do Czarismo, para dar lugar ao colossal Palácio dos Sovietes, que iria albergar o Soviete Supremo da URSS, o maior edifício do mundo, mas cuja construção não chegaria a ser concluída, devido à invasão alemã em 1941. A igreja foi reconstruída a seguir à dissolução da União Soviética, entre 1995 e 2000, à semelhança da original.

Embora não apreciasse particularmente este tipo de encomenda, como confessou numa carta à sua patrona Nadezhda von Meck, Tchaikovsky aceitou-a e começou a trabalhar no projecto em Outubro de 1890, concluindo-o em seis semanas.

Napoleão era um general temido e o exército francês era considerado imbatível. Em 1812, a França invadiu a Rússia na tentativa de forçar Alexandre I a entrar no delicado sistema de alianças de Napoleão e, mais especificamente, aderir ao Bloqueio Continental. Todavia, a Campanha da Rússia terminou na retirada do exército francês. Complicações da campanha, como por exemplo o alongamento das linhas de suprimento e a presença de um exército imperial russo cada vez maior e melhor preparado, resultaram na destruição do exército, que de 600.000 homens, foi reduzido a 40.000. Alguns russos consideraram mesmo que houvera uma ‘intervenção divina’ a favor da Rússia.

A Abertura 1812 começa com um coro inspirado no hino Deus ajude o vosso povo, da Igreja Ortodoxa Russa e baseia-se no antagonismo entre a vitória francesa inicial e a posterior revanche russa, contrapondo o hino da Rússia e o hino da França. Este país é musicalmente representado pelo tema de La Marseillaise, hino da Revolução Francesa. A vitória russa posterior, no mês seguinte, é representada por um diminueto do hino czarista Deus Salve o Czar e é seguido pelo sonoro troar de canhões. A obra inclui ainda fragmentos do folclore russo e temas religiosos.

Após a Revolução dos sovietes e a consequente extinção do hino czarista, a abertura sofreu modificações, sendo o tema original substituído pelo coro final da ópera Ivan Susanin, de Mikhail Glinka, cujo nome original é “A Vida pelo Czar”, modificação também realizada por ordem do regime soviético.

Na sua forma completa, a peça é executada por coro, orquestra sinfónica e banda militar com o auxílio de peças de artilharia e carrilhão. Em execuções em salas fechadas, costuma-se substituir os canhões por tímpanos (tambores), a fim de se obter um efeito semelhante ao do disparo das peças.

A abertura foi estreada em Moscovo no dia 20 de Agosto de 1882, dirigida por Ippolit Al’tani debaixo de uma tenda levantada perto da inacabada Catedral de Cristo Salvador.

Tchaikovsky em pessoa dirigiu a obra na cerimónia de consagração do Carnegie Hall em Nova Iorque, uma das primeiras vezes que um compositor europeu importante visitou os Estados Unidos. Curiosamente, tornou-se também um acompanhamento frequente de exibições de fogo-de-artifício no Dia da Independência dos Estados Unidos.

Sugestão de audição:
Pyotr Ilyich Tchaikovsky: 1812 Overture in E-flat minor, Op. 49
Ochestra of the Mariinsky Theatre, Valery Gergiev – Mariinsky, 2009

A morte de Empédocles

[dropcap]S[/dropcap]e dúvidas existem, devemos no entanto considerar envenenados os elementos, e mais que todos, o Ar, essa mistura gasosa que nos cerca, e por que nem sempre o leve se mantém ligeiro, devemos respirar com a parcimónia dos condenados os ares do mundo, que parecem munidos de um salvo- conduto letal para as nossas transfusões vitais. Longe… perto… na rota dos ventos não há distância! Em todo o circuito respirável imbuído que foi de devastações ambientais como aquele de um continente a arder, de camadas de ozono que nem o Diabo poria ali algum mais fresco enxofre, nós, resistimos muito àquela «improvável leveza do ser». Hoje não! E não vale a pena andar-se atrás do rastilho viral que está muito para além daquilo que se busca, e muito ainda aquém da sua trágica eficácia.

Este é também o título da bela obra poética dramatúrgica de Holderlin, e toda ela se reveste dos elementos essenciais para produzir entendimento entre as fronteiras da vida e da morte, das funções que equilibram, ajustam, e desequilibram os sistema contendo todo o apreço do autor pela cosmogonia de um homem que tinha a aura dos mitos. Focando-se na tragédia, toda ela é quase infinita e ocupa em nós um estranho oxigénio que deixámos há muito de saber respirar, é uma versão consentida de um círculo incomum fechado aos nossos saberes. Holderlin com esta sua obra transborda para além dos conflitos pessoais com a própria personagem e sustenta-a numa viragem de ciclo histórico, um fim de uma era, uma outra consciência social, neste caso, assente na radical passagem que foi a Revolução Francesa de que sentia espiritualmente próximo, por isso é também uma redefinição de ciclos trazendo para a esfera do seu presente os elementos imutáveis para a continuidade. E ele só se assemelha à tragédia grega enquanto reposição de uma fonte de energia que faz o herói suicidar-se por sacrifício, e não por autoanálise de um mal provocado pelo seu orgulho diante das forças naturais, e é a essa necessidade de repor uma ordem violada pela soberba que está aqui como o suicídio de Empédocles. O diálogo não é com a Cidade, mas com as forças todas da vida – não há ordens dadas – há talvez uma consciência muito poética de que não se pode romper os equilíbrios orquestrados por um todo que nenhum ser por si domina- bem pelo contrário, nele só deve influir para que não se rompa. Este elemento expiatório dá à morte uma noção de qualidade que não herdámos, ela não se encontra separada das suas consequências e porquanto não houver essa noção de um princípio inefável que penetre a vida, todas as coisas terão sucessivamente de pôr e repor estas passagens.

Diante de mudanças com características tamanhas, poder-se-ia pensar que “abrir” será voltar ao mesmo – mas não-! Qualquer abertura que resulte daqui será também o requalificar de muita coisa, pois que nada fica estático no ponto onde foi deixado, e, mais que deixado, amargamente abandonado por um mundo que ainda se crê detentor de algum poder que já não tem. A morte de um taumaturgo que fora o mundo não será de fácil reposição (nem os mais simples cadáveres são despedidos sem lágrimas) mas ao criarmos campos de confinamento involuntário ganhámos um tempo precioso para repor alguns equilíbrios. Os elementos continuam intactos na doutrina de Empédocles, e, não viajamos com eles em esquadrão de mortes anunciadas, e também ele, fez tratados contra graves epidemias, foi médico, homem de muito saber, pois que todos eles no tempo em que o foi eram tão unidos como o primeiro mundo esquecido onde deixámos a harmonia. Holderlin, por seu lado, foi todo ele um poeta, e foi por o ter sido, que uniu estas difíceis malhas que só os que mergulham fundo nas suas águas sabem como ficam os olhos dos que renascem. Nenhuma consciência será válida sem esta grande limpidez, nem saciadas as sedes dos ódios alheios, nem do amor terreno, pois que são forças que existem para se manterem perto e sequencialmente separadas. Que não transborde nenhuma que o sacrifício de cada um não possa agora sarar, que neste momento, elas perderam o verdugo das suas eloquências debaixo de um trajeto incerto e improcedente perante o destino das coisas.

Empédocles escreve em verso «Purificações» que seria um intróito do outro grande verso «Sobre a Natureza» parece dizer-nos purificações naturais, ou tão somente uma forma natural de purificar… e há, como era de esperar uma conduta moral a ser talhada, e quando todos os elementos, incluído o Fogo que nos entrou pelas pupilas adentro nestes últimos anos, e as Águas condessadas em forma de grandes gôndolas escorreram para o mar, e a terra em grandes pastagens de gado alimentício feitas paredes sem portas, olhámos para a saída, o Ar penetrou-nos numa síntese grandiosa e invisível reclamando a nossa morte.- Que nós, mortos não estamos, pois que escrevemos ainda estas coisas- mas os que escreveram aquelas outras, estão, e os que nada escreveram, também, e os que virão para o fazer, também não deixarão de nascer e provavelmente ainda de morrer. Por nós, o tempo estreito, por eles, que sejam grandes as suas vidas e recolham aos unidos elementos onde segundo alguns o amor nasceu e a Terra não ainda fora sequer sonhada.

«O Boi Mudo da Sicília» poderia ser agora Empédocles (ambos sicilianos, São Tomás de Aquino) ou o presente colapso mental falando por nós da paga e da repaga desta conspirativa prática de um viver que nos leva ao desastre- que viver- é o belo desastre que nos sobra, enquanto as malhas das periferias de tal estado não se desboroam… Agora mesmo o sol me diz que a sua luz é inflamatória, e toda esta superfície um buraco gigante que não irá melhorar nos dias próximos. Quem vai melhorar são os nascituros, os neófitos, esses que fabricaram órgãos novos, visões maiores, capacidades acrescidas, depois, colocados que serão num tubo de ensaio, far-se-á uma cobertura em volta do eixo da Terra para um novo começar com o filtro necessário para não deixar passar o que agora aqui se encontra: “bem sei, os homens inflamam-se como a erva seca” «Morte de Empédocles».

Na fronteira de nada

[dropcap]A[/dropcap]ndreza Bach é uma jovem escritora (32 anos) do Rio Grande do Sul, mais precisamente de Jaguarão, pequena cidade que faz fronteira com a cidade uruguaia de Rio Branco e berço de um dos maiores escritores brasileiros, recentemente falecido, Aldyr Garcia Schlee. Escritor com o qual a jovem Bach dialoga num dos capítulos deste seu romance «Duas Horas Por Um Corpo», mais precisamente com o monumental «Don Frutos», cuja acção se passa também em Jaguarão. Mas os livros apesar de mostrarem a solidão humana são diametralmente opostos. O romance de Schlee mostra-nos um território em que a fronteira se esbate. O conceito de fronteira perde o seu significado, assim como as diferenças linguísticas, além de que o romance de Schlee nos remete para um período muito anterior ao dos nossos dias. «Duas Horas Por Corpo» é um romance que nos mostra a impossibilidade de esbater fronteiras, diferenças de língua, e centra a narrativa nos dias de hoje.

É preciso fazer aqui uma descrição, ainda que sumária, deste território onde tudo se passa, Jaguarão. É um município brasileiro que faz fronteira com Rio Branco, cidade do Uruguai. Entre estas cidades fronteiriças há uma ponte antiga, de pedra, inaugurada em 1930, à qual por brincadeira muitos chamam ponte romana e que todos atravessam para cá e para lá sem qualquer necessidade de documentos, como se os estrangeiros fossem os melhores vizinhos. Melhores do que os territórios brasileiros mais próximos. Pois é comum os jaguarenses atravessarem a ponte a pé e irem jantar ao Uruguai, ou apenas para fazerem algumas compras, «onde as taxas dos produtos importados não nos arrancam a pele como no lado de cá da ponte», segundo Andreza Bach. Mas o livro da escritora tem como horizonte o indivíduo e não o colectivo. O que subjaz a «Duas Horas Por Um Corpo» é a solidão da jovem mulher Maíra, 30 anos, que trabalha nos correios da cidade e vive sozinha na casa antiga que herdou da avó.

O livro começa assim: «Assim que nos afastamos de Jaguarão, na direcção de Pelotas, o horizonte fecha-se completamento no azul suave do céu e no branco macio das nuvens. Conduzir por essa estrada é o modo de Maíra afastar de si a solidão. Contrariamente aos seus conterrâneos, evita atravessar a ponte para o Uruguai, para Rio Branco. Sente que, tal como ela mesma em relação aos outros, Jaguarão faz fronteira com o nada.

Não que Rio Branco seja desinteressante, pelo menos não é mais do que Jaguarão ou qualquer outra terra do interior, mas porque nada muda dentro dela ao atravessar a ponte. E Maíra pensava «ao atravessar-se uma fronteira, o mínimo que se exige é que nos faça sentir outra.”» Ao longo do romance percebemos que Maíra é uma mulher que aos 19 anos teve um aborto espontâneo, de um homem que já havia desaparecido.

Percebemos o quanto esse momento foi decisivo na vida dela. Nunca mais se entregou a quem quer que fosse. Escreve, Andreza Bach, pelas palavras de Maíra para uma colega de trabalho, enquanto tomam um chopp depois do trabalho: «Se eu fosse outra pessoa e soubesse de mim o que sei, julgas que confiaria em mim?… Não precisas de responder, eu mesma respondo: Claro que não! E olha que eu não me considero uma má pessoa. Não achas que isto é argumento suficiente para não confiar em ninguém?»

Maíra passava grande parte do seu tempo livre a escutar música. E era das inúmeras canções que escutava, que retirava a matéria com que pensava. Das canções e da sua propensão para reflectir sobre o que via e sentia. Desde muito cedo, aprendeu inglês, e passava grande parte do tempo no youtube descobrindo canções nessa língua muito além do português e do espanhol, com que vivia no dia a dia. Havia uma canção em particular de que gostava muito: «To Be With Others», de uma cantora canadiana, de origem russa, Michelle Gurevich. Muitas vezes, sozinha na rua, cantava o refrão: «To be with others / The need to be with others / For just a couple of hours / To be with others / Without destroying ours». Escreve Bach: «Sentia nessa música, e na voz da cantora, um conforto existencial que só encontrava paralelo com os momentos de condução na estrada para Pelotas. Mas ao conduzir tinha tudo: o horizonte azul e branco da estrada e a música dentro de si e dentro do carro. Era feliz. Apesar de ver todos os humanos, cada um como fronteira de nada, apaziguava-se com a necessidade de precisarmos de um outro corpo além do nosso, por duas horas.

A consciência dessa necessidade era uma libertação. Libertava-nos do amor para sempre. Libertava-nos da mentira.»

Andreza Bach conduz-nos ao longo das quase duzentas páginas por um universo singular, «destruindo as ilusões dela, uma a uma, como se fossem um caminho que era preciso apagar, ao mesmo tempo que iluminava as bermas, o que até ali parecia existir apenas para não se ver ou esquecer.» Evidentemente, o caminho que Andreza Bach apaga não é o de Maíra, mas o nosso. Resta-nos a nós esforçarmo-nos por ver a beleza das bermas.

O canto do vale

[dropcap]A[/dropcap]travesso nele um olhar, de passagem por aquele seu estar sem tempo, nem mesmo realmente, lugar. Vindo, simplesmente, e tornando a vir em cada olhar. De vez em quando, preciso de ouvir esse canto do vale. E de cada vez que o poiso no chão, ecoam sinos.

Com a oxidação da distância que já tinha em si, e do tempo que acrescentou. Cada vez mais escuro. Da idade, do metal e do ar. Só das vozes que depois lhe povoam o vazio interior, nada diz. Objecto discreto e sóbrio, apagado como o são os que escondem um segredo. Que se escondem ou atraem um olhar e escolhem. Há um brilho secreto e metálico, escondido nas terrosas oxidações antigas, relações criadas entre elementos e siglas misteriosas na tabela periódica. Como na vida, mas mais definidas em cor e saturação.

Uma luz abafada por uma capa de silêncio. Mas que esconde uma voz. Uma sonoridade estranha no chão da casa onde chegou há muitos anos. O canto do vale, um ecoar de longitude. Como um búzio enorme que se cala. E como a um búzio, objecto-lugar, encosto-lhe o ouvido.

Penso porque anseiam as palavras ir longe. Porque queremos trazer o longe perto, fazer o perto longínquo, o que existe habitar o que não existe e o que não existe alargar paisagem no que existe. Horizonte tão impermanente como tudo e tão relativo como mais nada. O fugidio e adaptável horizonte. Linha que se recompõe em cada passo dado. Que se afasta na mesma proporção em que é perseguida. Ouve-se nos búzios o mar pela recordação. Um resto de mar que ecoa para sempre de uma saudade. Ou seria um ruído cósmico talvez mais abstracto e amplo. O desconhecido muito, que nos cerca.

Um cântaro de Bhaktapur. Ali na penumbra ao virar, num canto da cozinha, olho-o e não acendo a luz para não perturbar as vozes. Objecto aprisionado. De outro tempo, de um lugar distante e de uma praça onde me sentei. Ao dobrar uma outra esquina, a sombra recortada como filigrana enegrecida, da torre de madeira ao sol inclemente. Como o negativo de uma jóia. Ele, de cobre escurecido pelo tempo e beleza soturna. Algumas cicatrizes de solda em metal alheio, marcas de ferimentos de uma vida real. E sempre um pouco baço de pó. Como uma saudade da água.

Essa água e a água sugada a custo de terra ressequida, palmilhados quilómetros em peregrinação, por esses noventa por cento de água, com que saímos do útero materno, mas já não constituem o magro corpo nem do caminhante infantil. Sem filosofia nem escola, em busca da homeostasia. O utópico equilíbrio da água, corporal, total. A água fala mais alto e de mais longe, do corpo. É disso que me fala. Todos os dias ali, a lembrar caminhadas pela água necessária e limpa. Ou, pelo menos, água. E preciosa.

Não que Bhaktapur seja em África. Mas o mundo é um só, em caminhos cruzados. Trouxe abraçado, no avião, este objecto cheio de desconhecido e vozes. De entre cobres rosados e reluzentes que não me chamaram, este, um grito de eternidade. Que instinto estranho leva a retirar da sua vida de coisa, uma coisa? Para ficar, às vezes, prostrada de inacção, tristemente muda e quieta num pódio de admiração ou esquecimento. Como uma imagem. A transportar para o infinito território mental, um lugar passado. Uma distância encurtada à força. Um tempo perdido e nunca reencontrado. Que se passará na alma de um objecto, atirado sem querer para a preguiça eterna, é coisa de fantasiar. Como palavras que se descarnam de uma verdade qualquer para voar, desadequadas à função. Andou aqui, de sítio em sítio sem função. Um dia vi que procurava o seu lugar, talvez eu o meu nele. Mais perto da água, a ansiar servi-la como dantes. E eu, com olhos distraídos da importância de trazê-lo raptado de longe. Do meu longe para o seu longe. Foi isso. Viajar. Tentação de trazer coisas de uma lonjura para outra, a vencer uma, a outra. E a memória.

Chamamos recordações. Às coisas que invocam tempo. De viagens reais. Tão irreais já, desalojadas dele. Como reais as que imaginárias são apetecidas e feitas. Transportamos um lugar que procura voltar a ser lugar. Varanda sobre terra estranha. Cadeira estrangeira. Lugar onde se poisa o corpo, os olhos, o tempo. Outro lugar. Estranhamente presente e familiar, como estranho pode ser o lugar de sempre. Plástico mutante. Como se sempre o mesmo lugar de interrogação e procura de pontos cardeais. Porque nunca estamos muito tempo no mesmo lugar, mesmo em anos sem deixar a casa. Ponto de partida e de chegada.

Devia regar as plantas com o cântaro bojudo, de interior insondável e vozes. Penso para que veio o regador de plástico vermelho, se havia o cântaro de tantos anos. A pedir água como bicho encalorado e sequioso no seu mundo de coisa. A lembrar as gotas a escorrer-lhe no flanco todos os dias refrescado.

E um dia, veio para companhia uma pequena e gigante pedra de sal. Acende como um coração das montanhas. Diz-se dela, que da terra dele. Pedra que chora uma água de sal, nos intervalos de uma luz coralina mas artificial, saída das entranhas rochosas, outrora fundos de mar que se revolveram e elevaram em convulsão. A tocar o céu. Lágrimas de sal gigantescas, guardadas nas rochas e cristalizadas no tempo.

Talvez por isso chorem, longe, em determinadas circunstâncias. Iluminadas por dentro dão uma luz que purifica, dizem, mas bastava ser luz. Como um calor no ombro, uma mão na alma. Do outro objecto também.

Se as coisas têm alma por companhia. Nela as lágrimas da distância. Nele a secura. Um, conteúdo. Cristalino mas lacrimoso. Outro, continente. Do vazio da água. O cântaro e o sal, eternos opostos, como vísceras da mesma terra. Das montanhas e do vale. Cada um o seu canto.

Mas digo-lhes devagarinho: casa é onde poisamos o chapéu, penduramos o casaco, gritamos vozes das entranhas. Onde caem as lágrimas de sal ou secam na garganta. A minha. E a deles, também.

GT | Construtores apoiam o GP Macau

A Federação Internacional do Automóvel (FIA) abdicou da organização da Taça do Mundo de GT da FIA este ano, no entanto, a maioria dos construtores que dariam corpo a este troféu pretende estar representada no 67º Grande Prémio de Macau, se tiverem uma oportunidade para o fazer

 

[dropcap]O[/dropcap] programa do maior evento desportivo de caracter anual do território ainda não é do domínio público, no entanto, a realização da Taça GT Macau, uma corrida que foi introduzida no evento em 2008, não deverá ficar comprometida pela ausência de um título mundial a atribuir, visto ao interesse na corrida de várias equipas do continente asiático e não só. Por outro lado, esta era uma corrida que já tinha corrida quatro construtores confirmados – Audi, BMW, Mercedes AMG e Porsche – que, na sua maioria, mantêm-se interessados.

O evento do Circuito da Guia deixou de ser apenas um marco importante para as corridas de monologares e de carros de Turismo, como era até há uma década, mas também já se tornou numa paragem obrigatória para os grandes intervenientes das corridas de Grande Turismo, como a Audi. A marca de Ingolstadt venceu esta corrida por quatro ocasiões, com Edoardo Mortara a triunfar três vezes consecutivas na Taça GT Macau, de 2011 a 2013, e Laurens Vanthoor vencer na atribulada segunda edição da Taça do Mundo, em 2016.

Ao HM, Chris Reinke, o responsável máximo pela Audi Sport customer racing, deixou claro que a visita anual a Macau faz parte dos planos da marca através das equipas que defendem as cores da marca dos anéis que estão baseadas no continente asiático: “Para a Audi Sport customer racing, a Taça do Mundo em Macau é parte integral do nosso programa e única para nós, como evento. Gostaríamos de ter ‘começado’ em 2020, mas a tradicional Taça do Mundo de GT não terá lugar este ano devido à crise do novo coronavírus. Se houver uma corrida no circuito citadino da Guia e os clientes da Audi Sport quiserem participar, nós iremos apoiar como é hábito, como parte do apoio da Audi Sport customer racing Asia”, asseverou Reinke.

Em sintonia

Tal como a Audi, a Porsche tem vindo a construir uma forte clientela na região e não foi por acaso que em 2017 abriu um quartel general só para a competição automóvel em Xangai. Como tal, a marca de Weissach espera estar representada numa corrida que venceu uma única vez, logo na prova de de estreia em 2008.

“O Grande Prémio de Macau é uma corrida icónica na região e a Porsche Motorsport Asia Pacific tem tido enorme prazer em apoiar os seus clientes na disputa deste evento emblemático nos últimos anos. Olhando em frente, o nosso compromisso em apoiar os nossos clientes continua inalterado”, esclareceu Alex Gibot, o responsável máximo pela Porsche Motorsport Asia Pacific, ao HM.

Na edição passada da prova, num esforço de quatro Porsche 911 GT3-R e que se saldou em dois pódios, a Porsche Motorsport Asia Pacific esteve ao lado da alemã ROWE Racing e da chinesa Absolute Racing. A equipa que tem bases em Xangai e Zhuhai tem vindo a representar a Porsche no campeonato GT World Challenge Asia e pontualmente no Intercontinental GT Challenge, sendo uma potencial candidata a defender as cores da marca em Novembro.

BMW do contra

Durante décadas o Circuito da Guia foi um poço de alegrias para a BMW, aliás o Grande Prémio de Macau ajudou a construir o nome da marca da Baviera nesta parte do globo. Com algumas excepções, como as participações de Augusto Farfus, vencedor da Taça do Mundo de GT em 2018, infelizmente, nas duas últimas décadas a BMW tem se afastado da prova, como também tem perdido protagonismo para as suas rivais na região. Portanto, não é de estranhar que seja a única marca a admitir publicamente que retirou o Grande Prémio do seu calendário desportivo.

“Como a Taça do Mundo foi cancelada pela FIA, não haverá participação da BMW Motorsport”, explicou um porta-voz da BMW Motorsport, acrescentando que “as nossas equipas clientes são independentes e, como tal, podem decidir em que competições querem tomar parte”.

O HM tentou obter uma reacção da Mercedes-AMG, mas à data desta publicação, o construtor de Estugarda não respondeu à nossa solicitação. Contudo, o HM sabe que duas das equipas que utilizam os carros da marca da estrelinha terão mostrado interesse em regressar à RAEM este ano.

O programa e o formato das corridas do Grande Prémio de 2020 ainda não são do conhecimento público, mas o Coordenador da Comissão Organizadora, Pun Weng Kun, em declarações à imprensa na passada quinta-feira, pediu à população de Macau para continuar a apoiar o evento e afirmou que a organização tem várias opções à mão para a prova que está agendada de 19 a 22 de Novembro.

Cinemateca Paixão | “Receio a censura por parte da nova empresa [de gestão]”, diz Vincent Hoi

A decisão do Instituto Cultural de atribuir a gestão da Cinemateca Paixão a uma nova empresa, da qual pouco se sabe, fez o cineasta Vincent Hoi assinar uma petição contra a mudança. Ao HM, diz que “há 95 por cento de certezas” da empresa estar ligada ao empresário Alvin Chau e receia mais censura, na Cinemateca, a filmes feitos em Taiwan

 

[dropcap]V[/dropcap]incent Hoi, um dos principais nomes do cinema de Macau, está preocupado com uma das casas onde se projectam as suas obras. A mudança de gestão da Cinemateca Paixão está envolta em mistério, defende, e o futuro é, para já, uma incógnita.

Num recente concurso público, o Instituto Cultural (IC) decidiu atribuir, por um período de três anos, a gestão da Cinemateca Paixão à Companhia de Produção de Entretenimento e Cultura In Limitada, da qual pouco se sabe. De cena sai a Associação Audiovisual CUT, que nos últimos três anos presenteou os amantes de cinema com as melhores produções independentes ou mais comerciais da Ásia e Europa.

Vincent Hoi foi um dos signatários da petição entregue ao IC que questiona esta adjudicação e tem acompanhado as tentativas de contacto feitas por jornalistas. “Parece que há 95 por cento de certeza de que essa empresa está ligada a Alvin Chau e ao Festival Internacional de Cinema de Macau (IFFAM, na sigla inglesa), embora a empresa não tenha qualquer informação pública sobre isso”, disse ao HM.

O cineasta lamenta o secretismo da parte do IC, que não divulgou informações sobre a nova empresa gestora. “Como é possível ser um segredo? Não deveria ser porque [a gestão da Cinemateca] se relaciona com todas as pessoas de Macau, não só o público, mas com a indústria do cinema.”

“Não é razoável dar o projecto da Cinemateca a esta empresa por estar relacionada com o festival de cinema”, acrescentou. Vincent Hoi denuncia o “mau trabalho” que tem sido feito com a exibição dos filmes no festival “nos últimos dois ou três anos”.

“Se queremos comprar um bilhete para ir ver um filme, ou se queremos saber mais sobre ele, muitas vezes é difícil obter a informação, ou esta nem sequer está correcta. E quando vou ver um filme há sempre vários membros do público que se sentam à minha frente a jogar no telemóvel o tempo todo. Pode ser porque os bilhetes são gratuitos, mas penso que ver um filme é, para eles, um trabalho. A entidade que organiza o festival pode recear que ninguém vá ver o filme e contrata algumas pessoas para assistirem à sessão.”

Neste sentido, Vincent Hoi assume não ter “qualquer confiança na nova empresa que vai gerir a Cinemateca”, mas espera que se aposte “nos mesmos conteúdos que a CUT exibiu nos últimos três anos, com uma boa selecção de filmes”, e que o façam “de forma apaixonada”.

O cineasta diz estar “com receio de censura por parte da nova empresa” quanto aos filmes que serão exibidos nos próximos três anos. Como exemplo, recorda o facto de a edição de 2019 do IFFAM não ter contado com produções de Taiwan no cartaz.

“Talvez se possa argumentar de que não se fizeram bons filmes em Taiwan para serem exibidos no festival, mas na verdade foram feitos muito bons filmes.”

Assim sendo, “se a nova empresa está mesmo relacionada com Alvin Chau ou com as pessoas que fazem o festival penso que pode haver mais censura nos filmes exibidos, talvez não apenas sobre a China, mas sobre alguns temas sensíveis”, frisou.

O novo projecto

Apesar de estar envolvido nesta iniciativa pública, Vincent Hoi não deixa o cinema de lado e está neste momento a trabalhar num novo filme que só deverá ser lançado em 2022. Ainda não tem, sequer, um nome.

“A história começou a ser pensada o ano passado, entre a noite de 2 de Junho e a manhã do dia 3, quando entrou em vigor o novo regulamento dos táxis que pode restringir os taxistas de cobrar mais aos passageiros”, contou ao HM.

Desta forma, Vincent Hoi quer colocar nas telas do cinema um problema que afecta todas as pessoas de Macau. “A minha história será sobre um taxista que cobra mais aos passageiros na noite anterior à entrada em vigor do novo regulamento dos táxis.”

Vincent Hoi assegura que continua a ser difícil realizar filmes no território, uma situação que se agravou ainda mais com a pandemia da covid-19. “Desde há algum tempo que fazer filmes em Macau é difícil, e o coronavírus tornou a situação ainda mais difícil. No entanto, a crise trouxe-me novas ideias para a escrita de um guião, e esta nova ideia pode estar relacionada com pessoas que são forçadas ao isolamento nas suas casas ou hotéis durante 14 dias, e de como enfrentaram essa situação”, descreveu ao HM.

Falhas de um sector

Quanto ao desenvolvimento da indústria do cinema, e apesar do financiamento público e das apostas na Cinemateca Paixão e no IFFAM, há ainda muito a fazer para desenvolver este sector, assegura o cineasta.

“O desenvolvimento da indústria de cinema de Macau não é muito bom, e talvez possamos dizer que a ‘indústria do cinema’ não existe ainda por completo. Não temos talentos suficientes, realizadores, produtores, engenheiros de som… Não temos apoio financeiro suficiente embora Macau seja uma cidade muito ‘rica’.”

Para ultrapassar estes obstáculos, os realizadores de Macau poderiam cooperar com Hong Kong e Taiwan, defende Vincent Hoi, uma vez que a cultura cinematográfica de Macau é semelhante às de Hong Kong e Taiwan.

Por outro lado, o realizador diz “não concordar com a cooperação com a China”, uma vez que “a China pode impor muitas restrições no guião ou nas ideias do filme”. “Há muitas coisas que não se podem colocar num filme, especialmente relacionadas com política, violência, fantasmas e espíritos, e se Macau cooperar com a China pode perder as características locais, tal como acontece com os filmes feitos em Hong Kong actualmente”, frisou.

Apontando que o financiamento público está longe de ser suficiente para fazer filmes, o cineasta acredita que a aposta deveria ser feita na inclusão de mais aspectos comerciais nas histórias ou incluir mais actores de renome, “a fim de atrair mais investimentos por parte de empresas de produção privadas”. Mas, para isso acontecer, “seria importante cooperar com Hong Kong e Taiwan, uma vez que em Macau é difícil encontrar investidores”.

DST | Defendida flexibilidade de roteiros de turismo local

[dropcap]O[/dropcap] vice-presidente da Direcção da Associação dos Profissionais da Indústria de Viagens e Turismo de Macau quer que o Governo resolva de forma prudente a parceria que algumas agências de viagem têm com associações, atraindo membros para excursões em nome da associação, noticiou o Cidadão.

Em causa está o projecto “Vamos! Macau!” lançado pelo Governo e associações de turismo.
Ferreira Manuel Iok Pui quer ainda que os roteiros criados pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST) para fomentar o turismo interno sejam mais flexíveis. O objectivo é elevar a participação das agências de viagem, já que algumas, que se dedicam a aprofundar o conhecimento local, apesar de quererem oferecer o serviço foram excluídas do projecto porque o seu roteiro não é abrangido pelos criados para o programa de apoio ao sector.

O responsável afirmou que o Governo não consultou suficientemente o sector durante a preparação do projecto, e espera que na próxima fase sejam os profissionais a planear os roteiros.

Ainda assim reconheceu o esforço e boa intenção original na criação dos 15 roteiros, que pretendem garantir a subsistência de guias turísticos e motoristas de autocarro turístico, e cuja distribuição de cartões MacauPass de 100 patacas em alguns percursos pode beneficiar o sector de restauração e venda a retalho nas zonas turísticas.

Cinemateca | Dono de sede da In faz parte da associação presidida por Alvin Chau

Lei Cheok Kuan é o proprietário do imóvel onde fica a nova sede da Companhia de Produção e Entretenimento e Cultura In Limitada. Além disso, pelo menos até 2018, fez parte dos órgãos sociais da Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau, liderada por Alvin Chau

 

[dropcap]A[/dropcap] nova sede da Companhia de Produção e Entretenimento e Cultura In Limitada, que vai gerir a Cinemateca Paixão a partir de Agosto deste ano, pertence a uma pessoa com ligações à Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau (MFTPA, em inglês), presidida por Alvin Chau. Lei Cheok Kuan e a esposa, Hun Lai Chan, são os proprietários da fracção situada no rés-do-chão do Edifício Kai Fu, no Pátio da Fortuna.

Apesar de os órgãos sociais da MFTPA não serem divulgados no portal da associação, várias notícias online mostram que Lei Cheok Kuan ocupou o cargo de presidente do Conselho Fiscal da associação, pelo menos até 2018. Durante essa altura, Alvin Chau, principal proprietário do grupo Suncity, já era o presidente da associação que faz parte da organização do Festival Internacional de Cinema de macau. Os dois foram fotografados juntos, em várias ocasiões no âmbito das actividades da MFTPA.

O HM contactou Lei Cheok Kuan ainda antes de conhecer as ligações com Alvin Chau. Na altura, Lei, que é também vice-presidente da União Geral das Associações de Moradores (Kaifong), afirmou desconhecer a empresa In Limitada. “Não conheço a empresa com o nome Companhia de Produção de Entretenimento e Cultura In Limitada”, limitou-se a afirmar.

Em relação ao arrendamento da fracção, admitiu que foi um negócio tratado recentemente, com o envolvimento de um amigo e apelou ao direito à privacidade para não fornecer mais informações sobre o assunto.

Momentos depois, o HM voltou a tentar contactar o vice-presidente dos Kaifong para esclarecer a relação com o empresário Alvin Chau, mas após o primeiro telefonema, e apesar das várias tentativas, Lei recusou as chamadas e nunca mais atendeu o telemóvel.

Por sua vez, os representantes do grupo Suncity foram contactados na quarta-feira passada em relação a eventuais ligações entre o grupo ou o proprietário com a empresa In Limitada, mas, até ontem, o HM ficou sem resposta.

O vice-presidente dos Kaifong é o proprietário da fracção que serve de sede da Companhia de Produção e Entretenimento e Cultura In Limitada desde Fevereiro de 2013. A compra foi feita em regime de comunhão de bens adquiridos, facto que leva a que a esposa Hun Lai Chan seja igualmente proprietária do imóvel.

Um concurso, muitas dúvidas

Na semana passada, a In Limitada foi escolhida como vencedora do concurso para assumir a gestão da Cinemateca Paixão a partir de Agosto até 2023. Com uma proposta de 15,4 milhões de patacas, a empresa bateu a Cut Limitada, que geriu até ao final do ano passado a Cinemateca Paixão e que tinha uma proposta de 34,8 milhões de patacas.

No entanto, e apesar de ter vencido o concurso público, a informação sobre a In Limitada é limitada, sabe-se que tem como accionistas Ieong Chan Veng, em regime de bens adquiridos com a esposa Ho Sio Chan, e Tung Wing Ha.

Também o Instituto Cultural (IC) não se mostrou disponível para fazer uma apresentação da empresa, remetendo qualquer questão para uma alegada funcionária, que até ontem ainda não tinha respondido às questões enviadas pelo HM.

Até 8 de Junho a morada da empresa era no edifício Tong Nam Ah, na Alameda Dr. Carlos d’Assumpção. No entanto, segundo a actualização do registo comercial, divulgada ontem pelo Ponto Final, foi alterada para o Pátio da Fortuna.

TUI | Alerta para necessidade de usar meios de defesa a tempo

[dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Última Instância (TUI) alertou para as consequências que resultam da “negligência ou inépcia das partes”, quando não fazem uso atempado dos mecanismos legais de que dispõem.

Em causa está uma acção interposta no Tribunal Judicial de Base, em que um pedido de pagamento de 16,74 milhões de patacas foi indeferido por prescrição do direito reclamado. O agente da acção recorreu para a Segunda Instância (TSI), que manteve o resultado, e de seguida para a Última Instância, explica um comunicado do gabinete do TUI.

O colectivo do TUI entendeu que a liberdade de alegar e dar início a um processo implica também comportamentos necessários ao exercício de um direito, descritos como “ónus processuais”. “As partes têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam, suportando uma decisão adversa, caso omitam algum”, indica a nota. E deu a entender que não pode ser o juiz a remediar o prejuízo que resulte da negligência das partes envolvidas.

O TUI deixou outra mensagem: o recurso serve para uma decisão ser novamente ponderada, não um mecanismo para apresentar “questões novas” que não tivessem sido submetidas à apreciação da instância anterior. Assim, o TUI manteve a decisão do TSI, por entender que o recorrente não explicou as causas que podiam ser impeditivas da prescrição.

Hengqin | Guangdong garante que MP do Interior serve Macau

[dropcap]A[/dropcap] procuradoria de Guangdong garante que o Ministério Público na zona nova da Ilha da Montanha vai defender as empresas de Macau, apoiando a diversidade económica da RAEM, noticiou o Ou Mun.

Com o aumento do número de empresas de Macau registadas em Hengqin nos últimos anos, em Novembro do ano passado, o Ministério Público (MP) da Ilha da Montanha organizou um dia aberto para aprofundar o entendimento dos empresários de Macau sobre o sistema judiciário da China Continental. Também no final de 2019, o MP lançou medidas para o desenvolvimento das empresas de Macau em Hengqin, estabelecendo uma equipa para os casos que as envolvem.

Para além disso, criou um mecanismo de notificação com a segurança pública para os casos que envolvem empresas de Macau, bem como um mecanismo para as empresas da RAEM apresentarem queixas: há um “canal verde” para pedir recursos e foi implementado um sistema para os empresários de Macau se reunirem com o procurador através de uma linha aberta especial. As cartas são respondidas no prazo de cinco dias, e os resultados são conhecidos dentro de 60 dias.

De forma a proteger os direitos das empresas da RAEM, o MP de Hengqin também contratou especialistas, académicos e comerciantes de Macau, para trabalharem como consultores e darem apoio intelectual a organismos que desenvolvem actividades de procuradoria. Um dos objectivos do MP passa por proteger a construção da Grande Baía.

Numa próxima fase, o organismo vai desenvolver trabalhos para a comunicação entre a China e os Países de Língua Portuguesa, continuando a reforçar a cooperação com os órgãos judiciais de Macau.