Da identidade dos Macaenses e de outros portugueses do Oriente

3. Portugal e a falta de solidariedade para com as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente

[dropcap]A[/dropcap] incapacidade de Portugal nesta matéria é uma evidência secular. Filha da ignorância e do preconceito, como atestam alguns exemplos que se registam de seguida e que ocorreram num intervalo de tempo pluri-secular:

O Bispo de Macau, D. Alexandre Pedrosa Guimarães, em carta ao Rei D. José I, de 22 de Dezembro de 1774, refere que as mulheres macaenses “falam uma linguagem, que é mistura de todos os idiomas e gírias, imperceptível aos que não são criados no país, por culpa dos maridos e pais de família, que há dois séculos não cuidaram em introduzir o idioma português correcto, sobre o que vou trabalhando, por ser esta coisa aquela em que cuidam todas as nações em seus domínios”.

José Joaquim Lopes de Lima, oficial de marinha e administrador colonial, governador de Timor que cedeu a ilha das Flores aos holandeses, no seu “Ensaios sobre a Statistica das Possessões Portuguesas no Ultramar..” (1844) dá uma pequena amostra da desconsideração e desrespeito nutrido em relação às Cristandades Crioulas e à língua por elas falada. No que respeita ao Crioulo de Cabo Verde, classificava-o de “gíria ridícula, composto monstruoso de antigo Portuguez, e das Linguas de Guiné, que aquelle povo tanto présa, e os mesmos brancos se comprazem a imitar”.

Em 1988, na qualidade de Presidente do Instituto Cultural de Macau, devidamente autorizado pelo Governador, transmiti ao Secretário da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Albino Cleto, a disponibilidade do Governo de Macau em apoiar a ida de religiosos portugueses para a Missão de S José de Singapura e para a paróquia de S. Pedro de Malaca. Nessa altura já se encontravam retirados, por doença e velhice, os últimos padres portugueses enviados pelo Bispo de Macau.

Respondeu-me S. E. Reverendíssima – de um modo que me pareceu tocado de algum complexo colonial – que a iniciativa deveria partir do Arcebispo e Bispo respectivos. Sugeri que, ao menos, a Conferência Episcopal Portuguesa os convidasse para as comemorações do Centenário da Missionação e, nessa altura, se abordasse o assunto. Nem o Arcebispo de Singapura, nem o Bispo de Malaca estiveram nessas comemorações.

Em Janeiro de 1996, teve lugar em Malaca uma Conferência sobre “O Renascimento do Papiá-Cristão e o Desenvolvimento do Património Malaco-Português”, a que tive a honra de presidir, na qualidade de Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal e a convite da respectiva Comissão Organizadora. Entre as comunicações apresentadas, abordaram-se temas da maior importância:

– as dificuldades que sobreviriam para os pescadores, representando 30% da Comunidade, em consequência dos planos de desenvolvimento local que previam extensos aterros, afastando o mar para longe das suas casas;

– o estudo, então em curso, para avaliação do número de falantes do Crioulo [Kristang] e das necessidades para o respectivo ensino, por inciativa do Dr. Mário Pinharanda Nunes, então leitor de português em Kuala Lumpur;

– o crescente interesse da população estudantil da Malásia, espelhado em teses versando a influência do Português sobre o Malaio e de docentes universitários daquele país empenhados em trabalhos de investigação sobre o Papiá-Cristão;

– a sumariação dos crioulos existentes no mundo, seus diferentes estatutos, intercâmbio dos seus falantes para troca de experiências, inventário das respectivas necessidades, modos de entreajuda e internacionalização desse património comum espalhado por vários países;

– a complexidade do sistema educativo da Malásia em que coexistem várias línguas e que permite a inclusão de qualquer idioma – incluindo o Papiá-Cristão e o Português padrão – mediante requerimento de quinze pais ou encarregados de educação.

Expressa ou implicitamente, os oradores apelaram ao apoio de “Portugal e das Fundações Portuguesas”. Estávamos no início do ano de 1996. Uma das dez conclusões da Conferência consistiu no pedido de avaliação das possibilidades de ligação das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente à Comunidade de Povos de Língua Portuguesa (CPLP). Outra propunha que Portugal viabilizasse a organização de um pavilhão das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente na EXPO 98.

Tudo foi transmitido ao Governo português pelos canais habituais. A primeira resposta recebida enviava o preçário de arrendamento dos pavilhões! Insistiu-se, através de nova diligência, procurando explicar melhor o sentido e alcance do que se pretendia. A resposta, ignorante, foi a de que cada Comunidade deveria diligenciar a sua inclusão nas representações dos respectivos países. Assim se encerrou definitivamente o assunto. A surdez, quando causada pela burrice, é mais irritante e cansativa…

Como me referiu o Arcebispo Emérito de Mandalay, na Birmânia, U Than Aung – descendente de portugueses – onde a maioria do clero católico é de origem portuguesa e cuja Comunidade tem as suas origens na cidade de Pegú no ano de 1600, quem nunca recebeu a mais ténue manifestação de solidariedade de Portugal nada tem a esperar daí.

Há de reconhecer-se que este Portugal do nosso tempo que esquece os “seus”, constrói Mesquitas, e anseia escancarar as suas portas às vítimas que sobrevivem à travessia do Mediterrâneo, padece de doença grave e, provavelmente, incurável, do foro psiquiátrico.

Os portugueses euro-asiáticos são originários das regiões costeiras do Índico e do Pacífico onde os portugueses europeus, africanos e de outras regiões da Ásia e da Oceania se estabeleceram e com cujos povos mantiveram relações duradouras, desde o século XVI. São católicos-romanos e falam um crioulo de base portuguesa.

Portugueses, da Índia e do Sri Lanka

Conferência em Malaca

Sob o título “RESSURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO PAPIÁ-CRISTÃO E DO PATRIMÓNIO MALACO-PORTUGUÊS”, reuniram-se em Malaca intelectuais e académicos, luso-descendentes de Malaca, malaios e de outros países, incluindo Portugal, no fim de semana de 6 e 7 de Janeiro de 1996.

A convite da Comissão Organizadora do encontro, liderada pela luso-descendente de Malaca Joan Margaret Marbeck, presidiu à Conferência o Dr. Jorge Morbey, Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Bangkok. Esta Embaixada, além de representar Portugal na Tailândia, assegura as relações diplomáticas com o Camboja, Laos, Malásia, Myanmar, Singapura e Vietname.

Na sessão de abertura, Joan Marbeck, falando em Papiá-Cristão e Inglês, agradeceu a presença dos convidados e os apoios recebidos de entidades de Malaca e do Instituto Português do Oriente, afirmando a dado passo que “na descoberta daquilo que nos distingue, temos de manejar elementos de identidade e de integração com o máximo cuidado. Não é nosso desejo sermos separatistas. Pelo contrário, desejamos empenharmo-nos no património colectivo com outras comunidades e, ao mesmo tempo, preservar os valores Kristang.”

Referindo-se concretamente ao estado actual do Papiá-Cristão que, de acordo com alguns linguistas está dando os seus últimos passos, afirmou dever preservar-se o sonho de consolidar a língua materna da sua Comunidade na Malásia plurilingue, pondo de parte ideias feitas e apostando no seu renascimento, através da formulação de um plano de acção em direcção ao ano 2000, a ser apresentado ao Primeiro-Ministro da Malásia, Dr. Mahatir Bin Mohamad.

A primeira comunicação foi apresentada por Gerard Fernandis, secretário do Conselho do Regedor do Bairro Português e assistente do Consul Honorário de Portugal em Kuala Lumpur. Chamou a atenção para as consequências dos planos de desenvolvimento em curso em que se prevê um vasto aterro na zona ribeirinha do Bairro Português de Malaca, afastando o mar para longe das casas dos pescadores que constituem ainda 30 % da Comunidade. A dado passo, afirmou:

“Aceitamos o desenvolvimento, mas não à custa do nosso bem-estar económico e cultural. O Estado, a Comunidade e os investidores têm de entender que é forçoso o crescimento da Comunidade a par do desenvolvimento e que os aspectos culturais têm de ser preservados”.

Para preservar o património português de Malaca, Gerard Fernandis apelou a “Portugal e às Fundações portuguesas”, enfatizando que a Religião Católica é o elemento aglutinador e identificador da Comunidade Kristang e que os elementos mais visíveis do seu património são o Papiá-Cristão, a música e a dança.

Intervindo a seguir, o Dr. Mário Pinharanda Nunes, leitor de Português na Universidade Malaya, em Kuala Lumpur, apresentou um conjunto de reflexões intituladas “Ressurgimento do Papiá-Cristão: Reflexões sobre como promover o renascimento do Papiá-Cristão em Malaca e em outras partes da Malásia”. Defendendo que o Leitorado pode desempenhar um papel importante no renascimento do Papiá-Cristão, deu testemunho da sua própria experiência pessoal que, ao ensino de línguas estrangeiras, se alargou ao interesse pelo Kristang e pelos Crioulos em geral. Opondo-se frontalmente à afirmação de que o Papiá-Cristão é já uma língua morta, o Dr. Pinharanda Nunes manifestou a convicção de que tal ideia resulta do menor número de Luso-descendentes de Malaca que o falam actualmente, em comparação com o que se passava nos decénios anteriores, à aparente perda de prestígio no conjunto das línguas faladas na Malásia – quando foi uma das principais durante a ocupação portuguesa e após ela – e ao desconhecimento da sua existência por parte de muitos malaios, mesmo daqueles que trabalham na área das línguas.

Sobre a situação actual do Papiá-Cristão, afirmou: “se por um lado o seu renascimento implica o crescimento do número dos seus falantes, o qual requer o seu ensino, por outro lado podemos entender por renascimento apenas atribuir-lhe um maior valor na opinião pública e difundir o conhecimento da sua existência”. Para a primeira hipótese, o Dr. Pinharanda Nunes sublinhou a necessidade de um mais exacto conhecimento do número de falantes, dos actos de fala em que o usam, com quem e com que frequência o falam, concluindo tornar-se necessário um trabalho de pesquisa, para avaliação do número de falantes e, assim, para avaliar a dimensão exacta da necessidade do ensino do Kristang.

Justificando a importância desse trabalho de investigação por se ter confrontado com números contraditórios sobre os falantes de Papiá-Cristão, o Dr. Pinharanda Nunes informou que elaborou um questionário para colheita dos dados entre as famílias Kristang, a realizar brevemente, e que os resultados e o respectivo relatório serão submetidos ao Conselho do Regedor e facultados a qualquer instituição malaia ou pessoa que o julgue útil para a definição de uma política de ensino do Papiá-Cristão.

Abordando em seguida a questão relativa à necessidade de materiais de ensino, referiu ser indispensável a normalização da ortografia do Papiá-Cristão, através da cooperação entre falantes locais e linguistas especializados na transcrição de línguas orais, para a fixação da sua ortografia oficial, à semelhança do que aconteceu com algumas das línguas do Sarawak..

(continua)

Macau começa qualificação para Mundial 2022 com Sri Lanka

[dropcap]A[/dropcap] selecção de Macau vai começar o apuramento para Mundial de 2022 diante do Sri Lanka, em casa. O sorteio foi realizado ontem, em Kuala Lumpur e, em declarações ao HM, o seleccionador Iong Cho Ieng mostrou-se satisfeito, apesar de avisar que não existem jogos fáceis para a selecção da RAEM. O primeiro encontro vai realizar-se em Macau, a 6 de Junho, e o segundo vai ser alguns dias depois, a 11 de Junho, no Sri Lanka.

“Penso que o sorteio foi bom porque estamos a falar de uma equipa com um nível semelhante ao nosso. Mas temos de ter consciência que encaramos todos os jogos como sendo difíceis, até porque sabemos que somos uma equipa com algumas limitações, até pelo facto de não sermos profissionais”, disse Iong. “Há cerca de três anos defrontámos o Sri Lanka e empatámos. Agora espero que possamos ganhar o jogo e com exibições boas”, sublinhou.

Em 2016, no último encontro a contar para a fase de Grupos da Taça da Solidariedade, Macau empatou 1-1 com o Sri Lanka. Weng Hu Choi foi o autor do golo. No ranking mundial, Macau está acima do adversário, uma vez que ocupa a 183.ª posição, enquanto o Sri Lanka está no 202.º posto.

Sobre a análise ao adversário, Iong admitiu que ainda vai fazer um estudo mais aprofundado. Porém, recordou o encontro de 2016: “Os jogadores deles eram muito fortes no jogo físico, muito altos e eram mais rápidos do que os nossos. Mas a nossa equipa vai preparar-se para o encontro”, prometeu.

Os escolhidos

Já o arranque da preparação vai ser depois da Páscoa, numa fase inicial, em que serão eleitos 30 jogadores. A lista vai ser anunciada nos próximos dias. Contudo, a convocatória só incluirá entre 18 e 22 jogadores, pelo que até essa data vão ser escolhidos os atletas a dispensar.

“Queremos começar a treinar com o objectivo de ganhar o jogo depois da Páscoa. Vamos começar com uma lista de 30 jogadores, que depois será reduzida para um número entre 18 e 22 jogadores”, explicou Iong.

Para o primeiro encontro em Macau, o seleccionador destaca a importância de ter o público nas bancadas a puxar pela equipa e deixou um apelo aos cidadãos que se desloquem ao recinto do jogo.

Além desta partida contar para qualificação para o Mundial, serve igualmente para apurar as equipas que vão disputar a Taça Asiática de 2023. Quis ainda o sorteio que nos restantes jogos a Mongólia tenha pela frente o Brunei, o Laos o Bangladesh, a Malásia vai defrontar Timor-Leste, o Camboja o Paquistão e Butão o Guam.

Yo La Tengo ao vivo em Hong Kong a 10 de Julho

Os veteranos Yo La Tengo voltam aos palcos de Hong Kong a 10 de Julho no espaço This Town Needs, em Yau Tong – Kowloon. A celebrar 35 anos de carreira, os norte-americanos são uma referência incontornável da cena indie rock

 

[dropcap]E[/dropcap]les estão aí, outra vez. Yo La Tengo regressam a Hong Kong, depois da actuação no Clockenflap de 2016 e em 2014 no Music Zone – KITEC, para um concerto em nome individual. O espectáculo está marcado para o dia 10 de Julho no espaço This Town Needs, em Yau Tong na ponta sudeste de Kowloon.

A fazer 35 anos de carreira, a banda formada em New Jersey pelo casal Ira Kaplan e Georgia Hubley, um dos mais prolíferos casamentos dentro da instável cena do rock ‘n’ roll, regressa à região vizinha com 15 discos na bagagem e a reputação de banda ao vivo.

Com um vasto repertório, que compreende experimentações art-rock, explosões electrónicas, noise e baladas acústicas, a banda de New Jersey tem uma legião de fãs fiéis conquistados com actuações ao vivo que levam os espectadores entre os limites da experimentação eufórica até momentos de contemplação melancólica.

Aquando da participação no Clockenflap 2016, os Yo La Tengo deram uma masterclass sobre a mudança de géneros musicais, o que atesta bem a versatilidade musical da banda.

Gema dos 90

Apesar da discografia longa e da qualidade a que habituaram os fãs, há dois discos na carreira dos Yo La Tengo que são essenciais na história do indie rock dos anos 90, o sétimo e oitavo registo da carreira da banda de Ira Kaplan e Georgia Hubley. Em 1995, lançaram “Electr-O-Pura”, o segundo registo com o selo da Matador, um disco que firmou a reputação da banda em termos de influência. Deste disco é impossível não destacar malhas como “Decora”, “Tom Courtenay” e “Blue Line Swinger”.

No entanto, o ponto mais alto da discografia dos norte-americanos é “I Can Hear the Heart Beating as One”, de onde se retira uma das músicas mais emblemáticas da banda: “Autumn Sweater”.

Apesar de desde sempre ocuparem um lugar relativamente discreto, principalmente face à rebeldia de bandas como Sonic Youth, Dinosaur Jr, Pavement e Mudhoney, os Yo La Tengo foram trilhando o seu caminho como uma das bandas do indie rock com maior longevidade e qualidade consistente.

O concerto marcado para o This Town Needs não deve fugir à regra de habitual entrega em palco dos veteranos. Para os interessados, os bilhetes custam 490 dólares de Hong Kong.

Rubéola | Serviços de Saúde enviam equipa de enfermeiros para City of Dreams

[dropcap]O[/dropcap]s Serviços de Saúde de Macau (SSM) anunciaram ontem que vão enviar hoje uma equipa de pessoal médico para o empreendimento de jogo City of Dreams para a recolha de amostras de sangue.

“Tendo em vista que no hotel City of Dreams foram registados seis casos de rubéola recentemente, e a fim de permitir que pessoas em contacto com os casos, em especial trabalhadoras grávidas do hotel e sem imunidade contra a rubéola, compreendam o seu estado imunológico”, lê-se num comunicado.

Além disso, “os SSM também procederam à detecção de anticorpos contra a rubéola a pessoas em contacto com casos, incluindo a grávidas do Hotel Star World, às quais não foi detectada imunidade contra a rubéola”.

No hotel Star World “um total de 17 amostras de sangue foram recolhidas, sendo os resultados dos testes laboratoriais de 13 amostras por IgG (cerca de 76,4 por cento) dado positivo para rubéola, isto é, a maioria das mulheres grávidas estão imunes à rubéola”. Desta forma, “os SSM vão continuar a acompanhar o estado de saúde das pessoas que estiveram em contacto com o paciente durante o início da doença, incluindo grávidas sem imunidade”.

Esta terça-feira foi detectado mais um caso de rubéola, elevando para 20 o número total de casos registados no território desde o início do ano. O novo caso foi diagnosticado num funcionário da função pública, residente local, do sexo masculino, com 44 anos de idade. O paciente apresentou sintomas como dores da cabeça e de garganta no dia 12 de Abril e começaram a surgir erupções cutâneas no abdómen, espalhando-se depois pelos membros a partir de 14 de Abril. Actualmente, o paciente ainda apresenta erupções cutâneas, mas a febre desapareceu, sendo o estado de saúde considerado estável sem necessidade de internamento. O paciente nasceu no interior da China e o seu historial de vacinação de rubéola é desconhecido.

Bombeiros | Primeiro trimestre do ano com menos incêndios

Nos primeiros três meses do ano houve menos incêndios em Macau, mas os causados por fogões subiram. O Corpo de Bombeiros reiterou os apelos à população para maior responsabilidade em matéria de segurança e optimização de recursos

 

Por Raquel Moz 

 

[dropcap]N[/dropcap]o primeiro trimestre de 2019 foram registados menos 48 casos de incêndio em Macau, em relação ao período homólogo de 2018, passando de 259 para 211 ocorrências, ou seja, uma redução de 18,53 por cento. No entanto, quase metade dos fogos reportados continua a estar associada a fogões esquecidos e desatenção de chamas acesas, que representaram 40,74 por cento do total de pedidos de auxílio, ligeiramente mais do que em igual período do último ano.

O total de operações realizadas pelo Corpo de Bombeiros de Macau entre Janeiro e Março de 2019 cresceu 4,54 por cento, de 11.616 para 12.143 casos, foi ontem anunciado em conferência de imprensa. Só em medidas para prevenir e mitigar a deflagração de incêndios no território, foram organizadas 53 palestras sobre protecção contra o fogo, prevenção de desastres, conhecimentos de emergência médica e segurança de combustíveis, em que participaram 9.425 pessoas. Foram ainda organizados nove simulacros de evacuação, para 1.266 pessoas, 11 exercícios práticos sobre o uso de extintores, com 370 participantes, 206 actividades de sensibilização, através dos órgãos de comunicação e das redes sociais, e a distribuição de 24.964 panfletos e cartazes informativos.

No cumprimento do plano de acções governativas de prevenção, a instituição efectuou 2.061 inspecções (vistorias, fiscalizações e queixas), que representaram um acréscimo de 4.57 por cento face a iguais meses do ano transacto, tendo sido também realizadas 827 inspecções de segurança de combustíveis, em postos de gasolina, depósitos permanentes e provisórios, veículos de transporte de materiais combustíveis, empresas fornecedoras e estabelecimentos de comidas.

Segundo os números adiantados pelo chefe de primeira do Corpo de Bombeiros de Macau, Lao Hou Wai, também aumentaram as saídas de ambulância em situações de emergência efectiva, de 10.092 casos em 2018 para 10.736 casos em 2019 (mais 6,38 por cento). O total de vezes que as ambulâncias foram solicitadas em vão e saíram à rua em resposta a pedidos de urgência foi, contudo, menor, passando de 13.610 situações em 2018 para 13.478 em 2019 (variação ligeira de 0,97 por cento). Este é um dos pontos que tem sido reforçado pelas medidas de sensibilização junto das comunidades, nomeadamente entre a população sénior, para a racionalização dos recursos de emergência sempre que não se trate de real perigo de saúde ou vida, comentou o responsável.

Formação comunitária

Entretanto, entre os dias 21 e 28 de Março decorreu o Curso Avançado de Formação para 107 “chefes de segurança comunitária contra incêndios”, com vista à formação e certificação de indivíduos provenientes de associações e instituições locais, uma figura criada para prestar assistência e cuidados de proximidade aos cidadãos do território, em situações de perigo ou de acidente.

De acordo com o comunicado de imprensa do Corpo de Bombeiros, os módulos desta formação incidiram sobre as infracções mais comuns ao Regulamento de Segurança contra Incêndios, o funcionamento de elevadores para serviço de incêndio, teoria de emergência médica, operação de salvamento e ressuscitação cardio-pulmonar, utilização de desfibrilhador automático externo, técnicas anti-sufocamento e aplicação de curativos.

As novas valências destes agentes da comunidade civil, que receberam a certificação no dia passado dia 14, vão elevar o nível de consciência dos habitantes para a importância do envolvimento populacional na construção de ambientes mais seguros e harmoniosos, pode ler-se no mesmo documento.

Universidade de Macau descobre método de regeneração de tecido ósseo com orquídea

[dropcap]U[/dropcap]m grupo de investigadores da Universidade de Macau (UM) afirma que “descobriu o segredo da regeneração do tecido ósseo” a partir de uma orquídea, anunciou ontem a instituição em comunicado. A equipa do professor Wang Chuming “é a primeira no mundo a desenvolver com sucesso um novo tipo de substituto de tecido baseado em factores bioactivos isolados de uma erva medicinal chinesa”, de acordo com a mesma nota.

A equipa concluiu testes de laboratório e está agora a explorar a possibilidade de avançar com estudos pré-clínicos em colaboração com médicos, depois de a pesquisa, que durou cinco anos, ter sido parcialmente publicada em revistas internacionais da especialidade.

Para além dos artigos na Biomaterials e na Advanced Functional Materials, foi entregue um relatório adicional sobre o mecanismo químico subjacente que teve para já um parecer positivo para publicação na Nature Communications.

Quando injectado nos locais com defeitos ósseos, o líquido de polissacarídeos da planta Bletilla Striata (uma espécie de orquídea do Sudeste Asiático) pode estimular o crescimento de novos tecidos para reparar defeitos ósseos, sublinhou a UM.

Os investigadores analisaram 21 tipos de ervas medicinais chinesas e finalmente encontraram um tipo de polissacarídeos bioactivos que pode estimular o crescimento de células ósseas pela activação de citocinas, que são proteínas produzidas pelas células.

Portuguesa acusada de agredir aluno assume funções administrativas

A DSEJ recebeu dois relatórios sobre alegada agressão, um dos quais sugere formação para os professores. A responsável pelo departamento de ensino da DSEJ recusou entrar em pormenores sobre o incidente, mas referiu que as indicações do Governo são para não se recorrer à violência

 

[dropcap]A[/dropcap] auxiliar de ensino portuguesa que é acusada de ter agredido um aluno do ensino primário no Colégio Diocesano de São José (2 e 3) está a desempenhar funções administrativas na mesma escola. As explicações sobre o caso revelado pelo Jornal Tribuna de Macau, na segunda-feira, foram complementadas ontem por Kong Ngai, chefe do Departamento de Ensino da Direcção de Serviços de Educação e Juventude (DSEJ).

“Segundo o relatório enviado pela escola, a auxiliar já não está na linha da frente. Está a trabalhar num serviço administrativo e não está envolvida no trabalho com os alunos”, afirmou Kong. O responsável clarificou ainda que a trabalhadora não era professora. “Desempenhava as tarefas de auxiliar de ensino”, foi esclarecido.

Ao mesmo tempo, Kong clarificou ainda que a profissional está contratualmente ligada à escola desde o início do corrente ano lectivo e que foi o estabelecimento de ensino que tratou da contratação, por sua iniciativa.

O dirigente da DSEJ recusou entrar em pormenores sobre a alegada agressão, uma vez que decorre uma investigação, que está a cargo da Polícia de Segurança Pública (PSP), sobre a alegada prática do crime de ofensa à integridade física. No entanto, realçou que apesar dos alunos se poderem comportar mal, que as indicações que existem para a escolas é para não haver recurso à violência.

“Vou comentar a questão de forma genérica. Se calhar, às vezes, há professores que podem não ter as posturas mais profissionais. Se calhar também há crianças que se comportam mal. São situações que podem acontecer. Mesmo assim reiteramos que não se deve recorrer à violência. São essas as orientações enviadas pela DSEJ às escolas”, sustentou.

Acções de formação

Kong Ngai confirmou ainda que a DSEJ sabia da situação desde Março, altura em que teve reuniões com a escola. “Soubemos do caso logo no início de Março, quando o encarregado de educação apresentou uma queixa na PJ, alegando que o aluno foi agredido na escola. Foi a escola que mal soube do caso que procedeu à suspensão da auxiliar”, contextualizou.

“Após este desenvolvimento, a DSEJ pediu imediatamente à escola para tratar o caso segundo as orientações do Grupo de Gestão de Crises Escolares e realizámos várias reuniões sobre o assunto. Foram ainda pedidos dois relatórios sobre a situação que já foram entregues”, acrescentou.

“Os relatórios referem os procedimentos adoptados após o caso, como a suspensão de funções da auxiliar de ensino. Também são mencionadas ou outras medidas e acções de formação para todos os professores da escola”, indicou.

Em relação ao aluno, o dirigente do departamento de ensino da DSEJ disse que está a frequentar a escola dentro da normalidade e que continua a participar nas aulas de português.

 

Corridos à chapada

Segundo a Polícia de Segurança Pública (PSP), os pais queixaram-se que a assistente portuguesa atingiu com chapadas na boca o estudante agredido. De acordo com a informação citada pelo jornal Exmoo, após o episódio, os encarregados de educação tiveram de levar o aluno ao Hospital Conde São Januário, onde recebeu tratamento.

Protecção de dados | GPDP reage ao caso do vídeo de Andy Hui

[dropcap]D[/dropcap]epois de rebentar o escândalo de adultério com a publicação do vídeo em que se vê o cantor e actor de Hong Kong Andy Hui a trair a também super-estrela Sammi Cheng num taxi com a também actriz Jacqueline Wong, a questão da privacidade e protecção de dados voltou à ordem-do-dia. Como tal, o Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais (GPDP) veio esclarecer que em Macau “quer na situação actual, quer após a entrada em vigor do Regime Jurídico de Táxi, o condutor de táxi e o titular da licença não podem instalar, por iniciativa própria, o sistema de gravação de som e imagem no interior de táxis”.

O GPDP vem reiterar que só é permitido à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) instalar, nos termos da lei, o sistema de gravação de som e imagem no interior de táxis, assim como todo o tratamento dos dados pessoais recolhidos. A entidade pública explica que os taxistas, ou os donos de táxis, que gravarem e tratarem os dados recolhidos dentro dos carros de serviço ficam sujeitos, de acordo com a lei, a uma pena de prisão até dois anos, ou pena de multa até 240 dias. Se a pessoa divulgar os dados na internet violando o dever de sigilo pode ser punida com pena de prisão até três anos ou pena de multa até 360 dias. Situação similar à que se passou com Andy Hui.

O comunicado do GPDP surge na sequência do escândalo que abalou um dos casais mais famosos do cantopop, depois de Andy Hui ter sido filmado dentro de um taxi a beijar a actriz e ex-Miss Hong Kong Jacqueline Wong.

Governo vai estudar utilização de cães-guia no território

[dropcap]A[/dropcap]té ao final do ano o Governo vai atribuir a realização de um estudo para medir a viabilidade de utilizar cães-guia no território. A novidade foi avançada ontem por Choi Sio Un, chefe do Departamento de Solidariedade Social do Instituto de Acção Social, no final da reunião plenária da Comissão para os Assuntos de Reabilitação.

Segundo os dados apresentados no final do encontro de ontem de manhã, do total de 125 medidas previstas para o período de 2018 a 2020 no âmbito do Planeamento de Serviços de Reabilitação, 53 estão concluídas e 51 estão em implementação. Faltam por isso começar a desenvolver 21 medidas e é neste campo que vai ser feito um estudo para a implementação de cães-guias em Macau. Estes cães permitem conduzir pessoas que sofram de deficiências visuais.

“Entre as medidas que ainda temos para começar a implementar está um estudo sobre a implementação de cães-guias para pessoas com dificuldades visuais”, disse Choi Sio Un.

“Actualmente não temos muitos pormenores sobre o estudo, mas temos esperança que fique concluído até ao final de 2020 e que seja atribuído ainda este ano”, acrescentou.

2,6 milhões de viagens

Já entre os trabalhos realizados no âmbito do Planeamento de Serviços de Reabilitação constam o aperfeiçoamento dos serviços de testes auditivos dos bebés, aumento do número de vagas dos serviços de intervenção precoce, mudança das instalações do Centro de Avaliação Conjunta Pediátrica para o Centro de Saúde da Ilha Verde, entre outros. No que diz respeito ao centro de avaliação, Choi Sio Un destacou que a mudança vai permitir aumento o número de sessões de avaliação, de forma a poder medir as capacidades destas crianças com necessidades especiais.

Também no encontro foram divulgados os dados do número de viagens de autocarro nos transportes públicos com recurso ao cartão para pessoas portadoras de deficiência, que permite viajar de forma gratuita. Assim desde Abril do ano passado 2,6 milhões de viagens de autocarros foram feitas com recurso a esse cartão.

Governo vai incluir mais 21 substâncias na lista de psicotrópicos proibidos

[dropcap]A[/dropcap] lei de combate à Droga vai ser revista e passa a incluir a proibição do consumo de mais 21 substâncias psicotrópicas no território.

A proposta de alteração legislativa teve luz verde do Conselho Executivo e vai agora seguir para a Assembleia Legislativa com “carácter de urgência” apontou ontem porta voz do Conselho Executivo, Leong Heng Teng. “Queremos que entre em vigor o mais rapidamente possível”, sublinhou.

A alteração tem como finalidade acompanhar os padrões internacionais e as decisões da Comissão de Estupefacientes das Nações Unidas, ou seja, “para executar as obrigações decorrentes das convenções internacionais, de modo a melhor acompanhar os passos das regiões vizinhas e da comunidade internacional no âmbito da prevenção e combate à criminalidade ligada à droga”, justificou. “O objectivo é articular a lei com as decisões das Nações Unidas. Verifica-se que 21 das 24 substâncias sujeitas ao controlo internacional ainda não estão incluídas na actual lei de combate à droga”, acrescentou o porta-voz do Conselho Executivo.

Produtos diversos

De entre as novas substâncias alvo de controlo,“19 são estupefacientes e substâncias psicotrópicas (…) e duas são precursores usados para o fabrico de droga”, referiu.

Entre as 21 substâncias que passam a estar sujeitas a controlo, contam-se o butirfentanil, o carfentanil e o ocfentanil, analgésicos opióides sintécticos de acção curta e semelhantes ao fentanil, considerado o primo sintético da heroína.

Recorde-se que a nova lei de combate à droga está em vigor há dois anos tendo-se registado um decréscimo de 30 por cento de casos ligados a este tipo de criminalidade.

Com o diploma, o consumo passou a ser penalizado com pena até um ano de prisão. Já no tráfico a pena mínima subiu de três para cinco anos de prisão, podendo ir até aos 15 anos.

Governo com orçamento de 415,2 milhões este ano em vales de saúde

O Governo dispõe de 415,2 milhões de patacas para cobrir a utilização dos vales de saúde de 682 mil residentes permanentes do território. Os beneficiários podem utilizar este apoio a partir de dia 1 de Maio e até ao final de Abril de 2021. No que respeita às fraudes nesta matéria, o Governo registou um caso no ano passado que envolve um médico

 

[dropcap]O[/dropcap] Conselho Executivo terminou a discussão do programa de comparticipação nos cuidados de saúde para o ano de 2019, que contempla um orçamento de 415,2 milhões de patacas na utilização dos vales de saúde dos cerca de 692 mil residentes permanentes do território.

À semelhança do ano passado, os vales de saúde serão atribuídos de forma electrónica, sendo que os residentes não necessitam de proceder à sua impressão bastando utilizar o bilhete de identidade de residente, apontou o porta voz do Conselho Executivo em conferência de imprensa, Leong Heng Teng.

Este ano os vales de saúde podem ser levantados a partir do dia 1 do próximo mês e utilizados até ao final de Abril de 2021.

O programa de apoio teve início em 2009 e vai continuar a conceder vales no valor de 600 patacas aos residentes. Estes vales são transmissíveis “total ou parcialmente, a favor do cônjuge ou descendente de 1.º grau em linha directa do beneficiário titular”, recordou o responsável.

No ano passado foram gastos cerca de 92 milhões de patacas com a utilização de vales de saúde. Dos 683.399 residentes abrangidos pelo programa de comparticipação, apenas 24,8 por cento recorreram aos apoios, tendo sido utilizados 301 mil vales.

Fraudes médicas

Entretanto, os Serviços de Saúde (SS) estão a investigar um médico por suspeita de fraude no uso dos vales, sendo este o único caso de infracções nesta matéria registado no ano passado, revelou o sub director dos SS, Cheang Seng Ip, durante a apresentação das medidas de apoio para 2019.

“No ano passado só registámos um caso de infracção”, disse. Trata-se de “um médico que em uma hora recebeu 16 pacientes, ou seja, em cada três minutos recebeu um paciente”, situação que levou o Governo a avançar com uma investigação. “Achámos que não era normal”, acrescentou.

O responsável recordou ainda que desde 2009 os serviços registaram 697 infracções que levaram ao levantamento de 69 processos de acusações.

No mesmo período, “40 instituições médicas cancelaram as licenças de qualificação por distribuírem estes vales de saúde”, acrescentou.

Presidente da Assembleia Legislativa candidato a Chefe do Executivo

[dropcap]O[/dropcap] presidente da Assembleia Legislativa (AL), Ho Iat Seng, anunciou hoje que se vai candidatar a Chefe do Executivo nas eleições deste ano para suceder a Fernando Chui Sai On.

“Decidi candidatar-me para o quinto mandato de chefe do Executivo”, anunciou Ho, de 61 anos, aos jornalistas, depois da reunião plenária da AL, em que Chui Sai On respondeu a perguntas dos deputados.

Ho Iat Seng afirmou que esta ainda é uma “decisão preliminar”, por o responsável integrar o comité permanente da Assembleia Popular Nacional (APN) chinesa, o que o impede de ocupar o cargo de chefe do Executivo de Macau.

O candidato sublinhou que vai pedir a demissão junto de Pequim e que espera uma decisão ainda na próxima semana.

A Comissão de Assuntos Eleitorais do Chefe do Executivo (CAECE) já tinha informado, em Fevereiro, que caso o presidente da AL se candidatasse a chefe do Executivo teria de suspender as suas funções públicas.

Ho Iat Seng não confirmou se vai suspender ou demitir-se do cargo de presidente da AL.

O desempenho das funções de vice-presidente da AL e de presidente deste órgão, nos últimos cinco anos, além da “experiência jurídica na China continental e aqui”, foram algumas das razões que levaram Ho Iat Seng a avançar com a candidatura.

“Já conheço basicamente a máquina administrativa do Governo”, frisou. Para Ho Iat Seng, esta experiência acumulada vai permitir-lhe desenvolver a integração no projecto de Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, criado por Pequim para desenvolver uma metrópole mundial entre as regiões administrativas especiais de Macau e de Hong Kong e nove cidades (Dongguan, Foshan, Cantão, Huizhou, Jiangmen, Shenzhen, Zhaoqing, Zhongshan e Zhuhai) chinesas da província de Guangdong.

Esta metrópole integra cerca de 70 milhões de habitantes e regista um Produto Interno Bruto (PIB) a rondar os 1,3 biliões de dólares, maior do que o PIB da Austrália, Indonésia e México, países do G20.

“Vai ser uma grande oportunidade para nós”, disse Ho Iat Seng, acrescentando ainda que um outro objectivo, caso seja eleito, é “melhorar a vida da população de Macau”.

Em relação ao processo eleitoral, o responsável admitiu que ainda falta muito tempo até às eleições. “Para já a Comissão Eleitoral [do Chefe do Executivo, CECE] não está constituída”, sublinhou.

Em 4 de Fevereiro, as autoridades de Macau deram início ao processo para a eleição do chefe do executivo, ao marcarem para 16 de Junho a escolha dos membros da CECE, que vão eleger o sucessor de Chui Sai On, que por determinação legal não pode apresentar-se a um terceiro mandato.

De acordo com a lei eleitoral, entre a eleição da comissão e a escolha do líder do Governo deve decorrer um período mínimo de 60 dias, ou seja, pode ser escolhido a partir da segunda quinzena de Agosto.

A posse do futuro Chefe do Executivo está prevista para 20 de Dezembro deste ano, data em que se assinala o 20.º aniversário da constituição da RAEM. O Chefe do Executivo de Macau tem ainda de ser aprovado pelo Governo central da República Popular da China.

Cooperação | Chui Sai On reuniu com líder de partido de Taiwan

[dropcap]D[/dropcap]ecorreu ontem um encontro entre Chui Sai On e James Soong Chu-yu, presidente do Partido O Povo Primeiro. De acordo com um comunicado oficial do gabinete do Chefe do Executivo, a reunião serviu para abordar “o reforço da cooperação e intercâmbio entre os dois territórios”, além de terem sido trocadas “opiniões sobre como impulsionar a participação dos compatriotas de Taiwan na construção da Grande Baía Guangdong – Hong Kong – Macau”.

O Chefe do Executivo adiantou também que, com esta visita, James Soong “poderá contribuir com boas ideias, no sentido dos compatriotas de Taiwan participarem na construção da Grande Baía”.

James Soong referiu que “a visita tem como objectivo procurar o espaço para Taiwan participar nesta área”, além de desejar que “os dois territórios possam aproveitar esta oportunidade para impulsionar, de mãos dadas, o grande rejuvenescimento da Nação Chinesa”.

Na manha de ontem, a delegação esteve presente num seminário onde o director dos Serviços de Estudo de Políticas e Desenvolvimento Regional, Mi Jian, apresentou as Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.

Agências de emprego | Governo vai rever honorários pagos por trabalhadores

O Governo vai rever o pagamento dos honorários a agências de emprego pelos trabalhadores não residentes. De acordo com a proposta de lei que vai regular estas entidades, pode ser exigido um pagamento até 50 por cento do primeiro ordenado. Deputados consideram a proporção demasiado elevada

 

[dropcap]O[/dropcap]s honorários a pagar pelos trabalhadores não residentes contratados pelas agências de viagens, que podem ir até aos 50 por cento do primeiro ordenado, vão ser revistos. A ideia foi deixada ontem pelo presidente da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, Vong Hin Fai, onde a proposta de lei que vai regulamentar o funcionamento das agências de emprego está a ser discutida na especialidade.

A ideia é articular as proporções retiradas do salário dos trabalhadores, tendo em conta o previsto na lei das relações de trabalho. De acordo com o diploma, a dedução do salário pode ir até ao máximo de um sexto do ordenado em casos específicos, como por exemplo, na sequência de uma indemnização ao empregador por estragos em bens. “Estes 50 por cento têm de ser articulados com a lei das relações do trabalho em que está estipulada a dedução de apenas um sexto do salário mensal”, apontou o presidente da comissão.

Os deputados da comissão consideram que o pagamento de metade de um salário para cobrir os honorários dos serviços das agências de emprego pode prejudicar o trabalhador, por se tratar de uma proporção muito elevada. Por isso, os deputados “pediram ao Governo para ponderar esta matéria”, sublinhou o presidente da comissão.

Vong Hin Fai adiantou ainda que foi sugerido ao Executivo a possibilidade do pagamento destes honorários em prestações.

Estudo essencial

Em resposta, o Governo “prometeu fazer um estudo e ajustar esta norma dos honorários no próximo texto” disse o deputado que preside à comissão que analisa na especialidade a segunda versão do diploma.

Questionado sobre a possibilidade de eliminar estes honorários por completo, Vong Hin Fai afirmou não saber “o que o Governo vai fazer”.

Os honorários a cobrar aos empregadores também foi motivo de dúvida, porque, de acordo com a proposta em análise, não têm um limite definido. Para o Governo esta questão não deve ser motivo de preocupação porque “as agências vão ser obrigadas a apresentar a lista de preços”.

Países suspeitos

Outra questão levantada na reunião de ontem pelos deputados prendeu-se com a ambiguidade do artigo que proíbe as agências de contratarem “trabalhadores não residentes oriundos de países ou territórios não autorizados”. Para Vong Hin Fai esta alínea “é difícil de entender”.

O Executivo esclareceu que a autorização para contratar trabalhadores estrangeiros é dada na altura de requisição de licença de funcionamento pelos próprios países. Por isso, “é uma autorização que consta na licença da agência de emprego e que refere que já foi autorizado pelo país de origem do trabalhador”, acrescentou.

Revisão da matéria dada

[dropcap]U[/dropcap]ma reportagem no Notícias, de Maputo, relembra-nos como pode descer o homem, na escala dos ratos. Aí se lê: há mulheres moçambicanas a serem forçadas a actos sexuais em troca de ajuda humanitária, na sequência da destruição causada pelo ciclone Idai.

Emergem, em todos os lugares, em estados de crise, comportamentos deste tipo – da Croácia, ao Ruanda, ao Brasil de Bolsonaro: um artista é morto com oitenta tiros e ao Ministro da Justiça só lhe ocorre comentar, “acontece!”. Como em todos os períodos sombrios, flirtamos com o pior da pluralidade humana, à escala global.

Uma educação a sério conseguiria inculcar uma maior humanidade, a civilidade, no comportamento das criaturas? Face à insensibilidade de Moro levantam-se dúvidas mas atenuaria o número de ocorrências bárbaras; uma verdadeira educação humanista reforça o respeito pelo outro e a compaixão.

Entretanto, li um livro a vários títulos interessante, Le Battement du Monde (A Pulsação do Mundo), um diálogo entre dois pensadores: Peter Sloterdijk e Alain Finkielkraut. O livro surpreende pela actualidade, apesar de ser de 2003, sobretudo no diagnóstico traçado no capítulo O Estádio e a Arena.

Vou resumir alguns dos delineamentos aí esboçados. Nada de muito novo, simplesmente bem sistematizado:

«Na hora actual, a psicose de massa mediática substituiu integralmente o senso comum, esse maravilhoso órgão de uso democrático da inteligência colectiva».

Isto é muito claro para quem acompanha no Youtube a caricata evolução política no Brasil, onde enxameiam os canais, individuais ou colectivos, que pretendem substituir o papel dos media tradicionais. No geral, percebe-se que o que move o homem é a ilusão. Depois, a prática prevalecente (muito mais nos representantes da direita do que nos da esquerda) não é a de esgrimir argumentos mas a de taxar os adversários com etiquetas infamantes ou denúncias moralizantes. Modo de ser que se locomove segundo uma espécie de princípio da razão insuficiente herdado da retórica de guerra (em frívolos mas agressivos jogos de linguagem) fomentada pelos jacobinos no período de radicalização da Revolução Francesa. Eles compreenderam, explicam-nos os autores, que, para sobreviver na turbulência permanente, é preciso ser o primeiro a caluniar.

«A calúnia é a primeira arma do povo, ou melhor, dos amigos do povo», e o volume das calúnias urde rapidamente uma “sociedade do escândalo”, a qual garante uma rede à prática da calúnia e nos reenvia para o primeiro teatro da crueldade: o circo romano.

«Se, agora, alguma coisa não funciona no sistema mediático mundializado é por causa desta conversão cada vez menos secreta, cada vez menos decente, do espaço público num circo (…) O espaço público é penetrado por dois mecanismos de competição: aquele das acções de opinião e o das sensações circenses.

Nos nossos dias, a questão é de saber se existe uma vida fora do circo. A maior parte dos nossos contemporâneos responderá pela negativa. Eles estão convencidos que só o circo proporciona a vita vitalis, essa vida desdobrada de um sentimento de significação».

Acresça-se a isto, que decalca o que se passa (eles terem-no detectado em 2003 só confirma que há várias velocidades na globalização), duas outras características concomitantes:

A monetarização da “verdade”, ou seja, a opinião pública transformou-se numa Bolsa.

Repare-se em como o circo da opinião dos canais se transforma numa caça ao níquel. Quem mantém um canal lucra na proporção do número de likes e de visitas; daí que seja preciso dramatizar, acrescentar elementos de sensacionalismo à matéria, para que o vídeo seja mais impactante. Rapidamente as mensagens se convertem em slogans e os argumentos preterem à verdade os efeitos da retórica. O que imita a lógica televisiva. Quando vejo o Olavo de Carvalho a perorar para as centenas de milhares de pessoas inscritas no seu canal, e a usar-se da soberba que o faz afirmar ser o único escritor brasileiro que conhecerá a posteridade, tentando convencer os seus fiéis sobre o geocentrismo e que o Einstein era “um babaca”, só me lembro daquela questão de Brecht: “Que é roubar um banco, comparado com fundá-lo?”.

Esbateu-se a consciência do valor civilizacional, o sentido do respeito pelo adversário e as boas regras intelectivas. O que faz a grandeza das personagens num filme como A Grande Ilusão, de Renoir?

A monetarização da “verdade”, ou seja, a opinião pública transformou-se numa Bolsa

Aquilo que parece uma ideia inócua a borbulhar numa proveta burguesa, é mais sério do que se afigura. Não apenas à superfície isso sustente a vaga de anti-intelectualismo que vemos emergir por todo o lado, como é sintoma disto: «Os novos denunciantes, no momento do insucesso, tentam mudar as regras do jogo. É isto, o fascismo. Deixa-se cair as boas maneiras do combate quando se compreende que na arena actual há risco de se perder a vantagem. Produz-se então um último esforço desesperado para negar a derrota. É por esta via que o terrorismo jacobino se volta a instalar na nossa cultura.»

Onde fica a ética no meio desta amálgama de tudo ao molho e fé na calinada? Talvez um princípio dela seja esboçado pelos autores quando defendem: «(…) é preciso reformular um código de combate, implicando o cuidado do inimigo. Quem não quer ser responsável por um inimigo já cedeu à tentação do tanto pior melhor. Querer ser responsável pelo seu inimigo: o gesto primordial de uma ética civilizadora dos conflitos. Se a forma do “celerado” é a única maneira de conceber o inimigo, aí estamos já embrulhados no massacre imaginário.»

Será isto entendido por poucos, paciência. Começa-se sempre por poucos. Na Grécia antiga inventaram-se os Jogos Olímpicos como uma emulação da violência e a competição agónica substituiu a guerra. São de soluções deste tipo – que implicam um reforço da simbolização, i. é de um retorno da astúcia, da persuasão, da inteligência e da capacidade interpretativa articuláveis no espaço público, contra a literalização cognitiva e a calúnia que aí se jogam – que o futuro necessita para se proteger.

Ser livre

[dropcap]H[/dropcap]á umas décadas, ser livre era coisa só de revolução. Não se falava de outra coisa. E não se admire o mais blandicioso dos leitores, se o cenário se vier a repetir, pois o diabo à solta é coisa íntima destes pobres mortais que somos todos nós. Mais recentemente, a ideia de que ser livre é, também – dir-se-ia sobretudo – um ofício aplicado de cada pessoa foi-se tornando, a pouco e pouco, permeável na nossa sociedade. Por trás de cada uma destas concepções, que as mentes mais aferradas adoram opor uma à outra, respiram desígnios com tradição e com algum mar ao fundo (nem sempre com a melhor vista para a rebentação, conceda-se).

Neste mês que tem a coloração dos prodígios, o tema apetece. Mas dissertar apetecerá muito menos, até porque as folhas já encheram as árvores da Infante Santo e os sintomas dão-se agora a ver, mais por breves acenos e sinais do que por discursos que ocupariam a parede toda do tempo. Passemos então ao contorcionismo, ou seja: passemos a drapejar alguns dos sintomas. Escolhi três: escravaturas fugazes, famílias empapadas e multidões a eito.

Primeira história: quando alguém adora ser (ou confundir-se com) a linguagem que estudou.

Uma desses ‘bons espíritos’ que coloca likes nas redes sociais antes de ler seja o que for, incluindo estas minhas crónicas (sim, o afecto é o sistema solar inteiro), perguntou-me outro dia: “Do que tratam as tuas crónicas?”. Como bom actor, fingi que nada de anormal se passava da fronteira de Badajoz para cá, e respondi: “Gosto de cogitar sobre o nosso tempo, avançando e recuando como e quando me apetece, e sobretudo sem depender de heróis, ou daquilo que geralmente se designa por formações especializadas (referência a quem diplomado em X apenas fala de X ou, pelo menos, invariavelmente com o filtro de X, sem outros esforços adjacentes). A pessoa ficou sentida. A psicologia – e a linguagem técnica da psicologia que através dela falava – era a sua casa, isto é: propriedade privada em sentido estrito. Não gostou de perceber que assim era, na sequência do nosso abrasivo diálogo. Mas convenhamos que acontece tanta vez que um discurso (psicológico, filosófico ou de outra área) sobre um tema importante se torna numa verdadeira rebarbadora, por ser construído apenas por ‘palavras de ordem’ que só têm – ou teriam – vida própria no seio da redoma em que (e para que) foram criadas. Como se não se pudesse, de modo desalinhado, indagar o mundo fora desses limites. Como dizia o Jorge Silva Melo no filme ‘Ainda Não Acabámos: Como Se Fosse Uma Carta’ (2016) – “O que interessa é o início do gesto, o gesto a abrir-se”. No entanto, grassa por aí uma infinidade de ‘bons espíritos’ para quem o mundo é uma coisa fechada, feita de concordâncias fictícias e com vista apenas para remições ilusórias. Na realidade, ser-se escravo é, também, permitir que uma linguagem qualquer se sobreponha ao que uma pessoa é, enclausurando-a numa espécie de armário calafetado de onde não se vê sequer o mundo, quanto mais um bom buraco negro.

Segunda história: quando as famílias travam a redescoberta mais íntima da liberdade.

Ser livre implica uma radical autonomia face ao ruído que desaba todos os dias sobre as nossas cabeças.

A minha geração passou o tempo todo a rebelar-se contra essa “vaga sagrada que é a família”, expressão utilizada por Marina, uma das personagens que expressamente o repetiu no romance Lusitânia (1980) que Almeida Faria escreveu no final dos anos setenta. Laivos e indícios do Maio de 1968, porventura. Ainda que a família dita tradicional esteja em vias de fanico, falar deste tópico, hoje em dia, é o mesmo que lucubrar sobre os falanstérios de Charles Fourier. De qualquer modo, muito do que separa os dois países onde vivi, o nosso e a Holanda, é neste campo que se encontra. Nas terras de Vermeer, os jovens saem de casa antes dos vinte e o estado há muito que se colou à itinerância e estimula até a procissão. E pode fazê-lo, claro está. Por cá, a saída de casa já está no final dos trinta e, muitas vezes, é coisa que vai para além disso. O itinerário torna-se pegajoso e é evidente que os factores materiais acabam por selar a angústia das longas e traumáticas dependências. Estou em crer que este é um dos factores que mais amarra, em Portugal, as pessoas a formas de liberdade (muitas vezes) apenas abstractas e sem grande saída. O percurso próprio e livre, esse, é sempre o mais complicado.

Terceira história: quando as multidões e as suas furiosas causas ascendem ao vazio.

Perdemos também a liberdade, quando nos deixamos arrastar pelo vórtice, mesmo se as causas forem da maior nobreza. Aconteceu comigo. Há umas semanas, quando o tema da violência doméstica atingiu o clímax mediático, eu achei que o caso da cabeça de uma mulher encontrada na praia de Leça da Palmeira passava todas as marcas. E passava e passa, como é óbvio! Sinceramente indignado, embarquei no jorro e denunciei, dando à estampa um post em conformidade. Há semana e meia, veio a saber-se que o homicídio fora obra de uma outra mulher, devido a uma dívida e não a violência doméstica. Ir no rebanho, ainda que animado pela mais alta graça dos deuses, pode ser ruinoso para a nossa própria liberdade. O ‘Me Too’ e os seus feéricos apoiantes, lá no olimpo da sua infinita ‘magistralidade,’ têm muitas vezes caído nesta armadilha soez. No meu caso, o desacerto é e foi sobretudo da minha consciência e não teve, de certeza, consequências de maior. Seja como for, ser livre implica – deixem-me empregar palavras de Heidegger que não são propriedade privada de ninguém – não estar entregue ao “ente intramundano” e ao vazio que aprisionam e que não permitem “aceder a si mesmo”. Por outras palavras ainda: ser livre implica uma radical autonomia face ao ruído que desaba todos os dias sobre as nossas cabeças. Jogo complexo, é certo, mas o único em que vale mesmo a pena acreditar (até porque um clímax mediático não é, na larga maioria das vezes, um clímax efectivo e real).

Precipícios interiores

“Lembro-me de ter pensado que

há coisas que só se engolem
com muita fome e uma flor à frente.

Mas ele era um sem-abrigo ainda jovem

qualquer dia
já nem vai precisar da flor.”
André Tecedeiro

[dropcap]É[/dropcap] a terceira ida ao supermercado este mês. A música ajuda, sempre e em tudo. Bolsos e carteira vazios. Contas bancárias por onde nem o vento passa. As botas escorregadias por já não terem capas nas solas. A mala a precisar de ser cosida. A mala e a vida. Ou ela a si mesma. Pensava que era uma mulher, e a constatação de que esteve numa dolorosa aula de ioga nas últimas vinte e quatro horas acrescenta dez centímetros ao seu já maltratado ego. A fome é um precipício interior, erguido a medo, desolação, desespero. Quando chegamos ao limite ou ao que julgamos ser o nosso limite, eis que descobrimos os alheios e, sobretudo, a falta deles.

No autocarro, o cheiro do pão ainda quente. Outro dia, ao telefone, dois estranhos discutiam o que se conseguia comprar no supermercado com seis euros. Alguém, do lado de lá, dizia ser “muita coisa”. A estranha do lado de cá, com ironia, respondia, “Eu sei muito bem o que dá para comprar com esse dinheiro.” Seguiu-se um “Nada”, mudo. Mas ela sabe, afinal faz somas na calculadora do telemóvel a cada produto que escolhe, não vá o dinheiro tecê-las. Um após o outro devora três dos quatro pães que estão no saco. Armazenar é preciso, mas todos os dias se gasta, e a reposição não chega a ser feita em tempo útil.

Está cansada. Cansada de precisar, de depender, de não ter. Cansada de malabarismos financeiros nos quais o saldo acaba sempre negativo. Cansada de adiar, de adiar-se. De fazer planos e falhar-lhes. Cansada de falhar a si mesma. De não poder ser aquela com quem se pode contar. De falhar aos outros, mesmo se eles não o sabem ainda. A negação caminha de mão dada com a prostração. Raramente se permite chorar. Mas há dias em que não suporta a própria vida, dias em que não sabe quem é esta pessoa que se mantém por cá, que tem sempre um sorriso sincero para dar, que por vezes quase parece esquecer-se da situação em que vive. Que não quer preocupar ninguém, que guarda os desabafos até ao último momento.

Jardineira, panados de peru com massa, coelho com batatas fritas, peito de frango com esparguete. Poderia ser a lista de pratos do dia num qualquer restaurante, mas são parte da ementa privada que a colega do lado lhe tem trazido para o almoço. Comemos fora, estamos habituados a que sejam outros a preparar a nossa comida. Então, porque é tão estranho que alguém no-la traga? É a tal da vergonha. A paralisante vergonha da necessidade. A gratidão tem o mesmo efeito. Porque nunca parece suficiente. Porque a sentimos de tal modo que nem sabemos como expressá-la. A lista continua. Café, bananas, pêras, maçãs. A gratidão caminha lado a lado com a culpa e o pensar no que pertence e poderia, poderá, será que faz?, falta a outros. A culpa pelo sacrifício alheio é uma das mais corrosivas. Corrói mais do que dias corridos a sopa de pacote e pacotes de ketchup (surripiados de um restaurante de fast food), do que as noites em que vai para a cama sem jantar. Quando vivemos sozinhos, tudo dura mais tempo, não é assim?

A delicadeza de quem, para além de tão grande gesto de compaixão, ainda nos pergunta se gostamos disto ou daquilo, para nos dar a escolher, como se fôssemos da sua própria família. A delicadeza emudece, emociona, transforma. Há um precipício, mas não temos de atirar-nos dele. Muitos o carregam dentro de si e andam no meio de outros, em igual ou pior situação, e nada que os distinga porque a fome é isso mesmo, uma ameaça que demora muito a deixar-se ver. Há um precipício. Há mãos que nos agarram no último momento. Às vezes essas mãos são bem pequenas mas pertencem a alguém de coração gigante. Eu espero que haja sempre alguém que nos encontre. Há um precipício mas não temos de ceder. Podemos sentar-nos à sua beira e, com sorte, na relva. Com sorte, haverá flores. Com sorte, dias melhores.

Crise de vegetarianismo

[dropcap]O[/dropcap]s problemas com o meu editor começaram desde o início da nossa relação. Não que ele fizesse mal o seu trabalho ou fosse mau tipo, era do melhor que conhecia. Um ser superior, com um conhecimento raro do vocabulário e da construção frásica. Uma cultura fora do normal, mas da verdadeira, aparada no estudo da História, da Filosofia e na percepção do Homem e dos seus cantos da alma, mas sobretudo por ser um indivíduo viajado, com os pés esfolados pelo mundo fora. E na Lua.

Tinha graves lacunas no meu estilo, na talhante forma de aglomerar frases e ideias desagregadas, órfãs de sentido. Por isso, precisava dele como pão e água. No fundo, acreditava em mim e nunca desistiu de esculpir a pedra, retirando o bruto e o supérfluo, deixando apenas a essência a brilhar, embora eu sentisse que a brutalidade das minhas palavras era o que resolvia a trama e, por si, davam conta do recado. Mas sentia que faltava alguma coisa e sabia que ele escrevia melhor do que eu. Por todas essas razões, refilava pouco e até só a um certo nível. O não evitava, no entanto, que as nossas discussões por dá cá aquela palha fossem frequentes. Às vezes bastava o número de páginas de um livro.

Sempre fui claro. Um dos eixos da nossa discórdia – afirmei-o logo na primeira conversa – foi quando lhe disse que ir a lançamentos de livros, a feiras e a folclores com o público, não era comigo. E ele chateava-se e gritava, esbracejando, dizendo-me barbaridades. Nesse ponto, eu era intransigente – nunca dei um milímetro a mais – e foi assim que aconteceu: mal aparecia. Quando surgia um romance uma compilação de contos ou de crónicas, ou aquelas coisas avulsas sempre que se aproximavam certas comemorações ou morria alguém, ele voltava a insistir e ordenava: “Tens de ir!” Às vezes eu até dizia que ia, só para não o ouvir mais. “Ok”. Mas depois não punha lá os pés.

Mas a questão da promoção resolvia-se bem, porque eu mandava sempre um substituto que vestia a minha pele. E às tantas, era tão grande a quantidade de gente diferente, de variadas origens e feitios, que os meus leitores se habituaram às minhas transfigurações e até me chamavam “o camaleão”. Acontecia também com entrevistas, sempre que os meus livros faziam algum furor, mesmo na televisão, por vezes em directo, não era eu que lá estava.

Gostava muito de mandar o Homem do Talho, figura eloquente do bairro adjacente ao meu. Confidente de velhinhas e de outras gentes de todas as idades e estratos sociais. Amigo do seu amigo e frequentador dos cafés e tascas, onde não se negava a beber um copinho a mais. Foi numas dessas ocasiões que o conheci e o abordei de imediato. Nestas coisas nunca se deve perder tempo. Aceitou de pronto quando lhe expliquei o que queria. “Vais ali às tantas horas e apresentas o meu livro, que é sobre isto e aquilo”. Contava-lhe um pouco do enredo, da formação das personagens e de como cheguei ao ponto de conseguir escrevê-lo e soltar aquilo tudo cá para fora. Depois de todos os esclarecimentos, ele tinha sempre as suas questões, eu rematava: “Diz o que te passar pelas ventas, não há problema. És tu, sou eu”.

E assim foi. Divertia-me a ler as entrevistas que dava, as poses estudadas que fazia para os fotógrafos, a aparecer nos ecrãs, a ser citado nos jornais e nas revistas literárias, a escorrer sobre a minha vida, cobrindo-a por completo, dos pés à cabeça. Falava sobre coisas que eu desconhecia que tinha feito, mas que a partir dali se tornavam parte da minha biografia e a complementavam. No final, voltava ao seu lugar, no Talho e a sua alegre vida retomava os quadris habituais, continuando como sempre tinha sido até ali.

O meu editor ia aos arames e saltava-lhe a tampa. Outra coisa não seria de esperar. Ligava-me a dizer que ia acabar com aquela farsa, que ia revelar a minha verdadeira face. Dizia “trombas”, a ver se me arreliava. Mas à medida que se irritava também se convencia do contrário, demovendo-se de fazer algo que pudesse contrariar as resenhas positivas que iam saindo sobre as obras e sobre mim, algumas até na imprensa cor-de-rosa. Como tal, o seu silêncio fazia com que o meu nome continuasse a ser falado, deixando correr o fluxo natural da minha crescente popularidade. Normalmente, o seu frenesi durava menos de uma semana e, como os livros vendiam bem, a fleuma acabava por se esbater por completo. Olhando para trás, posso afirmar com certeza que toda aquela encenação – fosse com quem fosse – resultava em pleno e dava os seus frutos. E no fim de tudo acabávamos a festejar o estratagema, do qual ele ao fim do segundo conhaque já se vangloriava, com noites de folia até altas horas da madrugada.

Isto, até que chegou o dia em que eu lhe disse que ia deixar de escrever, que tinha chegado ao fim e já não tinha mais nada para dizer. Aí é que foi! Deixou de me falar durante semanas. Atravessava a rua para o outro lado para não se cruzar comigo. Deixava-me mensagens ameaçadoras, a oferecer-me violência. Que ia dar cabo de mim. Que nunca mais me punha de pé. Mas depois lembrou-se do Homem do Talho e dos outros. E mais! De que eu, na verdade, não existia. Que apesar de todo o sucesso e dos milhares de livros vendidos, eu era fruto de uma série de circunstâncias que passavam muito pela sua função de editor e pelo seu vasto conhecimento literário.

Mas o que aconteceu foi que o Homem sem o seu Talho perdia toda a naturalidade. E a retórica que lhe era característica – que aos olhos do Editor tantas vezes me safou –, repleta de palavreado de rua que só ele dominava, esmoreceu a olhos vistos.

Foi então que o Homem do Talho, finalmente, deixou em definitivo o seu emprego e passou a correr o país inteiro como se fosse um cantor de salão de baile. Ao início, a coisa até correu bem. Com outro nome, apesar das parecenças que tinha com certas fases da minha inconstância camaleónica, o público aceitou-o com agrado, prendendo certo nicho de mercado. Vendia bem, e com boa cadência, em supermercados e charcutarias. Arrumado nos sacos de velhinhas e donas-de-casa, entre uma perna de borrego e um naco de alcatra, preenchia as necessidades dos lares. Um quilo de chambão. Uns pezinhos de porco ou uns pipis ao natural. “Só para picar!”

Mas o que aconteceu foi que o Homem sem o seu Talho perdia toda a naturalidade e a retórica que lhe era característica, que aos olhos do Editor tantas vezes me safou, repleta de palavreado de rua que só ele dominava, esmoreceu a olhos vistos. Eram as saudades de passar a mão por um pedaço de charolês, de escalar o lombo a um angus ou de perder uma tarde inteira a desossar um frango do campo. Com o bairro deixado à míngua e sem o fulgor do passado, dada a sua ausência, a partir dali não havia mais nada a fazer. O mecanismo trocou as suas voltas e acelerou um percurso descendente. E o papel de escritor, que gradualmente era acometido por depressões e vícios para as combater, já nem para embrulhar umas perninhas de rã servia. Passava as horas a olhar para catálogos e páginas na Internet cheios de picadoras de carne, formadoras de hambúrgueres, amaciadores de bifes e máquinas de vácuo. E, claro, a obsessão maior recaia nas facas e nos amoladores mais eficazes. Era uma vida triste.

O Editor ainda lhe deu um desconto e teve uma certa paciência, na esperança de algum milagre. Saía com ele, animava-o, punha-o a beber. Mas impaciente, como era seu hábito, depressa se fartou. E dali até o abandonar, deixando-o em absoluto enrolado à sua sorte, foi um tirinho. Nem uma dúzia de shots de tequila o conseguiu disfarçar.

Orgulhoso, de forte cepa transmontana, o Homem não foi capaz de regressar ao seu Talho. Nunca voltava atrás nas decisões que tomava. Em vez disso, a caminho de uma sessão de autógrafos numa bomba de gasolina, com pavor de que o próximo passo fosse tornar-se vegetariano – algo que ia contra os seus maiores princípios – e com o intento de se suicidar, atirou-se para uma trituradora ciclópica no matadouro clandestino de uns leitores amigos que o tentavam confortar. “Uma boa morte”, pensara momentos antes de dar o impulso final e misturar-se com a sua matéria prima de eleição: carcaças e miudezas. Pintos acabados de nascer. Ia feliz, poder-se-á supor. No dia seguinte, os hambúrgueres dos refeitórios escolares tiveram um sabor especial. Mas ninguém falou nisso. Ou não quis falar. Sabiam a resmas de papel.

Quando soube, o Editor já a tinha fisgada e não fez muito alarido. Ficou pasmado com a macabra ocorrência, claro, mas depois não pensou mais naquele homem. Em vez disso galgou para as costas do impostor que se seguia no filão da minha forjada biografia e continuou a sua senda. A galope.

Quanto a mim, se ainda querem saber, não abri mais a boca. Nem comi carne.

Universidade de Lisboa com planos para Xangai e Zhuhai

[dropcap]O[/dropcap] reitor da Universidade de Lisboa (UL) afirmou ontem que espera “assinar em Maio” um acordo para a criação de uma faculdade na Universidade de Xangai, prevendo o início das suas actividades no ano lectivo de 2020/2021.

“Espero assinar em Maio um acordo de criação de uma faculdade da UL na Universidade de Xangai”, disse António Cruz Serra na sua participação na conferência. O académico referiu que a nova faculdade da UL naquela cidade chinesa será uma plataforma de formação, entre outras áreas, de engenharia electrotécnica e engenharia civil.

“São iniciativas que honram muito a UL, o caminho é muito complicado – já estamos a trabalhar nisto há muito tempo”, afirmou.

António Cruz Serra disse que, embora haja semelhanças entre as burocracias portuguesa e chinesa, há alguma dificuldade em “compatibilizar” países com “duas culturas tão fortes nesse sentido”.

“Espero que tenhamos esta iniciativa em funcionamento no ano lectivo de 20/21″, referiu.

O reitor explicou que as propostas terão de ser apresentadas na China “até Setembro deste ano” e que as “negociações e as conversas dos professores das diversas áreas consoante os cursos estão muito avançadas”.

“Daqui a dois ou três anos, teremos, pelo menos, 500 alunos a virem fazer pelo menos um ano à UL e seremos responsáveis, pelo menos, por mais de 30 por cento da leccionação em Xangai.

Seremos também responsáveis pela gestão académica, mas também pela gestão administrativa desta faculdade. Vai ser um grande desafio”, disse.

O reitor esclareceu também que o ensino na faculdade da UL em Xangai será realizado em inglês, mas terá uma segunda língua, nomeadamente portuguesa, que permitirá que os estudantes tenham “obrigatoriamente, disciplinas de português”.

No seu discurso, António Cruz Serra disse ainda que a Universidade de Lisboa foi convidada para criar, em conjunto com uma universidade chinesa, uma universidade em Zhuhai.

António Cruz Serra sublinhou que Macau constitui “sempre uma plataforma importante”, uma vez que ajuda a que os “parceiros chineses possam saber mais” sobre Portugal. Nesse sentido, o reitor da UL referiu que há uma “excelente colaboração” com a Universidade de Macau e com o Instituto Politécnico de Macau. “Temos estado muito alinhados com o que têm sido as decisões para o ensino de português e de outras iniciativas que têm sido desenvolvidas”, acrescentou.

Macau, 20 anos | Ex-secretário adjunto de Almeida e Costa salienta importância das ZEE

[dropcap]J[/dropcap]oão Costa Pinto, ex-secretário adjunto para a Economia e Finanças da Administração do Governador Almeida e Costa, recordou o período em que chegou ao território e compreendeu que a criação das Zonas Económicas Especiais, em Shenzen e Zhuhai, pelo Governo de Deng Xiaoping iria determinar o futuro de Macau. “Percebi que o desenvolvimento de Macau dependia do desenvolvimento do Delta do Rio das Pérolas. O território ia depender do desenvolvimento económico destas ZEE.”

“Não precisei de muito tempo para perceber duas coisas: uma de que, ao criar as ZEE, o Governo chinês estava a transformar o Delta do Rio das Pérolas num polo de transformação. Tal faz-nos compreender o alcance extraordinário desta decisão, visto 30 anos depois”, acrescentou João Costa Pinto.

Actualmente vice-presidente da Fundação Oriente, o economista recordou as dificuldades com que se deparou quando chegou ao território para gerir a pasta da economia. “A capacidade da Administração em diversificar a economia era muito limitada.”

“Compreendi, na altura, que a insuficiente utilização do território como plataforma era o resultado de um complexo conjunto de resultados. Havia um bom ambiente político, mas também um longo caminho a percorrer até à normalização. Eram poucos os empresários portugueses com capacidade e visão”, disse.

Neste sentido, João Costa Pinto admitiu que “procurou assinar vários acordos”, sem sucesso.

“Tudo mudou, pois hoje a nossa economia está integrada na zona Euro e temos novas gerações de empresários. Macau está integrada na grande economia chinesa e procura sair, ela própria, da via do jogo e diversificar a sua economia como plataforma de serviços. Permaneço convencido de que, apesar da distância e de subsistirem limitações, as raízes são profundas. Temos de procurar preservar as ligações, com ajustamentos feitos às mudanças económicas e políticas que se verificam cá e lá”, rematou.

Cooperação | Portugal quer aproveitar centralidade de Macau

Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, disse ontem em Lisboa que o país pretende aproveitar a centralidade de Macau na zona do Delta do Rio das Pérolas para aprofundar as suas relações com a China

 

[dropcap]N[/dropcap]a conferência “O Futuro de Macau na Nova China” o crescimento económico chinês e as relações diplomáticas com Portugal acabaram por dominar grande parte dos painéis de debate. Sobre o futuro de Macau, as grandes palavras de ordem foram a integração e a história que Portugal possui com o território.

Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, defendeu que o país deve tirar partido da centralidade do território no sul da China.

“Devemos tirar todo o partido do facto de Macau ter uma posição muito central na zona do Delta do Rio das Pérolas, que é uma das grandes regiões de expansão económica na China”, começou por dizer.

Sem querer pronunciar-se sobre o futuro de Macau, por ser “um processo que será decidido pela República Popular da China (RPC)”, Augusto Santos Silva disse que essa centralidade ditou a abertura do consulado-geral de Portugal em Cantão, bem como a abertura de uma delegação da AICEP na mesma cidade chinesa.

Quanto ao Fórum Macau, Augusto Santos Silva apontou que “nos primeiros 15 anos provou a vantagem de ter esta plataforma”, não sem antes tecer algumas críticas ao financiamento de projectos específicos de investimento.

“(O Fórum Macau) precisa agora de mostrar a sua utilidade através de projectos concretos financiados pelo Fundo”, frisou.

Cumprimento da Lei Básica

Falando de um “relacionamento muito antigo”, Augusto Santos Silva lembrou que “devemos olhar para o futuro de Macau na China e o futuro das nossas relações com a RAEM dentro do quadro mais geral do relacionamento bilateral entre Portugal e a China”.

O dirigente destacou “a qualidade desse relacionamento histórico que sempre foi isento de qualquer conflitualidade e que foi capaz de desenvolver-se em vários planos, a nível comercial, cultural e de cooperação política”.

Santos Silva lembrou ainda a pacífica transferência de soberania de Macau para a China, que este ano celebra o seu 20.º aniversário. O ministro destacou “a transição exemplar de Macau e a forma como têm sido cumpridos todos os compromissos constantes na Lei Básica”, algo que “tem acentuado a qualidade e a natureza do relacionamento entre Portugal e a China, de tal modo que um país pode dizer do outro que é parceiro numa dimensão tão importante como as áreas político-diplomática, cultural, educativa e linguística”.

Neste sentido, Santos Silva destacou o facto da língua portuguesa continuar a ser falada e ensinada no território. “O português nunca se ensinou tanto como agora, e nunca se usou tanto o português em Macau. Usa-se mais o português e ensina-se do que nos tempos em que Macau estava sob Administração portuguesa.”

Existe hoje, em Macau, “um pleno respeito pelas instituições, pela cidadania macaense e pelos compromissos assumidos pelos dois Estados”. “Espero que continuemos a cumprir a Lei Básica e a assegurar que este processo de transição continue a ser exemplar”, acrescentou.

Sim à integração

Cai Run, embaixador da China em Portugal, defendeu também que a integração regional é uma das metas para o futuro de Macau.

“O Governo Central apoia Macau na sua integração e nos projectos de ‘Uma Faixa, Uma Rota’ e da Grande Baía Guangdog-Hong Kong-Macau, realizando o desenvolvimento e prosperidade comum entre Macau e o continente chinês.”

O embaixador adiantou também que, com o mesmo apoio de Pequim, a RAEM “vai integrar-se aceleradamente na trajectória do desenvolvimento chinês fazendo maiores contributos para a relação sino-portuguesa”.

Já o ministro Adjunto e da Economia português considerou ontem que as relações entre Portugal, a China e o mundo falante de português “têm um caminho de progresso muito significativo”, sublinhando que Macau pode desempenhar “um papel muito importante nesse relacionamento”.
“Portugal e a China têm relações de mais de 500 anos que surgiram e se densificaram, sobretudo, a propósito de Macau. A relação de confiança que se estabeleceu entre os dois Estados, particularmente na questão da transição da administração do território para a RPC permitiu consolidar relações históricas e o conhecimento recíproco em benefício de ambos os povos”, realçou Pedro Siza Vieira, no encerramento da conferência.

Numa mensagem vídeo, o ministro salientou que o “protagonismo de Macau num futuro de cooperação entre a China e os países falantes de português” representa um “factor decisivo do futuro” do relacionamento de Portugal “em benefício do desenvolvimento económico e da prosperidade” dos povos.

“Portugal conhece bem Macau. Macau conhece bem a realidade lusófona. Está bem integrada na República Popular da China e a presença muito significativa de uma comunidade importante de portugueses na região, também apoia este processo”, argumentou.

Pedro Siza Vieira indicou ainda que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) representa mais de 4 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e situa-se “em mercados muitos importantes” como a União Europeia, mercado com quase 500 milhões de habitantes e também nos continentes americano, africano e asiático.

Wong Wai Man vai a julgamento devido a perturbação da campanha de Sulu Sou

[dropcap]W[/dropcap]ong Wai Man, candidato que se destacou nas eleições para a Assembleia Legislativa por utilizar as roupas do Partido Comunista, vai ser julgado pela prática do crime de desobediência qualificada. A confirmação foi avançada pelo próprio Wong, ao HM, que em 2017 foi o primeiro candidato pela lista “ajuda mútua Grassroots”.

No entanto, e apesar de ter confirmado que vai ser julgado devido aos acontecimentos ligados à campanha eleitoral, Wong afirmou que ainda não conhece a data em que vai ter de comparecer no Tribunal Judicial de Base (TJB).

Em causa estão os acontecimentos de 13 de Setembro, quando um grupo de pessoas importunou uma acção de campanha da lista Associação do Novo Progresso de Macau, liderada por Sulu Sou.

Segundo os relatos do portal Macau Concealers, sobre esse dia, por volta das 17h00, quando a lista de Sulu Sou fazia campanha no cruzamento da Rua do Canal Novo com a Rua Nova da Areia Preta, Wong Wai Man apareceu no local, de altifalante, e começou a gritar perturbando a acção de campanha.

Após este cenário, a lista ligada à Novo Macau chamou as autoridades ao local, que pediram a Wong para deixar a área e não perturbar a acção de campanha. No entanto, o candidato da ajuda mútua Grassroots terá recusado cumprir as ordens da polícia. As imagens sobre o acidente, partilhadas pelo mesmo portal, mostram que num determinado momento Wong subiu a um pilar e continuou a gritar. Além disso, pegou também numa lança e fez o movimento de ataque para os membros da lista, ao mesmo tempo que continuava ao gritos.

Outros envolvidos

No mesmo processo estarão ainda envolvidos Lee Sio Kuan, líder da lista Ou Mun Kong I, e membros da lista “Início Democrático”, que era liderada por Lee Kin Yun. Em relação a Lee Sio Kuan, o vídeo partilhado pela Macau Concealers mostra o então candidato a dirigir insultos à câmara, enquanto é afastado pelas autoridades. Já Lee Kin Yun é mencionado no artigo da publicação em língua chinesa como tendo insultado membros da lista de Sulu Sou.

O HM tentou contactar Lee Sio Kuan e Lee Kin Yun para confirmar as acusações no âmbito do mesmo processo, mas até ao fecho da edição não conseguiu.

Apesar dos avisos da polícia, os envolvidos só dispersaram do local quando a lista do actual deputado deixou o local de forma pacífica. Até esse momento, os acusados continuaram a agir de forma a perturbar a acção da campanha e adoptando uma postura contra as recomendações e ordens dos agentes da Polícia de Segurança Pública no local.

O parto é sexo

[dropcap]C[/dropcap]ontinuando a rubrica que existem desencontros entre ter sexo e fazer bebés, há que desmistificar o parto como o simples e higienizado acto de parir. A Ina May Gaskin é uma parteira norte-americana que defende a sexualização do parto. Se o sexo trouxe a criação última, também é o sexo que nos ajuda a perceber o nosso corpo na altura de parir.

A imaginação popular mostra o parto como um momento nada gracioso. Mostra-o doloroso, difícil, de alto risco para o bebé e para a mãe. Deve ser controlado a todos os momentos. Mas há muito medo à volta do parto. Como é que uma criatura que cresceu tanto consegue sair de um canal tão pequeno? Todas vivem no horror deste desajuste. Só que este medo não ajuda ao parto em si – o parto é um jogo de hormonas, ter adrenalina no corpo só faz com que o corpo tenha vontade de fechar e fugir. Se estivessem a parir no meio da selva e aparecesse um tigre, o vosso corpo dir-vos-ia: ‘Parem tudo! O melhor é sair daqui para fora’. As hormonas precisam de ser simpáticas para o que está a acontecer. Na vida contemporânea não há o risco de um tigre aparecer, mas há outros medos que podem atrapalhar o processo.

A hormona que se quer é a oxitocina, e essa é a hormona do amor – a do sexo, se quiserem. O corpo encarregar-se-á de produzi-la naturalmente durante o parto, mas é sempre bom ter uma ajuda. Essa ajuda só virá quando o parto for visto como a continuação de uma sexualidade saudável. Por isso é que há quem defenda que este é um momento de amassos, beijos, abraços e carícias também. O alargamento vaginal ocorre naturalmente durante o sexo. Da mesma forma que o pénis se expande, a vagina também se expande. Se o parto precisa de uma boa expansão porque vai sair um bebé de uma vagina, a Ina May Gaskin sugere estimular o clitóris. Só que tornar o parto sexual com uma possível estimulação clitoriana é uma visão demasiado pornográfica para o sagrado nascimento. Uma coisa é fazer e ter um bebé, outra coisa é o sexo. A linha é ténue, mas em vez de vermos o mundo a preto e branco, as gradações de cinzento ajudam-nos a perceber mais e melhor os nossos corpos e os nossos medos.

A consciencialização do sexo no parto também apoia partos cada vez mais naturais. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, as cesarianas são eficazes na mortalidade infantil quando variam entre 10-15% dos nascimentos. Há países com valores bem mais altos que esses (Portugal e a China estão entre os 30-40 por cento). Outros procedimentos menores – como a episiotomia, um corte no períneo – são utilizados por rotina, e não quando são estritamente necessários. Por isso é que há quem pondere parir longe das paredes hospitalares e ficar em casa com uma parteira. Não porque haja negligência médica, mas porque o ambiente e o contexto hospitalar podem oferecer condições adversas para um corpo que tenta dilatar naturalmente. Para mulheres com uma gravidez de baixo risco, ficar em casa com as pessoas que ela quer por perto faz com que a recente mamã se sinta mais confortável. Espaços onde não seria alienígena uns beijos ou estimular o clitóris. Tudo isto ajuda na magia que é aumentar o colo do útero e a vagina para empurrar um bebé para o mundo.

Percebo bem como é que pode ser um choque pensar no sexo e no parto como complementares.

Romantizar o parto também não é a solução ideal. O parto é bonito com a sua sujidade e a sua estranheza. Olhá-lo como um procedimento médico parece um extremo a evitar. O processo natural para o qual o corpo passou imenso tempo a preparar-se precisa de sexo. A aceitação do sexo e da vagina – e dos seus super-poderes – fazem o parto sexual.

A timidez da coroa

Ao Francisco Amaral, in memoriam

[dropcap]E[/dropcap]xiste um fenómeno natural que tem um nome poético: timidez da coroa. É um processo observado em algumas espécies arbóreas, em que as copas frondosas das árvores não se tocam entre elas. Vistas do solo criam uma espécie de mapa em que o céu aparece como uma fronteira de azul, como um rio aéreo em que as árvores são as margens. A causa deste fenómeno, descoberto em 1920, ainda não está definitivamente assegurada. Alguns cientistas afirmam que esta timidez existe para proteger as árvores de insectos nocivos; outros concluem que é uma forma de sobrevivência, para que a luz que entra por estes intervalos entre as copas possa permitir uma melhor fotossíntese e, por consequência, um melhor desenvolvimento da árvore. Um entendimento entre gigantes que não se tocam para benefício de todos.

Descobri há dias esta timidez da coroa – belíssimo nome, paradoxo involuntário e genial – graças a um vídeo que me apareceu numa rede social. Pouco antes, a mesma rede social tinha anunciado, de surpresa e sem filtros, a morte de Francisco Amaral, radialista de excelência entre outros atributos. E de imediato achei que ambos os acontecimentos estavam relacionados.

Porque nas nossas vidas existem pessoas assim. Não as conhecemos mas estão próximas.

Olhamos para o lado, vemo-las mas não nos cruzamos. Ajudam-nos sem o saberem. O Francisco Amaral foi uma dessas pessoas, não só para mim mas para muitos que cresciam com a rádio a sinalizar os dias, a libertar todas as emoções. O seu programa, Intima Fracção, era uma referência para os que gostavam e queriam saber da nova música que se fazia na altura. Num registo de sereno lirismo, anunciado pelo genérico do programa – o instrumental Mar d’Outubro, do primeiro disco da Sétima Legião -, a Intima Fracção entrava devagarinho pelo coração adentro, cada emissão a causar espantos vários e nunca repetidos.

Em 1988 o jornal O Independente tinha crítica de rádio. Nada de extraordinário – a não ser em Portugal – mas pouco provável nos dias de hoje. Quem a assinava era eu, jovem deslumbrado e nunca saciado pelo que ia ouvindo. Naturalmente uma das primeiras críticas foi um elogio desavergonhado mas justo ao Intima Fracção. Pouco tempo depois da publicação da crítica recebi uma carta do Francisco, a agradecer de forma singela as minhas palavras. Ainda guardo essa carta. Depois disso cruzámo-nos duas ou três vezes, sempre de raspão.

A rádio continua a ser o mais subestimado dos meios de comunicação. A vertigem televisiva tudo sugou e a própria rádio foi perdendo a sua humanidade em favor de playlists anódinas. O programa de autor quase desapareceu. Quase: o Francisco era um desses autores e tê-lo-á sido até ao fim. Depois de ter sido dispensado de uma rádio sem vocação para o albergar, a RADAR foi buscá-lo porque o compreendiam. Ficou feliz o Francisco, com a felicidade de quem regressa a casa.

Esta crónica, que preferia nunca ter escrito, é também de certa forma um regresso a casa. Um agradecimento a partir do Francisco a todos os gigantes que, sem nos tocarem, nos tocam e nos protegem. O último gesto que recebi do Francisco foi o envio, através de uma familiar que com ele trabalhava, de um pin do Intima Fracção. Amanhã usá-lo-ei, não só para lembrá-lo mas para brindar aos grandes que nos seguram, à timidez das coroas.