CAEAL | Recebidos oito pedidos de constituição de candidatura

Até ontem, a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) recebeu oito pedidos de reconhecimento de constituição de candidatura, três dos quais já foram reconhecidos legalmente (“Força de Desenvolvimento Macau”, “Aliança Bom Lar” e “União Promotora para o Progresso”).

Outras três ainda estão a aguardar informações. Recorde-se que duas potenciais candidaturas desistiram ainda antes de as eleições começarem. O presidente da CAEAL, Tong Hio Fong, recordou ontem que cada pessoa pode apenas subscrever a constituição e uma candidatura, observando que até 15 de Junho poderá haver mais pedidos de reconhecimento.

Além disso, este ano haverá menos um local para propaganda eleitoral e outros alteraram-se, devido a circunstâncias como estarem sujeitos a obras ou a ser utilizados para outras finalidades. “Assim sendo, passarão de 19 para 18 os locais para propaganda eleitoral, cancelando-se a rotunda do Estádio da Taipa, porque verificámos que a taxa de utilização é muito baixa na edição passada e desta vez vamos cancelar para assim minimizar os recursos”, explicou Tong Hio Fong.

A Feira do Carmo e o Largo Maia de Magalhães vão ser substituídos por estarem em obras na altura, passando o largo marginal de Lazer de Oceans e a plataforma do Edifício Ip Heng de Seac Pai Van a ser utilizados para propaganda eleitoral.

4 de Junho | Au Kam San mantém vontade de fazer vigília em espaço fechado

Apesar de as autoridades terem proibido a realização da vigília do 4 de Junho, o deputado Au Kam San quer que a iniciativa se realize num espaço fechado. A alternativa ainda vai ser discutida entre a União para o Desenvolvimento da Democracia

 

Au Kam San quer organizar uma vigília em memória das vítimas do massacre de Tiananmen dentro de portas, apesar da possibilidade de consequências. “É, provavelmente, arriscado, mas as acusações [de violar o Código Penal] não são razoáveis”, disse ao HM, referindo-se aos argumentos da polícia para rejeitar a reunião e dando como o exemplo o crime de incitamento à alteração violenta do sistema estabelecido. “É óbvio que todos os anos a nossa vigília nunca incitou ninguém a alterar violentamente o sistema estabelecido, nós cumprimos as leis do Código Penal”, respondeu.

No entanto, a União de Macau para o Desenvolvimento da Democracia (UDDM) ainda vai discutir se devem fazer a vigília num espaço fechado.

O Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) proibiu pelo segundo ano consecutivo a vigília agendada para 4 de Junho, justificando a decisão com a falta de capacidade de cumprimento das medidas de prevenção da pandemia, mas também por considerar que o evento viola disposições do Código Penal, ou seja, compreende comportamentos que são crimes. As autoridades basearam-se em reuniões de outros anos para chegar a esta conclusão. Os crimes em questão são “Publicidade e calúnia”, “Ofensa a pessoa colectiva que exerça autoridade pública” e “Incitamento à alteração violenta do sistema estabelecido”.

Actuação pacífica

A UDDM emitiu um comunicado a reiterar o carácter “pacífico” e “cumpridor da lei” que as vigílias do 4 de Junho assumiram nos vinte anos que se seguiram à reunificação, observando que nunca antes houve acusações criminais.

Além disso, a associação recorda que os artigos que regulam os crimes elencados pelas autoridades não foram revistos desde que entraram em vigor (1995). “Isto foi obviamente por motivos políticos”, refere a nota. A UDDM entende que objectivo foi “suprimir a realização da vigília de 4 de Junho e violar os direitos de reunião e manifestação das pessoas de Macau”. O recurso da decisão do CPSP deverá ser entregue hoje ao Tribunal de Última Instância. O HM contactou o Corpo de Polícia de Segurança Pública, mas até ao fecho da edição não recebeu resposta.

Covid-19 | Académico considera que Hong Kong não se preparou para a pandemia

No livro “Coronavirus Politics: The Comparative Politics and Policy of COVID-19”, lançado recentemente, John P. Burns, professor da Universidade de Hong Kong, defende que continua a falhar em Hong Kong cooperação entre o sector público e privado de saúde. O académico acredita que reformar o sistema fiscal facilitaria a missão do sector da saúde no acesso a financiamento

 

Apesar de ter lidado com a SARS em 2003, as autoridades de Hong Kong não demonstraram capacidade para lidar com a pandemia da covid-19. A conclusão é do académico John P. Burns, professor do departamento de política e administração pública da Universidade de Hong Kong, no livro “Coronavirus Politics: The Comparative Politics and Policy of COVID-19”. Recentemente publicado, a obra traça o panorama de como vários países lidaram com a pandemia nos últimos meses.

John P. Burns conclui, assim, que “Hong Kong aprendeu com a sua experiência com a SARS-1” mas “a preparação foi incompleta”. “Com a preparação obtida por parte de especialistas e burocratas, os planos revelaram a falta de reforma de um sistema de finanças públicas [que vigora] desde o período colonial e um sistema de saúde frágil e com pouca capacidade para cooperar com o serviço público de saúde”, pode ler-se.

O académico considera que “o sistema político de Hong Kong provou ser incapaz de produzir líderes políticos capazes de uma mudança”. Ainda assim, esse mesmo sistema levou “à prevenção da ocorrência de divisões políticas profundas e de uma desconfiança em relação ao Governo”.

O HM contactou John P. Burns no sentido de estabelecer um paralelismo com a forma como Macau lidou com a pandemia da covid-19, mas o académico recusou por nunca ter estudado a situação em Macau.

Neste momento, Hong Kong tem a situação epidémica bem mais controlada, mas corre o risco de ter de deitar fora milhões de vacinas contra a covid-19 dada a desconfiança da população. Apesar de ter conseguido adquirir vacinas para toda a população, actualmente contabilizada em 7,5 milhões de pessoas, apenas 1,2 milhões de vacinas foram administradas. Segundo a agência AFP, 19 por cento da população recebeu a primeira dose da vacina da Pfizer-BioNtech, tendo 14 por cento completado a vacinação. Tanto as autoridades de Hong Kong como de Macau continuam a analisar a possibilidade de reabertura de ligações entre os dois territórios, embora não haja ainda uma data concreta para isso acontecer.

Eficiência não chega

John P. Burns recorda que Hong Kong possui um dos mais eficientes sistemas de saúde do mundo, mas que, ainda assim, não conseguiu travar “um surto comunitário descontrolado de covid-19”. Desde Janeiro de 2020, e durante cinco meses, “Hong Kong teve apenas seis mortes por covid-19”. No entanto, “a 26 de Agosto de 2020, Hong Kong registava 4,736 casos confirmados ou prováveis e 78 mortes nas três vagas de infecção por covid-19”.

Apesar da reforma das instituições implementada depois da ocorrência da SARS, continua a prevalecer um sistema de financiamento da saúde que é alvo de críticas do académico.

“Os sucessivos governos em Hong Kong estabeleceram um sistema de saúde público-privado”, em que o sistema público, gerido pela Autoridade Hospitalar (HA, na sigla inglesa), providencia cerca de 90 por cento de serviços a todos os residentes que necessitam de cuidados médicos a um preço “acessível”. Uma rede de 43 hospitais, com 40 por cento dos médicos locais opera este sistema, descreve o autor do artigo, citando dados da HA relativos a 2020. Enquanto isso, o sector privado providencia cerca de 70 por cento de cuidados médicos pagos para residentes, além de que o HA “disponibiliza [os restantes tratamentos] através de clínicas públicas, de novo com a cobrança de uma taxa nominal”.

No entanto, John P. Burns lembra que “o sistema da HA enfrenta uma crónica falta de profissionais de saúde públicos, e os pacientes enfrentam longas listas de espera para serviços não urgentes”. O académico traça depois uma ligação com a falta de reforma do sistema fiscal, uma vez que “apenas 40 por cento da população empregada paga impostos sobre os seus salários e apenas dez por cento dos empresários pagam impostos”.

“Nem os empregadores nem os empregados em Hong Kong contribuem para o esquema de seguros de saúde obrigatório. Think-tanks fundados por empresários argumentam que o sistema público de saúde é financeiramente insustentável tendo em conta os actuais níveis de serviço, acessibilidade e receitas”, pode ler-se.

Embora o Governo de Hong Kong conceda subsídios à HA, e mesmo com os “investimentos substanciais a nível financeiro e de infra-estruturas na preparação da epidemia da SARS-1”, o autor lembra que “o sistema de saúde pública baseado em hospitais é frágil e financeiramente insustentável”.

“Em finais de Agosto de 2020, Hong Kong tinha gerido os três surtos de covid-19 de uma forma relativamente bem-sucedida. Este resultado partiu da experiência de Hong Kong com a SARS-1”, escreveu o autor, alertando, no entanto, para o peso excessivo da burocracia sistemática e “investimento suficiente em saúde para apoiar um frágil sistema público de saúde”.

Um difícil cenário político

John P. Burns destaca também o facto de Hong Kong ter vindo a lidar com a crise pandémica num contexto de “baixa confiança no Governo”, embora “a saúde pública não se tenha tornado, em grande parte, numa questão política”, devido ao espírito comunitário na luta contra a pandemia.

“A experiência de Hong Kong com a SARS preparou a população de Hong Kong para meses de uso de máscara, mais cuidados com a higiene pessoal e distanciamento social”, descreve o autor. “Os hong kongers são pragmáticos e procuram proteger-se a si mesmos e às suas famílias. São geralmente cumpridores da lei e a gestão das regras de combate à covid-19 foi feita de acordo com a lei. O respeito pelos especialistas e a pressão dos pares também contribuiu para este resultado, que foi largamente afectado por profundas divisões políticas, meses de protestos anti-Governo e falta de confiança no Governo”, analisou John P. Burns.

E na China?

O livro aborda também a resposta da China em relação à covid-19 através da análise feita por Victor C. Shih, um economista político autor de várias obras sobre o país. No capítulo “China’s Leninist response to covid-19 – From Information Repression to Total Mobilization”, o autor considera que a forma bem-sucedida como o país lidou com as piores fases da pandemia está relacionada com a forma como a Administração Pública está organizada, ou seja, fortemente ligada às estruturas do Partido Comunista Chinês (PCC).

“Além da estrutura leninista do partido, o esforço para controlar contágios foi apoiado fortemente por organizações pró-estatais e comités comunitários onde o partido decretou a implementação de objectivos relacionados com [o cumprimento] da quarentena. Sem este esforço frenético, os resultados na China teriam sido muito piores”, considera o autor.

Além disso, Victor C. Shih destaca também “o programa de vigilância digital que facilitou a monitorização dos contactos”, embora “não tenha tido um papel decisivo no controlo da covid-19 na China”.

Segundo o autor, as regras do PCC acabaram por desempenhar um papel importante na gestão da pandemia. “Assim que a mobilização para travar os contágios foi decretada, as autoridades locais ficaram de imediato sob uma enorme pressão por parte das autoridades superiores para implementar o regime de quarentena tanto ao nível da província como dos bairros [urbanos]”, conclui-se.

Três anos de prisão para agressor do advogado Jorge Menezes em ataque de máfia

O tribunal de Segunda Instância de Macau condenou um cidadão chinês a três anos de prisão por um ataque da máfia chinesa em 2013 a um advogado português que reside em Macau.

Em 2013, Jorge Menezes foi agredido em Macau, ficando ferido na cabeça, num braço, pescoço, ombro e mão direita, após um ataque que foi feito pelas costas por dois homens com um tijolo quando o advogado estava a acompanhar o filho, na altura com 5 anos, que ia levar à escola.

O Tribunal Judicial de Base já tinha condenado, em julho de 2019, um arguido a um ano e nove meses de prisão, mas o segundo arguido tinha sido absolvido. Contudo, após recurso, o Tribunal de Segunda Instância aplicou agora ao segundo arguido três anos de prisão.

Os juízes do Tribunal de Segunda Instância, explicou à Lusa o advogado, criticaram fortemente a decisão do Tribunal Judicial de Base, mesmo a do primeiro arguido que já tinha sido condenado, mas não puderam alterar a condenação porque o Ministério Público não recorreu da decisão.

“Não me sinto aliviado, porque o Ministério Público [MP] nunca quis investigar a identidade do mandante. Quem mandou estes pode mandar outros. Foi preciso interpor quatro recursos e esperar oito anos para conseguir reverter decisões lamentáveis do Ministério Público e de juízes de instrução e do Tribunal Criminal. Tive de lutar sozinho, não ao lado do MP, mas contra o MP”, afirmou.

Ainda assim, nenhum dos dois homens estiveram presentes em tribunal, sendo que os condenados só cumprirão a pena caso entrem em Macau, visto que não existe acordo de extradição com a China.

“O Tribunal deu como provado que este ataque visava provocar-me lesões graves e que me poderia ter provocado a morte. Ainda assim, quando um dos atacantes foi detido na fronteira, não o prenderam, autorizaram-no a regressar à China de onde sabiam que nunca regressaria, como se comprovou”, acusou o advogado.

“A polícia contra a criminalidade organizada disse-me que isto era um caso típico de máfias e os factos provados apontam nesse sentido. A minha família teve de regressar definitivamente para Portugal quase de imediato”, contou Jorge Menezes. Jorge Menezes está inscrito na Associação dos Advogados de Macau desde julho de 1998.

Começou ontem o julgamento de Frederico Rosário no caso criptomoeda

Frederico dos Santos Rosário, filho de Rita Santos, acusado de burla num caso de investimento em criptomoeda, disse ontem em tribunal que está inocente. Segundo a TDM – Rádio Macau, o empresário negou todas as acusações de que é alvo, culpou o outro arguido do processo, o empresário de Hong Kong Dennis Lau, de ser o principal responsável pelo plano e afirmou nunca ter recebido dinheiro de investidores. Dennis Lau não compareceu na primeira sessão de julgamento.

O caso envolve 71 pessoas de Macau, com idades entre 22 e 63 anos, e envolve montantes na ordem das 20 milhões de patacas. Frederico Rosário disse ainda que acompanhou a situação de 40 investidores, na sua maioria seus familiares, onde se inclui esposa, pais e primos, bem como amigos de infância.

Em tribunal, o arguido disse também que conheceu Dennis Lau num evento de e-sports, organizado pela sua empresa. Depois desse encontro, o empresário de Hong Kong terá convidado o residente a investir num projecto de criptomineração, em Dezembro de 2017. Frederico Rosário começou por investir 150 mil dólares de Hong Kong, tendo recebido 10 por cento das acções da empresa. Este admitiu que não verificou os dados financeiros da empresa e que o investimento foi feito com base em confiança pessoal, bem como no facto de o empresário de Hong Kong ter pergaminhos e hardware de ponta para a mineração de criptomoeadas.

ATFPM metida ao barulho

O investimento em criptomoeda chegou a ser promovido na sede da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau, cuja assembleia-geral é presidida por Rita Santos. Ambos negaram quaisquer ilegalidades, mas muitos investidores acusaram Rita Santos de incitar ao investimento. Frederico dos Santos Rosário disse em tribunal ter tentado obter justificações e provas bancárias junto de Dennis Lau, mas que este primeiro furtou-se a apresentá-las e que depois apresentou provas alegadamente falsas, na versão de Frederico Rosário.

Na sessão de ontem foram ouvidas cinco testemunhas que confessaram ter sabido da possibilidade de investimento por diversas vias, incluindo as sessões na ATFPM, e que fizeram os pagamentos em cheque a Dennis Lau e nunca a Frederico. As testemunhas acusaram, aliás, Dennis Lau de ser o responsável pela alegada burla.

Elogio da canção

Para quem sinta satisfação em semelhantes exercícios é relativamente fácil contabilizar as pequenas e grandes tragédias que assolam a nossa passagem por este mundo. Falando aqui e agora daquelas que só a cada um de nós diz respeito talvez o maior segredo seja reconhecê-las a tempo e lidar com elas da melhor forma. Uma delas, talvez não a maior, mas certamente bem real e quotidiana, é a nossa permanente desatenção sobre aquilo que torna a vida mais suportável. Não porque o façamos intencionalmente, mas apenas porque o tomamos como garantido.

Fujo dos grandes temas e proponho para este capítulo a existência das canções. Não me parece que exagero quando digo – e digo muitas vezes, acreditem – que se trata da mais perfeita forma de arte popular. Para começar porque se imiscui na nossa vida a ponto de por vezes confundirmos as duas. Todos passámos por isso, amigos: aquele “tema” que soava quando conhecemos o amor da nossa vida, aquela voz e palavras quando perdemos o amor da nossa vida.

Tenho uma teoria que não pretendo tornar universal, mas que certamente tem a sua prova viva neste vosso criado: a nossa vida é um musical de que nós somos protagonistas involuntários. Numa das mais extraordinárias canções da década de 90 do século XX – Songs Of Love, dos The Divine Comedy e escrita pelo insuperável Neil Hannon – conta-se a história de um fazedor de canções que da sua água-furtada vê passar casais felizes proclamando o seu amor à custa das canções que ele, pobre solitário, constrói. É uma canção de um doce cinismo mas nem por isso deixa de ser verdade. É graças a esses trabalhadores-artistas que tantas vezes vamos balizando os nossos sentimentos sem termos a preocupação de lhes agradecer.

Depois há isto: as canções vivem tão dentro de nós que as podemos usar em qualquer ocasião: no carro, na rua, no chuveiro. E têm a capacidade de despertarem emoções mesmo quando estamos distraídos. Conto: há uns dias resolvi ver um filme preguiçoso, ideal para uma matiné caseira preguiçosa. Um filme rasteiro, de “acção” (chama-se The Equalizer, já que não perguntam) e perfeito para manter neurónios e coração em sossego. Assim foi: até que nos minutos finais do filme surge uma banda sonora que a princípio não reconheci por se tratar de uma versão; mas os versos “distant colors, different shade/over with mistake were made/ I took the blame” apanharam-me como um soco no estômago: tratava-se de New Dawn Fades, dos Joy Division, banda com que vivi e vivo e coloco – com alguns discos de Leonard Cohen, Amália e Sinatra – sob o rótulo “manter afastado do alcance das crianças”. E eis o que aconteceu, amigos: subitamente as lágrimas caíram. Não por causa de nostalgias de juventude, que não as tenho – mas pelo imenso poder da canção, capaz de me virar do avesso num ápice.

As canções são animais furtivos mas predadores e, melhor ainda, sem dono. Podem provocar uma espécie de síndroma de Stendhal no dia a dia ou simplesmente fazer com que soltemos um sorriso. E são um permanente e maravilhoso mistério. Uma das primeiras canções que decorei foi Ticket To Ride, dos The Beatles. Adoro-a até hoje e por uma miríade de razões. Mas foi só há pouco tempo que soube o verdadeiro significado do título, mais uma brincadeira marota dos rapazes de Liverpool. A expressão “Ticket To Ride” refere-se ao boletim sanitário que as prostitutas de Hamburgo eram obrigadas a ter em dia para poder exercer a sua profissão. E como os moços floresceram em Hamburgo… bom, é fazer as contas. Subitamente uma canção que lamenta o abandono de uma moça que não aguenta viver com o narrador ganha uma dimensão completamente inesperada sem perder um milímetro da integridade. E isso é tão bom.

Sobre canções tenho tanto a dizer, tanto a agradecer. Revejo o monólogo de abertura de High Fidelity, a partir do livro homónimo de Nick Hornby (“What came first ? Music or the misery ?”) e é um espelho bem-vindo. Saibamos reconhecer essas dádivas efémeras e eternas ao mesmo tempo. Por mim, estaria perdido sem elas. Agora mesmo não sei qual a banda sonora que irá ocupar este meu dia e estas emoções. Mas ela está lá, eu sei disso. Até ao fim de mim, de nós.

Automobilismo | Max Mosley, ex-presidente da FIA, faleceu aos 81 anos

Faleceu na passada segunda-feira, aos 81 anos e após ter perdido a batalha contra um cancro, Max Mosley, o ex-presidente da Federação Internacional do Automóvel (FIA) de 1993 a 2009. Figura controversa, dentro e fora do desporto, o advogado e ex-piloto britânico sugeriu por diversas vezes que Macau organizasse um Grande Prémio de Fórmula 1 nos anos 1990s.

Depois de uma curta carreira como piloto, que terminou na Fórmula 2 em 1969, Mosley dedicou-se à gestão de equipas de Fórmula 1, para rapidamente optar por cargos políticos dentro do desporto. Foi eleito presidente da então Federação Internacional do Desporto Automóvel (FISA) em 1991, tornando-se presidente da FIA em 1993. Por lá ficou até Outubro de 2009, quando abandonou a presidência da FIA, já com a sua imagem manchada após uma reportagem publicada num tabloide britânico em que participava numa orgia com conotações nazis, as quais sempre negou.

Criticado por muitos por ter uma visão muito centrada na Fórmula 1 e esquecer o resto das disciplinas do automobilismo, Mosley foi o grande impulsionador da segurança no desporto e, com o apoio do seu velho amigo Bernie Ecclestone, ajudou a que o “Grande Circo” conquistasse a relevância mundial que hoje goza. Visionário em muitos aspectos, Mosley cedo percebeu a importância do continente asiático e foi com ele que começou realmente a expansão asiática das principais competições de automobilismo.

Ao contrário do seu antecessor, o francês Jean-Marie Balestre, Mosley sempre manteve uma boa relação com as autoridades desportivas de Macau. À conta da sua amizade pessoal e confiança com Alfredo César Torres, o então influente responsável máximo do desporto motorizado em Portugal, o Grande Prémio caiu nas boas graças da FIA, recebendo a corrida de Fórmula 3 o título de Taça Intercontinental da FIA em 1997.

Quando visitou o Grande Prémio em 1993, durante o 40º aniversário do evento, Mosley terá perguntado à Comissão Organizadora da prova “porquê que Macau não organiza uma corrida de Fórmula 1”? Aliás, à época, aos olhos da FIA, Macau, que tinha acabado de estrear uma sofisticada infra-estrutura permanente, reunia mais condições que o Mónaco para receber a caravana da disciplina rainha do desporto automóvel. Contudo, na altura, a Comissão Organizadora, com o português João Manuel Costa Antunes ao leme, considerava a que não havia condições para acolher os monolugares de Fórmula 1 e, por condições, referia-se às ruas estreitas e outras necessidades que um circuito de Grau 1 da FIA já exigia há trinta anos.

Nos primeiros anos da década de 1990s, este foi um assunto falado por várias vezes na imprensa, pois Bernie Ecclestone e a FIA, por intermédio de Max Mosley, gostariam de ter no no calendário do Campeonato do Mundo de Fórmula 1 o território ultramarino sob administração portuguesa, pois este era visto como uma excelente porta de entrada para a China, numa época em que não existia qualquer outra alternativa na região. O assunto só caiu no esquecimento quando Zhuhai avançou com a construção do seu circuito permanente.

O Circuito Internacional de Zhuhai foi politicamente acarinhado por Mosley desde a primeira hora. Com indicações claras que Macau não iria cair na tentação da Fórmula 1, o primeiro circuito permanente da República Popular da China teve todo o apoio do inglês. A pista da cidade adjacente à RAEM chegou mesmo a fazer parte do calendário do mundo de Fórmula 1 em 1999, mas a crise financeira que afectou o sudeste asiático atirou o circuito chinês para fora do calendário. Mosley teve a oportunidade de ver o seu sonho finalmente cumprido em 2004, quando o “Império do Meio” quando a caravana do mundial de Fórmula 1 desembarcou no ultra-moderno e imponente circuito de Xangai.

JCPOA | Pequim e Teerão procuram salvaguardar interesses comuns

O presidente chinês, Xi Jinping, disse nesta segunda-feira, numa conversa telefónica com o presidente iraniano, Hassan Rouhani, que a China apoia as propostas razoáveis do Irão em relação ao Plano de Acção Abrangente Conjunto (JCPOA, em inglês) sobre a questão nuclear iraniana e está disposta a fortalecer a coordenação com o Irão para salvaguardar os interesses comuns dos dois lados.

Segundo Xi, “a China e o Irão deram as mãos para lutar contra a pandemia de COVID-19 e alcançar resultados positivos na cooperação prática bilateral. Os dois países apoiam-se firmemente nos assuntos que envolvem os seus respectivos interesses essenciais e principais preocupações e consolidaram amplamente a sua confiança mútua estratégica, defendendo resolutamente a equidade e a justiça internacionais”.

Observando que este ano marca o 50º aniversário do estabelecimento de laços diplomáticos entre a China e o Irão, Xi enfatizou que as relações bilaterais se encontram num momento histórico importante para construir sobre as conquistas do passado e seguir em frente no futuro. “A China dá grande importância ao seu relacionamento com o Irão e está pronta para trabalhar com o lado iraniano para aproveitar o 50º aniversário como uma oportunidade para fortalecer a cooperação em vários campos e esforçar-se-á por um progresso sólido no desenvolvimento da sua parceria estratégica abrangente”, sublinhou.

Xi assinalou que a China também continuará a desempenhar um papel construtivo na busca de uma solução rápida e justa para a questão palestiniana e está disposta a trabalhar com o Irão para fortalecer a comunicação e a cooperação nos assuntos regionais e internacionais e promover conjuntamente a segurança e a estabilidade regionais.

De sua parte, Rouhani afirmou que “a China controlou a pandemia com sucesso e forneceu ao Irão e a outros países um valioso apoio e ajuda para sua resposta, pelo que o Irão é sinceramente grato”.

Observando que os dois países têm mantido uma cooperação amigável, disse que o Irã se mantém firmemente fiel à política de “Uma Só China” e apoia firmemente a China na salvaguarda da soberania nacional e integridade territorial.

“O Irão está disposto a trabalhar com a China para fortalecer a cooperação estratégica, expandir a cooperação mutuamente benéfica em áreas como a economia, comércio e energia e promover a cooperação na iniciativa Uma Faixa, Uma Rota”, afirmou. “O plano de cooperação recentemente assinado pelos dois países abriu perspectivas mais amplas para a cooperação de benefício mútuo no futuro”, assinalou Rouhani.

O presidente iraniano acrescentou que o Irão aprecia as posições justas da China nos assuntos regionais como o JCPOA e o conflito Palestina-Israel, e espera continuar a comunicação e a coordenação próximas com a China para se opor ao unilateralismo e ao hegemonismo, salvaguardar seus próprios interesses legítimos e manter a paz e a segurança regionais.

Vietname | Xi Jinping espera uma comunidade estratégica com um futuro partilhado

Uma nova era desponta nas relações entre Pequim e Hanói. É hora de aprofundar a cooperação, entendem os dois líderes.

 

O presidente chinês, Xi Jinping, disse na segunda-feira que a China está pronta para fazer esforços activos com o Vietname para transformar os dois países “numa comunidade com um futuro partilhado de significado estratégico”.

O presidente chinês fez estas declarações numa conversa telefónica com o presidente vietnamita, Nguyen Xuan Phuc, e pediu-lhe que transmita “as suas sinceras saudações” ao secretário-geral do Comité Central do Partido Comunista do Vietname, Nguyen Phu Trong.

“A China e o Vietname estão ligados por montanhas e rios”, afirmou Xi, apontando que a amizade tradicional de “camaradagem e fraternidade” é o tesouro comum dos dois partidos e países e que a boa vizinhança é o grande quadro do desenvolvimento das relações entre os dois partidos e países.

“O Partido Comunista da China está prestes a celebrar o seu centenário. A China embarcou numa nova jornada de construção plena de um país socialista moderno e o Vietname também se está a esforçar para alcançar as suas duas metas centenárias”, observou Xi.

“Os dois lados devem ver e compreender as relações entre os dois partidos e países de uma perspectiva estratégica e de longo prazo e definir a direcção certa para o avanço das relações China-Vietname”, sugeriu Xi. Segundo o presidente, o partido comunista e o governo chinês aderem firmemente a uma política amigável em relação ao Vietname e apreciam que a nova liderança continue a dar prioridade aos laços com a China na sua política externa.

Fiéis à amizade tradicional

“A China está disposta a trabalhar com o Vietname para permanecer fiel à aspiração original da sua amizade tradicional, ter em mente os ideais e as missões históricas partilhados pelos dois lados, e tornar continuamente sua cooperação estratégica abrangente mais relevante na nova era, de modo a injectar um novo impulso no desenvolvimento das relações entre os dois partidos e países, bem como suas causas socialistas”, acrescentou.

Xi destacou que os dois lados devem continuar a aproveitar as vantagens especiais de suas trocas interpartidárias para aprofundar a partilha de experiências sobre governação estatal. Xi também instou esforços concertados para expandir continuamente o comércio bilateral, acelerar a conexão da infraestrutura e explorar plenamente o potencial de cooperação de novas formas de negócios e novas forças motrizes, a fim de servir melhor o desenvolvimento económico e social de ambos os países.

Os dois lados devem fortalecer os intercâmbios pessoais, acelerar a implementação dos projectos apoiados pela China para o bem-estar público no Vietname e trazer mais resultados de sua cooperação de benefício mútuo para as pessoas em ambos os países. “Devemos prosseguir a boa tradição de unidade e apoio recíproco, dar as mãos para abordar e controlar efectivamente a pandemia de COVID-19, e proteger substancialmente a vida e a saúde das pessoas”, assinalou Xi. “A China está pronta para continuar a fornecer toda a assistência dentro de sua capacidade para a luta do Vietname contra a pandemia”, acrescentou.

Vietname saúda riqueza chinesa

Por sua vez, Phuc transmitiu as saudações cordiais de Trong a Xi e felicitou calorosamente o Partido Comunista da China (PCC) pelo seu próximo centenário.

Phuc disse que “sob a forte liderança do PCC com Xi no centro, a China superou o impacto do surto da COVID-19 e alcançou a vitória nas três grandes batalhas de combate à pandemia, restauração da economia e redução da pobreza, e que a vida do povo chinês nunca foi tão feliz como hoje”.

“O lado vietnamita felicita sinceramente a China pela sua grande transformação bem-sucedida de se levantar para ficar rica e se tornar mais forte”, disse, acrescentando que seu país acredita e deseja que “a China alcance conquistas ainda maiores na sua jornada em direção à meta do segundo centenário”.

Observando que o Vietname e a China são “irmãos e vizinhos”, Phuc afirmou que o lado vietnamita apoia a China socialista, busca firmemente uma política externa independente e continuará a promover convictamente sua amizade com a China.

“O Vietname está pronto para implementar seriamente consensos de alto nível entre os dois países, intensificar os intercâmbios políticos, fortalecer a solidariedade e a confiança mútua e aprofundar a cooperação de benefício mútuo em áreas como a economia, comércio, controle epidémico, e intercâmbios de jovens e de pessoas, bem como em nível local. Isso ajudará a elevar as relações entre os dois partidos e os dois países a novos patamares e contribuirá para a paz regional e o desenvolvimento da causa socialista”, concluiu.

Associação Halftone quer acolher todos os amantes da fotografia

Chama-se Halftone e é a nova associação de fotografia que pretende revelar trabalhos de fotógrafos profissionais e amadores, e também organizar formações, tertúlias e debates. O pontapé de saída para o novo projecto é dado amanhã com a inauguração de uma exposição na Livraria Portuguesa

 

O mote foi dado por João Miguel Barros: e se a fotografia unisse um grupo de pessoas para fazer coisas e mostrar o que se vai fotografando no território, seja de forma profissional ou amadora? Foi assim que 18 associados se juntaram para formar a Halftone, uma nova associação de fotografia, que será oficialmente apresentada amanhã às 18h30 na Livraria Portuguesa, com a inauguração de uma exposição.

João Miguel Barros, advogado e fotógrafo, contou ao HM que os associados fundadores depressa perceberam que poderiam fazer muito mais do que simplesmente editar uma revista de fotografia. Esse é um dos objectivos, editar uma publicação três vezes por ano com portfólios de fotografias de associados. Mas existem mais ideias em cima da mesa.

“Fomos ambiciosos e este grupo criou uma dinâmica muito grande”, disse. “O site vai começar a crescer e vai ser alimentado com trabalhos dos associados. Vamos tentar criar um blogue para se falar de fotografia. Estamos a apostar muito nesta dinâmica de fazer coisas e uma das partes do programa que vai ser muito desenvolvido é a formação”, adiantou.

A ideia é “promover o debate em torno da fotografia e arranjar programas que possam ser pequenos workshops, dirigidos aos jovens e às escolas”, contou João Miguel Barros. Sobre a exposição que abre portas amanhã, o responsável adiantou que não tem um tema específico e que cada associado enviou uma imagem da sua autoria.

Aposta na diversidade

A Halftone, apesar de ser fundada por 18 associados portugueses, quer ser totalmente abrangente. “O nosso grande objectivo é fazer participar fotógrafos, artistas e pessoas interessadas da comunidade chinesa e macaense. Esta não é uma associação de portugueses e já temos um conjunto de pessoas que estão interessadas em participar. Temos vontade de crescer.”

Esta é, portanto, “das associações mais abertas e inclusivas que se possa imaginar”. “Hoje em dia é muito simples a facilidade da fotografia, pois qualquer bom telefone faz fotografias maravilhosas. A ideia é, dentro das tertúlias, falar de outros fotógrafos já consagrados, e isto pode ser um abrir de olhos”, considerou João Miguel Barros.

Criar a associação e não apenas lançar uma revista permite ao grupo “ter uma estrutura institucional para fazer outro tipo de coisas”. A Halftone pode, assim, “ter uma representação e aceitação junto da sociedade de Macau e ter uma maior credibilidade em relação aos seus próprios projectos”.

A diversidade é uma das ideias centrais por detrás da iniciativa. “Há uma identidade grande relativamente a objectivos comuns, apesar de os associados fundadores terem práticas profissionais completamente diferentes. Há fotógrafos profissionais, amadores, pessoas que gostam do preto e branco, outras que gostam da cor. Há quem goste de fotografia mais documental. Esta associação acaba por ser um ponto de encontro de muita diversidade”, rematou João Miguel Barros.

Além de João Miguel Barros, são membros fundadores da Halftone André Ritchie, António Duarte Mil-Homens, António Sotero, Catarina Cortesão, David Antunes, Francisco Ricarte, Gonçalo Lobo Pinheiro, João Palla Martins, João Rato, José Sales Marques, Nuno Martins, Nuno Sardinha da Mata, Nuno Tristão, Nuno Veloso, Pedro Benjamim, Ricardo Pinto e Sara Augusto.

TSI | Inspector da DSAL condenado a mais de quatro anos de prisão

O Tribunal de Segunda Instância confirmou a pena de quatro anos e seis meses de prisão efectiva a um inspector da DSAL por corrupção passiva para acto ilícito, abuso de poder e falsificação. Em causa, está a obtenção de vantagens em troca do arquivamento de um caso relacionado com a lei de contratação de TNR

 

O Tribunal de Segunda Instância (TSI) vai manter a decisão da primeira instância de condenar um inspector especialista principal da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) a uma pena de quatro anos e seis meses de prisão efectiva. O caso remonta a 2016.

Segundo o acórdão divulgado ontem, o TSI deu como provada a prática dos crimes de corrupção passiva para acto ilícito, abuso de poder e falsificação praticada por funcionário a que o suspeito tinha sido condenado pelo Tribunal Judicial de Base.

Em causa, de acordo com a decisão do tribunal superior, está a tentativa de aliciamento de um empregador por parte do suspeito para “resolver o problemas das infracções” relacionadas com a lei de contratação de trabalhadores não residentes (TNR), nomeadamente, o facto de não ter efectuado o pagamento mensal do subsídio de alojamento de 500 patacas a alguns trabalhadores, bem como a distribuição de tarefas que não faziam parte da área de trabalho inicialmente prevista (manipulador de ingredientes químicos).

“A [o inspector], visando obter vantagem patrimonial indevida, através de D [TNR], convidou, particular e activamente, o empregador E para um encontro num restaurante em Zhuhai. Na ocasião, A pediu a E que lhe pagasse uma quantia de 50.000 patacas, com vista a resolver o problema das infracções cometidas (…) mas E recusou o pedido de A. Posteriormente, E redigiu uma carta de reclamação que foi dirigida ao Comissariado contra a Corrupção de Macau [CCAC] para denunciar o aludido acto praticado por A”, pode ler-se no acórdão.

Visando impedir que o CCAC verificasse o conteúdo da denúncia, o funcionário não fez constar do processo da DSAL “documentos relevantes que podiam ilustrar as infracções cometidas pela companhia B [suspeita de violar a lei]”, pelo que “factos falsos” passaram a constar no relatório final do processo, fazendo com que um chefe de departamento substituto da DSAL acabasse por arquivar o processo com base no relatório elaborado pelo funcionário.

Recurso negado

Após a decisão do Tribunal Judicial de Base, o funcionário da DSAL interpôs recurso para o TSI argumentando “ter mantido o silêncio desde o princípio” e por considerar que o tribunal teve, “irrazoavelmente, a tendência de adoptar os depoimentos das testemunhas”, esquecendo-se de ponderar “a conclusão contrária indicada pelas demais provas”, o que faria com que fosse aplicado o princípio “in dubio pro reo por se verificar ainda ‘dúvida’ nas provas”.

Após averiguar, o TSI afirma ter analisado “objectivamente as provas” e ajuizado “conforme o princípio da livre convicção, os factos criminosos praticados”. “Não merecia provimento o motivo do recurso invocado por A [funcionário da DSAL], no que respeita à insuficiência de facto para demonstrar a prática, pelo mesmo, de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, um crime de abuso de poder e um crime de falsificação praticada por funcionário”, pode ler-se no final do acórdão.

Saúde | Testes de ácido nucleico motivam subida de 627% das análises laboratoriais

A realização de testes de ácido nucleico fez disparar o número de análises laboratoriais em 2020. De resto, as estatísticas de saúde divulgadas ontem revelam que no ano passado houve menos médicos em Macau, bem como atendimentos em urgências e operações

 

Num ano marcado pela pandemia, os serviços complementares de diagnóstico e terapêutica nos cuidados de saúde primários aumentaram 295,5 por cento comparativamente a 2019. A variação deve-se principalmente aos novos serviços de teste de ácido nucleico para a covid-19, que levaram o número de análises de laboratório a subir 627,3 por cento para 1.818.362.

As informações foram reveladas pelo relatório das estatísticas da saúde referentes a 2020, publicado pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC). Nos hospitais, registaram-se mais de 1,9 milhões de testes de ácido nucleico.

Em 2020, foram realizadas 1,7 milhões de consultas externas dos hospitais, o que representa uma descida de 7,9 por cento. Em tendência decrescente esteve também o recurso aos serviços de urgência, cerca de 342 mil ocorrências que representam menos 30 por cento. A maioria das pessoas foi admitida nas urgências por ter adoecido, seguindo-se como causas a gravidez (8.655) e acidentes de viação (2.103).

As estatísticas da saúde revelam que no ano passado o número de médicos em Macau diminuiu em relação a 2019. Macau contava com 1.789 médicos no total, 872 deles em hospitais, e 2.568 enfermeiros. As estatísticas revelam também diferenças entre as profissões desempenhadas por homens e mulheres em contexto hospitalar: 60,3 por cento dos médicos eram homens e 86,9 por cento das enfermeiras eram mulheres. No ano passado, o número de médicos especialistas nos hospitais do território diminuiu dois por cento para 528, sendo que 104 eram de medicina interna e 78 de cirurgia geral.

Menos operações

No ano passado, as cirurgias diminuíram 6,8 por cento para 18,2 mil. Destes, as operações de oftalmologia registaram uma quebra de 30 por cento. A maioria dos doentes internados nos hospitais era de cirurgia geral, seguindo-se utentes de ginecologia/obstetrícia e de pediatria/neonatologia. “A taxa de utilização das camas de internamento foi 66,2 por cento, tendo descido 12,1 pontos percentuais, em termos anuais, devido ao aumento de camas e à redução do total de dias de internamento”, refere o relatório.

Note-se que os dadores efectivos de sangue aumentaram 3,5 por cento no ano passado, sendo que mais de um terço tinham idades entre os 25 e os 34 anos. O número de dádivas de sangue também aumentou, chegando às 16.541, das quais cerca de três mil se deram pela primeira vez. Além disso, o Centro de Transfusões de Sangue forneceu mais de 25 mil unidades de sangue aos hospitais.

Amélia António eleita presidente da Casa de Portugal em Macau pela oitava vez

Num ano marcado por incertezas decorrentes da pandemia, Amélia António foi reeleita para continuar a dirigir a Casa de Portugal em Macau. O caso do restaurante “Lvsitanvs” e a situação da Escola de Artes e Ofícios estão entre os problemas que vai procurar resolver

 

Amélia António foi eleita ontem pela oitava vez presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), por unanimidade. No total, participaram 54 pessoas no acto eleitoral que contou com uma lista única. A encabeçar a lista encontrava-se Amélia António e Ricardo Igreja como vice-presidente. Os presidentes da mesa da Assembleia-Geral e do Conselho Fiscal são João Antunes e Armindo Vaz, respectivamente.

Pela frente têm um mandato com dois anos de duração e algumas incertezas para enfrentar. “Nós avançamos, fazemos planos, esforçamo-nos, mas com uma dose de incógnita muito grande, que cria muita dificuldade em programar e em gerir”, explicou Amélia António ao HM.

As fundamentais perguntas “quando é que a covid deixa abrir as portas”, ou “como serão os apoios do próximo ano” ainda não têm resposta. Assim sendo, o os objectivos imediatos do mandato que aí vem passam por manter a actividade “o mais possível” e ir ao encontro dos elementos que as pessoas mais solicitam e esperam que se concretizem. “Nestas incógnitas todas e depois de termos vivido quase dois anos nesta situação, é muito difícil programar, fazer orçamentos”, indicou a advogada.

“É evidente que há coisas fundamentais: conseguir finalmente resolver os problemas do Lvsitanvs e pôr as coisas a funcionar é uma ajuda. Além da gastronomia, o espaço tem capacidade para organizarmos actividades de divulgação cultural e de promoção”, disse Amélia António. Dadas as dificuldades em encontrar locais onde realizar actividades, acrescentou que tendo “um espaço onde, até pelos termos do contrato, somos obrigados a fazer essas coisas, ajuda um bocadinho”.

Os cortes orçamentais criam também uma incógnita sobre a situação da Escola de Artes e Ofícios, com rendas elevadas a inflaccionarem o preço dos cursos. “A vida está difícil e as pessoas quando veem o preço a subir ficam desalentadas”, observou. Apesar das dificuldades, permanece a motivação: “o que é preciso é vontade, insistência e persistência e ver o que se consegue fazer”.

Sem renegociação

Está previsto que o restaurante Lvsitanvs funcione no edifício da Casa de Vidro, no Tap Siac. A presidente da CPM explicou que o Instituto Cultural está a fazer obras, dado que os bombeiros exigiram uma segunda porta. “Neste momento, tenho esperança que as coisas possam funcionar mais rapidamente do que tudo apontava aqui há um mês”, analisou. O contrato não sofreu alterações. “O que está pago vai entrar em linha de conta com os meses que se vão ter de pagar, mas não há renegociação de condições propriamente ditas, não é possível. São possíveis acertos face às dificuldades técnicas que apareceram”, explicou.

Saúde | Sulu Sou quer protecção para grávidas que trabalhem por turnos

Sulu Sou afirma em interpelação escrita que estudos publicados em revistas médicas internacionais revelam que trabalhar por turnos duas vezes por semana aumenta 33 por cento o risco de aborto espontâneo de trabalhadoras grávidas. Assim, questiona que medidas serão adoptadas a curto prazo para proteger a saúde materna no local de trabalho, e se será proibido os empregadores exigirem turnos durante a gravidez ou poucos meses após o parto.

Sulu Sou baseia-se no plano dos “Objectivos do Desenvolvimento das Mulheres de Macau”, cujas medidas a curto prazo englobam o estudo de “normas legais e políticas encorajadoras, com vista a criar mecanismos especiais de garantia para mulheres grávidas e puérperas que precisem de trabalhar em turnos”. O deputado aponta que o prazo de implementação termina este ano e ainda não existem medidas nesse sentido.

A amamentação também se encontra entre as preocupações do democrata. O deputado quer saber se a lei será alterada para garantir que é dado tempo adequado para as funcionárias que precisam de amamentar durante o trabalho, e garantias de remuneração. Além disso, criticou o número de dias de licença de maternidade.

Uma alteração recente à Lei das Relações de Trabalho aumentou o tempo de licença para 70 dias, mas o deputado aponta que é ainda inferior ao do sector público, regiões vizinhas e padrões internacionais. “Quando é que a lei vai ser revista para, pelo menos, unificar o número de dias de licença de maternidade para entidades públicas e privadas?”, pode ler-se na interpelação.

4 de Junho | Rejeitada vigília no Senado por violar Código Penal

Pelo segundo ano consecutivo, a vigília em memória do massacre de Tiananmen não irá acontecer. Segundo Au Kam San, para além de argumentar que a organização do evento não tem capacidade para cumprir medidas de prevenção da pandemia, o CPSP apontou que a vigília pode resultar em crimes de incitamento à alteração violenta do sistema estabelecido, calúnia e ofensa a pessoa colectiva

 

O Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) rejeitou pelo segundo ano consecutivo a realização da vigília em memória do massacre de Tiananmen, agendada para o próximo dia 4 de Junho. A decisão consta de um despacho emitido ontem pelas autoridades e enviado a Au Kam San, que assenta, não só na falta e capacidade da organização de cumprir as medidas de prevenção da pandemia, mas também no facto de considerar que, à luz do que aconteceu em anos anteriores, o evento constitui uma violação ao código penal.

Segundo revelou ontem Au Kam San, um dos organizadores da iniciativa da União para o Desenvolvimento Democrático, esta foi a primeira vez em mais de 30 anos que a polícia apontou razões políticas e alegou que o evento pode violar o Código Penal.

Mais concretamente, explicou o deputado, no despacho do CPSP pode ler-se que, tendo por base os acontecimentos e práticas dos anos anteriores, o pedido de realização da vigília viola os artigos do Código Penal que correspondem aos crimes de “Publicidade e calúnia”, “Ofensa a pessoa colectiva que exerça autoridade pública” e “Incitamento à alteração violenta do sistema estabelecido”.

“No despacho enviado pela polícia constam, em anexo, explicações sobre a forma como a nossa organização viola os artigos do Código Penal. Os anexos citam slogans plasmados em cartazes das vigílias dos anos anteriores e alguns deles, de facto, não estão relacionados com o tema. Por exemplo, durante as vigílias realizadas em anos anteriores, algumas pessoas mostraram cartazes onde se podiam ler palavras de ordem como “o Governo Central prejudica o país e a população” e a polícia considerou que fomos nós que criámos esses cartazes. Mesmo que esses cartazes não tenham sido responsabilidade da nossa organização, a polícia juntou tudo e usou-os como justificações para nos acusar das violações [à lei], acabando por recusar o nosso pedido de reunião”, partilhou com o HM.

Au Kam San acrescentou ainda que considera a decisão injusta porque “os materiais referidos no despacho não estavam dentro da área da vigília” e foram considerados calúnias dirigidas ao Governo Central.

“É feita referência a um cartaz que diz ‘os mártires da democracia vivem para sempre’ e que a polícia afirmou tratar-se de uma calúnia ao Governo Central”, acrescentou. Os organizadores vão apresentar recurso ao Tribunal de Última Instância (TUI), revelou ainda Au Kam San.

Em vão

O aviso prévio para a realização da vigília em memória do massacre de Tiananmen foi entregue pela União para o Desenvolvimento Democrático na semana passada, com a previsão inicial da participação de 100 pessoas entre as 20h e as 22h no Largo do Senado.

Antes de ser conhecida a decisão da polícia, Au Kam San revelou ter reunido na passada segunda-feira com representantes do CPSP e dos Serviços de Saúde para discutir os detalhes da vigília. Na altura, a única preocupação demonstrada pelas autoridades estava relacionada com a capacidade de garantir que não existe concentração de pessoas na zona envolvente ao evento.

“Basicamente, transmiti que conseguimos estipular um número de participantes [100] e garantir, tanto a verificação do código de saúde e da temperatura corporal à entrada, como a manutenção do distanciamento social e a utilização de máscaras durante a realização do evento. No entanto, fui questionado sobre a forma como será controlado o fluxo de pessoas que decidirem assistir à vigília. Sobre isso, respondi que não temos solução, pois não detemos o poder público para exigir, eventualmente, a saída dessas pessoas, que não fazem parte dos participantes”, explicou Au Kam San ao HM.

Ng Kuok Cheong, outro organizador do evento, quando questionado inicialmente se esperava obter o aval para realizar a vigília, disse acreditar que “seria realizada se não fossem considerados factores políticos”.

Recorde-se que 2020 foi a primeira vez em que a data não foi assinalada no território em 30 anos, no seguimento de as autoridades terem proibido a vigília do ano passado devido à impossibilidade cumprir regras de prevenção da pandemia. Ainda assim, no dia 4 de Junho a presença da polícia fez-se sentir, com várias pessoas a ser identificadas e detidas.

Acordo China-UE | A “validade” de um documento marcado por “tensões” geopolíticas

O Parlamento Europeu interrompeu a análise do Acordo China-União Europeia em matéria de investimentos enquanto vigorarem sanções. O compasso de espera não invalida a qualidade do documento, defende Paulo Canelas de Castro, docente da Universidade de Macau. Carmen Amado Mendes chama atenção para a possível fuga de empresas chinesas dos Estados Unidos em busca do mercado europeu
Com Lusa

 

Depois de sete anos de diálogos, tudo parecia encaminhar-se no bom sentido para a assinatura do Acordo China-União Europeia (UE) em matéria de investimentos, a fim de assegurar um maior equilíbrio e transparência na forma como as empresas europeias chegam ao mercado chinês.

No entanto, no passado dia 20, houve uma espécie de retrocesso, uma vez que o Parlamento Europeu (PE) recusou analisar o Acordo enquanto Pequim não levantar as sanções impostas a responsáveis europeus, incluindo cinco eurodeputados. O PE condenou, através de uma resolução, as sanções “infundadas e arbitrárias” recentemente impostas pelas autoridades chinesas a várias entidades europeias e responsáveis políticos, incluindo cinco membros do PE e da subcomissão de Direitos Humanos.

Para Paulo Canelas de Castro, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Macau (UM) e um dos oradores de uma palestra promovida pelo Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM) sobre o tema, defendeu ao HM que continua a estar em causa um documento de qualidade, mas que tensões geopolíticas estão a afectar as negociações.

“Era previsível. O quadro geral das relações entre os grandes parceiros na comunidade internacional não está propriamente sereno. Há tensões e um reaparecimento de tendências geopolíticas que estão a afectar vários dossiês da governação global. Claramente estão a ter um impacto neste dossier.”

O docente fala que “era previsível que no PE houvesse alguns estados de alma sobre esta matéria, mas o discurso adensou-se politicamente”. Apesar de considerar que “a governação global não permite divórcios entre os grandes players”, a verdade é que “não há, para já, uma expectativa de que isto venha a ter o desenlace feliz que se esperava”.

“O Acordo é, em si mesmo, válido e pode ser criador de boas tendências no âmbito da governação global, mas [o lado político] está a afectar uma boa parte”, acrescentou.

A verdade é que o lado económico vai estar sempre presente. “Ninguém tem dúvidas de que a China ainda vai ter muita necessidade de investimento, como também não há dúvidas de que a UE, saída da pandemia, também vai estar aberta a um investimento [chinês] que sempre viu como criador de riqueza e de inovação.”

A resolução adoptada em Bruxelas a 20 de Maio sublinha que qualquer consideração pelo PE do chamado Acordo Global sobre Investimento (CAI), objecto de um acordo de princípio entre a UE e a China em Dezembro de 2020, fica “justificadamente congelada” devido às sanções chinesas, bem como qualquer discussão sobre a ratificação obrigatória do pacto por parte dos eurodeputados.

Apontando o levantamento das sanções como condição fundamental para a análise do acordo, o PE advertiu que continua completamente em aberto o “resultado final do processo de ratificação do CAI” e sublinha que “irá levar em consideração a situação dos direitos humanos na China, incluindo em Hong Kong, ao decidir se subscreve ou não” o Acordo.

O PE apontou, no entanto, que outros acordos comerciais e de investimento com parceiros regionais, incluindo Taiwan, não devem ser mantidos reféns pela suspensão da ratificação do CAI.

Uma questão de imagem

Carmen Amado Mendes, académica na área das relações internacionais, com estudos sobre Macau e China, citou um estudo do Pew Research Center, publicado em Outubro do ano passado, sobre a mudança de posturas de 14 economias em relação à China entre os anos de 2007 e 2020. E o cenário é negativo.

“Na maior parte dos países revelou-se um aumento de avaliações negativas em relação à China. O único país da UE onde não se verificou uma mudança significativa foi Itália, com uma média de 62 por cento de avaliação negativa nesse período”, disse.

Para a académica, que dirige o Centro Cultural e Científico de Macau (CCCM), “o facto de a visão negativa em relação à China continuar a crescer de forma contínua desde 2007, e que é abrangente em várias áreas da população da UE, é o problema central para a China implementar de forma bem-sucedida as suas relações com a UE”.

Neste sentido, “a falha da China em estabelecer iniciativas de soft-power bem-sucedidas, e providenciar um elevado nível de transparência em diversas actividades e iniciativas em curso, mantém obstáculos à aceitação de muitos dos seus objectivos”, acrescentou ainda.

O lado Biden

Carmen Amado Mendes defendeu na palestra online promovida pelo IEEM que as sanções impostas pela Administração Biden poderão obrigar a China a olhar para outros mercados.

“O capital chinês não é infinito e, como resultado, a China necessita garantir um constante fluxo de Investimento Estrangeiro Directo (FDI, sigla inglesa). Depois da eleição do Presidente Biden, a necessidade da China de um constante fluxo de FDI vai tornar-se mais importante devido ao facto de a Administração Biden continuar a sancionar as empresas chinesas.”

Segundo a responsável, tal “significa que, mais cedo ou mais tarde, as empresas chinesas vão ser forçadas a deixar o mercado americano e a procurar novas possibilidades”. Nesse sentido, “o Acordo iria permitir à Europa posicionar-se como receptor de uma nova onda de investimento chinês”. Com Joe Biden na presidência dos EUA, poderá haver “uma adaptação à presumível partida de um número de empresas chinesas dos EUA com uma correspondente afluência para a UE, em resultado do que poderemos chamar de efeito Biden”.

Pelo contrário, Paulo Canelas de Castro diz não notar uma imediata relação causa-efeito. “Não estou convencido de que as sanções tenham imediatamente um efeito no desvio do comércio. Mas há de facto uma concorrência a nível global relativamente a investimento. Mas é em ambos os sentidos, o investimento estrangeiro directo hoje em dia não é apenas da UE para a China, mas também no sentido oposto.”

O docente da UM fala da possibilidade de uma “enorme margem de crescimento”, até porque os números de investimento são “ainda escassos para a dimensão dos dois players no mercado global dos investimentos internacionais”.

Ainda sobre a Administração Biden, Paulo Canelas de Castro lembrou que o país tem vindo a assumir uma postura ambivalente. “Da mesma forma que trouxeram muitas críticas relativamente a alguns players importantes no plano internacional, não só a China, mas também a Rússia, o que redundou em sanções que têm sempre uma consequência sobre projectos de cooperação, também têm aberto portas de diálogo.”

Carmen Amado Mendes lembrou que o Acordo China-UE sempre teve como objectivos “a definição de regras mais equilibradas” entre os dois actores mundiais. “Hoje em dia continua a ser relativamente difícil às empresas europeias entrarem no mercado chinês. As empresas de saúde europeias são um exemplo que iriam beneficiar com um maior acesso ao mercado chinês.”

Covid-19 | Hong Kong pode ter de deitar fora milhões de vacinas face à desconfiança da população

Um especialista de Hong Kong alertou que a desconfiança da população em relação às vacinas contra a covid-19 poderá obrigar as autoridades a deitar fora milhões de doses da Pfizer-BioNTech, que expiram nos próximos três meses.

“Todas as vacinas têm uma data de validade”, disse hoje Thomas Tsang, antigo responsável do Centro de Proteção da Saúde, à rádio estatal RTHK.

“Não podem ser utilizadas após a data de expiração, e os centros de vacinação que administram a [vacina] BioNTech deixarão de funcionar após setembro, de acordo com o calendário atual”, acrescentou.

“O mundo inteiro luta para conseguir vacinas”, sublinhou, considerando “injusto” que Hong Kong não esteja a utilizar as doses disponíveis.

A antiga colónia britânica é um dos raros territórios do mundo a ter conseguido doses suficientes para vacinar toda a população, de 7,5 milhões de habitantes, mas a campanha de vacinação está longe do sucesso esperado, muito por causa da desconfiança em relação ao Governo local, considerado por muitos como o braço da repressão da China, após as manifestações de 2019.

Na origem da fraca procura das vacinas poderá estar também a falta de informação e a baixa circulação do vírus em Hong Kong, levando muitas pessoas a considerar que não há urgência na vacinação.

A relutância em relação à vacinação é partilhada até pelos trabalhadores do setor da saúde. Há algumas semanas, as autoridades hospitalares revelaram que apenas um terço do pessoal, considerado prioritário, tinha sido vacinado, de acordo com a agência France-Presse (AFP).

Hong Kong comprou 7,5 milhões de doses da vacina desenvolvida pela empresa farmacêutica norte-americana Pfizer e a alemã BioNTech, e igual número de doses da vacina da farmacêutica chinesa Sinovac, que ainda não foi aprovada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Hong Kong também tinha encomendado previamente 7,5 milhões de doses da vacina da AstraZeneca, antes de recuar, explicando que preferia utilizar o orçamento para vacinas de segunda geração.

Até agora, Hong Kong recebeu quase 3,3 milhões de doses da vacina da Pfizer-BioNTech, mas apenas 1,2 milhões foram administradas.

Segundo a AFP, 19% da população recebeu a primeira dose, tendo 14% completado a vacinação. Nas últimas semanas, políticos de Hong Kong sugeriram que a antiga colónia britânica deveria enviar as doses não utilizadas para o estrangeiro, se mais habitantes não solicitarem a vacina.

No início deste ano, o Governo anunciou a distribuição de vales de compras de 5.000 dólares de Hong Kong para impulsionar a economia, tendo havido propostas de que fossem condicionados à vacinação.

A chefe do executivo, Carrie Lam, rejeitou no entanto hoje a sugestão. “Oferecer dinheiro ou algo tangível para levar as pessoas a serem vacinadas não deve ser feito pelo governo”, disse, considerando que isso poderia “ter o efeito oposto ao pretendido”.

Timorenses em Macau recolhem mais de 63 mil patacas para ajudar vítimas das cheias

A comunidade de Macau angariou 63.460 patacas para apoiar a localidade timorense de Laclubar, afectada pelas cheias, um montante que fará “enorme diferença”, disse à Lusa o delegado de Timor-Leste do Fórum de Macau.

Através da Conta Solidariedade Timor-Leste do Banco Nacional Ultramarino em Macau (BNU), lançada pela delegação de Timor-Leste no Fórum de Macau e pela Associação de Amizade Macau-Timor, aberta de 28 de Abril a 20 de Maio, foram angariadas 47.460 patacas e o Fórum de Macau doou mais 16.000 patacas.

À margem da cerimónia de Doação para as Vítimas da Inundações de Timor-Leste, que decorreu no antigo território administrado por Portugal, o delegado de Timor-Leste Fórum de Macau, Danilo Lemos Henriques explicou que após as inundações em Timor-Leste, ocorridas no início de abril, houve “muita dificuldade no acesso ao distrito”.

“Três quilómetros de estrada caíram e também a ponte de ligação. Eles não tiveram oportunidade de comprar materiais, nem alimentos”, sendo que os alimentos que chegaram tiveram de ser transportados de helicóptero, detalhou o responsável.

No total, “111 casas foram destruídas completamente” e “as famílias ficaram sem roupas, sem livros, sem brinquedos”, entre outros, disse.

O dinheiro angariado, explicou, será coordenado pela Fundação Ordem Hospitalar de São João de Deus e pelas autoridades locais, que “vão administrar este fundo para depois comprar as necessidades básicas que as populações necessitam”.

No Posto Administrativo de Laclubar, no município de Manatuto, a cerca de 90 quilómetros a leste da capital timorense, 111 casas foram totalmente destruídas e mais de 230 danificadas, num total de 345 famílias em seis aldeias afetadas.

As cheias, que provocaram 32 mortos e nove desaparecidos, presumidos mortos, destruíram ou danificaram quase 29 mil casas em vários pontos do país, destruindo mais de 3.700 hectares de campos agrícolas, especialmente nos municípios de Manatuto, Bobonaro, Liquiçá e Viqueque.

O último relatório preparado pelo Ministério da Administração Estatal, em coordenação com a Unidade de Missão da Proteção Civil e Gestão de Desastres Naturais, a que a Lusa teve acesso, mostra que até ao momento foram apoiadas menos de 15 mil famílias em todo o país.

Mais de metade das 33 mil famílias afectadas pelas cheias do início de Abril em Timor-Leste continuam, um mês depois do desastre natural, sem receber apoio, com mais de 3.000 pessoas ainda desalojadas, segundo o último relatório.

Durante a cerimónia realizada em Macau, que contou com representantes lusófonos do Fórum de Macau e do BNU, encontravam-se em directo por videoconferência, representantes das comunidades locais do posto Administrativo de Laclubar.

Um deles, Francisco Reis de Araújo, professor de ensino superior em Díli, “em nome do povo de Laclubar, principalmente das famílias vítimas” o apoio financeiro que hoje receberam “fruto da contribuição do povo irmão de Macau, dos irmãos timorenses residentes em Macau, às associações dos países de língua portuguesa em Macau.

A acrescentar a este desastre humanitário, Timor-Leste está a viver o pior momento da pandemia. Timor-Leste registou hoje mais 179 infeções com o SARS-CoV-2, dos quais 10% com sintomas da covid-19, segundo o balanço diário divulgado pelo Centro Integrado de Gestão de Crise (CIGC).

Timor-Leste acumula actualmente 5.816 casos de infeção desde o início da pandemia. Sobre este ponto, o delegado de Timor-Leste no Fórum de Macau, frisou o papel que a China tem tido na ajuda ao país. “Desde o início do surto de covid-19 em Timor-leste, a China foi o primeiro país a oferecer assistência e doações”, como equipamentos pessoais de higiene, medidores de temperatura, indicou. “A China continua a ser, como outros países também, um dos grandes parceiros de Timor-Leste nesta luta contra a covid-19”, disse.

Arquitectura | “Interligações” é o projecto de Macau na Bienal de Veneza

Macau volta a estar representado, pela quarta vez, na Bienal de Arquitectura de Veneza, que ano chega à 17ª edição. O Pavilhão de Macau-China foi inaugurado no último sábado e trata-se de um projecto da autoria de quatro arquitectos locais, Ho Ting Fong, Che Chi Hong, Lao Man Si e Chan Ka Tat. A curadoria esteve a cargo do arquitecto Carlos Marreiros.

O tema deste ano da Bienal de Arquitectura é “Como iremos viver juntos?”, tendo a equipa de Macau apresentado “quatro obras de diferentes estilos” sob a temática “Interligações – Vida Transfronteiriça na Grande Baía”. A ideia do projecto é “traçar o panorama urbano da futura cidade de Macau e reflectir sobre a simbiose e os desafios decorrentes da profunda integração da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”.

O Pavilhão de Macau-China pode ser visitado até 21 de Novembro deste ano no espaço em frente ao Arsenal, o edifício principal da Bienal, em Campo della Tana. Criada em 1980, a Bienal de Arquitectura de Veneza é um dos mais importantes eventos no âmbito da arquitectura e das artes. A edição deste ano estava agendada para Maio do ano passado, mas foi adiada devido à pandemia. Um total de 112 entidades, oriundas de 46 países e regiões, participam na bienal.

O Instituto Cultural esclarece que, com o objectivo de “aprofundar o conhecimento do público sobre a arte arquitectónica de Macau”, as obras estarão disponíveis para visita online, além de serem posteriormente expostas no território.

Hong Kong a debelar o vírus

O número de novos casos de coronavírus em Hong Kong caiu desde há vários dias para um dígito. Os peritos da cidade têm salientado que Hong Kong tem agora a oportunidade atingir as “zero” infecções e conseguir eliminar a transmissão local. São sem dúvida boas notícias para Hong Kong.

Após ter vivido um período de caos e destruição da segurança pública, promovido pelos “homens de preto”, o surto epidémico veio agravar seriamente a economia de Hong Kong. Não estamos a exagerar se dissermos que houve uma “recessão em todos os sectores” para descrever a situação. Os negócios estiveram parados e os trabalhadores ficaram sem emprego. Embora o Governo de Hong Kong tenha alocado por várias vezes fundos para ajudar a suavizar a crise, este esforço só por si não foi suficiente para resolver todos os problemas. Esta ajuda, por maior que tenha sido, acabou por ser apenas “uma gota no oceano” em relação às necessidades económicas da cidade.

Agora, se Hong Kong conseguir erradicar por completo a epidemia, pode retomar a sua actividade económica. Se o distanciamento social for sendo levantado, as pessoas vão poder retomar o contacto e as actividades regressam ao normal. Deixar de haver casos de COVID em Hong Kong é também um dado fundamental para que as fronteiras com a China continental e com Macau reabram. Com a abertura das fronteiras regressa o comércio com a China e com Macau. Para Macau vai significar o regresso dos turistas de Hong Kong aos casinos. A epidemia isolou os residentes de Hong Kong e de Macau e tornou-se quase impossível viajar. Os casinos de Macau perderam grande parte da sua clientela. Quando as fronteiras abrirem, os turistas de Hong Kong vão começar a chegar um a um aos casinos de Macau.

Para recuperar a economia de Hong Kong não basta a abertura das fronteiras. Hong Kong é actualmente o maior centro que a China utiliza para transicionar a sua moeda, o renminbi. As instituições financeiras da China, de Hong Kong, e de Macau já promoviam os seus produtos cotados em renminbis, antes da pandemia. Hong Kong é um centro financeiro internacional. Não existe controlo nas entradas e saídas de fundos. Um sólido sistema jurídico garante uma protecção sólida. Esta é a grande vantagem de promover produtos financeiros em RMBs. Além disso, Hong Kong tem muitos anos de experiência em planeamento financeiro, quer seja em fundos, seguros, ou obrigações. Vários projectos de gestão financeira, ou métodos de gestão financeira, como protecção de bens, avaliação de investimentos, heranças, etc., podem ser assegurados por instituições financeiras da Área da Grande Baía. No pós-pandemia, se Hong Kong continuar a apostar em produtos financeiros cotados em renminbis, recuperará a sua economia mais rapidamente. Para a China e para Macau, a experiência financeira de Hong Kong será uma mais valia. Numa perspectiva de cooperação em termos de desenvolvimento financeiro, Hong Kong tem uma palavra a dizer na Área da Grande Baía.

Embora existam várias formas de revitalizar a economia, Macau pode tirar partido da experiência de Hong Kong. Macau depende da indústria do jogo, durante a epidemia deixou de haver turismo e esta indústria foi naturalmente afectada. Este foi o resultado da aposta do Governo numa única fonte de rendimento. O mesmo se passa em Hong Kong, que depende quase exclusivamente do sector financeiro. Assim, depois da epidemia, o Governo de Hong Kong deve tentar perceber seriamente qual a indústria que lhe pode proporcionar uma fonte de taxação estável. Com um rendimento estável, Hong Kong pode desenvolver o seu sistema de segurança social e garantir que os seus residentes possam viver e trabalhar em paz.

Até ao momento, o número de pessoas vacinadas em Hong Kong e em Macau não é muito grande e isso é reflexo dos receios que as vacinas inspiram. Com as contínuas mutações do vírus, resta saber se as vacinas vão ser eficazes contra as novas variantes. Só quando o vírus estiver completamente controlado é que a economia mundial pode recuperar. Se Hong Kong quiser recuperar a sua economia, tem de esperar pela oportunidade e redobrar os esforços.

Macau regista 51.º caso importado de covid-19

Macau registou o 51.º caso importado de covid-19, num residente que viajou por vários países, anunciaram na segunda-feira as autoridades de saúde.

O homem, de 39 anos, tinha já recebido as “duas doses de vacinas inactivadas da Sinopharm contra a covid-19”, entre 11 de Fevereiro e 11 de Março, de acordo com um comunicado do Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus.

Entre 15 de Março e 19 de Maio, o indivíduo viajou de Hong Kong para o Nepal, depois da Turquia para França e depois para Taiwan. No dia 19 de Maio, ao chegar a Macau, proveniente de Taiwan, o resultado do teste de ácido nucleico foi negativo, tendo as autoridades de saúde encaminhado o residente para observação médica num hotel local.

Na segunda-feira, “o resultado do teste de ácido nucleico regular, feito durante o período de observação médica, revelou-se fracamente positivo” e o “paciente não manifestou nenhuns sintomas e foi transferido ao Centro Clínico de Saúde Pública de Coloane para observação aprofundada”, indicou a mesma nota. Os últimos casos importados assintomáticos da covid-19 foram detectados em 16 de Maio e em 7 de Março.

Macau, que diagnosticou o primeiro caso de covid-19 no final de Janeiro de 2020, contabilizou até agora 51 casos, não tendo registado nenhuma morte devido à doença.

No comunicado, as autoridades de Macau apelaram, uma vez mais, à população para se vacinar contra a covid-19, “o mais rapidamente possível, enquanto a situação epidémica em Macau está estável”, para prevenir a propagação e um surto da doença na comunidade, através do estabelecimento de “barreiras imunológicas comunitárias”.

Até agora, os Serviços de Saúde administraram cerca de 150 mil doses e há cerca de 93 mil residentes vacinados com pelo menos uma dose, ou seja, 13,7% da população local total.

Da desinquietação. Pág. 19

Não me aparece o caderno há muitos dias. Aquele de apontamentos inquietos para ler que página seria esta. A desta sensação indefinida que se insinua por dentro a macular toda a paisagem do dia iniciado de fresco. Uma tão moderada sensação de desequilíbrio, que é difícil entender como, ainda assim, transforma irremediavelmente tudo.

Tudo o que se avizinha e tudo o que em geral se constitui como o que será em frente. O conhecido e o desconhecido.
Mas essa sensação que me revisita é como uma zona demasiado frequente no caderno que mesmo sem intencionalidade no gesto e na procura, tende a abrir sempre no mesmo lugar. O lugar da insatisfação, o lugar da depressão ou o da desilusão.

Outra coisa é escolher o quê e sobre o quê ao abrir das páginas. Sobre que pensamentos e emoções desenroladas e aplainadas sobre a mesa como se com um desígnio de importância que as elege. Que injusto escolher. Como injusto é o dever cronológico e de adequação a um contexto ou um momento existencial, a uma ordem e a uma obsessão de rigor. O anseio á espreita, a aguardar futuro sentido que as reorganize, afaste para ver de longe, e costure de forma que uma realidade com outra verdade se modele da mole dessas frases que as descrevem. E a esta impressão. Acordo assim. Nesta sensação demasiado familiar. Perscruto-a em busca de uma falha, um erro. Peso-a e tento medir forças.

O que fazer disto. Pergunto-me como se abrisse a gaveta onde se guarda para estes dias o caderno da inquietação, que não está lá, mas sim perdido algures na casa e seguramente numa quietude inquietante. Que guarda aquilo em que me detenho no dia de hoje e que tenho a certeza de já antes ter registado ali. Mas hoje vejo-me disposta a arrancar umas páginas. Essas, em que a inércia de um sentir a cristalizar, tendem a abrir por automatismo da lombada com um vinco de demasiado uso.

Todo o dia e desde um início assim se iria desenrolar com esta sensação forte de fim de Agosto. Fim verão ou fim de férias. Do sentido. Da tirania do texto que a impressão vai elaborando ou lembra. Mergulhar em momentos que já não são e não tentar entendê-los. Aceitar as frases em construção. Como se de dentro tudo pudesse escorrer sem retorno.

Pode-se habitar o mesmo lugar, acordar sempre a mesma pessoa e abrir as mesmas janelas a espantar rapidamente o sono da casa em cada madrugada, deixar entrar a luz, mas a luz, também é uma luz diferente todos os dias. O rio que me aparece na janela mais pequena é sempre um enclave diferente na cor, na aparência densa, como uma superfície leve, ou mesmo como um pedaço de matéria mineral sólida. Uma pedra opaca. Uns dias faz-se ver nesse pequeno fragmento, como um ponto de passagem, de um todo que sei de outras vistas e noutros como um objecto em si, uma parte do enquadramento da cidade, inalterado naquela janela, e como uma espécie diferente e pequenina de rio, sem nada que o ligue ao outro. Nem nascente nem foz. Qualquer coisa ali em si, presa mas mutante. E mesmo sem admitir que corre. Se o olhar como mais uma risca na paisagem como a da margem de lá, feita de outras mais elevadas, de diferente recorte e mais acima. E também elas de cor diferente todos os dias.

Pode-se. Entrar no dia ao longo do acordar, como a abrir portas sobre o conhecido e o desconhecido. E pensar que esse conhecido que nos assalta de visita é o peso de todos os dias anteriores. E dele, o pior que se pode deixar entrar é um olhar magoado sobre as coisas. Ou a vida. Ou, implicitamente, na verdade, sobre as pessoas. Ferido de preconceito que não é mais do que o peso inútil do momento já passado a imiscuir-se no presente etéreo e de passagem. Despido dessa névoa de tristeza, que sendo ou não sendo um balanço justo sobre o dia de ontem, não pode ser deixada em frente. Aos olhos. A contaminar o desconhecido do dia. Que tem todo o direito a uma estreia absoluta, a uma roupagem nova e a um olhar limpo do passado. Ser o rio do momento. Como o que passa e simultaneamente está. Mas nunca, ontem ou amanhã.

Não é nada pessoal, só não gosto de ti

Jane Edwards publicou o icónico «Não É Nada Pessoal, Só Não Gosto De Ti» em 2002 e nessa altura já era uma escritora conhecida, pelo menos nos EUA. Mas foi este romance que a transformou numa escritora de sucesso. E por sucesso entenda-se ser lida por muitos mais leitores do que aqueles que usualmente leem.

Quando o livro foi publicado, Jane Edwards tinha 44 anos. O romance é um romance escrito num estilo clássico, isto é, conta uma história. A história de Rebecca e Oliver. Uma jovem estudante de economia que transforma um engenheiro, homem 15 anos mais velho, num oxímoro, antes de o deixar. Leia-se: «Rebecca agiu como se ele fosse mulher e ela homem. Não chegou a penetrá-lo, é verdade, mas de resto, e ele sabe, fê-lo sentir-se mulher, fê-lo sentir-se como nunca se tinha sentido, fê-lo sentir que fazia amor, que fodia, que era fodido pela primeira vez na vida. E crescia algures nele uma vontade crescente de ser dela, uma vontade crescente de sofrer nas mãos dela, na boca dela, na vontade dela. Rebecca esticava a corda do prazer até ao máximo possível da sua tensão. Ele torcia-se, mordia-se, tremia… a cabeça rodava como se procurasse ar, como se lhe faltasse a respiração. Rebecca sorria e aumentava a dor da demora, a dor de não se ter o que se quer, embora se esteja a ter a esperança de ter. Ela fazia nascer oximoros nos poros do corpo do engenheiro. Rebecca transformou aquele homem em um oxímoro.»

À primeira vista, poderíamos ser levados a pensar num desses novos livros de erótica de segunda categoria, ainda que tenha sido publicado antes, mas a verdade é que o uso da linguagem em relação aos actos sexuais vão além da descrição. Como ela mesma disse numa entrevista à New Yorker: «Tentei usar a linguagem de modo a que o que acontecesse entre Rebecca e Oliver mostrasse a alma, mais do que o corpo ou os corpos.» E na verdade não me parece que ela esteja longe disso. Leia-se uma extensa passagem onde isso acontece: «O amor transformava-se numa enorme e contínua negação. Um enorme NÃO a envolver-lhes os corpos, os beijos, os gestos, os sons… Tudo era permitido. Rebecca permitia tudo, excepto acabar. Tudo era permitido excepto o que ele queria. Porque Oliver não sabia o que queria. E quem não sabe o que quer, não pode ter em suas mãos o poder de decisão. Depois os seios, breves, macios, como se a idade dela não fosse vinte e cinco anos, mas de uma ninfa, de uma musa à entrada da puberdade. As ancas com duas ligeiras curvas, duas vírgulas onde o seu corpo era uma pequena oração intercalada. A pele de seda das pernas, o interior das pernas, o interior do mundo, do início do mundo. E o sexo tão estreito, como uma vida humana no universo, que o medo de dor, em ambos, aflorou no rosto deles, nos olhos perdidos em que se viam, em que tentavam encontrar-se. O rabo dela, só por si era um poema, um hakai. Não teve como o engenheiro não se afogar de amor. E quantas vezes não encostava o seu rosto largo ao rosto estreito dela, suavemente, como um beija-flor junto a um girassol, apenas com a intenção de se salvar! E ela nunca gritava, não fazia sons exagerados, gemia como um passarinho assustado. As mãos dele desenhavam continuamente o corpo dela, de cima para baixo, de baixo para cima. Nascia dentro dele uma vontade de morrer nela.»

Quando mais tarde, Rebecca termina a relação com Oliver, que para ela sempre fora casual, ou como ela dizia «casual +», passamos a ver a vida do engenheiro. O tormento da falta que um corpo pode fazer na alma. Leia-se: «Os dias, as noites passavam arrastando cada vez mais o engenheiro para as memórias do corpo de Rebecca, do rosto de Rebecca. Da arte ímpar de Rebecca, na destruição de um corpo, na amplificação de um corpo. A luz, por detrás da cobertura cinzenta do céu, humedecia a cidade de Seattle. O engenheiro olhava a rua, esperava que as regras deixassem de existir e, de repente, fosse possível ver Rebecca lá em baixo, acenando e sorrindo. E as palavras trocadas, os gestos infligidos, a memória a fazer o seu trabalho de demolição de todas as paredes que ainda sustentavam o edifício da vontade do engenheiro. Revivia obsessivamente as últimas palavras de Rebecca, explicando a razão de acabar “não é nada pessoal, só não gosto de ti”. E, na verdade, gostar ou não gostar de alguém não tem nada de pessoal. É à revelia da nossa vontade. E não precisamos de enfatizar esse gostar. Por gostar podemos dizer simpatizar. Rebecca não simpatizava com Oliver, mas excitava-a a situação e o corpo dele.»

O que Jane Edwards nos mostra exemplarmente é que não sabemos como é que de repente no tronamos mais vulneráveis ao toque do outro, às palavras do outro, do que poderíamos imaginar. Ou como Edwards escreve: «De repente, sentimos como o humano é frágil, só, vulnerável como um vaso de porcelana da dinastia Ming. A vulnerabilidade abre as asas e passa a rondar-nos como abutres voando sobre a nossa carne, como se já estivesse petrificada. Oliver sempre se sentiu assim nas mãos e no corpo de Rebecca, mas agora sentia-se também assim em todas as horas do dia, como um cadáver que respira.»

Não é dos meus livros preferidos. A começar pelo facto de contar uma história, ao invés de transformar tudo em linguagem, em palavras, de transformar os acontecimentos em palavras. Mas reconheço o profundo conhecimento do desconhecido que habita a alma humana, quando duas peles se encontram para além do esperado. E de como isso não tem nada a ver com as pessoas envolvidas. Nada. Escreve Jane Edwards: «A nossa pele sabe algumas coisas acerca de nós muito mais do que a nossa alma.» E a escritora consegue ao longo do romance mostrar-nos isso e através de um uso quase cirúrgico da linguagem. Consegue, no fundo, mostrar-nos como todos nós não passamos de oxímoros de nós mesmos. Não apenas por uma entrega apaixonada ao desejo, mas pela nossa própria natureza de nos mantermos o que somos. De brinde, mostra-nos como gostar ou simpatizar com alguém não revela nada, nem de nós nem da outra pessoa, a não ser que qualquer coisa não encaixou. Apenas isso. E termino com mais uma passagem do livro de Jane Edwards: «Somos peças que encaixamos ou não encaixamos uns nos outros. Em todos os aspectos que comportam uma vida humana. Rebecca era inteligente para reconhecer isso. Reconheceu desde o início que encaixavam apenas no modo como viviam o sexo naquele momento das suas vidas. Oliver seria sempre uma fotografia antiga, como aquelas em que nos mostra numa tenda a acampar com as amigas. Mas uma pessoa inteligente não espera viver aí para sempre. Faltava a Oliver libertar-se da fotografia passada. Faltava a Oliver reconhecer que desde o início estavam condenados a serem uma fotografia de um fim de semana acampados na montanha. E isso não é mau. É uma metáfora da nossa vida.”

Creative Macau | Exposição de Zheng Yu para visitar a partir de quinta-feira

Zheng Yu é um pintor que explora o desejo humano recorrendo à maçã como o seu principal símbolo. Em “The Endless Desire”, exposição que estará patente na Creative Macau a partir desta quinta-feira, o pintor nascido em Hainan e a residir em Macau explora técnicas de pintura ocidentais com caligrafia chinesa. A exposição reúne uma dezena de quadros e uma instalação

 

Desde sempre tido como símbolo de desejo e tentação, a maçã é a protagonista principal da nova exposição patente no espaço Creative Macau. “The Endless Desire” é o nome da mostra de Zheng Yu, artista e arquitecto, que será inaugurada esta quinta-feira. A exposição fica patente até 26 de Junho.

O público poderá ver os seus mais recentes trabalhos, num total de dez pinturas, onde as emoções humanas são o foco. No espaço da exposição estará também uma instalação onde a maçã volta a ser a essência.

“Uso a maçã como símbolo do desejo humano, porque as pessoas gostam de recorrer à maçã como esse símbolo. É algo que surge na bíblia e que revela o desejo humano perante a sociedade”, contou Zheng Yu ao HM.

O artista garante que o público irá sentir-se “feliz” quando vir as suas obras, devido ao uso da cor. “Quero traduzir a cultura e a filosofia chinesas usando técnicas ocidentais. Esse é o meu objectivo principal com a exposição. Recorro à técnica de caligrafia chinesa na minha pintura, mas uso contextos ocidentais para criar toda a imagem”, contou ainda.

Os vários desejos

Lúcia Lemos, directora do espaço Creative Macau, falou do fruto enquanto conceito central do imaginário manifestado pelo artista, a maçã como “um símbolo do desejo, mas também religioso, no sentido cristão”. “Tem esse símbolo da Eva que tem vindo a ser explorado por diversos pintores ao longo de várias épocas, desde o [período] bizantino e também antes e depois do Renascimento”, explicou ao HM.

Para a responsável, o facto de Zheng Yu ser também arquitecto faz com que “esteja muitas vezes nessa situação de confronto ou de escuta dos desejos dos clientes”. “O desejo humano também é isso, não estou a pensar no desejo carnal. Ele tem também um lado humanista, no sentido de ser sensível à natureza e ao mundo animal”, acrescentou.

Nesse sentido, parte do valor angariado com a venda das obras reverte a favor de uma associação de defesa dos direitos dos animais “que está a passar por dificuldades”, disse Lúcia Lemos.

Nascido em Hainan, Zheng Yu é membro da Sociedade de Artistas de Macau e sempre prestou atenção ao desenvolvimento da arte contemporânea e da sua ligação com a sociedade dos dias de hoje. O artista expôs no evento Art Next Expo, em Hong Kong, além de ter participado em outras mostras patentes no território.