Mural de Paula Rego criado para a National Gallery em Londres exposto pela primeira vez

Uma obra produzida pela pintora portuguesa Paula Rego para decorar o restaurante do museu britânico de arte antiga National Gallery vai estar pela primeira vez em exposição nas próximas semanas, juntamente com vários rascunhos.

O mural de 10 metros de largura “O Jardim de Crivelli”, criado entre 1990 e 1991, vai ser reunido também pela primeira vez com o retábulo “La Madonna della Rondine”, elaborado no século XV por Carlo Crivelli, que inspirou a pintora portuguesa.

Na exposição, aberta de quinta-feira até 29 de Outubro, vão estar ainda quatro esboços iniciais e oito desenhos a carvão de pessoas que serviram de modelos, nomeadamente amigas, familiares e funcionárias do museu.

O mural foi encomendado para uma parede do restaurante da ala moderna do museu inaugurada em 1991, durante uma residência artística de Paula Rego na National Gallery para produzir novas obras de arte inspiradas na colecção.

O programador da exposição, Priyesh Mistry, contou terça-feira, durante uma apresentação, como Paula Rego inicialmente recusou o convite para ser a primeira artista residente do museu, alegando que a colecção era demasiado masculina.

No entanto, dias mais tarde reconsiderou, e Mistry afirmou que “O Jardim de Crivelli” é um reflexo de como a portuguesa decidiu “subverter e recriar algumas das obras históricas sob a perspectiva de uma mulher e pintora europeia”.

No mural em tinta acrílica sobre tela, Rego imaginou a casa e jardim de Carlo Crivelli, pintor italiano especialista em quadros para altares representando vidas de santos, mas dando protagonismo a personagens femininas da Bíblia, das mitologias romanas e gregas e de lendas medievais.

Modelos caseiros

No mural estão representadas, entre outras, Virgem Maria, Santa Catarina, Maria Madalena e Dalila, cujos retratos foram inspirados em pessoas que privavam com a artista na altura.

Uma dessas modelos foi a historiadora de arte Ailsa Turner, que trabalhava no departamento de educação da instituição, e que se revê em várias das figuras.

“Ela era muito concentrada e eficiente a trabalhar e às vezes quando nos mexíamos ela pedia para mantermos aquele gesto. Por exemplo, a mão da Virgem Maria é minha”, contou à agência Lusa.

Outra cena de uma mulher e criança foi inspirada numa fotografia da própria Paula Rego com a filha Cassie.

O programador, Priyesh Mistry, revelou que Paula Rego soube da realização desta exposição antes de morrer em 08 de Junho de 2022, com 87 anos.

A exposição, vincou, é uma forma de “celebrar esta pintura notável e monumental e dar-lhe um pouco de destaque”, salientando a referência às origens portuguesas da artista.

“Ela baseou esta ideia do jardim e do cenário na estética do seu país, os emblemáticos azulejos azuis e brancos portugueses”, afirmou.

Colin Wiggins, que acompanhou a artista durante o processo de criação entanto funcionário do museu, saudou o facto de o mural ter sido “libertado do restaurante da National Gallery” e urgiu o museu a manter a obra em exposição permanente.

19 Jul 2023

Paula Rego em Istambul | Exposição evoca histórias contra violência e opressão

Uma exposição com obras da pintora Paula Rego que percorrem a sua produção desde 1960, em peças que confrontam a opressão, como “Salazar a Vomitar a Pátria”, estarão reunidas até Abril no Museu de Pera, em Istambul, na Turquia.

“A história das histórias” dá título a esta exposição, comissariada pelo curador Alistair Hicks, que estará patente naquele museu situado no bairro histórico de Pera, actualmente integrado no distrito de Beyoğlu, em Istambul.

Paula Rego, que morreu no passado mês de Junho aos 87 anos, é descrita como uma artista que “revolucionou as formas como as mulheres são representadas e que não cede nas suas verdades”, segundo o texto colocado na página do museu na Internet sobre a exposição, inaugurada a 23 de Dezembro.

Entre outras obras, estão expostas “Carmen Miranda” (1985), “Macaco Vermelho Bate na Mulher” (1981). No conjunto, os quadros selecionados percorrem o trabalho da artista portuguesa que se afirmou na cena londrina nas décadas de 1980 e 1990.

“A História das Histórias” pretende “mostrar como Paula Rego confronta autenticamente a opressão, a autoridade e a violência institucional sem ter medo de revelar a sua própria natureza pessoal e o contexto sociopolítico”, acrescenta o museu.

Na sua obra, Paula Rego, que se radicou em Londres nos anos 1970, abordou temas políticos, como o abuso de poder, e sociais, como o aborto, entre outros do universo feminino.

A exposição no Museu de Pera “visa demonstrar como ela lutou contra a depressão, o fascismo, o colonialismo e o movimento antiaborto, ao mesmo tempo em que liberou as suas histórias da repressão masculina”, acrescenta.

Prémios e identidade

Nascida em Lisboa, a 26 de Janeiro de 1935, numa família de tradição republicana e liberal, Paula Rego começou a desenhar ainda criança, um talento que lhe foi reconhecido pelos professores da St. Julian’s School, em Carcavelos. Partiu para a capital britânica com 17 anos, para estudar na Slade School of Fine Art.

Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, para fazer pesquisa sobre contos infantis, em 1975, e, em Londres, conheceu o futuro marido, o artista inglês Victor Willing, cuja obra Paula Rego exibiu por várias vezes na Casa das Histórias.
Em 2010, foi ordenada Dama Oficial da Ordem do Império Britânico pela rainha Isabel e recebeu, em Lisboa, o Prémio Personalidade Portuguesa do Ano atribuído pela Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal.
Paula Rego recebeu, em 1995, as insígnias de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, em 2004, a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada e, em 2011, o doutoramento ‘honoris causa’ pela Universidade de Lisboa, título que possui de várias universidades no Reino Unido, como as de Oxford e Roehampton. Em 2019, foi distinguida com a Medalha de Mérito Cultural pelo Ministério da Cultura.

29 Dez 2022

Aborto, outra vez

Aconteceu o que muitos temiam. A terra dos livres tornou-se menos livre com a decisão do Supremo Tribunal ao reverter o direito constitucional do aborto. As implicações são muitas, e não são boas. Os ingénuos acreditam que é uma luta ganha pelos direitos dos bebés por nascer. A hipocrisia e incongruência é revoltante. Agora, muitas mulheres americanas não poderão tomar uma decisão consciente sobre os seus corpos. Ganham direitos as suas crias por nascer, que nem sempre têm direitos depois. Os mesmos que proclamam a procriação como sagrada são os mesmos que não quiseram garantir o acesso a fórmula para bebés quando houve uma falta grave no país. São os mesmos que se agarram ao liberalismo para deixar o apoio à natalidade à mercê da logica dos mercados. (In)congruências.

Mas são todos pelos bebés e pela parentalidade. São os mesmos que assumem o conceito de família com base em repertórios performativos, sem reflexão, muito menos intimidade. Aqueles que se agarram ao conceito de mulher e homem e que os estancam na visão dicotómica do bem. A complexidade da vida humana não é contemplada uma única vez por estes decisores e os seus apoiantes, como se não fosse mais abrangente do que a existência de um embrião. Ignora-se que uma gravidez implica a vida das pessoas.

Ignora-se que tirar o controlo das mulheres sobre os seus úteros é um atentado humano muito mais grave do que supostamente “devolver o direito aos bebés por nascer”. Ignora-se a violência sistemática a que as mulheres são sujeitas graças ao patriarcado que se infiltra no dia-a-dia e nas políticas. Ignora-se o trabalho de dissociar a representação da mulher da sua objectificação corpórea, sem a ver para além da sua função para copular, parir e tomar conta de filhos.

Uma gravidez indesejada pode acontecer a qualquer uma, e ninguém acredite que o aborto é uma decisão simples e descomplicada. Mas ter acesso ao aborto seguro permite contemplar outras alternativas para além da maternidade naquele momento e naquelas circunstâncias. Vai abortar quem já tem filhos, quem está casada, quem ainda é adolescente, a trabalhadora do sexo, a trabalhadora do banco, a mulher ou a menina que foi violada.

Uma escolha que a investigação mostra – e aliada com uma boa educação sexual – reduzir o número de gravidezes indesejadas e promover maior bem-estar em geral. O aborto é uma intervenção médica simples e a OMS defende o seu acesso seguro em qualquer lugar do mundo. Os abortos vão existir sempre, e quanto menos existirem condições para um aborto seguro, mais complicações virão daí. Desde trauma físico e psicológico à morte.

Confesso que ando tão desiludida com o mundo que me foi difícil reagir ao que aconteceu recentemente nos Estados Unidos da América. Prefiro evitar ou não ouvir, ficar no conforto que há outros locais onde ainda está tudo bem. Sonhar que eles existem. Sem deixar de estar com medo que a ficção da “Handmaid’s Tale” se torne numa profecia.

A vontade de Deus (ou da natureza) é estrategicamente mobilizada para defender umas parvoíces, e não outras. Resta desconstruir e revelar a violência que ainda existe sobre as mulheres. É o momento para acreditar na força popular mais do que nunca e não desvalorizar – e até acompanhar – as pessoas que gritam nas ruas.

5 Jul 2022

Paula Rego

07/06/22

Raramente se encontra um melhor argumento para a necessidade da arte do que este, avançado pelo humanista e cientista Jorge Wagensberg:

«Olhar para trás é uma tarefa complacente, mas certas paisagens debotaram e, enquanto não se melhorar muito as técnicas de leitura, já não é possível saber quantos coices deu o cavalo de Napoleão; outros lampejos, em troca, como a Sinfonia Concertante de Mozart, permanecem claros e nítidos».

Em tempos de guerra como este, este argumento vê reforçada a sua pertinência, porque à guerra – como nesta disputa se tornou claro – motiva-a o passado e a vã ilusão de fixar o número de coices que deu o cavalo do Napoleão.

É a obsessão que orientou Putin, como, antes dele, inspirou outros corifeus da guerra: ressuscitar o império, reencontrar a pureza da alma eslava ou concretizar o velho sonho da Euroásia, não passam de facetas duma mesma crença, a saber, a solução para o mundo expressa-se no número cabalístico incarnado pelos coices que deu o cavalo de Napoleão.

Compromete-se a dignidade do presente e a do futuro quando insistimos em querer esvaziar o mar com uma forquilha. O passado não volta. A oportunidade que se gorou no passado não volta. O instante que acabou no momento em que digito esta frase não me tornará mais novo.

Suponhamos que a guerra se alastra e os beligerantes tiram das gavetas as bombas de neutrões. Daqui a cinquenta anos aterram os extraterrestres e encontram Paris, Moscovo, Joanesburgo ou Nova Iorque semi-devastadas e habitadas pelos ratos e o vento, sem sombra de humanos. Saberão ler nos vestígios a insanidade da guerra, que o homem não assimilou que se na natureza tudo é possível nem todos os acontecimentos virtuais são desejáveis ou plausíveis; que existem leis para restringir o caos e que devem ser seguidas. Mas encontram estátuas, um ou outro lance arquitectónico, arquivos, livros, imagens, e, num velho aparelho que activam, ouvem Bach, o Love Supreme de Coltrane, a nona Sinfonia do Mahler; são atraídos pela Notre Dame, de Paris, que, face à vacuidade de tudo, se ergue então como um alento misterioso.

E percebem pelo contraste entre a dor que o homem infligiu a si mesmo, extinguindo-se, e aqueles exemplos de uma exuberante fluidez harmónica, ou mesmo dissonante, que realçavam momentos de algum ajuste, de algum sentido para figurar uma busca de infinito, que se a insanidade havia vencido no planeta isso não representava em exclusivo o homem. O que nos degradou não havia eliminado a energia que nos arrancava do chão em busca de um equilíbrio, talvez cósmico.

Entram num museu de arte e vagueiam por entre as imagens, atentos ao halo que as obras humanas resgatam, aqui e ali, como testemunho de um certo viés para a beleza ou de um sentimento de exílio, mas ao arrepio da destruição.

Não era muito, mas esse testemunho repunha alguma dignidade. E resolvem levar algumas obras, uma pintura da Paula Rego, outra com uma estranha arquitectura de Robert Matta, onde curiosamente se sentem retratados, a dança dos estilhaços em Cold Dark Matter de Cornelia Parker (- antes, noutra sala, os extraterrestres haviam aproveitado a Fonte, de Duchamp, para urinar, e num relance às Sopas Campbell, de Warhol, não lhe descortinaram a validade, o que me faz desconfiar que estes extraterrestres se alimentam por fotossíntese).

Daqui a cinco séculos, a treze, ou naquilo que nos recordar e for levado pelos visitantes da Constelação de Orion, o que será digno de memória são as pinturas de Paula Rego e não os mísseis de Putin e Biden, por muito que isso custe a quem nos agride só perdura o que dá a vida. O mais são os coices e os flatos do cavalo do Napoleão – pó, sem terra onde poisar.

08/06/22

À procura de outra coisa, encontro esta afirmação de Simone Weil: «No mal, como no sonho, não existem leituras múltiplas. Daí a simplicidade dos criminosos. Crimes lisos como os sonhos dos dois lados: lado do carrasco e lado da vítima. Haverá algo mais aterrador do que morrer num pesadelo?».

Eis o portador do mal refém do seu olhar unilateral, dogmático, da sua impossibilidade em reverter os efeitos da sua própria crença. De cada vez que perpetra o mal, só se rebaixa, esgarçando ainda mais a possibilidade de conseguir ler o fio da relação entre as coisas. Paranóico, devido à suspeita de poder haver algo que possa não controlar, apega-se à inteligência. Só que esta, noutro dizer luminoso de Simone Weil, «não tem nada para descobrir, tem sim para terraplanar».

Como não pensar nos Senhores da Guerra.

Entretanto, volto a Jorge Wagensberg, que me ensina outras coisas surpreendentes. Por exemplo, que as crenças não são o produto de conclusões, mas, em qualquer caso, de estímulos. Mas igualmente que, se já sabíamos que as crueldades mais absurdas aparecem justificadas por uma concepção determinista do mundo, não demos conta que também muitos artistas e escritores ilustram os seus actos com as leis do determinismo: «O meu romance escreve-se sozinho, tal pintura, tal escultura têm a sua própria dinâmica, obedecem às suas próprias leis, algo guia a minha mão… ou o “Eu não procuro, eu encontro”, de Picasso.» – surpreendente, não é, como nunca tínhamos associado uma coisa à outra?

Leituras múltiplas, e responsabilização nos actos criativos: procuram-se, mortas ou vivas, 10 000 euros de recompensa.

10 Jun 2022

Pintora Paula Rego morreu aos 87 anos

A pintora Paula Rego, uma das mais aclamadas e premiadas artistas portuguesas a nível internacional, morreu na manhã de ontem em Londres, aos 87 anos, disse à agência Lusa fonte próxima da família.

De acordo com o galerista Rui Brito, a artista “morreu calmamente em casa, junto dos filhos”.
Paula Rego estudou nos anos 1960 na Slade School of Art, em Londres, onde se radicou definitivamente a partir da década de 1970, mas com visitas regulares a Portugal, onde, em 2009, foi inaugurado um museu que acolhe parte da sua obra, a Casa das Histórias, em Cascais.

Nascida a 26 de janeiro de 1935, em Lisboa, foi galardoada, entre outros, com o Prémio Turner em 1989, e o Grande Prémio Amadeo de Souza-Cardoso em 2013, além de ter sido distinguida com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada em 2004. Em 2010, recebeu da Rainha Isabel II a Ordem do Império Britânico com o grau de Oficial, pela sua contribuição para as artes. Em 2019, recebeu a Medalha de Mérito Cultural do Governo de Portugal.

O Governo vai decretar, em articulação com o Presidente da República, luto nacional pela morte da pintora Paula Rego, indicou ontem à agência Lusa fonte do Ministério da Cultura. Em Braga, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já lamentou a morte da pintora, destacando a sua projecção no mundo.

Questionado pelos jornalistas, em Braga, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que era a artista plástica portuguesa “com maior projecção no mundo” desde a morte de Vieira da Silva.

“É uma perda nacional. Certamente eu falarei com o senhor primeiro-ministro [António Costa] para ponderar como assinalar em termos de luto nacional essa perda, porque tem uma projecção muito longa, muito rica e muito prestigiante para Portugal”, disse o chefe de Estado.

Segundo o Presidente da República, era uma artista plástica “muito completa”, com projecção mundial durante “longas décadas”. “Há longas décadas que Paula Rego não é só muito importante em Portugal, em Inglaterra, onde vivia e onde eu pude visitá-la no seu estúdio em 2016, mas por todo o mundo”, reforçou.

Marcelo Rebelo de Sousa mencionou que esteve com o filho da pintora recentemente “na inauguração da exposição em Londres, depois em Haia e depois em Espanha, em Málaga” e que essa exposição “era uma recolha e uma homenagem numa altura em que se sabia que Paula Rego estava já doente, bastante doente”.

“Nenhum de nós podia imaginar que pudesse desaparecer”, acrescentou. O Presidente da República transmitiu à família da pintora “os sentimentos de todo o povo português”.

9 Jun 2022

Amagao | Exposição “Lusografia” reúne obras de mais de 20 artistas

De Paula Rego a Júlio Pomar, passando por Vhils, Alexandre Marreiros ou Cruzeiro Seixas, são 24 os artistas portugueses que terão as suas obras expostas na Galeria Amagao até 4 de Setembro. A exposição de obras de serigrafia, gravura e artes gráficas está integrada nas comemorações do 10 de Junho em Macau

 

Inaugura hoje na Galeria Amagao, espaço permanente localizado no Artyzen Grand Lapa, a exposição “Lusografia”, que reúne um espólio de cerca de 70 obras de serigrafia, gravuras e artes gráficas de 24 artistas portugueses.

Integrada nas comemorações do mês de Portugal em Macau, a exposição está patente até 4 de Setembro e inclui reproduções de “alta qualidade” de artistas portugueses de renome como Paula Rego, Júlio Pomar, Vhils, Vieira da Silva ou Cruzeiro Seixas, que podem ser adquiridas pelos visitantes.

“Proporcionou-se a oportunidade de fazer esta mostra associada às comemorações do Dia de Portugal e, por isso mesmo, embora sejamos uma galeria de vocação lusófona ampla, a iniciativa conta apenas com artistas portugueses (…) e não só artistas lusófonos em sentido lato”, começou por explicar ao HM, José Isaac Duarte, um dos responsáveis pela Galeria Amagao.

“Seria surpreendente não ter aqui em Macau manifestações de arte associadas a Portugal (…) pois são um elemento importante da presença portuguesa em Macau e no mundo. Como Portugal tem uma grande tradição na produção de serigrafias e obras feitas a partir das diferentes técnicas de gravura e há muitos artistas portugueses com produção de obras deste cariz [decidimos avançar com esta iniciativa]. Desde os mais consagrados aos mais novos”, acrescentou.

José Isaac Duarte vinca ainda que “a exposição não procura seguir qualquer tema”, encontrando sim “unidade” nas técnicas de gravura dos artistas com diferentes temas e abordagens.

“É uma exibição que tem a ver com técnicas de gravura e, dentro desse tema, decidimos fazer uma mostra diversificada de artistas que produzem obras variadas (…) e, portanto, as pessoas que visitam a exposição terão a oportunidade de encontrar obras de diversa natureza, com diferentes tonalidades, temas e abordagens”, vincou.

À flor da pele

Entre os artistas mais representados na exposição, o destaque vai para o modernista Júlio Pomar e o surrealista Cruzeiro Seixas, contando com cerca de uma dúzia de obras expostas cada um. Do lado da pintura portuguesa feita no feminino realce para o facto de a mostra incluir obras de Paula Rego e Graça Morais. Isabel Rasquinho e Alexandre Marreiros marcam presença na “Lusografia” também enquanto artistas com fortes raízes em Macau. Vhils, conhecido pelos seus trabalhos de arte urbana, tem três obras em exposição na Galeria Amagao.

José Isaac Duarte prefere, contudo, não destacar ou desvendar que obras ou artistas merecem, na sua opinião, maior relevo e convida os visitantes a descobrir por si próprios, que sensações e emoções os traços e as cores dos trabalhos lhes despertam.

“É óbvio que, tanto a Paula Rego como o Júlio Pomar têm uma dimensão internacional que não precisa de mais referências. O desafio passa por as pessoas virem aqui, verem as obras e fazerem o seu próprio julgamento. Haverá coisas que gostam e outras não, é natural. O importante é a oportunidade de nos confrontarmos com propostas diferentes de vários artistas e, sobre elas, fazer um juízo e ter uma reacção emocional. A arte, naturalmente, também tem uma componente de gosto e emoção e isso é importante”, partilhou.

Alexandre Baptista, Alfredo Luz, Artur Bual, Carlos Dugos, Clotilde Fava, Espiga Pinto, Francisco Geraldo, Graça Morais, João Paulo, Jorge Martins, José Luís Tinoco, Júlio Resende, Manuel Cargaleiro, Maria João Franco, Miguel Pamplona, Raquel Oliveira, Velhô e Vieira da Silva compõem a lista de artistas.

A exposição “Lusografia” pode ser vista até 4 de Setembro entre terça-feira e domingo, das 10h00 às 19h00. As obras expostas podem ser adquiridas pelos visitantes, com preços a partir das 3.000 patacas.

9 Jun 2022

Obra de Paula Rego avaliada em um milhão de euros falha venda

Uma obra da pintora portuguesa Paula Rego que foi ontem a leilão em Londres, cujo valor estava estimado em cerca de um milhão de euros, acabou por não ser vendida. O quadro de pastel sobre papel pintado “The Aunt (Nada), com cerca de 1,80 por 1,20 metros, concluído em 2006, foi a leilão pela Phillips com uma estimativa de entre 800 mil libras (922 mil euros) e 1,2 milhões de libras (1,38 milhões de euros).

A obra retrata uma cena inspirada no célebre romance “Nada”, da escritora espanhola Carmen Laforet, publicado originalmente em 1945, que conta a história de uma menina órfã, Andrea, que vai viver para casa de uma tia, em Barcelona.

A obra de Paula Rego foi uma das três que não foram licitadas entre 35 lotes de Arte Contemporânea e do Século XX, enquanto outra peça foi retirada antes do início do leilão.

O quadro que alcançou o valor mais alto foi “La féconde journée”, de Jean Dubuffet , arrematado por 4.378.500 libras, incluindo prémio de venda, o que equivale a 5,044 milhões de euros, o dobro da estimativa mais alta.

No leilão realizado hoje estavam obras de artistas como Banksy, Frank Stella, Alberto Giacometti, Mark Rothko, entre outros, tendo o formato digital atraído compradores de vários países. No total, rendeu 24.828.250 libras, equivalente a cerca de 29 milhões de euros.

“O resultado geral da venda envia uma mensagem de força ao mercado. Esperamos com expectativa pelos nossos leilões de Hong Kong e Nova Iorque em junho”, disse Olivia Thornton, responsável pelo departamento de Arte Contemporânea e do Século XX da leiloeira Phillips.

Em julho de 2015, um quadro de Paula Rego no qual a pintora aludia à morte do marido, em 1988, foi arrematado num leilão em Londres por 1,6 milhões de euros, estabelecendo um recorde da artista portuguesa.

Uma outra obra da artista, “Looking Out” (1997), um pastel sobre papel em suporte de alumínio, com estimativa entre 707 mil euros e 989 mil euros, foi arrematado no mesmo leilão por uma licitação final de 1.360.941 euros.

16 Abr 2021

Publicado inédito de António Tabucchi sobre artistas portugueses

[dropcap]A[/dropcap]ntónio Dacosta, Bartolomeu Cid dos Santos, Costa Pinheiro, José Barrias, Júlio Pomar, Maria Helena Vieira da Silva e Paula Rego estão entre os protagonistas do livro inédito de António Tabucchi “Estórias com figuras”, que é publicado hoje em Portugal.

Graça Morais, José de Guimarães, Lisa Santos Silva são outros nomes, na origem destas “estórias” de Antonio Tabucchi (1943-2012), segundo a informação hoje divulgada pelas Publicações D. Quixote.

A editora refere ainda que esta obra testemunha “a profunda e duradoura cumplicidade do autor italiano com a cultura e a arte de um país que tão bem soube compreender”.

A pintura e as artes visuais, em geral, atravessaram a obra de António Tabucchi, destacando-se em particular o conto “Vozes trazidas por alguma coisa, impossível dizer que coisa”, a partir das “As Tentações de Santo Antão”, de Hieronymus Bosch, da coleção do Museu Nacional de Arte Antiga, e “Sonhos de Sonhos” de artistas como Caravaggio, Goya e Toulouse-Lautrec, entre demais criadores, abordados pelo escritor.

Tabucchi nasceu em Pisa, onde estudou na Faculdade de Letras e na Scuola Normale Superiore. Ensinou nas Universidades de Bolonha, Roma, Génova e Siena, em Itália. Foi professor convidado no Bard College, de Nova Iorque, na École de Hautes Études de Paris e no Collège de France, também na capital francesa.

Entre romances, contos, ensaios e textos teatrais, Tabucchi publicou 27 livros, entre os quais um romance que escreveu em português, “Requiem” (1991), tendo as suas obras sido traduzidas em mais de 40 línguas.

Com Maria José de Lancastre, traduziu para italiano a obra de Fernando Pessoa. A sua obra foi posta em cena por encenadores como Giorgio Strehler e Didier Bezace.

Os seus livros “O Fio do Horizonte”, “Noturno Indiano”, “Afirma Pereira” e “Requiem” foram adaptados ao cinema, respetivamente, por Fernando Lopes, Alain Corneau, Roberto Faenza e Alain Tanner.

25 Ago 2020

Bienal Internacional das Mulheres Artistas está de regresso

Depois de uma primeira edição realizada em 2018, a Bienal Internacional de Mulheres Artistas de Macau está de regresso para uma segunda edição com o tema “Natura”. A pandemia do coronavírus adiou a realização do evento, programado inicialmente para 8 de Março a 13 de Maio, mas a organização promete anunciar novas datas para breve

 

[dropcap]O[/dropcap]rgulha-se de ser a primeira e única bienal dedicada ao trabalho artístico feito por mulheres e está de volta à cidade. Macau vai receber ainda este ano a segunda edição da Bienal Internacional de Mulheres Artistas de Macau (ARTFEM) sob o tema “Natura”, que “surgiu imediatamente como resposta ao momento que se vive actualmente a nível global, aquele em que olhamos para a situação grave em que se encontra o planeta”, aponta a organização no website oficial da Bienal.

A pandemia da covid-19 obrigou a um adiamento do evento, que estava agendado para os dias 8 de Março a 13 de Maio deste ano. Segundo a organização, novas datas deverão ser anunciadas em breve.
Esta edição contará com o apoio de três mulheres artistas na qualidade de madrinhas do evento. São elas a portuguesa Paulo Rego, uma das maiores pintoras portuguesas contemporâneas, actualmente radicada em Londres. Paula Rego, conhecida pela forma como trabalha o pastel na tela e pelos temas fortemente ligados às mulheres e aos sentimentos, começou por apoiar a Bienal logo na sua primeira edição, em 2018. Xiang Jing, nascida em Pequim no ano de 1968, e Un Chi Iam, ex-directora artística e designer do Centro Cultural de Macau, são as restantes madrinhas do evento.

De todo o mundo

A organização da segunda edição da ARTFEM divulgou no website parte da lista das artistas que este ano terão trabalhos expostos em Macau. De Portugal chegam nomes como Ana Jacinto Nunes, artista que trabalha com pintura e escultura e que já realizou diversas mostras não só em Macau como na Alemanha, Estados Unidos e em Portugal. Segue-se Anabela Canas, pintora, com um mestrado em pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, e também colaboradora do HM. A artista viveu vários anos em Macau onde deu aulas. O seu trabalho tem vindo a ser exposto desde 1986 em locais tão diferentes como Portugal, Macau, Hong Kong, Nova Deli e Amagasaki.

Na lista provisória de artistas vindas de Portugal constam ainda Cecília Costa, matemática e artista visual, muito ligada ao desenho com lápis a carvão e escultura. Há também nomes como Filipa Pais Rodrigues, Joana Gonçalves Pereira, uma arquitecta que também realiza trabalhos de cerâmica, e Rita Macedo, entre outras.

De Macau, a ARTFEM irá acolher trabalhos de artistas como Bella Tam, que trabalha com fotografia conceptual, e Chiang Wai Lan, formada em belas artes pela Universidade Nacional Normal de Taiwan e mestre em artes visuais pela Universidade de Artes de Londres. A autora trabalha essencialmente com pintura, impressão e esculturas de cerâmica.

Destaque ainda para a presença de Cristina Mio U Kit, nascida em Xangai mas a viver em Macau. A artista estudou pintura e restauro de arte em Xangai, Macau, Florença e Lisboa. Cristina Mio U Kit foi, durante uma década, directora-executiva do website MacauArt.net, além de ter vindo a expor o seu trabalho em 12 mostras individuais e 28 exposições de grupo em Portugal, China e Macau, entre outras regiões.

O HM tentou chegar à fala com Carlos Marreiros, arquitecto e um dos curadores desta bienal, bem como com Alice Kuok, curadora, mas até ao fecho desta edição não foi possível estabelecer contacto para obter mais informações sobre a segunda edição da ARTFEM.

1 Jun 2020

Governo entregou a Paula Rego a condecoração de Mérito Cultural

[dropcap]É[/dropcap] um gesto simbólico, com tudo o que isso significa, mas faltava este reconhecimento com a Medalha de Mérito Cultural do Governo do seu país, do Governo de Portugal, e que era importante que fosse feito”, disse, sexta-feira, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, após uma visita ao estúdio da artista, na capital britânica.

A entrega da condecoração foi feita em privado, com a presença de dois dos filhos de Paula Rego, Caroline e Nick Willing, e da assistente e modelo, Lila Nunes, além do embaixador de Portugal no Reino Unido, Manuel Lobo Antunes.

Graça Fonseca disse que, “de facto, é a última homenagem [que faltava]”, elegendo Paula Rego como “seguramente uma das nossas maiores [artistas portuguesas], senão mesmo a maior. Tenho alguma dificuldade com a maior, porque temos óptimos artistas”.

A condecoração coincide com uma grande exposição retrospectiva da obra da pintora em Milton Keynes, cidade a norte de Londres, que a ministra vai visitar na próxima quarta-feira, e que se centra na consciência social e política de alguns dos seus trabalhos.

“Paula Rego: Obediência e Desafio”, no museu MK Gallery, abrange a obra desde os anos 1960 até 2011, com mais de 80 trabalhos, desde desenhos e gravuras em papel a colagens e pinturas em grandes telas.

A exposição vai estar em digressão, primeiro no museu Scottish National Gallery, em Edimburgo, de 23 de Novembro a 26 de Abril de 2020, e depois para o Irish Museum of Modern Art, em Dublin, de 25 de Maio de 2020 a 1 de Novembro de 2020, sendo a primeira primeira retrospectiva da obra de Paula Rego tanto na Escócia como na Irlanda.

Da mostra fazem partes quadros produzidos durante a ditadura portuguesa, como “Salazar a Vomitar a Pátria”, de 1960, e sobre o aborto, alguns dos quais produzidos após o referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, em 1998, repetido em 2007, resultando na despenalização apenas à segunda tentativa.

A marcar gerações

“Paula Rego marcou-me muito a mim, mas também marcou muitas gerações. A campanha, a série que ela fez sobre o aborto, o quadro extraordinário do Padre Amaro, teve uma importância gigante na altura, porque é uma série que nos abana e que nos faz pensar, que coloca um enfoque completamente diferente numa questão social na altura muito séria e que conquistámos, quem defendia, e em grande parte devemos isso à Paula Rego. Há aqui várias homenagens que devemos à Paula Rego”, disse a ministra.

O embaixador de Portugal no Reino Unido, Manuel Lobo Antunes, realçou que Paula Rego “é uma pintora reconhecida, amada [pelos britânicos], que vai ter uma grande exposição aqui em 2021, e mais que merecedora desta condecoração, aliada a uma personalidade que é fascinante e uma pessoa de uma simpatia e humanidade absolutamente fantásticos”.

Percurso de excelência

Nascida em Lisboa, Paula Rego, que completou 84 anos em Janeiro deste ano, viajou para Inglaterra aos 16 anos para terminar os estudos secundários numa escola privada e ingressou, no ano seguinte, na Slade School of Fine Art.

Desde 2009 que a obra da artista tem um museu dedicado em Cascais, a Casa das Histórias Paula Rego, o qual tem mostrado várias vezes a obra do marido, Victor Willing, falecido em 1988.
Possui dupla nacionalidade, portuguesa e britânica, e em 2010 foi distinguida com o grau de Dame Commander of The Order of the British Empire pela rainha Isabel II, pela sua contribuição para as artes.

20 Ago 2019

Museu de L’Orangerie de Paris vai expor “Contos cruéis de Paula Rego”

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Musée de L’Orangerie, em Paris, vai expor “Contos cruéis de Paula Rego”, de 17 de outubro a 14 de janeiro, para mostrar uma obra que “não é suficientemente conhecida” em França, de acordo com a diretora do museu.

A mostra vai reunir cerca de 70 pinturas, desenhos e até bonecos que a pintora usa no seu atelier, em Londres, num percurso temático e cronológico que insiste no período “entre finais dos anos 90 até hoje”, explicou à Lusa a diretora do Musée de L’Orangerie e comissária da exposição, Cécile Debray.

“Aqui, ela é muito menos conhecida que em Londres ou em Portugal. Foi mostrada em Paris numa exposição da Fundação Gulbenkian [2012], mas creio que não é suficientemente conhecida. Penso que tem uma pintura bastante apelativa que deverá agradar”, disse à Lusa a comissária.

Cécile Debray escolheu como título da mostra “Les contes cruels de Paula Rego” (“Os contos cruéis de Paula Rego”), em alusão à obra literária de um simbolista francês do final do século XIX, Auguste de Villiers de L’Isle-Adam, e ao universo formal e temático da pintora, que é “bastante ilustrativo e muito ligado à literatura e a uma forma de cultura do século XIX”.

“É o universo da infância que é, por um lado, encantador e fantástico e, por outro, tem uma forma de crueldade que é também da infância. Paula Rego tem este lado ingénuo e um olhar muito mordaz e cruel. É este o realismo de Paula Rego, um jogo entre o olhar muito franco e sem concessões e, ao mesmo tempo, uma forma de poesia fantástica”, descreveu a comissária da exposição.

Cécile Debray conheceu Paula Rego quando comissariou uma exposição de Lucian Freud no Centro Pompidou, em Paris, em 2010, e quis agora dar-lhe o destaque num museu que quer “programar artistas vivos, nomeadamente os que trabalham a figuração, porque são figuras singulares”.

A comissária concebeu a mostra “como um percurso pela obra de Paula Rego, sem ser uma retrospetiva”, e “como o Musée de l’Orangerie está ligado ao Museu d’Orsay, a ideia foi fazer uma exposição sobre a sua obra com ecos de obras que ela viu”.

Na mostra, vai haver telas de grande formato a representar as suas “mulheres-crianças-animais”, obras gráficas em diálogo com desenhos e gravuras de Daumier, Goya, Degas, Rabier, e obras em pastel, apresentadas com os bonecos que lhe servem de modelo.

“Como a exposição se chama ‘Os contos cruéis de Paula Rego’, escolhi como ângulo a infância. Portanto, avançamos na obra de Paula Rego com alguns contrapontos, como gravuras de Daumier, Goya, Rabier, Manet, ilustrações dos ‘Contos de Grimm’, por [David] Hockney, uma escultura de Ron Mueck e pastéis de Degas”, precisou, destacando que “o lugar de honra é para a obra de Paula Rego”, ainda que haja alguns “diálogos” com trabalhos de outros artistas.

A diretora do Musée de l’Orangerie acrescentou que Paula Rego é “uma artista que tem um universo muito particular, político, com uma ligação à literatura e com uma forma de realismo muito rude e muito poderosa”, cultivando uma “força e a independência em relação às modas”, e mantendo um lado contemporâneo com a criação dos seus modelos a partir de bonecos.

“Este universo de bonecas, de acessórios, de pequenos cenários quase teatrais é um aspeto extremamente contemporâneo e pouco conhecido. É um laço quase demiúrgico em que ela cria as suas criaturas para depois as representar. Ela mistura o vivo com o artifício e isso é muito interessante”, afirmou.

Cécile Debray declarou, também, que vai ser editado um catálogo da exposição com historiadores de arte, franceses, porque quis “dar uma cor mais francesa à abordagem”.

A exposição deverá, ainda, ser acompanhada por um ciclo de conferências relacionado com a obra da artista portuguesa, uma jornada de estudo sobre a pintura figurativa, “talvez uma programação de dança e música”, e “algo sobre o cinema português, porque ela tem pontos comuns com alguns realizadores portugueses, como Manoel de Oliveira”.

Em 2012, a delegação francesa da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, apresentou a primeira exposição “representativa” da obra da pintora Paula Rego, em França, com trabalhos desenvolvidos entre 1988 e 2009, de “A família” à “Mulher cão”.

Desde 28 de fevereiro e até 27 de agosto, cinco obras de Paula Rego figuram na exposição coletiva “All Too Human – Bacon, Freud and a Century of Painting Life”, no museu Tate Britain, em Londres.

A exposição reúne cerca de cem obras de 22 pintores, entre os quais alguns dos mais célebres artistas britânicos modernos, com destaque para Lucian Freud e Francis Bacon, mas também Walter Sickert, Stanley Spencer, Michael Andrews, Frank Auerbach, Francis Newton Souza ou Leon Kossoff.

Paula Rego vive e trabalha em Londres, para onde se mudou com 17 anos, para estudar na Slade School of Fine Art.

Em 2004, foi condecorada com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago da Espada. Em 2010 foi distinguida pela rainha Isabel II com o grau de Oficial da Ordem do Império Britânico, pela sua contribuição para as artes.

14 Mar 2018

Victoria Willing, filha da pintora Paula Rego: “É tão bom vir à China falar sobre a minha mãe”

Veio a Macau com a missão de representar Paula Rego, escolhida como “madrinha” da primeira bienal internacional de mulheres artistas. Em entrevista ao HM, Victoria Willing fala da mãe e da pintora, mas também da importância de as mulheres serem levadas a sério, nas artes e na vida

[dropcap]P[/dropcap]aula Rego foi escolhida como madrinha da primeira bienal internacional de mulheres. Como surgiu o convite? Qual o significado de que se reveste?
Não sei por que razão a escolheram. Foi a primeira vez que ouvimos esse termo aplicado a uma exposição de arte mas é, mais ou menos, como se fosse convidada de honra. Ela achou muito interessante por ser uma exposição só de mulheres, embora goste de ter a mistura de mulheres e homens.

Faz sentido actualmente uma bienal internacional dedicada exclusivamente ao sexo feminino?
Eu acho muito importante hoje em dia que haja uma certa discriminação positiva para levantar a representação das mulheres, especialmente para mostrar que, sejam homens ou mulheres, artistas são artistas. Isto é um grande exemplo da arte que, por acaso, é feita por mulheres. A minha mãe passou muitos anos a tentar entrar pelas portas das galerias para conseguir uma exposição. Ia com as fotografias das pinturas – nem um catálogo era – e as pessoas, como ela já contou muitas vezes, viravam o rosto para o lado e falavam com colegas ao mesmo tempo e diziam ‘não obrigada’. Ser mulher fez parte disso nesses tempos em Londres. Em Portugal ela já vendia, porque Portugal foi sempre muito mais aberto às artes plásticas do que os ingleses, que tinham muitas regras. Portanto, foi preciso muito até conseguir, porque quem entrava eram os grandes homens, como Francis Bacon ou o Lucian Freud. A arte é como tudo na vida: há a ideia de que os homens têm mais valor do que as mulheres, ao ponto de eles receberem mais do que elas, mesmo sendo contra a lei. É um crime. Neste momento, acho muito importante haver um palco que dá exposição às mulheres, mas talvez haja muitas mulheres a achar [a discriminação positiva] uma coisa muito má. Eu acho que faz sentido a discriminação positiva por causa do nível do trabalho. Não estamos a falar de algo como ‘vamos dar isto às mulherezinhas’ e depois elas podem ir embora, voltar para a cozinha outra vez, e os homens podem regressar. Isto não dá para ser assim, porque vê-se que o trabalho é sério e bom. Não estamos a falar de uma pinturazinha feita entre o jantar e as fraldas (risos).

Paula Rego vai estar representada por uma única pintura: “Nossa Senhora das Dores”, que integra a série baseada n’“A Relíquia” de Eça de Queiroz. Porquê este quadro?
Toda a gente me pergunta isso, mas não sei responder. Eu sabia que tinham escolhido este quadro para a exposição, mas não exactamente porquê. Suponho que existam várias razões, a começar por ser baseado no livro do Eça de Queiroz e, portanto, ser uma coisa portuguesa. Depois, porque é a história de uma pessoa que tenta encontrar uma coisa, que está em busca por algo e que, portanto, tem paralelo com os desafios das mulheres hoje em dia e com as tristezas da vida. Acho que as mulheres sofrem muito e [o quadro] mostra o sofrimento e também a solução. No sentido metafórico, podemos rezar. Demostra que há maneiras de resolver as tristezas, como o trabalho ou o amor. Por outro lado, [o “Nossa Senhora das Dores”] é o que [a galeria britânica] Marlborough Fine Art tinha para mandar numa altura em que os quadros estão a seguir para todo o lado, porque ela vai ter montes de exposições.

Ainda na semana passada, abriu uma mostra colectiva na Tate, em Londres, que Paula Rego também integra.
Sim. É ela com os homens, uau! Interessantemente, essa exposição, que reúne grandes do século XX e reserva uma sala só para a mãe [com cinco obras], tem uma última divisão que junta quatro artistas e que, por acaso, são todas mulheres. É um boa maneira de acabar a exposição, fecha com chave de ouro. Isto também é o futuro – faz tudo parte das mulheres serem levadas a sério, não só nas artes, em tudo.

Os quadros viajam mais do que a pintora. Paula Rego nunca esteve na China…
Nunca esteve nem nunca vai estar… Ela não pôde vir por causa da idade e também porque os médicos recomendam que não viaje devido ao problema do coração. Até quase não visita Portugal hoje em dia. Está mais frágil, mas está bem e tem a rotina dela: Trabalha quatro dias por semana e ainda vai ao estúdio e todos os sábados ao cinema. Ela está muito feliz por as pinturas poderem viajar o mundo e por estar representada numa exposição neste sítio que tem tantas ligações a Portugal e que, ao mesmo tempo, fica tão longe. Ela é muito aberta ao mundo e tem pena de não poder estar cá, mas também tem 83 anos, está cansada e não pode fazer tudo.

É a primeira vez que expõe na China?
Não. Ela no ano passado teve um quadro exposto em Xangai.

“‘A Dança’ [1988] foi o primeiro quadro que a minha mãe fez depois do meu pai morrer. É uma despedida. Fico muito emocionada quando vejo esse quadro.”
Quais são obras que mais gosta da sua mãe?
Eu gosto de algumas de que faço parte (risos). Gosto de “Dog Women” e muito de “Pillowman” que acho uma das obras grandes da minha mãe. Também d’ “Anjo” e d’ “A Dança”. “A Dança” [1988] foi o primeiro quadro que a minha mãe fez depois do meu pai morrer. É uma despedida. Fico muito emocionada quando vejo esse quadro.

Qual seria, na sua opinião, a melhor obra para introduzir um público a Paula Rego?
Diria “Anjo”, porque mostra uma pessoa fraca e forte, triste e cheia de vingança, humilde e zangada – tudo ao mesmo tempo. É cheio de contradições. E nem é só isso: tecnicamente aquela saia… Não sei como é que ela fez aquilo. Vê-se quase tudo em 3D. É incrível!

Como descreveria a sua mãe em poucas palavras?
Disciplinada, calorosa, gentil e muito teimosa. Gosta das coisas boas. Gosta de champanhe, por exemplo. O médico disse-lhe que pode beber um copo por dia, mas ela, às vezes, bebe dois. Adora os filhos e as netas mas ela não é uma pessoa de família. Aos homens não se perguntaria isso, não é? A vida dela é a arte. Sempre foi, desde os quatro anos. É uma grande artista. Às vezes, tem muito medo que não vá encontrar a história que está sempre à procura. Quando eu digo: ‘O que queres para o aniversário? Ela responde: ‘Quero ideias’. Eu pergunto: ‘Oh mãe, mas se não tiver ideias, queres um casaco?’

Os romances de Eça de Queiroz têm sido uma fonte de inspiração…
Sim, começou com “O Crime do Padre Amaro”, que tem a ver com a hipocrisia da igreja, e também há “O Primo Basílio”, por exemplo, que é fantástico, sobre uma mulher que se apaixona e que, inocente, não percebe como as mulheres são usadas. São boas histórias, fáceis de ler, com montes de personagens interessantes. A mãe é muito interessada por estas coisas e o Eça tem muitas dessas histórias. Ela continua a ler, está sempre a ler. Agora, está a ler [Émile] Zola. Antigamente, costumava fazer mais quadros só sobre situações da sua vida, representações com animais na pele de certas pessoas, inventar as suas próprias histórias, mas [cada vez mais] não inventa. Ela gosta de encontrar a história e ilustrá-la à sua maneira. Sempre foi, até certo ponto, uma ilustradora e sempre achou que as pessoas são um bocado snobes relativamente ilustração que ela considera uma arte muito importante.

Como é ser filha de Paula Rego? Tem algum impacto ou exerce influência na sua vida profissional, por exemplo?
Ninguém sabe que sou filha de Paula Rego. Não é o mesmo mundo, é completamente diferente. Aliás, não tenho o mesmo apelido. Tenho o do meu pai, que ninguém sabe que era pintor. Quando digo em Inglaterra que sou filha da Paula Rego ou dizem ‘uau, não acredito! Gosto tanto do trabalho dela’ ou nem sabem que ela é. Por exemplo, eu telefonei ao meu agente de teatro – estou com ele há dez anos – para lhe dizer que não ia estar lá esta semana, porque vinha representar a minha mãe e expliquei-lhe que ela é artista e que tem uma certa fama. Ele não sabia quem ela era. É um mundo diferente e nunca surgiu ocasião de dizer.

E como é estar a representar a sua mãe no outro lado do mundo?
É muito interessante. É tão bom ter a oportunidade de vir à China falar sobre a minha mãe. É fantástico. É a primeira vez, mais formalmente, que falo em nome da minha mãe. Como dizem os ingleses, hoje estou a usar outro chapéu. Tenho um chapéu diferente quando escrevo peças de teatro, outro quando vou fazer gravações de voz e quando não tenho trabalho nenhum e tenho que ir para um escritório a ganhar sete libras por hora também é outro chapéu. Vários chapéus.

Actualmente, escreve sobretudo peças de teatro?
Sim. Estou a tentar escrever uma, faço gravações de voz, de vez em quando, e fiz uma coisa para televisão há pouco tempo. Estive um ano a fazer uma peça chamada “The Curious Incident Of The Dog In The Night Time”, que deu no West End…. Foi bastante cansativo…

Nunca pensou ser pintora?
Não (risos). Acho que numa família dessas uma pessoa tem que ter talento. Consigo desenhar, mas não queria ser pintora. Não sou uma pessoa muito visual, sou mais de ouvido. Além disso, gosto de trabalhar com pessoas e, por isso, é que, às vezes, é difícil escrever as peças de teatro porque estou sozinha e prefiro estar em equipa. Eu também tinha que encontrar a minha coisa.

9 Mar 2018

Exposição | Bienal de Mulheres Artistas inaugurada dia 8 no MAM

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] já no próximo dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, que o Museu de Arte de Macau (MAM) acolhe, em parceria com o Albergue SCM e o Instituto Cultural (IC), a exposição colectiva “Mulheres Artistas – I Bienal Internacional de Macau”. A mostra estará patente até ao dia 13 de Maio.

A mostra incluiu, além do trabalho da reconhecida pintora portuguesa Paula Rêgo, um total de 142 obras de 132 mulheres realizadas desde os anos 70 até aos dias de hoje. Estas artistas representam um total de 23 países, e estão incluídos trabalhos que vão desde a pintura à serigrafia, desenho, escultura, instalação e vídeo.

De acordo com um comunicado do Instituto Cultural, “esta exposição tem como objectivo elevar a visibilidade das mulheres artistas contemporâneas e dar a conhecer a sua influência criativa na sociedade e cultura, bem como revelar os diversos papéis da identidade feminina, as diferentes interpretações do feminino e as práticas artísticas que transcendem as diferenças de género”.

Vindas de regiões tão diferentes como o Interior da China, Macau, Hong Kong, Taiwan, Coreia do Sul, Japão, Timor-Leste, Rússia, Índia ou Irão, as artistas integrantes desta exposição “pertencem a diferentes épocas, regiões e contextos culturais, tendo cada qual emoções e métodos criativos individuais, e as suas obras revelam ao público o mundo artístico único das mulheres”.

A mostra “Mulheres Artistas – I Bienal Internacional de Macau” será dividida em duas partes. A primeira “é composta por 41 peças da colecção do MAM, produzidas entre a década de 1970 e os dias de hoje, dispostas por períodos de dez anos, dando a conhecer ao público os êxitos do MAM no seu estudo de obras de mulheres artistas de vanguarda e da história da arte de Macau”.

“As obras expostas incluem obras seleccionadas de séries de trabalhos produzidos pelas artistas bem como obras de grande escala de artistas convidadas. Na segunda secção são expostas obras de 101 mulheres artistas activas nos círculos artísticos internacionais provenientes da colecção do Albergue SCM”, acrescenta o comunicado.

Esta não é a primeira vez que tanto o IC como o Albergue SCM exploram o universo feminino da arte. O ano passado decorreu, no Albergue, a exposição “28 Artistas + 28 Obras em Feminino”, onde foram reveladas obras de 28 mulheres de Macau e de países de língua portuguesa. Foi esta a génese da bienal que agora se inicia.

“Ambas as exposições focaram a sua atenção na posição da mulher no mundo da arte contemporânea bem como em outros elementos complementares. Neste contexto, estas duas entidades contribuíram com ideias e perspectivas diferenciadas para lançar a mais abrangente “Mulheres Artistas – I Bienal Internacional de Macau”, remata o comunicado.

1 Mar 2018

Paula Rego em destaque na Tate em mostra coletiva com Freud e Bacon

Cinco obras de Paula Rego figuram, num espaço dedicado à pintora portuguesa, na exposição coletiva “All Too Human – Bacon, Freud and a Century of Painting Life”, que abriu ontem no museu Tate Britain, em Londres

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] exposição reúne cerca de cem obras de 22 pintores, entre os quais alguns dos mais célebres artistas britânicos modernos, com destaque para Lucian Freud e Francis Bacon, mas também Walter Sickert, Stanley Spencer, Michael Andrews, Frank Auerbach, Francis Newton Souza ou Leon Kossoff.

A exposição tem por objetivo mostrar como artistas de diferentes gerações ao longo do século XX e XXI conseguiram retratar pessoas, locais, eventos ou relações pessoais e transmitir as respetivas experiências e sensações através da tinta e das diferentes técnicas.

Mais de metade das obras em exposição são emprestadas por colecionadores privados ou outras instituições, algumas foram raramente vistas em público, e várias não eram expostas há décadas.

A curadora Elena Crippa disse à agência Lusa acreditar existir uma tradição britânica no uso de modelos vivos e de paisagens, para os artistas se exprimirem e retratar a atmosfera social e pessoal em que viviam, atravessando mesmo correntes artísticas.

Por exemplo, Francis Bacon e Alberto Giacometti são reconhecidos por criarem, nos anos de 1950, quadros com figuras em estado de isolamento e angústia, transmitindo, de certa forma, o ambiente de ansiedade após a Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, acrescentou, também quis promover uma mensagem simples numa Era de excesso de informação cada vez menos relevante para as pessoas enquanto seres humanos.

“Sinto que o que estes pintores nos dão através deste trabalho é esta afinidade com o que nos interessa como indivíduos no quotidiano: é sobre tu e eu, é sobre o espaço onde vivemos, é sobre o grupo de pessoas com quem interagimos e com quem nos relacionamos. Espero que as pessoas se identifiquem com este desejo de restabelecer uma ligação simples à natureza humana”, resumiu.

Paredes meias

Lucian Freud é um dos artistas britânicos mais proeminentes e está representado em dois períodos, o primeiro influenciado por William Coldstream, no olhar analítico da cena e das pessoas, e um segundo, após os anos 1960.

Trocando pincéis finos por outros mais grossos e a posição sentada pela postura em pé resultou em perspectivas que enfatizam os volumes dos corpos e a carga psicológica dos retratos, vários dos quais de pessoas completamente nuas, como o amigo David Dawson.

Amigo e assistente entre 1990 até morte de Freud, em 2011, foi protagonista de “David and Eli”, onde é retratado deitado junto com o cão de estimação.

“Estar em frente a este quadro, que eu já não via há tantos anos, é muito emocionante. Traz à memória a altura em que foi pintado, em 2003. Ao todo, posei para nove quadros. Acho que já não via este quadro há pelo menos uns dez anos, mas reconheço-me perfeitamente nele”, contou Dawson à Lusa.

Sobre o espaço dado às cinco obras de Paula Rego, uma das quais um tríptico, Elena Crippa defende o papel que a artista portuguesa tem na arte não só britânica, mas a nível internacional, por ter rompido com o domínio até então masculino na pintura.

Telas no feminino

“Ela é uma artista que, numa altura em que a pintura ainda era uma actividade dominada por homens, surgiu como uma pintora feminina que conseguia produzir quadros de grande dimensão, de forma confiante, com composições lindíssimas, e de certa forma deu às mulheres pintoras a oportunidade de dizer que a pintura não está reservada a um género”, salientou.

A curadora da Tate elogia a forma como a portuguesa usa, nos seus quadros, personagens femininas, sejam vítimas ou culpadas ou retratadas de uma forma sexualizada em composições encenadas, criando um novo estilo. “De certa forma, sinto que são mulheres que apenas uma artista mulher poderia conceber. E ela tem não só este toque de mulher, mas um toque feminino, que foi muito importante para outras pintoras de gerações mais jovens”, vincou.

Uma das telas de Paula Rego em exposição é “A Família”, de 1988, em que um homem é dominado por duas figuras femininas, enquanto uma terceira observa, num ambiente doméstico, no qual se lêem sentimentos como amor, ressentimento e dor.

A cena retrata alegadamente os momentos derradeiros do marido de Rego, Victor Willing, antes da morte por doença degenerativa, a ser ajudado pela pintora e pela filha, mas a cena torna-se complexa e ambígua, devido à presença de referências a Joana d’Arc, São Jorge e à fabula do Corvo e da Raposa.

Num texto publicado no jornal The Guardian, na semana passada, a propósito da abertura desta exposição, Paula Rego disse estar sempre a contar uma história nos seus quadros, mesmo que essa história vá mudando ou que só seja descoberta no final do processo de criação.

“As histórias têm pessoas nelas”, escreveu, então desenha pessoas a fazer coisas umas às outras, lembrando que recorre a contos do folclore português e a histórias como as de Eça de Queirós.

A exposição “All Too Human” mantém-se no museu Tate Britain até 27 de agosto, viajando depois para o Museu de Belas Artes de Budapeste, no final deste ano.

1 Mar 2018

“Estou sempre a contar uma história nos meus quadros”, diz Paula Rego

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] artista portuguesa Paula Rego diz estar sempre a contar uma história nos seus quadros, mesmo que essa história vá mudando ou que só seja descoberta no final do processo de criação.

Num texto publicado no jornal britânico The Guardian, no contexto da exposição “All Too Human”, a inaugurar na próxima semana na Tate Britain, em Londres, Paula Rego afirma que “as histórias têm pessoas nelas”, então desenha pessoas a fazer coisas umas às outras, lembrando que recorre a contos do folclore português e a histórias como as de Eça de Queirós.

A artista relata como o processo de criação do retrato do antigo Presidente da República Jorge Sampaio “quase [a] matou”, porque, enquanto pintava, “havia pessoas sempre a entrar e a dizer ‘esse braço não está bem’ ou ‘o nariz dele não é assim’”.

“No fim, eu disse: ‘Talvez devêssemos ir para outro lado’. Fomos para uma sala cheia de armários de vidros e trabalhei muito duro. Fiquei num hotel lá perto e ia para a cama exausta. É um homem muito simpático. Ou, pelo menos, foi muito simpático para mim. Ainda somos amigos”, conta Paula Rego.

A artista portuguesa radicada em Londres há décadas diz trabalhar maioritariamente a partir de modelos vivos ou de “bonecos” que faz ou que são feitos para si.

“Desenho o contorno em carvão. Costumo começar pelo rosto e vou trabalhando a partir daí. Usar bonecas é uma experiência diferente de um modelo vivo. São obedientes – posso colocá-las como quero e ficam assim, são como atores num palco. Mas não trazem vida – preciso de uma pessoa lá, também, porque a intensidade é importante. Se desenhas uma pessoa, ela dá-te muito de volta. Às vezes dão tanto – inundam-te com a sua personalidade, com a sua alma – que tens dificuldades em segurá-las”, referiu Paula Rego.

Para a artista, quanto mais se olha, melhor uma pessoa se torna a olhar, e “isso é uma disciplina importante, seja como for que se pretenda trabalhar”.

Rego conclui com a constatação daquilo que lhe suscita maiores dificuldades: “As árvores são as coisas mais difíceis de acertar. E as tulipas. E todos os vegetais, exceto os tomates”.

A exposição “All Too Human” é inaugurada no dia 28 de fevereiro e vai estar na Tate Britain até 27 de agosto, com o objetivo de “celebrar os pintores no Reino Unido que procuram representar as figuras humanas, as suas relações e as redondezas das formas mais íntimas”, segundo a página do museu.

Além de Paula Rego, a mostra inclui trabalho de artistas como Lucian Freud, Francis Bacon e Frank Auerbach, entre outros, como Walter Sickert e David Bomberg, de gerações anteriores.

Paula Rego é uma das pintoras participantes na Bienal Internacional de Mulheres Artistas de Macau, que decorre a 13 de Maio.

22 Fev 2018