Saberei esperar?

Horta Seca, Lisboa, 28 Julho

 

[dropcap]E[/dropcap]scavações arqueológicas nos arredores de Londres extraíram-nos do passado. Com cerca de 132 mm e datado de 70 A.C., o “stylus”, já por si raro, torna-se extraordinário por conter inscrição bem-humorada, que liga Londres a Roma, a Cidade. Na tradução do especialista, Roger Tomlin: «Vim da Cidade. Trago-te um presente de boas-vindas com uma ponta afiada na esperança de que te lembres de mim. Pergunto, assim me permita o destino, se posso (dar) de forma tão generosa como longo é o caminho e os meus bolsos vazios». Uma recordação, portanto, que, apesar de pobre, atravessou os séculos e os destinos para dizer que os bolsos vazios não travam caminho. Deve ser mania, mas leio nestes vestígios a vocação do editor. A ruína, nos seus vários sentidos, estendem-se enquanto horizonte. Que marca e que pele sobrará?

Horta Seca, Lisboa, 2 Agosto

Nem foram os primeiros élepês do Zeca que tive, mas aqueles últimos ficaram-me gravados. Aliás, comecei por beber canções, servidas pela irmandade que me governou («Venham Mais Cinco», lembras-te Paulo [Caldinho Gomes]?). Tocando as correntes subterrâneas, dou comigo a tentar perceber quês e porquês, a pretexto de aniversário. A luxúria das paisagens sonoras, por exemplo. São bastante distintos, mas estes «Como Se Fora Seu Filho» e «Galinhas do Mato» andam de par nos confins do recordativo. Nada se perde do Zeca anterior, com o constante mergulho nas raízes, qualquer que fosse a terra, de aquém ou além-mar, de litoral ou interior. Mas acontecem curto-circuitos com outros géneros, do jazz a tropicalismos de vários tons. Também na lírica se manteve a leitura da história e a sabedoria panteísta, a ironia cortante e a aspiração política. Ou dançando tudo, como quando, em «Papuça», o verso «a revolução é para já» solta os ritmos da dança. «Utopia» tornou-se um clássico instantâneo, de simplicidade e pureza. O que então me espantou foi a pujança do surrealismo, os nexos poéticos estabelecido pelo absurdo, rasgando fendas no quotidiplano. «Era Um Redondo Vocábulo», uma das minhas eleitas, comprova que esse modo de ler mundos era omnipresente, mas brilhou por aqui e para mim com outras intensidades. Apesar de episódico fulgor, andamos pela obscuridade, lugar de conforto por estes dias feitos noite. Por isso se vai chegando a mim, que nem companheira-gerúndio, esta «Canção da Paciência»: «Muitos sóis e luas irão nascer/ Mais ondas na praia rebentar/ Já não tem sentido ter ou não ter/ Vivo com o meu ódio a mendigar// Tenho muitos anos para sofrer/ Mais do que uma vida para andar/ Beba o fel amargo até morrer/ Já não tenho pena sei esperar // (…) As águas do rio são de correr/ Cada vez mais perto sem parar/ Sou como o morcego vejo sem ver/ Sou como o sossego sei esperar». Saberei?

Horta Seca, Lisboa, 12 Agosto

Que raio! Cinco anos depois, as perguntas continuam a nascer em jardim, mais ou menos cultivado, com o lado agreste das daninhas também a merecer o (celebrado) cuidado da desatenção. Dóris, queria dar-te uma satisfação, mas a intenção não se aplica e explicação já cabe no saco das respostas. Bem sei que tenho que editar o teu volume de contos, ao menos isso, a que deste o belo título de «As Perguntas». Cinco anos depois, tudo se meteu à frente, pudores e desatinos com dinheiro, a orgânica desorganização, a tusa pelo novo, a crença no impossível. Dóris, venho apenas dizer-te que não desisti. Não leves a mal as gralhas que deixámos escapar, também esse projecto de casar atenções e leituras ficou adiado. Somos óptimos a procrastinar, bem sabes. Não deixámos, garanto, de semear perguntas, um pouco por todo lado, mesmo onde não é suposto crescerem. Fui reler o teu prólogo, e encontrei lascas de pensamento que me apeteceu discutir. Posso adiar a conversa por instantes, tu interpelaste de tão estranho modo com esse teu gesto? Dizes tu: «insistimos, e esta nossa insistência conduz-nos para longe de nós. Existimos aqui, mas sempre em fuga, como se não quiséramos ser na aleatoriedade de ter nascido. Sempre a perguntar, sempre a ousar responder, entretendo, assim, o medo de existir. Porque existir é ser entre um ponto e outro ponto, linha do horizonte sem lado de lá para onde deixar de ser visto e lado de cá que nos possa ver. Somos, para nós, um horizonte invisível, segmento de recta cuja medida desconhecemos. Temos medo de existir pela consciência da morte que há em nós. Só conhecemos o finito e tememos, não por ele, mas dele. A nossa condição não opera o incomensurável, não se sintoniza com o infinito, mesmo que o saibamos. O universo contém mas não é contido. Estamos fracos perante o insondável, alienados que somos pela matéria. Mais ainda quando dizemos deus. Por isso perguntamos. Solicitamos respostas para o que sabemos ser apenas um entretenimento do pensamento. Ocupamo-lo. Por vezes, inconsequentes, damos respostas. É apenas um jogo de alternâncias: respondemos para a seguir poder perguntar de novo, mais. Julgamos interrogar tudo. Mas o tudo não está ao nosso alcance.»

Horta Seca, Lisboa, 14 Agosto

O humano escolheu para principal actividade a construção de ideias feitas. Ou melhor, com extremo detalhe confunde casa e lugar-comum, mas disperso logo a abrir. Queria apenas dizer que géneros literários como a banda desenhada, a novela ou o romance gráfico são oceanos de enorme biodiversidade. Max, autor atípico e de grande valor, produziu «Vapor» (folha de rosto algures na página, ed. Levoir), perdoe-se a rima, e que só agora me foi dado ler, não por caso. Nicodemos, figura mística, muda-se para o deserto para fugir das distracções e procurar em si o que pudesse conter de humano. Preto e branco, massa e traço, sombra e corpo, humor e delírio, pensamento e desenho, perguntas e interrogações. Eis a matéria para que o nosso mundo se deixe pensar, se deixe representar. O diálogo de Nicodemos com a sua sombra merecia constar de antologia acerca do nosso lugar no mundo, de cada um em si. O mesmo esforço foi feito, óbvio, em cinema e teatro e romance e poesia, mas consegue aqui algo distinto, muito distinto, de tão profundamente simples: traço sobre a página, dedo na areia, olho no céu.

Costa da Caparica, Almada, 15 Agosto

Uma das mais novas lá da rua Castelo fez cinquenta. Ia escrever que fui ao passado, mas não voltamos nunca ao que não existe. Recriamos, mapas, por exemplo. Trocámos memórias, mas somos pequenos na maior parte delas. Encolhemos, tal o velho quarto. São de somenos, detalhes de distúrbio e desafio. Toque e fuga de campainhas. Soltou-se que nem perfume leve reflexões acerca de tais encontros, o percurso feito, o lugar onde chegámos, apenas patamar.
Para o Pedro [Brito] realizar, orquestrado pelo Humberto [Santana], e muito musicado pelo João [Lucas], compus um «Fado do Homem Crescido», no qual o António Zambujo cantou, a propósito: «Soube logo pela manhã que seria tal e qual/ Mas acreditei porque fomos um bando./ Devia estar de costas, não vi chegar o mal/ Parecia navalha a rasgar, era só tempo passando.»
O sol lá se repetiu pondo laranja no oceano enquanto velho pai exalava orgulho, distribuía afectos e dava a mão de modo só seu.

Fotografia | “Made in China”, de Bruno Saveedra, na FRC em Setembro 

De Lisboa para Macau. “Made in China” é o olhar do fotógrafo Bruno Saveedra sobre a comunidade chinesa residente na capital portuguesa e que acaba por viver numa verdadeira “Chinatown”, sem se relacionar com os portugueses ou outras comunidades. A exposição chega à Fundação Rui Cunha em Setembro

 

[dropcap]F[/dropcap]oi em 2017 que Bruno Saveedra decidiu apresentar as fotografias que integraram a exposição “Made in China”, sobre a comunidade chinesa residente no bairro do Intendente, em Lisboa. Desta vez, a exposição emigra para Macau, ficando patente na galeria da Fundação Rui Cunha (FRC) entre os dias 2 e 11 de Setembro.

Ao HM, o fotógrafo, que residiu em Macau durante três anos, fala de uma iniciativa não só da FRC mas também da Casa de Portugal em Macau (CPM), que entretanto foi alvo de mudanças, uma vez que a mostra ganhou três novas fotografias.

“Em Lisboa a exposição estava numa espécie de instalação em que uma parede estava pintada com jornais vermelhos chineses. E em Macau a exposição não vai ter essa instalação, será algo mais clássico onde irei mostrar três fotografias novas”, contou ao HM.

Ao fotografar, Bruno Saveedra tentou retratar a frieza que diz existir no seio da comunidade chinesa em Portugal, sobretudo junto dos mais velhos. “Estas imagens transmitem um olhar fotográfico muito próprio meu sobre essa comunidade. Quando estava a fotografar senti que é uma comunidade muito fria e distante. Tinha vindo de Macau há pouco tempo e quando lá estive tive o cuidado de me integrar, e através do meu olhar tentei transmitir também essa frieza. Era como se houvesse sempre uma barreira. Através de pequenos pormenores tentei transmitir isso. Infelizmente não consegui ultrapassar essa barreira enquanto cidadão.”

Com este trabalho, o fotógrafo quis entender os rostos por detrás das fotografias. “Quis tentar encontrar e entender quem são os chineses que vivem no bairro do Intendente em Lisboa. Durante dois meses andei à procura dessas pessoas e da sua identidade para tentar encontrar e perceber que tipo de pessoas vivem lá, e encontrei pessoas com histórias incríveis.”

Nas mais velhas reside o sonho do regresso à China, mas no seio das novas gerações os sentimentos são bem diferentes. Os mais jovens “não se identificam com os costumes e a cultura chinesa e vivem como os portugueses cá, quase que rejeitam essa cultura”.

“Achei isso muito engraçado e tentei encontrar o paralelo entre as duas formas de viver em Lisboa. Foi a partir daí que desenvolvi o projecto”, acrescentou.

Novo plano

Bruno Saveedra confessa que passou por várias dificuldades para conseguir fotografar os membros da comunidade chinesa em Lisboa que surgem retratados em “Made in China”.

“Com este trabalho quero mostrar que existe uma China dentro de Lisboa, porque eles vivem completamente isolados. É uma Chinatown dentro de um bairro de Lisboa, e mesmo que haja uma multiculturalidade nesse bairro a comunidade chinesa vive praticamente isolada.”

“Tive muitas dificuldades, porque entrava nas lojas e supermercados e tentava comunicar com eles e parecia que eles não queriam falar em português. É isso que eu quero mostrar. Estou muito ansioso, é a primeira vez que vou fazer uma exposição em Macau e regresso a um local onde vivi três anos. Vai ser incrível. Quero sentir o cheiro do ar, que é muito específico”, apontou.

O regresso é vivido com tanta expectativa que o fotógrafo está mesmo a planear fazer um novo projecto com a comunidade macaense.

“Vou ficar em Macau durante 15 dias e quero desenvolver alguma coisa lá, mas não sei muito bem o quê, pois estou a tentar perceber como vai ser o meu regresso e a forma como vou agora olhar Macau. Acho que Macau está muito diferente de quando saí de lá. E coloco a hipótese de ser um projecto com a comunidade macaense”, rematou.

Tribunal dá razão a residente que viu ser-lhe retirada casa social 

[dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Segunda Instância (TSI) deu razão a um residente que viu ser-lhe anulado, por parte do Instituto de Habitação (IH) o contrato de arrendamento assinado em 2011 que lhe dava acesso a uma habitação social. De acordo com o acórdão, ontem tornado público, o residente necessitava viver com o filho, o que levou o Governo a anular o contrato.

Contudo, o TSI considerou que o IH se precipitou na decisão tomada. “Vislumbra-se demasiada precipitação na prática de o Instituto de Habitação refutar a explicação de A e, em consequência, de resolver o seu contrato de arrendamento de habitação social, sem que tivesse, primeiro, verificado se a necessidade dos cuidados se devia à avançada idade ou se a doença permanente era a razão por que permitira ao seu filho (não membro do agregado familiar inscrito) residir na respectiva habitação social.” Nesse sentido, está em causa uma “violação dos princípios da boa-fé, da cooperação e do inquisitório”.

Na visão do tribunal, o residente deveria ter apresentado provas de que necessitava de viver acompanhado, no entanto, também cabia ao IH “abordar o caso e ter tido em consideração a idade avançada do recorrente”. A entidade, liderada por Arnaldo Santos, por ter o objectivo de “servir os cidadãos”, deveria “ter actuado em conformidade com os princípios da boa-fé e da cooperação, no sentido de notificar, por sua iniciativa, o recorrente para apresentar provas pertinentes, em vez de lhe negar a sua clarificação e rescindir o seu contrato de arrendamento de habitação social por causa da não apresentação de prova”. Neste sentido, o IH está obrigado, por lei, “a averiguar todos os factos”, mesmo que o residente não tenha apresentado todas as provas.

Outros juízos

O residente chegou a apresentar um esclarecimento por escrito junto do IH, que invocava “a necessidade (de viver com o filho) em virtude dos cuidados que a doença permanente exigia”, mas o IH entendeu que tal “não justificava a não observância das normas legais”.

O contrato acabou por ser anulado em 2016. O Tribunal Administrativo, numa primeira decisão, entendeu que o fim do contrato de arrendamento de habitação social e as correspondentes consequências jurídicas “tinham origem na violação desse contrato pelo recorrente, e absolutamente, não na culpa da entidade recorrida (o IH)”. Contudo, o TSI acabou por dar razão ao residente.

Condomínios | Decisões só depois de consulta pública

Ainda não houve uma resolução final sobre as percentagens de condóminos necessárias à aprovação de obras e demolições de edifícios degradados. O Conselho de Renovação Urbana vai deixar a resolução para consulta pública, mas o processo já não fica resolvido até ao final do ano

 

[dropcap]O[/dropcap] secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, afirmou ontem no final da 3ª reunião plenária de 2019 do Conselho de Renovação Urbana (CRU), que a pendente revisão da percentagem necessária de condóminos que estejam de acordo com a execução de obras ou demolição de edifícios, deverá ficar para decidir em consulta pública.

A primeira fase do estudo encomendado pelo Executivo à consultora Deloitte foi agora discutida e mereceu o “parecer favorável” dos membros do CRU, segundo Raimundo do Rosário. A Deloitte elaborou um levantamento das experiências das regiões vizinhas quanto às políticas de renovação urbana, nomeadamente “as que estão mais adiantadas do que nós, como Singapura, Taiwan e Hong Kong”, mas a transposição para um modelo local vai ter ainda que ser analisada.

A questão das percentagens, cujos números finais estiveram para ser aprovados em meados de 2017, depois do aparente acordo alcançado entre o Governo e o CRU, continua sem estar definida.

“É uma questão que seguramente fará parte da consulta pública, portanto as pessoas serão chamadas a pronunciar-se e a dizer o que pensam sobre uma eventual alteração do sistema actual. Agora, como sabem, para demolir um edifício é preciso 100 por cento [de aprovação dos condóminos privados]”.

O documento que esteve para avançar, há dois anos atrás, apesar de não se tratar de uma versão final, pressupunha a alteração do número de condóminos que têm que concordar com a realização de obras em imóveis degradados, que até aqui exige a totalidade dos proprietários. Como afirmava Raimundo do Rosário na altura, “o consenso alcançado é de que todos os edifícios com menos de 30 anos, se tiverem de ser submetidos a um processo de demolição ou renovação, vão precisar da aprovação de 100 por cento dos condóminos. Mas para os prédios que têm entre 30 e 40 anos, terá de ser reunido o voto favorável de 90 por cento dos condóminos, enquanto aqueles que tiverem mais de 40 anos precisam de 85 por cento de aprovações”.

A proposta, cuja aprovação estava anunciada para breve, não chegou a ir para a frente. O atraso deveu-se a “questões de resolução complicada”, para as quais foi “preciso tempo”, por envolver sensibilidades diversas, como foi dito pelo governante na altura. A alteração à percentagem ideal de condóminos para o aval das obras é, para o Executivo, a condição essencial para a agilização dos projectos de reconstrução.

Prazo adiado

A decisão vai ficar agora na mão das comunidades locais, o que ainda levará algum tempo. A data de conclusão do processo, que na última reunião do CRU estava prevista para o final deste ano, já não parece provável, explicou aos jornalistas o secretário. “Não acabamos, porque estamos em Agosto, e aprovar isto é mais um mês ou dois, depois será feito o documento de consulta, que terá que ser aprovado por nós, e a consulta pública em Macau são 45 dias ou 60 dias, portanto não acaba no fim do ano de certeza”.

Entretanto, o Conselho vai continuar a analisar a política de renovação urbana que faz sentido para o território, que “no fundo é saber que caminho vamos trilhar”, procurando os exemplos das regiões que já o estão a fazer há mais tempo. “Estamos a ver se tiramos daqui uma bissectriz qualquer. Temos que encontrar o nosso caminho”, concluiu Raimundo do Rosário.

Lojistas preocupados com restrição ao uso de sacos

[dropcap]H[/dropcap]á comerciantes preocupados com a restrição ao uso de sacos de plástico, uma medida que entra em vigor no próximo mês de Novembro. De acordo com o sector, “os consumidores não vão entender a cobrança por cada saco de plástico”, apontam ao Jornal do Cidadão. Estes comerciantes sugerem ainda que o primeiro saco seja gratuito e que o pagamento só se faça a partir do segundo saco utilizado numa compra.

Lei, responsável por uma papelaria afirmou que apesar de apoiar os trabalhos de protecção ambiental, está preocupada com a reacção dos clientes ao ser-lhes cobrado o saco de plástico onde levam as suas compras. Como alternativa à restrição ao uso deste material, Lei aponta a necessidade de medidas para aumentar a consciência dos cidadãos, adiantando que “para mudar os hábitos, são necessárias medidas coercivas e meios económicos que levem as pessoas a pensar realmente na necessidade de sacos”.

Já Chan, dono de uma loja de roupa, acredita que cobrar uma pataca por saco é um limite razoável para os consumidores, na medida em que mais do que isso, “não seria aceitável”. “A maioria dos residentes reutilizam os sacos para o lixo doméstico, e se não houver distribuição gratuita, vão utilizar sacos de lixo, portanto não será uma grande mudança”, frisou, para justificar a sua oposição à medida. “O problema está nos sacos fornecidos em mercados que são utilizados abusivamente, pelo que é razoável cobrar a partir do segundo saco”, acrescentou.

Problema interno

Por outro lado, um funcionário de uma loja de sacos plásticos disse que, tendo por referência os dados das regiões vizinhas, a cobrança pode reduzir a quantidade nas vendas no sector. Para este funcionário, as restrições ao plástico podem provocar “o abuso de sacos de tecido ou de papel, que podem causar ainda mais poluição do que o plástico bem como provocar um desperdício de recursos”. O mesmo responsável sugere ainda que a medida seria mais bem aplicada caso fosse dirigida ao uso de embalagens descartáveis. “A lei vai definitivamente afectar o volume de vendas de sacos”, rematou.

Salário Mínimo | Trabalhadoras domésticas vão insistir com o próximo Chefe do Executivo

Apesar de Ho Iat Seng já ter apoiado a exclusão das empregadas domésticas da lei do salário mínimo universal, esta faixa de trabalhadoras continuar a insistir na sua inclusão. Para Jassy Santos, é necessário que as entidades competentes considerem que o trabalho doméstico é fundamental para a economia local

 

[dropcap]H[/dropcap]o Iat Seng já disse que, por enquanto, as empregadas domésticas vão continuar excluídas da proposta de salário mínimo universal, mas as visadas querem insistir com o futuro Chefe do Governo para que possam ser consideradas. A garantia foi dada por Jassy Santos, ligada à Progressive Labor Union of Domestic Workers, ao HM. “Vamos continuar a insistir com o próximo Governo, queremos uma resposta aos nossos pedidos e vamos continuar a insistir até que o Executivo de Macau perceba que o trabalho doméstico também é trabalho”, apontou.

Apesar desta faixa de trabalhadores continuar a lutar por um direito que considera fundamental, as esperanças de mudança são poucas. “Temos poucas expectativas, ninguém nos quer incluir nos benefícios dados a outros trabalhadores”, lamentou.

Ajuda invisível

Relativamente à posição de Ho Iat Seng, Jassy Santos também não se mostrou surpreendida até porque segue a tendência daqueles que não entendem a “importância das empregadas domésticas para Macau”. “Ho Iat Seng não reconhece a luta desta faixa da sociedade, não reconhece a importância que as empregadas domésticas têm para a comunidade local em que as famílias ganham muito dinheiro porque têm em casa a empregada e a cozinheira para ajudar”, referiu.

Recorde-se que o futuro Chefe do Executivo, apontou na semana passada que tenciona dar continuidade às políticas do actual Governo, referindo-se à exclusão das empregadas domésticas do salário mínimo. “Se for eleito, o Governo vai manter as políticas respectivas nesta questão e, de acordo com as medidas já tomadas, as empregadas domésticas vão continuar a ser excluídas do salário mínimo”, disse o futuro Chefe do Executivo.

Ho mantém-se assim firme no seu propósito, e apesar das recentes críticas da Organização Internacional do Trabalho à proposta de lei sobre o salário mínimo universal, as empregadas domésticas vão continuar de fora, visto ser este “o consenso social”, justificou na semana passada a subdirectora dos Serviços para os Assuntos Laborais, Ng Wai Han.

Vigília | Actuação da polícia na noite de segunda-feira à margem da lei

A polícia nega ter detido qualquer pessoa na noite de segunda-feira, depois do forte aparato policial que deixou a zona do Largo do Leal Senado sitiada. Comentadores ouvidos pelo HM apontam para o excesso de drama, o insólito e tendências autocráticas ilegais na actuação da polícia. Ho Iat Seng afasta qualquer indício de repressão nos acontecimentos do Leal Senado

 

[dropcap]N[/dropcap]a noite de segunda-feira, um considerável contingente policial foi destacado para a zona do Largo do Leal Senado na sequência de uma vigília contra a violência policial em Hong Kong. A vigília não foi autorizada, nem aconteceu, mas as autoridades inundaram o local e pediram identificação a quem passava pela movimentada zona. Acabaram por levar para um parque de estacionamento cerca de três dezenas de pessoas e para a esquadra sete indivíduos, quatro deles residentes que por lá ficaram mais de cinco horas. No entanto, as autoridades negam que tenha ocorrido qualquer detenção.

No dia seguinte, a questão ainda paira no ar: O que é que aconteceu realmente na noite de segunda-feira nas imediações do Largo do Leal Senado? A pergunta dirige-se, como é natural, à actuação do Corpo da Polícia de Segurança Pública (CPSP) de Macau. Entre “aberrantemente ilegal”, “exagero”, “situação com drama a mais”, passando pela convicção de que “a polícia tem capacidade de julgamento”, uma certeza desponta: na noite de segunda-feira ninguém foi detido, pelo menos oficialmente. Esta é a ilação que se tira das declarações do porta-voz do CPSP proferidas ontem em conferência de imprensa. Sete pessoas foram levadas às instalações da polícia para colaborar numa investigação. Qual? Não se sabe, porque “não é adequado revelar informações em detalhe”, disse Lei Tak Fai, mas era importante apurar a identificação dos “colaboradores”. O porta-voz justificou a actuação das autoridades com a “experiência policial e instruções internas”.

Três das pessoas que foram levadas para a esquadra levantaram suspeita entre os agentes que “consideraram a possibilidade de terem intenção de participar ilegalmente na vigília” que não foi autorizada. Como tal, Lei Tak Fai considera “razoável pedir o seu auxílio para a investigação”.

Um dos residentes tinha em sua posse um autocolante alusivo aos protestos em Hong Kong e um residente da RAEHK filmou o que se passava no Leal Senado.

Quanto ao tempo que passaram nas instalações da polícia, o porta-voz argumentou ter sido “devido à verificação dos documentos de identificação, à confirmação dos registos policiais e à investigação, que como é relativamente rigorosa precisa de tempo”.

Quanto aos restantes indivíduos ouvidos num parque de estacionamento, a Polícia Judiciária confirmou ter interceptado três dezenas de pessoas naquilo que descreveu como “uma operação regular anticrime”, que não foi motivada por qualquer queixa e sem relação com a vigília.

A versão das autoridades coincide com as declarações de Ho Iat Seng. O candidato a Chefe do Executivo disse ontem não ter informação sobre a matéria, por não ter estado no local. Ainda assim, acredita “que a polícia tem capacidade de julgamento para lidar bem com o assunto”.

Tiques de ditadura

Ho Iat Seng entende ainda que as autoridades não actuaram de forma repressiva, afastando a hipótese de “terror branco”. Tese com a qual o académico António Katchi não poderia estar mais em desacordo.

O especialista em Direito Constitucional enquadra o que se passou com o clima político de Hong Kong. Se o descontentamento e o “levantamento revolucionário das massas populares em Hong Kong” não alastrar a outras regiões, estará votado ao fracasso. Assim sendo, “é vital isolar o mais possível a população de Hong Kong. Neste contexto, o Governo de Macau, vê-se obrigado a cortar qualquer ligação entre os democratas de Macau e os democratas de Hong Kong. É claro que, com isto, o Governo de Macau está a semear o terror (o “terror branco”) entre a juventude de Macau, tentando expulsá-la do activismo político e matar nela os sentimentos mais generosos e o lado mais altruísta”.

Apesar das autoridades, e do futuro Chefe do Executivo, terem reiterado que não houve detenções, o advogado Jorge Menezes não alinha na argumentação apresentada: “A polícia disse que as pessoas não estavam detidas, mas isso é falso. Qualquer pessoa que não esteja livre para fazer o que quiser e ir embora para casa está detida. Detenção é, desde logo, estar privado da liberdade de movimento. Isso é brincar com as palavras. É uma detenção ilegal e ao dizer que não é detenção a polícia tenta fugir à responsabilidade por uma medida ilegal.”

Aliás, o facto de algumas pessoas terem sido identificadas três vezes, “outras detidas durante horas ilegalmente, revistadas e telemóveis vistos ou apreendidos”, tudo isto “são ilegalidades típicas de regimes autoritários”.

Na óptica de António Katchi, a actuação das autoridades é reflexo da realidade política de Macau. Para apurar responsabilidades, o académico entende que “todas as pessoas detidas ou molestadas pela PSP” devem relatar “pormenorizadamente o que aconteceu e apresentar queixa, quer junto do Ministério Público, quer junto de deputados democratas à Assembleia Legislativa”. O constitucionalista considera que “seria importantíssimo apurar todas as responsabilidades disciplinares, criminais e políticas por esta acção própria de uma ditadura”.

Verdade e consequência

A ilegalidade estende-se à actuação da polícia na noite em que se deveria ter realizado a vigília, na óptica de António Katchi: “Convém que todas as pessoas detidas ou molestadas pela PSP ontem [segunda-feira] à noite relatem pormenorizadamente o que aconteceu e apresentem queixa, quer junto do Ministério Público, quer de deputados democratas à Assembleia Legislativa. Seria importantíssimo apurar todas as responsabilidades disciplinares, criminais e políticas por esta acção própria de uma ditadura.”

O académico confessa-se chocado com a actuação da polícia, que considera “aberrantemente ilegal”, e as imagens que viu na televisão que revelam a humilhação a que as pessoas foram submetidas.

Quanto ao argumento do CPSP de que os residentes de Macau teriam em sua posse autocolantes que denunciavam a presença em protestos em Hong Kong, António Katchi afasta essa justificação para terem sido interrogados.

“O transporte de autocolantes alusivos a manifestações não é proibido por qualquer lei – nem o seu transporte, nem a sua produção, nem a sua aquisição, nem a sua posse, nem a sua exibição, nem a sua distribuição”.

Outra questão legal reporta-se à forma como as pessoas foram interrogadas e obrigadas a mostrarem identificação. “O facto de alguns cidadãos terem sido interrogados só mostra com isto foi tudo uma farsa: a polícia não estava meramente a identificar pessoas, mas a investigar ilegalmente. Ninguém é interrogado num procedimento de identificação”, revela Jorge Menezes.

Ainda em relação aos pedidos para mostrar documentos de identificação, o advogado entende que “a lei diz que a polícia pode proceder à identificação de pessoas que estejam em lugares abertos ao público ‘habitualmente frequentados por delinquentes’. Tal não é o caso do Leal Senado”. Além disso, segundo a interpretação do jurista só as podem levar para a esquadra se as pessoas forem ‘incapazes de se identificar ou se recusarem a fazê-lo’. Tal não parece ter sucedido, o que torna a detenção e o procedimento de identificação grosseiramente ilegal.

Outro aspecto que falhou prende-se com o facto de a detenção para identificação ter um prazo. “Só podem obrigar as pessoas a permanecer o tempo estritamente necessário à identificação (e nunca mais de 6 horas). A identificação de quem tem um BIR ou Passaporte faz-se em minutos. Isto é uma crassa violação da lei. Ninguém poderia ter sido revistado naquelas circunstâncias, nem ter os telefones apreendidos, quando o objectivo for simplesmente identificar pessoas. A ilegalidade das revistas é algo ainda mais grave, violando direitos fundamentais das pessoas que se deslocam em liberdade na via pública, no centro de Macau.”

Indo um pouco mais além, Jorge Menezes não compreende os acontecimentos de segunda-feira à noite como “repressão, nem prevenção de qualquer crime”. A actuação dos agentes da CPSP teve como objectivo “espalhar o medo, assustando a população com métodos policiais ilegais”.

Rainhas do drama

Sulu Sou deslocou-se na noite de segunda-feira à esquadra onde estiveram detidos residentes de Macau depois de ter sido contactado pelos seus familiares e de ter acompanhado a situação através da comunicação social. “Acho que foi um exagero da polícia. Todos sabemos que não autorizaram a vigília. Apesar das muitas questões levantadas pela justificação dada para não permitir o protesto, o organizador aceitou a decisão da PSP”, comenta o deputado que reitera não ter estado envolvido na organização da vigília, nem de se ter deslocado ao Leal Senado.

Em relação às três dezenas de pessoas identificadas num parque de estacionamento, o pró-democrata entende que se as autoridades foram informadas de que poderia haver violência contra os manifestantes, a responsabilidade da polícia seria proteger os participantes na vigília.

Já Miguel de Senna Fernandes categoriza os acontecimentos da noite de segunda-feira “um bocado insólitos”, uma situação “nunca vista”.

“Acho que houve uma dramatização absolutamente desnecessária. Foi um espectáculo absolutamente desnecessário com pessoas interrogadas numa garagem. Isto é uma situação absolutamente com drama a mais. Não há que temer em Macau qualquer força estrangeira que venha perturbar seja o que for”, considera o jurista.

José Cesário, candidato à AR pelo Círculo Fora da Europa: “A EPM tem de estar na agenda política”

José Cesário volta a candidatar-se ao lugar de deputado da Assembleia da República pelo Círculo Fora da Europa nas eleições legislativas de Outubro. Lamenta que o funcionamento dos consulados se tenha degradado ainda mais e espera colocar os conteúdos pedagógicos da Escola Portuguesa de Macau na sua agenda política

 

Que balanço faz desta legislatura na Assembleia da República (AR)?

[dropcap]F[/dropcap]oi muito marcada por alguns problemas muito específicos, isto falando na área das comunidades portuguesas. Foi uma legislatura muito condicionada pela questão da Venezuela, uma situação que evoluiu de forma anormal e que se mantém grave. O Brexit fez com que mantivéssemos uma grande atenção face à evolução da situação no Reino Unido na óptica do acompanhamento da nossa comunidade. Foi uma legislatura em que sentimos necessidade de manter o Governo sob uma grande pressão porque achámos, a partir de determinada altura, que a resposta dos nossos serviços administrativos na relação com os portugueses da diáspora, sobretudo no plano consular, foi uma resposta que ficou muito aquém do necessário e que, aliás, se foi degradando de forma muito visível. Registou-se um atraso nas marcações nos postos consulares, bem como enormes e brutais atrasos em Portugal que são essenciais para o funcionamento dos consulados, ligados à emissão de documentos e com a questão da nacionalidade. Esses atrasos passaram de três meses para dois anos. Houve muitas condicionantes, mas evidentemente que demos alguns passos.

Quais?

Um dos passos dado foi no plano da legislação eleitoral, tendo sido introduzidas algumas alterações na lei que acho que facilitam um pouco a votação dos portugueses na diáspora. Foi a regulamentação da lei da nacionalidade, embora não tenha sido a regulamentação que nós desejámos. Mesmo com a reprovação de várias propostas nossas neste domínio que visavam a simplificação dos procedimentos de aquisição de nacionalidade originária por parte dos netos dos descendentes portugueses, a verdade é que se deu um passo positivo, pois as pessoas já podem apresentar os seus pedidos e em alguns casos vão vê-los despachados favoravelmente.

No âmbito da lei da nacionalidade há muitos pedidos em Macau?

Macau tem pedidos, mas não lhe posso particularizar se são muitos ou poucos. As grandes alterações que se fizeram nos últimos tempos não são alterações que se repercutam muito em Macau, porque são direccionadas para as segundas gerações, os netos de cidadãos nacionais. Mas sei que mesmo no domínio da inscrição para nacionalidade de filhos portugueses já há muita gente de Macau e de Hong Kong, e sei que há alguns atrasos.

Mantiveram-se os problemas de funcionamento do consulado em Macau. Gostava de ter visto uma melhoria neste campo?

O que se passou em Macau passou-se noutros postos consulares, mas de facto a situação degradou-se muito. Sabemos que neste momento as marcações para a renovação de documentos estão com um período de espera de vários meses e isto tem a ver com vários factores que se arrastam desde o tempo em que estivemos no Governo, sobretudo as questões ligadas aos salários dos funcionários. Mas há novos factores, como a alteração do horário de trabalho dos funcionários sem que isto tenha sido acompanhado de um recrutamento de um número significativo de pessoas. O Governo quis tomar uma atitude simpática para com os funcionários, mas isso traduziu-se numa redução de um sexto ou um sétimo dos trabalhadores nos postos consulares. Não tendo havido esse recrutamento, e não se tendo recorrido mais a uma terciarização de serviços, é evidente que o resultado foi negativo. Macau é um desses casos, mas não é o único.

No encontro anual do PSD sobre emigração, que decorreu este fim-de-semana em Portugal, quais foram os maiores problemas apontados?

Discutiram-se opções políticas relativamente ao que faremos no futuro uma vez eleitos, quer na óptica de sermos Governo ou de ficarmos na AR. Essas opções serão divulgadas em breve, mas traduzem-se numa linha de continuidade com aquilo que tem sido a nossa acção. Existe a necessidade da legislação sobre a nacionalidade continuar a evoluir para que os processos sejam mais expeditos e menos burocratizados. Também é preciso que a rede de escolas portuguesas no estrangeiro continue a desenvolver-se e a legislação eleitoral ser mais ajustada à realidade actual. O voto electrónico tem de ser encarado de forma muito clara. São aspectos que no devido tempo serão discutidos e apresentados às pessoas.

Sobre as próximas eleições legislativas. Volta a candidatar-se ao lugar de deputado, e Augusto Santos Silva é candidato pelo PS ao Círculo Fora da Europa. Que expectativas deposita neste acto eleitoral?

A nossa expectativa é simples, é ganhar as eleições. É isso que está em causa e esperamos ganhá-las em Macau e no resto do círculo para onde me candidato. É evidente que respeito muito a candidatura de Santos Silva e tenho muita consideração por ele, acho que é um ministro com muita visibilidade. É um homem competente mas acho que no domínio das comunidades teve algumas falhas, até no domínio da proximidade com as pessoas. Mas é um adversário que valoriza muito este confronto eleitoral.

Que falhas mais especificas aponta?

Hoje os consulados estão a funcionar muito pior do que quando estava no Governo, não há comparação possível. Houve promessas que foram feitas no domínio da rede de escolas portuguesas. Ele (Augusto Santos Silva) assumiu, com data de início, a escola portuguesa de São Paulo e ainda hoje nada existe. No domínio da legislação eleitoral, o Governo não quis que se fosse mais longe do que se foi. Poder-se-ia ter ido mais longe e uniformizado, pelo menos, o método de votação para todas as eleições e não apenas para as legislativas. Por exemplo, a opção pelo voto presencial não foi divulgada e o Governo era obrigado a fazê-lo. Hoje, na área social, há menos apoios para as comunidades carenciadas do que quando estávamos no Governo. Santos Silva era o ministro (dos Negócios Estrangeiros), sei que estava mais preocupado com outras questões, mas aí falhou.

Um estudo académico diz que o voto dos emigrantes portugueses tem menor representatividade face ao voto dos que residem em Portugal, e que os partidos são culpados disso. Qual o seu comentário sobre esta matéria?

Desconheço o estudo. O que posso dizer é que houve mais propostas do que aquelas que foram aprovadas e que se deram passos positivos. Muitas não mereceram consenso por uma questão de fundo, pelo facto de haver posições de princípio na sociedade portuguesa, nomeadamente da parte de partidos de esquerda, que não permitem, por exemplo, que os cidadãos da diáspora possam votar nas mesmas condições em que votam os que residem em Portugal, com medo que isso altere completamente os resultados de actos eleitorais, como a eleição para o Presidente da República e o Parlamento Europeu sem que o círculo seja único. Este aspecto é basilar e fez com que, durante muito tempo, esses partidos de esquerda não aceitassem os votos dos não residentes em Portugal para a Presidência da República. A história não se reescreve, está escrita e dá-nos os factos. Essas forças políticas mais à esquerda têm estado a anos luz daquela que é a realidade da integração na diáspora na vida política portuguesa.

Preocupa-se com a possibilidade de a abstenção voltar a ser elevada nestas eleições?

Assusta-me, fico muito preocupado. Até porque há outro aspecto que é preciso ter em consideração, que é o facto de os sistemas de correios estarem a funcionar pior na generalidade dos países face ao que funcionavam há alguns anos. Em países como o Brasil ou a Venezuela os correios praticamente não funcionam. Admito que isso venha a influenciar fortemente o resultado final, que muita gente queira votar e não consiga, embora eu esteja à espera de mais votos do que nas últimas eleições. Tenho muito receio que a abstenção seja brutal.

Macau tem um contexto específico de ter muitas pessoas com capacidade de voto nas eleições portuguesas que não dominam a língua. É necessário que os partidos tenham maior aproximação e mais medidas para estas pessoas, que passem pela tradução dos programas políticos?

Claro que sim, por isso é que o meu partido tem procurado que nas suas estruturas locais haja pessoas com o domínio da língua chinesa, para poder haver uma interacção. Essa é uma realidade incontornável na China, Macau e Hong Kong, onde residem 30 mil portadores de passaporte português, mas é valido também na Índia, EUA ou Canadá, onde temos milhões de luso descendentes que não falam português.

Neste sentido, a secção do PSD em Macau tem feito um bom trabalho ou podia ser mais activa?

Esta resposta não lha posso dar como deputado pois têm de ser os militantes do partido a responder. A minha opinião pessoal é de que tem sido desenvolvido um trabalho interessante.

Caso seja eleito, quais os pontos principais que terá na sua agenda?

Há um aspecto muito importante em Macau que se prende com a Escola Portuguesa de Macau (EPM), e que tem de ser colocado de forma muito clara na agenda política, e eu vou continuar a insistir nesse ponto. Diz respeito ao projecto pedagógico da EPM, pois esta tem de ser olhada como uma escola que serve públicos muito diferenciados, pois há muitos possíveis alunos da escola que não vão prosseguir os seus estudos em Portugal. Esse projecto pedagógico tem de considerar esta parte oriental, mas que dá à EPM uma dimensão muito maior do que aquela que tem hoje. No domínio dos consulados e da resposta administrativa do Estado português, uma questão à qual me vou dedicar muito é sobre a possibilidade do passaporte português passar a ter uma maior data de validade do que aquela que tem hoje. Tem cinco anos de validade e poderia ir para dez anos ou um prazo superior.

Assunção Cristas, líder do CDS-PP, defendeu a criação de um novo círculo eleitoral, destinado aos países lusófonos. Macau não é um país mas é um território onde se fala português. Qual a sua posição sobre esta matéria?

Essa ideia não é nova, já foi discutida várias vezes. Não vou dizer como Macau ficaria porque só poderia ser analisada depois. Mas desejaria que o CDS-PP pudesse ter tido uma participação mais activa na discussão e aprovação deste tipo de legislação eleitoral. Foi o único partido que não votou favoravelmente sobre nenhuma das disposições que estiveram em cima da mesa, nem a gratuitidade do voto, o automatismo do recenseamento, a adopção do voto presencial e postal nas legislativas, a adopção do voto electrónico. O CDS-PP esteve muito longe de tudo isto e também das alterações à lei da nacionalidade. Acho que o partido é importante neste domínio, mas não basta atirar para o ar uma ideia ou outra.

O que tem a dizer sobre a reacção das autoridades políticas portuguesas ao que se está a passar em Hong Kong, sobretudo face à forma como isso pode afectar as comunidades portuguesas residentes em Hong Kong e Macau? Estava à espera de uma melhor resposta?

Nessa matéria nada nos separa do Governo, pois neste momento não existe a proposta em causa, porque foi retirada de discussão. Temos o princípio de respeito pela soberania de outros países e quebramos o nosso silêncio quando estão em causa de forma clara e inequívoca direitos fundamentais. Faríamos isso numa situação muito grave e extrema. Como a proposta foi retirada, não merece discussão.

Activistas desconfiam de plataforma de diálogo anunciada pelo Governo de Hong Kong

[dropcap]A[/dropcap] “plataforma de diálogo” anunciada hoje pela chefe do Governo de Hong Kong, Carrie Lam, foi recebida com desconfiança por activistas pró-democracia contactados pela agência Lusa.

“Já vimos isto anteriormente (…) e ficamos com a sensação de que se tratará de uma falsa consulta, (…) mas não uma verdadeira resposta” às reivindicações dos manifestantes, defendeu a porta-voz Frente Cívica de Direitos Humanos, que tem liderado os grandes protestos em Hong Kong desde o início de Junho.

Bonnie Leung, que é também vice-coordenadora do movimento, afirmou que pela experiência de controvérsias anteriores, o modelo de diálogo será “muito limitado em termos de tempo” e “com muitos sectores pró-Pequim”.

Ao mesmo tempo que reiterou a vontade de se avançar para “negociações sérias”, Leung criticou que na conferência de imprensa, esta manhã, de Carrie Lam não tenha sido dada qualquer resposta às reivindicações do movimento.

A activista sublinhou que a plataforma será “inútil se não se apostar na comunicação com os diversos representantes pró-democratas”.

Já o fundador do partido pró-democrata Demosisto, Joshua Wong, elogiou a decisão, mas colocou sérias dúvidas sobre a capacidade de Carrie Lam para liderar esta plataforma.

“É uma boa decisão e boa oportunidade para as pessoas de Hong Kong encetarem um diálogo com os decisores de poder”, começou por comentar o activista, que chegou a ser indicado para o prémio Nobel da Paz em 2018 e que lidera o partido, defensor da autodeterminação do território.

“Mas perguntamo-nos se Carrie Lam é realmente a pessoa certa”, sustentou Wong, que foi libertado em Junho da prisão, na sequência das manifestações de 2014 em Hong Kong, conhecidas como a “Revolução dos guarda-chuvas”, uma campanha de desobediência civil que durou mais de dois meses e na qual se exigia o sufrágio universal na ex-colónia britânica administrada pela China.

O Governo de Hong Kong anunciou a criação imediata de uma “plataforma de diálogo” com “pessoas de todas as áreas sociais”, dois dias após um protesto pacífico que juntou, segundo a organização, 1,7 milhões de pessoas.

Em conferência de imprensa, Lam recusou avançar com um inquérito independente para investigar a alegada violência policial, uma das reivindicações dos manifestantes.

A Frente Cívica de Direitos Humanos, movimento que tem liderado os protestos pró-democracia em Hong Kong, já veio dizer que o derradeiro objectivo dos protestos passa por garantir o sufrágio universal no território.

Os protestos, que duram há nove semanas, focaram-se inicialmente na rejeição das emendas propostas pelo Governo à lei da extradição, que permitiria a extradição de suspeitos para a China.
A lista de reivindicações tem sido alvo de ajustes.

Os manifestantes exigem a retirada definitiva da lei da extradição, a libertação dos manifestantes detidos, que as acções dos protestos não sejam identificadas como motins, um inquérito independente à violência policial, a demissão de Carrie Lam, e sufrágio universal nas eleições para chefe do Executivo e para o Conselho Legislativo, o parlamento de Hong Kong.

O protesto visou aumentar a pressão sobre o Governo de Hong Kong, num momento em que Pequim mobilizou milhares de tropas na cidade vizinha de Shenzen, fazendo crescer os receios de uma intervenção chinesa.

Twitter bane propaganda dos ‘media’ controlados pelo Estado após suspender contas associadas à China

[dropcap]A[/dropcap] rede social Twitter informou hoje que não aceitará mais “propaganda de órgãos de imprensa controlados pelo Estado”, condenando comportamentos “manipuladores”, depois de anunciar que suspendeu quase mil contas associadas ao regime chinês.

“Comportamentos ocultos e manipuladores não têm lugar no nosso serviço – eles violam os princípios fundamentais sobre os quais a nossa empresa foi construída”, defendeu o Twitter, em comunicado.

Na mesma nota, o grupo detalha que aquela medida não abrange órgãos independentes financiados pelos contribuintes ou que apenas se dedicam a conteúdo de entretenimento, desporto e viagens.

Pequim, que há muito se queixa que a imprensa ocidental domina o discurso global e alimenta preconceitos contra a China, investiu nos últimos anos milhares de milhões de dólares para convencer o mundo de que o país é um sucesso político e cultural.

Twitter ou Facebook têm sido parte central dessa estratégia, apesar de estarem bloqueados na China, onde a narrativa é controlada pelo Partido Comunista, cujo Departamento de Propaganda emite directrizes para os órgãos de comunicação ou censura informação difundida nas redes sociais domésticas, como o Wechat ou Weibo.

Vários órgãos de comunicação estrangeiros estão também bloqueados na Internet chinesa, a maior do mundo, com cerca de 710 milhões de utilizadores. No mesmo dia, o Twitter anunciou a suspensão de 936 contas originárias do continente chinês, que “deliberada e especificamente tentavam semear a discórdia política em Hong Kong, inclusive minando a legitimidade e as posições políticas dos manifestantes”.

A empresa disse que suspendeu as contas com base em “evidências confiáveis” de que se tratava de uma “operação coordenada pelo Estado”.

Também o Facebook disse que iniciou uma investigação, após receber informações do Twitter, e removeu cerca de 15 páginas, grupos e contas que estavam “associados ao Governo chinês” e também “focados em Hong Kong”.

Os órgãos de Pequim, incluindo a agência noticiosa Xinhua ou os jornais China Daily e Diário do Povo, têm coordenado uma campanha nas redes sociais visando caracterizar as manifestações em Hong Kong como tumultos violentos perpetuados por separatistas pagos por forças externas.
A cobertura diária na imprensa chinesa mostra imagens de manifestantes a atirar tijolos, provocar a polícia e a cercar esquadras.

Imagens de demonstrações pacificas, que têm reunido centenas de milhares de pessoas, de alegados abusos pelas autoridades, ou até as reivindicações dos protestos, são omitidas.

Pequim utilizou redes sociais contra manifestantes em Hong Kong

[dropcap]A[/dropcap]s autoridades chinesas utilizaram cerca de um milhar de contas do Twitter e várias páginas do Facebook para desacreditar e dividir os manifestantes pró-democracia em Hong Kong, anunciaram ontem as duas redes sociais.

A rede social Twitter anunciou que suspendeu 986 contas que “são coordenadas como parte de uma operação chinesa” para “minar a legitimidade e as posições políticas” dos manifestantes, disse numa mensagem.

Já a rede social Facebook salientou que removeu, pelas mesmas razões, sete páginas e três grupos, também relacionados com “pessoas associadas ao Governo de Pequim”.

Há mais de dois meses que Hong Kong é palco de protestos, marcados por violentos confrontos entre manifestantes e a polícia, que tem usado balas de borracha, gás pimenta e gás lacrimogéneo.

Em 1 de Julho, alguns manifestantes invadiram mesmo o parlamento de Hong Kong. Mais recentemente, o aeroporto de Hong Kong foi palco de manifestações, com as autoridades a serem obrigadas a cancelar centenas de voos numa das infraestruturas aeroportuárias mais movimentadas do mundo.

A transferência de Hong Kong para a República Popular da China, em 1997, decorreu sob o princípio “um país, dois sistemas”, precisamente o que os opositores às alterações da lei da extradição garantem estar agora em causa.

Para aquela região administrativa especial da China foi acordado um período de 50 anos com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário, sendo o Governo central chinês responsável pelas relações externas e defesa.

Todos no mesmo barco (I)

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 16, alguns hongkongers lançaram através da internet um apelo designado “816 Withdrawal Day”, instando todos os residentes da cidade a levantar o dinheiro do Banco e, de preferência, a trocá-lo por dólares americanos. Este movimento pretende pressionar o sistema financeiro de Hong Kong e forçar o Governo a dar resposta ao cinco pontos da agenda dos manifestantes contra a Lei de Extradição dos Condenados em Fuga.

Até ao momento, os Bancos da cidade não registaram qualquer movimentação fora do normal.
Hong Kong começou a implementar o sistema indexado de câmbio a 17 de Outubro de 1983. Os três Bancos emissores de moeda em Hong Kong, o Bank of China, o HSBC e o Standard Chartered Bank, precisam de ter em depósito dólares americanos para cobrirem a emissão da moeda local, emissão que é feita sob a supervisão da Autoridade Monetária de Hong Kong. A taxa de conversão é fixa; 1US dólar equivale a 7,8 HK dólares. Até ao momento, o sistema indexado de câmbio tem funcionado bem, sem quaisquer efeitos adversos.

A grande vantagem deste sistema é a paridade entre as duas moedas em termos de confiança. Quem confia na moeda americana, confia na moeda de Hong Kong.
Os Bancos emissores de moeda em Macau, o BNU e o Banco da China (Filial de Macau) emitem moeda, contra a entrega na Autoridade Monetária de HK dólares. A taxa de câmbio é fixa; 1,03 pataca equivale a 1 HK dólar.

No sistema indexado de câmbio, o dólar americano representa a reserva financeira do dólar de Hong Kong, pela mesma lógica, o HK dólar é a reserva financeira na emissão da moeda em Macau, ao abrigo do sistema indexado câmbio desta cidade. Acreditar no valor da pataca significa acreditar no valor do HK dólar e do dólar americano.

A confiança é o valor mais importante de qualquer moeda. Quem não confia na moeda, prefere apostar noutros bens, como por exemplo imobiliária, ouro, jóias, etc.

E agora há quem queira lançar uma campanha para retirar o dinheiro dos bancos, para criar de forma maliciosa tensões financeiras, caos e mesmo o pânico em Hong Kong. Este movimento tende a afectar directamente o estatuto de Hong Kong como centro financeiro. Estas pessoas procuram lutar pelos seus objectivos destruindo Hong Kong. Contudo, ao destruirem Hong Kong, também vão afectar Macau. Tudo isto é totalmente desnecessário. Até ao momento, não há notícias de qualquer prejuízo causado em Macau. É sem dúvida algo de positivo. A série de incidentes, desencadeada em Hong Kong pela revisão da Lei de Extradição, não afectou, nem irá afectar Macau.

Hong Kong tornou-se um centro financeiro a nível mundial devido aos esforços que desenvolveu ao longo de vários anos. Não é um objectivo que se possa atingir de um dia para o outro. O factor mais importante em qualquer sistema financeiro é a confiança que as pessoas nele depositam.

Uma vez que essa confiança se perde, todos os sistemas financeiros colapsam. Se Hong Kong vier a ter problemas de ordem financeira e perder o seu estatuto de centro financeiro mundial, que mais valia lhe vai restar? Hong Kong não tem recursos naturais, as conquistas que alcançou foram obtidas com muito esforço, durante muitos anos. Os hongkongers alcançaram estas metas porque durante muito tempo possuiram espírito de inter-ajuda, encorajamento mutúo e, depois, colheram juntos os frutos do seu suor. Os hongkongers também preferem “navegar no mesmo barco”. Nos anos 70, acreditavam que quem trabalhasse com afinco, teria um futuro brilhante. Por isso, a partir dessa altura Hong Kong desenvolveu o espírito consagrado na canção “Under the Lion Rock”. A letra desta canção, interpretada pelo famoso cantor “Luo Wen”, já falecido, dizia o seguinte:

“Evitem os conflitos e persigam juntos os vossos ideais
Estamos no mesmo barco, jurámos não ter medo e permanecer unidos
Deste lado do Cabo, demos as mãos e enfrentemos as intempéries,
Trabalhamos com afinco e escrevemos a história
da Imortal Hong Kong”

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

Melhor que nada 

[dropcap]D[/dropcap]iz o deputado José Pereira Coutinho que Portugal pode ser um exemplo em matéria de lei sindical. Pode, de facto, porque em Macau esse direito existe na Lei Básica, mas não está sequer legislado. Mas, repare-se no que aconteceu na última semana: mesmo com uma lei, tentou-se de tudo para que os motoristas de matérias perigosas não avançassem para a greve.

Fizeram-se mil e um encontros para que não acontecesse o exercício de um direito, que foi questionado por muitos, apesar de termos uma lei e de vivermos numa sociedade supostamente livre. Sim, a lei sindical em Portugal é um exemplo, mas há que reflectir sobre a sua aplicação prática e o olhar que políticos e população depositam sobre ela. Não basta a existência de uma lei, é importante a formação cívica. O direito à greve não deve ser encarado com dúvidas ou rejeitado quando for mais conveniente. No caso de Macau, há muito que a lei sindical é uma batata quente passada de mão em mão, e todos sabemos como se lidam com as batatas quentes no território: passam-se, mas não se comem, que é como quem diz, não se resolvem os problemas. Ao invés, estuda-se, estuda-se eternamente. Ho Iat Seng é, além de político, um empresário ligado às elites.

Não sei se está pronto para fazer uma lei que permita a existência de greves em Macau, esse bicho papão que iria afectar as bilionárias receitas do jogo e demais sectores da economia. Enquanto isso, os trabalhadores sujeitam-se ao que há, em pleno século XXI.

Cavalleria rusticana: a ópera-prima de Mascagni

[dropcap]A[/dropcap] ópera Cavalleria rusticana, do compositor italiano Pietro Mascagni, é um melodrama em um acto com libreto em italiano de Giovanni Targioni-Tozzetti e Guido Menasci, e uma das óperas mais representativas do género operático pós-romântico denominado verismo, associado a compositores italianos tais como Umberto Giordano, Francesco Cilea, Giacomo Puccini, e Ruggero Leoncavallo, para além de Mascagni. O libreto é baseado num conto e subsequente peça do romancista Giovanni Verga, um autor verista italiano que, tal como outros do mesmo movimento literário, procurou retratar o mundo com maior realismo, escrevendo sobre temas como a vida dos pobres e os problemas do homem e da mulher contemporâneos, geralmente de natureza sexual, romântica ou violenta, que em geral não eram considerados adequados para a literatura.

Em Julho de 1888, o editor milanês de música Edoardo Sonzogno anunciou um concurso aberto a todos os jovens compositores italianos que ainda não tinham visto uma ópera sua representada em palco. Convidou-os a apresentar uma ópera em um acto e as três melhores (seleccionadas por um júri de cinco destacados críticos e compositores italianos) representar-se-iam em Roma, a cargo de Sonzogno.

Mascagni ouviu falar do concurso apenas dois meses antes da data final e pediu ao seu amigo Giovanni Targioni-Tozzetti, um poeta e professor de literatura na Real Academia Naval italiana em Livorno, que lhe proporcionasse um libreto. Targioni-Tozzetti escolheu Cavalleria rusticana, um conto popular de Giovanni Verga como a base da ópera. Ele e o seu colega Guido Menasci puseram-se a compor o libreto, enviando-o a Mascagni por partes, às vezes apenas uns poucos versos escritos na parte de trás de um postal. A ópera foi finalmente apresentada no último dia do prazo. No total, apresentaram-se 73 óperas a concurso, e no dia 5 de Março de 1890, o júri seleccionou as três obras finais: Labilia de Niccola Spinelli, Rudello de Vincenzo Ferroni e Cavalleria rusticana.

Havia outras duas óperas baseadas na história de Verga que foram a concurso. Uma delas, de Domenico Monleone, foi também baseada na história, e também intitulada Cavalleria rusticana. A ópera não teve êxito no concurso, mas foi estreada mais tarde nesse ano em Amesterdão a que seguiu uma digressão com êxito pela Europa, acabando em Turim. Sonzogno, desejando proteger a lucrativa propriedade em que se havia convertido a versão de Mascagni, empreendeu acções legais e com êxito conseguiu que a representação da ópera Monleone fosse proibida em Itália.

Embora Mascagni tivesse começado a escrever outras duas óperas antes (Pinotta, estreada em 1932 e Guglielmo Ratcliff, estreada em 1895), Cavalleria rusticana foi a sua primeira obra terminada e representada, continuando a ser a mais conhecida das suas quinze óperas e operetas. Para além de Cavalleria rusticana, apenas Iris e L’amico Fritz permaneceram no repertório standard, com Isabeau e Il piccolo Marat nos limites exteriores do repertório italiano.

O seu êxito foi um fenómeno desde a sua primeira representação no Teatro Costanzi em Roma, no dia 17 de Maio de 1890, até à actualidade. Quando Mascagni morreu em 1945, a ópera tinha alcançado, em Itália apenas, as 14.000 representações.

A primeira representação de Cavalleria rusticana causou sensação, com Mascagni a aparecer 40 vezes a saudar na noite de estreia, ganhando o Primeiro Prémio do concurso. Naquele mesmo ano, depois de se venderem todas as representações no Teatro Costanzi, a ópera produziu-se por toda a Itália e em Berlim. Em Dezembro, Gustav Malher dirigiu a obra em Budapeste. Pouco depois, as cidades de Munique, Hamburgo, S. Petesrburgo, Dresden e até Buenos Aires acolheram a obra. Em Março de 1891, foi apresentada em Viena. Teve a sua estreia em Londres no Teatro Shaftesbury no dia 19 de Outubro de 1891 e no Covent Garden no dia 16 de Maio de 1892. Aos 26 anos de idade apenas, Mascagni tinha-se tornado internacionalmente famoso.

Os produtores norte-americanos lutaram entre si, as vezes mesmo através dos tribunais, pela primeira apresentação da ópera naquele país. Cavalleria rusticana finalmente foi estreada em Filadélfia na Grand Opera House no dia 9 de Setembro de 1891, seguida por Chicago no dia 30 de Setembro de 1891. A ópera foi estreada em Nova Iorque no dia 1 de Outubro de 1891 com duas representações rivais no mesmo dia, uma representação vespertina no Casino, dirigida por Rudolph Aronson e uma à tardinha no Liceo Lenox dirigida por Oscar Hammerstein. A ópera estreou no Met no dia 30 de Dezembro de 1891 num programa duplo com um fragmento de Orfeo ed Euridice de Gluck e, desde então, foi aí representada mais de 600 vezes.

A acção de Cavalleria rusticana é passada numa aldeia na Sicília, na manhã do Domingo de Páscoa, no séc. XIX. Uma rapariga triste e ansiosa, Santuzza, procura o seu amante Turiddu, recentemente regressado da tropa, que a traiu e voltou para a sua antiga noiva, Lola, que entretanto se tinha casado com o abastado Alfio. Santuzza tenta, em vão, recuperar o seu amante. Louca de ciúmes, conta a Alfio, o marido enganado, sobre Lola e Turiddu, selando, nesse momento, o destino de Turiddu. Alfio desafia-o para um duelo. Após despedir-se da sua mãe, Turiddu parte para o seu encontro fatal…

A ópera contém árias famosas como a siciliana “O Lola c’hai di latti la cammisa”, o poderoso hino “Inneggiam, il Signor non è morto…”, o famoso Intermezzo sinfonico, e “…a te ! la mala Pasqua !!!”, entre outras.

Cavalleria rusticana continua a ser uma das óperas mais populares hoje em dia; nas estatísticas da Operabase aparece como a n.º 27 das cem óperas mais representadas no período 2005-2010, sendo a 16.ª em italiano e a primeira de Mascagni.

 

Sugestão de audição da obra:
Pietro Mascgani: Cavalleria rusticana
Plácido Domingo (tenor) as Turiddu; Elena Obraztsova (mezzo-soprano) as Santuzza; Renato Bruson (baritone) as Alfio, Fedora Barbieri (mezzo-soprano) as Mamma Lucia; Axelle Gall (actress) as Lola; Coro del Teatro Alla Scala di Milano, Georges Prêtre – Decca: 470570-2

Poiesis

[dropcap]C[/dropcap]he cos´è la poesia?

Vem de um outro lugar, recria tudo, e liberta-se das cintilações e daquilo que para fora sujeita a esfera que o toma – ” ele ocorre então, no essencial, sem actividade, sem trabalho, no mais sóbrio pathos, estranho a qualquer produção, sobretudo a criação”. Do poema falamos, e o nosso braço vai buscar ainda a antiga asa dos pássaros lembrando que os braços vieram delas e que delas ainda há que dar testemunho. Não vem contar nada, a narrativa escasseia num grande poema, mas abundam estranhezas várias, as suas demonstrações e toda a composição verbal parte ao serviço de um dom absolutamente esquecido do antes da palavra, daí, o ser tão avassalador por vezes a leitura de um poema, onde regra geral, também não devemos em posição de choque perguntar nada, a não ser deixar-nos penetrar de modo desconhecido por esse corpo vivo que nasceu imerso em enigma.

O que o separa do acto discursivo é ainda o saber escutar a antiga onomatopeia a que o cérebro acede como um animal que bebe numa fonte granítica as águas da infiltração, e, em magma inteligível, o poema fala. As ligações estão feitas, só falta deixar correr, e aos que não têm sede poder-se-ão saciar com licores, o poema não o carregamos nem deseja que o surpreendam, a manifestação acontece dado que se recria partindo de um ponto remoto ao movimento que o faz soltar-se da nossa mão, o fazedor nunca será o gerador do significado, mas aquele que o exercita, distanciando-se da natureza próxima para recriar aléns. Acrescentar, continuar o que não foi testado, é esta a base da sua origem semântica e do seu grande impulso vital, e neste processo, remontar a uma pré-articulação seria uma forma de amputar aquilo que só ele diz sem que tenhamos de o pensar. Assinamos um poema e foi ele que nos sinalizou, ele merece não ser do artesão, e não ser andor para a festa das “criatividades” falamos de uma estrutura mais ambivalente se assim se pode chamar, e bem mais complexa que o simples desejo de termos feito o poema que projectámos. Ainda fazemos muito pouco face a este fenómeno que nos faz, e por nós passa sem que carregue a nossa desconhecida causa.

Por outro lado, não o podemos transgredir na medida que a norma não a sentimos presente, de tão longe as correspondências atravessam socalcos para alinharem na memória, que pode produzir por si só uma nova ordem recriando-se do caos das intenções, dedicar poemas é por isso um artefacto que não assenta na vertente mais elaborada deste registo, pois que atravessa na dedicatória um esforço para ir em direção a algo ou a alguma coisa ou a alguém, que nos obriga a um desvio e a procurar outro suporte, porventura belo e muito bem escrito, mas, que certamente retirou pelo dirigismo intencional a sua função primeira.

Deixemo-lo, ele fará o seu percurso, muitas das vezes nem o queremos ver, por vezes a sua pegada em nós pode levar-nos à prostração – os alinhamentos sangram – ( Poieses também é um termo biológico para designar as células do sangue) e toda esta atmosfera não se vive como se estivéssemos numa luta de razão-acção- emoção, pode não se passar nada disto, pode apenas seguir-se o trilho, e se tocar num ponto brilhante sabemos da torrente fresca em nosso redor, que nos alivia e aligeira como se a acção tivesse produzido uma vida nova e diante de um primeiro idílio despontássemos. Os sistemas têm contudo a capacidade de se recriarem, ou criar algo bem diferente de si, e ao juntarmos tais “metabolismos” enquanto artesãos entramos sem dúvida num grau de consciência bastante mais aperfeiçoado. Sistemas existem que não possuem limites ou tempos autodefinidos, talvez se multipliquem indiscriminadamente repetindo a mesma fórmula, o que ocorre dizer da doença oncológico que ao não recriar se esgota no seu próprio efeito de repetição, e talvez, numa época tão incrivelmente e mentalmente não “meta-poética” a epidemia mundial seja mesmo o cancro . Um sistema calcinado de circulação fechada que se reproduz sem capacidade moderadora, e, portanto, imprópria para gerar vida nova, vítima de um processo de auto- semelhança onde a única coisa a nascer foi a teoria do caos.

Poiesis significa “fazer” um termo grego, daí o poeta ser o fazedor por excelência. O fazedor é o amador, aquele que se irá transformar pouco a pouco na coisa amada, com o decorrer do tempo o amor bebe-se em cálices onde um cérebro cabe inteiro fazendo conexões transformáveis, e talvez se sinta que amplie e que lá bem por dentro esteja a molécula de Deus de onde todos os poemas nascem. Mas, ele não faz ligações à fronte projectada, mas sim aos que começam imperceptivalmente a tomar-lhe o pulso, e que sabem agora que o poema não nasce assim, e que se há esse encanto, por vezes até escarninho face a essa identidade tão rara, é porque sabem as gentes que sabem bem mais do que podem, ou para si mesmo admitem.

O dom do poema não cita nada, não tem nenhum título, não faz mais histrionices, ele, sobrevém sem que tu o esperes, cortando o fôlego, cortando com a poesia discursiva e sobretudo literária.

Nas próprias cinzas desta genealogia. Não a fénix, não a águia, o ouriço, muito baixo, bem baixo, próximo da terra. Nem sublime, nem incorpóreo, talvez angélico, temporariamente.

Uma profissão que não precisa de treinar

[dropcap]V[/dropcap]aldemar era baixista profissional “freelancer”, no Rio de Janeiro, casado e com dois filhos. Trabalhava para vários estúdios e acompanhava cantores em shows. Nos tempos de folga, que eram poucos, no boteco do Ademar, entre um chopp e outro, queixava-se que a mulher não entendia o seu trabalho. Não era por questões estéticas ou técnicas, ela não entendia o que é ser-se instrumentista. Arlinda não entendia a sua profissão. Quando a mulher chegava do trabalho, do seu salão de beleza, e encontrava Wal a ouvir música ou a tocar o seu instrumento, imediatamente se queixava dele estar de bobeira, em vez de ajudar em casa. Para Arlinda, trabalhar era quando Val ia para o estúdio ou para os shows e recebia dinheiro. Em casa ninguém lhe pagava, nem para tocar e muito menos para ouvir música. Apesar de Val dizer continuamente que ouvir música era parte do seu trabalho, assim como tocar em casa, que era fundamental, Arlinda não queria saber desse papo furado. Não entendia que grande parte do trabalho de um músico é feito sem receber dinheiro. Treina-se anos para tocar alguns minutos em cima de um palco, umas horas a gravar num estúdio. Arlinda dizia: “Você pode treinar quando estiver no estúdio ou quando passa o som antes dos shows”. Aquilo era tão absurdo para um músico, que Val ficava sem resposta. Era como se alguém dissesse para um nadador de competição “você pode treinar no aquecimento, antes da prova”. Arlinda trabalhava muito, é verdade, e cada minuto do seu trabalho era pago. O treino que ela teve foi antes de começar a trabalhar. Aí, sim, não recebia dinheiro, treinava. Depois, quando começou a trabalhar, primeiro como empregada e depois como patroa, acabaram-se os treinos. Todo o tempo da sua vida era a sério, a facturar. Arlinda não conseguia entender como é que alguém que era profissional, competente a executar a sua profissão, tinha de continuar a treinar. Pior ainda: como é que ouvir música fazia parte do seu trabalho. “Ouvir música é diversão ou vagabundagem, não venha cá com trabalho, quem quer você enganar?” E não adiantava que outros colegas de profissão atestassem com Arlinda, que era assim com todos. “Músico rala mesmo”, diziam, “trabalha a semana toda e recebe ao sábado”.

Se formos a tentar entender o modo de pensar de Arlinda, ela não estava errada de todo. De facto, os músicos deveriam ser pagos para ouvir música, assim como para treinar, o que aliás acontece com aqueles que fazem parte de orquestras, onde o salário que recebem paga as horas de treino diárias que fazem, que são bastante mais do que as que tocam em palco. No seguimento deste modo de pensar, um amigo de boteco metido a filósofo, o Celso, dizia-lhe: “Não é Arlinda que está errada, nem você, Val, o que está errado é o mundo. O mundo quer beleza, mas não imagina o trabalho que a beleza dá. Quer beleza, mas não quer pagar. E sabe por que isto acontece, Val?

Porque se julga que beleza é como mulher bonita, aparece no mundo por obra e graça do Espírito Santo.” Mas Val não entendia bem o seu amigo. O que o preocupava era o estado em que a sua relação com Arlinda estava, pela incompreensão dela com a sua profissão. O problema dele era fácil de equacionar: como é que vai fazer com que a sua mulher perceba que tocar e ouvir música em casa é parte do seu trabalho?

Depois desta última conversa no botequim, Val saiu em viagem com uma banda e passaram-se meses sem que alguém botasse a vista em cima dele. Como se diz no Brasil, o que engorda o boi é o olho do dono. Meses sem dar as caras em casa, para mais com a relação no estado periclitante em que a tinha deixado, quando regressou a Arlinda tinha outro. Val teve de deixar a casa nessa mesma noite.

Quando regressou ao boteco e contou o que lhe tinha acontecido, o metido a filósofo perguntou se o outro era empresário, se tinha um emprego estável, se era um cara de responsa. Val respondeu: “O cara é ator pornô!” Celso deixa escapar a sua estupefacção: “Pô, ator pornô, Val?”

Este respondeu com a indiferença dos condenados, abanando os ombros: “Ué, é profissão que não precisa de treinar.”

Governo entregou a Paula Rego a condecoração de Mérito Cultural

[dropcap]É[/dropcap] um gesto simbólico, com tudo o que isso significa, mas faltava este reconhecimento com a Medalha de Mérito Cultural do Governo do seu país, do Governo de Portugal, e que era importante que fosse feito”, disse, sexta-feira, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, após uma visita ao estúdio da artista, na capital britânica.

A entrega da condecoração foi feita em privado, com a presença de dois dos filhos de Paula Rego, Caroline e Nick Willing, e da assistente e modelo, Lila Nunes, além do embaixador de Portugal no Reino Unido, Manuel Lobo Antunes.

Graça Fonseca disse que, “de facto, é a última homenagem [que faltava]”, elegendo Paula Rego como “seguramente uma das nossas maiores [artistas portuguesas], senão mesmo a maior. Tenho alguma dificuldade com a maior, porque temos óptimos artistas”.

A condecoração coincide com uma grande exposição retrospectiva da obra da pintora em Milton Keynes, cidade a norte de Londres, que a ministra vai visitar na próxima quarta-feira, e que se centra na consciência social e política de alguns dos seus trabalhos.

“Paula Rego: Obediência e Desafio”, no museu MK Gallery, abrange a obra desde os anos 1960 até 2011, com mais de 80 trabalhos, desde desenhos e gravuras em papel a colagens e pinturas em grandes telas.

A exposição vai estar em digressão, primeiro no museu Scottish National Gallery, em Edimburgo, de 23 de Novembro a 26 de Abril de 2020, e depois para o Irish Museum of Modern Art, em Dublin, de 25 de Maio de 2020 a 1 de Novembro de 2020, sendo a primeira primeira retrospectiva da obra de Paula Rego tanto na Escócia como na Irlanda.

Da mostra fazem partes quadros produzidos durante a ditadura portuguesa, como “Salazar a Vomitar a Pátria”, de 1960, e sobre o aborto, alguns dos quais produzidos após o referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, em 1998, repetido em 2007, resultando na despenalização apenas à segunda tentativa.

A marcar gerações

“Paula Rego marcou-me muito a mim, mas também marcou muitas gerações. A campanha, a série que ela fez sobre o aborto, o quadro extraordinário do Padre Amaro, teve uma importância gigante na altura, porque é uma série que nos abana e que nos faz pensar, que coloca um enfoque completamente diferente numa questão social na altura muito séria e que conquistámos, quem defendia, e em grande parte devemos isso à Paula Rego. Há aqui várias homenagens que devemos à Paula Rego”, disse a ministra.

O embaixador de Portugal no Reino Unido, Manuel Lobo Antunes, realçou que Paula Rego “é uma pintora reconhecida, amada [pelos britânicos], que vai ter uma grande exposição aqui em 2021, e mais que merecedora desta condecoração, aliada a uma personalidade que é fascinante e uma pessoa de uma simpatia e humanidade absolutamente fantásticos”.

Percurso de excelência

Nascida em Lisboa, Paula Rego, que completou 84 anos em Janeiro deste ano, viajou para Inglaterra aos 16 anos para terminar os estudos secundários numa escola privada e ingressou, no ano seguinte, na Slade School of Fine Art.

Desde 2009 que a obra da artista tem um museu dedicado em Cascais, a Casa das Histórias Paula Rego, o qual tem mostrado várias vezes a obra do marido, Victor Willing, falecido em 1988.
Possui dupla nacionalidade, portuguesa e britânica, e em 2010 foi distinguida com o grau de Dame Commander of The Order of the British Empire pela rainha Isabel II, pela sua contribuição para as artes.

Exposição | Santiago Ribeiro apresenta “Industrial of Apples”, em Pequim

Santiago Ribeiro mostra a partir desta sexta-feira, em Pequim, um dos seus trabalhos na Exposição Internacional de Arte Contemporânea. O criador do projecto “Surrealism Now” conta como sempre se distanciou da ideia do surrealismo estabelecida por André Breton em Paris e depois por nomes como Mário Cesariny e Cruzeiro Seixas em Portugal

 

[dropcap]N[/dropcap]atural de Coimbra, Portugal, Santiago Ribeiro expõe pela primeira vez na China depois de ter percorrido o mundo com o seu trabalho. A sua obra “Industrial of Apples” chega à capital chinesa onde estará presente na Exposição Internacional de Arte Contemporânea, inserida no evento “Art Week in China”, entre os dias 23 e 28 deste mês, organizado pela União das Artes da Eurásia, a Fundação Mundial para as Artes e o Centro Cultural da Rússia, em Pequim.

Em entrevista ao HM, o artista fala de como surgiu a oportunidade de expor na China, depois de o seu trabalho ter passado por Belgrado e Moscovo. “Fiquei surpreendido porque essa organização russa foi criando representantes em vários países, e eles é que organizam o mesmo projecto que é feito na Rússia. Têm apoio da Casa da Rússia em Pequim que também apoia esta exposição. Não há apoios de portugueses”, confessou.

Santiago Ribeiro adiantou que já há muito desejava expor na China, depois de ter marcado presença em Taiwan. Macau também está nos planos do artista, mas este só expõe “por convite”, assume.

Na China, Santiago Ribeiro acredita que o público “vai achar piada” à sua obra. “A minha pintura é abrangente, não tem política e não ataca ninguém, consegue passar em todo o lado. Não sei se irão muitas pessoas ver a exposição, mas acho que vão achar piada ao que faço, porque é um jogo de paciência, o que vai de encontro à célebre paciência de chinês.”

“Não pinto o Trump”

Santiago Ribeiro assume-se como “o grande mentor mundial” do movimento surrealista do século XXI, graças a um projecto por si criado em 2010. É a “Surrealism Now”, uma exposição internacional que começou por ter lugar em Coimbra, com o apoio da Fundação Bissaya Barreto, e que hoje agrega trabalhos de mais de 120 artistas, oriundos de 52 países. Esta exposição já passou por várias cidades do mundo. “Ao realizar esta exposição criei muitos contactos internacionais e muitos deles convidaram-me a expor, o que acabou por ser o caso de Pequim.”

O artista português assume que aborda, sobretudo, o tema da massificação e das grandes cidades nos seus quadros. “Não falo de política ou de temas da actualidade directamente. Faço muitas figuras por causa disso, dessa massificação, e cada figura tem um movimento próprio, a sua personalidade, porque não podemos ser números, temos um nome. Hoje as instituições não conseguem tratar-nos de forma personificada.”

Santiago Ribeiro diz não fazer retratos de Donald Trump, tal como não faria, à partida, o retrato de Xi Jinping.

“Não faço ou uso retratos do Trump. Na minha pintura não faço uma coisa focada na imagem de um político ou de um personagem, mas eles estão na pintura de forma indirecta.”

No caso de Xi Jinping, Santiago Ribeiro assume estar perante sentimentos contraditórios.

“O Presidente chinês é uma figura bastante simpática, mas a China tem outro sistema, é outro mundo. Pintaria Xi de forma muito simpática, vê-se que é uma pessoa afável. Mas não nos podemos esquecer que ele pode ser Presidente para sempre, e isso é andar para trás.”

O distanciamento, neste caso, seria fundamental para uma eventual pintura. “Só indo à China é que poderia retratar melhor o Presidente chinês. Nunca iria pintar o retrato do Presidente chinês sem ele estar a sorrir, porque ele está sempre a sorrir.”

Surrealismo livre

Apesar de se afirmar como pintor surrealista, Santiago Ribeiro diz nada ter a ver com os artistas portugueses que deram nome ao movimento em Portugal, como é o caso de Mário Cesariny ou Cruzeiro Seixas. Muito menos com André Breton, que, em 1924, publicou o Primeiro Manifesto Surrealista, em Paris.

Este afastamento não é apenas artístico, mas também ideológico. “Não tenho nada que me aproxime do Cesariny ou do Cruzeiro Seixas, até porque a única coisa que me aproxima deles é o conceito sobre o mito do sonho. De resto, eles falam em liberdade, mas a liberdade deles não tem nada a ver com a nossa, do século XXI.”

“Eles seguiam umas ideologias mais de esquerda e quem não partilhasse do seu ponto de vista não era considerado surrealista. No surrealismo do século XXI todos podem estar numa exposição e ter a sua própria forma de pensar, e não têm de obedecer a uma ideologia sectarista”, acrescentou o artista.

A título de exemplo, o projecto “Surrealism Now”, por si criado, afirma-se livre na sua essência. “Não temos só surrealistas, temos também outros artistas ligados a outras vertentes, como a arte visionária ou a arte fantástica. Estes partilham dos mesmos ideais, que é a liberdade de criar e de pensar.”

Santiago Ribeiro acusa André Breton e os seus seguidores de terem ficado parados no tempo. “Na altura do Breton atravessavam-se tempos muito complicados, com guerras mundiais, e eles ainda viviam muito os reflexos da Revolução Industrial. Os surrealistas sectários desses manifestos não deixavam as coisas evoluir, por isso é que diziam que o surrealismo estava morto, porque não evolui.”

O artista português considera que o surrealismo não só não está morto como ainda vive, ainda que de uma maneira diferente. “Continua a ter uma componente política como tudo, pois esta está em todo o lado. Mas é uma política onde temos sempre a palavra liberdade, pois somos livres para pensarmos como queremos. Não somos obrigados a pensar de acordo com os mesmos ideais. Acho Freud muito mais importante do que o Breton, pois o Breton era um político. O Freud era um filósofo e cientista que tentou explicar o inexplicável do sonho, e isso é importante para os artistas do século XXI”, exemplifica.

Hong Kong | Xinhua arrasa dono do Apple Daily

[dropcap]C[/dropcap]ão e escumalha nacional. Foi assim que a agência oficial chinesa Xinhua descreveu Jimmy Lai, dono da empresa que detém o Apple Daily, num editorial.

O jornal de Hong Kong, publicou na passada sexta-feira um anúncio de uma página onde, supostamente, quatro companhias internacionais demonstravam apoio aos protestos que têm invadido as ruas da região vizinha.

As empresas em questão, PwC, Deloitte, KPMG e Ernst & Young, distanciaram-se da mensagem publicada, apesar do anúncio estar assinado por “um grupo de empregados anónimos”. No editorial da Xinhua pode ler-se que Jimmy Lai ficará para a história como uma vergonha nacional e o homem que conduziu Hong Kong para o caos. Além disso, a agência oficial chinesa descreve o empresário como um fantoche ao serviço dos Estados Unidos.

Censura | TDM afirma posição editorial de acordo com os factos e a lei

As pressões à cobertura dos protestos de Hong Kong, pelos jornalistas do canal chinês da TDM, noticiadas pelo All About Macau, foram desmentidas ontem pela administração da empresa, que garante objectividade editorial de acordo com a lei. A Associação dos Jornalistas também não conhece as queixas

 

[dropcap]A[/dropcap] administradora do conselho de administração da Teledifusão de Macau, Lo Song Man, afirmou ontem ao HM que “os trabalhos editorais da TDM são baseados na objectividade dos vídeos e na reportagem dos factos, de acordo com os princípios e regras da profissão. Tudo tem sido feito de acordo com a Lei de Imprensa e com o Regime da Actividade de Radiodifusão, entre outras leis relevantes, cumprindo os códigos editoriais da TDM”.

A resposta da responsável, que é também membro da comissão executiva com o pelouro da informação, surge após a divulgação no domingo da notícia veiculada pelo portal “All About Macau” sobre alegadas pressões que os jornalistas do canal televisivo em língua chinesa estão a sofrer, por parte de superiores hierárquicos, quando se trata de reportar os protestos que decorrem há várias semanas na vizinha cidade de Hong Kong.

O aparente mal-estar entre os profissionais, que o Jornal Tribuna de Macau também publicou na sua edição de ontem em português, resultava de alguns constrangimentos editoriais na emissão de notícias e imagens das manifestações e dos confrontos com a polícia na ex-colónia britânica.

“Os conflitos desencadeados pela Lei da Extradição em Hong Kong estão a ficar cada vez mais sérios e os media da vizinha Macau também andam muito preocupados. A All About Macau recebeu uma queixa de um repórter da TDM, sobre repetidas interferências de superiores indicando que o enfoque na cobertura noticiosa das manifestações deveria ser o da posição oficial de Hong Kong”.

O portal acrescentava a obrigatoriedade de incluir imagens dos danos causados pelos manifestantes e dos agentes da polícia feridos, ao mesmo tempo que os excertos sobre os actos de violência policial haviam sido censurados dos textos, com a justificação de que eram demasiado longos e tinham que ser cortados.

“A moral está baixa” entre a equipa do departamento chinês de informação da TDM, acrescentava a All About Macau, com os jornalistas a evitarem pegar no tema de Hong Kong, para se livrarem das pressões. A decisão editorial de não enviar repórteres do canal chinês para as manifestações de Hong Kong foi outra crítica manifestada àquele portal, uma situação contrária ao que se tem verificado com os colegas em língua portuguesa, que todas as semanas têm feito reportagens na cidade vizinha.

Sem queixas

Também contactada ontem pelo HM, a presidente da direcção da Associação dos Jornalistas de Macau revelou desconhecer o caso em concreto. “Não sabia nada disso e ainda ninguém me contactou para falar ou apresentar uma queixa, portanto não sei se são apenas opiniões de alguns jornalistas ou se do departamento inteiro”.

Maria Cheang, que entretanto procurou saber mais informação sobre o caso, afirmaria ao final da tarde de ontem que não pôde aprofundar as causas da notícia, já que “os funcionários da TDM, que são também membros desta Associação, não receberam essas instruções dos seus superiores que vinham escritas na notícia do AAM”.

Mas a responsável, que também trabalhou na TDM, acredita que “como o nosso fim é reportar notícias objectivamente, se alguém quiser comentar informação subjectiva junto da imprensa, deveria comunicar primeiro com os seus editores”. Maria Cheang comentou ainda que a comunicação entre a hierarquia do departamento e os jornalistas deveria “ser melhor” para as chefias saberem o que os seus profissionais pensam. “Caso haja alguma diferença entre as formas de ver o problema, deveriam discutir primeiro entre eles”, acrescentou.

O não envio de repórteres para Hong Kong pode ter sido mais um equívoco de interpretação, segundo a dirigente da Associação de Jornalistas. “A vida de uma pessoa é importante, e eles têm a responsabilidade de garantir a segurança dos seus funcionários, antes de enviar alguém para uma manifestação. Acho que pode ter havido um problema na comunicação com os jornalistas”, frisou.

Todavia, insistiu Maria Cheang, “se a situação do departamento envolvido não for boa, espero que (os jornalistas) possam comunicar com a Associação”, e fez votos para “que os superiores da administração não interfiram nas reportagens dos jornalistas, devolvendo-lhes a liberdade de imprensa”.

GPDP| Empresa multada por usar dados pessoais para marketing

[dropcap]O[/dropcap] Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais (GPDP) ordenou a censura pública e aplicou uma multa de 35 mil patacas a uma empresa de serviços de beleza por fazer uso de dados pessoais de um cliente, sem o seu consentimento para efeitos de marketing, anunciou ontem em comunicado.

Segundo o GPDP, o organismo recebeu uma queixa de um residente por receber chamadas de marketing respeitantes aos serviços de beleza da Svens Medic Face Skin Centre, apesar de ter apresentado a sua oposição.

“O titular dos dados tem o direito de se opor ao tratamento dos dados pessoais que lhe digam respeito previsto pelo responsável pelo tratamento para efeitos de marketing directo ou qualquer outra forma de prospecção comercial, após o exercício do direito de oposição, o responsável pelo tratamento não deve tratar dados relevantes”, aponta o GPDP, justificando a aplicação das sanções.

Jogo | Suncity perde todas as salas VIP em casinos australianos

O grupo Suncity vai perder as salas VIP que tinha em casinos australianos. A informação vem na sequência da proibição de Alvin Chau entrar na Austrália por suspeita de ligação a organizações criminosas e esquemas de lavagem de dinheiro

 

[dropcap]D[/dropcap]epois das notícias que ligaram o Suncity ao crime organizado e a esquemas de lavagem de dinheiro, assim como da proibição de Alvin Chau entrar na Austrália, o grupo de junket está perto de perder todos as salas VIP em casinos australianos. A notícia foi veiculada pelo jornal de Melbourne The Age.

A The Star Entertainment, o segundo maior operador de jogo australiano, referiu na passada sexta-feira que decidiu “nos últimos 10 dias encerrar a sala VIP que o grupo Suncity tinha no casino bandeira da The Star em Sydney”. A operadora fez questão de salientar que a decisão foi tomada em conjunto com a Suncity. “A sala reservada para a Suncity vai ser descontinuada. Tinham uma pequena sala, que vai ser encerrada”, anunciou Matt Bekier, CEO da The Star.

Segundo fontes citadas pelo The Age, um dos jornais que revelou as ligações do grupo de Macau ao crime organizado, a mesma situação vai-se repetir no casino da Crown em Melbourne, ou seja, a operadora também se vai distanciar da empresa junket e fechar a sua sala VIP.

O anúncio da operadora The Star surge depois do conselho da administração da Crown ter difundido anúncios a enaltecer a relação com a Suncity e outros operadores junket.

No entanto, Matt Bekier não quis comentar até que ponto a operadora continuaria a ter relações com o grupo de Alvin Chau depois de encerrar a sala reservada ao grupo de Macau.

Voltar atrás

A operadora The Star havia reafirmado há mais de uma semana que não via qualquer inconveniente em continuar a trabalhar com o Suncity Group. “O Suncity é o maior operador junket do mundo inteiro, com quem trabalhamos de uma forma respeitadora da lei. Aliás, reguladores de outros territórios atestam a credibilidade do grupo”, comentou Matt Bekier.

Importa referir que na passada sexta-feira a Star Entertainment anunciou um volume de negócio proveniente de apostadores VIP estrangeiros na ordem dos 28,8 mil milhões de dólares nos dozes meses que terminaram a 30 de Junho, o que representou uma quebra de 30,7 por cento em relação ao mesmo período no ano passado. No total, as receitas durante o período em apreço caíram 17,6 por cento.

Salário mínimo para deficientes não é vantajoso, aponta Ho Iat Seng

[dropcap]H[/dropcap]o Iat Seng considera que a inclusão das pessoas portadoras de deficiência na proposta de lei do salário mínimo universal pode ter desvantagens e não contribuir para a sua empregabilidade.

Num encontro com a Associação de Reabilitação «Fu Hong» de Macau, no Centro Pou Lei o único candidato ao mais alto cargo do Governo apontou que “a introdução de portadores de deficiência na lei de salário mínimo, pode reduzir as suas oportunidades de emprego, uma vez que os empregadores estar relutantes e fornecer condições adicionais”, disse. Por outro lado, “em Macau já há outras leis que fornecem subsídios aos patrões para empregar pessoas com deficiência, um modo de apoio que é relativamente directo”.

Recorde-se que a proposta de lei para atribuição de um salário mínimo em Macau avançou com a exclusão das empregadas domésticas e das pessoas portadoras de deficiência.

Acerca da atribuição de um subsídio para cuidadores, Ho Iat Seng sugeriu que num primeiro momento se proceda à implementação de um projecto piloto de modo a analisar a viabilidade e a metodologia para um possível avanço com a iniciativa. “Depois, com esta experiência, pode-se considerar a forma de aplicação que já será mais consistente com a situação real do território”, referiu. Ho recordou que no passado, houve leis que avançaram antes de estarem “bem estudadas”, tendo existido complicações posteriores de modo a alterar esses diplomas.

Espaços disponíveis

Entretanto, a presidente da assembleia geral da Associação de Reabilitação Fu Hong, Fátima Santos Ferreira, sugeriu ao candidato a construção de um edifício para albergar as empresas sociais, que criam serviços e emprego para os deficientes, apontando os novos aterros como uma possibilidade para a sua localização.

Para ultrapassar a questão de falta de espaço, a também membro do colégio eleitoral sugeriu uma parcela na zona A, dos Novos Aterros.

À solicitação, Ho Iat Seng respondeu que podem ser consideradas as zonas A ou E, não assumindo compromissos.

Sacos de plástico, diamantes e habitação social já têm data de implementação

[dropcap]O[/dropcap] diploma que regula as “Restrições ao fornecimento de sacos de plástico” foi ontem promulgado em Boletim Oficial (BO) e vai entrar em vigor a 18 de Novembro, 90 dias após a data de publicação. A nova lei estabelece as normas a aplicar aos estabelecimentos comerciais que forneçam sacos de plástico nas vendas a retalho sem cobrar taxa, que deverá ser de 1 pataca, ainda a fixar por despacho do Executivo.

No mesmo BO foram ontem também publicadas as leis da “Aplicação do Sistema de Certificação do Processo de Kimberley para o comércio internacional de diamantes em bruto” e do “Regime jurídico da habitação social”, cujas discussões na especialidade ficaram concluídas até ao encerramento da sessão legislativa a 15 de Agosto.

O diploma que prevê a aplicação do sistema internacional de certificação, na obtenção de licenças para os operadores que exercem actividades de importação, exportação, trânsito, compra, venda ou transporte de diamantes em bruto na RAEM, entrará em vigor a partir do dia 1 de Outubro de 2019.

Quanto ao diploma que vai definir as normas para a atribuição e arrendamento da habitação social, com vista a apoiar os residentes em situação económica desfavorecida, só daqui a um ano irá entrar em vigor, a 19 de Agosto de 2020.