Brasil | Número de incêndios dispara este ano, com especial foco na Amazónia

A época das queimadas deste ano está a devastar a floresta amazónica a um ritmo assustador. Além disso, os dados mostram um aumento considerável da desflorestação. Depois de dizer que os alertas da comunidade científica quanto às alterações climáticas são paranoia, Jair Bolsonaro insurgiu-se contra as alcunhas “Capitão Motosserra”, por favorecer a indústria madeireira em detrimento do ambiente, e “Nero” da Amazónia

 

[dropcap]A[/dropcap]gora estou sendo acusado de tocar fogo na Amazónia. Nero! É o Nero tocando fogo na Amazónia.” Foi assim que o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, reclamou contra as acusações de nada fazer perante os incêndios que estão a consumir vastas áreas do pulmão da Terra.

O número de incêndios no Brasil cresceu 70 por cento este ano, em comparação com o período homólogo de 2018, tendo o país registado 66,9 mil fogos até ao passado domingo, com a Amazónia a ser o bioma mais afectado. De acordo com a imprensa brasileira, que cita dados do “Programa de Queimadas” do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o bioma (conjunto de ecossistemas) mais afectado é o da Amazónia, com 51,9 por cento dos casos, seguindo-se o cerrado – ecossistema que cobre um quarto do território do Brasil – com 30,7 por cento dos fogos registados no ano.

O cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, ficando atrás em extensão apenas da floresta amazónica, com dois milhões de quilómetros quadrados.

Segundo o portal de notícias UOL, em números absolutos, Mato Grosso é o estado com mais focos de incêndio registados no Brasil, com 13.109, seguido pelo Pará, com 7.975.

No início de Agosto, o governo do Amazonas decretou uma situação de emergência no sul do estado e na Região Metropolitana de Manaus devido ao “impacto negativo da desflorestação ilegal e queimadas não autorizadas”.

“O Amazonas registou, de Janeiro a Julho deste ano, 1.699 focos de calor (focos com temperatura acima de 47°C, registados por satélite, que indicam a possibilidade de fogo). Destes, 80 por cento foram registados em Julho, mês em que teve início o período de estiagem”, declarou o estado do Amazonas no seu ‘site’.

Depois de o Amazonas decretar a situação de emergência, o governo do Acre declarou, na sexta-feira passada, estado de alerta ambiental, também devido aos incêndios em matas.
O número de focos de incêndio no país já é o maior dos últimos sete anos.

Ao jornal Estadão, o pesquisador Alberto Setzer explicou que o clima em 2019 está mais seco do que no ano passado, o que propicia incêndios, mas garante que grande parte deles não têm origem natural. “Nesta época do ano não há fogo natural. Todas essas queimadas são originadas em actividade humana, seja acidental ou propositada. A culpa não é do clima, ele só cria as condições, mas alguém coloca o fogo”, afirmou Setzer. A expectativa do especialista é que a situação piore ainda mais nas próximas semanas com a intensificação da seca.

Capitão motosserra

Quando no final do ano passado, os fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) multaram 11 empresas madeireiras por atropelos ambientais na Amazónia, a reacção dos empresários, e funcionários desta indústria, foi protestar empunhando cartazes com menções a Jair Bolsonaro. Numa nota quase cómica, os madeireiros apelidaram a acção do IBAMA como “activismo ambiental xiita”, deixando de lado o ambientalismo sunita.

Depois citações que teorizam que existe uma conspiração internacional para dominar a Amazónia, como “o Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer”, o mandato de Bolsonaro aumentou a margem de acção da indústria madeireira. Prova disso mesmo é o relato cada vez mais frequente de agressões contra fiscais e agentes do IBAMA desde que Bolsonaro ganhou as eleições, incluindo ameaças de morte e ataques contra veículos e instalações.

Como tal, não é de estranhar que a desflorestação na Amazónia brasileira em Julho de 2019, comparando com o período homólogo de 2018, tenha aumentado 15 por cento, totalizando 5.054 quilómetros quadrados, de acordo com a organização Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazónia (Imazon).

O aumento da área desflorestada foi calculado pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) operado pela organização não governamental (ONG), que não depende do Governo brasileiro.

Apenas em Julho de 2019, o SAD detectou 1.287 quilómetros quadrados de desflorestação na Amazónia Legal, um aumento de 66 por cento em relação a Julho de 2018, enquanto o corte de floresta ocorreu numa área de 777 quilómetros quadrados. A desflorestação, em Julho de 2019, registou-se no Pará (36 por cento), Amazonas (20 por cento), Rondónia (15 por cento), Acre (15 por cento), Mato Grosso (12 por cento) e Roraima (2 por cento).

A Amazónia Legal engloba nove estados do Brasil pertencentes à bacia Amazónica (Acre, Amapá, Pará, Amazonas, Rondónia, Roraima e parte de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão), que têm em parte do território autorização para algumas actividades humanas.

“As florestas degradadas na Amazónia Legal somaram 135 quilómetros quadrados em Julho de 2019, enquanto em Julho de 2018 a degradação florestal detectada totalizou 356 quilómetros quadrados, uma redução de 62 por cento”, destacou a ONG.

O Imazon classifica como floresta degradada áreas em que há “um distúrbio parcial na floresta causado pela extração de madeira e ou por queimadas florestais”. O estudo também indicou que, em Julho de 2019, a maior parte (55 por cento) das acções de desflorestação ocorreu em áreas privadas ou sob diversos tipos de posse. O Imazon detectou que 20 por cento da desflorestação mapeada em Julho foi registada em assentamentos (áreas em que vivem pessoas sem nenhum tipo de posse da terra), unidades de conservação (19 por cento), que são áreas públicas mantidas para a preservação ambiental, e outros 6 por cento em terras indígenas.

Tudo falso, claro

Jair Bolsonaro, questionou na segunda-feira as estimativas oficiais que revelaram um aumento de 88 por cento da desflorestação na Amazónia, face ao mesmo período de 2018, criticando os países que querem interferir na política ambiental brasileira.

“Não acredito que os dados que saíram no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sejam verdadeiros. Tenho a convicção que os dados são mentirosos, e nós vamos chamar aqui o presidente do Inpe para conversar sobre isso, e por ponto final nessa questão”, afirmou o chefe de Estado durante uma reunião com a imprensa estrangeira em Brasília, chegando a insinuar que o presidente daquele instituto poderia estar “ao serviço de alguma ONG”. Importa esclarecer que o Inpe é uma instituição pública federal, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

“Em primeiro lugar, a Amazónia é do Brasil, e quem tem de saber dela somos nós, e não vocês”, acrescentou o Presidente, dirigindo-se a jornalistas estrangeiros que o questionaram sobre a sua política ambiental.

Confrontado com os números, o chefe de Estado brasileiro declarou que existe uma “psicose ambiental” no país sul-americano. “Se formos somar o desmatamento que dizem que existiu nos últimos 10 anos, a Amazónia já acabou. Eu entendo a necessidade de preservar, mas a psicose ambiental deixou de existir comigo. (…) Somos o país que mais preserva”, declarou Bolsonaro.

O mandatário acusou ainda os últimos Presidentes, referindo directamente Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Rousseff, de “fracos”, “antipatriotas” e “corruptos”. “Vocês de fora estão com saudades dos Governos corruptos e descomprometidos com o Brasil. É isso que vocês querem aqui. Se fosse outro Presidente, depois de Osaka, já teria mais 50 reservas indígenas demarcadas de forma subserviente. Isso mudou, têm que entender que isso mudou”, acrescentou o governante, referindo-se à cimeira do G20 que se realizou no Japão.

Fundo ao fundo

O ministro do Ambiente brasileiro, Ricardo Salles, anunciou na semana passada a suspensão do Fundo Amazónia após a Noruega, principal doador para a protecção da floresta amazónica, ter anunciado o bloqueio de 30 milhões de euros destinados ao Fundo.

O país escandinavo acusa Brasília de “já não querer parar a desflorestação” e de ter “rompido o acordo” com os doadores do Fundo para a Preservação da Floresta Amazónica, para o qual Oslo já transferiu 828 milhões de euros desde a sua criação, em 2008.

“O Brasil rompeu o acordo com a Noruega e com a Alemanha desde que suspendeu o conselho de administração e o comité técnico do Fundo Amazónia”, afirmou o ministro do Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen, ao jornal norueguês Dagens Naeringsliv (DN). “O Brasil não pode fazer isso sem que a Noruega e a Alemanha concordem”, acrescentou o governante.

Em São Paulo, o ministro do Ambiente brasileiro, Ricardo Salles, declarou que o Fundo está “suspenso”. “As regras do Fundo Amazónia estão em discussão. É natural que qualquer transferência de verbas aguarde o desfecho acerca da definição das regras. (…) O Fundo está suspenso. Portanto, temos que aguardar o resultado”, disse Salles, após reunir-se com ministros do Ambiente dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China).

Recorde-se que desde 2017, Salles é réu num processo movido pelo Ministério Público de São Paulo sob a acusação de alterar ilegalmente o Plano de Manejo da Área de Protecção Ambiental da Várzea do Rio Tietê, com a intenção de beneficiar interesses privados.

Criado em 2008, o Fundo Amazónia é mantido, maioritariamente, com doações da Noruega e Alemanha, e é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social do Brasil (BNDES).

A captação de recursos para o Fundo Amazónia é condicionada pela redução das emissões de gases de efeito estufa oriundas da desflorestação, calculados por um comité técnico, ou seja, é preciso comprovar a redução da desflorestação na Amazónia para viabilizar a captação de verbas.

Em reacção à suspensão da transferência de verbas para o Fundo Amazónia pela Noruega, o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, questionou se o país nórdico “não é aquele país que mata baleias e explora petróleo”. “A Noruega não é aquele que mata baleias lá em cima, no Polo Norte? Que explora petróleo também lá? Não tem nada a oferecer-nos. Peguem no dinheiro e ajudem a [chanceler alemã] Angela Merkel a reflorestar a Alemanha”, declarou o chefe de Estado, citado pela imprensa local.

Também a ministra alemã do Ambiente, Svenja Schulze, anunciou, em entrevista ao jornal alemão “Tagesspiegel”, a suspensão do financiamento de projectos para a protecção da floresta e da biodiversidade na Amazónia, no valor de 35 milhões de euros, devido ao aumento da desflorestação na região. “Apoiamos a região amazónica para que haja muito menos desflorestação. Se o Presidente [Bolsonaro] não quer isso no momento, então precisamos conversar. Eu não posso simplesmente ficar a dar dinheiro enquanto continuam a desflorestar”, acrescentou a ministra ao jornal alemão Deutsche Welle.

Bolsonaro reagiu dizendo que o seu país não “precisa” de subsídios alemães.
A Amazónia é a maior floresta tropical do mundo, com a maior biodiversidade registada numa área do planeta. Tem cerca de cinco milhões e meio de quilómetros quadrados e inclui territórios pertencentes ao Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa (território pertencente à França).

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