Covid-19 | Serviços de Turismo acham que não são precisos mais hotéis Salomé Fernandes - 3 Abr 2020 Apesar de ressalvar que os Serviços de Saúde têm de avaliar a situação, a representante dos Serviços de Turismo disse ontem que se deve melhorar a gestão de quartos, mas que não são precisos mais hotéis [dropcap]A[/dropcap]s contas foram feitas e os resultados indicam não ser necessário encontrar novos hotéis para observação médica, disse ontem Inês Chan, representante da Direcção dos Serviços de Turismo (DST), em conferência de imprensa. A chegada de centenas de pessoas a Macau desde meados de Março motivou essa procura, mas, de acordo com a representante, a necessidade agora passa pela “melhor gestão e distribuição dos quartos para um plano futuro”. “Face a alguma eventualidade ainda termos quartos em stand-by”, acrescentou. Ainda assim, ressalvou que as decisões dependem de avaliação dos Serviços de Saúde. Ontem estavam 2.292 pessoas em observação médica nos 12 hotéis disponibilizados. Confrontada com queixas quanto à alimentação nos hotéis, Inês Chan explicou que alguns não tinham capacidade de proporcionar refeições no número exigido, pelo que recorreram a encomendas externas. Quanto às horas das refeições, a responsável indicou que as entregas em horários variados “muitas vezes são por causa dos exames que o pessoal dos Serviços de Saúde tem de fazer”. E ressalvou que as queixas ajudam a melhorar os serviços. De acordo com Lo Iek Long, médico adjunto da Direcção do Centro Hospitalar Conde São Januário (CHCSJ), a taxa de infecção de quem voltou a Macau é de 0,84 por cento. Um número que engloba estudantes e residentes no geral. “Quando chegarmos ao fim podemos ver variação, mas não deverá ser uma subida súbita”, disse. Por outro lado, foi ontem explicado que a prioridade é prevenir e controlar a epidemia, pelo que muitas das despesas, como por exemplo com a aquisição de máscaras, só serão reveladas depois da situação passar. No âmbito das máscaras, o médico procurou tranquilizar preocupações com a qualidade das máscaras, reiterando que há especificações técnicas a ser seguidas e que quando as encomendas são feitas as amostras são examinadas. Voluntarismo A equipa de voluntariado, constituída por estudantes, de combate à epidemia recebeu 1224 inscrições. Dos inscritos, participaram em trabalhos nas fronteiras 57 pessoas, enquanto 27 estudantes deram apoio no atendimento de chamadas telefónicas. Lo Iek Long explicou que para se evitar o contacto dos estudantes com o exterior, estes ficam sobretudo a cargo do “empacotamento de máscaras e trabalhos internos”. O médico afirmou que os trabalhos de combate à epidemia contam com “todos os quadrantes da sociedade”, desde a doação de materiais ao voluntariado. O representante da Direcção dos Serviços para a Educação e Juventude, Leong I On, disse ontem relativamente aos alunos com necessidades educativas especiais, que desde finais de Fevereiro foram contactadas instituições de reabilitação para tratamentos a estudantes, mediante autorização dos encarregados de educação. Porém, a representante deixou uma ressalva. “Não podemos depender só dos terapeutas”, frisando a importância do apoio dos pais. Leong I On disse que tanto professores como pais ligaram para as instituições de apoio e alguns “manifestaram pressão”, pelo que foram feitos vídeos para ajudar a aliviar o ambiente em casa. 908 veículos passaram a fronteira Com o anúncio da suspensão de veículos de matrícula dupla ontem filas voltaram aos postos fronteiriços para entrar em Zhuhai, divulgou Lei Tak Fai, do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP). Ainda assim, o responsável considerou que “a ordem em geral foi boa”. Nas dez primeiras horas de ontem, passou um total de 908 veículos. Nas Portas do Cerco passaram 564, na Ponte do Delta 83, e na Ponte Flor de Lótus 261 veículos.
Rui Severino, português a residir em Wuhan: “Isto uniu ainda mais o povo chinês” Andreia Sofia Silva - 3 Abr 20203 Abr 2020 Na próxima quarta-feira, dia 8, é levantada a quarentena obrigatória na cidade de Wuhan, o epicentro inicial da pandemia da covid-19. Rui Severino, um dos dois portugueses que decidiu ficar na cidade e que recusou ser evacuado pelas autoridades lusas, relata a forma como a população de Wuhan está a retomar o quotidiano [dropcap]C[/dropcap]omo está a situação em Wuhan neste momento? Nunca estive em casa. Fiquei em lockdown no centro de treinos, porque sou treinador de cavalos de corrida. Não podemos ir para lado nenhum e, neste momento, Wuhan ainda está fechada, ainda não foi levantada a quarentena. Só com autorização especial se pode sair à rua para certos fins. Mas 90 por cento das pessoas ainda estão em casa, em isolamento. A cidade começou a retomar alguma normalidade no dia 25 de Março, mas muito pouca. Algumas lojas estão abertas, mas há mais supermercados abertos ou estabelecimentos de fornecimento de outros produtos. A maioria dos espaços estão fechados porque as pessoas ainda estão em casa. Como tem sido o dia-a-dia no centro de treinos? Estando com a equipa, têm existido momentos delicados, de tensão psicológica? Nunca é uma situação fácil, mas não me posso queixar, porque estamos distraídos com o trabalho. No fundo, o nosso dia-a-dia não mudou em termos de trabalho pois continuamos a treinar os cavalos, comemos e dormimos aqui. Somos 67 pessoas aqui no centro e todos cumprimos medidas rigorosas, pois fazemos check-ups diários, duas vezes por dia, com verificação de temperatura. Só algumas pessoas podem sair para comprar comida e apenas uma vez por semana, com autorização especial. Quando voltamos a entrar estamos completamente desinfectados. Em termos psicológicos foi complicado, porque nunca tinha estado numa situação destas. Durante o dia estamos ocupados, mas à noite é um pouco mais complicado. Temos famílias lá fora e a ansiedade é muito grande. Numa cidade que foi forçada a encerrar, como se viviam as poucas saídas? Houve sempre um grande cuidado. Ao início, quando saímos para comprar coisas, levávamos um fato de protecção especial, luvas, óculos e máscara. Há três dias saí para ir ao meu apartamento buscar roupa e tive novamente uma atenção especial. A máscara continua a ser obrigatória, aliás, quem não usar máscara é preso. Acredita que a cidade poderá voltar ao normal dentro de pouco tempo? A quarentena vai ser levantada a 8 de Abril, na próxima semana. Claro que vão continuar muitos estabelecimentos fechados, como cinemas, bares ou discotecas, mas todas as lojas, centros comerciais [vão abrir]. Não há ainda uma data para o início das aulas, que costuma ser em Fevereiro e que tem sido adiado. Sente que este vírus mudou os residentes de Wuhan para sempre? A China, infelizmente, tem experiência com estes vírus, e talvez por isso a resposta foi rápida por parte da população, em relação às medidas que o Governo impôs, o que não se tem visto no resto do mundo. Mas isso também tem a ver com o facto de, na cultura chinesa, ser hábito usar máscara sempre que se está doente, mesmo que seja uma constipação. Penso que mudou a população. Este surto que é completamente diferente dos outros, as pessoas estão mais cautelosas e têm mais cuidados do que tinham antes. O povo chinês é muito patriótico e solidário e isso ainda os uniu mais. Gostaria de ver isso em todo o mundo, gostava de ver todo o mundo a unir-se. Decidiu nunca sair de Wuhan, quebrando a tendência de fuga de muitos portugueses. Não se arrepende de ter ficado aí? Nunca julgo as atitudes dos outros, mas talvez se tenham precipitado um pouco. Não os culpo, porque alguns estavam cá sozinhos e a opção era ficar em casa e se calhar não tiveram a percepção de que isto se iria espalhar pelo mundo fora. Eu decidi ficar por causa das minhas responsabilidades profissionais, por causa da minha equipa e dos meus cavalos. Eles depositam confiança em mim e eu não os podia abandonar. Mas também vi a óptima resposta da população às medidas impostas pelo Governo, deu-me garantias de que iria estar seguro em Wuhan. Teria tomado a mesma decisão outra vez. Como fica agora a sua situação profissional? Depois de levantada a quarentena vamos tentar obter as autorizações devidas para podermos mudar de província, de Hubei para Shanxi, onde fica o nosso Jockey Club. Tudo indica que lá para Maio ou finais de Junho podemos reiniciar as corridas de cavalos em Shanxi. Como avalia a resposta das autoridades portuguesas na retirada dos portugueses de Wuhan? Só tenho de louvar as autoridades portuguesas, sobretudo a embaixada, que esteve em constante contacto connosco. Criou-se um grupo de conversação na plataforma WeChat, onde eram feitas centenas de perguntas todos os dias, e eles estiveram presentes 24 horas por dia, respondendo e dando informações. Nunca nos esconderam nenhuma informação. Quanto a mim, que decidi ficar, e outro português, foi-nos dado muito apoio. Enviaram-nos máscaras, óculos especiais de protecção, luvas. Para mim, foi emocionante, porque sou luso-australiano e a Austrália não me deu apoio nenhum. O número de mortes em Wuhan tem levantado algumas dúvidas, tendo em conta, por exemplo, as filas que se formam junto a agências funerárias. Não sei se tem acompanhado esta questão, qual o seu comentário? Não tenho conhecimento disso. Juntamente com os meus colegas chineses, não temos ouvido falar disso. Em relação aos números, se não acreditarmos nas entidades oficiais, vamos acreditar em quem? É possível que essas notícias sejam verdadeiras, não nos podemos esquecer que morreram quase quatro mil pessoas. Tenho amigos jornalistas aqui na China e não tenho essa informação. Há uma confiança generalizada da população em relação às autoridades chinesas? Com certeza. A grande maioria não conhece a realidade chinesa, nunca esteve na China, não conhece a cultura e é muito fácil fazer juízos de valor. As autoridades de Wuhan esconderam o vírus durante algum tempo, mas quando o Governo Central soube, tomaram as devidas acções. Essa acção foi de louvar para todo o povo chinês e para os estrangeiros que cá decidiram ficar, como eu. Não sinto que a China esteja a mentir neste momento, até porque a China de hoje não é a China de 2003 [ano em que surgiu a SARS]. As pessoas estão mais abertas, têm mais acesso à informação, há mais pessoas a estudar no ensino superior. E penso que o Governo também tem isso em atenção. Sinto que há um grande nervosismo, e com todo o direito, mas é preciso salientar que é preciso manter a calma. Se cumprirem as regras de higiene e distanciamento social… se a China conseguiu [controlar o surto] Portugal e o resto do mundo também vai conseguir de certeza. Mas vai ser um processo longo. Isto vai mudar a forma como socializamos uns com os outros. Como olha para a actuação das autoridades portuguesas no combate à pandemia? Pelo que li nas notícias lamento a resposta um pouco tardia. Penso que houve uma atitude branda e senti-me triste com isso. A própria população não quis saber, no início. Mas estou convencido que as pessoas estão agora mais cientes do problema, até porque a vizinha Espanha está a sofrer imenso. Um lockdown é um lockdown, é para cumprir a sério. O exemplo tem de vir de cima. Há ainda um grande debate na Europa relativamente ao uso da máscara. Só na Europa é que há esse debate. É uma pena. Os chineses, os médicos e especialistas, todos dizem na televisão metem as mãos à cabeça, questionando-se como é possível. Se não há máscara, não se sai de casa.
Covid-19 | Número de internados subiu mais de 40% e ultrapassou os 1.000 Hoje Macau - 2 Abr 2020 [dropcap]O[/dropcap] número de pessoas internadas por causa da covid-19 em Portugal ultrapassou hoje a barreira dos 1.000, aumentando mais de 40% relativamente aos dados divulgados na quarta-feira. Segundo o boletim epidemiológico divulgado hoje pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), 1.042 pessoas estão internadas, o que representa mais 316 relativamente aos dados de quarta-feira (+43,5%). Das 1.042 pessoas internadas, 240 estão em Unidades de Cuidados Intensivos (mais 10, +4,3%). Os dados da DGS indicam que em Portugal há 209 mortes associadas à covid-19 e 9.034 pessoas infectadas. No dia em que assinala um mês desde que o primeiro caso da doença foi detetado em Portugal, o relatório da DGS indica que 68 doentes recuperaram. Desde o dia 1 de Janeiro, registaram-se 66.895 casos suspeitos em Portugal, dos quais 4.958 aguardam resultado das análises. O boletim epidemiológico indica também que há 52.903 casos em que o resultado dos testes foi negativo. Portugal, onde o primeiro caso foi confirmado a 02 de março e que viu hoje renovado até 17 de abril o estado de emergência, está já na terceira e mais grave fase de resposta à doença (Fase de Mitigação), ativada quando há transmissão local, em ambiente fechado, e/ou transmissão comunitária. Detetado em dezembro de 2019, na China, o novo coronavírus já infectou mais de 940 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 47 mil. Dos casos de infecção, cerca de 180.000 são considerados curados.
Covid-19 | China regista dezenas de novos casos diários de infecção vindos do exterior Hoje Macau - 2 Abr 2020 [dropcap]A[/dropcap] China regista dezenas de novos casos diários de contágio pelo novo coronavírus oriundos do exterior, apesar de ter interditado, no sábado passado, a entrada de estrangeiros no país. Foram detectadas 35 pessoas infectadas com a Covid-19, todas vindas do exterior, nas 24 horas até à meia-noite na China, segundo as autoridades de saúde chinesas. A Comissão Nacional de Saúde do país asiático informou ainda que morreram seis pessoas devido à infeção pelo novo coronavírus, na cidade chinesa de Wuhan, epicentro da epidemia. No mesmo dia foram detectados 20 novos casos suspeitos, também importados. Muitos chineses radicados no exterior estão a voltar ao país, à medida que a doença se alastra pelo resto do mundo, pelo que a China passou a contar com centenas de casos importados. A partir de sábado, o país suspendeu temporariamente a entrada de cidadãos estrangeiros, incluindo quem possui visto ou autorização de residência, como medida de prevenção contra a propagação do novo coronavírus. As autoridades informaram que 170 pacientes receberam alta após superarem a doença e quase 1.900 pessoas que tiveram contacto próximo com os infectados estão sob observação médica. O país asiático soma 1.863 casos ativos, entre os quais 429 continuam em estado grave. A China revelou ainda que detetou 55 novos casos assintomáticos. A Comissão Nacional de Saúde só começou na quarta-feira a divulgar o número de pessoas infectadas, mas que não têm sintomas. A possibilidade de infectados assintomáticos poderem contagiar outras pessoas ainda não é consensual entre especialistas, mas as autoridades de saúde indicaram que eles devem passar por uma quarentena de 14 dias num local designado. O número total de infectados diagnosticados na China, desde o início da pandemia, é de 81.589, entre os quais 3.318 morreram e 76.408 tiveram alta após superarem a doença. Desde o início do surto, em dezembro passado, 710.000 pessoas em contacto próximo com infectados estiveram sob vigilância médica na China, entre os quais mais de 20.000 permanecem sob observação. O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infectou mais de 905 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram quase 46 mil. Dos casos de infecção, pelo menos 176.500 são considerados curados.
Músico Adam Schlesinger morre aos 52 anos vítima de covid-19 Hoje Macau - 2 Abr 2020 [dropcap]O[/dropcap] músico co-fundador da banda Fountains of Wayne Adam Schlesinger morreu na quarta-feira, aos 52 anos, vítima de complicações relacionadas com a covid-19, confirmou o seu advogado, Josh Grier, à agência Associated Press. Artista por trás de temas como “Stacy’s Mom” e “That Thing You Do” (usada no filme com o mesmo nome protagonizado por Tom Hanks e que lhe valeu uma nomeação para Óscar de melhor canção), Schlesinger foi também compositor para o palco e para o ecrã, com destaque para a série “Crazy Ex-Girlfriend”, com a qual venceu o terceiro Emmy da sua carreira. Nas redes sociais, multiplicaram-se as notas de pesar do mundo artístico, desde Tom Hanks ao escritor Stephen King, passando pelos apresentadores Stephen Colbert e Jimmy Kimmel, pela comediante Kathy Griffin, pelo ator Elijah Wood ou o músico Ted Leo, entre muitos outros. Nascido em 1967, Schlesinger cresceu em Nova Jérsia, tendo formado os Fountains of Wayne em 1995, com um antigo colega de turma, Chris Collingwood. Para além dos três Emmys que venceu, o músico recebeu ainda um Grammy, com David Javerbaum, em 2009, por melhor álbum de comédia, devido às canções para o disco “A Colbert Christmas: The Greatest Gift of All!”, que acompanhava um episódio especial daquele apresentador e humorista, com temas partilhados com Elvis Costello. Schlesinger é mais um artista a morrer vítima do novo coronavírus, que já causou a morte de quase 46 mil pessoas pelo mundo inteiro, desde o seu surgimento em dezembro.
Covid-19 | China exige documentação adicional a exportadores de equipamento médico Hoje Macau - 2 Abr 2020 [dropcap]O[/dropcap] Governo chinês disse ontem que vai exigir documentação adicional às empresas do país para lhes permitir exportem equipamento médico, incluindo testes de detecção do novo coronavírus, máscaras, fatos de protecção ou termómetros de infravermelhos. Numa declaração conjunta, o ministério chinês do Comércio e a Administração Geral das Alfândegas e a Administração Nacional de Produtos Médicos informaram que as empresas chinesas que exportam equipamento médico devem fornecer evidências de que os produtos são licenciados pelas autoridades do país e atendem aos padrões de qualidade dos países de destino. As alfândegas chinesas só permitirão a saída de produtos com licença atribuída pelas autoridades da saúde. A mesma nota indica que foi tomada a decisão de “garantir a qualidade e a segurança” dos produtos, para que se “cumpram os requisitos” e os padrões dos países de destino. A medida foi tomada dias depois de Espanha ter informado que testes de deteção rápida para a Covid-19 comprados à empresa chinesa Shenzhen Bioeasy Biotechnology eram defeituosos e que teve de devolve-los. A empresa não estava incluída, segundo Pequim, numa lista de fornecedores autorizados entregues pela China ao Governo espanhol, embora Madrid tenha indicado que a compra foi iniciada antes de receber a referida lista. Também a Holanda disse que mais de 600.000 máscaras importadas da China foram devolvidas depois de as autoridades locais determinarem que não eram adequadas para uso pelos profissionais de saúde. Segundo o jornal de Hong Kong South China Morning Post, apenas 21 das 102 empresas chinesas do sector com aprovação para exportar para a União Europeia possuem licença para vender na China. Fontes do setor citadas pelo jornal afirmam que a nova medida terá um impacto negativo nas empresas que estavam a acumular produtos para exportar para os países mais afetados pela pandemia, uma vez que a obtenção das licenças necessárias geralmente leva entre um e três anos. O presidente da Associação de Diagnóstico In Vitro da China, Song Haibo, disse que muitas empresas com selo de aprovação para exportarem para o mercado europeu “assinaram contratos [com compradores estrangeiros], mas podem agora ser forçadas a quebrar o acordado, o que poderá levar a litígios”. No caso espanhol, a Bioeasy prometeu substituir os testes defeituosos, que foram devolvidos por Madrid, e fazer uma nova entrega com os pedidos pendentes.
Covid-19 | Shenzhen proíbe permanentemente a criação e consumo de animais selvagens Hoje Macau - 2 Abr 2020 [dropcap]U[/dropcap]ma das mais prósperas cidades chinesas, Shenzhen, emitiu hoje a proibição mais abrangente até à data de criação e consumo de animais selvagens, num esforço para evitar um surto futuro do coronavírus. A covid-19 foi detectada pela primeira vez na cidade de Wuhan, centro da China, em dezembro passado, entre pacientes relacionados com um mercado da cidade que vendia animais selvagens, incluindo pangolim e civeta, além de carnes mais convencionais, como frango e peixe. O consumo de animais selvagens é sobretudo popular no sul da China, onde Shenzhen está situado. Situada na fronteira com Hong Kong, Shenzhen tornou-se num centro global para fabrico de componentes eletrónicos e sede das principais firmas tecnológicas do país. Em 2002, o surto da pneumonia atípica, ou SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), foi inicialmente disseminado por pessoas que consumiam ou criavam e vendiam animais selvagens em áreas próximas de Shenzhen. Os regulamentos estipulados pelas autoridades da cidade proíbem permanentemente o comércio e o consumo de animais selvagens, o que vai além da proibição temporária emitida pelo Governo central, em fevereiro passado, após o início do surto. Para além de cobras, lagartos e outros animais selvagens, a diretriz, que cita razões humanitárias, proíbe ainda o consumo de carne de cão e gato, que são há muito tempo especialidades locais. A proibição prevê multas a partir dos 150 mil yuans, valor que aumentou consideravelmente, dependendo da quantidade de animais apreendidos. A medida não restringe a criação de animais selvagens para fins medicinais, que tem sido criticada como cruel e perigosa para a saúde pública, embora o consumo desses animais para alimentação passe a ser proibido.
Manhãs ocupadas Hoje Macau - 2 Abr 2020 [dropcap]O[/dropcap]ito da manhã e o toque para o pequeno-almoço. Às vezes preferia não acordar tão cedo. Mas sabendo que a intenção é comer o repasto quente, não consigo passar sem, pelo menos, abrir a porta, dizer bom dia e agradecer. Já trato o desconhecido simpático pelo nome. E ele a mim. Há duas semanas que me vê acordar, a aparecer-lhe à frente desgrenhada e a andar aos esses de sono. A soltar um bom dia rouco, e a acrescentar no mesmo tom “estou com sono, obrigada e até já”. Dez da manhã, e está na hora da temperatura. Descansada com aqueles 35 e picos, 36, tento voltar ao sono. Apetece-me ver o dia passar mais rápido. Pouco depois, mais três toques para a entrega de um envelope. Era do Hotel. Na carta lia-se: “Agradecemos a sua colaboração nesta quarentena e esperamos ter tornado a sua estadia o mais confortável possível nestas circunstâncias difíceis”. Mais adiante continuava. “Agora que se aproxima o momento da sua saída, o regresso à vida normal e à sua família e amigos queremos demonstrar a nossa gratidão e deixar o convite para uma visita futura”. Este convite vinha fundamentado por dois vouchers de consumo com validade até ao final do ano. Um gesto bonito. Uma validade assustadora. Até Dezembro de 2020. A inconstância do momento alarga o tempo para uma eventual utilização das coisas. Ainda estava eu a reler a carta, principalmente “o momento da sua saída e regresso à vida normal e à sua família e amigos”, e a tentar perceber esse conceito de normalidade que não me parece existir do outro lado do vidro, e sinto passos lá fora. Assinalam-se com o som de quem anda vestido em plásticos ou coisa parecida. Era a equipa médica. Afinal, a dois dias de uma saída, é preciso verificar outra vez. Cotonete acima, menos doloroso, mas também menos simpático. E lá foi a amostra. Preciso de chocolates. Acabaram-se. Não por serem poucos. Mas porque não passo sem eles, principalmente pela noite dentro. Tenho que agradecer devidamente ao Mário. “Tens chocolate?” Perguntei-lhe ontem lá para a meia-noite. “Claro”. “Manda cá para baixo” “Quarto?”. Respondi no mesmo tom de telegrama e minutos depois apareceu-me o segurança, visivelmente risonho com um kit kat de chocolate negro dentro de um saco. Rimos bastante naquela entrega. Hoje ouvi os bons dias da redacção da rádio. Tantas vozes bonitas do outro lado. Obrigada Marta por teres servido de pombo correio entre os beijos de cá para lá e vice-versa. Ontem falei com o João, de quem não sabia nada há anos. Senti-lhe a rebeldia que antes lhe saltava até dos caracóis do cabelo, o humor ácido que queima a realidade. E o carinho. Até amanhã. M.M.
A política global invertida Jorge Rodrigues Simão - 2 Abr 2020 “As the coronavirus began to spread across the United States, President Trump repeatedly insisted that it was nothing to worry about. Two months later, the United States became the first country in the world with more than 100,000 cases, the economy has ground to a near standstill, and the virus has killed more than 1,000 people in New York state alone. As cases increased and stocks tumbled, the president’s attitude toward the threat of covid-19, the disease caused by the novel coronavirus, has evolved from casual dismissal to reluctant acknowledgment to bellicose mobilization.” Harry Stevens and Shelly Tan [dropcap]O[/dropcap] Iraque aperfeiçoou-se no “eixo do mal”, mas o Irão e a Coreia do Norte continuam a ser os bichos-papões dos Estados Unidos e adicionando a Venezuela e a Síria à lista, ter-se-á um grupo de adversários empenhado dos americanos. Mas, ao contrário da lista original do ex-presidente George Bush, que precipitou a mudança de regime no Iraque, o presidente Trump não fará muito para derrubar os seus adversários e, portanto, é improvável que os Estados Unidos comecem uma nova guerra em 2020 até porque a COVID-19 vai minar por completo a energia e ânimo do país. O Irão é o maior desafio e após o assassinato de Suleimani pelos Estados Unidos, necessitava de retaliar, incluindo uma aceleração mais rápida do seu programa nuclear, a expansão da sua guerra e provavelmente até ataques directos contra os Estados Unidos e seus aliados. Sucede que nem o presidente Trump nem o Irão querem a guerra. O presidente dos Estados Unidos abomina empreendimentos estrangeiros e um conflito com o Irão seria grande e poderia prejudicá-lo durante a campanha eleitoral. Apesar de toda a sua arrogância, as elites iranianas mantêm um respeito saudável pelo poder dos Estados Unidos. Todavia, os aliados dos Estados Unidos (especialmente a Arábia Saudita e Israel) são castigados pela falta de apoio dos americanos ao confronto. A Arábia Saudita, em particular, está a procurar formas de aliviar as tensões e uma solução diplomática continua a ser um tiro no escuro, mas ainda é de acreditar contra uma grande guerra entre os Estados Unidos e o Irão, mais quando a COVID-19 está a enfraquecer de forma brutal ambos os países. A Coreia do Norte jogará “difícil” nos próximos meses, pois sabe que o presidente Trump está desesperado por uma vitória na política externa que o favoreça melhor que qualquer outro candidato e daí será seguro avançar com a escalada de demonstrações/provocações com o programa de mísseis e talvez até um lançamento de satélite ou um teste intercontinental de mísseis balísticos. Ainda assim, trata-se de garantir o alívio das sanções, não levando os Estados Unidos à beira do abismo. Se comparado com o Irão e a Coreia do Norte, o presidente Trump importa-se pouco com a sorte da Síria ou da Venezuela e continuará a aliciar tropas na Síria, apesar das consequências inevitáveis de que a Rússia e o Irão beneficiarão e o Estado Islâmico possa ter a capacidade improvável de se reorganizar. O presidente venezuelano, Nicolas Maduro, continuará a presidir um governo que destruiu o seu país, mas apresenta pouco risco para alguém, além dos seus vizinhos. As possibilidades do presidente Trump tomar acções militares na Venezuela são próximas do zero. O populismo continua a crescer em todo o mundo, capturando mais atenção da média durante o seu percurso. No entanto, apesar de toda a retórica agressiva e os personagens coloridos, as democracias mais solidificadas do mundo permanecem mais bem posicionadas para enfrentar a tempestade populista pelo menos em 2021, ainda que por razões diferentes. O processo de formulação de políticas nos Estados Unidos permanece aprisionado tanto por interesses especiais, quanto pelo corpo político profissional do país (o que Trump chama de “estado profundo”, mas na verdade é uma “burocracia profunda”). Na Europa, os países continuam a sofrer uma onda de populismo a nível nacional, mas a sua perturbação foi limitada pela arquitectura supranacional da União Europeia (UE), com um conjunto durável de instituições legisladoras com os trabalhadores mais tecnocráticos. O Reino Unido ao sair da UE é a excepção, mas sob a liderança maioritária de um Boris Johnson maximamente não ideológico, obtém uma pausa de curto prazo, mas por seu lado, o Japão contornou o fenómeno político do populismo, o resultado de uma combinação única de baixa desigualdade, migração limitada, aversão à aventura militar e o alcance comparativamente pequeno de “notícias falsas”. Os políticos populistas a curto prazo criarão pouco impacto nas políticas, o que não significa que esses países sejam isolados de políticas populistas indefinidamente. A desaceleração do crescimento económico global acelerado pela pandemia da COVID-19, as alterações climáticas e o deslocamento dos trabalhadores fortalecerão os políticos populistas ao longo do tempo, mas para 2020, não haverá muito impacto político. O Reino Unido faz uma interrupção, o que constitui uma grande vitória para Boris Johnson e para o seu Partido Conservador, sendo uma perda ainda mais histórica para os simbólicos esforços eleitorais de Jeremy Corbyn, dando aos britânicos algum espaço necessário para respirar. O Reino Unido (finalmente!) saiu da UE a 31 de Janeiro de 2020, após quase quatro anos de incerteza política sem precedentes. A nova maioria conservadora de Boris Johnson votou no acordo de retirada e na “declaração política” para formalizar a saída do Reino Unido, fazendo que o primeiro-ministro lidere um “governo de divergência”, que dê prioridade à liberdade regulatória do Reino Unido na Europa, fazendo tudo de forma diferente, mesmo que limite o acesso ao mercado único e crie ventos contrários substanciais para a economia do Reino Unido e seus sectores industriais. Apesar disso, é improvável que haja um forte impacto em 2020. O Reino Unido permanecerá em uma transição paralisada durante todo este ano, mesmo quando as negociações se tornarem difíceis (o que invariavelmente ocorrerão), o que oferecerá aos investidores um certo grau de certeza com todo o ruído produzido. Boris Johnson apesar de ter pontuado na UE não está disposto a arriscar qualquer sindicância eleitoral. Ainda que a Escócia também seja ruidosa, não existe qualquer possibilidade de um referendo para a independência. É verdade que a forte manifestação do Partido Nacional Escocês de Nicola Sturgeon nas eleições de 12 de Dezembro de 2019, reforçou a sua alegação de que os interesses da Escócia estavam a ser ignorados, mas é apenas com o tempo que a economia do Reino Unido reforça o seu impulso pela independência, pelo que 2020 não será um ano de alto risco para o Reino Unido. A COVID-19 não irá acabar com a vida quotidiana como a conhecemos, mas também é a política global invertida. Antes da intensificação da pandemia da COVID-19 existiam várias preocupações a nível mundial, e uma era a legitimidade das próximas eleições presidenciais americanas, devido às consequências do processo de “impeachment” mais politizado da história, à quase certeza de interferência estrangeira e aos candidatos à presidência que atiçavam chamas da teoria da conspiração. Era uma mistura potente de factores que garantiam que aproximadamente metade do país, sentiria como se as eleições lhes fossem “roubadas” se o candidato preferido não vencesse. Tudo continua a ser verdade e agora a COVID-19 abre uma nova avenida para recriminações políticas e lavagem de dinheiro, ao mesmo tempo que complica o acto físico de ir às urnas. Os Estados Unidos nunca tentaram uma votação por correio em todo o país ou uma votação electrónica nacional, e em um ambiente político tão polarizado quanto este, a COVID-19 aumenta esse risco. A outra preocupação era de que a guerra tecnológica por mais nociva que seja entre os Estados Unidos e a China, ainda havia algo pior, pois essa divisão entre os dois países espalhar-se-ia para outras áreas económicas. A COVID-19 acelerou consideravelmente essa linha do tempo, pois os sectores de manufactura e serviços foram forçados a começar a reorganizar as cadeias de fornecimentos e de actividades. As medidas, por enquanto, são temporárias, mas quanto maior se tornar a actual crise global da saúde, mais empresas serão forçadas a considerar e tomar medidas permanentes, aprofundando a divisão entre os Estados Unidos e a China. A COVID-19 aumenta significativamente esse risco. À medida que a disputa económica entre os Estados Unidos e a China se intensifica, a luta entre as duas únicas superpotências económicas do mundo, transformar-se-ia em uma luta mais ampla de influência e valores, juntamente com elementos de segurança nacional, o que também foi acelerado pela COVID-19, ao qual o presidente dos Estados Unidos e membros do seu partido começaram a referir-se como sendo o “vírus Wuhan” e o “vírus chinês”. Os dois países têm líderes que se preocupam muito com a forma como a sua resposta ao COVID-19 está a ser vista e sentida pelas pessoas a nível interno e internacional e colocar a culpa de um país no outro não os ajuda a conter o vírus de forma alguma, mas sim ajuda a desviar as consequências políticas. As relações entre os sectores público e privado raramente foram fáceis. Mas, à medida que os problemas do mundo começaram a aumentar e os governos se esforçavam para os acompanhar, as pessoas iniciaram a procurar “Empresas Multinacionais (EMNs na sigla inglesa)” para ajudar a resolver muitos dos problemas que atormentavam as sociedades nas quais operavam e obtinham lucro. Antes do COVID-19, era de esperar que 2020 fosse um ano em que as EMNs enfrentariam pedidos de mais acções em questões sociais, como as alterações climáticas e a luta contra a pobreza, enquanto lutavam para satisfazer os accionistas em um ambiente económico global em desaceleração. Essa desaceleração da economia global continua a ser um grande desafio, devido ao COVID-19 e às novas preocupações da cadeia de fornecimentos, mas, por enquanto, os governos têm outras preocupações além de responsabilizar as multinacionais. Os desafios que a COVID-19 traz oferece oportunidades para as empresas de tecnologia e produtos farmacêuticos intensificarem e ajudarem as pessoas a viver o mais normal possível durante estes tempos difíceis. Houve um nervosismo com o regresso do primeiro-ministro indiano Narendra Modi ao nacionalismo hindu, por se tratar de uma orientação política que teve ramificações significativas na sociedade indiana e no progresso do país em direcção a reformas económicas. A Índia até agora conseguiu lidar muito bem com o surto da COVID-19, mas não há garantias de que será assim no futuro, especialmente porque o país é três vezes maior que a China em termos de densidade populacional e não tem nem o mesmo tipo de capacidade de resposta política e de saúde e se houver uma irrupção de COVID-19 que atravesse o país poderá causar um dano social ainda maior. Antes da acometida da COVID-19, a UE, sob a liderança da recente nova presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen, estava a preparar-se para adoptar uma abordagem mais assertiva ao relacionamento com a China e os Estados Unidos, que se tornaria aparente, através do aumento da regulamentação tecnológica, aplicação mais estrita das regras e tarifas comerciais e ainda maior cooperação militar entre os demais estados membros do bloco europeu. A chegada da COVID-19 à Europa mudou fundamentalmente essa orientação e ao invés de combater os Estados Unidos e a China na esfera geopolítica, a UE está focada em combater o coronavírus no seu espaço geográfico. É difícil atingir esse objectivo dado o monstruoso número de infectados e mortos, onde sobressaem a Itália, Espanha, França e Alemanha. As alterações climáticas começaram inalteradamente a passar das margens políticas para a o quotidiano político, e 2020 foi o ano em que o momento da acção climática forçaria um choque entre activistas, governos e empresas, e embora as alterações climáticas ainda representem a maior ameaça física e existencial que o mundo enfrenta, o imediatismo que o problema estava a ser tratado foi suplantado pela crise da COVID-19. O isolamento social e a diminuição brutal da actividade industrial é um beneficio para as alterações climáticas. A política equivocada dos Estados Unidos em relação aos países liderados por xiitas no Médio Oriente (Irão, Iraque, Síria) estava a levar a região à instabilidade, mas, apesar da retórica, nem os americanos, nem os iranianos querem um confronto militar genuíno (não obstante, o assassinato de Soleimani). Tanto os Estados Unidos como o Irão estão a lutar para combater os seus surtos domésticos de COVID-19, o que significa que ambos os países têm menos incentivo para entrar em guerra. Ao mesmo tempo, um surto significativo de COVID-19 no Iraque e na Síria pode causar golpes reais a dois países que lutam para se estabilizar, e que a política dos Estados Unidos não os ajudou. Ainda que a COVID-19 diminua os riscos da política dos Estados Unidos em relação ao Irão, aumenta-os na Síria e no Iraque. A América Latina estava em crise política antes mesmo do surgimento da COVID-19, com uma classe média recém-criada a exigir melhores serviços públicos e menos corrupção dos seus líderes e não conseguindo obtê-los. A América Latina começou a ser atingida tanto pela COVID-19 quanto a Ásia e a Europa, mas será apenas uma questão de tempo a sua evolução. Assim, combinados com o recente colapso dos preços do petróleo, após a decisão da Rússia e da Arábia Saudita de entrar em uma guerra de preços do petróleo, os líderes de países produtores de petróleo como o Brasil, Colômbia, Equador e México necessitam de se preparar para algumas semanas difíceis que terão pela frente. O mesmo acontece com o restante da América Latina, cujo sistema de saúde e infra-estrutura subjacente serão testados como nunca nas próximas semanas e meses. A Turquia rapidamente recuperou a desvantagem de infectados por COVID-19 ocupando a décima terceira posição dos países com mais infectados. O presidente turco Recep Tayyip Erdogan tem um historial de agir de forma irregular quando sente a pressão política e económica. Tal pressão estava a aumentar devido às deserções de alto nível do seu partido, o AK, no poder, uma economia turca amolecida e a cara aventura militar na Síria, que prejudicaram seriamente as relações da Turquia com a Rússia e a UE. É de acrescentar a tensão iminente da COVID-19, e é possível que Erdogan actue de forma nova e imprevisível, lutando para manter o poder e a popularidade.
Andar para trás Pedro Arede - 2 Abr 2020 [dropcap]U[/dropcap]m homem sobe a rua do Lilau de costas enquanto entoa, a tempos, cinco gritos de cada vez, perfeitamente sincronizados com os passos que dá. Tem máscara e calções. À distância, o palreio parece vir das árvores. Mas não! Deve ser só exercício físico para descomprimir. O esforço é admirável, mas parece perfeitamente escusado. A casa do Mandarim está de (algumas) portas abertas, interditando os seus visitantes de aceder aos pisos superiores. Sentado ao pé do quiosque do Lilau, imagino-me num qualquer largo em Lisboa a cogitar um daqueles planos para cruzar uma Europa sem fronteiras de caravana ou comboio. É fácil sentir a vida a andar para trás nos dias que correm. A possibilidade de não podermos fazer o que nunca fizemos, mas que está lá guardado na nossa velha lista de desejos, pode ser só por si uma angústia. Mas talvez sejam só as circunstâncias a toldar o sentimento. Depois disto tudo (o que quer que isso seja) seremos exactamente os mesmos, com os mesmos vícios, aspirações, vontades, curiosas rotinas e qualidades. Cabe-nos, desde já, arregaçar as mangas e lembrarmo-nos destes dias mais lá para a frente, talvez apenas para não hesitarmos perante essas tais coisas que nunca fizemos, mas temos inexplicavelmente saudades de fazer. Não sei que mundo será o da Primavera de 2021. Mas pelos vistos, às vezes, para ir para a frente, até pode ser mais fácil seguir um caminho se o fizermos a andar para trás. Sem ver para onde vamos. Mesmo que esse caminho seja uma subida bem inclinada.
Do retiro António Cabrita - 2 Abr 2020 27/03/2020 [dropcap]O[/dropcap] gladiador que vai morrer saúda o Corona-César com um manguito porque também ele joga e julga e ri-se às gargalhadas dos Césares e dos que vão cuspir sobre o seu cadáver: saudades que me dão dos pépluns, a meio da noite, depois de um mosquito ter rompido de auriga a rede para me vir ferrar, quebrando-me o sono. Sentado de perna aberta na preia-mar, cogito em como o relativo jeito com que me sirvo da Parker não me torna destro no manejo do sílex e do carbono – ou seja, convém pouco que uma regressão civilizatória exceda os limites do tolerável. Ainda que a semana tenha sido deprimente e sinais apontem para aí, como o Bolso-onagro ter decretado que de entre as aglomerações desculpáveis, porque segundo ele essenciais, está a ida às salas de loto. É usar a roleta russa contra a população, ou idêntico a engolir um moscardo para o ver sair incólume, o seu verde iridescente e impoluto, pelo rabo, como se mais não fossemos – aos olhos da aleatoriedade do poder que ambos (insecto e Bolso) representam – do que o Homem Invisível. Entretanto, corroborando o “chefe”, o presidente do Banco do Brasil afirmou que “a vida não tem valor infinito“. Tem sim. Mais que não seja porque isso abriria o campo à discriminação, que é absolutamente destituída de siso. 28/03/20 Adormeci ontem a ver The Banker, um filme de George Nolfi, onde Bernard, um miúdo negro com queda para os números e os negócios se torna um empresário de tal sucesso que, contornando as omissões das leis, se tornou o primeiro negro dono de um banco no Texas, em 1965, ainda que a coberto de um testa-de-ferro – branco. Só três anos depois dele e do sócio, Joe (um brilhante Samuel L. Jackson, como aliás, sempre) terem sido denunciados e condenados a prisão por puro racismo, é que se decretou finalmente uma lei nos States que proibia a recusa de vender propriedades por razões de raça, religião ou género. Cansa a desmedida da irracionalidade humana, mas a tragédia que o filme projecta é verificarmos como cinquenta anos depois não saímos do natural ressentimento e das clivagens entre raças. Como diz Joe a Bernard, que neste aspecto lhe parece ingénuo: «eu consigo ser amigo de brancos, “mas há sempre um extra”». A inversa, nesta terra em que habito, é igualmente verdadeira: eu consigo ser amigo de negros, “mas há sempre um extra” – esgotada a motivação de um “interesse” qualquer ou a “vantagem” passageira que eu possa oferecer ao outro, a amizade volatiza-se, de repente. E agora há um “novo extra” associado à ignorância que rege a xenofobia: há quinze dias uns miúdos numa escola de primeiro ciclo fugiram de mim chamando-me “coronavírus!”. Hoje uma amiga contou-me como ontem, também num bairro popular de Maputo, o Alto Maé, a apontaram chamando-lhe “coronavírus!” e sentiu uma certa agressividade no ar. Que sejam casos esporádicos! Talvez esta tensão não decorra de um racismo de pele, mas de haver um entendimento popular de que seja esta doença uma enfermidade trazida pelos “ricos”, aqueles que têm possibilidade de viajar – aqueles que noutra crise foram apelidados de “chupa-sangue”. 29/03/20 De comum, tropeço em certas palavras a que sou alérgico, dado que por mais que as conheça não as uso nunca. Como “escopo”: o olhar é o escopo da luz, a larva é o escopo da borboleta, o seu sorriso com covinhas é um escopo de vagina, da brama do mar ao trilar das estrelas para além deste alpendre sobre o jardim tudo é escopo de um deus que se retira; o Índico tem cada vez menos peixes, lastimam-se os pescadores, que face às marés vivas olham para a faina como um escopo de ataúde, etc., etc. Não me escorrega facilmente pelo estreito, o vocábulo, nem em “escopo”. 30/03/20 Um belíssimo livro que devia ser obrigatório traduzir para português, Em Defesa do Fervor, do polaco Adam Zagajewski, que arranjei na tradução espanhola: uma defesa da poesia em tempos de cinismo e um hábil resgate do Belo e do Sublime, que Zagajewski leva a cabo sem padecer de qualquer recaída no idealismo. Um excerto: «A poesia e a dúvida necessitam uma da outra, coexistem como o carvalho e a hera, o cachorro e o gato. Mas a sua união não é harmónica nem simétrica. A poesia precisa de duvidar da poesia. Graças à dúvida a poesia é purificada da insinceridade retórica, da verborreia e falsidade, da sua fixação prematura e da euforia vazia (não a verdadeira). Sem o olhar severo da dúvida, a poesia – especialmente no nosso tempo sombrio – poderia degenerar numa canção sentimental, num cântico exaltado embora estulto ou num louvor impensado de qualquer coisa inorgânica no mundo» 31/03/20 Um pato rasa o telhado da casa, a grasnar. Há uma hora andaram por lá os macacos. A lagartixa trepa pela parede amarela. A brisa leva o espanta-espíritos a responder aos pássaros. Em fundo o mar nunca se engasga, como um piano de manivela. Estou embutido na natureza, esta benigna, já a do vírus é da predação, como a nossa. Mas por enquanto sinto-me distante das crónicas de desmoronamento. Bebo o terceiro chá da manhã, resolvi fazer uma dieta-intermitente e passo catorze horas sem levar uma bucha à boca, a ver se estou mais magro seis ou sete quilos quando o bicho me apanhar porque devido ao peso sinto os pulmões opresos. Hoje sonhei. No meu sonho, bizarro, aparecia uma miúda de carrapito e aspecto modesto; o aprumo e a procissão, merda, merda, caiavam-na por dentro, como se lhe forrassem de papel de parede o verso da pele. Espreito as notícias, tantos motivos para execrar o mundo. Mas de duas coisas sei: que nunca se deve apostar contra o mistério e que nunca me conseguirão inflamar o ódio. Tenho esta fraqueza.
Pela mão de Duchamp Hoje Macau - 2 Abr 20203 Abr 2020 La poesie ne rytmera plus l’action. Elle sera en avant Rimbaud [dropcap]H[/dropcap]oje apetece-me ser uma mão, um pincel, um escopo, um martelo. Ser o que faz. O acto de fazer. Poeticamente ser o pensamento matérico a rondar abusivamente o mundo. Pensei descer em Franfurt e falar com Heidegger sobre a arte. Falo de pesca artesanal no meio das florestas que bordejam os lagos. Não considero menor o problema deixado pelo seu silêncio relativo ao nazismo mas, por bizarra ironia, ele legou ao pensamento estético a possibilidade contemporânea de reflectir sobre um pensamento feito à mão. Melhor que ele tenho Duchamp, o meu amante preferido. Quero sempre falar com ele. Quererei sempre dormir com ele, escutando uma interioridade que me acolha na revolução absoluta. A abertura, a clareira se quisermos, é que Duchamp retira a arte da colonização do óptico e do háptico, num passe que a Estética não equacionara. Nem Kant, na tentativa de a resgatar, como acção desinteressada, de qualquer propósito ou objectivo logocêntrico. Nem Hume e Diderot, ao acrescentar-lhe uma grelha nova: o juízo de valor e o gosto. Adiante. Descanso dentro de uma mala de Duchamp e convido-me para quê? Perceber? Compreender? Aceitar? Viajar, seguramente numa nova constelação antropológica. Ao tremor romântico de Blake, acrescentamos as paixões alegres de Espinoza, as paixões arrebatadoras de Descartes, os remates semânticos no voo de borboleta da arte dita moderna, num funambulismo miraculoso mas perigoso, desde: o desfazer da perspectiva; juntar num mesmo suporte culturas visuais distintas, provocando um choque perceptivo; nomear ceci n’est pas une pipe, no desacordo surrealista com o sentido linear da representação; esvanecer o espaço abstratamente com todas as suas consequências… Caminhos, trajectos para encontrar uma nova pergunta sobre a arte, entre a repetição e a diferença dos canones, oscilando numa feroz tensão entre as mãos, os sentidos e o cérebro, mas, sobretudo, desenterrando-os da ocultação metafísica da tradição ocidental até ao auge do modernismo. Continuando. As mãos são do corpo e, gosto de imaginar, que o corpo pensa com as mãos quando faz arte. É obviamente uma mão que espalha os dedos todos pelo mundo e cria, neste caso, mundo. Mas cheira-me ainda a ontoteologia. Este caminho não me convém. Preciso ir mais longe. Perguntar melhor. Dou a mão a Duchamp e sinto-lhe as veias dilatadas e alguma rugosidade. Caminho ao seu lado, ele ainda é novo e, sobretudo, preguiça. Não é uma preguiça qualquer. É uma vontade: não quer repetir, repetir-se, quer fazer o novo de novo (Nietzche, esse delicioso fantasma, anda sempre por aí). Encosto a cabeça no seu ombro. Heidegger, não muito longe, sorri trocista. Sinto-me perdida. Eu sou apenas uma mulher loucamente apaixonada pelo contemporâneo. Por aquilo que é próprio do contemporâneo, ouviu? Mas ele já desapareceu sem tomar posição e afasta-se silenciosamente como um espectro. Sou percorrida por um arrepio gelado. Os pés pisam o tempo onde os tempos se insurgem e se abespinham por baixo de mim. O tempo não tem cor. É vazio. É uma ilusão. Pode ser de qualquer dimensão. Posso inventá-lo. Sinto medo de o surfar, como quando estou no mar e a onda empurra e faz descer depressa demais a prancha e eu travo a descida e páro o movimento. É um medo infundado porque se cair nem me magoo. Então o que é que me assusta? O desvão inclinado do chão mole que pode não manter o meu peso à tona. Ali, dum cantinho seguro do Todo, plana um tapete voador. De vez em quando percorre veloz a velocidade. Ri-se de mim e manda-me umas luvas mágicas. Tenho a certeza que é Nietzsche. Só pode ser. Também gosto dele. Posso dizer que não sou uma maria-vai-com as-outras, sou mais uma maria-vai-com-eles, quando são geniais. Apaixonadamente geniais. Admiro-os e não há melhor amor que a admiração. Qualquer outro comentário da ordem da intimidade não adianto porque nunca faria parte do que que quero contar nestas minhas teorias do céu: o que é próprio da arte no tempo contemporâneo. Atenção, não te distraias! Duchamp quererá largar-me da mão, por ter sucumbido a uma vontade universal? Deixar-me pendurada no devir sem resposta? Raios e coriscos, neblinas e chuva miudinha, estrelinhas fulgentes, beijos coloridos, carícias perdidas, palavras sacudidas, deuses marxistas, diabos, anjos, fantasmas, ruínas, nadas – tudo num vórtice medonho que nunca mais termina. A mão de Duchamp, afinal agarra-se mais à minha e salva-me daquela escalada negativa, daquela queda para lugar nenhum. O sorriso enigmático, o desenterrar das obras – porque se trata sempre de criar obras, não mundo. Nelas está a origem da arte. A sua essência, não é, Sr. Heidegger? Não brincamos aos deuses, mas aos homens que podem jogar os dados de Deus, se calhar. É divertido. Se calhar Duchamp convida-me para uma partida de xadrez. Vou perder claro, a não ser que ele desconheça a entrada à Leonel Pias, inventada anos mais tarde por um português. Talvez tenha sorte, mais sorte do que tinha quando jogava com a minha filha: ela ganhava sempre. Mas não. A ideia dele era outra. Enfiou-me numa pintura que fez muito novo. Não me consegui concentrar dentro dela: algum naturalismo, algum impressionismo… Perdi a jogada e fui cuspida daquele quadro para outro. Uau! Que diferença: estava dentro de puro movimento. Trepidante. Eu era um corpo que se desdobrava em tempo. Que estranho e que bom. Era a mão de Duchamp que me pensava enquanto corpo de mulher em movimento. Mas, chegando ao topo, fui atirada para outra coisa. Fiquei presa a um vidro que se estalava. O ruído do acaso ficou congelado na minha perceção. Escorreguei num urinol que afinal estava num museu, porque este meu amigo decidiu que era uma obra de arte. Depois numa caixa que se fechava e abria como uma pequeno museu, neste caso não imaginário, mas matérico. Miniaturizado. Com obras incompletas. E depois fui cuspida para o vazio da vida. A mão de Duchamp não tinha mais nada a dizer. Mas tinha dado o pontapé de saída do grande jogo contemporâneo da arte. O novo campo de forças estava traçado: as obras podiam não ser retinianas, o desouvrement do gesto contemporâneo podia desfazer, ou não, os contemporâneos de todo o tempo, como Giotto, Rembrant, Delacroix, Courbet, Manet, Degas, Cezanne, Picasso, Braque… Apesar da admiração que sinto por eles, por me raptarem ao mundo, nenhum deles fez a pintura como algo mais que a pintura e o seu suporte, nenhum deles me libertou da pintura retiniana. O meu grito de fuga escapava-se noutros gritos dentro do arquivo dos gestos contemporâneos de todos os tempos. A revolução está a postos para dessacralizar, re-utilizar, destruir e libertar o gesto do exercício de um poder exterior. Doravante o poder origina-se na obra. Não há nada a legitimar porque cada obra é uma viagem de diferenças, distinções, novidades, refutações, explorando o avesso dos arquivos, os arquivos por existir ou destruindo-os, tão somente. Neste fazer/desfazer, a instalação e a performatividade espreita, aqui e ali. Um quadro de Marx Ernst anuncia o dripping de Pollock, a história contemporânea da pintura anuncia-se a ela mesma, pintando-se, fazendo-se, corpo-a-corpo com o corpo. Cada obra é uma mónade, um pensamento mas não um conceito. Já não agrega, nem ensina. Antes viaja sozinha. É tempo de fechar o assunto. A porta do abysmo abriu-se. A floresta é cada vez mais densa. Heidegger recorta-se lá ao fundo. Eu experimento com as minhas mãos e pinto os planos da natureza naturante, separando-os da síntese retiniana, e gostaria ainda de experimentar o meu corpo naturans, pelo meio, a bailar ao ritmo da poeisis silenciosa de Rimbaud. Outro mestre da revolução contemporânea. Serei por isso contemporânea?
Os filósofos e a escrita Luís Carmelo - 2 Abr 2020 [dropcap]O[/dropcap]s filósofos não gostam de se saber escritores. Provavelmente porque a palavra “escritor” designa uma função especulativa em que a criatividade assenta mais no jogo puro da palavra ou na construção de aparatos ficcionais sem critérios que sejam os filosóficos. É assente que assim é. Provavelmente ainda porque o ofício do escritor se prende mais com a literatura e com a poesia. E, no entanto, vasta é a tradição filosófica que mergulha no universo da poesia e nas mais variadas tipologias literárias (narrativas, epístolas, exercícios, fragmentos, etc.). É assente que assim também é. Colocando estas duas hipóteses entre parêntesis – vamos, pois, suspendê-las – haverá uma terceira que soa de um modo talvez mais convincente. Dir-se-á então que a escrita é entendida pelos filósofos mais como um meio de “representar” factos e pensamentos e não tanto como uma máquina que cria e visa os seus próprios mundos. Esta suposição não deixa de ter interesse, na medida em que houve filósofos que se sentiram obrigados a moldar a linguagem, provando assim que ela não era, à partida, apenas um utensílio transparente. Não foi por acaso que Heidegger, evitando contaminações, criou uma linguagem própria, aliás bastante compósita e até artificiosa, e que Wittgenstein fez praticamente o mesmo (entregando-se a uma lógica de fragmentos e a processos metonímicos que lhes serviam de leme). A pergunta seria: quando se ‘pensa’, haverá alguma coisa fora do texto? No fundo, o que se faz é escrever. Os filósofos pensam, mas escrevem. Pensar não teria fim (nem sintaxe duradouramente controlada), mas escrever tem sempre um fim e uma geometria que vistoria e que permite reexaminar. Por isso, os filósofos são escritores, ainda que alguns possam crer na relação entre o que representa e o que seria representado e outros creiam no sentido enquanto pura fonte de intersubjetividade (lançado na interação com o outro). Mesmo devaneando sobre a escrita na sua função de seta (índices que alegadamente apontariam para coisas concretas), os filósofos não deixam de se conter dentro do mapa da escrita. Fora do mapa da escrita, haverá outros textos, inúmeras camadas de uma longa linhagem que a história (em jeito de vendaval) atirou sobre o nosso presente. Até porque tudo aquilo que não se gravou em escrita, fosse em que escrita fosse, foi esquecido, foi removido da experiência, simplesmente desapareceu. Como seria bela a totalidade da ‘Poética’ de Aristóteles, se a pudéssemos pensar. E que tributo deveríamos prestar todos os dias a Andronico de Rodes (Séc I a.C.) que fez perdurar até nós a obra de Aristóteles (sem desmerecer o trabalho dos tradutores siríacos e árabes a partir do séc. IX d.C.). Perdurar significa aqui, de qualquer maneira, manter por escrito. A escrita, sempre a escrita. Pensar e salvaguardar o pensamento é, de facto, escrever. A escrita é um móbil específico do humano. Por outras palavras: ela é aquilo em que nos movimentamos, em que habitamos, em que vivemos e jamais um par de ferramentas para tratar do jardim. As ferramentas e o jardim somos nós mesmos, sem separações, impelidos ao dia-a-dia do mundo. Coisas despidas de palavras existem e são inúmeras, mas não ficam. São como uma sombra que se despede de nós, até que a escrita as reflicta, as hipnotize e as coloque no meio do nosso tumulto. Os arqueólogos, quando descem ao fundo da terra, o que procuram são inscrições, traçados, casos, ou seja: escritas. É verdade que um signo, qualquer signo, pode ser sempre usado fora da linguagem (olho à noite para a lua e prevejo que amanhã vai chover), mas diluir-se-á no nosso devir. Posso contemplar o rosto de um familiar, posso amaciar o ramo da nespereira, posso auscultar a gata a lamber as patas, mas esses actos apagar-se-ão, já se apagaram. Retê-los e albergá-los é procurar o sentido, mas não resistirão se não corarem à luz da linguagem. Razão por que os filósofos, os semióticos, os botânicos, os biólogos são, ao fim e ao cabo, escritores. Escritores de literatura? Não. Mas escritores, sim. E sem mácula alguma.
Fundo de Desenvolvimento Educativo | EPM recebeu mais de três milhões Andreia Sofia Silva - 2 Abr 2020 [dropcap]F[/dropcap]oram ontem tornados públicos, através de despacho publicado em Boletim Oficial (BO), os subsídios atribuídos às escolas pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), no âmbito do Fundo de Desenvolvimento Educativo (FDE). No caso da Escola Portuguesa de Macau, o FDE concedeu mais de três milhões de patacas de subsídio, cerca de 111 mil patacas foram atribuídas para “a reparação urgente do edifício escolar”. Foram concedidas ainda 453 mil patacas no âmbito do Plano de Desenvolvimento das Escolas relativo ao ano lectivo de 2019/2020, e que inclui “as viagens de estudo ao Continente, o ensino especial e a transmissão da cultura chinesa”, entre outras despesas. O FDE atribuiu ainda cerca de dois milhões de patacas também no âmbito do mesmo plano, para actividades como “a reparação do edifício escolar, a aquisição dos equipamentos, a formação da própria escola, a aquisição de livros, jornais, publicações e a contratação de pessoal especializado”.
Falta de turistas leva a perdas de 90% em casas de penhor João Santos Filipe - 2 Abr 2020 As restrições dos governos das regiões vizinhas para combater a pandemia do covid-19 estão a ter impacto muito profundo nas casas de penhor. Nas imediações do Hotel Lisboa, há cada vez mais lojas para arrendar [dropcap]A[/dropcap] descida do número de visitantes em Macau, relacionado com o covid-19, está a ter impacto muito forte nas casas de penhores do território, que se queixam de quebras nas receitas entre 80 a 95 por cento. Foi este o cenário traçado por três negócios nas imediações do Hotel e Casino Lisboa, uma área onde há cada vez mais lojas vazias e com anúncio de arrendamento. Na Casa-Penhores Pak Son terá havido uma perda superior a 90 clientes por dia, de acordo com um dos funcionários. “O nosso negócio vive dos turistas do Interior. Sem eles, não temos clientes e com isso não fazemos qualquer negócio”, afirmou Cheong, em declarações ao HM. “Antes da epidemia tínhamos mais ou menos 100 clientes por dia. Agora temos dias em que não entram clientes, ou em que há apenas um cliente”, apontou. Esta quebra nas receitas fez com que a gestão da Casa-Penhores Pak Son tivesse adoptado medidas para cortar custos, como a redução do horário de funcionamento, implementação de licenças sem vencimento para trabalhadores não-residentes que não conseguem entrar em Macau ou precisam de cumprir quarentena de 14 dias, e o aumento do número de folgas não pagas. “Com esta situação, as receitas da loja não devem chegar a 300 patacas por dia, o que nos afecta directamente a todos. Mais de metade dos nossos ordenados resulta de comissões, sem receitas acabamos por ficar numa situação miserável, pior que os taxistas”, confessou o trabalhador de 39 anos. A falta de turistas do Interior é vista como a justificação para a crise também na Casa de Penhor Bit Seng, além dos visitantes vindos de Hong Kong, como explicou Cham, um empregado de 30 anos. “O grande problema é a falta de clientes, porque não há turistas do Interior nem de Hong Kong. Só temos clientes locais e o número é muito reduzido”, justificou. “Não temos uma estatística feita, mas, por exemplo, normalmente havia sempre cerca de oito a 10 clientes, agora temos um ou dois. Se conseguirmos fechar o negócio com esses não é mau”, indicou Cham. Também na Casa Penhor Cheong Seng, onde as perdas de receitas superam 95 por cento, o cenário é semelhante, como contou ao HM uma funcionária de apelido Kou. Neste cenário, a renda acaba por ser um dos maiores desafios: “Não temos clientes, há dias em que não vem ninguém à loja ou só recebemos a visita de uma ou duas pessoas. As quebras de receitas são superiores a 95 por cento, estamos numa situação muito difícil”, descreveu. “Não temos clientes na loja, mas temos de pagar renda”. Associação à espera Apesar das dificuldades, não se encontra no sector uma resposta colectiva, como admite Leong, funcionária da Associação Geral dos Penhoristas de Macau. Sem uma tradição de comunicação permanente, a associação desconhece mesmo o número total de lojas de penhores existentes no território. Neste momento, há mais de 100 lojas registadas na associação, mas o número total em Macau é desconhecido, porque nem todas se inscrevem. A Associação Geral dos Penhoristas de Macau desconhece igualmente o número de membros que terá fechado portas desde Janeiro, altura em que o impacto do covid-19 se começou a sentir. “Entre os nossos associados ainda não sabemos quantos foram obrigados a fechar devido ao impacto da ausência de turistas. É uma informação que só vamos ter em Agosto, quando formos recolher o pagamento das quotas”, informou a fonte associativa ao HM. Por outro lado, a associação reconheceu que ainda não foi feito qualquer pedido de ajuda financeira ao Executivo.
Covid-19 | Autocarros que transportaram doente deixaram de circular Hoje Macau - 2 Abr 2020 [dropcap]A[/dropcap] Transmac suspendeu os dois autocarros, das rotas 26A e 26, pelo facto de terem transportado um doente com covid-19. De acordo com um comunicado publicado no Facebook, os dois motoristas que se encontravam a trabalhar nessas rotas também estão isolados em casa, além de que as duas viaturas foram desinfectadas. O doente em causa viajou duas vezes no autocarro 26A, entre a avenida Almeida Ribeiro/Rua Camilo Pessanha e a praia de Hac-Sá, em Coloane, por volta das 16h o doente regressou à península no autocarro 26, e saiu na paragem da avenida Almeida Ribeiro / Weng Hang. Entre os dias 25 e 31 de Março, o autocarro 26 A K320 correu a linha do 25 (dia 25 a 28), AP1/25B (dia 26), 9A (dia 27), 51A (dia 29) e 33/25B (nos dias 30 e 31). Já o autocarro K205 correu a linha do 5X (nos dias 24 a 28 e entre 30 e 31), 26A (dia 26), 33 (dia 27), tendo sido suspenso o seu funcionamento no dia 29. A Transmac declarou ainda que em todos os percursos o indivíduo utilizou máscara.
Turismo | Sector quer maior cooperação com Hengqin Hoje Macau - 2 Abr 2020 [dropcap]A[/dropcap]lgumas agências turísticas correm o risco de fechar, segundo Leng Sai Vai, presidente da Associação de Federação da Indústria e Comercial de Turismo de Macau, que apela ao Governo a introdução de programas de apoio e o reforço da cooperação turística entre Macau e Ilha da Montanha. Em declarações ao “Ou Mun”, o dirigente indicou que apesar de o Executivo ter lançado uma série de medidas de apoio, isso não ajudou significativamente o sector do turismo, e que não há muitas expectativas que o fundo de 10 mil milhões de patacas beneficie o sector. Por influência dos protestos em Hong Kong, houve o cancelamento de várias excursões que vinham a Macau ao longo da segunda metade do ano passado, e o alastramento da epidemia piorou a situação. Para além de não terem receitas, as agências de viagens também têm custos como rendas e salários dos empregados. Mais de 20 agência de viagens estão a mudar de mãos ou fecharam temporariamente devido à incerteza quanto ao futuro.
Novo fundo | Dimensão das empresas pode ser critério de distribuição Pedro Arede - 2 Abr 20202 Abr 2020 O novo fundo deve ser distribuído pelas empresas de acordo com a sua dimensão, recomenda a Federação da Indústria e Comércio de Macau. Mak Soi Kun pede que sejam tidas em conta as características de cada sector. Já Ella Lei considera que o Governo se tem esquecido das licenças sem vencimento [dropcap]A[/dropcap] Federação da Indústria e Comércio de Macau Centro e Sul Distritos considera que o novo fundo de 10 mil milhões de patacas de combate à epidemia deve ser distribuído pelas empresas, de acordo com a sua dimensão. A recomendação foi feita ao Governo e anunciada ontem pelo presidente da associação Lei Cheok Kuan, ao canal chinês da TDM – Rádio Macau. Mais concretamente, segundo o responsável, foi proposta ao Governo a distribuição de acordo com o número de trabalhadores de cada empresa. Empresas com mão-de-obra até 10 trabalhadores seriam apoiadas com 100 mil patacas, as que têm entre os 11 e os 25 funcionários seriam assistidas com 250 mil patacas, as empresas com quadros entre 26 e 36 trabalhadores seriam apoiadas com 350 mil patacas e, por fim, as empresas com mais de 36 colaboradores seriam apoiadas com 500 mil patacas. Lei Cheok Kuan espera que o Governo “continue a lançar mais medidas de apoio de acordo com as circunstâncias”, recordando que anteriormente o Executivo já tinha afirmado que não iria além do apoio inicial de 40 mil milhões de patacas. Na mesma entrevista, o presidente da Federação da Indústria e Comércio de Macau fez ainda referência ao tufão Hato para sublinhar que o impacto económico da epidemia é agora mais profundo do que em 2017. “Espero que o Governo lance mais do dobro das medidas avançadas na altura do tufão Hato”, afirmou. Também a deputada Ella Lei marcou presença no mesmo programa e defendeu que “as principais dificuldades dos trabalhadores vão além do desemprego”, passando também por cortes salariais de 50 por cento e licenças sem vencimento. Por isso mesmo, a deputada defende que o montante do novo fundo do Governo deverá ser distribuído de acordo com três níveis: universalidade, pertinência e formação contínua. Ella Lei referiu ainda que devem ser atribuídos apoios mais direccionados e que o Governo tem falhado no que toca à questão das licenças sem vencimento. Apoios indirectos Também com o novo fundo de combate à epidemia como pano de fundo, através de interpelação escrita, o deputado Mak Soi Kun quer que sejam tidas em conta as características de cada sector na definição do apoio a distribuir. “O Governo criou recentemente um fundo de apoio de 10 mil milhões de patacas. No entanto, existem ainda muitas micro e pequenas empresas de diferentes sectores de Macau que precisam de apoio específico para combater a epidemia. Será que as autoridades podem ter em conta as características dos diferentes sectores na definição da atribuição das medidas de apoio”, questionou Mak Soi Kun. Mak Soi Kun pede ainda ao Governo que considere a isenção do pagamento da taxa de 20 por cento de imposto de selo, prevista para a venda de imóveis adquiridos há menos de dois anos. Segundo o deputado, o pedido é justificado com a necessidade crescente da população encontrar liquidez em tempos de crise, traçando um paralelismo com a crise asiática de 1997.
Escolas receberam subsídio de 140 milhões de patacas para contratar pessoal Pedro Arede - 2 Abr 2020 [dropcap]E[/dropcap]m resposta a uma interpelação escrita do deputado Sulu Sou, o Governo assegurou que tem lançado uma série de medidas, que incluem a atribuição de subsídios à contratação e a dispensa da prestação de serviço, com o objectivo de criar “um bom ambiente de trabalho para os docentes (…) de modo a reduzir o seu trabalho”. Na resposta assinada pelo director dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), Lou Pak Sang, o Governo assegura que dá grande importância ao assunto e que, os tempos lectivos leccionados têm vindo a decrescer. “No ano lectivo de 2019/2020, foram em média, 20,8, 16,2 e 14,3 os tempos lectivos semanais que os docentes, respectivamente, dos ensinos infantil, primário e secundário, leccionaram, traduzindo-se numa diminuição de 11 por cento, 9 por cento e 14 por cento (…) em comparação com o ano lectivo de 2011/2012, antes da implementação do ‘Quadro Geral’”, pode ler-se na resposta. Outra das questões esclarecidas na resposta a Sulu Sou diz respeito à prestação de serviço não lectivo, onde se incluem, segundo o “Quadro Geral”, as funções não pedagógicas dos docentes. “A DSEJ promove, anualmente, as ‘Instruções para a dispensa da componente lectiva do pessoal docente’, para que os docentes que prestem serviço não lectivo, possam ficar dispensados da componente lectiva normal”, consta na resposta. O deputado questionou o Governo sobre a legitimidade das “horas extraordinárias gratuitas” a que os docentes estão sujeitos, sobretudo após a introdução das exigências curriculares de trabalhos não lectivos, previstas na lei. Apoio de 140 milhões O Governo revelou ainda que no decorrer do ano lectivo de 2018/2019, as escolas foram subsidiadas no montante total de 140 milhões para a contratação de pessoal especializado. De entre o pessoal especializado que pode ser contratado no âmbito deste Fundo de Desenvolvimento Educativo, estão colaboradores direccionados para a gestão de laboratório, o ensino das tecnologias de informação e comunicação, a promoção de actividades, promoção da leitura e promoção da saúde na escola. Segundo a DSEJ foi ainda criado no ano lectivo passado um subsídio de promoção de níveis para pessoal especializado com o objectivo de “estabilizar o pessoal”, tendo-se registado um aumento do pessoal especializado no ano lectivo 2020/2021. O número de pessoal especializado subiu assim de 2,5 para 3 nas unidades escolares até 15 turmas e aumentou de três para quatro nas unidades escolares que têm entre 16 a 25 turmas.
Justiça | Paula Ling de fora do Conselho da Reforma Jurídica Hoje Macau - 2 Abr 20202 Abr 2020 [dropcap]A[/dropcap] advogada Paula Ling ficou de fora do Conselho Consultivo da Reforma Jurídica, onde era vice-presidente. De acordo com um despacho do Chefe do Executivo publicado ontem no Boletim Oficial, Ling não viu o mandato, que terminou na terça-feira, renovado. De fora ficaram igualmente Chan Tsz King, actual Comissário Contra a Corrupção, e Viriato Lima, juiz do Tribunal de Última Instância que se aposentou. No sentido contrário, passaram a integrar este órgão Carmen Maria Chung, subdirectora da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, e Tou Wai Fong, antiga adjunta do CCAC. Mantém-se no conselho o advogado Henrique Salda e Augusto Teixeira Garcia, professor da Universidade de Macau.
Governo não avança detalhes sobre lei da concorrência leal e responde com clichés Salomé Fernandes - 2 Abr 2020 [dropcap]E[/dropcap]m Março do ano passado, num debate na Assembleia Legislativa, o então secretário para a Economia e Finanças disse que havia um esboço de proposta de lei da concorrência leal em fase de aperfeiçoamento. Questionado sobre o ponto de situação da proposta, o gabinete do actual secretário, Lei Wai Nong, não avançou detalhes. Em resposta ao HM disse apenas que o Governo “tem vindo a empenhar-se na defesa dos direitos e interesses dos consumidores de Macau, tendo efectuado, de forma contínua e periódica, fiscalização quanto ao abastecimento dos produtos do uso quotidiano da população que se encontram comercializados no mercado, assim como aos respectivos preços praticados, esforçando-se, ainda, pelo fortalecimento dos trabalhos de fiscalização com o apoio das leis estipuladas para as matérias em causa”. Indicando que o Executivo actualmente “presta principalmente a sua atenção” à produção legislativa sobre a protecção dos direitos e interesses do consumidor, “procurando concluí-la o mais depressa possível para alargar as competências de fiscalização”, acrescentou ainda que ao nível da concorrência empresarial se pretende “criar melhores condições e regimes para esse efeito”. Por outro lado, sobre as críticas dirigidas aos fornecedores de produtos de petróleo não acompanharem a descida de preços internacional de forma proporcional, e se o Governo considera que a lei dos direitos dos consumidores oferece protecção suficiente aos cidadãos, foi respondido que “no tocante aos actuais preços dos produtos petrolíferos verificados em Macau, este é um assunto a que o Governo da RAEM tem atribuído uma elevada importância”. O gabinete do secretário explicou ainda que o Grupo de Trabalho Interdepartamental para a Fiscalização dos Combustíveis do Governo, na reunião com representantes do sector, “apelou a que a alteração dos preços dos produtos petrolíferos deveria ser feita em consonância com o ritmo de ajustamento internacional, com vista a assegurar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos”. E que espera que a proposta sobre a lei dos consumidores seja aprovada com brevidade para permitir maior transparência dos preços dos produtos combustíveis.
AL | Deputados querem pormenores sobre fundo de 10 mil milhões Salomé Fernandes - 2 Abr 2020 O deputado Chan Chak Mo prevê que depois de aprovada a alteração à Lei do Orçamento de 2020, sejam necessárias novas alterações. Em causa está o fundo de apoio de 10 mil milhões de patacas anunciado pelo Governo, que os deputados da 2ª comissão permanente da AL querem saber como vai ser usado [dropcap]O[/dropcap]s deputados da 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa questionaram como vai ser utilizada a verba do fundo de apoio no valor de 10 mil milhões anunciado pelo Governo, que tem como objectivo combater o impacto causado pelo novo coronavírus. De acordo com Chan Chak Mo, que preside à comissão, esse fundo “provavelmente vai implicar uma nova alteração do orçamento”. Recorde-se que o fundo, criado através da Fundação Macau, se destina a residentes, empresas e estabelecimentos comerciais que devido ao impacto da situação epidémica “enfrentem dificuldades de sobrevivência ou de exploração dos seus negócios”. Assim, os deputados que estão a analisar na especialidade a proposta de alteração à Lei do Orçamento de 2020 esperam dialogar com o Governo na próxima terça-feira para obter mais informações. “Como ainda nada sabemos em pormenor, primeiro temos de aprovar essa proposta de lei do orçamento rectificativo e dar continuidade ao prosseguimento das medidas que constam dessa proposta de lei”, disse Chan Chak Mo. Alargamento de apoios Face à proposta actual, os deputados querem chamar representantes do Fundo de Turismo e do Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização, devido a uma verba sobre garantias dos créditos bancários e medidas de apoio a pequenas e médias empresas. O presidente explicou que o montante de 37 milhões de patacas, “não é um aumento significativo”, mas que também há uma verba destinada a apoiar o sector cultural e artístico, nomeadamente para produtoras que filmem Macau de forma a atrair visitantes depois da epidemia. Questionado se as medidas adoptadas são suficientes e sobre a não inclusão de trabalhadores do sector privado, Chan Chak Mo reconheceu que os trabalhadores por conta própria estão de fora da proposta de lei, dando o exemplo de taxistas e médicos do privado. E indicou que na reunião foi sugerida “a necessidade de contemplar esses trabalhadores”. “Também foi por causa disso que o Governo decidiu criar esse fundo de 10 mil milhões, para contemplar estes trabalhadores que ficaram fora nessa proposta de lei. Temos de discutir melhor como vai ser usada a verba desse novo fundo”, comentou.
Fronteiras | Zhuhai proíbe entrada de viaturas com matrícula dupla João Santos Filipe - 2 Abr 2020 A partir desta manhã, os residentes com veículos com dupla matrícula vão deixar de poder viajar para o Interior. A medida partiu de Zhuhai e a CPSP pediu compreensão aos residentes [dropcap]A[/dropcap]s autoridades de Zhuhai vão proibir a partir das 10h de hoje a entrada de viaturas com matrícula dupla, ou com a matrícula tripla (Macau, Interior da China e de Hong Kong). A informação foi avançada na madrugada de ontem e levou ao aumento significativo do tráfego para passar a fronteira. Na conferência de imprensa, Ma Chio Hong, chefe da Divisão de Operações e Comunicações do Corpo de Polícia Segurança Pública, pediu a compreensão aos condutores afectados pelas medidas adoptadas pelo Interior. “O que se pretende é evitar a circulação de veículos e pessoas. As autoridades de diferentes governos estão a tomar medidas de prevenção e algumas são cada vez mais apertadas”, afirmou o responsável. “Estamos num período muito crítico e espero que haja compreensão. O objectivo é reduzir os riscos de transmissão”, acrescentou. A decisão das autoridades de Zhuhai apenas foi conhecida em português às 01h25 de ontem, em chinês foi publicada às 23h29 do dia anterior. Ma Chio Hong justificou que a comunicação foi feita tão depressa quanto possível pelas autoridades locais. Como consequência, entre as 01h e o meio-dia de ontem, um total de 1.941 viaturas saíram de Macau, o que representa um incremento de 47 por cento nos movimentos de veículos em comparação com o período anterior. O número de saídas foi de 1.125, mas depois do meio-dia ainda havia viaturas concentradas para deixar Macau. As novas restrições de Zhuhai não têm data limite, mas proíbe a circulação de veículos com excepção dos utilizados para transporte de mercadorias, serviços públicos de contingência, viaturas fúnebres e com matrícula única de Macau para entrada em Hengqin e Parque Industrial Transfronteiriço Zhuhai-Macau. Sete dias de isolamento Nos próximos dias, um grande número de pessoas vai sair de quarentena, caso os últimos testes ao covid-19 sejam negativos. Por este motivo, Alvis Lo Iek Long, médico-adjunto da direcção do CHCSJ, apelou às pessoas que regressem a casa e que permaneçam isoladas durante mais sete dias. “Quando acabarem o isolamento, apelamos para que pensem nas famílias e na sociedade e se mantenham isolados mais sete dias e meçam a temperatura duas vezes por dia. Também vamos telefonar-lhes para saber como estão”, afirmou Alvis Lo. O mesmo médico afastou ainda a hipótese, por motivos técnicos, de Macau passar a publicar os dados sobre o número de pacientes que nunca desenvolvem sintomas, apesar de estarem infectados pelo covid-19. “Nós temos publicado todos os números, mas não temos essa estatística. Como muitos dos nossos casos são detectados numa fase muito inicial, também porque as pessoas estão de quarentena, a detecção é feita sem que haja sintomas”, começou por explicar. “Mais tarde, já durante o tratamento, as pessoas depois apresentam sintomas, mas é muito difícil saber se são considerados com ou sem sintomas”, acrescentou. Casos sobem para 41 Ontem também foram reveladas mais informações sobre os 40.º e 41.º casos identificados em Macau. Ambos são residentes e são mãe, com 47 anos, e filho, com 20 anos. Segundo as informações disponibilizadas pela médica Leong Iek Hou, coordenadora do Núcleo de Prevenção e Doenças Infecciosas e Vigilância da Doença, ambos tinham estado no Reino Unido entre 15 e 26 de Março, altura em que regressam para Macau via Hong Kong. O transporte foi arranjado pelas autoridades e os dois infectados estavam de quarentena quando foram diagnosticados. Além deles, quatro familiares que os acompanharam na viagem foram levados para o centro de isolamento no Hospital das Ilhas. Actualmente, Macau regista 31 casos activos e 10 curados. Entre as pessoas isoladas e em tratamento há um paciente em estado grave, ligado ao ventilador, mas que registou melhorias. Por outro lado, há 16 pacientes com sintomas de pneumonia e outros 14 com sintomas mais leves. Quarentena | Atrasos em resultados impediram altas Uma dezena de pessoas em quarentena no Alto de Coloane deviam ter tido alta ontem, mas atrasos na recolha e resultados dos últimos testes atrasaram a saída para hoje. A informação foi avançada ontem por Alvis Lo Iek Long, médico adjunto da direcção do Centro Hospitalar Conde São Januário (CHCSJ). Ainda em relação às pessoas a cumprir quarentena em casa, foi revelado na conferência de imprensa que há cinco casos, cujo fim da quarentena também está para breve. Finalmente, foi esclarecido que as pessoas obrigadas pelos SSM a parar a quarentena em casa para serem transferidas para hotéis designados ficam isentas dos custos do hotel. Máscaras, ronda 8 A oitava ronda da venda de máscaras disponibilizadas pelo Executivo vai arrancar hoje em 84 postos de venda. Na fase anterior foram vendidas cerca de 6 milhões de unidades, o que em termos acumulados significa a venda de 40 milhões de máscaras desde o início da pandemia. A grande novidade nesta fase é a colaboração de cerca de 500 alunos voluntários para o empacotamento e distribuição de máscaras. As autoridades apelaram ainda para que se evitem filas, no caso de não haver necessidade urgente de máscaras.
Chuxia Deng, investigador e reitor da Faculdade de Ciências Médicas da UM: “É possível prevenir o cancro da mama” Pedro Arede - 2 Abr 2020 Ao fim de quatro anos, uma equipa de 12 investigadores da Universidade de Macau (UM) descobriu um meio de travar a proliferação do cancro da mama e bloquear o aparecimento de metástases após cirurgia. Chuxia Deng, professor que liderou a investigação, aponta o caminho a percorrer e a razão porque Macau, assim como outros países asiáticos, regista muito menos casos que o Ocidente [dropcap]Q[/dropcap]ual a importância deste estudo? A importância desta descoberta assenta sobre vários aspectos. O primeiro de todos é que o cancro da mama ocorre com maior frequência nas mulheres, afectando anualmente mais de dois milhões de pacientes do sexo feminino e provocando a morte a mais de 600 mil. O gene sobre o qual estivemos a trabalhar chama-se BRCA1, cuja mutação está relacionada com o aumento do risco de desenvolver cancro da mama. O que isso quer dizer é que, estando a mutação deste gene relacionada com o aparecimento de cancro da mama de origem hereditária, as pessoas portadoras da mutação do gene BRCA1 têm muito mais possibilidades de contrair cancro da mama. Outro ponto de foco da nossa equipa foi o facto da mutação provocada pelo BRCA1 estar relacionado com os casos mais graves de cancro da mama, os do tipo triplo negativo (TNBC). Apesar deste tipo de cancro da mama ser muito difícil de tratar, descobrimos que o BRCA1 tem uma nova função que revelou ser de extrema importância. Isto porque antes, pensávamos que este gene estava apenas relacionado com a regeneração de ADN, mas no nosso estudo descobrimos que é também responsável por manter a integridade das mitocôndrias que, no caso de estarem danificadas, podem provocar inflamações e, consequentemente, a criação de tumores e metástases. Foi essa a nossa descoberta. Mas fomos mais longe e descobrimos que, ao utilizarmos inibidores contra inflamações, é possível parar a proliferação do cancro e bloquear o aparecimento de metástases. Portanto, esse é também um ponto muito importante desta pesquisa. O que é que na prática passa a poder ser feito de forma diferente no tratamento e prevenção do reaparecimento do cancro da mama? O nosso estudo aborda também um ângulo muito interessante porque em muitas pessoas, após serem operadas para a remoção dos tecidos cancerígenas, por vezes, volta a verificar-se a recorrência e o aparecimento de metástases. Isso quer dizer que após a cirurgia, mesmo que o cancro tenha sido removido, por vezes, ele pode voltar a aparecer. Nesse sentido, descobrimos que a ocorrência de inflamações desempenha um papel crucial porque, no nosso caso, ao conseguirmos tratar da inflamação, bloqueamos a formação de tecido cancerígena e também o aparecimento de metástases. Por isso, o nosso estudo sugere que, em alguns casos, após a cirurgia, o paciente seja tratado com inibidores inflamatórios para reduzir o risco do cancro voltar a aparecer. Isto é algo que temos muita vontade de aplicar. Em que é que o vosso estudo se distância de outros sobre o cancro da mama e quais os próximos passos para futuras investigações? O nosso estudo abordou apenas uma pequena parcela daquilo que é o universo do cancro da mama, porque a maioria dos cancros da mama não estão relacionados com o gene BRCA1. Mas, na minha opinião, podemos começar por assumir uma pequena parte para entender o mecanismo inerente a este tipo de cancro e, assim, gradualmente, sermos capazes de entender uma regra que pode ser aplicável a outros tipos de cancro. Por isso, faseadamente, pretendemos expandir o nosso trabalho a outros tipos de cancro da mama e compreender se o mesmo mecanismo se aplica. Outro objectivo do nosso estudo é compreender se o microambiente tumoral implicado no cancro da mama, também pode ser estendido a outros tipos de cancro, generalizando-o a uma maior fatia da população. Acredita que a evolução do panorama do cancro da mama tem sido positiva? Existem actualmente muitas abordagens relativas ao cancro da mama. O cancro da mama pode ser de vários tipos e, para a maior parte, já estamos preparados para lidar com eles e curá-los. Mas o problema são aqueles que estão relacionados com a mutação do gene BRAC1 ou do tipo triplo negativo, que são os mais difíceis de tratar. Por isso, a nossa estratégia passa por “atacar” estes dois tipos de cancros. No entanto, para os cancros relacionados com a mutação de gene, muitas pessoas já estão sensibilizadas para a questão da prevenção, como são exemplo as doenças genéticas. Nestes casos, é possível fazer sequências para descobrir essas mutações e actuar sobre elas. Um desses exemplos é o caso de Angelina Jolie, que em 2013, quando descobriu que tinha sofrido uma mutação do gene BRCA1, tomou a iniciativa de se sujeitar a uma cirurgia para remover a mama. Mais tarde, acabaria também por remover a outra mama como forma de prevenção. No entanto, existem muitos progressos que estão a ser feitos nesta área e outros factores de prevenção, nomeadamente ambientais e imunológicos relativos ao mecanismo inflamatório. Podemos tomar muitas acções para tentar impedir o aparecimento deste tipo de cancro. O que deve ser feito ao nível da sensibilização e prevenção do cancro da mama? Quais os sinais para os quais as pessoas devem estar atentas? Temos de transmitir que o cancro da mama afecta essencialmente as mulheres e que tem uma elevada taxa de frequência, causando muitas mortes. Mas também queremos que as pessoas saibam que é possível prevenir este tipo de cancro. É possível fazer uma detecção precoce. Em muitos países ocidentais, como os EUA, as mulheres a partir dos 50 anos devem fazer uma mamografia anual, de forma a actuar numa fase inicial sobre um eventual problema. O mesmo deve ser feito também em relação aos casos em que existem antecedentes familiares de cancro da mama. Por isso, este é um tipo de cancro em que é possível actuar de forma preventiva e essa mensagem tem de chegar às pessoas. Também é preciso estar atento às questões do sistema imunitário. Um sistema imunitário forte pode reduzir o aparecimento de inflamações e, consequentemente, deste tipo de cancro. Quais os principais desafios que encontraram durante a investigação? O principal desafio diz respeito à dificuldade na obtenção de amostras clínicas, isto porque Macau não tem assim tantos pacientes diagnosticados com cancro da mama. Por isso, para futuros trabalhos estamos a considerar proceder a ensaios clínicos fora de Macau. Por outro lado, as áreas circundantes têm vários exemplos como Zhuhai e, por isso, gostaríamos de examinar mais casos clínicos. Porque decidiu avançar com este estudo e quando começou a estudar o tema do cancro da mama? Participei num estudo sobre o cancro da mama em 1992, na Universidade de Harvard. A partir desse ano, optei pelo estudo nesta área porque sinto que é muito interessante e porque a taxa de incidência é muito elevada. Nos EUA, a taxa de incidência do cancro da mama é muito maior do que a de Macau ou da China e, por isso, acho que é um grande desafio. Em 1994 comecei a trabalhar sobre o gene BRAC1, por isso já levo 26 anos de trabalho sobre este tema. Qual é o panorama do cancro da mama em Macau? Em Macau, apesar de a taxa de incidência ser inferior à dos países ocidentais, existem anualmente cerca de 150 casos de cancro da mama, acabando por morrer cerca de 30 mulheres. É o tipo de cancro mais comum entre as mulheres de Macau. É preciso actuar. Através da prevenção é possível reduzir, no futuro, os riscos relacionados com o cancro da mama. Qual a razão para o número de casos em Macau e noutros países asiáticos ser consideravelmente mais baixo que nos países ocidentais? O cancro da mama pode ter origem em múltiplos factores. Um diz respeito à própria genética e neste aspecto, os países ocidentais têm maior incidência entre a sua população, nomeadamente quanto à mutação dos genes BRAC1 ou BRAC2. Outro aspecto está relacionado com o estilo de vida, por exemplo, o tipo de alimentação dos países ocidentais pode promover a formação do cancro da mama. Existem estudos a relatar que a taxa de incidência do cancro da mama aumentou em mulheres asiáticas a partir do momento em que se mudaram para os EUA. Por isso, acredito que há uma forte possibilidade de estar relacionado com a alimentação. O mesmo acontece, por exemplo, com o cancro do cólon que é muito mais frequente no Ocidente que no Oriente.