Do Vento

[dropcap]D[/dropcap]eus não me tem trazido muito discernimento.
Suponho que porque quem me levava à missa na minha infância era uma tia surda. A minha tia Dulce.

Esta é uma história que os meus amigos sabem de sobejo e a minha família já vomita. Mas só eu é que a vivi.

O meu pai era anticlerical e como a minha mãe insistisse em que eu fosse à catequese e à missa, ao fim de anos de insistência capilar, cedeu, sentenciando: Ele pode ir à missa com a tua irmã.

Foi mistério que se me cravou na carne. Naqueles seis meses em que aquela mão calosa me conduzia à igreja, eu pouco ouvia da Palavra de Deus. O que me intrigava até às entranhas era como a Palavra acudia ao olhar beato da minha tia surda. Como é que apesar de tamanha surdez ela fora polinizada?

Eu nem sequer olhava o púlpito, fixava-me no rosto sardento dela, alheado, com os olhos embevecidos pelo que não ouvia, e nos seus lábios que mexiam, repetindo as loas e as orações.

Ela, de vez em quando, dava conta e num gesto maquinal virava-me a cabeça para a frente. Aí detinha-me, por um minuto, na batina do padre, na taça que o sacristão lhe passava e, atrás deles, no crucificado, e ouvia o fragmento de alguma parábola, antes de voltar a fixar o rosto dela e os seus olhos que, como macias faluas, se desfaziam nos quebra-mares de Deus.

É possível que Deus tenha feito nascer um milagre em Salzburgo, no caso de Mozart, no caso da minha tia, negou.

Apesar de ter crescido entre irmãs, e de não perder um culto, Deus não lhe depositou uma única palavra no tímpano. Outras coisas sim, e no coração com certeza, que era um poço de afectos, a minha tia Dulce. Porém, inapelavelmente mouca.

E parecia-me tão desproporcional a distribuição de fé em Deus, que do seu enigma não me livrava. Raras vezes me distraía dessa ideia fixa. Bom, uma vez distraí-me com uma península de carne que havia no pescoço duma senhora à nossa frente, e que abanava quando abriam a porta da igreja. Se na altura soubesse nomear as coisas, teria interrogado: Um pólipo é filho de Deus?

Na altura não havia nome para o que me perturbava, entalado entre a minha tia surda e aquele pólipo que no pescoço à minha frente ouvia a Palavra de Deus. Só eu não achava condições para a escuta.

Um dia, farto de tanta inquirição a que me levava a devoção da minha tia e do seu olhar amendoado quando engolia a hóstia, decidi arrumar os mistérios e decidi: o que a minha tia ouve é a voz do vento.

O vento tornou-se a primeira categoria transcendental na minha vida.

Nunca mais fui à missa e não sei porquê, mas nesse dia deixei de ter medo do vento. Ou não foi logo ali, mas no que lhe esteve ligado.

Nunca soube de onde nasceu o meu fascínio com o vento. Terá nascido da intuição de que se componha de sílabas entrecortadas como o meu furado entendimento do mundo, ou de o adivinhar como uma energia jubilatória, idêntica à que à nascença desloca o tempo e sintoniza nos pulmões a modulação do ar?

Semelhante ao vento, também a minha relação com a linguagem se enlaça aos sacões, por enfáticas ventosas; as palavras não me chegam quando eu quero traduzir a meu bel-prazer as inscrições da realidade em mim, pelo contrário, são volantes e indomáveis, embora a espaços pousem nas minhas mãos como pássaros num estado propiciatório (mais vizinho da desestabilização que do repouso) que faz vibrar um instante de coincidência entre mim e elas; ou seja, temo que as palavras, no meu caso, recusem a adesão a qualquer decalque e antes premeditam golpes de ventos que me trespassam.

Mas tinha medo, até esse dia, no primeiro domingo em que não fui à missa, que troquei por uma ida à pesca com o meu pai.

O meu pai pega-me na mão e avançamos pontão dentro, na Ponta da Areia, ele com a cana de pesca no ombro, e eu orgulhoso por ele me ter confiado o baldinho com as minhocas; progredimos direitos ao coração do mar, a despeito dos gritos da minha mãe que roga que regressemos, teme que o vento, irado nesse dia, nos atire às águas, concomitantemente, revoltas.

Galgamos o chão de pedras, num passo seguro, o vento eivado de lágrimas do mar endemoninha-se nos cabelos, mas ele só sorri ao medo dela, um sorriso cúmplice entre nós, que prescindimos de palavras e somos íntimos daquela vírgula de pedra, rasando as águas em que adentramos cem metros, cento e cinquenta, de olho fito no extremo adiante, aonde, como o dia está picado, se situa o palpite do meu pai de que na polpa de uma vaga bravia e oleaginosa se apinhem os robalos.

E o vento diabólico ameaça, mas não consegue arrancar-nos um sorriso.

A minha mãe grita, incansável, nas nossas costas, e só nos importa o som do mar que se engolfa nos nossos tímpanos e o vento que nos impele para diante. O meu pai é um medíocre pescador, não me lembro se o seu palpite estava certo, mas agradecer-lhe-ei eternamente ter afastado de mim o receio ao vento.

De ventos solares ouço falar, mas esses não me animam o canto. Só os terrenos, mais breves que o Papa Pepino e que enchiam de penas de anjo a boca da minha tia. Pelo menos era assim que eu imaginava a explicação que nunca me deram.

Já morreu, a minha tia que foi amada, e teve cinco filhos. Eu continuo a ser irrigado pelo vento, a matéria de um livro que me preparo para lançar. Entretanto, se nos definimos pelos nossos actos, Deus continua a ligar-me pouco, nem me deu aulas de guitarra.

Netflix and think (I)

[dropcap]L[/dropcap]ife overtakes me (Quando a vida nos atraiçoa), é um documentário na Netflix sobre famílias de refugiados na Suécia, cujas crianças são afectadas pela Síndrome de Resignação, também apelidada de Síndrome de Desistência. Após passarem por uma situação traumática, as crianças começam por entrar num estado depressivo que se vai aprofundando até ser atingida a catatonia. Vão gradualmente perdendo o interesse em quaisquer actividades, deixando de abrir os olhos, comer, falar, mover-se, responder a estímulos. Passam a usar fraldas e a ser alimentadas por via intravenosa pelos pais, que se tornam ainda mais cuidadores, muitas vezes auxiliados por voluntários. Não é incomum que, ao assistir ao estado de deterioração de um dos irmãos/irmãs, outra ou outras crianças da família sucumbam eventualmente à síndrome. Este sono profundo, comatoso, pode durar seis meses ou mais de dois anos, sendo por vezes reversível, não sem que antes decorra um período de tempo considerável entre o resolver da situação instável e o convencerem-se, ou melhor, serem convencidos pelo que parece ser transmitido pelos pais: o sentimento, a certeza de que tudo está bem.

Os pais parecem ter substituído o príncipe nas histórias de encantar. A deportação é o monstro/bruxa e o passaporte ou autorização de residência o beijo que quebra o feitiço. Há uma série de crianças e jovens adormecidos, esperando a salvação do asilo, a sua transformação de refugiados em cidadãos. Na sua obra-prima, A sangue frio (D. Quixote, tradução de Maria Isabel Braga, 2006), Truman Capote descreve como a tragédia que dilacerou a mais bem-amada família de Holcomb afectou gravemente quem teve o mínimo contacto quer com a família Clutter, quer com os despojos do seu brutal desaparecimento:

“A mulher de Dewey passou pelo sono mas acordou ao senti-lo saltar da cama para atender mais uma vez o telefone. Ouviu também, no quarto onde dormiam os filhos, os soluços de um dos rapazinhos que chorava. «Seria o Paul?» Ele não era rabugento nem chorão, nunca! (…) Porém, nesse dia ao almoço desatara em soluços. A mãe não precisara de lhe perguntar a razão; sabia que, muito embora ele compreendesse vagamente o motivo de toda aquela confusão à sua volta, sentia-se inseguro ante as enervantes chamadas telefónicas, os estranhos que entravam em casa, os olhos fatigados e cheios de preocupação do pai.”

Situações de racismo na escola (falamos de famílias arménias ou yazidi, por exemplo), criminalidade testemunhada (agressões e homicídios, as causas da fuga dos pais) parecem ser as causas traumáticas que iniciam este processo de fuga à realidade em crianças anteriormente activas e aparentemente saudáveis. Testes de reacção à dor e ao frio são executados regularmente, sem grande novidade. Ainda há muito para descobrir e confirmar relativamente a esta condição. Como em tudo, há quem questione se se trata de uma doença verdadeira, se os pais não estarão a envenenar os filhos, se não será uma estratégia para conseguir protecção e segurança, ou apenas mais uma distracção dos verdadeiros problemas quer dos suecos quer dos refugiados que acolhem. Ainda considerada uma condição rara e quase exclusiva à Suécia, sem razão aparente, certo é que existem relatos de algo semelhante nos campos de concentração Nazi. Detidos, migrantes, refugiados: esta condição começa a verificar-se também em crianças na Austrália. Quão contagiosos são a tristeza, o medo, o desespero, a falta de esperança? Quão sensíveis são estas crianças à verdade, de tal forma que já não basta ver ou ouvi-la, é fundamental senti-la?

Entre a tristeza dilacerante e o pós-terror, é comovente e duro assistir ao definhar de qualquer forma de vida, sobretudo a que é mais promissora, mais cheia de energia, normalmente mais adaptável a mudanças. A perda das funções motoras e biológicas acompanha a perda da inocência. Recordemos o quadro Sleeping, de Paula Rego (1986), exemplo dessa quase imperceptível diferença entre perigo e paz. Crianças dormem junto a um arado, vigiadas por um pelicano (símbolo cristão do sacrifício de Cristo, da sua ressurreição e da de Lázaro). Duas crianças estão acordadas, uma enfrentando a ave e a outra virando costas às que dormem, encostada a uma árvore. Observamos ainda uma tartaruga, símbolo de imortalidade, de concentração, de regresso ao estado primordial.

Até onde vamos para sobreviver? Além-fronteiras, fisicamente. Ao mais fundo de nós, mentalmente. Até onde tivermos de ir. Até onde nos levarem. Até não podermos mais. Somos, verdadeiramente, onde os nossos limites podem chegar. Na cama ou acompanhando a família em passeios e refeições, em cadeiras de rodas, a estes jovens são-lhes lidas histórias, cantados os parabéns, exercitados os músculos, escovados os dentes, afagados os cabelos. Só faltava aparecer Thom Yorke declarando I’ll take a quiet life, pedindo No alarms and no surprises, please. Bem que mereciam.

Dupla de criativos publicou “O Pequeno Livro Amarelo” com frases de Xi

Uma dupla de criativos publicou um livro com centenas de frases do Presidente Xi Jinping. Conhecer melhor a forma como pensa o actual líder chinês foi a intenção criativa e – “algo absurda” – de Julie O’yand e Fernando Eloy

 

[dropcap]H[/dropcap]á um pequeno livro amarelo, à venda na internet, que reúne 300 citações do Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, proferidas ao longo do seu mandato, iniciado em 2013. É uma obra de reflexão, entretenimento e alguma subversão, num estilo de leitura simples e atractivo, assinado pela jornalista e argumentista chinesa Julie O’yang e pelo jornalista e documentarista português Fernando Eloy.

“The Little Yellow Book” foi lançado em Fevereiro de 2019, por altura das comemorações do Ano Novo Chinês, quase um ano após o Congresso Nacional aprovar, com 2958 votos a favor, a deliberação de remover a limitação do termo de mandato presidencial, em Março de 2018, que antes era de dez anos no total. O actual líder, no final do seu primeiro mandato de cinco anos, passou a ter o poder de conduzir, por tempo indefinido, os destinos da grande China.

“A ideia de fazer este livro começou quando Xi Jinping tomou a decisão de retirar o limite ao termo da sua presidência, podendo permanecer para a vida no lugar. Esse foi para nós um momento de viragem e tivemos vontade de questionar pessoalmente o Presidente da China. Isso tornou-se um livro”, revelaram os autores ao HM.

A pergunta que Julie O’yang e Fernando Eloy quiseram colocar foi, antes de mais, quais as ideias essenciais que o Presidente Xi tinha para o desenvolvimento da nação. Qual o seu sonho para fazer o país avançar. Foi assim que começaram a coligir as suas frases e aforismos, para uma análise e divulgação dos princípios defendidos por Xi Jinping, à semelhança de um certo livro vermelho de propaganda, escrito por Mao Tse Tung em meados do século XX.

“O “Pequeno Livro Amarelo” espelha o seu famoso antecessor e segue o mesmo formato, com o mesmo padrão de narrativa. O “Pequeno Livro Vermelho” é o livro com mais tiragens no mundo, depois da Bíblia, sendo uma obra de propaganda que se tornou num ícone da China. O nosso não é um trabalho de propaganda, mas uma aproximação ao tradicional gosto chinês de coligir citações de sábios anciãos, incluindo o Confúcio e o ex-líder Mao. Sentimos que isso irá acontecer, mais cedo ou mais tarde, com os pensamentos de Xi. E quisemos abordar todas as suas considerações sobre a China”, afirmaram.

Integridade e ironia

A publicação, assumidamente uma “proposta de arte política, com um ângulo de certo modo absurdo”, foi um processo criativo de “comunicação com base na honestidade”, que pretende “convidar os leitores a questionarem” o que se está a passar no mundo. “O Presidente Donald Trump prometeu atacar este país sobre o qual poucas certezas se têm. E, enquanto isso, o domínio da China sobre o futuro global das nações tem estado em grande evidência, com a democracia ocidental em processo de autofagia a corroer-se por dentro”.

“A ambição do Partido Comunista Chinês tem sabido explorar bem o espectáculo desta crise política auto-infligida. E neste contexto actual globalizado, existe naturalmente ironia. A relevância e a integridade são coisas que nos interessam”, comentaram O’yang e Eloy, que dedicam este livro a “todos os leigos que têm curiosidade em saber algo mais sobre a China contemporânea. Sentimos que esta leitura devia ser uma espécie de viagem rápida e abrangente”.

Nesta versão não censurada, e não autorizada pelo próprio, os autores organizam as declarações de Xi Jinping em 23 capítulos sobre diversos temas pertinentes, como o “Sonho Chinês”, “Partido Comunista”, “Confucionismo”, “Meu País, Meu Povo”, “Um País, Dois Sistemas”, “Lei e Virtude”, “Liberdade de Expressão e Direitos Humanos”, “Corrupção e Disciplina”, “Internet e Dados”, “Media”, as “Relações Internacionais”, a “Guerra Comercial”, “Uma Faixa, Uma Rota”, e até a “Revolução da Casa de Banho” em que o Governo “tudo fará para solucionar os problemas que afectam a qualidade de vida das massas”, entre tantos outros temas, estando reservado um capítulo extra para considerações finais e um poema do grande Xi.

“Like” para os autores

A curadoria das frases do livro é da responsabilidade de O’yang, com edição e design de Eloy. Julie O’yang é uma ex-capitã do Exército de Libertação Chinês que se tornou autora, artista, empresária e argumentista, tendo procurado exílio na Europa durante os anos 1990, onde trabalha e reside, desenvolvendo projectos como jornalista e criadora de conteúdos de rádio e televisão na Holanda e Dinamarca. Fernando Eloy nasceu em Lisboa e iniciou a sua carreira profissional como jornalista e DJ nas rádios pirata dos anos 1980, tornando-se produtor de eventos e jornalista free-lancer para vários órgãos de comunicação. Veio para Macau em 2001, onde tem realizado documentários, produzido filmes promocionais e criado conteúdos para canais e aplicações online. Ambos foram colunistas do jornal Hoje Macau.

O livro tem 180 páginas e encontra-se à venda na Internet, em diversos formatos electrónicos, para Kindle, Kobo, iBooks e Google Play, por cerca de 8 dólares americanos, ou quase 65 patacas. “Quem no mundo não ama um bom líder?” é uma das frases proferidas pelo homem que “gostaria de pressionar o botão do “Like” a favor do grandioso povo chinês”. Há outras 298 para conhecer.

Estudo | DST deve apostar nas redes sociais para promover eventos

[dropcap]A[/dropcap] Direcção dos Serviços de Turismo (DST) levou a cabo o “Estudo do Efeito dos Órgãos de Comunicação Social sobre a Marca Turística e Eventos de Macau”, relativo a quatro eventos ocorridos em 2018. Os eventos em causa são a Parada de Celebração do Ano do Cão, o 29.° Concurso Internacional de Fogo-de-Artifício de Macau, o 3.º Festival Internacional de Cinema e Cerimónia de Entrega de Prémios e o Festival de Luz de Macau 2018. De acordo com um comunicado oficial, “os quatro eventos alcançaram um nível de satisfação médio-alto e elevado reconhecimento, reflectindo satisfação e elevado grau de reconhecimento dos eventos pela comunicação social e utentes da Internet”.

Os eventos geraram mais de 140 mil artigos na comunicação social do universo de todas as notícias difundidas sobre turismo que foi, no total, 450 mil artigos.

O facto das notícias sobre estes quatro eventos representarem 30 por cento deste universo mostra o “papel positivo dos eventos na promoção da marca turística de Macau”.

As conclusões do estudo revelam que “as redes sociais são o principal campo de opinião pública”, e que é recomendável que a DST “preste mais atenção à discussão dos eventos nestes canais”.

No que diz respeito à estratégia de divulgação do Executivo, “as contas oficiais do Governo ou de promoção dos eventos também reforçam a sua influência”, pelo que se recomenda “o fortalecimento do uso do poder das redes sociais, incluindo a publicação de posts promocionais na comunicação social, blogues de estrelas e de viagens, páginas oficiais, páginas e contas de promoção de eventos”.

Como resposta, a DST promete “acompanhar as recomendações da equipa de estudo e continuar a optimizar os eventos relevantes”.

Biblioteca Central | Chan Tak Seng pede novo local e suspensão do projecto 

Chan Tak Seng, membro do Conselho do Planeamento Urbanístico, acha que a localização da futura Biblioteca Central viola as regras inerentes ao planeamento da cidade e também da preservação do património. Nesse sentido, defende que seja encontrado um local alternativo ao edifício do antigo tribunal depois da tomada de posse do novo Governo

 

[dropcap]O[/dropcap] director da Aliança do Povo de Instituição de Macau e membro do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU), Chan Tak Seng, defende que a localização da futura Biblioteca Central, na zona da Praia Grande, não está de acordo com as regras do planeamento urbanístico e de preservação do património, escreve o Jornal do Cidadão.

“A construção de uma biblioteca central num lugar cheio de pessoas e carros é completamente contra a preservação do património cultural e é a destruição do planeamento urbanístico”, defendeu. Recentemente, o Instituto Cultural (IC) mostrou vontade de preservar apenas a fachada do edifício do antigo tribunal, mas Chan Tak Seng acredita que essa posição revela falta de conhecimento ao nível da protecção do património.

Como tal, o membro do CPU defende que seria fundamental a escolha de um novo local para a biblioteca depois da entrada do novo Executivo e da implementação do Plano Director de Macau. Nesse sentido, Chan defende a suspensão do projecto, para que o actual Governo de Chui Sai On possa resolver as questões mais urgentes, a fim de ser pensada depois uma nova localização mais adequada para a Biblioteca Central.

Um sítio comercial

Chan Tak Seng apresentou ainda dúvidas sobre os procedimentos adoptados pelo IC, uma vez que o organismo segue, de acordo com a sua visão, diferentes padrões de conservação, com maior e menos grau de exigência. Este salientou ainda que a construção da nova Biblioteca Central teria como base as condições do planeamento urbanístico ou estaria sujeita ao compromisso verbal da presidente do IC, Mok Ian Ian.

O director da Aliança do Povo de Instituição de Macau frisou ainda que a zona da Praia Grande é completamente comercial, não possui ambiente cultural e se a Biblioteca Central tem como objectivo servir os cidadãos e não os turistas, então deveria ir para outro sítio. Chan Tak Seng acredita também serem necessárias medidas para controlar o fluxo de pessoas nessa zona.

O IC estima que o projecto da Biblioteca Central de Macau, com capacidade para albergar 500 mil livros, venha a custar aos cofres públicos 900 milhões de patacas. O projecto adjudicado ao atelier do arquitecto Carlos Marreiros tem sido alvo de inúmeras críticas quanto aos custos e localização.

Taxista condenado a pagar 70 mil patacas por agressão a passageira

[dropcap]S[/dropcap]etenta mil patacas é o valor que um taxista vai ter que pagar de indemnização por ter agredido uma passageira que recusou pagar uma tarifa excessiva. A sentença foi dada pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI) e o caso que remonta a 2016 quando a vítima e o taxista entraram em discussão por estar a ser pedido um valor acima da tarifa normal.

De acordo com o acórdão do TSI, a passageira “quis pedir ajuda, por telefone, à polícia e o réu saiu do táxi, entrou para o banco traseiro e deu, com o punho direito, três socos fortes e consecutivos no rosto esquerdo” da passageira. A agressão resultou numa equimose na orelha, “inchaços e escoriações”. Depois da agressão, a vítima dirigiu-se ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para receber tratamento.

No processo penal que correu no Tribunal Judicial de Base (TJB), o taxista foi condenado pela prática de um crime de ofensa simples à integridade física a uma pena de multa 12 mil patacas. A vítima, independentemente do processo penal, intentou também uma acção de indemnização cível no TJB que decidiu fixar o montante dessa indemnização, por danos não patrimoniais, em 25 mil patacas.

Inconformada, a passageira interpôs recurso para o TSI, entendendo que o réu deveria ser condenado ao pagamento de 100 mil patacas de indemnização, “pelos danos morais sofridos”.

 

Notícia alterada às 15h30, com a data da ocorrência ser corrigida de 2006 para 2016.

Pedofilia | Lam Lon Wai quer penas de acordo com idade das vítimas

Lam Lon Wai considera que a idade das vítimas devia ter relação directa com as penas aplicadas neste tipo de crimes sexuais. Foi desta forma que o deputado dos Operários comentou os dois casos relevados na segunda-feira, cujos arguidos ficaram em prisão preventiva

 

[dropcap]O[/dropcap] deputado Lam Lon Wai considera que as penas para crimes sexuais com crianças devem estar relacionadas com as idades das vítimas. Foi esta a ideia defendida pelo membro da Assembleia Legislativa ao jornal Ou Mun, na edição de quarta-feira.

Segundo as ideias defendidas pelo legislador, que é também professor, as leis actuais deviam ser alteradas para adaptar penas e punir de forma distinta os criminosos de acordo com as diferentes idades das vítimas. Lam afirmou também que deviam ser criadas directrizes para apressar os processos de investigação.

Segundo o código penal, o crime de violação de menores de 16 anos é punido com uma pena de prisão que pode chegar aos 16 anos. Já o abuso sexual de criança é punido com uma pena de 1 a 8 anos de prisão. Se houver agravantes pode chegar aos 13 anos e 4 meses.

As declarações de Lam foram proferidas no contexto dos alegados casos de violação de menores e abuso sexual de menores, que envolvem duas vítimas de seis anos e que foram revelados pela Polícia Judiciária (PJ) na segunda-feira. Sobre estes incidentes, o deputado eleito pela via indirecta disse condená-los veemente e sublinhou que ambas as vítimas não tinham qualquer capacidade para resistirem aos ataques.

Por outro lado, o professor frisou que as escolas têm a responsabilidade de realizar actividades e cursos de educação sexual para crianças, assim como promover acções de prevenção destinadas aos encarregados de educação.

Suspeitos em preventiva

Em relação aos casos comentados pelo deputado ligado aos Operários, o Ministério Público (MP) emitiu ontem um comunicado a revelar as medidas de coacção.

No primeiro caso, que envolve um trabalhador de limpeza de um edifício, foi aplicada como medida de coacção a prisão preventiva. O trabalhador não-residente terá alegadamente violada uma criança de seis anos, quando esta pediu para utilizar a casa-de-banho comum do prédio onde o alegado violador trabalhava. Por isso, está indiciado pela prática do crime de violação de menor de forma agravada, que é punida com uma pena máxima de 16 anos.

O segundo caso envolve um pai que terá abusado sexualmente da filha, enquanto a mãe estava a trabalhar. Depois da ocorrência, o homem fugiu para o Interior da China, mas terá sido detido quando reentrou em Macau. O homem é suspeito de ter cometido o crime de abuso sexual de criança, de forma agravada por ser pai, o que poderá levar a que seja castigado com uma pena máxima de 13 anos e 4 meses.

Segundo o comunicado do MP, na aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, o Juiz de Instrução Criminal teve em conta “a gravidade dos actos praticados e a sua natureza perversa”. Por outro lado, pesou igualmente para a decisão “o perigo de perturbação do decurso do processo e o perigo de fuga para fora de Macau”.

No comunicado emitido ontem, o organismo liderado por Ip Son Sang garantiu ainda que “presta uma atenção reforçada a este tipo de crimes e tratá-lo-á com seriedade”, devido aos “efeitos negativos graves” que têm para o desenvolvimento físico e mental e da personalidade dos menores.

Lei Wun Kong quer revisão da “Lei da Protecção de Dados Pessoais”

[dropcap]O[/dropcap] advogado Lei Wun Kong, presidente da Associação de Promoção Jurídica de Macau, comentou ontem ao Jornal do Cidadão que está na altura de rever a “Lei da Protecção de Dados Pessoais”, que se encontra em vigor desde 2005, numa época em que “ainda não se falava em mega-dados, cidades inteligentes e outras tecnologias avançadas”.

Sobre a recente tecnologia de identificação facial dentro de casinos, Lei Wun Kong afirmou que “as empresas do sector devem ter legitimidade para o tratamento e processamento dos dados pessoais, a fim de se evitar o seu uso indevido”. Isto porque as actuais tecnologias de informação, não só beneficiam a vida quotidiana dos cidadãos, como também facilitam a recolha e utilização dos seus dados, podendo constituir um risco para a protecção da privacidade e dos direitos individuais, segundo o depoimento recolhido pelo Jornal do Cidadão.

O advogado insistiu na necessidade de actualizar a referida legislação, introduzindo elementos que possam oferecer mais garantias à população. Ou seja, a “Lei da Protecção de Dados Pessoais” deverá assegurar que a instalação dos sistemas de monitorização digital nas salas dos casinos e áreas de jogo, por empresas devidamente certificadas, pode incluir tecnologias como o reconhecimento facial, mas deverá impor limites na protecção da segurança pessoal e da propriedade.

Lei Wun Kong referiu ainda que, embora a aprovação da instalação de equipamentos de fiscalização e monitorização das operações comerciais de qualquer empresa seja responsabilidade da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), as situações que envolvem a protecção de dados pessoais são responsabilidade do Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais (GPDP).

Sobre como evitar especificamente o vazamento e uso indevido de dados, o advogado sugeriu que a DICJ e o GPDP façam um intercâmbio de ideias com os casinos em causa sobre as medidas a implementar. O GPDP pode emitir directrizes sobre a protecção de dados pessoais e a DICJ pode pedir para avaliar os equipamentos antes de serem instalados.

A obsolescência da lei de 2005 havia sido já criticada pelo coordenador do GPDP, Fong Man Chong, que em 2016 mencionou que o diploma não acompanhava o progresso tecnológico e social. No entanto, devido a restrições legais, que o jornal não especificou, houve atrasos no desenvolvimento dos mega-dados e da governação electrónica. Lei Wun Kong propõe então que seja absorvida a experiência legislativa da União Europeia na revisão e actualização da corrente “Lei de Protecção de Dados Pessoais”.

Recursos Financeiros | Operários tiverem encontro com FSS

[dropcap]O[/dropcap]s quatro deputados ligados aos Operários de Macau, Ella Lei, Lei Chan U, Lam Lon Wai e Leong Sun Iok, estiverem reunidos com a administração do Fundo de Segurança Social (FSS), liderada por Iong Kong Io.

Em cima da mesa esteve a discussão da proposta de lei de consolidação dos recursos financeiros do FSS, que os deputados defenderam contribuir para uma melhor sustentabilidade deste mecanismo. As alterações ainda têm de ser aprovadas na especialidade na Assembleia Legislativa.

Agências de Emprego | Funcionário públicos vão poder ser accionistas e administradores

O Executivo eliminou da lei de agências de emprego o requisito que impedia funcionários públicos de serem accionistas ou administradores das sociedades que gerem as agências de emprego. A cedência foi revelada ontem

 

[dropcap]O[/dropcap]s funcionários públicos vão poder ser proprietários e administradores de agências de emprego. A primeira proposta da lei de agências de emprego impedia este cenário, mas os argumentos dos deputados da 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, liderada por Vong Hin Fai, convenceram o Executivo.

“Nas primeiras versões da lei apresentadas havia certas inibições para os funcionários públicos que não podiam ser sócios das agências de emprego nem administradores das sociedades”, começou por explicar o deputado Vong Hin Fai. “Ao longo das várias reuniões a comissão alertou o Governo que o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) já garante a exclusividade de funções e que também nas outras leis, como a que regula a actividades dos casinos, não há esta proibição para os trabalhadores da função pública”, acrescentou.

Foram estes os argumentos que terão convencido a tutela do secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, a alterar o diploma, que vai na terceira versão de trabalho: “O Governo aceitou as nossas opiniões sobre incompatibilidades e aplica-se o ETAPM, ou seja o regime geral”, foi apontado.

Uma questão que os membros da Assembleia Legislativa consideram estar por resolver é a não renovação de licenças a agências que violem determinados artigos da lei.

Buracos legislativos

Segundo a comissão, neste momento, nada impede que uma agência que tenha sido punida com a não renovação de licença mude o nome e volte a operar. “A lei não prevê a situação de uma agência que ficou sem licença fechar as portas e abrir com um novo nome, para obter uma nova licença. Alertámos o Governo que esta possibilidade é possível segundo esta proposta”, foi revelado.

Ainda no que diz respeito a certas punições, para situações como uma agência de emprego não cooperar com as autoridades em caso de acidente de trabalho, está previsto que a licença não seja renovada. Porém, esta sanção é aplicada, segundo o texto do diploma, quando o caso acontece de forma “reiterada”. “Não ficou especificado quando não se pode renovar a licença.

Parece que o poder discricionário é muito amplo. Alertámos o Governo que não se define se a renovação deixa de ser feita, por exemplo, à segunda ou terceira vez”, explicou Vong Hin Fai.

Ainda em relação à legislação que vai regular as agências de emprego, a comissão insiste que vai ouvir as associações de trabalhadores não-residentes que enviaram cartas para o hemiciclo.

Contudo, nesta altura, o gabinete de relações da AL ainda está a identificar as associações e a ver se estão registadas na RAEM.

Contratações Públicas | População quer menos burocracia e mais informações

Não à obrigatoriedade de comissões para os procedimentos gerais de ajuste directo das contratações públicas e mais divulgação das informações acerca dos concursos foram algumas das ideias mais defendidas na consulta pública sobre a nova lei da contratação pública. O relatório foi divulgado ontem

 

[dropcap]A[/dropcap] obrigatoriedade de uma comissão de avaliação de propostas para a locação ou aquisição de bens por parte dos serviços públicos, por procedimento geral de ajuste directo “é impedimento à eficiência dos trabalhos”, apontam as opiniões recolhidas durante os dois meses da consulta pública relativa à nova lei da contratação pública.

De acordo com o relatório divulgado ontem pela Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), muitos serviços públicos consideram que a constituição obrigatória de uma comissão de avaliação para a realização dos trabalhos do acto público e de avaliação da proposta neste tipo de regime contraria a própria finalidade do sistema de ajuste directo. Importa referir que este procedimento apenas se aplica aos casos que envolvem serviços com valores entre 10 mil e 100 mil patacas. Ou seja, ao invés de promover a eficácia dos procedimentos, a medida prevista no novo diploma, prejudica “a eficiência e a eficácia da Administração Pública”.

A constituição de uma comissão de avaliação de propostas está prevista mesmo no caso em que os serviços obtenham apenas uma proposta de um fornecedor ou de um prestador de serviços o que pode levar a situações injustas. A razão, aponta o relatório, prende-se com a avaliação das propostas ser “assumida repetidamente por determinados trabalhadores dada a escassez de pessoal dos serviços”.

As opiniões expressão na consulta sugerem que o procedimento geral por ajuste directo seja idêntico ao sumário, nomeadamente nas situações em que não seja realizado concurso público ou de consulta.

Há também quem considere que o Governo deveria optar por aumentar os valores do procedimento geral de ajuste directo caso queira manter a obrigatoriedade da formação de comissões.

Mais transparência

Do outro lado do espectro, o Governo justifica a necessidade da comissão com o objectivo de promover a transparência do processo. “Embora o valor da contratação seja relativamente baixo, para evitar que alguns trabalhadores incumbidos da contratação formulem, livremente, propostas de adjudicação inapropriadas aos serviços públicos, propõe-se no documento de consulta o dever de constituir a comissão de avaliação de propostas para assumir as tarefas relacionadas com o acto público e a avaliação de propostas”, lê-se.

Recorde-se que a nova legislação aumenta o limite mínimo do montante das contratações de 2 milhões de patacas para 15 milhões de patacas para que se proceda a um concurso público.

É preciso informar

Outra das áreas que também suscitou grande número de opiniões diz respeito ao artigo referente às “disposições legais para promover a transparência da contratação e salvaguardar o direito à informação por parte dos participantes e da população em geral”.

De acordo com o relatório, “a sociedade e a população entendem que, para além da publicitação das situações propostas no documento de consulta”, há outras informações a serem integradas neste âmbito. De entre as sugestões destaca-se a publicação das informações de projectos de contratação, independentemente do valor e do procedimento da contratação e a divulgação das informações relativas a projectos de contratação sob “dispensa de consulta”. “Em caso da tomada de decisão de não adjudicação, devem ser indicados os trabalhos subsequentes e as regras de acompanhamento”, acrescenta o relatório referindo-se às sugestões recebidas. As opiniões apontam ainda que após a conclusão da adjudicação, deve-se divulgar a lista do pessoal que compõe a comissão de avaliação de propostas, “podendo este acto reforçar mais reconhecimento da imparcialidade do resultado da adjudicação”.

Houve, no entanto, uma opinião contrária à da maioria, que defende que a divulgação de informações deve ocorrer de acordo com a protecção de dados pessoais “sendo necessário ter em conta a protecção da identidade dos membros da comissão de avaliação de propostas”.

Para a consulta pública, que teve aconteceu ao longo de dois meses e terminou a 4 de Janeiro, foram recebidas 120 opiniões. A nova legislação pretende actualizar o regime que está em vigor “há quase 35 anos, desde a sua promulgação em meados da década de 80 do século passado”, referiu a DSF. “Hoje em dia, as disposições da parte do articulado dos respectivos decretos-leis apresentam-se, notoriamente, desfasadas no âmbito das necessidades motivadas pelo actual desenvolvimento socioeconómico de Macau, das exigências da implementação de boa governação na administração pública e da elevação de eficiência administrativa, bem como das solicitações sociais sobre o aumento da transparência (…) e o reforço de fiscalização”, justifica o organismo no relatório.

Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos de Portugal: “Macau está a apostar na qualidade”

Não há mais médicos a emigrar para Macau devido à falta de domínio do chinês, garante o bastonário da Ordem dos Médicos em Portugal. Miguel Guimarães destaca a excelência de dois profissionais recentemente contratados pelos Serviços de Saúde e assegura que o território está no bom caminho no que diz respeito ao desenvolvimento de uma medicina de qualidade. Quanto à Medicina Tradicional Chinesa, o bastonário assegura: “A China está a fazer o caminho da medicina convencional”

 

O sector da saúde em Portugal está a atravessar um momento complicado. Em termos de emigração de médicos, qual o cenário? Macau é um destino procurado?

[dropcap]E[/dropcap]stão a sair milhares de médicos, mas os números exactos nunca existem. As pessoas pedem à Ordem dos Médicos (OM) um documento que permite identificarem-se como médicos especialistas nos países europeus, e essas declarações têm registado uma quantidade acima do normal. Depois, muitos destes médicos emigram. São milhares de médicos e ultrapassam certamente os sete mil nos últimos anos, mas os que verdadeiramente emigraram, diria que são quase cinco mil. A grande saída de médicos acontece do sector público para o privado. Com a actual política de saúde que Portugal está a seguir, será difícil reverter esta tendência. As pessoas estão a ser maltratadas pela Ministra da Saúde e os médicos não tem boas condições de trabalho. Temos hospitais com muitas limitações. Há ainda a questão das remunerações, pois os médicos são pessimamente remunerados no SNS. Vão para Macau ganhar muitíssimo bem, nem é comparável. Mas não é preciso ir para Macau, basta irem para o sector privado ou para países como Espanha, Alemanha e Suíça. Temos uma formação de excelência em Portugal, das melhores do mundo, e passamos a vida a receber propostas de contratação de vários países, até de Macau e dos países do Médio Oriente. Temos uma situação complicada porque os nossos jovens são reconhecidos lá fora, e não apenas em medicina, e não ficam cá. Neste momento, mais de 50 por cento dos médicos que estão no Serviço Nacional de Saúde tem mais de 55 anos.

Quantas ofertas de contratação foram feitas pelos Serviços de Saúde de Macau?

Recebemos várias ofertas de Macau. A última que recebemos era para contratar 40 médicos, de especialidades diferentes. Mas não é fácil, porque Macau tem vantagens e inconvenientes, e o grande inconveniente, neste momento, é saber falar chinês para trabalhar. O último a ir foi o doutor José Miranda, para montar um serviço de cirurgia torácica, e ele vai dirigir esse serviço importante para Macau. Aliás, as pessoas vão para lá com projectos de topo, mas ele nasceu em Macau e fala chinês fluentemente.

Esse serviço vai ser no Centro Hospitalar Conde de São Januário.

Penso que sim. Para Macau também foi o doutor José Costa Maia, que em Portugal era director do serviço de cirurgia geral do Hospital de São João, um dos maiores hospitais portugueses, e que foi contratado especificamente para chefiar uma equipa na área da transplantação e cirurgia plástica. Macau está a ficar com uma medicina de topo, e neste momento levam pessoas com muita experiência. Dá a ideia que há uma grande aposta no sector da saúde, e isto tem uma vantagem muito grande para o território. Macau está a ter boas condições de trabalho e projectos interessantes de desenvolvimento em áreas específicas da medicina. Está a ser criada a Academia Médica de Macau, que lá será o equivalente à OM, e é um colega meu aqui de Lisboa que está lá há algum tempo a trabalhar nisso.

O que pensa dessa iniciativa da Academia?

É uma excelente iniciativa, porque a existência de instituições que zelam pela qualidade da medicina e pelo que é ética e deontologia da profissão são absolutamente essenciais. O facto de os médicos que estão lá terem uma associação própria com objectivos semelhantes aos da OM é um excelente princípio para que a medicina em Macau seja cada vez mais forte. A curto prazo ser uma boa locomotiva para se começar a fazer formação em Macau.

Há o plano para um curso de medicina numa universidade privada, que está a colaborar com universidades portuguesas. É também um passo importante?

Sim. Tive recentemente com o presidente do Conselho Nacional das Escolas Médicas, o doutor Fausto Pinto, e ele está a colaborar nesse projecto. É importante também para quem lá trabalha, porque a existência de um ambiente académico, mesmo que seja no sector privado, tem vantagens a vários níveis. Isso vai estimular a que as próprias unidades de saúde se preocupem com a formação pós-graduada. Qualquer dia começam a formar-se lá médicos de elevada qualidade. Como temos em Macau cerca de 100 médicos portugueses, isso pode ser um bom princípio para conseguirmos ir mais além.

Nos anos 90 havia cerca de 150 médicos portugueses, e muitos deles saíram no contexto da transferência de soberania. Isso causou problemas em termos de recursos humanos no serviço público de saúde.

O actual Governo de Macau está a tentar resolver essas consequências, por isso é que tem tentado contratar médicos e tem-se mantido esta relação estreita com Portugal. Esta relação é importante para nós, os chineses estão a respeitar isso e é bom, porque há alguma tradição. Manter este elo de comunicação entre a China e Portugal é importante, porque a China tem um papel que tem de ser considerado, com força, iniciativa e capacidade de inovação. Esta ponte através de Macau é importante, e a ideia de termos lá os nossos médicos, com projectos de trabalho de elevado nível, e de haver uma escola médica em Macau, é um caminho excelente para a China e Portugal. As coisas em Macau estão a correr bem e há uma evolução positiva, com uma boa integração das pessoas que lá trabalham. É uma aposta no desenvolvimento que está a dar frutos, além de que Macau está numa situação bem mais pacífica do que Hong Kong.

Na área da medicina, é melhor que Macau continue a colaborar com Portugal do que com Hong Kong, que está ali ao lado?

É bom Macau aproveitar as duas sinergias, dos portugueses e de Hong Kong, pois o território pode dar coisas boas também. Macau está a contratar a Portugal médicos de topo. Os médicos que foram para lá tinham aqui lugares importantíssimos, são excelentes profissionais. Macau está a fazer uma aposta na qualidade e é bom que haja diversidade.

Fala-se muito da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), e há vários protocolos assinados entre a China e Portugal…

Mas não entra a OM. Temos algumas reservas face a políticas que possam ser implementadas sem que haja evidências científicas. A MTC é constituída por uma série de técnicas que engloba desde terapêuticas como a acupuntura até à fitoterapia, que é aquela que mais problemas levanta. Sei o que estavam a fazer na China há uns tempos atrás, pois visitei durante um mês algumas das cidades mais importantes do país e acho que os próprios chineses estão preocupados com isto. Quando visitei o hospital principal de Pequim eles tinham a medicina convencional, que é a predominante, nesse hospital era 95 por cento, e depois tinham um espaço para MTC, onde estavam a testar a eficácia de alguns produtos e técnicas. Os chineses quando têm problemas vão a hospitais como nós vamos, porque sabem a importância do tratamento em doenças como o cancro, que não se trata com plantas ou agulhas. Isto foi a evolução que a China teve. Há milhares de anos estes produtos podiam ter efeitos positivos, mas hoje vivemos uma era em que a evidência científica é fundamental. Cerca de 95 por cento dos produtos testados da MTC caem por terra.

Assusta-o que haja cada vez mais protocolos nesta área em Portugal?

Não sei que parcerias existem, mas acho que a China, mesmo mantendo algumas das suas tradições que são milenares em algumas matérias, deve seguir aquele caminho que o resto do mundo tem seguido, que é o da valorização da ciência. É ela que permite que a esperança média de vida em Portugal seja superior aos 80 anos, e que o HIV possa ter cura daqui a uns anos, dentro de pouco tempo.

Ao nível da OM, quer estabelecer mais parcerias com a China?

A OM, através do seu departamento internacional, tem uma estratégia importante, seja a nível europeu seja mundial, em várias áreas específicas. Não temos uma relação muito estreita com a China a esse nível, mas é uma área que também é importante para nós. É importante perceber o que se está a fazer em termos de medicina convencional na China e também em Macau. Os chineses têm uma grande potencialidade em termos de investigação, e há milhares de trabalhos a saírem para o desenvolvimento de novas moléculas, por exemplo.

A comunidade médica internacional olha para o sistema de saúde na China com mais confiança?

Neste momento, temos a ideia de que a China está a fazer o caminho da medicina convencional.

E não o da MTC.

Não, porque repare: os chineses são como nós, inteligentes e tudo mais, e as pessoas vão-se apercebendo que a MTC é um património dos chineses, e foi um património que teve um valor durante muitos anos e hoje já perceberam que quando têm um problema de saúde devem fazer o que está provado que faz bem. Há plantas que até podem diminuir a dor. O grande problema da fitoterapia é que tem imensos princípios activos, que podem ter efeitos positivos, mas também muito negativos. Há que separar o trigo do joio e ver aquilo que a medicina convencional pode incorporar e aquilo que, dada a evolução da medicina, já não dá para utilizar.

Português detido em Tóquio com 69 cápsulas de droga que tinha ingerido

[dropcap]U[/dropcap]m português foi detido na segunda-feira no Aeroporto de Haneda, em Tóquio, Japão, por tentar contrabandear estimulantes que tinha ingerido, noticiou hoje a agência de notícias nipónica Kyodo, que cita uma fonte policial.

A polícia divulgou que foram recuperados 673 gramas de estimulantes do corpo do português.
A droga encontrada possui um valor de mercado estimado em 40 milhões de ienes, segundo as autoridades, e estava contida em 69 cápsulas.

O homem de 42 anos viajava de Frankfurt para Tóquio e remeteu-se ao silêncio, segundo a polícia.
As forças de segurança explicaram que foi obtido um mandado para recuperar as cápsulas depois de o português ter-se recusado a ser alvo de uma inspecção alfandegária em Haneda.

Este acabou por ser submetido a uma TAC (Tomografia Axial Computadorizada) num hospital, que detectou os invólucros, e as cápsulas foram recuperadas nos dias seguintes.

Aeroporto de Macau cancela 100 voos devido a greve de companhia aérea de Taiwan

[dropcap]O[/dropcap] Aeroporto Internacional de Macau anunciou o cancelamento de 100 voos entre hoje e 17 de Julho devido à greve dos tripulantes de cabine da companhia de Taiwan Eva Air.

Os voos em causa dizem respeito a ligações para as cidades taiwanesas de Taipé (capital), Taichung e Kaohsiung, segundo informação que consta no ‘site’ do aeroporto. A greve dura desde 20 de Junho e é já a mais longa da história de Taiwan.

Os 2.300 trabalhadores que aderiram à greve reivindicam melhores salários e condições laborais, além de envolvimento na gestão da empresa.

Crise política prejudicará desenvolvimento de Hong Kong, escreve jornal do PCC

[dropcap]O[/dropcap] jornal oficial do Partido Comunista Chinês (PCC) considerou hoje que a crise em Hong Kong vai “prejudicar gravemente” o desenvolvimento económico e social do território, condenando a invasão da Assembleia, ocorrida na segunda-feira.

Em editorial, o Diário do Povo advertiu para o perigo que seria deixar a sociedade de Hong Kong cair numa “espiral” em que tudo se politizasse e se criassem “confrontos artificiais”.

O jornal considerou que a proposta de lei que permitiria extraditar criminosos para a China continental, e que está na origem dos protestos, “tem sido politizada” e “demonizada”, gerando “disputas sociais” e “actividades ilegais”.

Os protestos em Hong Kong decorrem há quase um mês, mas só esta semana, após a ocupação da Assembleia legislativa, é que a imprensa oficial chinesa referiu os incidentes, sugerindo que Pequim se prepara para adoptar uma postura mais dura.

Um dos protestos, em meados de Junho, juntou cerca de dois milhões de pessoas, segundo os organizadores, assumindo-se como o maior desde 1997, aquando da transição da ex-colónia britânica para a administração chinesa, mas a imprensa oficial de Pequim relatou apenas no dia seguinte que os pais da cidade marcharam contra a “interferência dos Estados Unidos” no território e condenaram as “entidades estrangeiras” que enganam os jovens de Hong Kong.

As sucessivas manifestações das últimas semanas e o assalto de segunda-feira por centenas de jovens “prejudicaram a reputação de Hong Kong como uma metrópole comercial internacional e os interesses vitais e o bem-estar do povo de Hong Kong”, defendeu o jornal.

“Uma sociedade governada pela lei tem que acomodar diferentes vozes, mas isso não significa que alguns possam cometer acções ilegais, e muito menos que se tolerem crimes violentos”, acrescentou.

Centenas de manifestantes partiram vidros e destruíram gradeamento para entrar no edifício da Assembleia de Hong Kong. Uma vez lá dentro, pintaram ‘slogans’ nas paredes, reviraram arquivos nos escritórios e espalharam documentos no chão.

A ocupação ocorreu no 22º aniversário do retorno de Hong Kong à China. Lembrando o ditado chinês – “a harmonia pode levar à boa sorte, mas a desarmonia pode levar ao desastre” -, o Diário do Povo enfatizou a “importância vital” de retomar o “bom caminho” na região semi-autónoma, respeitar a Constituição chinesa e a Lei Básica e garantir o Estado de Direito.

“Condenar fortemente a violência extrema e perseguir actos ilegais até ao fim são as aspirações comuns de todos os patriotas em Hong Kong”, proclamou o jornal do PCC. O assalto ocorreu em paralelo com uma manifestação pacifica que, segundo os organizadores, reuniu 550.000 pessoas.

No hemiciclo da assembleia, onde os deputados se reúnem nas sessões plenárias, os manifestantes vandalizaram o escudo da região com ‘grafitis’ e penduraram uma bandeira colonial, referente ao período em que Hong Kong esteve sob soberania do Reino Unido.

No mesmo dia, o Governo chinês condenou “veementemente” os actos “muito violentos” e exigiu que as autoridades locais “restaurem a ordem social o mais rapidamente possível”.

Os protestos violentos representam um desafio para o Presidente chinês, Xi Jinping, que até à data deixou a chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, lidar com a crise política sozinha.

Óbito | Universidade de Macau recorda trabalho do historiador António Hespanha

[dropcap]A[/dropcap] Universidade de Macau (UM) emitiu hoje uma nota pelo falecimento do historiado António Hespanha esta segunda-feira, em Lisboa, aos 74 anos de idade, vítima de cancro. Hespanha foi coordenador científico da área de ciências jurídico-históricas e filosóficas do Curso de Direito e da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, tendo mantido “estreita cooperação” com a Faculdade de Direito da Universidade de Macau, entre 1990 e 2000, onde desenvolveu “actividades lectivas e de investigação de relevo, dando também especial atenção aos temas da formação jurídica”, aponta a UM.

O comunicado destaca o facto de António Hespanha ter publicado “várias obras e artigos de relevo com especial interesse para Macau”, tal como a obra Panorama da História Institucional e Jurídica de Macau, edição da Fundação Macau, em 1995, traduzido para chinês e publicado numa edição da mesma Fundação Macau. O autor publicou ainda inúmeros artigos, como “O Direito e a Justiça num Contexto de Pluralismo Cultural”, “Linhas de força da cultura chinesa contemporânea” e “Direito e poder na cultura chinesa” na Revista Administração, uma publicação dos Serviços de Administração e Função Pública.

Hespanha lançou ainda, no rescaldo da transferência de soberania do território, o livro “Feelings of Justice in the Chinese Community of Macao, An Inquiry”, uma edição da Imprensa de Ciências Sociais, em Lisboa, com base num estudo apresentado em Macau em 2000. O historiador escreveu também as obras “Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia”, “Fórum da História”, “Publicações Europa-América”, livro que ganhou uma versão em língua chinesa pela Universidade de Direito e Ciências Sociais, em Pequim, em 1998.

Fora de Macau, Hespanha deu aulas na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito de Lisboa e na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

DSAT | Recebidas quatro propostas para instalar e reparar semáforos

[dropcap]A[/dropcap] Direcção de Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) recebeu quatro propostas para o concurso público relativo à assistência, reparação e manutenção de semáforos entre 2020 e 2022. As propostas variam entre 6,77 milhões e 9,43 milhões de patacas.

Entre as quatro propostas foram aceites à condição e têm de apresentar os documentos necessários até hoje na Divisão de Relações Públicas da DSAT. A abertura das propostas foi presidida pelo presidente da Comissão e Subdirector da DSAT, Chiang Ngoc Vai.

Empresário de Macau investe em vinhos na zona de Alenquer

[dropcap]W[/dropcap]u Zhiwei, um empresário de Macau, está a apostar nos vinhos portugueses e já produz actualmente “mais de cem mil garrafas”, na zona de Alenquer, a 50 quilómetros a norte de Lisboa.

“Há mais de dez anos já tinha em mente investir em Portugal. Uma ideia que foi amadurecendo”, disse Wu Zhiwei, em entrevista à Lusa. No entanto, o investimento só se concretizou em 2015, à “boleia” do projecto chinês “Uma Faixa, Uma Rota” e depois de uma viagem por Portugal para conhecer grandes produtores de vinho.

“Os vinhos portugueses têm elevado valor e são bons. Pena que apesar de terem qualidade não sejam, de um modo geral, conhecidos em outros países”, afirmou o empresário, que pretende dirigir os seus vinhos sobretudo para os mercados europeu e chinês. Uma quota de 20 por cento da produção total fica para comercializar em Portugal, “todo o resto é para exportação”, disse.

Sem precisar o montante investido, Wu Zhiwei quer criar, a longo prazo, uma marca reconhecida mundialmente, que traduza a qualidade do vinho português. “Qualquer empresário quer ter lucros e ninguém investe para ter prejuízos, mas sendo de Macau quero que o vinho português seja mundialmente conhecido”, afirmou.

Terrível prática do “pseudo-jornalismo”

Por Yao Jing Ming

[dropcap]F[/dropcap]oi numa viagem de serviço oficial que tomei conhecimento do teor da reportagem relativa ao Departamento de Português da UM, publicada pelo jornal Hoje Macau do dia 27 de Junho e assinada pela jornalista Andreia Silva. Fiquei muito surpreendido e desapontado com a irresponsabilidade e falta do profissionalismo evidenciados nesse trabalho jornalístico.

É lamentável que a reportagem tenha saído ao espaço público simplesmente baseada em declarações prestadas por dois docentes da FAH, que, não tendo tido coragem para assumir a sua identidade, optaram por se esconder no anonimato, e por um ex-docente do Departamento de Português que se demitiu por vontade própria há um ano.

O que foi apresentado pelo jornal –sem provas nem fundamento – não corresponde à realidade do Departamento de Português. Uma vez que o Departamento de Português tem trinta docentes e mais de seiscentos alunos (incluindo minor, major, alunos da licenciatura em Direito e pós-graduação), teria sido essencial que a jornalista tivesse procurado ouvir mais pessoas, evitando, assim, a divulgação de mentiras e de comentários infundados.

É completamente falsa e absurda a afirmação de “hostilidades aos portugueses”, tecida pelo senhor “Manuel”. No Departamento de Português trabalham e convivem harmoniosamente professores portugueses, brasileiros e chineses. Não se verificou, nos últimos anos, nenhuma “debandada”, visto que, as poucas pessoas que saíram (e não apenas portugueses) fizeram-no por terem atingido o limite de idade ou por opção própria, por diversos motivos pessoais.

Quanto à alegada “perseguição” referida pelo ex-professor do Departamento de Português, ela também não corresponde à verdade. De acordo com o regulamento da Graduate School da Universidade de Macau, os Professores Auxiliares (Assistant Professors) não estavam autorizados a orientar teses de doutoramento a não ser na qualidade do co-orientador – este impedimento não foi, portanto, imposto apenas a esse professor, mas a todos os que estavam inseridos na mesma categoria. Apenas nos anos académicos mais recentes o regulamento foi alterado. Em relação à referida recusa de “licenças de investigação”, as mesmas podem ocorrer devido ao facto de os pedidos não cumprirem os regulamentos e prazos estabelecidos pela UM, o que, na maioria das vezes, pode ser solucionado com a sua reformulação em conformidade com as regras.

No que diz respeito à minha “promoção apressada, sem justificação curricular”, quero dizer orgulhosamente ao “Manuel” (seja ele quem for), o seguinte: sendo um dos poetas mais respeitados da China, excelente tradutor de poesia portuguesa para chinês e investigador produtivo, sou muito digno desta promoção. Para este efeito, a condecoração pelo Presidente de República de Portugal e vários prémios que me honraram em termos literários e académicos também podem servir de fundamento.

Eu estranho por que motivo é que a jornalista do Hoje Macau ignora o que tem sido desenvolvido pelo Departamento de Português nos últimos anos, preferindo recorrer às informações não verificadas nem confirmadas para a divulgação da maledicência? É sabido que nunca me interessou ser Director do Departamento, cargo esse que me tem roubado imenso tempo para me dedicar à investigação e à criação literária. Entretanto, foram o amor ao português e a vontade de dinamizar o Departamento que me obrigaram a assumir o cargo depois da saída voluntária da Professora Fernanda Gil Costa com a qual continuo a manter uma relação muito amistosa. Graças à colaboração dos colegas e ao apoio indispensável da Professora Jin Hong Gang (tenho de confessar que nunca houve um director da Faculdade tão preocupado com o Departamento de Português como ela), foram melhorados o programa de licenciatura (como por exemplo, foram padronizados os conteúdos do ensino e dos exames) e o programa de Study Abroad (os nossos alunos do terceiro ano já podem realizar o seu estudo em Países de Língua Portuguesa durante um ano lectivo em vez dum semestre). Os nossos cursos de mestrado tornaram-se mais atraentes, tendo sido admitidos os melhores licenciados provenientes da China Interior e também alunos internacionais. Foi posto em prática o plano de leitura que visa encorajar os alunos a ler mais obras em português. Em colaboração com DSEJ, foi concluído uma APP que permite aprender português pelo telemóvel, sendo o seu lançamento previsto ainda para este mês. Em 2017, foi criado o Centro de Formação Bilingue que tem organizado muitos seminários e palestras dirigidos aos nossos alunos e à comunidade local. Em termos de divulgação da cultura portuguesa, foi criado o Prémio de Tradução Literária em parceria com a Fundação Macau e foi iniciado o projecto de tradução de autores portugueses em parceira com uma editora prestigiada de Pequim.

De acordo com a ética jornalística, os jornalistas são responsáveis pela escolha das fontes a que recorrem, pela confirmação da informação que difundem mediante várias fontes e pela análise da autenticidade dos dados. No entanto, a jornalista do Hoje Macau negligenciou esta ética, tendo-se limitado a fazer a “montagem” duma reportagem especulativa, baseada apenas em informações duvidosas e falsas. Será que qualquer pessoa pode usar o jornal com um nome fictício para a maledicência?

Lamento profundamente que um jornal tenha usado o seu poder mediático para praticar este tipo de “pseudo-jornalismo”, e denegrir a imagem da Faculdade e do nosso Departamento. Reconheço que no Departamento haverá, certamente, muito trabalho a fazer e aspectos que podem ser melhorados e, estando aberto a críticas, espero que elas se façam num tom construtivo, em diálogo franco e sem obscuridade.


Resposta da jornalista Andreia Sofia Silva

Antes de mais, lamento que nunca tenha respondido ao meu e-mail, enviado dias antes de publicada a reportagem, relativo à saída da directora da Faculdade de Artes e Humanidades da Universidade de Macau, onde lhe pedia também um balanço do trabalho realizado pela dra. Hong Gang Jin. A própria dra. Hong Gang Jin também nunca respondeu ao meu email, onde lhe colocava as mesmas questões. Enviei os emails com antecedência, antes da publicação da referida reportagem, mas nunca obtive uma reacção ou mesmo uma simples resposta, acusando a recepção. Desta forma, foi impossível obter o contraditório, facto referido no artigo.

Quanto a não ter contactado mais docentes, tive o cuidado de fazer inúmeros contactos com professores e ex-professores do departamento de português, mas não só: foram também contactados docentes de outros departamentos, precisamente para garantir a pluralidade de opiniões e ter uma visão global do que aconteceu. Muitos não quiseram responder, outros optaram por o fazer recorrendo ao legítimo direito do off the record. São pessoas que, perante mim, se identificaram e cujas posições considerei credíveis para a inserção na reportagem.

Reconheço e tenho o maior respeito pelo seu mérito como poeta, tradutor e docente, mas não poderia deixar de publicar uma opinião de um docente que, assumo, não é a minha.

Por que (não) precisamos de Chás Afrodisíacos

[dropcap]T[/dropcap]odos temos teorias do que é o desejo, o sexo e o amor. Atribuímos significados às nossas sensações e definimos cronologias do que vem primeiro ou depois.

Primeiro o desejo, depois o sexo e depois o amor, talvez. Pelo menos os psicólogos da evolução do comportamento parecem sugerir que o amor veio por último – um desenvolvimento natural para justificar a sobrevivência. Que não é bem a nossa sobrevivência, mas a dos genes que os nossos bebés carregam. E claro, lógica mais natural é de que os bebés irão sobreviver melhor se tiverem um pai e uma mãe a protegê-lo. Assim pensam uma facção de psicólogos que gostam de simplificar e normalizar aquilo que – talvez – não traz grande vantagem em ser assim simplificado.

Mecanizar o que somos resulta numa enorme ausência de significado nas nossas vidas. Parece que vivemos para racionalizar tudo e todos, somos ateus e descrentes. Queremos esmiuçar o que é complexo porque a fenomenologia do saber não basta. Não basta sentirmos, temos que pensar de forma a deslegitimar o que sentimos. Como se o nosso sistema sensório-motor estivesse a enganar-nos e precisássemos de esclarecer exatamente o que se passa connosco.

Na forma mais romântica de sermos, estas sensações que o desejo, o sexo e o amor trazem, poderão muito bem justificar o que somos. Como se fizesse parte da nossa procura de sentido. Só que biologia despe tudo de magia. Deixa-nos a sós com a ideia de que afinal somos só feitos de mecânicas e químicas que justificam o que sentimos. A investigação mostra que os caminhos neuronais para o desejo e para o amor são muito semelhantes. E o que é que isso nos interessa?

Precisamos mesmo de procurar os caminhos neuronais do amor? Há quem ache que sim, eu acho que não. Optar pelo modelo biomédico do sexo e do amor é assumir que a procura por quem somos, até nas formas mais esotéricas, não as incluem. Se tentamos reduzir a magia do amor à presença de oxitocina, estamos mal. Tiramos a possibilidade de sermos mais do que um conjunto de células que só reage quando tem que reagir. Por exemplo, julgar que chás afrodisíacos curam a falta de desejo é assumir que o corpo pode ser só um corpo. Nada mais. E quem fala de chás, fala de medicação ou outras técnicas que assumem que o sexo só precisa de um estímulo e não de uma história – complexa, rica, com vitórias e perdas que lhe fazem parte – para resultar em desejo, sexo e amor.

A solução é a estória ou a narrativa. As narrativas que contamos – melhor do que as áreas do cérebro que se activam numa ressonância magnética – mostram-nos melhor como o desejo cresce ou desaparece. Com o uso das palavras penetramos os símbolos, as emoções ou os comportamentos dos diferentes estados de enamoramento. Não presenciamos só aos significados, mas à mobilização de conteúdos que nos reinventam. Da forma como bebemos da imaginação para sobreviver à distância de quem mais gostamos ou para sobreviver a proximidade de muitos anos. Criamos estórias para contrariar a tendência mecânica e simplista. Estórias que podem ser criadas por muitos ou individualmente. As culturas tendem a definir as estórias amorosas dignas de serem vividas ou imaginadas. Só que nós somos uns rebeldes pelo prazer e pelo amor. Recriamos os contos de fada para sermos felizes – porque só contando e apropriando das nossas estórias é que podemos senti-las como nossas. Com as perspectivas vigentes, podemos ser princesas, príncipes e vilões ou animais que se regem por instintos e nada mais. A verdade é que num mundo de opções de como escolhemos viver o desejo, o sexo e o amor são sempre escolhas entre narrativas. Podemos optar por amor e sexos fantásticos ou do tipo aborrecidos que as narrativas biológicas nos tentam impingir.

Overbooking cultural

[dropcap]É[/dropcap] injusto reclamar de barriga cheia. Mas ainda é mais injusto ter demasiados eventos culturais e artísticos a convergirem nas mesmas datas da agenda, onde já existiam outros eventos culturais e artísticos previamente marcados. É frequente dar-se o caso de “overbooking” no meu calendário electrónico. E não há nada a fazer, não é possível desdobrar-me para conseguir estar em lugares vários ao mesmo tempo. Vem isto a propósito de muita festa e festival que se faz por cá. Não pretendo com isto que acabem, nem que se feche a torneira da cultura, até porque de pão e circo vivemos todos nós e eu gosto. Felizmente, muitos acontecimentos esgotam e, de certa maneira, fica o problema resolvido. Só que depois venho a saber que muitas filas permaneceram vazias durante os espectáculos, concertos, peças de teatro, projecções de filme, e tenho vontade de torpedear todos os quadradinhos que vi trancados nas bilheteiras online, como se fossem uma batalha naval imaginária, em que os porta-aviões e os submarinos que não se dignaram aparecer deviam acabar como destroços cobertos de verdete no fundo do oceano. É claro que ninguém tem culpa – além dos que se baldam aos eventos, mas que decerto terão o seu atestado de internamento hospital, que respeito e compreendo –, muito menos os organizadores que já muito fazem para permitir que os lugares vagos possam ser, de última hora, preenchidos por aqueles que arriscam a sua sorte à porta dos eventos. Considero isso um dever cívico das organizações, que aplaudo, só que à distância. Porque não sou dessas pessoas que tenta ir quando tudo parece já perdido. E depois fico com pena.

Teologia do acaso

[dropcap]U[/dropcap]m dos livros mais conhecidos de Paul Auster chama-se A Música do Acaso. Foi publicado em 1990 e de imediato a voz do escritor confundiu-se com este romance que tem uma leve herança da filosofia do Absurdo. Resumidamente, é a história de um bombeiro, Jim Nashe, que por circunstâncias várias se vê livre para prosseguir a sua vida da forma como entender. O livro é marcado por acontecimentos sem causalidade, onde o jogo, sorte, azar ou coincidências são o que determinam o percurso dos personagens.

Lembro-me de na altura ter ficado fascinado com o romance e de imediato me ter transformado num convicto adepto da Austeridade (perdoa o pobre trocadilho deste vosso escravo, ó leitor!). Anos depois voltei a lê-lo e as formulações já me pareceram cansadas e previsíveis – um pouco em contradição com o espírito da obra. Então porquê trazê-lo, agora e aqui?

Porque senti a sua falta, de outra forma que não literária. Olho à minha volta nestes dias e percebo que o acaso é algo que também é uma espécie em extinção. Deveria haver uma reserva natural para coincidências ou serendipismos neste mundo cada vez mais determinista. A ilusão de proximidade dada pelos algoritmos faz com que possamos saber ou prever com algum rigor passos mais ou menos decisivos das nossas vidas. E pior: que esses passos sejam almofadados por outros que sabemos terem visão semelhantes às nossas, tornando-nos assim ignorantes voluntários de opiniões e mundos distantes da nossa rua.

Nem o amor está a salvo. Através de um telemóvel escolhemos com conforto e distância quem achamos que irá preencher as nossas mais apaixonadas ânsias. O risco, a emoção do confronto com o desconhecido está a ser obliterada em nome de uma qualquer forma mais prática e anónima. O acaso, tão fundamental e precioso na emoção humana, tende a desaparecer.

Só percebemos o que se nos está a escapar quando somos invadidos pelo que se nos escapa. Há alguns dias, por acaso e sem marcação prévia, fui parar a um bar de jazz onde estava a decorrer uma jam session. De repente, vindo não se sabe de onde, apareceu aquele que considero um dos melhores saxofonistas nacionais – Ricardo Toscano. A noite agigantou-se com o inesperado, aliás em ligação perfeita com o jazz que por definição é uma arte do improviso. E é destes acasos que a alma pode e deve alimentar-se.

Voltaire dizia que aquilo que chamamos acaso não é senão a causa ignorada de um efeito conhecido. Acredito. A vida tem mesmo uma ordem secreta e misteriosa que urge preservar cada vez mais, mesmo contra a corrente. Proclamo aqui a necessidade de uma teologia do acaso, algo que nos redima com urgência e doçura.

Recessos de cidade

Lisboa, 11 Junho

 

[dropcap]T[/dropcap]em armadilhas, a (suposta) diarística. Agravadas a cada degrau pela vida, alheia aos esforços do (suposto) cronista. Alturas há em que a folha se estende qual cemitério na falda da colina. E que dizer descontado o banal, além do bem e do mal, sobre aqueles que partem, mais ou menos próximos, relativizando-se a proximidade por conter intimidades, por ter contribuído, das maneiras mais díspares, para o que fomos sendo? Mal conheci Ruben de Carvalho (1944-2019), mas devo-lhe muita navegação no grande oceano da música, não apenas pelo que foi dizendo, mas por quem programou na Festa do Avante, para dar um exemplo. A América, sem o jazz e o romance policial por ele recontados, não me seria a mesma. Saudades das crónicas! Antigamente, os jornais andavam prenhes de futuro. (Relembro a talhe de foice que a minha infância desaguou em revolução, para a qual ele contribuiu.) Mas Lisboa, a minha tão ausente Lisboa, não me seria a mesma sem Ruben, por milhentas razões, as que se sabem e as outras. Uma delas, talvez despicienda, foi a sua defesa, enquanto vereador, de uma Bedeteca de Lisboa condenada à lenta agonia da indiferença. Saravá, Ruben.

Varandão, Lisboa, 15 Junho

Apesar dos pesares, Lisboa continua sendo o que jamais deixou de ser: jogo de patamares e vielas onde o encontro floresce que nem enigma. Ramón [Gomez de la Serna] imaginou-a ponte de grande navio prestes a rasgar oceanos. E nela assim me sento, a olhar os nós por desatar do horizonte. Abro parêntesis [recto] nos afazeres e passo a porta, que é janela, do Luís [Gouveia Monteiro] para experimentar o concerto de bolso do Fred Martins, na companhia de cristal da Sandra [Martins]. As linhas do horizonte são agora as cordas de onde se soltam as melodias de estonteante riqueza, conduzindo a voz que nem seta ao coração perfurado pelo violoncelo, mas o órgão do sangue pensa e diz do tempo e da paisagem, da casa e quem nela mora, de ontem e de amanhã. O varandão, com esta dilecta companhia, foi mundo pulsando, levou a gente. «Onde mora a ternura,/ onde a chuva me alaga,/ onde a água mole perfura,/ dura pedra da mágoa,/ eu tenho o tempo do mundo, tenho o mundo afora,/ eu tenho o tempo do mundo, tenho o mundo afora.»

Santa Maria Maior, Lisboa, 19 Junho

A minha cidade tem uma galeria elevadora. Talvez devesse escrever elevatória, mas no contexto cruza-se com voadora. Diz o dito contexto que são «As Lisboas» do Nuno [Saraiva], postas no prédio da Junta de Freguesia que junta o baixo e o alto, Fanqueiros e Castelo, ou quase. Vou ter que voltar (fica até 27 do corrente), pois descobri que não consigo acompanhar o andamento do gabiru. Gabo-me de conhecer o seu corpus como poucos e logo me encontro hirto de surpresa, carapau a pedir o auxílio de alma caridosa na corrida de ver. E o quê? O mais solar dos cruzamentos entre a cidade e as suas personagens. O mais irónico dos mergulhos nos estereótipos, massa movediça da identidade. Um sem fim de suportes, a afirmar que Lisboa podia lá ser apenas de papel! Recapitulando, muito por culpa de sucessivas Festas da Cidade, mas também por ser filho de Alfama, o Nuno tem desenhado as figuras de que Lisboa se faz hoje. E cruza os monumentos, as ruas, os lugares, famosos e nem tantos, queridos ou nem por isso, com os corpos em andamento. E depois mergulha nas tradições, da sardinha à ginjinha, das marchas ao Fado, para colher os elementos com que compõe imagens que respiram sangue na guelra. O meu maravilhamento resultou ainda do encontro com azulejos e garrafões gourmet, mupis e troféus, jornais e muros. E finalmente os esboços, revelando as hesitações, as aproximações, antes do traço definir o corpo, ainda ele, da cidade, sempre ela. (Exemplo algures na página).

CCC, Caldas da Rainha, 22 Junho

A tarde respira de luz, mas, em obediência ao tema e à combinação, entramos no cubo escuro da sala. Nem por isso o momento deixou de se fazer solar, muito pela simpatia que o Carlos [Querido] suscita nesta sua terra (enfim, por onde passa). «Habeas Corpus» anuncia-se conjunto de micro-contos a bailar à volta da morte, a atazaná-la, empurrando-a, rasteirando-a, na certeza de que lhe cairemos nos braços. Cansados. Mas mesmo os aqui pousam nesta página acreditaram que, pelo riso e outras artes, a faremos mais tonta. Mas outras melodias se tocam nas deambulações destas figuras pelo território fértil do absurdo. E a palavra é uma delas. Os sentidos são tratados como produto da terra, com raízes e regas, cuidados de poda e desbaste. A Ana [Sousa Dias] teve a generosidade de nos oferecer leitura. «Gosto deste livro de caminhos obscuros e muitas vezes absurdos, recheado de citações discretas (ou evidentes) de grandes livros que fazem a história da nossa humanidade, e que recomendo que o leiam (e comprem, previamente). Que se divirtam como eu, sem gargalhadas mas com um sorriso cá por dentro, à espera do desfecho que chega na página seguinte. Que saboreiem a belo domínio das palavras, aquelas que são o fulcro de toda a literatura. Cuidado, que a fome das palavras pode levar a que desapareçam das páginas. E regresso ao início, a um dos temas recorrentes do «Habeas Corpus»: “Sempre que procurou o sentido da vida deparou-se-lhe o denso e indecifrável mistério da morte. Kyrie Eleison”.»

Santa Bárbara, Lisboa, 22 Junho

Este papel não parece de fibra, a não ser que seja de tempo feita. Não tivemos todo quanto precisávamos, Carlos [Câmara Leme] (1957-2019), para cumprir os projectos, muito conversados, inevitavelmente adiados. Deste prolixo testemunho do teu tempo, do nosso tempo e dos seus actores, perdido algures nos arquivos. Não te deixaste ficar. Procuraste sempre acompanhar em passo de corrida, como convém ao jornalismo, os que pensavam ou escreviam. Que saudades do tempo em os jornais falavam! Saravá, Carlos.

Horta Seca, Lisboa, 24 Junho

A ritmo mais do lento do que aspira o nosso querer, vão saindo edições internacionais dos nossos autores. Umas mais convencionais, como esta de «O da Joana», do Valério [Romão], que na versão francesa da Chandeigne se fez «Les eaux de Joana», o que me agrada bastante. As águas e o seu romper, na mulher, são fonte inesgotável de fascínio, portanto, de mistério. A saga de Joana é-nos apresentada, na contracapa, como cruzamento impiedoso de estudo clínico sobre a histeria, o cinema de Buster Keaton e a crueza de Louise Bourgeois, celebrando as sinistras núpcias do desespero com o burlesco. Sublinho a presença das referências visuais aplicadas ao texto do Valério, uma das suas forças.
Outras publicações resultam da soma de desejos e vontades, como «Chiuso per Inventario», pequena antologia de poemas da Rita [Taborda Duarte], passados a italiano pela Paola [D’Agostino] e acompanhados ao pincel pelo Pedro [Proença]. Destinado, por «Malas Artes», apenas aos sortudos de festival mediterrânico «na terra do pesto», eis inestimável volume, pássaro breve. «Non srivere troppi uccelli nelle poesie: è cosi triste/sentire un uccello che cinguetta nel posatoio del verso le unghie/ che raspano le frasi razzolate della poesia.”

Trump confirma que já começaram negociações com Pequim

[dropcap]O[/dropcap] Presidente norte-americano, Donald Trump, confirmou ontem que as negociações com a China, para o fim da guerra comercial entre os dois países, “já começaram”, dois dias após o encontro que manteve com o homólogo chinês, Xi Jinping. “Elas já começaram”, respondeu Trump aos jornalistas, quando questionado sobre as negociações com Pequim, depois de ter acordado com o Governo chinês uma nova trégua nas disputas comerciais, levando Washington a suspender a imposição de novas tarifas.

O princípio de acordo alcançado por Trump e Xi durante a cimeira do G20 em Osaka (Japão) significou que os EUA concordaram em permitir que empresas norte-americanas vendam produtos da tecnológica chinesa Huawei. As medidas dos EUA contra a empresa chinesa foram destaque em parte das negociações em Osaka, após os Estados Unidos vetarem este ano a venda de componentes da Huawei e manter um pedido de extradição contra a sua directora financeira, Meng Wanzhou, detida no Canadá.

Trump ameaçou, antes da reunião de Osaka, impor tarifas entre 10 e 25 por cento a 325 mil milhões de dólares em importações chinesas, o que alarmou os mercados internacionais e inúmeras empresas, que temiam aumentos de preços em alguns dos produtos.

O acordo com Xi implica que essas cobranças estão fora da mesa por enquanto, mas os EUA mantém as suas tarifas sobre produtos chineses no valor de 250 mil milhões de dólares, e a China mantém as tarifas sobre as importações dos EUA em 110 mil milhões de dólares.

Ou a auto-estrada

O Tesouro dos EUA incluiu a Huawei numa lista negra em meados de Maio, o que impede que as empresas do país vendam componentes originais sem a aprovação do Governo, suspeitando que a empresa chinesa, líder no desenvolvimento da tecnologia 5G, poderia aproveitar esses sistemas para espionagem. Como resultado, empresas como o Google anunciaram que pararam de fornecer serviços de tecnologia para a empresa chinesa, uma situação que inquietou milhões de proprietários de telemóveis em todo o mundo, face à incerteza sobre as futuras actualizações do sistema operativo Android.

A nova ronda de negociações já começou com telefonemas, ficando-se à espera pela decisão dos locais para os novos encontros entre altos cargos dos dois governos.

Palavra de Li

O primeiro-ministro chinês afirmou ontem que a China vai abrir ainda mais os sectores financeiro e de manufactura avançada ao investimento estrangeiro. “A China vai promover, incansavelmente, a abertura em todas as frentes”, assegurou Li Keqiang, no discurso inaugural do Fórum Económico Mundial (WEF), conhecido como Davos de Verão, que decorre em Dalian, nordeste da China.

O primeiro-ministro chinês afirmou que o país vai remover os limites da participação estrangeira em correctoras, comércio de futuros e seguradoras, em 2020, um ano antes do planeado, uma decisão que faz “parte dos esforços para abrir ainda mais a indústria financeira e outros serviços”.

Li Keqiang prometeu ainda dar tratamento igual, ao dado às firmas domésticas, às empresas estrangeiras que operem na informação e classificação de crédito e pagamentos, e expandir a abertura em duas direcções do mercado de títulos da China. O responsável insistiu que o país vai tornar-se mais “aberto, transparente e previsível” para o investimento estrangeiro e que o ambiente de negócios melhorará.