Política da Juventude | DSEJ troca pensamento crítico por “prudente” Salomé Fernandes - 14 Dez 202014 Dez 2020 A DSEJ garante que a independência de raciocínio está salvaguardada, apesar de a versão chinesa da Política da Juventude conter o termo “pensamento ponderado”, em vez de “crítico”. A chefe do departamento de juventude frisou que os alunos devem ter uma atitude prudente A Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) defendeu na sexta-feira a substituição do termo “pensamento crítico” por “ponderado” no documento em chinês da Política da Juventude para a próxima década. A chefe do departamento de juventude da DSEJ, Cheong Man Fai, argumentou que não se está a restringir o pensamento dos jovens, apontando razões culturais para a troca. “Na nossa cultura chinesa criticar pode ter um sentimento de negar, ou uma atitude ou posição oposta a tudo”, disse em conferência de imprensa. No dia anterior, a Associação Novo Macau tinha alertado para as diferenças nos documentos em chinês e português. Sulu Sou considera que a troca do termo “pensamento crítico” está relacionada com o receio do impacto dos movimentos sociais de Hong Kong e outras regiões nos jovens de Macau. “Sempre enfatizámos o ‘critical thinking’ [como] um pensamento independente”, frisou Cheong Man Fai, descrevendo que os alunos “devem ter conhecimentos suficientes, uma visão alargada e assim poderem julgar o que é correcto ou incorrecto”. A responsável entende que os jovens devem adoptar “uma atitude muito prudente”, só julgando as coisas depois de as conhecerem. A mudança de terminologia na versão em chinês surgiu durante a recolha de opiniões para a elaboração do documento. “Os alunos devem ter uma atitude ainda mais prudente. Depois de recolher as opiniões do público e revermos o significado deste termo, pensamos que o pensamento prudente ou moderado é melhor”, disse Cheong Man Fai. A responsável da DSEJ apontou que o público também considera o termo “mais adequado”. No entanto, não avançou de quem partiu a ideia. “É difícil indicar qual foi a associação que sugeriu a alteração desse termo”, disse a chefe de departamento. Em resposta aos jornalistas, frisou que a liberdade dos alunos se mantém. “Não estamos a mudar, limitar ou colocar uma restrição ao seu pensamento. Muito pelo contrário. O pensamento crítico será ainda mais restritivo, porque dentro do pensamento moderado ou prudente também se articulam alguns conteúdos que não contradizem o pensamento crítico”, disse Cheong Man Fai, acrescentando que por vezes traduções são alteradas devido a “questões linguísticas ou culturais”. Escala emocional Apesar de o patriotismo ser uma das prioridades do plano para a Política da Juventude, não existem critérios para analisar se um jovem alcança o objectivo. Cheong Man Fai frisou que o “sentimento de amor pela pátria é um sentimento pessoal”, à semelhança do amor pela família, e que passa pela pessoa “estar ciente e saber que o Estado, o país, merece protecção”. A responsável esclareceu que há critérios para avaliar a implementação da política da juventude, mas não para apreciar o sentimento patriótico. “Será que os alunos vão ajudar ou dedicar-se ao país quando este enfrenta uma grande dificuldade? Tudo isso é difícil de avaliar. (…) Não vamos avaliar os alunos com critérios fixos”, descreveu. Wong Kin Mou, chefe do departamento de estudos e recursos educativos da DSEJ, defendeu que temas como o amor à pátria e a saúde mental dos estudantes têm recebido atenção, mas que “só com continuidade” é possível melhorar. A DSEJ recolheu mais de 500 opiniões durante as sessões de consulta pública sobre a nova Política da Juventude.
Auditoria | Projecto de medicina tradicional chinesa em Hengqin considerado dispendioso Pedro Arede - 14 Dez 202014 Dez 2020 O Comissariado da Auditoria considera que o modelo adoptado pela Macau Investimento e Desenvolvimento para a gestão do Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa na Ilha da Montanha é “dispendioso” e deve ser revisto. Em reacção, Lei Wai Nong prometeu aumentar a fiscalização e fundir filiais O Comissariado da Auditoria (CA) considerou “dispendioso” e contraditório o modelo de desenvolvimento adoptado pela Macau Investimento e Desenvolvimento (MID) para a gestão do Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa em Hengqin (Ilha da Montanha). Segundo um relatório divulgado na passada sexta-feira, a entidade fiscalizadora questiona o modelo de gestão e construção “por conta própria” pela empresa de capitais públicos, sem que, para isso, tenham sido avaliados os prós e contras de outros modelos de desenvolvimento e respectivas estimativas de custos. “Em 2016, a MID fez uma estimativa dos custos de desenvolvimento de todo o Parque Industrial por conta própria, servindo esta estimativa de referência para as dotações a requerer junto do Governo (…) para os anos subsequentes. A auditoria verificou que antes de se optar pelo “modelo de desenvolvimento do terreno por conta própria, não houve qualquer análise às vantagens e desvantagens de outros modelos de desenvolvimento e das estimativas dos custos de cada modelo de desenvolvimento. Tal mostra que a MID não levou a cabo uma análise abrangente e profunda das questões”, pode ler-se no relatório. O modelo adoptado foi o “arrendamento sem venda”. A auditoria entende que com uma análise comparativa de modelos de desenvolvimento do terreno teria sido possível “saber, com certeza, quais as vantagens e desvantagens, bem como os custos de cada modelo”. É também referido que o facto de a MID ter feito “preparativos para uma eventual venda dos terrenos” demonstra que “houve contradições entre as decisões tomadas e a sua aplicação prática”. O CA aponta ainda que, de acordo com as estimativas apresentadas pela MID num novo plano elaborado em 2019, o valor total previsto para o parque de medicina tradicional chinesa seria de 16.353 milhões de renminbi, montante superior em 2.600 milhões de renminbi previstos nas estimativas elaboradas em 2014, que eram de 13.768 milhões. Ficam assim por explicar “os benefícios concretos do novo plano”, sendo que a MID “carece de clareza” sobre os resultados a alcançar e os fundamentos da análise que levou a cabo. A estimativa da MID prevê também a alocação de 6.501 milhões de renminbi, relativa aos custos de investimento em todos os projectos de construção em conta própria. Contudo, o CA refere que, se a empresa de capitais públicos continuasse a adoptar o modelo de desenvolvimento de conta própria sobre os terrenos cujo modelo de desenvolvimento não está definido, “os seus accionistas teriam de investir mais 8.262 milhões de renminbi”. O relatório dá ainda nota para o facto de a MID ter ido avante com o modelo de construção por conta própria, apesar de se ter verificado que a maioria dos potenciais investidores preferiam modelos alternativos. “Após a recolha e análise dos dados, verificou-se que a maioria dos potenciais investidores preferiam um dos seguintes modelos: arrendar o terreno ao titular do direito de uso, arrendar as instalações ou a construção conjunta. Porém, a MID acabou por decidir que todos os terrenos que já tivessem propostas de desenvolvimento seriam desenvolvidos por conta própria”. Resort à deriva Também sobre o projecto de desenvolvimento integrado da Ruilian Wellness (Hengqin) Resort, dedicado à prestação de serviços de cuidados médicos, saúde e de hotel, o relatório do CA acusa a MID de apresentar “apreciações contraditórias” para justificar a opção de exploração por conta própria. “A MID nunca considerou nem analisou as vantagens e desvantagens da exploração de um hotel por conta própria e por conta de uma empresa que se vier a estabelecer no Parque”, aponta o CA. O documento refere ainda que a MID foi incapaz de fornecer documentos de análise e registos de trabalho relacionados com as estimativas de retorno a 10 anos, fixadas em 8,3 por cento, e apresentadas pela empresa de consultoria em 2017. Em vez disso, e na ausência do relatório final, o organismo “apenas obteve um PowerPoint e um balancete elaborados na altura pela empresa de consultoria”. O ajuste da taxa interna de retorno para os 6,2 por cento com base num período de exploração a 20 anos apresentado em 2020 pela empresa de consultoria originalmente contratada e a nova empresa de consultoria, levantou também dúvidas ao CA. “Como a MID não analisou devidamente a taxa de retorno estimada pela empresa de consultoria, nem recebeu desta o relatório final, é difícil saber se a estimativa original era demasiado optimista ou se o desenvolvimento do projecto de empreendimento não correu conforme o planeado”. Lucros e incertezas Considerando que existem “incertezas quanto à possibilidade de o modelo de desenvolvimento actual chegar a um ponto de equilíbrio ou que venha a gerar lucro”, o CA considera que a MID deve rever várias questões “ponto por ponto”. Das opções a considerar, fazem parte a necessidade de constituir um grande número de subsidiárias, o estabelecimento de um mecanismo de fiscalização viável, definir o que se pretende com o Parque Industrial e o seu modelo de exploração e ainda fazer uma análise aos riscos dos investimentos feitos no empreendimento hoteleiro. “A MID deve analisar com rigor os modelos e o plano de desenvolvimento do terreno do Parque Industrial, e fazer com que as tarefas confiadas pelo Estado sejam cumpridas com rigor para, deste modo, contribuir para o bom desempenho na cooperação entre Guangdong e Macau”, pode ler-se no documento. Além disso, o CA sublinha que, tratando-se de uma empresa de capitais públicos, antes de se decidir por investimentos que envolvam montantes significativos do erário público, “a MID deve explicar aos accionistas de forma clara e detalhada o investimento em causa, como será gerido o lucro, para assim provar que o investimento se justifica”. Desde a sua criação, em 2011, até 31 de Dezembro de 2019, a MID detinha, no total, 21 subsidiárias, incluindo 17 empresas a operar no projecto do Parque Industrial e quatro empresas a operar no projecto Zhongshan. Durante o mesmo período, foram feitos seis aumentos de capital, no valor de 9.285 milhões de patacas, sendo que o valor total despendido nos projectos de investimento foi de 8.964 milhões. Deste valor, 8.074 milhões foram investidos no projecto do Parque Industrial e 890 milhões foram investidos no projecto Zhongshan. Menos é mais Reagindo ao relatório do CA, o secretário para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong referiu, em comunicado, já ter dado instruções à MID para avaliar” de forma aprofundada e efectiva” os seus modelos de gestão e operação. Em cima da mesa, estão planos de reforma e ajustamento globais, o reforço do mecanismo de fiscalização, a elevação da eficiência através do bom aproveitamento dos recursos públicos e ainda, a fusão de filiais da MID. As instruções vêm em linha com o que foi definido pelo Chefe do Executivo no relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2021. “Será avaliada, de forma global, a situação operacional das filiais da MID e procedido, com pragmatismo, à fusão das mesmas, pretendendo (…) simplificar a estrutura da MID, optimizando a sua gestão e melhorando a qualidade do seu desempenho”, avançou o secretário. Quanto aos terrenos que estão por explorar Lei Wai Nong aponta que “serão realizados estudos e delineados novos posicionamentos”, com o objectivo de “fazer melhores preparativos em prol do desenvolvimento industrial e fomentar a industrialização da medicina tradicional chinesa”. O secretário aponta ainda que os cargos da direcção “devem ser desempenhados por indivíduos dotados de senso comercial, conhecimento sobre eficiência económica e capacidade de gestão empresarial” e que, por essa razão, a colocação de pessoal será feita a partir de agora, tomando essa direcção Face às sugestões apresentadas no relatório do CA e as orientações do Chefe do Executivo, Lei Wai Nong exige que a MID avalie aprofundadamente todos os aspectos relevantes, “aquando da realização de quaisquer actividades de investimento ou projectos de desenvolvimento”, tendo sempre em mente “a utilização com cautela dos erários públicos”.
Cancelada isenção de vistos para diplomatas americanos em Macau e Hong Kong Pedro Arede - 11 Dez 2020 A China revogou o acordo de isenção de vistos destinado a diplomatas norte-americanos que visitem Macau e Hong Kong. A tomada de posição foi revelada ontem por Hua Chunying, porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, em conferência de imprensa, avançou a agência Reuters. A revogação surge no seguimento das sanções financeiras e de viagem impostas pelos Estados Unidos da América na passada segunda-feira, a 14 membros do Congresso Nacional do Povo, devido ao papel que tiveram na adopção da lei de segurança nacional de Hong Kong e à desqualificação de legisladores da oposição do território vizinho, no mês passado. O acto de retalição, que já estava prometido, inclui ainda sanções contra membros do congresso norte americano e funcionários de organizações não governamentais e as suas famílias. “A China decidiu agir contra oficiais do executivo norte-americano, membros do congresso, funcionários de organizações não governamentais e as suas famílias que procederam mal em relação aos assuntos de Hong Kong. Ao mesmo tempo, a China decidiu cancelar o acordo de isenção de vistos para os cidadãos norte-americanos detentores de passaporte diplomático”, Hua Chunying, segundo o South China Morning Post. Afirmando que os Estados Unidos “não devem continuar a trilhar um caminho perigoso e erróneo”, a porta voz recusou-se a divulgar o nome dos visados, nem quando é que as sanções entram em vigor. Consenso mais longe Recorde-se que as sanções impostas pelos Estados Unidos no início da semana foram anunciadas logo após o diplomata chinês Wang Yi, ter apelado à manutenção do diálogo entre as duas partes “a todos os níveis” e incentivado “o intercâmbio de legisladores e outros grupos de pessoas”. De acordo com a Reuters, as reacção às sanções norte-americanas, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Zheng Zeguang, convocou o representante interino da embaixada dos Estados Unidos para expressar “protesto e forte condenação” pelas acções. Em comunicado, a embaixada dos Estados Unidos afirmou que foi transmitido a Zheng que Pequim “usou repetidamente a lei de segurança nacional para suprimir a liberdade de expressão e reunião em Hong Kong e prender residentes de Hong Kong”
Cozinhados políticos Paul Chan Wai Chi - 11 Dez 2020 Quando Ho Iat Seng se candidatou ao cargo de Chefe do Executivo afirmou que quem tem coragem para servir Macau, não pode ter medo de lidar com o fogo. Se tivesse querido uma vida tranquila, teria permanecido como Presidente da Assembleia Legislativa. Em menos de dois meses, após ter assumido funções como quinto Chefe do executivo da RAEM, a epidemia do novo coronavírus deflagrou em Wuhan, tendo-se depois alastrado ao resto do mundo. Com o encerramento de fronteiras entre países e regiões, Macau tornou-se subitamente numa ilha isolada. Os turistas desapareceram e a cidade regressou à sua antiga tranquilidade. Todas as actividades dependentes do turismo, como o jogo, o comércio de souvenirs, de joalharia, as farmácias e os restaurantes, foram severamente atingidas pela pandemia. Quando o restaurante não tem clientela, o que é que o gerente deve fazer? No recentemente publicado Relatório das Linhas de Acção Governativa para o Ano Financeiro de 2021, faz-se menção à “aceleração da recuperação da economia”, que basicamente depende de “ acelerar a recuperação do desenvolvimento do sector do turismo e aumentar o investimento no que se refere às infra-estruturas”. Mas antes da vacina contra a covid-19 estar disponível, a “recuperação do desenvolvimento do sector do turismo” não passa de palavras vãs. No que diz respeito a “aumentar o investimento no que se refere às infra-estruturas”, os trabalhadores da área da construção são sobretudo não residentes, por isso esse investimento só iria beneficiar as construtoras e não daria nenhuma garantia de emprego aos trabalhadores. Assim, a “garantia de emprego” não passa de um slogan. Quanto à “promoção da diversificação adequada da economia”, a maior parte das propostas apresentadas no Relatório não passam de ideias preliminares, cuja realização está dependente de planos concretos para o futuro. Parece ser adequado dizer que este Relatório das Linhas de Acção Governativa que não contém nada de novo, limitando-se a manter as medidas principais em prol do bem-estar da população. Mas a auto-reflexão e a auto-crítica do Governo da RAE, mencionadas no Relatório, são dignas de louvor. Tal como Ho Iat Seng afirmou, na resposta à questão levantada por um deputado, é muito difícil encontrar alguém para servir o Governo. Todos preferem ser consultores a directores. Mas porque será? Ho Iat Seng não explicou, mas toda a gente sabe que o salário de um consultor é ligeiramente inferior ao de um director, no entanto o consultor não tem quaisquer responsabilidades. Assim, como lidar com este tipo de funcionários públicos? Imaginemos que o Governo é uma cozinha. No caso particular de Macau, a cozinha não está sobreaquecida, mas está super-lotada. Demasiadas pessoas acotovelam-se para encontrar um bom lugar, mas ninguém tem vontade de cozinhar. Os poucos que estão encarregues desta tarefa, pensam que se disponibilizarem um menu variado já cumpriram a sua missão, sem se preocuparem minimamente com a qualidade dos pratos que servem. Devido à grande afluência de clientes, os empregados não conseguem garantir um bom atendimento e a comida não vale o que custa. Quando o turismo caiu a pique e o negócio foi por água abaixo tornou-se urgente arranjar uma solução. Mas para além de rezar pelo regresso dos clientes, não existe mais nenhuma saída. Este restaurante não vai conseguir ultrapassar as dificuldades sem uma reforma total, e será apenas uma questão de tempo até acabar por fechar. Na resposta à questão do deputado, Ho Iat Seng sublinhou que temos de confiar que a recuperação do turismo vai tirar Macau das actuais dificuldades. Infelizmente, a recuperação do sector do turismo não depende de Macau. Face às incertezas dos cenários doméstico e internacional, Macau tem uma oportunidade de proceder a uma rectificação transversal e profunda. Para que o Governo da RAEM possa levar a cabo a sua missão, é indispensável que implemente a supervisão, verificação e balanço da estrutura da Assembleia Legislativa. O melhoramento dos mecanismos do hemiciclo é a maior prioridade. Ao responder à pergunta de um jornalista, Ho Iat Seng disse que iria estudar em profundidade a possibilidade de fazer ajustes no processo eleitoral tendo em vista o sufrágio directo, o sufrágio indirecto e a nomeação de deputados. Embora não saiba que reestruturações irão ser feitas, apenas sei que se o Governo de Macau não aproveitar este momento para fazer reformas em todos os sectores, vai ser uma oportunidade desperdiçada. Se o Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, quiser saber a opinião do público sobre o Relatório das Linhas de Acção Governativa, terá de andar por Macau e falar com as pessoas. Afinal de contas, a fama da comida de um restaurante não depende só da publicidade, depende sobretudo da opinião dos comensais.
O possível António de Castro Caeiro - 11 Dez 2020 Para haver liberdade tem de haver uma liberação completa do passado. Mas só uma outra possibilidade de futuro poderá ser essa liberação. O presente da decisão tem de estar sob o encantamento de um futuro. O futuro tem de ser mais poderoso do que a realidade da actualidade. O futuro possível tem de assomar no horizonte. Algo “possível” não aconteceu, ainda. Mas também não podemos dizer que não é nada. O futuro também não é veio até presente e, quando vier, pode não trazer o que queremos ou o que esperamos que venha acontecer. O nosso olhar presente está cheio de um futuro, próximo ou mais ou menos distante, por que estamos à espera. Quando estamos à espera de transporte, estamos de pé, com o corpo virado numa determinada direcção da rua, com os olhos postos lá ao fundo. Se estou na Av. de Berna à espera de transporte para a Praça de Espanha, estou a olhar na direcção do Campo Pequeno, mas não fixo o olhar em nada de concreto. Estou à espera que venha o autocarro, que ainda não veio. Quando peço um café, fico à espera que o tragam. Quando marcamos consultas, há um acordo tácito entre nós e quem marca um dia e uma hora para um local, mesmo que meses depois, quando digo “entre!”, espero que alguém entre no gabinete. Quando faço uma encomenda, espero que ela me chegue. Quando digo “fica bem!”, espero que alguém fique bem por muito tempo, na verdade para sempre. Há coisas por que esperamos anos. Quando nos matriculamos numa universidade, para estudar. Por outras, esperamos a vida inteira: “quando eu tiver o que eu quero”, melhor: “quando eu for como eu determino”. O possível depende do feitiço que nos lança, para que fiquemos virados para a própria possibilidade. A possibilidade com a qual nos podemos criar tem de ser inventada para poder ser encontrada. Qualquer que seja uma possibilidade positiva, terá de destruir o dique que erigimos a toda a nossa volta. O possível que chega até nós é pessoal e cheio de sentimento. Desperta em nós uma paixão que nos comove. Não é nenhuma realidade. E, contudo, tem uma eficácia actuante que provém do futuro. A possibilidade é um fiozinho de água, em que não conseguimos ainda mergulhar. Mas a água vem até nós de alguma maneira. Ou será como o fio de lã por onde escorrega uma gota de água que existe entre almas, para as pessoas se compreenderem entre si e poderem aprender umas com as outras, sabendo de que estão a falar? O transmissor temporal entre o futuro e o presente, conecta-nos à alma da vida. É do ser da vida que destila o possível, tal como é daí que vem o futuro do tempo e, assim também, uma opção de vida possível nunca antes encarada. Do interior íntimo, das entranhas da existência, vem a possibilidade. Toda a possibilidade vem do futuro e, contudo, já está a tocar-nos no presente. O possível vai moldando a nossa realidade. Ora quando o futuro nos acende, o presente desprende-se do passado. A véspera má é esquecida. O passado que nos assola, prende e impossibilita, nunca se apaga, mas é transfigurado. Não é apenas lamentado já. É esquecido efectiva e afectivamente. Não traz tristeza já. Não precisamos de o querer fora da nossa vida nem que nunca tivesse acontecido. Agora, é como se estivesse vida fora e nunca tivesse acontecido. Mas o que neutraliza o nosso passado é o futuro. Não um futuro qualquer, mas o futuro que traz um bem possível. “A calamidade morre às mãos de nobres alegrias.// O bem mata o sofrimento e porventura trará o esquecimento.” (Píndaro) É difícil mudar o presente. Somos o resultado das nossas escolhas. Deslizamos na onda do presente que está a ser impelida pelo caudal do passado. O presente não é feito num só dia. É o resultado de todas as nossas escolhas. O que somos foi o que fizemos de nós dia após dia na convicção de que estávamos a obter prazer e a viver como deveríamos, quando, pelo contrário, nos podemos estar a afastar cada vez de nós próprios, quase ao ponto de perder o contacto com a origem. Mas o bem possível vem como uma gota de água. Estanca a sede na atmosfera irrespirável em que nos encontramos. A liberação vem do futuro, vem da nova possibilidade, é sentimental e comove-nos. Dia após dia constrói-se o tecido de uma existência que para atravessar a realidade de cada instante tem de dizer “agora não, talvez mais tarde”. Mas para ultrapassar o instante temos de o atravessar. A boa nova sentimental sintoniza-nos com um bem maior. Contra todas as expectativas uma possibilidade sobriedade é também uma alegria sustentável. Não resulta da abstinência de possibilidades vãs, vazias, falsas. Porque a vida altera-se com o êxtase do manancial de sentimentos, emoções, disposições que agora assomam o horizonte. Para sentirmos o coração da vida é precisa a coragem necessária para estarmos na clareza. A transparência é obtida pela neutralização de tudo o que nos desvia dessa afecção do ser que agora se revela e nos dá a compreender o que há, é para ser. E é possível. “Aí, onde as brisas oceânicas sopram ao redor da ilha dos bem-aventurados. Ardem flores de ouro.// Umas, da terra firme, a partir de árvores esplendorosas. Outras, alimenta-as a água.//Com grinaldas entrelaçam as suas mãos e coroas de flores.” Píndaro. IIª Ode Olímpica.
Automobilismo | Jerónimo Badaraco acredita que circuito no Cotai seria uma mais valia Hoje Macau - 11 Dez 202014 Dez 2020 Jerónimo Badaraco foi o único piloto lusófono a subir ao lugar mais alto degrau do pódio no 67.º Grande Prémio de Macau. O piloto macaense não tem planos para desacelerar, embora a próxima temporada ainda esteja por definir, e acredita que a construção de um circuito em Macau iria facilitar a entrada de novos talentos no desporto motorizado Aos comandos de um Chevrolet Cruze da Son Veng Racing Team, “Noni” teve uma corrida autoritária e venceu sem contemplações a categoria ‘1600 Turbo’ da Taça de Carros de Turismo de Macau, cortando a linha de meta na quarta posição da geral na decisiva corrida de domingo. “É um circuito onde me sinto sempre bem, no início achava que não ia ter ritmo. Mas depois da primeira corrida habituei-me bem e o ritmo surgiu. Estava muito confiante”, afirmou o piloto macaense ao HM logo após a corrida de 12 voltas. Três semanas após o maior evento de automobilismo do Sudoeste Asiático, e único disputado num circuito citadino na Ásia em 2020, sobre os planos para próxima temporada, o piloto da RAEM diz que “ainda é muito cedo para ter qualquer decisão, também muito dependerá dos patrocinadores e como a minha equipa quer preparar a próxima temporada. Talvez tente correr na classe ‘1950cc e Acima’ ou TCR”. Esta não foi a primeira vez que Jerónimo Badaraco venceu nas ruas do território, pois na sua estreia no automobilismo, em 1999, triunfou contundentemente na última edição da Taça do Automóvel Club de Portugal, uma corrida destinada aos pilotos locais. Com mais de duas décadas no desporto, “ainda não penso em parar. É difícil dizer se isso vai acontecer cedo ou tarde. Como ainda tenho andamento para subir ao pódio, é pouco provável parar já. Talvez um dia, quando achar que não consigo lutar por lugares do pódio. Nessa altura veremos se é tempo para parar!” As corridas de automobilismo de Macau vivem um momento de transição, esperando-se uma alteração de regulamentos técnicos em 2022, e, por conseguinte, de carros. Apesar da Associação Geral Automóvel de Macau-China (AAMC) nunca publicamente ter revelado qual o caminho a seguir pela competição que está sob a sua alçada, tudo indica que dentro de dois anos haverá a esperada mudança. “Acho que eles vão mudar para carros e regulamentos da categoria TCR”, acredita Badaraco, que no entanto, realça que na sua opinião deveriam manter os carros das actuais classes ‘1600 Turbo’ e ‘1950cc e Acima’ para que assim houvesse uma maior variedade de carros e de corridas no Grande Prémio de Macau”. Circuito no COTAI era o ideal Tal como vários outros pilotos da RAEM, “Noni” tem-se aventurado pontualmente ao longo destas últimas duas décadas em provas internacionais. Contudo, continua a faltar talento local nos grandes palcos do desporto. “Primeiro de tudo, acho que nos falta um circuito para treinar, realizar testes com os carros e assim criar jovens pilotos com mais facilidade”, explica o experiente piloto de carros de Turismo. “É muito difícil para os jovens começarem no automóvel cá no território. O custo da qualificação para o Grande Prémio de Macau é muito elevado, porque temos de fazer pelo menos quatro corridas de qualificação na China, com carros muito modificados”. Apesar do Circuito Internacional de Zhuhai distanciar a apenas uma hora de carro das Portas do Cerco, a verdade é que o transporte e desalfandegamento dos carros, equipamento e material de Macau para o circuito da cidade vizinha, como para o mais distante Circuito Internacional de Guangdong, tem um custo demasiado elevado nos orçamentos anuais dos pilotos e equipas. “Não é uma má ideia de construir um circuito no Cotai”, explica Badaraco. “Ter um circuito no Cotai não quereria dizer que não continuaríamos a ter uma vez por ano as corridas no Circuito da Guia, pois como toda gente sabe, o Circuito da Guia é um circuito histórico. Podemos organizar corridas locais com carros que custam menos, menos modificações, como por exemplo os carros com que corremos no passado, como o Honda DC5 ou o FD2, que ainda estão a correr nas corridas locais de Tailândia, Malásia e até no Japão! Assim seria mais fácil para lançar pilotos jovens com talento e com menos custos! Também teríamos mais vantagem para arranjar patrocinadores, fazer mais corridas locais e ser mais competitivos para correr em provas internacionais”. A ideia de construir um circuito permanente em Macau não é um assunto recente, aliás, foi uma matéria inicialmente debatida nos tempos da administração portuguesa. Na segunda metade dos anos 1980s e nos primeiros anos da década de 1990s, este foi um assunto falado por várias vezes na imprensa, pois na altura Bernie Ecclestone e a FIA, por intermédio de Max Mosley, gostariam de ver o território ultramarino sob administração portuguesa no calendário do Campeonato do Mundo de Fórmula 1. O assunto só esmoreceu quando em 1996 se ergueu o Circuito Internacional de Zhuhai. “Se tivermos um circuito novo, talvez possamos convidar equipas de F1 ou de Moto GP para vir cá fazer testes das máquinas ou organizar corridas de mais alto nível cá em Macau. Com corridas de mais alto nível até podemos trazer mais turistas e até dá para aumentar o prestígio de Macau no automobilismo. E até podemos organizar ‘track days’ para os residentes darem umas voltinhas, em segurança, com os seus carros privados”, conclui Badaraco. Jerónimo Badaraco, piloto
UE | Macron defende reforço das relações com a China Hoje Macau - 11 Dez 202014 Dez 2020 O Presidente francês, Emmanuel Macron, manifestou ontem ao seu homólogo chinês, Xi Jinping, a vontade de renovar as relações entre a Europa e Pequim, de forma a ficarem “mais fortes e equilibradas” face aos desafios multilaterais e económicos. O Eliseu (Presidência francesa) divulgou que os dois líderes mantiveram ontem uma conversa telefónica, a poucos dias de ser assinalado o quinto aniversário da adopção do Acordo de Paris sobre o Clima, firmado na capital francesa em 12 de Dezembro de 2015. Para Macron, o diálogo mantido entre França e China foi “decisivo” para alcançar a assinatura, a preservação e a aplicação a nível internacional do documento. Num comunicado, a Presidência francesa indicou que Macron expressou a sua satisfação em relação ao anúncio da China (país responsável por mais de um quarto das emissões globais de gases com efeito de estufa) na última Assembleia-Geral das Nações Unidas sobre a meta de alcançar a neutralidade carbónica até 2060. Segundo o Eliseu, o chefe de Estado francês frisou a importância da cimeira virtual subordinada às questões climáticas que será coorganizada pela ONU, França e Reino Unido no próximo sábado (dia 12). A vontade de Macron, de acordo com a nota da Presidência francesa, é que esta cimeira sirva para conhecer as medidas a que se propõem os países para reduzir as emissões globais de gases com efeito de estufa. O líder europeu frisou também que este encontro vai servir para impulsionar as ambições da comunidade internacional antes da 26.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP26). A COP26, que pretendia relançar o Acordo de Paris (após o anúncio da retirada norte-americana), estava prevista para este ano em Glasgow (Escócia, Reino Unido), mas por causa da pandemia da doença covid-19, e à semelhança de outras reuniões internacionais, foi adiada e está prevista para Novembro de 2021. Compromissos reforçados Na conversa com Xi Jinping, o político francês manifestou igualmente apoio à organização na cidade chinesa de Kunming da Convenção para a Biodiversidade Biológica (COP15), em Maio do próximo ano, sublinhando que a Europa e a China devem ser o motor para que 2021 seja “um ano de um voluntarismo internacional renovado, mais concreto e forte” a favor da acção climática. No plano bilateral, os dois governantes discutiram perspectivas de cooperação em sectores como energia nuclear, aeronáutica, inovação, agricultura, exploração espacial e cultura. Ao nível multilateral, Macron instou Xi Jinping a reforçar o seu compromisso, juntamente com os outros países do G20 para assegurar que as ferramentas de combate à pandemia do novo coronavírus sejam consideradas como um bem público a nível mundial. Exortou também ao envolvimento e ao compromisso de Pequim na cimeira dedicada ao financiamento da economia africana (nomeadamente sobre a moratória da dívida dos países mais pobres) que terá lugar em Paris em Maio do próximo ano, bem como insistiu na necessidade de renovar as conversações para assegurar a preservação do acordo nuclear com o Irão. Por último, concluiu o Eliseu, Emmanuel Macron partilhou com o homólogo chinês a “grande preocupação” de Paris, e dos restantes Estados-membros da União Europeia (UE), em relação à degradação dos direitos humanos na China, nomeadamente em Hong Kong e na província chinesa de Xinjiang (onde foram construídos campos para membros da minoria muçulmana uigur). A França irá assumir a presidência rotativa do Conselho da UE no primeiro semestre de 2022.
Música | Álbum de Vasco Dantas é “primeira escolha do ano” da revista Orchestergraben Hoje Macau - 11 Dez 202014 Dez 2020 O álbum “Poetic Scenes” (2020), o terceiro do pianista Vasco Dantas, constituído por repertório alemão e português do período Romântico, é “a primeira escolha” deste ano da revista alemã Orchestergraben, foi esta quarta-feira divulgado. O álbum, editado em Abril último, tinha já chamado à atenção da crítica internacional, nomeadamente da revista inglesa Gramophone, que o elogiou, e do Pizzicato Journal. “Que ideia interessante e original de Vasco Dantas justapor as ‘Kinderszenen’ [‘Cenas Infantis’] de Schumann, as virtualmente desconhecidas transcrições de canções de Schumann por Carl Reinecke e peças para piano na tradição do fado”, lia-se na crítica inglesa que salientava: “Mais importante ainda, o jovem virtuoso português é um músico atencioso e culto”. O Pizzicato, por seu turno, escreveu: “Dantas não usa o humor lírico-poético básico, que corre como um fio por todas as peças, para vaidosa encenação e também para não definhar na poesia. Em vez disso, convence com o seu toque natural, que mostra uma relação igualmente natural com música”. O CD foi editado pela Arts Profuktion, e “não houve financiamento por parte de nenhuma instituição portuguesa para a criação deste álbum”, lamentou o pianista, que se afirmou “muito contente” com a distinção. Vasco Dantas nasceu em 1992, no Porto, e licenciou-se em Música com “1st Class Distinction” no London Royal College of Music, tendo estudado com Dmitri Alexeev e Niel Immelman. Concluiu o mestrado em Performance com nota máxima sob orientação de Herbert Koch, na Universidade de Münster, na Alemanha, onde foi aceite para doutoramento. O pianista já ganhou mais de 50 prémios em competições internacionais na Alemanha, Grécia, Itália, Malta, Marrocos, Portugal, Espanha e Reino Unido. No ano passado, estreou-se no Carnegie Hall, em Nova Iorque, com um recital de piano.
Companhia de Dança Teatro Xie Xin no CCM em Fevereiro Hoje Macau - 11 Dez 202014 Dez 2020 Nos dias 24 e 25 de Fevereiro do próximo ano, às 19h45, actua em Macau a Companhia de Dança Teatro Xie Xin. O espectáculo, intitulado “Âmagos”, acontece no pequeno auditório do Centro Cultural de Macau. O público poderá assistir a uma “mostra frenética de contrastes”, sendo esta uma “peça enigmática e fluida interpretada por nove bailarinos, cujas figuras aparecem e desaparecem, como imagens que se desvanecem ou materializam num filme”. Xie Xin explora, neste espectáculo, “uma multiplicidade de momentos em que os corpos são levados ao extremo, fluindo na sua elasticidade, produzindo uma estética de grande elegância”. O espectáculo estreou em Xangai em 2016 e já fez inúmeras digressões na China, tendo passado pelos festivais europeus Stuttgart Colours e Kuopio Dance. A companhia de dança foi fundada por Xie Xin em 2014, sendo este nome considerado a força motriz da cena contemporânea chinesa. As colaborações da coreógrafa com criadores reconhecidos como Sidi Larbi Cherkaoui, entre muitos outros, têm inspirado a sua veia criativa, enquanto na China, a recente participação num concurso televisivo de dança transformou-a numa estrela nacional. Partilha de visões Além de levar “Âmagos” aos palcos, Xie Xin será também protagonista de um workshop onde a coreógrafa “partilha algumas das suas visões, oferecendo aos participantes uma oportunidade de explorarem os seus corpos, inspirados pelos movimentos coreográficos da criadora”. Além destas sessões, Xie Xin falará também com o público no final do segundo espectáculo, que acontece a 25 de Fevereiro. Os bilhetes estão à venda a partir deste domingo, dia 13.
Mandarina | Editora lança obra que recorda anos do jardim de infância Andreia Sofia Silva - 11 Dez 202014 Dez 2020 A editora Mandarina, dedicada aos livros para a infância, acaba de lançar uma obra bilingue que pretende registar as memórias dos alunos do jardim de infância D. José da Costa Nunes. Catarina Mesquita, fundadora da editora, diz já estar a pensar num livro destinado ao ensino primário que possa ser adquirido por outras escolas Registar os principais passos e actividades dos alunos do jardim de infância D. José da Costa Nunes é o objectivo do novo livro bilingue da editora Mandarina, e o primeiro a ser lançado sob encomenda. Nesta obra, que só pode ser adquirida na escola, cabem memórias tão diversas como a composição da turma do aluno, as principais actividades em que participou ou os nomes dos colegas e professores. Ao HM, Catarina Mesquita, fundadora da Mandarina, explicou que a ideia de lançar este livro nasceu depois de uma reunião de amigas. “Numa conversa falámos sobre fazer um livro para a escola. Falei com a Bárbara Carmo e ela disse-me que gostava de fazer um projecto para a escola. Ela é educadora de infância e avançamos com a proposta junto da direcção do Costa Nunes, que a recebeu com imenso agrado.” Não se tratando de um livro de memórias sobre uma das escolas mais antigas do território, esta obra não é mais do que um álbum com espaços para preencher pelas educadoras de infância em conjunto com os alunos. “A ideia é ser um livro semelhante aos livros de bebé, que duram até a criança ir para a escola. Este tipo de livros não existe no mercado”, frisou. Os textos são da autoria de Catarina Mesquita, enquanto que Bárbara Carmo, educadora de infância, fez o trabalho de consultoria, “porque é educadora e sabe melhor o que as crianças fazem dentro da escola”. A obra não pode ser vendida fora da escola. Catarina Mesquita adiantou que os pais dos alunos que já deixaram o jardim de infância poderão também adquirir o livro. Mais a caminho Depois de ter lançado vários livros infantis sobre a história de Macau, e não só, a Mandarina aventura-se agora na publicação de obras por encomenda, e já está a pensar num novo livro destinado ao ensino primário. “Este foi o nosso primeiro projecto para um cliente, mas a nossa intenção é fazermos muitos mais. Temos várias ideias de livros para outras empresas e instituições. Surgiu-nos a ideia de fazer um livro da escola primária que será a continuidade deste”, adiantou. Catarina Mesquita confessou que a editora ainda está na fase de selecção de instituições de ensino que queiram adquirir esta obra. “Vamos propor a algumas escolas primárias para dar continuidade a este projecto. Estamos abertos a que queiram editar connosco. É algo que queremos muito fazer porque achamos que podemos chegar às crianças de uma outra forma”, rematou a fundadora da Mandarina.
TUI | Mantidas penas de prisão a três indivíduos por associação criminosa Hoje Macau - 11 Dez 202014 Dez 2020 O Tribunal de Última Instância (TUI) negou os recursos apresentados por três indivíduos acusados do crime de “associação ou sociedade secreta” e usura, tendo mantido as penas de prisão de 12 anos, oito anos e cinco meses e ainda oito anos e seis meses de prisão. O caso remonta a 2016, quais os três homens, “juntamente com vários indivíduos do Interior da China, formaram um grupo que, actuando de forma organizada e com a divisão de tarefas, auferiam lucros através da concessão de empréstimos a jogadores nos casinos de Macau e da cobrança de juros altos (30 a 50 por cento) a jogadores”. O Tribunal Judicial de Base condenou também os três réus pela prática do crime de “usura para jogo”. Desta forma, A foi condenado a 16 anos, enquanto que B e C foram condenados a nove anos de prisão. Os três recorrentes ficaram proibidos de entrar em salas de jogo. Depois de apresentado recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), este decidiu condenar os três indivíduos pela prática dos crimes de “usura para jogo”, fixando uma pena única de 12 anos, oito anos e cinco meses e ainda oito anos e seis meses de prisão. Segundo o acórdão do TUI, os três recorrentes entendem que existiu “erro na decisão da sua condenação pelo crime de ‘associação ou sociedade secreta’, como também na de excesso de pena”. O TUI decidiu manter as penas aplicadas pelo TSI.
EUA | Wan Kuok-koi com contas congeladas e proibido de fazer negócios Hoje Macau - 11 Dez 202014 Dez 2020 O departamento do Tesouro dos EUA aplicou sanções a Wan Kuok-koi, antigo líder da tríade 14K, no âmbito da implementação de medidas de combate à corrupção. As contas bancárias e outros bens que “Dente Partido” tenha nos EUA ficarão congelados. Já os americanos estão proibidos de fazer negócios com ele Wan Kuok-koi foi sancionado pelo Tesouro norte-americano no âmbito de medidas que têm sido aplicadas na área do combate à corrupção. Segundo a CNN, o antigo líder da seita 14K, nascido em Macau, conhecido também como Pan Nga Koi ou “Dente Partido”, terá as contas bancárias nos EUA congeladas, tal como outros bens, enquanto que os cidadãos norte-americanos não poderão fazer negócios com ele. O Tesouro norte-americano considera que a 14K é “uma das maiores organizações criminais chinesas do mundo”, relacionada com “tráfico de droga, jogo ilegal, extorsão, tráfico humano e uma série de outras actividades criminosas”. Apesar de ter saído da prisão em 2012, depois de cumprir uma pena de 13 anos e 10 meses por ligações ao crime organizado, as autoridades americanas consideram que Pan Nga Koi continua associado ao mundo do crime. A 14K “está a utilizar a associação do “Dente Partido”, Associação para a História e Cultura de Hongmen, como um esforço de legitimização” em Macau e Hong Kong. Negócios asiáticos A atenção do Tesouro dos EUA às actividades de Pan Nga Koi não é de agora e já em 2018 a autoridade descreveu que Wan Kuok Koi estabeleceu a associação no Cambodja, mantendo através dela ligações estreitas a figuras da elite deste país e também da Malásia. “Este continua a ser um padrão de cidadãos chineses no estrangeiro que tentam esconder as suas actividades criminosas ilegais, mascarando as suas acções através da iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’, o Sonho Chinês ou outras iniciativas do Partido Comunista Chinês (PCC)”, descreveu o Tesouro dos EUA. Neste sentido, a associação de Pan Nga Koi “tem vindo a espalhar-se por todo o sudeste asiático, estabelecendo uma poderosa rede de negócios que envolve o desenvolvimento e lançamento de criptomoeda, imobiliário e mais recentemente uma empresa de segurança especializada em proteger os investimentos na área de ‘Uma Faixa, Uma Rota’”. Desde que saiu da prisão, Pan Nga Koi tem tentado firmar-se como um empresário envolvido em negócios legítimos em regiões como o Cambodja e Palau. O Tesouro norte-americano destacou o facto de Wan Kuok Koi pertencer à Conferência Consultiva Política do Povo Chinês. As sanções foram também aplicadas à Associação para a História e Cultura de Hongmen bem como à Associação Cultural Palau China Hung-Mun e o grupo Dongmei, de Hong Kong, os quais são “detidos ou controlados” por Pan Nga Koi. A CNN tentou contactar a associação e o próprio “Dente Partido”, mas não obteve quaisquer comentários.
Política de juventude | Sulu Sou pede reinclusão do “pensamento crítico” Pedro Arede - 11 Dez 202014 Dez 2020 Vice-presidente da Novo Macau apontou que a Política de Juventude de Macau para os anos de 2021 a 2030 retirou dos seus objectivos o fomento do pensamento crítico como resultado dos tumultos de Hong Kong. A ausência de referências sobre o desemprego e a habitação para jovens é outra das falhas apontadas por Sulu Sou Sulu Sou considera que o Governo deve dar um passo atrás relativamente à Política de Juventude de Macau para os anos de 2021 a 2030, apresentada em Novembro, e voltar a incluir o princípio do “pensamento independente e espírito crítico” como um dos principais vectores da visão futura que se pretende incutir nos jovens. “No documento que está em consulta pública estes elementos basilares estão vedados à próxima geração. O pensamento independente e o espírito crítico são os elementos essenciais para o fomento de um pensamento inovador, desenvolvimento diversificado e a construção de uma perspectiva global”, afirmou ontem o vice-presidente da Novo Macau, em conferência de imprensa. Recorde-se que a Política de Juventude anterior (2012-2020) previa “o fomento da nova geração com pensamento independente e espírito crítico, bem como da inovação e de capacidades construtivas (…), criando um ambiente social e humano de alta qualidade”. Para Sulu Sou, o facto de o pensamento crítico ter perdido relevo na nova Política de Juventude em consulta pública até ao final do dia de hoje, está relacionado com receio de que “os movimentos sociais de jovens de Hong Kong e outras regiões possam afectar os jovens e os estudantes de Macau”. Facto apontado pelo relatório intercalar da Política de Juventude para os anos de 2012 a 2020. O vice-presidente da Novo Macau diz mesmo que, na versão em língua chinesa do documento, a expressão “pensamento crítico” foi substituída por uma expressão, cujo significado é o equivalente a “pensamento ponderado”. Além disso, em vez de aparecer como valor fundamental, a referência ao pensamento crítico é agora uma das medidas a aplicar. Sobre o reforço do sentimento patriótico, um dos principais vectores da nova Política de Juventude, Sulu Sou defende que tanto o Governo, como o sistema educativo e os professores devem “desempenhar um papel neutro”, deixando espaço para os alunos apreciarem e criticarem a pátria e a sociedade. “Sabemos que o Governo enfatiza a educação patriótica neste documento para que os alunos de Macau amem a sua pátria e a sociedade. Devem ser disponibilizados materiais educativos diversificados aos estudantes, que incentivem o seu pensamento crítico e independente. Ao estudar os materiais acerca do país de uma forma ampla, eles podem criar a sua própria ideia e assim apreciar e criticar à sua maneira a sociedade e o país”, acrescentou o também deputado. No esquecimento Outro dos reparos apontados, tem a ver com o facto de a Política de Juventude para os anos de 2021 a 2030, ignorar as questões relacionadas com a habitação para jovens e o desemprego, ao contrário do que prevêem as estratégias de desenvolvimento dos jovens de Hong Kong e Taiwan. “Apesar de abordar as questões da educação, a Política de Juventude ignora os problemas do desemprego e da habitação, sobre os quais os jovens de Macau têm grandes preocupações”, referiu Sulu Sou. Por seu turno, Rocky Chan, da direcção da Novo Macau, referiu que, para aumentar o sentido de pertença e participação na sociedade, o Governo tem a responsabilidade de “reforçar a sensibilização dos jovens sobre os direitos humanos, a democracia e a educação local”, para que possam compreender na plenitude os seus direitos civis.
AL | Pandemia implica pensar em ‘plano B’ para as eleições Salomé Fernandes e Nunu Wu - 11 Dez 202014 Dez 2020 André Cheong excluiu ontem que haja preocupações políticas com as eleições legislativas do próximo ano, indicando que é preciso um “plano B” apenas por causa da pandemia. O secretário esteve ontem na Assembleia Legislativa para participar numa reunião sobre alterações ao Regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos O secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, disse que a pandemia exige a criação de um plano alternativo para as eleições legislativas do próximo ano, mas defendeu não haver preocupações políticas. Recorde-se que na apresentação das Linhas de Acção Governativa, o secretário para a Segurança admitiu a possibilidade de as eleições de Macau e Hong Kong decorrerem em simultâneo poderem “criar riscos”. “Nós temos de ter um ‘plano B’ por causa da pandemia. Ninguém sabe como vai ser daqui a um ano. Só isso, não há outras preocupações. (…) Perguntaram se há algumas preocupações políticas: não há”, disse ontem André Cheong em resposta aos jornalistas. O secretário diz que os preparativos para as eleições estão a correr bem, “passo a passo”, garantindo que não houve considerações políticas nos planos. Questionado sobre se as eleições vão realizar-se normalmente caso o cenário actual da pandemia se mantenha, o secretário respondeu que primeiro é necessário ouvir as opiniões técnicas dos Serviços de Saúde, acrescentando que ainda há tempo e espera-se que a situação não piore. “Macau fez bons trabalhos de prevenção da pandemia, mas não podemos relaxar. Por norma, seguimos o calendário das eleições anteriores, aproximadamente depois das férias de Verão e antes de Outubro. É difícil prever agora a situação da pandemia nesse momento. Vamos fazer os preparativos para as eleições e trabalhos de prevenção da pandemia”, declarou André Cheong. O secretário apelou ao recenseamento eleitoral, que decorre até ao final do ano. Ainda em Dezembro vai também ser estabelecida a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa. Subir na escala André Cheong falou à margem de uma reunião com a 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, que está a discutir a proposta de alteração ao Regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos. De acordo com a proposta, os trabalhadores com opção de transição para a carreira de adjunto-técnico precisam de ter o ensino secundário complementar para se candidatarem à mudança. O presidente da Comissão, Chan Chak Mo, explicou que 1519 trabalhadores do índice 195 já cumprem o requisito, e apenas 376 não têm essa habilitação académica. Estes funcionários, que em média têm uma antiguidade superior a vinte anos, vão ter um período de oito anos para satisfazer o requisito. “Se não fizerem mantêm-se neste índice”. No entanto, a transição não é automática, já que o aproveitamento do concurso – que é realizado anualmente – também é um requisito. O Governo vai ponderar acrescentar ressalvas para os casos em que o pessoal não consiga fazer o secundário e passar no concurso no espaço de oito anos.
Construção Civil | Acidente mortal lança debate sobre impacto da crise para a segurança João Santos Filipe e Nunu Wu - 11 Dez 202014 Dez 2020 Um desabamento numa obra elevou o número de vítimas mortais em acidentes de trabalho este ano para 10. No sector, reconhece-se que a evolução da segurança tem aumentado consideravelmente nos últimos anos, mas existe a preocupação de que a crise económica possa afectar a segurança Com o acidente da passada terça-feira, o número de vítimas de acidentes de trabalho subiu para 10 e ultrapassou a marca do ano anterior, quando nove pessoas perderam a vida no exercer da profissão. A ocorrência mais recente aconteceu numa obra de construção civil, um dos sectores mais propícios a acidentes com vítimas mortais, e lançou o debate sobre a possibilidade de haver redução nas despesas relacionadas com as medidas de segurança. No caso, um trabalhador de 50 anos ficou soterrado quando escavava uma vala para a passagem de um tubo de esgoto, adjacente à Avenida dos Jogos da Ásia Oriental, na Taipa. A obra, onde aconteceu o desabamento e que vitimou o trabalhador não-residente, natural do Interior, tinha sido encomendada pelo Instituto para os Assuntos Municipais (IAM). Apesar de ainda não haver um relatório público sobre as causas do acidente de terça-feira, Lei Ka Chi, presidente da Associação da Segurança na Construção de Macau, não afasta a possibilidade de ter havido um descuramento das medidas de segurança. “Quando alguém do sector olha para as condições da obra nota que há erros óbvios. Por exemplo, numa construção com mais de 1,2 metros de profundidade é necessário instalar tábuas para suportar de forma temporária a terra. E é óbvio que isso não foi feito”, considerou Lei. “Como no dia 8 foi um feriado, não se afasta a possibilidade de os inspectores terem facilitado na supervisão e a construtora ter ignorado as medidas de segurança para cortar um custo”, acrescentou. “Temos de perceber que muitas vezes quando se saltam procedimentos de segurança, isso resulta apenas numa poupança de custos para as empresas”, frisou. Pressão financeira Na discussão das Linhas de Acção Governativa (LAG), Ho Iat Seng anunciou um investimento de 18,5 mil milhões de patacas na construção civil para promover a procura interna. No entanto, Lei Ka Chi fala de um sector para as empresas locais com margens de lucro bastante espremidas, devido a uma competição feroz e cada vez mais aos impactos para a economia decorrentes da pandemia da covid-19. Este é um contexto que leva o presidente da Associação da Segurança na Construção de Macau a mostrar-se reticente face às perspectivas das questões de segurança no sector. “A situação não nos permite estarmos optimistas para o futuro. Actualmente, os preços praticados na construção são irrazoáveis, demasiado baixos, e para sobreviverem as construtoras podem sentir-se motivadas a ignorar as medidas de segurança”, avisou Lei Ka Chi. “É fundamental que haja inspecção neste aspecto, porque estamos a falar de gastos essenciais para garantir a segurança dos trabalhadores”, reforçou. O empresário mencionou também o caso de uma obra pública, que não especificou, em que fez uma proposta de 16 milhões de patacas no concurso público. A proposta vencedora apresentou um orçamento de 9 milhões de patacas. “O nosso preço pareceu-nos o adequado quando consideramos todos os factores, inclusive a segurança. Mas, no final houve uma diferença de 50 por cento”, apontou. Obrigações contratuais Ao contrário de Lei Ka Chi, Tommy Lau Veng Seng, ex-deputado nomeado pelo Chefe do Executivo e vice-presidente da Associação de Construtores Civis e Empresas de Fomento Predial de Macau, não acredita que as medidas de segurança sofram com a crise. Para sustentar este ponto de vista, Tommy Lau indica que os concursos públicos exigem que um certo montante seja gasto com as medidas de segurança. “Eu não acredito que haja patrões que arrisquem a vida dos trabalhadores para pouparem dinheiro. Mas também sei que a Administração já adoptou medidas para garantir a segurança nas suas obras, por exemplo obriga que as propostas dos concursos públicos revelem o montante que vai ser gasto na segurança”, afirmou o construtor. “Quando os empreiteiros fazem as propostas já contam com o dinheiro que vão gastar nessa área, por isso acho que não têm uma motivação para cortar. Pelo menos, nos contratos públicos acho que este problema não se vai colocar”, acrescentou. Opinião semelhante à de Tommy Lau é defendida por Harry Lai, um dos responsáveis pela empresa Lai Si, que reconhece que o ambiente de negócios está mais difícil. “O ambiente no sector está pior, porque o volume das obras foi reduzido e não se espera que no próximo do ano se regresse ao volume anterior à pandemia”, traçou como cenário. “A concorrência nos concursos públicos está mais intensa, principalmente no que diz respeito aos prazos das obras. Mas não acredito que as empresas, principalmente as maiores e mais conhecidas, vão arriscar a sua reputação ao nível da qualidade das obras ou da segurança”, considerou Harry Lai. Uma história de evolução Desde 1999 que nunca se morreu tanto no trabalho como nos anos de 2015 e 2016, com 19 e 21 mortes, respectivamente, que coincidem com o período em que estava em construção a segunda fase dos grandes hotéis no Cotai. O aumento pode ser explicado com um maior número de obras, relacionado com o desenvolvimento económico, e também com a maior complexidade dos trabalhos realizados. No entanto, para os três empreiteiros ouvidos pelo HM, nunca a segurança no trabalho atravessou uma fase tão positiva em Macau, o que atribuem a políticas pró-activas da Direcção de Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL). “A ideia que tenho é que se tivermos em conta o número de obras e acidentes mortais, a proporção era mais elevada no passado. Até porque a DSAL tem tomado medidas para que os próprios trabalhadores estejam mais atentos à necessidade de se protegerem”, afirmou Lei Ka Chi, presidente da Associação da Segurança na Construção de Macau. Quando se fala do passado, na década de 90 e no início dos anos 2000, a atitude dos trabalhadores face aos equipamentos de protecção individual era vista como problemática. É o que recorda Tommy Lau: “Quando falamos desses anos era normal que os trabalhadores se recusassem a usar o capacete de protecção, as botas ou os arneses”, apontou. “Não havia tanta informação e as pessoas preferiam sentir-se mais confortáveis no trabalho a utilizar os equipamentos, mesmo que estes fossem oferecidos pelos patrões”, reflectiu. Para a maior segurança, também contribuíram os empregadores, que o ex-deputado diz serem cada vez mais exigentes, assim como o Executivo. “Hoje em dia ninguém anda num estaleiro de obras sem o capacete, é obrigatório, e as empresas asseguram que isso é cumprido. Mesmo os trabalhadores têm de ter uma formação da DSAL sobre medidas de segurança e só quando obtêm o cartão podem ser contratados”, indicou. Tommy Lau considera ainda que a DSAL faz cada vez mais e mais rigorosas inspecções aos estaleiros. Também Harry Lai elogia o Governo a nível das exigências de segurança nos estaleiros, mas indica que se pode fazer mais. “Os esforços da DSAL têm sido muitos e bons, mas pode ser feito mais para promoção e divulgação. Acho que se deve considerar criar um programa de prémios para os cumpridores”, sugeriu. Momento de viragem No sector da construção civil não há muitas dúvidas, a construção dos casinos pelas operadoras norte-americanas com empresas internacionais constituíram-se como um marco histórico. “Com a entrada da Sands, em 2003, houve realmente um aumento muito grande das exigências nos estaleiros. Houve um maior alerta para as questões do Governo e do sector e os resultados a que assistimos hoje em dia resultam dessa mentalidade”, opina Lei Ka Chi. Tommy Lau concorda com esta visão: “As construções no Cotai trouxeram uma experiência e conhecimento a nível da segurança que não existia no sector local”, apontou. “Quando chegaram as empresas internacionais de construção o ambiente de segurança nos estaleiros era muito rigoroso para o que se fazia na época. Os gerentes eram muito pouco tolerantes para quem não queria utilizar capacetes e equipamentos de segurança e essa mentalidade foi ficando”, explicou. “Foi uma experiência de um ambiente de trabalho que não era comum, mas que ficou e levou muitos trabalhadores a perceberem e a aceitarem medidas que lhes podem salvar a vida”, acrescentou. Por isso, quando olha para o passado, Tommy Lau tem a opinião que a construção civil é hoje uma actividade “muito menos perigosa do que no passado”. Contudo, não exclui que acidentes mortais vão continuar a acontecer, apesar dos esforços dos envolvidos e do desenvolvimento tecnológico: “A segurança passa por tentar prever todos os cenários possíveis e adoptar medidas para minimizar os riscos desses cenários para os trabalhadores. Só que há sempre a hipótese de não se conseguir prever tudo, e é essa hipótese que justifica muitos acidentes”, reconhece.
PJ | Detido suspeito de violar menor em 2016 Pedro Arede - 10 Dez 202014 Dez 2020 A Polícia Judiciária (PJ) deteve na passada sexta-feira um residente de Macau de 24 anos, suspeito de ter participado, por duas vezes, na violação de uma menor em 2016. Na altura, o suspeito tinha 20 anos e a vítima 14. O namorado da vítima, detido desde 2017, terá participado nas mesmas violações, sendo também arguido no caso. Segundo revelou ontem a PJ, em conferência de imprensa, ambas as violações remontam a 2016. No primeiro caso, o namorado, cuja idade não foi revelada, terá convencido a vítima a ir até sua casa na zona central da cidade, na companhia de outro homem. Já em casa, a vítima terá recusado ter relações sexuais com o segundo homem, mas, apesar da resistência, acabou mesmo por ser violada tanto por ele, como pelo namorado. Noutra ocasião, mais precisamente a 20 de Março de 2016, revelou o porta-voz da PJ, o namorado terá levado a vítima e o segundo suspeito de carro para “um monte”. Aqui, a vítima terá sido uma vez mais forçada a ter relações sexuais, depois “de lhe ter sido tirada a roupa de forma violenta” e de não ter dado consentimento ao suspeito para o fazer. O caso veio a lume somente em 2017, após a vítima ter contado a uma amiga que, em certa altura, o namorado tinha usado estupefacientes para a deixar inconsciente. Por sua vez, a amiga ligou ao Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) a relatar o sucedido, sendo que os casos de violação foram descobertos, somente após a vítima ter sido interrogada pelo magistrado que ficou a cargo do caso. No dia 12 de Setembro de 2017, a PJ conseguiu deter o namorado, tendo este sido levado para o Ministério Público (MP) no dia seguinte. O mesmo não aconteceu com o segundo suspeito que, ao longo dos últimos três anos “tem conseguido esquivar-se à polícia”. Contudo, na passada sexta-feira, o homem que também participou nas violações a par com o namorado, foi detido no posto fronteiriço das Portas do Cerco, ao tentar sair de Macau. Sem escapatória Segundo a PJ, o homem detido na passada sexta-feira negou a prática de qualquer crime e os dois suspeitos já foram presentes ao MP. O segundo suspeito irá responder pela prática dos crimes de estupro e violação. Caso se confirme a acusação, no caso do estupro, o homem pode ser punido com pena de prisão até 4 anos, por ter abusado da “inexperiência de menor entre 14 e 16 anos” para “prática de cópula, coito anal ou coito oral, ou o levar a praticá-lo consigo ou com terceiro”. Pelo crime de violação, o homem pode ser punido com pena de prisão de 3 a 12 anos. Sobre o primeiro suspeito, ou seja, o namorado, não foi adiantado o enquadramento penal em que este poderá incorrer.
Justiça | Sam Hou Fai reconduzido como presidente do Tribunal de Última Instância João Santos Filipe - 10 Dez 202014 Dez 2020 No rescaldo de uma das principais polémicas do seu mandato à frente do TUI, Sam Hou Fai vai ser reencaminhado no cargo por mais três anos, até 2023. Já a juíza Teresa Leong, pediu para se reformar O juiz Sam Hou Fai vai ser reconduzido no cargo de presidente do Tribunal de Última Instância (TUI) durante mais três anos. A notícia foi avançada ontem pela Rádio Macau. Segundo a informação da emissora, o actual mandato de Sam Hou Fai termina a 20 de Dezembro, mas vai ser renovado até Dezembro de 2023. O magistrado é a única pessoa a ter ocupado o cargo desde a criação da RAEM, o que aconteceu em Dezembro de 1999. A recondução de Sam Hou Fai surge após o magistrado ter estado envolvido numa das principais polémicas dos seus mandatados, que envolveram ainda o presidente da Associação dos Advogados de Macau, Jorge Neto Valente, e o Conselho de Magistrados Judiciais, órgão presidido pelo próprio Sam Hou Fai. Em causa, esteve o discurso proferido pelo juiz na abertura do ano judiciário, quando o magistrado elogiou as mudanças legislativas que permitem que certos processos possam ser decididos pelo TUI. No mesmo discurso, Sam Hou Fai apontou o exemplo de uma disputa entre o Governo da RAEM e a empresa Iao Tin no que diz respeito ao direito de propriedade de um terreno na Taipa. No entanto, as palavras caíram mal ao presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), Jorge Neto Valente, que criticou o magistrado por comentar um caso sobre o qual ainda tinha de tomar uma decisão. Por este motivo, o advogado pediu ao juiz a escusa do processo. Apesar de não ter feito uma declaração de interesse, o escritório do actual presidente da AAM representa um dos intervenientes no processo, o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC, em inglês), que a troco de um empréstimo à empresa Iao Tin recebeu como garantia o terreno que o Governo pretende recuperar. Posição conjunta Após as primeiras críticas, a resposta de Sam Hou Fai chegou através do Conselho de Magistrados Judiciais, que em comunicado acusou Neto Valente de desvirtuar “deliberadamente” e interpretar “inveridicamente” e “erradamente” o discurso. Porém, Neto Valente manteve que as declarações do juiz tinham contrariado a lei, no aspecto em que impede os magistrados de falar de casos específicos. No discurso da polémica, o presidente do TUI defendeu ainda um afastamento do sistema jurídico de Macau da realidade de Portugal, por considerar que as duas regiões divergem “consideravelmente em ética moral, concepção de valores, usos e costumes, património cultural e muitos outros aspectos”. Sam Hou Fai considerou ainda que “as disparidades merecem […] atenção na elaboração e aplicação de lei, e devem ser encaradas com imensa cautela”. Ainda de acordo com a Rádio Macau, a juíza Teresa Leong, que faz parte do Tribunal Judicial de Base desde 1999, fez entrar o pedido de reforma. Além de juíza, Teresa Leong é uma das docentes dos cursos de Formação para Ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério Público.
Emprego | Wang Sai Man pede mecanismo para contratação de TNR retidos Salomé Fernandes - 10 Dez 202014 Dez 2020 Wang Sai Man pediu uma forma provisória de contratar os trabalhadores não residentes que não conseguem sair de Macau. Algo que o deputado justificou não só com a necessidade de recursos humanos, mas também com preocupações de segurança – riscos que o secretário Wong Sio Chak já disse serem “insignificantes” Wang Sai Man quer que o Governo crie um mecanismo provisório para a contratação de trabalhadores não residentes (TNR) que por causa da pandemia tenham ficado retidos em Macau. O objectivo é que a curto prazo se possibilite a sua contratação legal por parte de micro, pequenas e médias empresas, bem como por famílias. O deputado alega que a medida “vai contribuir para uma redução dos riscos de segurança na comunidade e, ao mesmo tempo, aliviar a urgente necessidade de recursos humanos por parte de algumas empresas e famílias”. Wang Sai Man reconheceu ontem a situação de muitos trabalhadores não residentes, que “foram despedidos por causa da epidemia”, ou não tiveram contrato renovado, e que devido à suspensão de voos internacionais não conseguiram regressar ao local de origem, ficando retidos no território. O deputado indicou ainda que como os Serviços de Migração só lhes emitem um “título de apresentação”, não podem ser legalmente contratados. “Durante a permanência em Macau, esses trabalhadores não têm qualquer rendimento para sustentar a vida, por isso é alta a probabilidade de passarem a dedicar-se a trabalho ilegal, e alguns atrevem-se a colocar a sua vida em risco na prática de ilegalidades, o que constitui um perigo para a segurança pública”, declarou. Note-se que o risco representado pelos TNR retidos em Macau foi anteriormente desvalorizado pelo próprio secretário para a Segurança. No debate das Linhas de Acção Governativa, a deputada Chan Hong associou a impossibilidade de alguns TNR saírem de Macau – e por isso ficarem com permanência provisória – a um aumento de crimes como abuso de menores e roubos. No entanto, Wong Sio Chak respondeu que os Serviços de Polícia Unitário estudaram a criminalidade de TNR e indicaram que entre Março e Julho os casos diminuíram. O secretário acrescentou ainda que os riscos por não conseguirem sair “são insignificantes”. Além de questões de segurança, Wang Sai Man apontou a dificuldade de contratação de empregadas domésticas para apelar à criação do mecanismo de contratação temporário. “A Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais tinha sugerido que contratassem empregadas domésticas do Interior da China, mas os empregadores disseram que o salário, as regalias e o ambiente de trabalho em Macau não são atractivos para estas empregadas domésticas”, comentou. Além disso, indicou que nem todas as famílias conseguem dar alojamento a estas trabalhadoras. Contratação conservadora O emprego foi também tema central da intervenção de Leong Sun Iok, que pediu ao Governo para lançar uma terceira ronda de medidas de apoio económico para ajudar a população. O deputado mostrou-se preocupado com a dificuldade de a economia recuperar a curto prazo, observando que as vacinas vão demorar algum tempo a chegar a Macau. Assim, o deputado antecipa que as micro, pequenas e médias empresas vão “continuar a enfrentar grande pressão” e “passar a ser mais conservadoras” na contratação de trabalhadores. Leong Sun Iok espera assim mais dificuldades por parte dos residentes no acesso ao mercado de trabalho. “Os trabalhadores que não foram demitidos e que anteriormente auferiam salários altos estão muito preocupados com o seu futuro, não depositam muita expectativa na obtenção de bónus, duplo salário e aumentos salariais”, acrescentou. Com a aproximação do Ano Novo Chinês, o deputado aponta a necessidade de gastar mais dinheiro – e consequentemente o aumento da pressão no trabalho e “na vida”. Tendo em conta que a previsão das receitas do jogo no orçamento para o próximo ano é de 130 mil milhões de patacas, Leong Sun Iok aponta que a Fundação Macau poderá mobilizar mais de dois mil milhões de patacas. “A prestação atempada de apoios ajudará as empresas e a população a ultrapassarem as dificuldades”, apelou.
Cinema | Limbo de Ben Sharrock foi o grande vencedor do Festival Internacional de Macau João Santos Filipe - 10 Dez 202014 Dez 2020 A quinta edição do festival de cinema de Macau distinguiu um filme britânico que aborda a questão dos refugiados na Escócia. Num evento totalmente realizado online, Suzanne Lindon, filha do consagrado actor e realizador Vincent Lindon, recebeu o prémio para melhor realizadora O filme Limbo, do realizador Ben Sharrock, foi o grande vencedor do prémio para melhor filme do Festival Internacional de Macau. A lista com as películas agraciadas foi divulgada na noite de terça-feira, numa cerimónia que decorreu online e conduzida por Mike Goodridge, director artístico do evento. Limbo aborda com algum humor a questão dos refugiados numa ilha da Escócia, e a espera para que os processos pendentes sejam aprovados. A temática não foi esquecida no discurso do realizador: “Dediquei muitos anos da minha vida a este filme e pessoalmente considero o tema extremamente importante. Mas, no final de contas, sei que quando se faz um filme com este assunto que o sucesso significa chegar a uma audiência grande e levar as pessoas a reagirem e fazer alguma coisa”, afirmou Ben Sharrock, numa mensagem de vídeo. “Espero que esta distinção seja um sinal de que estamos a atingir algum sucesso e que este prémio nos ajude a levar o filme a uma audiência maior”, expressou. Ao vencer o prémio de melhor filme, Sharrock vai receber 60 mil dólares norte-americanos, o que correspondeu a cerca de 478 mil patacas. No entanto, o realizador prometeu doar uma parte dos ganhos: “Quero acrescentar que uma parte do prémio monetário vai ser doada a instituições de caridade que trabalham com refugiados na Escócia”, garantiu. Segundo o presidente do júri, Ning Hao, o filme foi distinguido pela conjugação de um tema provocante com um estilo “muito moderno” do realizador. “O júri considerou de forma unânime que Limbo provoca o espectador a reflectir sobre o tema, devido à forma como explora com profundidade a sociedade e a relação entre cultura e humanidade”, foi explicado. “Estas são características conjugadas com a linguagem cinematográfica única do realizador, assim como um estilo artístico muito moderno, que se misturam magicamente e levam à audiência um prazer inesquecível que atinge todos sentidos”, acrescentou. “É um filme excepcional”, sentenciou. Além do prémio para melhor filme, Limbo foi o grande vencedor da noite e confirmou o estatuto ao também ser agraciado com o prémio para melhor argumento. Tal pai, tal filha Quanto à melhor realização, a vencedora foi a francesa Suzanne Lindon, filha do conceituado realizador e actor francês Vincent Lindon. Em Spring Blossom, Suzanne abordou a história de um amor entre uma adolescente com 16 anos e um homem bem mais velho. Na mensagem gravada e divulgada online, Lindon revelou que a história foi inspirada numa experiência pessoal. “Quero agradecer ao meu primeiro amor, porque foi desse amor que partiu a inspiração para este filme”, reconheceu a francesa. “Quando escrevi o filme tinha 15 anos e nunca imaginei que iria ter a oportunidade de o apresentar num festival como este nem receber um prémio. É uma mensagem de esperança para as pessoas como eu, jovens, porque mostra que se acreditarmos e trabalharmos para os nossos sonhos que podemos alcançá-los”, frisou. Finalmente, a também actriz, elogiou a organização por não ter abdicado do evento “nos temos difíceis que todos vivemos”, numa referência à pandemia da covid-19. A decisão do júri foi explicado por Erick Khoo, realizador, que definiu Spring Blossom como um “poema” e uma “pequena pedra preciosa”, sobre a experiência do primeiro amor. O prémio de melhor actor distinguiu Lance Henrikson, protagonista do filme Falling, realizado por Viggo Mortesen, mais conhecido pelo papel como actor enquanto Aragon na trilogia do Senhor dos Anéis. Em Falling, Lance Henrikson desempenha o papel de um pai conservador que se vê obrigado a vender a quinta onde mora, devido a uma situação de demência, e a mudar-se para casa do filho, que vive uma relação homossexual. Na categoria de melhor actriz, a vencedora foi Magdalena Kolesnik, pelo papel desempenhado em Sweat, realizado por Magnus von Horn. Na película, Kolesnik assume a personagem Sylwia Zajac, uma influenciadora na época digital, com milhares de seguidores, mas que mesmo assim se sente sozinha e procura uma relação com maior intimidade. “Foi um papel que exigiu muita energia e esforço. Confesso que tive de me esforçar mesmo muito. […] Estou muito feliz por ter recebido este prémio e quero agradecer a Magnus von Horn por ter acreditado em mim”, disse a polaca sobre a distinção. Já na categoria de “curtas”, o prémio foi para Under, realizado por Jiao Yue, que o júri, pela voz de Mathilde Henrot, sublinhou ter “muitas qualidades”. Por sua vez, Jiao Yue reconheceu as limitações orçamentais do filme, que o próprio disse ter financiado, agradeceu à equipa envolvidas e prometeu começar a trabalhar na próxima obra. Reconhecimento a Kore-eda Finalmente, o prémio “Espírito do Cinema”, atribuído a quem se tenha distinguido pelo contributo para a sétima arte foi para Hirokazu Kore-eda. O japonês tem uma carreira longa com o trabalho mais premiado a ser “Shoplifters”, que inclusive arrecadou a Palma de Ouro em Cannes, sobre uma família pobre que vive de pequenos roubos. O prémio foi justificado pelo director do festival, Mike Goodridge, por se ter considerado Hirokazu Kore-eda como “um visionário” e um dos realizadores “mais atrevidos e inovadores”. Por sua vez, o japonês agradeceu o prémio e admitiu que depois de 25 anos sente que o trabalho está a ser recompensado. “Foi há 25 anos que me tornei realizador. Nos últimos tempos tenho recebido muitas distinções e sinto que todo o trabalho árduo está a ser recompensado”, admitiu. “No futuro espero poder continuar a criar e a produzir mais filmes”, acrescentou. Devido à pandemia que assola o mundo, o Festival Internacional de Macau foi realizado de forma online, com os filmes a serem colocados numa plataforma digital a que as pessoas podiam aceder através do pagamento de um bilhete. No entanto, em jeito de balanço, o director artístico do evento disse estar feliz com os resultados alcançados. “Foi uma desafio enorme para toda a equipa do festival fazer o evento online, mas estamos felizes com os resultados e com as opiniões que recebemos das pessoas de Macau e Hong Kong”, afirmou Mike Goodridge. O Festival Internacional de Macau começou a ser organizado em 2016 e esta foi a quinta edição.
Fórum | Controlo da pandemia vai trazer rápida recuperação económica Hoje Macau - 10 Dez 202014 Dez 2020 Um responsável chinês disse ontem que o Governo de Macau conseguiu responder de forma peremptória à pandemia e que o território vai conseguir uma rápida recuperação económica. Durante o Fórum Global de Economia Turística, organizado por Macau, o ministro da Cultura e do Turismo da República Popular da China, Hu Heping, afirmou que o Governo de Macau “respondeu à pandemia em tempo oportuno” e que por isso “conteve eficazmente a sua propagação”. As medidas sanitárias adoptadas pelo Governo da RAEM mostraram-se eficazes, e desde 26 de Junho que não é detectado qualquer caso. Por essa razão, Hu Heping acredita que “a economia de Macau vai recuperar rapidamente com o apoio do Governo Central” e “demonstrar melhor que nunca o seu papel de centro mundial de turismo assim como o seu papel de cooperação entre a China e os países de língua portuguesa”. A China, por outro lado, frisou o responsável, foi o “primeiro país do mundo a controlar a pandemia e a primeira potência a recuperar a economia”. Também no Fórum, que está a decorrer presencialmente e online, o secretário-geral da Organização Mundial de Turismo, Zurab Pololikashvili, apontou que “Macau emergiu como um líder turístico”. Já a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura de Macau lembrou que “de acordo com os dados da Organização Mundial de Turismo, nos primeiros oito meses de 2020, o número de visitantes internacionais caiu 70 por cento, a indústria turística foi globalmente fortemente atingida”. “Enquanto destino internacional de turismo, os sectores predominantes de Macau do turismo e do jogo foram profundamente afectados este ano, com as receitas a registarem uma acentuada diminuição”, afirmou. Em 23 de Setembro, as autoridades chinesas retomaram a emissão de vistos individuais e de grupo para o território, suspensos desde o início da pandemia, o que tem resultado numa subida gradual dos visitantes na capital mundial do jogo, ainda que muito abaixo de uma média mensal de cerca de três milhões de visitantes, em 2019. Outras contas As incertezas no território ainda são muitas, com as operadoras de jogo a apresentarem centenas de milhões de euros em prejuízos no terceiro trimestre do corrente ano. Os casinos de Macau tinham fechado 2019 com receitas de 292,4 mil milhões de patacas. Para 2021, o Governo prevê arrecadar 45,5 mil milhões de patacas, o que, apesar de uma melhoria, está ainda muito longe das 112,71 mil milhões patacas arrecadadas em 2019.
David Attenborough – Uma vida em defesa do mundo natural Olavo Rasquinho - 10 Dez 202014 Dez 2020 David Attenborough, naturalista, grande comunicador da BBC, desde há cerca de 60 anos tem vindo a desenvolver ação altamente meritória em defesa do mundo natural, através de um grande número de documentários, palestras e entrevistas. Desde criança que a sua curiosidade pela história natural o levou a aprofundar os conhecimentos sobre a fauna e a flora em todo o mundo. Grande parte da vida profissional foi dedicada a dar a conhecer a vida selvagem ao grande público e, como ele próprio afirma, considera-se privilegiado por a sua profissão lhe ter proporcionado conhecer os mais diversos habitats. Sente-se, no entanto, simultaneamente angustiado pela degradação de que a biodiversidade tem vindo a ser alvo. Em sua homenagem, a Netflix estreou recentemente o documentário produzido pela Silverback Films e World Wide Fund for Nature (WWF), intitulado “David Attenborough – Uma Vida no Nosso Planeta”, em que o naturalista faz um balanço das transformações da vida selvagem que testemunhou no decorrer da sua longa vida (nasceu em 8 de maio de 1926). Durante uma hora e vinte e três minutos temos a possibilidade de apreciar imagens de documentários anteriores, acompanhados da narração sobre o que observou há dezenas de anos e aquilo que se nos depara atualmente. No início do seu testemunho, David Attenborough mostra imagens desoladoras da cidade Pripyat em ruínas, na então Ucrânia soviética, onde, nas suas vizinhanças, ocorrera em 26 de abril de 1986, o grave acidente na central nuclear de Chernobil. O rebentamento das instalações nucleares, consequência de mau planeamento e erro humano, gerou a emissão de radiação que contaminou trabalhadores da central, habitantes das povoações próximas, e o meio ambiente. A radiação afetou também os países vizinhos e chegou a ser detetada em regiões tão longínquas como o Japão. O naturalista considera que este desastre foi um acontecimento isolado, mas que a verdadeira tragédia do nosso tempo se desenrola diariamente, quase impercetivelmente, que consiste na perda de grande quantidade de locais selvagens devido à sobre-exploração dos recursos em todo o planeta. Lemos e visualizamos com frequência, nos meios de comunicação social, artigos e documentários sobre o impacto das atividades antropogénicas no nosso planeta, mas raramente temos acesso a provas tão evidentes como as que nos são apresentadas neste testemunho. É-nos dado a comparar vários habitats como eram há dezenas de anos e como estão agora. Por exemplo, as florestas no Bornéu, que foram em grande parte dizimadas e substituídas por dendezeiros, o que provocou uma diminuição do número de orangotangos de cerca de dois terços em pouco mais de sessenta anos; a cobertura de gelo do Oceano Ártico, no verão, reduzindo-se de ano para ano; recifes de corais totalmente destruídos; zonas marítimas alvo de sobre-exploração da pesca; etc. Assistimos a cenas dramáticas da vida de animais selvagens, como orangotangos tentando sobreviver em florestas destruídas Uma sequência de imagens de satélite mostra-nos a redução da área abrangida pelo gelo no Oceano Ártico, que tem vindo a sofrer, no verão, uma diminuição de cerca de 40% em 40 anos. São particularmente chocantes as imagens que nos mostram milhares de morsas a aglomerarem-se numa praia no litoral nordeste da Rússia, onde são forçadas a descansar devido à escassez de plataformas de gelo. Por o espaço ser restrito, atropelam-se mutuamente, muitas acabando por se despenharem por uma zona rochosa escarpada, dando-nos a sensação de suicídio coletivo. Na realidade, segundo o naturalista, trata-se de uma tentativa malsucedida de regresso ao mar, na medida em que estes animais têm fraca visão e, orientando-se pelo olfato, acabam por se despenharem por um penhasco que se lhes depara pelo caminho. A longa vida de David Attenborough permitiu-lhe acompanhar o aumento da população mundial e avaliar o impacto negativo deste crescimento sobre a biodiversidade. As provas de que esse aumento populacional não foi acompanhado por medidas de sustentabilidade são tão avassaladoras que se torna moralmente obrigatório ver e rever este testemunho. Narrando a sua experiência, analisa a evolução da Terra, lamentando a perda de habitats onde outrora proliferavam animais selvagens. Atribui as causas deste desastre ao aumento desregrado da população mundial, à queima de combustíveis fósseis e, consequente, ao aumento da concentração de gases de efeito de estufa, em especial do anidrido carbónico, e à destruição de habitats selvagens. À medida que a narrativa decorre, pode-se constatar a seguinte progressão da população mundial, a sua correspondência com a concentração de dióxido de carbono na atmosfera e a regressão da natureza selvagem: ANOS POPULAÇÃO (Milhares de milhões) CO2 NA ATMOSFERA (Partes por milhão-PPM) NATUREZA SELVAGEM RESTANTE 1937 2,3 280 66% 1954 2,7 310 64% 1960 3,0 315 62% 1978 4,3 335 55% 1997 5,9 360 46% 2020 7,8 415 35% Perante a influência tão negativa das atividades humanas sobre o ambiente, David Attenborough corrobora a opinião de muitos cientistas de que estamos a deixar o Holocénico, período geológico em que a estabilidade do clima é uma das principais características, e que estamos a entrar noutro período, em que a influência dos humanos se reflete de maneira trágica sobre o nosso planeta. O testemunho é dramático mas não derrotista, propondo alterações no comportamento humano de modo a reverter a tendência para o agravamento da situação da vida selvagem. Assim, preconiza a substituição do uso de combustíveis fósseis pelas energias renováveis (solar, eólica, hidráulica e geotérmica), estabilização da população mundial, reflorestamento, enfim, como realça, “… deixarmos de estar apartados da natureza e passarmos a fazer parte dela”. Relata como exemplo o que foi feito na Costa Rica, onde, há um século, mais do que três quartos estavam cobertos por floresta. Porém, até à década de 80 do século passado, essa área foi reduzida a um quarto, devido ao abate descontrolado de árvores. Perante esta realidade, o governo decidiu subsidiar os proprietários para replantarem árvores nativas, o que implicou que a floresta voltasse a cobrir, ao fim de 25 anos, metade do país. “Imaginem que conseguíamos isso à escala global…”, comenta o naturalista. Tal como no início, o documentário termina com imagens de Chernobil, mostrando a natureza a recuperar em Pripyat, mais de trinta anos depois do desastre. A floresta invadiu a cidade abandonada e a vida selvagem retomou o seu ciclo. As últimas frases do testemunho do naturalista constituem uma mensagem de esperança: “Durante muito tempo eu, e talvez vocês, tememos o futuro. Mas está a tornar-se evidente que nem tudo é uma desgraça. Temos a oportunidade de nos redimir, de concluir a jornada de desenvolvimento, de gerir o nosso impacto e, mais uma vez, de ser uma espécie em equilíbrio com a natureza. Tudo o que precisamos é de vontade para o fazer. Temos agora a oportunidade de criar o lar perfeito para nós próprios, e de recuperar o mundo rico, saudável e maravilhoso que herdámos. Imaginem só…”.
Mundo sombrio Hoje Macau - 10 Dez 202014 Dez 2020 O número de refugiados e pessoas deslocadas no mundo ultrapassou a marca dos 80 milhões em meados de 2020, um recorde em plena pandemia de covid-19, indicou ontem a ONU. Em comunicado, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, lamentou que o mundo tenha chegado a este “ponto de viragem sombrio” e advertiu que a situação se agravará caso “os líderes mundiais não puserem fim às guerras”. “A comunidade internacional não está a conseguir preservar a paz”, disse, sublinhando que a deslocação forçada duplicou na última década.
Desatinos António Cabrita - 10 Dez 202014 Dez 2020 O acaso atirou-me para o estômago de Xipamanine e só teria boleia duas horas depois. Andar de chapa em pleno Covid não me parecia prudente. Sentei-me na tasca mais protegida da poeira. Eles chegaram vinte minutos depois e abancaram na mesa ao lado da minha, num estardalhaço. Cinco bizarmas, altos e maçicos como zulus. Na melhor das hipóteses, seis ex-piratas convertidos ao basquetebol. Não eram, falavam em casas ardidas e em extorsões. E o líder – há azares que nunca vêem sós – achou graça que na mesa ao lado um white se procurasse concentrar na leitura. O que dava uma função diferente ao tampo das mesas, agastadas por décadas de cotovelos ébrios. Para mostrar-se magnânime, interpelou-me, queria pagar-me um copo. Escusei-me às primeiras, mas ele insistia e de cinco em cinco minutos voltava à carga. Ao cabo de vinte minutos amaldiçoei-me por não ter zarpado mais cedo nem poder agora evitar a oferta, sem parecer indelicado. Suspirei para dentro, apropriei-me com um olho de uma linha do livro que estava a ler e atirei para a mesa do lado, num sorriso contrafeito: – Bom, se até o Hegel, na Fenomenologia do Espírito, evoca a necessidade de tornar fluido o “pensamento congelado”, poderei eu recusar a sua oferta em oferecer-me uma cerveja? Fez-se silêncio e a coisa deve ter-lhe parecido rebuscada, de um momento para o outro eriçou-se. Lançou para os outros: – O white gosta de confusionar os bradas… – e sacando a pistola do bolso, pô-la em cima da mesa, sem deixar de me mirar – Vamos ver o que esse boss, como é que era mesmo o nome? – Hegel…- repeti, reprimindo a custo o soluço – é alemão… – Vamos ver o que esse boss fala depois de ver o buraco de uma bala no bucho… de outro white. – Bom, dou por alternativa aceitar o seu copo… – reagi, mansamente. Na hora seguinte, rodeado de risos e grunhidos e de mil disparos escatológicos, bebi cinco canecas a mata-cavalos, quase em silêncio; o capanga queria comprovar se o white aguentava. Não é verdade que cinco canecas depois se desloque o foco da depressão. E explicava ele aos outros, trocista, topando o meu incómodo: – Julgava que o “mano” lia uma cena de economia e nos ia falar como livrar impostos! Ficou o Hegel mais às curvas do que eu, apreensivo com os rumos de tanta generosidade. À sexta caneca, comprovando que a minha necessidade inata para ser tranquilizado me traía, deixei escapar um arroto. O que lhe provocou uma gargalhada e amenizou a tensão. Resolveu aí guardar a pistola e condescender: – O white sabe beber… – antes de prevenir, de seguida – mas para a próxima faço-te engolir o livro! O livro, de bolso por sinal, chama-se La Figure du dehors, e é do Kenneth White: daria uma bela e indigesta refeição. Sairam dez minutos depois, na mesma estúrdia em que tinham entrado, deixando-me a cismar na ressaca e na petulância com que a cultura às vezes arrisca não ser mais do que um descarnado out of time. Noutra vez resolvi ir experimentar o ambiente de um café novo, numa zona nobre da cidade, um pouco retro, bastante kitsch, e estupidamente caro. Normalmente, só levo comigo o suficiente para pagar dois cafés, para não me entregar a outros estragos. Estava naquele limiar em que começamos a pensar em ir para casa quando me abordou um tipo baixote, anafado e cinzento: – Desculpe. Dizem-me que o senhor escreve versos. – Às terças-feiras. Ele riu: – Hoje é domingo, mas poderei pagar-lhe. – Pagar-me o quê? – Um poema para a minha dama. Cocei o queixo, olhando-lhe os dedos encardidos do tabaco: – Hum, e qual é a pressa? – Ela faz anos hoje e fiquei de ir jantar com ela. Gostava de levar o poema comigo. Por quanto mo fazia? – É um uísque duplo, por quadra. Se for soneto, três. – Posso voltar daqui a meia hora? – Quarenta minutos, a primeira dose é para me descer a inspiração, só ao segundo começo. Espetou a mão sapuda no ar e selámos o acordo com um passou-bem. Pedi-lhe uma fotografia da amada. Bom, ela era o impossível cruzamento de um radiador de Mercedes Benz com uma fêmea de tubarão-martelo. Há gostos para tudo. Porém, se o Mallarmé fazia de encomenda poemas para os casamentos e depois explicava aos amigos que aqueles poemas não eram obscuros porque não tivera o tempo para isso, eu também seria capaz. Pedi o primeiro duplo. Ele voltou uma hora depois: – Não quis apressá-lo na sua escrita. Passei-lhe o poema. A cara dele alterou-se à primeira palavra: «Rémora grudada à sua pele/ lustrosa, o meu amor por ela./ (Ela não sabe que lhe chamo tubaroa!) / Rémora de si mesmo saudosa// mas rendida à emoção que só/ no seu flanco estua, quando ela arfa/ e um heliventilador me limpa o dó,/ no ar que me somava as derrotas.// (E quem mais aceitaria que eu/ fume por dia dois cinzeiros?) Rémora/ de amor ardente e ciúme ao rubro, e mui/ inquieta por fazer anos a minha fera/ e eu ainda à toa quanto ao presente…/ (Se ela soubesse que lhe chamo tubaroa!)» Desculpe, o que é rémora? – perguntou desconcertado. Expliquei-lhe. Não gostou do tom jocoso. Nem topou o verso camoniano. – O senhor é maningue excêntrico, o poema nem tem lírios! – Com emendas é mais um uísque! Irritou-o a piada. Pôs uma carranca e deixou-me a sós com a conta por pagar, num café fino onde nunca havia entrado e nos braços de um gerente, percebi depois, um bocado bruto para brancos desabonados. Este declinou a minha oferta com a sentença: – Os uísques pagam-se com o dinheiro e os sonetos com o aplauso. Gente ingrata, é o que é!
Pessoa nu Luís Carmelo - 10 Dez 202014 Dez 2020 Há muitos anos que sei que Fernando Pessoa foi a Portalegre comprar uma tipografia. Sempre achei curiosíssimo por muitas razões, mas sobretudo porque Pessoa não gostava de viajar, ou seja, de cruzar o território físico (não outros, é claro). Numa das sessões recentes que tiveram lugar na EC.ON-Escola de Escritas, o Jerónimo Pizarro acentuou muito este facto e confirmou que o território de eleição do poeta era sobretudo a geometria da Baixa lisboeta. Todos os destinos do mundo, mesmo aqueles africanos de onde pela segunda vez regressou em 1905, se circunscreviam, na realidade, à pátria braquiana que liga, na capital, o Rossio ao cais das colunas. Esta semana, por acasos de um projecto de escrita em que ando envolvido, dei com uma carta escrita por Pessoa a Armando Teixeira Rebelo no dia 2 de Agosto de 1907, estando alojado precisamente em Portalegre no então “Hotel Brito”*. Relembremos que o poeta tinha na altura 19 anos (feitos em Junho, no dia de santo António e de Lisboa). O calor e o “nada” extremos vividos nessa viagem – não o “nada que é mito”, mas apenas o da mera carambolagem, como diria o dadaísta Tzara – tocaram de tal modo Pessoa que a carta acaba por roçar, cito, o “hiperaborrecimento, o ultra-estafanço-de-tudo, a absoluta sensação de o-que-há-de-fazer-um-tipo num sítio destes”. Raramente vi um documento em que a exaustão de uma atmosfera e de uma cidade fosse tão radical. Nada parece compensar Pessoa neste seu logro. Nem mesmo o poema que faz de ‘post-scriptum’ à epístola, intitulado “O Alentejo visto do comboio”, e que é uma verdadeira ‘quête’ do inferno. Reza assim: “Nada com nada em sua volta/ E algumas árvores no meio,/ Nenhuma das quais claramente verde,/ Onde não há vista de rio ou de flor./ Se há um inferno, eu encontrei-o,/ Pois se não está aqui, onde Diabo estará?”. Logo nas primeiras linhas da carta, Pessoa explica a Armando Teixeira Rebelo a razão que o terá levado a escrever: “a minha alma sentiu, como um suspiro mental, a necessidade de dar expressão do seu presente estado e tendências a um cérebro amigável como o teu”. Depois torna claro quais as “circunstâncias angustiosas” que estava a viver e que lhe deram a “ideia de que talvez o processo desta composição epistolar” pudesse “ser subjectivamente conducente a um alívio do meu fardo terreno neste momento”. Segue-se a este passo da carta a caracterização possível da cidade que teve nesses dias diante dos seus olhos: “Portalegre é um lugar em que tudo quanto um forasteiro pode fazer é cansar-se de não fazer nada. As suas qualidades componentes parecem-me conter (depois de uma profunda análise), em quantidades relativas e incertas, calor, frio, semiesPãholismo e nada. O vinho é bom (embora não daqui, creio), mas é decididamente alcoólico, especialmente quando a jarra de água está na outra extremidade da mesa e tu te esqueces (quer dizer, eu me esqueço) de o pedir.” Só quase no final é que a escrita acaba por dar conta da finalidade prática da ida de Pessoa a Portalegre: “A desmontagem e embalagem da tipografia está a levar um tempo danado — poeticamente falando, é claro. Apesar disso, os homens têm trabalhado bastante depressa e tenho os olhado e observado com a maior das energias.”. E pouco depois surge aquela que é talvez a confissão decisiva: “Acredito sinceramente que, se tivesse que aqui ficar um mês, teria de ir para Lisboa e depois para o Hotel Bombarda”. O que é extraordinário neste texto é verificar a auto-imagem de uma pessoa comum que se aborrece infinitamente com a viagem e com local visitado, chegando ao ponto de definir – com alguma ironia – uma certa distância entre si e a loucura, como se tudo fosse uno, unívoco e irreversível. Ou seja: a reversibilidade própria das heteronímias, o olhar oblíquo e transmutado ou ainda a coexistência entre o actual e o eu-atemporal estão completamente de fora deste jovem Pessoa que aqui escreve e se descreve no seu imenso fastio de Portalegre, ele que havia criado o primeiro heterónimo aos seis anos de idade (baptizado com o curioso nome de Chevalier de Pas). O homem aqui retratado chama a si o vinho e a linguagem para diluir a existência, queixando-se da pequenez, mas fazendo-se, de algum modo, refém dela ao espelhá-la através duma assimetria previsível e até lógica. Esperar-se-ia antes um fastio que fosse alvo de desmontagem (tal como os cubistas sabiam fazer) e que tivesse sido projectado num daqueles ecrãs interiores – afinal tão pessoanos – em que o sentido e o não sentido ou em que a realidade e a irrealidade andassem de mãos dadas. Mas não. O que irradia desta carta é sobretudo um “basta”, embora literária e engenhosamente ‘dito a arder’. O que vem provar que Fernando Pessoa tinha direito a ser uma pessoa como qualquer um de nós – como porventura o terá sido na larguíssima maior parte das suas vivências e misérias – e não o mago-mágico que amiúde comparece em muita da emoldurada mitografia lusitana. A sacralização da poesia (e do poeta absoluto) tem os seus reversos, um deles é esquecer que todos limpam o rabo seja em que papel for e seja em que partida e destino for.