Os populismos e a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável

Com a transição do milénio XX para o XXI, as Nações Unidas estabeleceram um conjunto de objetivos para a redução da pobreza e das taxas de mortalidade infantil, combate a epidemias, promovendo para esse efeito uma aliança à escala global para o desenvolvimento sustentável. Estes objetivos, designados por Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), constavam na Declaração do Milénio, assinada em 2000 por 189 países, tinham 2015 como limite para serem cumpridos.

Entretanto, perante a taxa de realização relativamente baixa dos ODM, começou-se a delinear, em 2012, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, com base na qual se pretendia avançar na concretização de um mundo mais sustentável e próspero.

A Agenda 2030 engloba 17 objetivos, designados por Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS (“Sustainable Development Goals” – SDG), para a concretização dos quais foram estabelecidas 169 metas.
Todos os 193 Estados-Membros das Nações Unidas adotaram formalmente a Agenda 2030 em 2015, passando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a substituir os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio. Os ODS são baseados no progresso previamente alcançado pela concretização parcial da Declaração do Milénio, tendo em vista o desenvolvimento sustentável à escala global, abrangendo aspetos sociais, económicos e ambientais.

São as seguintes as ODS:
1. Erradicação da pobreza;
2. Fome zero e agricultura sustentável;
3. Saúde e bem-estar;
4. Educação de qualidade;
5. Igualdade de género;
6. Água potável e saneamento;
7. Energia limpa e acessível;
8. Trabalho decente e crescimento económico;
9. Indústria, inovação e infraestrutura;
10. Redução das desigualdades;
11. Cidades e comunidades sustentáveis;
12. Consumo e produção responsáveis;
13. Ação contra a alteração global do clima;
14. Vida na água;
15. Vida terrestre;
16. Paz, justiça e instituições eficazes;
17. Parcerias e meios de Implementação.

Analisando o conteúdo dos ODS, é fácil constatar que há, e continuará a haver, grande resistência na sua implementação por parte de forças políticas, algumas já instaladas no poder ou em vias de o conseguirem. O avanço da extrema-direita à escala global representa uma ameaça à sua concretização, na medida em que a proteção do ambiente, o combate à perda de biodiversidade e as alterações climáticas não são assuntos que preocupem proficientemente essas forças, as quais estão mais preocupadas com êxitos económicos a curto prazo do que com a sustentabilidade do planeta a médio e longo prazo.

Com o avanço da extrema-direita na Europa e a possibilidade da eleição de Trump nos Estados Unidos da América, as perspetivas de progresso na implementação dos ODS nos próximos anos não são muito animadoras, principalmente no que se refere ao ODS nº 13 (Ação contra a alteração global do clima).

Apesar de todos os Estados-Membros das Nações Unidas se terem comprometido com os 17 ODS, alguns deles têm atuado frontalmente contra a sua implementação. Veja-se, por exemplo, no que se refere ao ODS nº 16, que engloba os conceitos de “paz” e “justiça”, o comportamento da Coreia do Norte. Este país tem atuado como um Estado-pária, visto que tem desrespeitado compromissos internacionais de maneira sistemática, nomeadamente no que se refere às resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Também a Federação Russa, com a invasão da Ucrânia e a cooperação com a Coreia do Norte, contrariando as sanções estabelecidas pelas Nações Unidas, tem agido de maneira a contrariar o ODS 16. No que se refere aos EUA, o apoio quase incondicional ao governo israelita de extrema-direita, contraria frontalmente o estabelecido na Agenda 2030 relativamente à manutenção da paz, fornecendo armamento com que Israel tem bombardeado a Faixa de Gaza, cometendo crimes que se aproximam do conceito de genocídio.

Note-se que tanto os EUA como a Federação Russa são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, o que lhes deveria conferir maior responsabilidade no que se refere à manutenção da paz. Relativamente a organizações como o Hamas (que significa em árabe Movimento de Resistência Islâmica) e o Hezbollah (Partido de Alá), ambos grupos radicais islamistas, respetivamente sunita e xiita, não é de estranhar o não comprometimento com os ODS, uma vez que não se trata de organizações oficialmente reconhecidas pelas Nações Unidas, e cuja atuação é altamente criticável, pois operam utilizando frequentemente o seu próprio povo como escudo.

Além do ODS 16, alguns dos outros objetivos estão longe de serem acarinhados por forças populistas, que têm vindo a ter cada vez mais vitórias eleitorais em democracias liberais, exercendo, em alguns Estados, lugares cimeiros.

É o que acontece na Argentina, onde o Presidente Javier Milei professa ideias que contrariam alguns dos ODS, como o número 13 (Ação contra a alteração global do clima) e, por arrastamento, os ODS 14 e 15 (respetivamente “Vida na água” e “Vida terrestre”), na medida em que a não tomada de medidas para o combate às alterações climáticas implicará graves consequências nos ecossistemas marítimos e terrestres.

Milei, que se autointitula anarcocapitalista, expressa frequentemente opiniões contrárias ao cientificamente comprovado relativamente às alterações climáticas, que classifica como sendo “mais uma das mentiras do socialismo”. Em outras democracias europeias têm ocorrido avanços de forças políticas retrógradas, sendo os lugares cimeiros em alguns desses Estados ocupados por presidentes ou primeiros-ministros de extrema-direita e, consequentemente, pouco solidários com os ODS. A este respeito, a primeira-ministra de Itália, Giorgia Meloni, não é tão assertiva como Milei, visto que não nega essas alterações, mas é muito cautelosa no que se refere à necessidade da sua mitigação.

Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, tem posições análogas às do presidente argentino, acusando a União Europeia de ter planos para combater as alterações climáticas que designa como um «devaneio utópico» que só serve para aumentar os preços da energia. São também preocupantes os avanços de forças populistas na Alemanha, Espanha, Finlândia, França, Portugal e Sérvia, onde têm alcançado êxitos eleitorais assinaláveis. No que se refere à França, o “Rassemblement National”, partido liderado por Marine Le Pen, preconiza o abandono do Pacto Ecológico Europeu. Nos EUA, a possível reeleição de Trump poderá significar um provável novo abandono do Acordo de Paris. Enfim, os êxitos recentes dos movimentos de extrema-direita não são animadores quanto à aplicação das medidas preconizadas pelas instituições e programas que zelam pela sustentabilidade do nosso planeta, nomeadamente a Organização Meteorológica Mundial, o Programa das Nações Unidas para o Ambiente e o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas.

Entretanto, estamos a meio caminho do prazo para o cumprimento da Agenda 2030, e o relatório sobre o progresso das ODS (“The Sustainable Development Goals Report”), publicado em 2023 pela ONU, não é otimista.

Segundo este relatório, mais de metade do mundo está a ficar para trás no que se refere à implementação da Agenda 2030; o progresso em mais de 50% das metas dos ODS é fraco e insuficiente; em cerca de 30% das metas houve estagnação ou mesmo inversão, nomeadamente no que se refere a metas-chave em matéria de pobreza, fome e clima. No prefácio deste relatório constata-se que «A menos que atuemos agora, a Agenda 2030 poderá tornar-se um epitáfio para um mundo que poderia ter sido ».

*Meteorologista

4 Jul 2024

China | Conselho de Estado publica novo Livro Branco sobre cooperação internacional 

O Conselho de Estado chinês publicou este fim-de-semana um novo Livro Branco sobre a cooperação da China com outros países, intitulado “O Desenvolvimento da Cooperação Internacional da China numa Nova Era”. No documento, a palavra de ordem é a harmonia, o multilateralismo e a ajuda aos países em desenvolvimento, com destaque para o apoio que o país tem dado a outras nações no âmbito do combate à pandemia

 

As autoridades chinesas acabam de publicar um novo Livro Branco que espelha os objectivos da China em matéria de cooperação internacional tendo em conta a agenda da Organização das Nações Unidas (ONU) para 2030 e as relações bilaterais com muitos países de África e da América Latina.

O documento, publicado pelo Conselho de Estado chinês e disponibilizado pela agência estatal chinesa Xinhua, espelha bem a vontade da China de ser um actor que promove a harmonia e o multilateralismo na ordem mundial.

Um dos objectivos do país, em termos de cooperação internacional, passa por “promover uma comunidade global num futuro partilhado”. “Ao ajudar os outros países em desenvolvimento a reduzir a pobreza e a melhorar as condições de vida das pessoas, a China trabalha em conjunto para reduzir o fosso entre os países do norte e do sul, eliminando o défice de desenvolvimento e estabelecendo um novo modelo de relações internacionais”, pode ler-se.

Para os próximos anos, o país pretende desenvolver relações diplomáticas com outras nações com base no “respeito mútuo, igualdade, justiça e cooperação com ganhos mútuos”, por forma a construir “um mundo aberto, inclusivo onde persiste a paz, a segurança nacional e a prosperidade comum”.

O Livro Branco destaca também que “a cooperação sul-sul é o foco”. “Duas realidades não se alteraram: a China está na sua fase primária do socialismo e tal vai manter-se durante um longo período de tempo, e mantém-se a maior economia em desenvolvimento do mundo. O desenvolvimento da cooperação da China é uma forma de assistência mútua entre países em desenvolvimento”, refere o documento.

Neste contexto, o “Fundo de Assistência e Cooperação Sul-Sul” já tinha apoiado, até finais de 2019, um total de 82 projectos em cooperação com 14 organizações internacionais, muitas delas ligadas à ONU, como a UNICEF ou a Organização Mundial de Saúde (OMS).

“Estes projectos cobrem áreas como o desenvolvimento da agricultura e a segurança alimentar, a redução da pobreza, cuidados de saúde para mulheres e crianças, resposta a emergências de saúde pública, educação e formação, reconstrução após desastres, protecção de migrantes e refugiados e ajuda no comércio”, apontam as autoridades.

A política “Uma Faixa, Uma Rota” continuará a ser “uma enorme plataforma”, enquanto que o país pretende “ajudar os outros países em desenvolvimento a atingir a agenda da ONU 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”.

“A Agenda2030 é um guia para a cooperação em matéria de desenvolvimento em todo o mundo e tem muito em comum com a iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’. A comunidade internacional fez progressos iniciais face aos objectivos da Agenda nos últimos anos, mas o desenvolvimento global mantém-se desequilibrado e inadequado.”

As autoridades chinesas alertam para o facto de a “pandemia da covid-19 constituir uma séria ameaça à Agenda 2030, impondo a difícil tarefa de atingir os objectivos em todos os países e populações de acordo com o calendário”.

Neste sentido, “através da cooperação internacional na melhoria da capacidade de desenvolvimento e na optimização de parcerias de desenvolvimento, a China tem vindo a ajudar outros países em desenvolvimento a mitigar o impacto da pandemia, para que se possa acelerar a acção da Agenda 2030 e atingir a prosperidade comum”.

Sobre a covid-19

O Livro Branco destaca ainda a ajuda que a China tem dado a outros países no combate à pandemia da covid-19, considerada “a maior missão de assistência humanitária em larga escala desde 1949”, data da fundação da República Popular da China. Foram doados ventiladores e outro equipamento médico a 150 países e a dez organizações internacionais. Além disso, até Outubro do ano passado a China já tinha enviado 35 equipas médicas para 33 países para o combate à pandemia.

O documento divulgado pelo Conselho de Estado chinês dá também conta da aposta do país “no apoio a mecanismos multilaterais e organizações no combate à pandemia”, nomeadamente no que diz respeito aos fundos doados a entidades como a OMS ou outras entidades regionais.

Uma “China transparente”

Para Paulo Duarte, investigador português na área da política “Uma Faixa, Uma Rota” este Livro Branco não traz nada de novo e é mais uma forma de Xi Jinping mostrar uma China que promove a harmonia mundial e a transparência. “É um documento que surge da vontade de Xi Jinping de tornar a China num país mais transparente e vem muito na linha daquilo que tem sido o multilateralismo chinês”, defendeu ao HM.

Este Livro Branco divulgado pelo Conselho de Estado chinês “é mais um documento que visa demonstrar o rosto de uma China preocupada com os grandes objectivos da agenda da ONU para 2030, [relacionados com a] sustentabilidade e governação global”.

“Esta é uma narrativa que Xi Jinping tem vindo a procurar divulgar. Estes documentos mostram a China como um actor responsável e vão consolidar a posição do país, do sonho chinês, da comunidade com um destino comum, da política ‘Uma Faixa, Uma Rota’, a fim de diminuir a ideia de que a China é um actor incompreendido ou receado pelo mundo”, acrescentou Paulo Duarte.

Num documento onde proliferam várias informações sobre as acções de apoio desenvolvidas pela China em vários países, tal como na área da saúde e de investimento em infra-estruturas, faz-se uma espécie de “auto-elogio”, de um país que “tem vindo a apostar no apoio mútuo, na formação de pessoas, na cooperação Sul-Sul”.

Neste contexto, “a China não coloca tanto ênfase no Norte-Sul mas coloca-se sim como um porta-voz que vai ajudar os países do sul a desenvolver-se”. “Há a ideia de que os ganhos da China só fazem sentido se forem partilhados com o resto da humanidade, e vice-versa”, adiantou Paulo Duarte.

Do timing

Questionado sobre o facto de a China publicar este Livro Branco a dias da tomada de posse de Joe Biden como Presidente dos EUA, o investigador português não estabelece uma relação directa, mas defende que a guerra comercial não acabará de um momento para o outro.

“Não vejo aqui nenhuma relação de causalidade com Joe Biden, embora admita que a China foi extremamente cuidadosa e esperou até ao fim antes de saudar o vencedor das eleições dos EUA.”

Em matéria de cooperação com os norte-americanos, “será muito complicado, se não impossível, ser pior do que Trump”. “Mas não acredito que a guerra comercial vá acabar. O que Trump fez, à sua maneira, foi fazer o que os outros pensam em silêncio”, disse Paulo Duarte, referindo-se a algumas posições de desequilíbrio para as empresas ocidentais com presença no mercado chinês.

Este Livro Branco constitui, portanto, “um auto-elogio na ajuda à saúde, do cancelamento da dívida, da ajuda no desenvolvimento de outros Estados”, sempre na “óptica do altruísmo, de uma China que, mais do que cobrar, procurar partilhar os seus frutos com os outros países”.

Há também, com este documento, uma mensagem política relativa ao partido predominante no país. “São narrativas que se criam para justificar a manutenção do Partido Comunista Chinês no poder, porque os chineses são bastante cautelosos face ao que aconteceu com a URSS, com a queda abrupta do regime. A China pode ser altruísta, mas tem um controlo mais apertado das liberdades pessoais”, rematou Paulo Duarte.

12 Jan 2021