E tudo a Covid levou?

[dropcap]N[/dropcap]uma altura em que decorrem os debates sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG) para este ano, com um novo Governo e no meio de uma crise económica gerada por uma pandemia, há algumas coisas a reter. Em primeiro lugar, os debates passaram a acontecer num só dia ao invés de dois, e ainda bem: há deputados que continuam a fazer perguntas monótonas e repetitivas, gerando igualmente respostas ocas da parte do Executivo. Urge mudar o modelo de debate em prol de um diálogo político mais concreto.

Depois, têm sido poucas as críticas feitas aos novos secretários. Talvez por estarem há pouco tempo nesse cargo, André Cheong e Lei Wai Nong não levaram com as críticas que os seus antecessores ouviram, mas nas suas tutelas permanecem alguns problemas. Esperemos para ver os debates com Raimundo do Rosário e Wong Sio Chak, que já têm bastante trabalho feito, para o bem e para o mal. A crise causada pela covid-19 parece ter levado, para já, tudo o que de negativo possa ser apontado a este Executivo. Ho Iat Seng diz ter tudo sob controlo no que diz respeito à pandemia, mas há ainda muito caminho a trilhar.

A economia vai continuar por diversificar, os trabalhadores não residentes vão continuar a ser tratados como párias da sociedade e os problemas laborais vão persistir. As PME vão continuar a sufocar.  Esta segunda-feira o secretário para a Economia e Finanças não quis avançar com previsões do PIB, taxa de desemprego ou número de turistas e disse que aposta antes em estratégias. Mas os números vão aparecer, e dar subsídios a PME e a residentes não chega, e Hengqin ainda está muito longe. Exige-se pensar fora da caixa.

Tédio e obsessão

[dropcap]E[/dropcap]ra inevitável. Entre quatro paredes e uma janela, com uma barragem de informação cuja percentagem de inutilidade e oportunismo supera a que realmente interessa – sob tudo isto e mais ainda, era inevitável. Chegou a minha casa outro terrível inimigo: o tédio.

É um adversário manhoso, que se insinua devagarinho e cresce em proporção directa com todas as notícias que tratam estes dias de forma a espremê-los sem piedade. Da saturação nascerá sempre o ennui e isto não é uma afectação decandentista e literária: é um perigo real.

Não me levem a mal: nem por um momento perdi a ligação com a realidade e muito menos a empatia pela gente que morre, pelos que choram quem morre e sobretudo quem está a trabalhar para que isso não aconteça. Mas mentiria se não dissesse que estou cansado do aproveitamento que se faz deste nosso novo mundo. Lembro-me agora de um famoso verso de Paul Valéry e que é epígrafe de um livro desiludido de Carlos Drummond de Andrade: “Les événements m’ennuient”. É isso, com ainda mais força e verdade: os acontecimentos aborrecem-me. Convidam ao torpor, a uma quase apatia. No início deste tempo estava activo, atento; discutia, trocava ideias, escrevia, queria saber e conhecer. Agora só me importo com os meus e tenho pena que a hibernação não seja uma característica da espécie humana. Dormia-se e acordava-se daqui a uns meses, no mesmo lugar mas noutro lugar.

Só que nada disto é possível nem sequer resolve. O que se poderá fazer para contrariar esta vontade de fuga? Pela minha parte, arranjei uma solução: investir nas obsessões, naquelas inofensivas e idiossincráticas, mas que fazem parte dos arames que seguram a nossa personalidade e até muitas vezes as nossas acções e decisões. Eu, felizmente, tenho várias, que vão desde Sinatra, a cultura inglesa, os cocktails, Gene Tierney, o film noir ou o cabelo de Jennifer Anniston (e esta última já me ofereceu uma crónica há largos anos). E outras, também inócuas, mas de que necessito. Porque há isto: não confio em ninguém que não possua uma obsessão. Recorro a um talentosíssimo obcecado (e que cunhou o temo “flor de obsessão” sobre a sua própria arte), Nelson Rodrigues. Dizia ele que “o que dá ao homem um mínimo de unidade interior é a soma das suas obsessões”. E noutro registo ainda mais característico, proclamava que só os idiotas não seriam obcecados. É provável: não foi um génio, Franz Kafka, que incentivou a que todos perseguíssemos as nossas obsessões de forma desapiedada ? Foi. E francamente acho que ambos têm razão.

Então é isto, amigos: contra o nevoeiro do tédio, o farol da obsessão. É praticar sem medo. Pelo menos um porto seguro haveremos de achar.

Cheira-me que

Santa Bárbara, Lisboa, quinta, 23 Abril

[dropcap]A[/dropcap]nda uma excitação no ar a propósito de livros e leituras. Como há semanas só apanho ar de varanda, ainda para mais contaminado com inesperadas obras de embelezamento de passeios e canteiros, pode ser que esteja a farejar mal, mas não encontro razões para celebrar esse suposto reencontro do livro e dos leitores. Não alinhámos nas celebrações marqueteiras do dia mundial do dito, ocupados que estamos a renovar o site da abysmo, que bem precisado estava, e na recolha de materiais para futura revista digital, maneira de sacudir o torpor. E navegamos pelos dias a pensar, apesar de expressamente proibido pela doutora, enquanto interpretava os resultados do sangue.

Continuemos a mexer no horizonte das lombadas, na busca parva de casualidades que fundamentem este livro e não outro. Os tolos dão muita importância a estas coincidências, diz Francisco Umbral em um dos contos – saborosos que nem pinchos em La trucha – de «Historias de amor y viagra» (ed. Planeta), e remata: «la metafísica de los tontos es la casualidad». Um jornalista de meia-idade, fazem questão de dizer, é convidado a experimentar a novidade do final dos 1990, o Viagra, e disso faz dele pretexto para investigações ao desejo e mais além. «Sabemos que o eu começa onde o nosso desejo acaba, mas ninguém dá o passo adiante, por preguiça, por medo». Apesar das mortes e da melancolia, não se trata de policial, embora lhe roube o tom cínico de quem está sobrevoando, de passagem, vendo ao longe. A frase discorre com invejável ligeireza, esculpindo personagens de vulto, e colocando-as em cena montada pela mais fina observação, soltando sentença aqui, piscando o olho aos clássicos além. Leitor de águas profundas sabe vir à superfície do banal para respirar. A mulher deste habitat interessa-me, e muito, até por desafinada com o óbvio dos dias, mas foi a cidade que me matou. Madrid está toda aqui, com crueldade e cheiro, as marcas distintas de chão e varandas, de cor e parques, de temperatura e sujidade. Não sei se chega a ser amor, mas sacrifica-lhe tantas palavras que parece fazer dela mais causa que cenário. E não se limita ao exterior, os bairros medem-se aos palmos de parede. No conto mais tocado pelo spleen de meia-idade, sobretudo com a queda para avaliação enquanto forma da memória, «Isabel», as descrições do bairro e do apartamento, com livros de alto expressionismo, alcançam luminosa intensidade. Mas, por causa da metafísica dos tontos, vou buscar a outro o acesso a essas personalidades que as partes da nossa casa assumem agora de um dia para o outro, inesperadas e cheirosas: «olor a vieja, olor a militar, olor a hiperrealismo, olor a bragas, olor a niño muerto, olor a mujer dormida, olor a cuarto de la plancha, olor a cocina abandonada, olor a coliflor.»

Foi pelo título que a mão sacou o Milan Kundera de «A Lentidão» (Edições Asa). A novela tem raízes no Vincent Danon de outro texto, esse magnífico que não encontro – a que cheirará a habitación da biblioteca onde se esconde? Curto-circuita-se com o anterior no fio vermelho do desejo, invocando logo cedo Epicuro para explicar, que o hedonismo não está tanto na busca do prazer quanto na ausência de sofrimento. E nisto me comprazo, nisto e na relação que o escritor procura provar entre lentidão e memória, anverso de velocidade e esquecimento. Com que forma nos marcará esta experiência de confinamento, tatuagem ou cicatriz? «A Senhora de T. soube imprimir ao escasso lapso de tempo que lhes coubera como que uma pequena arquitectura maravilhosa, como que uma forma. Imprimir forma numa duração, tal é a exigência da beleza, mas também a da memória.»

O cheiro a livros velhos punha a cabeça de «Moravangine» (ed. Ulisseia, mas ainda circula a da Cotovia) a andar à roda. As mãos do Bernardo [Trindade], sobretudo se em visita de médico, trazem sempre sábios volumes. Na tradução fiel do Ruy Belo e com capa de Espiga Pinto, este romance de vida de Blaise Cendrars pôs-me o corpo a andar à roda. Com a aventura e o delírio, das máquinas e das revoluções, das paisagens e das cidades, das longas descrições, das volúpias assassinas. E o ritmo. «Não há ciência do homem, o homem é essencialmente portador de um ritmo.» Não esqueçamos essa omnipresença: «as doenças existem. Não as fazemos nem as desfazemos a nosso bel-prazer. Não somos senhores delas. Elas é que nos fazem, nos modelam. Talvez nos tenham criado. São próprias desse estado de actividade a que se chama a vida. Constituem talvez a sua principal actividade.» Páginas febris se sucedem. A febre, em Blaise Cendrars, faz-se estilo. «As epidemias, de maneira particular as doenças da vontade, as neuroses colectivas ficam a marcar, à semelhança dos cataclismos telúricos na história do nosso planeta, as diferentes épocas da evolução humana».

Santa Bárbara, Lisboa, sexta, 24 Abril

Quase sem querer, vejo-me metido com outros (pequenos) editores em gesto de organização tão raro que seria precioso se o resultado fosse distinto. Escrevemos à Ministra da (pouca) Cultura a pedir, face à crise, o óbvio gritante: em resposta à crise, compre-nos livros. Veio a resposta em forma de esmola. Pensamento e estratégia? Nada, além de tristonhas declarações. Resta-me acreditar que o gesto dos editores venha a dar árvore frondosa, capaz de produzir fruto e sombra, bonsai que fosse, dos de tratar em casa. Não sei, cheira-me que. Quero sempre muito à volta do 25 de Abril.

Santa Bárbara, Lisboa, sábado, 25 Abril

As voltas que as coisas dão sobre si são revoluções. Em pequeno caderno laranja de cantos aparados, mas ao formato, o mano enorme António [Gonçalves] responde ao «Navalha no olho» ilustrando-o e manuscrevendo-o. Fragmentos de carne pontuam doravante as palavras, revivas por mão amiga e leitora as ter passado a tinta, negra de tão sanguínea. O gesto contamina o céu e a terra, as nuvens transfiguram-se em corpos que ficam no passar, o alcatrão despe-se para deixar que o chão mostre os seus castanhos pisados. O corpo quedo locomove-se.

Santa Bárbara, Lisboa, domingo, 26 Abril

Não vou mentir e dizer que foi de súbito, que nem trovoada tropical. Ainda assim, bateu esta morte do João [de Azevedo], com as cores vivas a esbaterem-se e os crocodilos a mergulharem para esconder a dor nas águas primordiais. O João conversava o mundo. Desfez fronteiras por causa de causas e arranjou maneira de prolongar vida fora certas experiências dos dias em que as utopias se cultivavam com enxada. Terras muitas e céus variados, viagens de quem lê. Aprendi mais África nas intermináveis libações, com o que o negro continente contém de Europa, de vontades transviadas e mitos cegos, surdos e mudos. Mas outros animais e outras paragens vinham à beira da tela para desaguar, para desovar, o crocodilo antes dos outros, a fazer-se senhor de erotismos e mortes de ver ao pé (exemplo algures na página). Um homem contém um mundo, mas o João fez-se antena de mundos, convocou outras gentes, das sementes e das palavras, acreditando. Este homem trazia consigo sempre outros. E um enorme sorriso respirado, de ânsias e paisagens. Um homem assim morre menos. Vou acreditar que esta seja ausência breve, o tempo de um relatório e poucas contas.

China Plaza | Falha de energia afectou serviços públicos

[dropcap]V[/dropcap]ários serviços públicos situados no China Plaza foram ontem suspensos temporariamente devido a uma falha de energia. De acordo com a Companhia de Electricidade de Macau (CEM), “pelas 11h04, uma falha no posto de transformação de média tensão do Edf. China Plaza causou um disparo, resultando na falha de energia na zona centro”.

A CEM enviou para o local o piquete de emergência para restabelecer a energia, que viria a ser reposta para a maioria dos clientes às 11h38 e totalmente recuperada às 13h12.

Quanto aos utentes dos Serviços de Identificação com atendimento marcado para o período em que faltou a electricidade, a entidade pública assegurou que podem voltar hoje, a qualquer hora, ou marcar hora de atendimento por telefone, adiantou o canal chinês da TDM – Rádio Macau.

Devido ao corte de energia, as pessoas que esperavam para serem atendidas foram evacuadas do edifício, com 893 clientes dos serviços públicos a serem afectados e, segundo a TDM – Rádio Macau, três pessoas a ficarem presas num elevador. Não se registaram feridos e a CEM garantiu que a causa do incidente está a ser investigada.

Turismo | Março com mais 36 % de visitantes do que Fevereiro

[dropcap]E[/dropcap]m Março deste ano, houve cerca de 212 mil visitantes, uma descida de 93,7 por cento comparativamente ao mesmo mês de 2019, revelam dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC). Mas apesar de o impacto gerado pela pandemia se manter, o número de visitantes representa um aumento de 35,8 por cento face a Fevereiro. Em termos mensais, o número de visitantes de Hong Kong que entrou pela Ponte do Delta “cresceu substancialmente”: mais de 131 por cento.

A nível anual, os números de turistas e de excursionistas tiveram quebras acima de 90 por cento, ainda que o tempo médio passado pelos turistas no território tenha aumentado em dois dias e meio. Foi por terra que a maioria dos visitantes entrou na RAEM. A nível aéreo, o cancelamento de voos fez-se sentir, com a quebra no número de entradas a atingir os 97,1 por cento.

No cômputo geral do primeiro trimestre, chegaram ao território 3,2 milhões de visitantes, menos 68,9 por cento em comparação ao período homólogo. O número de excursionistas e turistas desceram 69,8 por cento e 67,9 por cento, respectivamente. O tempo médio de permanência de visitantes foi superior em comparação ao mesmo trimestre de 2019, o que no caso dos turistas se traduziu em mais meio dia.

O Interior da China manteve-se como a principal origem dos visitantes, seguido de Hong Kong e Taiwan, ainda que todos tenham descido mais de 60 por cento. Além destes, os números de visitantes dos Estados Unidos da América (13.469), da Austrália (7.904) e do Canadá (6.175) também desceram.

Retalho | Cadeia Espírit fecha lojas em Macau

[dropcap]A[/dropcap] empresa de roupa Esprit decidiu encerrar todas as lojas no território face às perdas relacionadas com a pandemia da covid-19. O anúncio da empresa com sede na Alemanha foi feito num comunicado à bolsa de Hong Kong.

“A empresa decidiu encerrar todas as 56 lojas na Ásia, excluindo o Interior, nomeadamente em Singapura, Malásia, Taiwan, Hong Kong e Macau”, foi afirmado. A medida foi explicada com a necessidade de “reestruturação e concentração de recursos para lidar com os desafios trazidos pela pandemia”.

Ainda de acordo com a informação disponibilizada, as lojas em causa apenas tinham sido responsáveis por 4 por cento das receitas do grupo, num valor de 267 milhões de dólares de Hong Kong.

Turismo | Serviços dão formação na Índia sobre atracções de Macau

A pensar no levantamento das restrições de viagem, a Direcção dos Serviços de Turismo está a formar parceiros na Índia para dar a conhecer e divulgar os produtos de Macau

 

[dropcap]O[/dropcap] departamento da Direcção dos Serviços de Turismo (DST) na Índia está a formar parceiros de viagens sobre as atracções turísticas do território, através de plataformas online. Em resposta ao HM, o organismo explicou que o surto da covid-19 é um contratempo para a indústria das viagens, mas que acredita que “os destinos que se mantêm visíveis e relevantes nestes tempos de incerteza vão ser os primeiros a recuperar e a atrair turistas indianos”.

Foram desenvolvidos programas de aprendizagem electrónica, troca de mensagens e formações online para dar informações no âmbito do comércio das viagens sobre as várias facetas de Macau. O objectivo é ajudar a que os agentes de viagens compreendam melhor o destino e promovam a RAEM junto dos viajantes já a pensar no fim das restrições de mobilidade. O departamento na Índia já fez formações com agências como a Thomas Cook, Make My Trip e outras de menor dimensão. Mais de 1400 profissionais de viagens foram formados na Índia durante o período de isolamento.

Mercado apetecível

No entender da DST, a Índia está entre os mercados de visitantes internacionais de Macau com “maior potencial” para a cidade expandir a diversidade dos mercados de origem dos visitantes internacionais e o período de estadia dos visitantes em Macau. No ano passado, vieram ao território mais de 127 mil visitantes indianos, com 75 por cento a passarem a noite na cidade.

Em 2019, foi feito um estudo sobre o mercado de visitantes indiano, nomeadamente sobre o seu comportamento em Macau. Os resultados revelaram que 85 por cento das pessoas visitaram Macau pela primeira vez, e mais de metade ficou durante três dias e duas noites. Além disso, 71 por cento dos inquiridos expressou interesse em regressar, enquanto 96 por cento declarou que vai recomendar o destino a outras pessoas.

Detido homem que transportava imigrantes ilegais

[dropcap]A[/dropcap] Polícia Judiciária (PJ) e os Serviços de Alfândega (SA) procederam a três detenções, de dois homens e uma mulher, após terem detectado uma embarcação que tentava fazer com que uma pessoa entrasse de forma ilegal em Macau para jogar. A operação que partiu de uma informação das autoridades de Zhuhai foi desencadeada durante a madrugada de segunda-feira.

As detenções foram feitas quando o barco se aproximava de Hác Sá, perto do trilho de Long Chao Kok. A embarcação foi interceptada quando se acercava da costa para deixar o homem vindo do Interior, e levar de volta uma mulher, que recusou dizer às autoridades o que estava a fazer na RAEM, tendo os passageiros e o condutor sido presos.

O homem que estava aos comandos do barco tem 32 anos e é do Interior da China. De acordo com as autoridades de Zhuhai este detido faz parte de uma rede de imigração ilegal, mas não é o cabecilha, pelo que as investigações no outro lado da fronteira vão continuar para desmantelar a rede criminosa.

Quanto aos passageiros, o homem que tentou entrar em Macau para jogar pagou uma quantia de 25 mil yuan pelo transporte. Às autoridades locais, o homem do Interior afirmou vir jogar, apesar de saber que estava impedido de entrar em Macau por um período de seis anos. Segundo as autoridades, no passado o homem já tinha cometido outras ilegalidades relacionadas com o jogo.

No MP

Quanto à mulher, que pretendia regressar ao Interior, pagou 15 mil renminbi para não ter de passar por qualquer tipo de controlo, ou seja com o objectivo de evitar a quarentena. Apesar de estar em Macau desde Janeiro, em excesso de permanência, a detida recusou revelar o que estaria a fazer na RAEM. Os registos não mostram que tenha antecedentes criminais.

Como consequência da operação, o homem de 32 anos foi reencaminhado para o Ministério Público e está indiciado pela prática dos crimes de auxílio à imigração clandestina e acolhimento, que em ambos os casos podem chegar a uma pena máxima de oito anos.

Espanhol come caranguejo e é preso não pagar conta de 248 patacas

Um espanhol com 46 anos foi detido e arrisca uma pena de prisão que pode chegar aos seis meses por ter comido um prato de caranguejo com vieiras secas, e ter bebido um café, sem pagar

[dropcap]U[/dropcap]m turista espanhol foi a um restaurante e almoçou um prato de caranguejo com vieiras secas, acompanhado com vegetais, que ficou por pagar. O caso aconteceu no dia 23 de Abril e ainda, antes de tentar fazer o pagamento, o homem, com nacionalidade espanhola, bebeu um café.

Contudo, no momento em que se preparava para deixar o espaço foi-lhe apresentada uma conta de 248,6 patacas. Nesse momento, o homem admitiu perante os funcionários que não tinha dinheiro. O turista, de 46 anos, ainda utilizou o cartão de crédito numa tentativa desesperada de fazer o pagamento, mas como não tinha dinheiro tal não foi possível.

“O homem comeu num restaurante e só depois da refeição é que admitiu que não tinha dinheiro para pagar. Primeiro, tentou fazer o pagamento com o cartão de crédito, mas foi rejeitado”, afirmou, ontem, o porta-voz do Corpo de Polícia de Segurança Pública. “Além da refeição, o preço incluía uma taxa de 10 por cento pelo custo de serviço”, foi acrescentado.

Face a este cenário, o proprietário insistiu em receber o dinheiro, o que não foi possível, e por isso chamou o Corpo de Polícia de Segurança Pública ao local, que acabou por prender o homem. O turista de 46 anos colaborou com as autoridades aguardou no restaurante pelas autoridades, tendo admitido que tinha consumido a comida. O caso foi encaminhado para o Ministério Público e o espanhol arrisca uma pena de prisão que pode chegar a seis meses pela prática do crime de “burla relativa a seguros e para obtenção de alimentos”. Este é um delito que prevê situações em que pessoas vão a espaços comerciais como restaurantes ou hotéis e usufruem dos serviços ou produtos para venda sem fazer os respectivos pagamentos.

Rico presente

Também ontem, a Polícia Judiciária revelou ter recebido a queixa de uma residente, de 30 anos, que alega ter sido vítima de burla.

Segundo o relato apresentado, em Março deste ano, uma mulher conheceu um homem que se apresentou como um engenheiro que vivia na Europa. Depois de quase um mês de conversa online, o homem admitiu estar apaixonado e disse querer namorar com a residente.

Como prova do seu amor, o sujeito disse ter enviado um presente à mulher, via Hong Kong. No entanto, acabou por contactar a mulher através de mensagem para lhe dizer que o presente tinha ficado retido na antiga colónia britânica e que era necessário proceder a três pagamentos para libertar o presente. Face a este cenário a ofendida fez três transferências bancárias no valor de quase 75 mil dólares de Hong Kong.

Contudo, como após as três transferências a mulher recebeu uma outra mensagem a pedir mais dinheiro apercebeu-se que estava a ser burlada tendo apresentado queixa.

1 de Maio | Sem manifestações, associações defendem lei sindical e revisão laboral


Devido à pandemia da covid-19 as associações de defesa dos direitos dos trabalhadores não vão sair à rua para celebrar o 1º de Maio, mas, caso o fizessem, teriam como prioridades a lei sindical e a revisão da lei laboral. A Associação Poder do Povo defenderia novas medidas no combate à pandemia e para resolver a crise económica

 

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M[/dropcap]esmo que o secretário para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong, tenha prometido, esta segunda-feira, colocar em consulta pública a lei sindical, as associações de defesa de direitos dos trabalhadores iriam levar este assunto às ruas esta sexta-feira, 1 de Maio, dia em que se celebra o Dia do Trabalhador. A covid-19 afastou os protestos das ruas, mas as reivindicações mantêm-se mais vivas do que nunca. José Pereira Coutinho, deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), disse ao HM que as suas lutas do 1º de Maio continuam a ser a implementação da lei sindical e de negociação colectiva. Sobre a promessa feita por Lei Wai Nong, Coutinho disse “ser sempre uma esperança”. “Vamos
ver para crer”, frisou.

Além disso, o deputado apostaria no alargamento dos membros do Conselho Permanente de Concentração Social (CPCS), segundo um modelo “que aumente a legitimidade representativa nos mesmos moldes em que existem representantes da Associação Comercial de Macau no Conselho de Avaliação das Remunerações dos trabalhadores da Função Pública”. 
Pereira Coutinho defende também a revisão da lei laboral e a melhoria do sistema de apresentação de queixas por parte dos trabalhadores no sector público e privado.

Também a Associação Novo Macau (ANM) considera que a aprovação da lei laboral é a exigência mais “urgente” para este 1º de Maio. “Os deputados já apresentaram vários projectos de lei na Assembleia Legislativa que nunca foram aprovados. O secretário disse que vai haver uma consulta pública neste terceiro trimestre e nós ansiamos por ela, pois achamos que a população deve dar a sua opinião”, afirmou Kam Sut Leng, presidente da ANM.
Além disso, a responsável aponta para propostas feitas no passado, como a implementação do salário mínimo universal e o aumento dos dias de licença de maternidade de 70 dias para 120 dias.


Olhar a economia

No caso da Associação Poder do Povo, liderada por Iam Weng Hong, o foco de uma hipotética manifestação de 1º de Maio seria medidas económicas para combater a crise económica que se instalou com a pandemia da covid-19. A Poder do Povo iria “exigir ao Governo a fiscalização dos preços dos alimentos nos mercados, fornecedores e supermercados”, além de deixar o alerta para a necessidade de se “pensar no pior cenário” no que diz respeito ao desenvolvimento da pandemia.

“Caso a pandemia fique fora de controlo, [o Governo] deve pensar como deve revitalizar a economia e garantir que a população obtenha de forma estável o seu rendimento mensal”, adiantou.

O JTM avançou que muitas associações queriam sair à rua na sexta-feira, mas acabaram por desistir da ideia por considerarem que a garantia da saúde pública está em primeiro lugar. A Polícia de Segurança Pública chegou mesmo a proibir alguns protestos com base num parecer emitido pelos Serviços de Saúde de Macau. Apesar de não sair às ruas, a Associação Novo Macau dos Direitos dos Trabalhadores do Jogo, liderada por Cloee Chao, vai entregar uma petição ao Governo.

Ilha Verde | Alojamento ilegal em convento não causou danos

[dropcap]O[/dropcap] convento jesuíta, situado na Colina da Ilha Verde, foi aproveitado para alojamento de trabalhadores não residentes (TNR) em Fevereiro, situação que motivou uma interpelação escrita de Wong Kit Cheng. “Os trabalhos de conservação e reparação estão a decorrer, mas a Casa de Retiro foi aproveitada para o alojamento de trabalhadores, servindo de dormitório. A sociedade está preocupada, porque esta situação vai prejudicar os respectivos trabalhos de reparação e conservação”, alertou a deputada.

Para além do estado de conservação da propriedade, a deputada alertou para as fracas condições do espaço para propósitos de alojamento, recordando que uma visita do Instituto Cultural (IC) ao espaço, divulgada em Fevereiro, revelou um cenário de “perigo para a higiene e para a segurança contra incêndios”. “Por isso, é inadequada para residência dos trabalhadores em causa, ainda que a sua autorização de permanência em Macau seja válida”, concluiu Wong Kit Cheng. Note-se que a lei da contratação de trabalhadores não residentes da RAEM aponta que os TNR têm “direito a alojamento condigno”.

No entanto, a resposta de Mok Ian Ian, presidente do IC, desvalorizou as condições para efeitos de residência. Depois de receber informação de uma associação de beneficência e assistência mútua dos moradores a dar conta da existência de trabalhadores não-residentes a morar no Convento em Fevereiro, durante o período de propagação do novo tipo de coronavírus, o caso foi participado ao Corpo de Polícia de Segurança Pública. Além disso, o IC destacou pessoal para verificar o estado do edifício. “Segundo o resultado de avaliação preliminar, o estado do Convento está mais ou menos como no ano passado, não havendo danos de maior”, declarou.

Sulu Sou defende protecção para denunciantes de corrupção

Criar mecanismos para permitir queixas anónimas contra situações de corrupção e proteger quem revela irregularidades, foi o apelo deixado por Sulu Sou em interpelação escrita ao Executivo

 

[dropcap]S[/dropcap]ulu Sou defende que se deve assegurar o sigilo de quem denuncia casos de corrupção, e que o Governo deve criar mecanismos para receber denúncias anónimas e o seu tratamento de forma imparcial. O apelo foi expresso numa interpelação escrita ao Executivo, em que aponta para insuficiências à capacidade do actual sistema anti-corrupção para assegurar que o público denuncie casos de corrupção.

Um dos problemas prende-se precisamente com a necessidade de dar o nome nas queixas ao Comissariado Contra a Corrupção (CCAC), uma opção que o deputado considera poder levar a “uma redução significativa da eficácia” da luta contra a corrupção de toda a sociedade.

Apontando que os casos de fraudes nos serviços públicos ou entidades privadas podem afectar o interesse público, explicou que muitas vezes a exposição dos casos está dependente de pessoas com informação interna ou adquirida profissionalmente. “No entanto, os denunciantes, conhecidos como ‘whistleblowers’, provavelmente vão sofrer muita pressão, vão ser responsabilizados, punidos, demitidos e incapazes de encontrar um novo emprego”, disse Sulu Sou.

Neste contexto, o deputado recordou a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, onde se define que devem ser implementadas medidas para garantir que o público conhece os organismos que lutam contra a corrupção e facilitar o acesso a estes organismos quando fizerem denúncia, “inclusive anónima”. E não deixou de parte o artigo sobre a protecção aos denunciantes, que prevê a inclusão no ordenamento interno de “medidas apropriadas para proporcionar protecção contra todo o trato injusto”.

Solidez do regime

“Quando é que o Governo vai proceder ao estudo preliminar e preparação da ‘lei de protecção dos defensores do interesse público’, para que as pessoas possam ter a coragem de fazer denúncias, e estabelecer uma sociedade de tolerância zero à corrupção em Macau?”, questionou o deputado. Sulu Sou perguntou ainda ao Governo se reconhece que o actual regime jurídico contra a corrupção “não é sólido”.

Ao defender desenvolvimentos nesta área, o deputado disse que a sociedade tem feito exigências mais fortes contra a corrupção, e reconheceu que as linhas de acção governativa apresentadas este ano defendem que não se pode descurar da promoção da integridade. No entanto, Sulu Sou considera que, para além de o Governo assumir a liderança, a prevenção é uma tarefa que também cabe à sociedade, pelo que é preciso consciencializar o público para agir.

Hong Kong | Quarentena obrigatória foi prolongada e prevê excepções

Hong Kong estendeu a quarentena obrigatória para quem vem do exterior, incluindo Macau, mas há excepções no sector da saúde e das actividades económicas para quem vem do Interior da China. No mesmo dia em que foi anunciada mais uma alta, os Serviços de Saúde recusaram-se a comentar a situação na conferência de imprensa diária

 

[dropcap]A[/dropcap] quarentena de 14 dias vai continuar a ser obrigatória em Hong Kong, pelo menos até 7 de Junho. No entanto, a reboque do prolongamento da medida, para quem vem do Interior da China, pode também haver um alívio das restrições em alguns casos.

De acordo com a responsável pelos serviços de saúde de Hong Kong, citada pelo South China Morning Post, Sophia Chan, pessoas ligadas ao sector da educação e a alguns ramos de negócio “benéficos para Hong Kong” serão autorizados a entrar no território, sem que haja obrigatoriedade de cumprir quarentena. As novas regras entraram em vigor às 00h00 de hoje.

Perante as novas medidas anunciadas por Hong Kong, os Serviços de Saúde (SS) de Macau remeteram para mais tarde eventuais reacções ou novas regras transfronteiriças para quem vem em sentido contrário, afastando para já também a hipótese de retomar o corredor especial de transporte entre os dois territórios.

“Em relação a esta questão, não temos novas medidas. Iremos dar novidades em tempo oportuno”, disse ontem Alvis Lo Iek Long, da direcção do Centro Hospitalar Conde São Januário, por ocasião da conferência diária dedicada à covid-19.

Nova alta médica

Na conferência de ontem foi ainda anunciada a alta hospitalar de mais um paciente infectado com o novo tipo de coronavírus.

“Trata-se de um homem de 58 anos, residente de Macau, está numa situação estável e após os exames que fizemos confirmamos que está recuperado”, revelou o médico.

O responsável confirmou ainda que o paciente vai ser transferido para o centro clínico do alto de Coloane, onde ficará mais 14 dias de convalescença em isolamento. Macau conta actualmente com 12 doentes internados, oito no Centro Hospitalar Conde São Januário.

Convidado a aprofundar o caso do paciente que voltou a acusar positivo para a covid-19, Lo Iek Long reforçou que esta é uma questão científica ainda sem respostas precisas e que é preciso estar atento à especificidade de cada caso.

“Em todo o mundo há milhares de pacientes com sintomas diferentes. O seu processo de desintoxicação pode ser diferente em cada caso, ou mais rápido ou mais devagar. O mais importante é como podemos garantir segurança do paciente e da sociedade”, sublinhou Lo Iek Long.

Despistagem alargada

Depois dos professores, os SS anunciaram ainda o alargamento dos testes de ácido nucleico a pescadores e funcionários de lares e prisões. Consoante a evolução da pandemia, o bem-estar da população ficará assegurado independentemente da situação, garantiram as autoridades de saúde.

“Vamos reforçar o nosso trabalho nos testes, especialmente aos grupos específicos, incluindo as pessoas que se encontram em recintos relativamente fechados, por exemplo, nos hospitais, estabelecimentos prisionais ou lares de idosos”, afirmou Lo Iek Long.

Sobre o calendário para a realização de testes, Lo Iek Long afirmou que não há pressa e que existe um plano para identificar as pessoas prioritárias.

O responsável anunciou ainda que desde a meia-noite, os pescadores que cheguem a Macau estão obrigados a uma quarentena de 14 dias, que poderá ser feita na própria embarcação ou nos hotéis do Governo.

Saúde mental | Ansiedade entre os casos mais comuns

O presidente da Comissão de Saúde Mental, Ho Chi Weng, avançou ontem que os casos de ansiedade ligeira têm sido os mais comuns desde o início da crise provocada pelo novo tipo de coronavírus. “De acordo com dados estatísticos há casos que precisam dos nossos serviços por causa da pressão gerada durante a pandemia. A maioria dos casos estão relacionados com a ansiedade ou são sintomas leves”, apontou.

Garantindo que com o renício das aulas, o trabalho de apoio psicológico vai ser reforçado, Ho Chi Weng afirmou ainda que se os alunos precisarem de ajuda para lidar com a “pressão ou ansiedade” poderão contactar “as escolas ou centros de saúde”. Os serviços serão prestados, no máximo, no prazo de uma semana e “imediatamente” se o caso for urgente.

De acordo com o responsável, entre as pessoas que pediram consulta “apenas pediram aconselhamento para aliviar a pressão durante a epidemia”. Houve ainda três casos de pessoas que estiveram a fazer quarentena e a quem a comissão prestou apoio através do fornecimento de medicamentos psiquiátricos.

Máscaras | Três queixas por crimes na venda

As autoridades receberam três queixas, duas por burla, relatadas a 24 de Abril, e outra por utilização de documento de identificação por parte de terceiro, denunciada a 25 de Abril, relacionadas com a venda de máscaras. No primeiro caso, uma pessoa tentou comprar máscaras online e perdeu 300 patacas, sem que nunca tenha recebido os produtos. No segundo, a situação foi praticamente idêntica, mas a vítima tinha de concordar em pagar 400 patacas pelas máscaras. Finalmente, uma mulher local foi a uma farmácia na Taipa para adquirir as máscaras disponibilizadas pelo Governo, mas quando apresentou o seu documento de identificação foi informada que já alguém tinha utilizado aquele Bilhete de Identidade de Residente para proceder à transacção. As autoridades estão agora a proceder à investigação das três denúncias.

House of Dancing Water | Dragone quis que trabalhadores abdicassem de direitos

No ano passado, a Dragone Macau Limitada deu aos trabalhadores da “The House Of Dancing Water” um acordo de separação onde se prevê a renúncia do direito a acções legais. Meses antes, tinha sido revelada uma acção judicial de ex-funcionários contra a empresa. Quem continuou no espectáculo iniciou vínculo laboral com outra entidade, detida pela Melco. O HM teve acesso aos documentos e contactou a Dragone, que não quis responder

 

 

[dropcap]A[/dropcap] supervisão artística e criativa do espectáculo “The House of Dancing Water” continua a cargo de Franco Dragone, mas sob a estrutura operacional de uma nova entidade, detida pela Melco. A alteração foi anunciada pela Melco Resorts & Entertainment em Junho do ano passado. Em Novembro, foi pedido aos trabalhadores do espectáculo que assinassem um acordo de separação com a Dragone Macau Limited que requeria a renúncia ao direito de iniciarem acções judiciais contra a empresa.

“Ao concordar com a libertação contida neste Acordo de Separação, o trabalhador vem por este meio reconhecer, aceitar e concordar em voluntariamente renunciar a quaisquer direitos (conhecidos ou desconhecidos) a reivindicar e/ou iniciar uma acção legal contra as partes libertadas e/ou a solicitar, encorajar, assistir ou participar (directa ou indirectamente) em alegações ou acções legais contra qualquer das partes libertadas, por quaisquer antigos ou actuais funcionários, executivos ou terceiros”, diz o acordo de separação a que o HM teve acesso.

Entre outros factores, a renúncia abrange benefícios, compensação decorrentes de horas extraordinárias, feriados, dias de descanso ou deduções salariais, ou até mesmo queixas. No entanto, caso o empregado não cumpra o conteúdo do documento, a empresa reserva-se o direito de avançar com medidas legais, nomeadamente com a devolução de um “presente de agradecimento”, uma quantia monetária dada aos trabalhadores no fim da relação laboral.

O documento estipulava ainda que benefícios médicos ou seguros providenciados pela Dragone Macau Limited terminavam no último dia de trabalho. De acordo com uma fonte do “The House of Dancing Water”, não houve margem para negociar os termos: as opções extremavam-se entre assinar os documentos ou ficar sem trabalho. O medo de perder o emprego é, de resto, o que motiva o seu anonimato.

Depois de várias tentativas para chegar à palavra com a Dragone, Matthew Jessner, representante da empresa, recusou providenciar um contacto telefónico. “A Dragone confirma a recepção do seu pedido. Vamos considerar os pontos do seu pedido de consulta, mas não os vamos abordar neste momento”, indicou. Insistimos com a empresa, para confirmar se não queria saber as perguntas antes de recusar responder, mas mais de uma semana depois não recebemos qualquer resposta.

Validade limitada

Sobre as cláusulas do acordo de separação, o jurista António Katchi explicou que “esta renúncia a direitos que estarão baseados na lei de Macau não tem qualquer valor jurídico. Estar a obrigar um trabalhador a renunciar a direitos que estão conferidos pela lei de Macau, isso não é aceitável”.

A Lei das Relações de Trabalho define no artigo 10º que é proibido ao empregador “opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como prejudicá-lo pelo exercício desses direitos”. E sobre a celebração de contrato, o artigo 14º, diz que “consideram-se como inexistentes as cláusulas contratuais que estabeleçam condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as previstas na presente lei, sendo substituídas pelo disposto na presente lei”.

Os direitos previstos na lei são considerados como padrões imperativos mínimos. “O contrato pode ir além, mas não pode ficar aquém”, observou António Katchi. E entende que seria “duvidoso” tentar aplicar nesta situação, por exemplo, o direito a perdoar dívidas. “Porque é que o direito do trabalho é um ramo especial em relação ao direito civil? Porque se considera que o trabalhador é a parte fraca e não se podem transpor, sem mais, as regras gerais do direito civil para a relação laboral”.

Assim, o docente admite a possibilidade de os trabalhadores processarem a empresa sem que o documento afecte esse direito. “Se não quiserem ir a tribunal reclamar nada, não vão. Isto pode ficar ilegal e é uma ilegalidade que fica. Mas acho que se quiserem ir a tribunal dizer que certas cláusulas deste acordo são juridicamente inexistentes ou, pelo menos, que são nulas porque impõem um tratamento menos favorável na medida em que os privam de direitos que estão na lei, acho que isso deve ser atendido”, defendeu.

Para além disso, caso invoquem que foram sujeitos a chantagem contam ainda com o elemento da coacção moral. E ainda que o tribunal considerasse não ter havido coacção moral, por entender que a ameaça de despedimento não é ilegal, o trabalhador podia associar usura ao acordo. Ou seja, pode alegar que o empregador aproveitou conscientemente a sua situação de necessidade para obter benefícios excessivos e injustificados. Algo que na prática pode resultar na anulação ou modificação do acordo.

O passado recente

Vale a pena lembrar que em Junho do ano passado, a TDM – Canal Macau avançou que cinco ex-funcionários do “The House of Dancing Water” moveram uma acção em tribunal contra a Dragone Macau devido a irregularidades contratuais e violações à lei laboral. “Muito intencionalmente configurámos os nossos contratos com base na natureza da nossa actividade e com base na natureza da nossa indústria, e depois tentámos trazê-los, importa-los se quiser, para Macau. Algumas destas condições, volto a dizer, estão acima e além dos requisitos da lei laboral e algumas delas são incompatíveis com texto rigoroso, que vou precisar, não foram necessariamente adaptadas a ela, à lei laboral”, disse na altura Matthew Jessner.

O responsável disse então à TDM – Canal Macau que houve aconselhamento jurídico local e que foi assegurado à empresa que “muito provavelmente, mesmo que parte específica do texto (…) não esteja em concordância directa com a lei laboral, estávamos tão à frente, por excesso, em relação às condições oferecidas em várias frentes, que não devíamos ter qualquer problema”. Relativamente a detalhes sobre a compensação por feriados e espectáculos extraordinários, reconheceu que essas actuações são pagas, mas não a um valor mais elevado do que o já garantido. “Ao pagarmos (aos artistas) um salário muito acima da média, vamos ter de recuperar a nossa margem de lucro em algum lado, de forma razoável”, comentou.

Novo vínculo

O afastamento da Dragone significou o início de um vínculo laboral com a TDAB Sociedade Unipessoal Limitada, da Melco. Uma transição que implicou alterações aos benefícios dos trabalhadores. Um dos argumentos na queixa feita contra a Dragone no Verão passado foi, que ao contrário do que estava no contrato, foram descontados no salário dos trabalhadores montantes relativos ao seguro de saúde, segundo explicou a TDM – Canal Macau.

Agora, no novo acordo com a TDAB Sociedade Unipessoal Limitada, passou a constar que a empresa paga 80 por cento do seguro de saúde, e que os restantes 20 por cento são pagos directamente pelo trabalhador ou debitados do seu salário. O sistema é idêntico para os seguros de vida e acidentes, ainda que a percentagem de contribuição varie.

Por outro lado, surgem questões com a viagem de regresso ao país de origem para os trabalhadores não residentes. Nesse ponto, o documento estipula que a empresa não paga o bilhete caso a pessoa “vá trabalhar para outro empregador dentro de 30 dias desde a última data de emprego”. Isto, sem pormenorizar se o novo trabalho é em Macau ou no exterior. No entanto, o artigo 26º da Lei da Contratação dos Trabalhadores Não Residentes diz que “o direito ao repatriamento consiste no direito ao pagamento pelo empregador, no termo da relação laboral, do custo do transporte do trabalhador para o local da sua residência habitual”.

Quando questionamos a Melco Resorts & Entertainment, a empresa limitou-se a informar que cumpria com todos os requisitos da lei de Macau. “A Melco está em conformidade com os requisitos locais no que se refere ao emprego e todos os funcionários da Melco recebem cópias dos contratos de trabalho”, respondeu a empresa. As perguntas relacionadas com o acordo entre os trabalhadores e a Dragone, bem como as questões referentes ao pagamento da viagem de regresso dos trabalhadores não residentes ficaram sem resposta.

“Como Henry Miller e Jack Kerouac nunca se conheceram!” [1987]

[dropcap]C[/dropcap]omo Kerouac, aprendi a falar francês antes de inglês e, também como ele, fui um católico falhado. No caso de Kerouac, pode-se dizer que foi um católico falhado transformado em budista.

Associei-me aos escritores Beat publicando-os. No início, eu não era membro da Geração Beat. Não os conheci na Universidade de Columbia ou em Nova Iorque, na década de 1940. Quando Allen estava no Colégio Columbia, em Nova Iorque, e pessoas como Burroughs e Corso estavam talvez em Times Square ou em qualquer outro lugar, eu morava em França com uma família francesa e ia para a Sorbonne. À época, não conhecia nenhum Americano e certamente nunca tinha ouvido falar de poetas Beat. Isso só aconteceu quando cheguei a São Francisco e abri a livraria City Lights com um amigo, em 1953. Os poetas reúnem-se naturalmente em livrarias e, mais cedo ou mais tarde, os poetas, os escritores Beat nova-iorquinos chegaram à City Lights. Foi assim que os conheci e que comecei a publicá-los. Primeiro foram Allen Ginsberg, Gregory Corso, Kenneth Rexroth (que não foi um membro da geração Beat; foi uma espécie de pater familias em São Francisco. Ele foi a mais importante figura tutelar de todos os poetas de São Francisco naqueles anos).

Limitar-me-ei então à curta experiência que tive com o Jack. Não foi muito profunda – não o conheci muito bem. (Se soubesse que ele seria tão famoso, teria estado mais atento!) Conforme se conta nas várias biografias de Jack, foi apenas na Costa Oeste, e desde que vim para São Francisco, que os nossos caminhos se cruzaram. Por volta de 1960-61, reuni-me com o Jack e ele entregou-me o manuscrito de O Livro dos Sonhos. Fiz uma selecção, que é a que consta na edição publicada pela City Lights e que teve muitas reimpressões. Anos mais tarde, Ann Charters compilou um conjunto dos seus Poemas Dispersos, que está também publicado na City Lights. É dessa altura, do início dos anos 1960, quando O Livro dos Sonhos saiu, o meu primeiro contacto real com o Jack. Depois ele veio para oeste, basicamente para sair de Nova Iorque e para não beber tanto. A ideia era que ele chegasse ao aeroporto de São Francisco, no sul da cidade; eu deveria apanhá-lo lá e levá-lo directamente para sul, para a minha cabana em Big Sur, de modo a que ele não se envolvesse demasiado na cidade, a ponto de ser sugado para um qualquer bar, onde encontraria velhos amigos e começaria a beber. Aguardava então pelo seu telefonema na livraria, na City Lights, esperei várias horas até que, finalmente, há este ligeiro alvoroço. Ouço dizer que o Jack está na porta ao lado, no bar Vesúvio. Claro que se cruzara lá com velhos companheiros, mas estava combinado que, naquela noite, jantaríamos em Big Sur com o Henry Miller.

De onde vivia, em Partington Ridge, Miller iria de carro até à costa, até Carmel Highlands, até à casa de um amigo chamado Effron Doner. Nós desceríamos até à costa, encontrando-nos para jantar. Bem, eram cerca de duas ou três horas da tarde e o Jack ainda estava a beber no bar ao lado, quando disse: “Bom, quanto tempo levamos até lá?” “Bem, são umas três horas de carro, Jack.” Então ele disse: “Temos muito tempo!”

Num instante, são quatro horas e ele ainda bebe. São cinco horas e Jack diz: “Bem, vamos lá abaixo ligar, dizer-lhes que estamos um pouco atrasados”. Ligámos então às cinco horas e dissemos: “Só para dizer que estamos a sair agora, estaremos aí pelas oito, com certeza”. Isto continuou e, por volta das seis horas, ligámos novamente e dissemos: “Vamos sair agora”. Às sete, ainda andávamos pelo Vesúvio e telefonámos para dizer: “Está tudo bem? Podemos pôr-nos aí em duas horas; seja como for, indo na gáspea, estaremos aí pelas dez”. Enfim, acabei por desistir da ideia e o Jack nunca saiu do bar. De qualquer modo, parti, desci sozinho para Big Sur e fui para a minha cabana, bastante isolada naquilo que é ainda um desfiladeiro selvagem, sem electricidade. Por volta das três da manhã, o Jack chega de táxi. Segundo sei, vem num desde São Francisco, que fica a cerca de 150 milhas, e chega ao campo. O táxi só poderia ir tão longe nesta estrada de terra. O Jack começou a andar a pé para encontrar a minha cabana por volta das três da manhã.

Não sei que horas eram; com a sua lanterna de guarda-freio nas linhas férreas, arrastou-se pelo prado tentando dar com a minha cabana. Bem, nunca a encontrou. Na manhã seguinte, fomos dar com ele desfalecido no prado. Dormia no prado aberto, com a lanterna ao lado. Tanto quanto sei, nunca conheceu Miller depois disso. Miller estava fortemente atraído pela escrita do Jack. Se pararmos para pensar, há muitos aspectos de Kerouac, alguns dos mesmos temas, que cativaram Miller verdadeiramente: a canção da estrada larga, uma imensa joie de vivre. Miller tinha esse entusiasmo pela vida, que era realmente a sua marca registada. O apelo do topo da montanha, o desejo de o alcançar; em Henry Miller, até uma ligeira atracção pelo Budismo, acreditem ou não. Também é possível comparar o Pela Estrada Fora, de Jack, com o Pesadelo de Ar Condicionado, de Miller. Sempre realista, Miller estava realmente cativado. Creio que mais do que qualquer outro dos livros de Jack, Os Vagabundos da Verdade foi o que mais o entusiasmou.

Um aspecto mais. Quando se fala de Kerouac, refere-se amiúde Thomas Wolfe. E essa foi uma das principais empatias que tive com o Jack, uma afinidade com Thomas Wolfe. Eu próprio tinha estudado na Universidade da Carolina do Norte, Chapel Hill, porque Thomas Wolfe tinha ido para lá. Chamava-se Pulpit Hill, em Look Homeward Angel, de Thomas Wolfe, e por isso tive esse grande amor, especialmente por Look Homeward Angel, que era o livro de Wolfe de que o Jack mais gostava. Comecei a pensar na visão que Thomas Wolfe tinha da América. Era muito parecida com a visão da América tida pelo Jack. Acho que, actualmente, há um enorme ressurgimento do interesse em Kerouac, pelo menos nos Estados Unidos. Há uma nostalgia por uma América que foi realmente destruída. Uma América que agora existe apenas nas pequenas, destruídas estações rodoviárias Greyhound, nas abandonadas e poeirentas cidades dos arredores. Era uma visão arrebatadora da América que, no caso do herói de Thomas Wolfe, Eugene Gant, foi vista da janela de um comboio de alta velocidade. Em Kerouac, a visão foi a mesma, só que a partir da janela de um carro em movimento…

tradução de:
“How Henry Miller and Jack Kerouac never met!”
in Un Homme Grand – Jack Kerouac at the Crossroads of Many Cultures (eds. Pierre Anctil, Louis Dupont, Rémi Ferland e Eric Waddell), Carleton University Press, Ottawa, 1990, pp. 69-72

Crash

[dropcap]T[/dropcap]empo transfigurado. David Cronenberg já em 1996 nos mostrara uma estranha contaminação entre orgânico, humano e mecânico no campo da criação, este filme, que parte do romance de James Ballard, escritor inglês nascido em Xangai, precipitou logo interrogações fortes de uma era no seu limite pela mão do mestre do terror fantástico quando os seus instintos estavam certamente ao rubro fazendo da imagem do desastre uma via sem remição. São estes testemunhos que mais tarde podemos conjugar em dias assim, estes, que nos estão doendo como um membro amputado, reposto por uma “prótese” que faz com que todos coxeiem, que leis abissais não permitem equilíbrios. Nascemos de facto para enfrentar o impensável!

Preparados estávamos então para o previsível das coisas iguais – que, parecendo mudar, apenas se deslocam – e mesmo aí a fita do tempo cinematográfico deste feiticeiro escutava com os olhos a observância do recado, aquele dispositivo de segurança que deveria soltar-se. Já não estamos na dilatória mórbida desse prazer à Breton que nos seus conturbados automatismos psíquicos achava então que uma obra de arte até podia ser dar um tiro para trás e ver em quem aleatoriamente acertava – estranhos prazeres- têm as almas assassinas, Cronenberg, mostra-nos outra configuração do abismo.

O abismo pode ser tão fundo como os mais fundos desejos irrevelados, e se deste panegírico sair um deles, é porque está em fase de expansão como um vírus aquele desejo da lei manifestada que faz que se cumpra o arco da vertigem, assim como um barco que na fase oblíqua é sugado pela água, desaparecendo. Nenhum estado agudo se mantém para além de uma certa inclinação, e na sucção, a velocidade das estrelas. Nestes caminhos somos todos estrangeiros, peregrinos, somos a corrente aberta ao ilimitado, necessitamos dos códigos para não soçobrar aos dias que não resolvem já nada, mas que são ainda os membros fantasmas que carregam a nossa memória de outros porventura muito felizes. Vamos para a janela cantar, possivelmente até com aqueles que do canto nunca se abeiraram.

Os mamíferos que não bebem leite materno somos nós em grande escala na medida em que não temos mais nenhuma capacidade de sucção energética para abastecer a anatomia, mas o grande mal provocado a outros da mesma natureza deve ter feito um corredor de antecâmaras letais para o nosso prazeroso e entediante veículo da “felicidade” tão admoestado de canibalismos vários que as carcaças luziam pelo chão do mundo como se fossemos acessórios estimáveis. Se éramos muitos, também nos utilizámos bastante. Cada “membro” nosso era suporte de uma armação com toneladas de ferro que os dias laboriosos do capital multiplicaram em bichas de muitas cabeças galvanizadas pelo estertor das aglomerações; diria que há muito que já demos em doidos, mas pouco atentos aos sinais, passámo-los todos por entre gritantes evidências.

Dos enroscados membros, só faltou a Cronenberg enroscar cabeças! Mas não faltará o seu transplante numa antecâmara que prevê a viagem ao tempo da Revolução Francesa para ver como se encaixam tantos cérebros em corpos diferentes, sim, que a máquina do tempo está aí, e com ela adaptações formidáveis da plasticidade humana. – Reflexões de reclusos nesta hora bastarda em que nos dão a comer a intranquila paz dos segregados- Choque em cadeia faz um estigma gigantesco que será interrompido pela imprevisibilidade motora de cada paciente…podendo ser que morra, que se reerga, que seja assintomático, mas que desliza sem dúvida para a sua hora grave mesmo que fique intacto no meio dos escombros do “ferro-velho” do mundo.

Teríamos que recorrer ao mestre e pedir-lhe uma nova interpretação para comprovar a eficácia do domínio das provas, ou, tirar esta dura impressão de que não mais voltaremos a um qualquer lugar que julgáramos seguro, se estamos preparados, a carne, essa será sempre fraca. E frágil é aquela que chega à Europa! Essa a quem a mesma Europa “lavou as suas mãos” deixando-a a morrer às suas portas. Um Exterminador não é um terrorista, e essa diferença vamos ter de saber redimensionar para não morrermos inocentes dentro da própria malvadez, a pior espécie de inocência, aliás, e que os dias de reclusão possam parecer imposições do destino que pede agora a cada um que aborde as coisas por ângulos diferentes, e se não se pode fazer mais nada dentro deste estado confinado, ainda assim podemos saber perdoar-nos e agradecer uma vida que foi boa quantas vezes à custa de tantas que por serem mais frágeis são agora as mais ameaçadas.

Ser outros

[dropcap]B[/dropcap]runa Barbosa nasceu, cresceu e estudou no bairro do Leblón. Depois de cursar jornalismo na UFRJ, rumou a Buenos Aires onde viveu por uns anos e fez o doutorado. Aos trinta e dois anos, em 2007, regressou ao Rio para escrever o seu único romance intitulado Gostava de Ser Outra e morreu pouco depois, vítima de assalto no Túnel Acústico Rafael de Mascarenhas, quando vinha de uma festa em casa de uma amiga na Barra da Tijuca. A narrativa de Bruna Barbosa é contruída através de duas personagens que trabalham no Leblon: a doméstica Dalva e a garçonete Dayana. Que têm em comum estas personagens? O quererem ser outras pessoas que não elas. Ao longo do romance seguimos os seus pensamentos, imaginando serem outras mulheres, imaginando se a vida delas fosse outra. A doméstica Alva, que vive num pequeno quarto de empregada e vai a casa, na Rocinha, apenas uma vez por semana, ou de quinze em quinze dias. Lemos logo à página 16, quando a sua patroa grita com ela, deitada no sofá com um copo de champanhe na mão: «Voltava entristecida para a copa, pensando “Porque Deus fez eu ser eu e não ser ela? Porque Deus fez eu para ter desaforo todo o dia, ralar todo o dia?” // Sim, porquê, Deus? Porquê deixas ainda os pobres sendo humilhados e ofendidos dois mil anos depois de teu filho ter pisado a Terra?

Porquê, Deus, não escutas a angústia daquela pobre mulher, que não sabe usar as palavras para Te dirigir a sua tristeza, a sua consternação? Porquê, Deus, permites esta injustiça? Porque permites a pobreza, a doença, a tristeza, a injustiça? Porquê, Deus? Porque não fazes com que Dalva seja outra e não ela? Porque não fazes com que Dalva não precise de ser humilhada para ganhar o arroz com feijão do dia-a-dia?» Metade das duzentas e trinta e sete páginas do livro, é este dia-a-dia de Dalva em casa da patroa, a sua tristeza, resignação e, em alguns momentos, como o que citamos anteriormente, uma vontade de ser outra. À página 47, lê-se: «Haverá miséria maior do que não querer ser quem se é? Haverá miséria maior do que viver consigo mesmo como se em prisão perpétua, sem esperança de ser liberta em vida?»

O caso de Dayane não difere muito do de Dalva, embora a sua vida tenha outras particularidades. Também Dayana gostaria de não ter de ralar o dia todo e ter tempo para si, pois trabalha 9 horas numa lanchonete, inclusivamente dois sábados por mês, mais as quatro horas que gasta em transportes para ir e vir de casa à lanchonete. Lê-se à página 34: «“Como será viver podendo fazer o que se quer durante o dia?”, pensava Dayana, prensada no metro entre vários corpos, sentindo mãos lhe passando na bunda. O que ela queria dizer, era como será viver sem ser para os outros? Como será viver sem ter de ralar tanto, sem ser todo o dia afastada de si mesma. Como seria ser alguém, pensa ela envergonhada.» Mas Dayana não pensa só em ter tempo para ela ou no sonho de viver sem ralar tanto. Pensa também em como seria viver sendo desejada o tempo todo, como as actrizes de novela, as garotas das revistas. Pensa numa vida frívola, em contraposição à vida de trabalho e preocupações que tem. Página 36: «O mundo todo à sua volta lembrava-lhe que ela não queria ser ela. O mundo cuspia na sua cara.» Há um momento no romance, à página 197, em que Dalva e Dayana estão sentadas uma ao lado da outra num ônibus, à noite, de volta para casa. «Dalva olhava para Dayana e, apesar de lhe invejar a juventude, pensava que não queria estar na pele dela, não queria voltar atrás no tempo. Viver de novo todo o sofrimento, que Dayana ainda não sabia que existia e estava lá, adiante, esperando por ela.»

O romance passa-se no Leblon através de duas personagens que não são de lá, mas onde passam grande parte do tempo a trabalhar – no caso de Dalva, é quase a vida toda dela – e que sonham o que seria serem realmente dali. Sonham o que seria serem outras pessoas, aquelas que têm tempo para si mesmas. Bruna Barbosa usa o Leblon, não apenas porque é o espaço onde sempre viveu, mas porque compreende que é o espaço onde quem trabalha projecta os seus sonhos. O Leblon tem uma carga simbólica grande no Brasil, que é aqui aproveitado ao limite por Bruna Barbosa. Não apenas como símbolo de riqueza e de boa-vida, mas também como símbolo de ser outro. O Leblon assume claramente no romance o espaço de ser outro do Brasil. Outros símbolos haverá, evidentemente, mas o Leblon é o ser outro próximo a Bruna Barbosa. Numa entrevista ao jornal Globo, a escritora afirmou que sem a experiência de Buenos Aires não teria tido o distanciamento necessário para escrever o livro. «De repente, quando regressei, estava em casa mas ela era estranha. Não no sentido de não a reconhecer, mas de ver outros lados que nunca tinha visto. Como alguém que nunca se dera conta de um objecto em casa dos pais. E o que reparei como nunca o tinha feito foi naqueles que trabalham aqui e têm de voltar para as suas favelas. Aqueles que vivem o tempo todo no Leblon mas não são daqui. Como nos olham eles? E como conciliam ver a nossa vida aqui e depois voltarem para as favelas?» Há ao longo do romance a ideia de que na base da vida humana está uma injustiça que ninguém tem forças para mudar. Como, imagine-se, alguém morrer aos trinta e três anos devido a um assalto.

Sentimos também nas páginas de Bruna Barbosa um lamento pelo Rio de Janeiro, a cidade que há muito tempo deixou de ser maravilhosa.

Que destino?

[dropcap]A[/dropcap] Quinta Sinfonia de Ludwig van Beethoven é uma das composições mais populares e mais conhecidas em todo o repertório da música erudita europeia, além de ser uma das sinfonias mais executadas hoje em dia. Trata-se da primeira sinfonia de Beethoven composta em tonalidade menor, o que só voltaria a acontecer em 1824 com a Sinfonia n.º 9, em Ré menor op. 125. A Sinfonia n.º 5 em Dó menor é ainda hoje considerada um “monumento” da criação artística. O escritor e crítico musical E. T. A. Hoffmann descreveu-a como “uma das obras mais importantes de todos os tempos”.

Beethoven fixou-se em Viena, a capital austríaca, em 1792. Em 2 de Abril de 1800, a sua Sinfonia nº 1 em Dó maior, Op. 21 é estreada nessa cidade. Porém, no ano seguinte, o compositor confessa aos amigos que não está satisfeito com o que tinha composto até então, e que tinha decidido seguir “um novo caminho”.

Finalmente, entre 1802 e 1804, começa a trilhar esse ambicionado caminho, com a apresentação da Sinfonia nº 3 em Mi bemol Maior, Op. 55, intitulada “Heróica”, em 1805, uma obra sem precedentes na história da música sinfónica, e que marca o início do período Romântico na história da música. Os anos seguintes à “Heróica” foram de extraordinária fertilidade criativa, e viram surgir numerosas obras-primas: a Sonata para Piano nº 21 em Dó maior, Op. 53, intitulada Waldstein, entre 1803 e 1804; a Sonata para Piano nº 23 em Fá menor, Op. 57, intitulada Appassionata, entre 1804 e 1805; o Concerto para Piano nº 4 em Sol Maior, Op. 58, em 1806; os Três Quartetos de Cordas, Op. 59, intitulados Razumovsky, em 1806; a Sinfonia nº 4 em Si bemol Maior, Op. 60, também em 1806; o Concerto para Violino em Ré Maior, Op. 61, entre 1806 e 1807; e a Sinfonia nº 5 em Dó Menor, Op. 67, entre 1807 e 1808.

A Quinta Sinfonia teve um largo processo de maturação. Os primeiros esboços datam de 1804, após a conclusão da Terceira Sinfonia. No entanto, Beethoven interrompeu o seu trabalho na Quinta para trabalhar noutras composições, nomeadamente as citadas e ainda na Missa em Dó Maior. A preparação final da obra foi levada em paralelo com a Sexta Sinfonia, que foram estreadas no mesmo concerto. Quando Beethoven a compôs já estava a chegar aos 40 anos e a sua vida pessoal estava marcada pela angústia que lhe causava o aumento da sua surdez mas, apesar disso, tinha entrado num processo imparável de “fúria criativa”. A Europa estava decisivamente marcada pelas guerras napoleónicas, a agitação política na Áustria e a ocupação de Viena pelas tropas de Napoleão em 1805.

A obra passou à história como “Sinfonia do Destino”, começando com o distintivo motivo de quatro notas ‘curto-curto-curto-longo’ (ta-ta-ta-taa), repetido duas vezes. Este título deve-se ao secretário e biógrafo de Beethoven, Anton Schindler. Segundo Schindler, quando perguntou ao compositor pelas quatro contundentes notas do início da Quinta Sinfonia, Beethoven respondeu: “Assim toca o destino à porta”. Jens Dufner, musicólogo do Arquivo Beethoven de Bona, no entanto, não dá demasiada credibilidade às palavras de Schindler. “Anton Schindler é uma figura duvidosa”, refere. “Embora tenha sido uma testemunha directa do que se pode tomar como sério, apresentou a sua relação com Beethoven de maneira diferente da que realmente era. Com o passar do tempo foi-se esforçando por fazer parecer que tinha uma relação muito estreita com o compositor e foi adornando os seus relatos com acontecimentos inexistentes”, assegura Dufner. Ao contrário da Quinta, a Sexta Sinfonia, sim, tem um título dado pelo próprio compositor. Em 1809, Beethoven comunica ao seu editor que o título da Sinfonia em Fá Maior é “Sinfonia  Pastoral”. Isto é algo que está bem documentado”, diz Dufner, “o que não sucede com a Quinta e o suposto título do destino”.

A obra foi estreada no dia 22 de Dezembro de 1808 no Theater an der Wien, num monumental concerto de quatro horas que consistia exclusivamente em estreias de Beethoven, e que foi dirigido pelo próprio compositor.​ As duas sinfonias apareceram no programa numeradas ao contrário da ordem pela qual as conhecemos hoje: a Sexta foi a primeira e a Quinta apareceu na segunda metade.

Os quatro andamentos da Sinfonia caracterizam-se pela homogeneidade orquestral, sendo, ao mesmo tempo, um exemplo de alternância: o primeiro andamento, revelando grande tensão, denunciada pelas cordas e elevada a um dramatismo extremo; o segundo andamento revela solenidade, numa marcha fúnebre que se eleva pela sua emoção e beleza; o terceiro andamento, uma crispação; o quarto andamento expressa triunfo e magnificência.

A sinfonia depressa adquiriu a condição de peça central no repertório. Como emblema da música clássica, foi tocada nos concertos inaugurais da Orquestra Filarmónica de Nova Iorque no dia 7 de Dezembro  de 1842, e no da Orquestra Sinfónica Nacional dos Estados Unidos no dia 2 de Novembro de 1931. Na América Latina, o concerto inaugural da Orquestra Sinfónica Nacional do Peru em 1938, no Teatro Municipal de Lima, incluiu esta obra. Marcando um ponto de ruptura tanto pelo seu impacto técnico como emocional, a Quinta tem tido uma grande influência nos compositores e críticos musicais, e inspirou a obra de compositores tais como Johannes Brahms, Piotr Ilyich Tchaikovsky, Anton Bruckner, Gustav Mahler e Hector Berlioz. A Quinta permanece junto à Terceira e Nona sinfonias como a obra mais revolucionária de Beethoven.

Sugestão de audição:
Ludwig van Beethoven: Symphony No. 5 in C minor, Op. 67
Berliner Philharmoniker, Herbert von Karajan – Deutsche Grammophon, 1993

GP Macau | Rob Huff aponta para mais uma vitória

Rob Huff é, a par com Michael Rutter, o piloto que mais vitórias celebrou no Circuito da Guia. O piloto britânico contabiliza nove títulos, todos alcançados em provas do Grande Prémio de Macau pontuáveis para o Campeonato do Mundo FIA de Carros de Turismo (WTCC). No final da época passada, Huff viu-se surpreendentemente sem lugar na Taça do Mundo FIA de Carros de Turismo (WTCR) de 2020, mas apesar disso, o campeão do mundo de carros de Turismo de 2012 rapidamente deixou claro que gostaria de regressar à RAEM em Novembro

 

[dropcap]N[/dropcap]as duas últimas temporadas, Huff conduziu um dos Volkswagen Golf GTi da Sébastien Loeb Racing (SLR) na WTCR, mas no final do ano transacto, a Volkswagen Motorsport resolveu repentinamente parar com todos os apoios às actividades desportivas com veículos a combustão. Curiosamente, Huff e a SLR iriam estrear esta temporada um novo Golf GTi. Esta decisão da marca alemã ditou a retirada da WTCR por parte da equipa da estrela dos ralis Sébastien Loeb, o que deixou Huff sem um volante no mundial para este ano.

Com quinze anos de experiência a competir ao mais alto nível nas corridas de carros de Turismo, Huff rapidamente encontrou um lugar para estar activo esta temporada, assinando pela equipa Lestrup Racing Team, para conduzir um Golf GTi no campeonato escandinavo da especialidade. A esta competição, Huff juntará este ano participações esporádicas em corridas de clássicos e também na China. O regresso a Macau em Novembro nunca foi posto em causa e o piloto, que nasceu no dia de Natal, está disposto a voltar, se conseguir reunir as condições necessárias para uma participação condigna. Isto é, um binómio equipa-carro capaz de vencer, mesmo sem contar com o apoio oficial de uma marca.

“Se fizermos Macau, certamente só estarei interessado em participar com uma equipa e um carro que possa vencer a corrida”, clarificou Huff ao HM. “Mas há algumas equipas privadas muito profissionais por aí e com a SLR éramos efectivamente isso, contra algumas equipas com mais apoio de fábrica por trás.”

Mesmo quando a Corrida da Guia deixou de estar na rota do WTCC, Huff quis sempre participar no maior evento desportivo do território, tendo corrido em 2016 e só não repetiu a presença em 2017, porque os regulamentos da altura não o permitiram. Esta é uma das pistas favoritas do inglês e uma daquelas que mais alegrias lhe deu ao longo da sua carreira.

“Ao longo dos anos, venci com uma variedade de carros em Macau. Tem sido um ‘terreno de caça’ de muitos sucessos para mim, e quando estou lá carrego uma grande quantidade de confiança e claro que isso ajuda quando procuras velocidade e vais para a vitória”, afirma Huff que para além da Volkswagen, defendeu as cores oficiais da Chevrolet, Lada e Honda.

Mais Oriente

A presença de Huff no continente asiático tem sido bastante regular ao longo da última década, principalmente como “Driver Coach” de pilotos menos experientes. Recentemente Huff colocou um pé no lado empresarial do automobilismo e, em parceria com o empresário-piloto de Hong Kong Alex Hui, fundou a Teamwork Huff Motorsport. Depois de uma passagem pelo campeonato TCR UK, a recém equipa do inglês sediado no Dubai vai colocar as suas atenções principalmente no continente asiático.

“Estamos certamente a planear para que a Teamwork Huff Motorsport corra muito mais na Ásia este ano. Especialmente, dado que provavelmente não será muito fácil competir na Ásia e na Europa ao mesmo tempo nas circunstâncias actuais”, explica Huff que considera que “o mercado asiático, em termos de carros de turismo tem crescido muito rapidamente, com programas fortes no TCR China e Ásia”.

Devido à crise sanitária em curso, a equipa que tem as suas oficinas em Zhaoqing e que participou este ano numa ronda do TCR Malásia com um Audi, ainda não revelou exactamente o seu programa desportivo, mas o seu proprietário admite que “esperamos ser parte deste crescimento e desenvolvimento da região”.

China em crescimento

O piloto de 40 anos tem sido uma presença habitual nos últimos anos em provas soltas na categoria principal do Campeonato Chinês de Carros de Turismo (CTCC), juntando-se ao piloto de Macau Rodolfo Ávila aos comandos dos Volkswagen Lamando oficiais. Huff reconhece que “o CTCC cresceu nos últimos anos. A introdução de ‘wild cards’ internacionais ajudou a construir a imagem do campeonato e ajudou também as equipas a se concentrarem mais em encontrar os melhores talentos nacionais”.

A chegada de outros pilotos internacionais de topo à mais popular competição chinesa de automobilismo, como Alex Fontana, Colin Turkington ou Pepe Oriola, segundo Huff “significa que há agora também (no campeonato) muitos pilotos competitivos da China, Hong Kong e Macau, o que garante que há lutas aguerridas, mas também um grande espectáculo, e com programas desportivos totalmente de fábrica, o que é algo raro em campeonatos nacionais.”

Que finjam…

[dropcap]U[/dropcap]ma família de Macau está retida na Coreia do Sul porque o Governo exige um teste com resultado negativo à covid-19, requisito que não consegue cumprir por não encontrar testes para as duas filhas. O Governo de Macau não faz testes a quem quer viajar e não se compreende como esperam que o Governo da Coreia do Sul vá testar os residentes de Macau. Incongruências à parte, choca-me a facilidade com que alguns agentes do Executivo falam dos seus cidadãos como se fossem uma cambada cheia de má-fé.

Na conferência de imprensa, foram feitas perguntas sobre a família retida. Como o Governo não abre uma excepção, a família está em prestes a ter os vistos expirados e dar-se o cenário de serem expulsos. Para onde? Ninguém sabe. Alvis Lo deu um ar mais humano ao assunto e admitiu que não conseguia responder ao cenário. É médico, é normal e pareceu-me preocupado. Porém, a responsável do turismo colocou em causa a palavra da cidadã que se queixou. Deu a entender, sem o afirmar, que a família não queria pagar pelos testes.

Já quando foi a questão de ir buscar os residentes a Wuhan houve diferentes opiniões no Executivo, que até passaram para fora. Havia responsáveis que achavam que os residentes deviam ser entregues à sua sorte.

Agora, voltamos a ouvir vozes semelhantes. É verdade que o grande atractivo de trabalhar no Governo não é o espírito de serviço, mas antes o ordenado e os privilégios. Não sou hipócrita para condenar a escolha e até acho sinal de inteligência. Mas finjam que têm algum serviço de missão e que não olham para a população como um bando de trapaceiros, principalmente quando estamos a falar de menores.

Dividendos em quarentena II

[dropcap]N[/dropcap]a sexta-feira passada, o Hongkong and Shanghai Banking Corporation efectuou uma reunião com os accionistas em Londres. Durante o encontro a direcção do HSBC declarou ter consciência de que a decisão de suspender o pagamento dos dividendos tinha desagradado aos accionistas. A direcção lamenta o sucedido e sublinha que, quando se ultrapassar o impacto da epidemia na economia, o pagamento dos dividendos será revisto.

Nesse mesmo dia, a comunicação social fez saber que o HSBC tinha doado 60 milhões para, em conjunto com instituições de solidariedade social, apoiar idosos e comunidades afectadas pela pandemia. Foram doadas 65.000 embalagens com alimentos e 13.000 embalagens com equipamentos de protecção. Esta acção inclui formação na área de protecção civil, primeiros socorros, prevenção da epidemia, etc. Teve como alvo 43.000 pessoas carenciadas.

Como é sabido, o HSBC está a seguir as directrizes do Governo britânico no sentido de acumular fundos suficientes que permitam suportar as consequências do surto epidémico, e por isso não está a pagar dividendos aos accionistas. Esta decisão dividiu a opinião pública. Há quem advogue que se o HSBC não vai pagar os dividendos, deveria ao menos pagar os bónus das acções, para que os investidores tivessem alguma compensação. A Shareholders Alliance (Aliança de Accionistas) espera conseguir juntar pelo menos 5% dos accionistas para pressionar o conselho administrativo a convocar uma reunião geral extraordinária.

Esta reunião seria convocada ao abrigo da Lei Comercial de Hong Kong para discutir a questão do pagamento de dividendos. Outra acção prevê o envio de uma carta por cada accionista dirigida ao HSBC e à Comissão Reguladora para a Segurança Financeira de Hong Kong, exigindo a resolução do problema. É evidente, que irão surgir várias propostas no sentido de proceder legalmente contra o HSBC, mas a Lei Comercial de Hong Kong não obriga ao pagamento de dividendos, mesmo que a empresa tenha tido lucro no ano anterior, pelo que a probabilidade destas acções virem a ser bem sucedidas será baixa.

Um membro do Conselho Legislativo de Hong Kong dirigiu-se por escrito ao Gabinete Financeiro e do Tesouro e à Comissão Reguladora para a Segurança Financeira solicitando uma intervenção junto do Governo britânico a fim de proteger os direitos dos accionistas minoritários.

Depois de ter tomado em consideração todas estas manifestações de desagrado, o HSBC, para além de ter lamentado o sucedido e de prometer rever assim que possível o pagamento dos dividendos, está a conceder empréstimos especiais aos clientes afectados pela pandemia, e a implementar um plano para adiar o pagamento das hipotecas. Algumas destas medidas são muito benéficas para os clientes. Na situação que vivemos, os trabalhadores estão preocupados com o desemprego e os empregadores com a falência dos seus negócios, todos precisam do apoio dos bancos.

No entanto, a situação dos accionistas é diferente. Estão obviamente desapontados com esta decisão. O HSBC distribuía dividendos quatro vezes por ano. Muitos investidores compraram acções do HSBC com a expectativa de receberem um rendimento fixo. Sobretudo em Hong Kong, muitos accionistas contavam com os dividendos do HSBC como um suplemento às suas reformas. Ao perderem este suplemento é natural que fiquem desagradados.

As acções de solidariedade social do HSBC são meritórias, mas estas acções divergem dos objectivos dos accionistas. Os próprios accionistas têm objectivos pessoais diferentes. Para alguns, o mais importante são os dividendos, outros procuram negociar com as acções. Estes últimos querem comprar acções a preços baixos e vendê-las por valores mais elevados. O impacto das medidas de solidariedade do HSBC nos accionistas é bastante questionável. A maior parte dos accionistas aposta nos proventos que obtém com os dividendos, nesse sentido, as medidas de solidariedade são uma panaceia em troca do não pagamentos desses montantes.

Claro que a forma mais eficaz de acabar com a insatisfação dos accionista era pagar-lhes os dividendos, mas essa decisão iria colocar o HSBC numa posição embaraçosa, pois implicava desobedecer às directrizes do Governo britânico.

É evidente que os accionistas ficaram descontentes por não lhes terem sido pagos os dividendos habituais e o HSBC não pode tomar decisões contrárias às ordens que recebe do Governo. Só nos resta esperar que as novas políticas do HSBC possam reduzir o descontentamento dos accionistas.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão /Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

UE | Negada cedência a pressão chinesa sobre desinformação

[dropcap]A[/dropcap] União Europeia rejeitou ontem liminarmente ter cedido a pressões de Pequim para ‘suavizar’ as referências à China no seu mais recente relatório sobre desinformação no quadro da pandemia da covid-19, garantindo que expõe sem interferências os factos sobre ‘fake news’.

Segundo várias publicações que tiveram acesso a um ‘rascunho’ do relatório do Serviço Europeu de Acção Externa (SEAE), o documento original era muito mais crítico relativamente à actuação das autoridades chinesas do que a versão final que acabou por ser publicada, com atraso, na última sexta-feira, 24 de Abril.

De acordo com o jornal New York Times, o relatório do SEAE, o corpo diplomático da UE, foi alterado depois de pressões da China para que a linguagem fosse “suavizada”, apontando a publicação norte-americana que foram retiradas referências como a que aludia a uma “campanha de desinformação global” empreendida pelas autoridades chinesas, com o intuíto de “desviar as culpas do surto da pandemia e melhorar a sua imagem internacional”.

O jornal indica também ter tido acesso a um correio electrónico enviado por um diplomata europeu a colegas na véspera da publicação do relatório, no qual este escreve que “os chineses já estão a ameaçar com reacções se o relatório for publicado”.

Ontem, na conferência de imprensa diária da Comissão Europeia, no qual o assunto esteve em destaque, o porta-voz principal para os Negócios Estrangeiros rejeitou vigorosamente as notícias sobre a cedência a pressões de Pequim, apontando que “não houve alterações e não houve várias versões do documento que foi tornado público”.

Segundo Peter Stano, tal como acontece em muitas instituições e organizações, incluindo órgãos de comunicação social, há documentos que são para “consumo interno” – o que era o caso daquele a que tiveram acesso algumas publicações – e outros elaborados de forma autónoma para publicação externa, que são sujeitos a procedimentos editoriais, caso do relatório publicado na sexta-feira.

“O SEAE lidera as actividades com o objectivo de expor a desinformação. Fazemo-lo regularmente através de um site dedicado a tal, com o endereço www.euvsdisinfo.eu , e eu espero francamente que quem quer que tenha dúvidas sobre a transparência e a qualidade do nosso trabalho relativamente à desinformação consulte este sítio de Internet”, declarou.

“Por isso, refuto e contesto em absoluto quaisquer acusações de que estamos a ceder a qualquer tipo de pressão externa”, insurgiu-se.

Insistindo que estes relatórios sobre desinformação, que têm sido actualizados regularmente à luz das últimas tendências observadas a nível global, não hesitam em “nomear os actores” que promovem as ‘fake news’, o porta-voz lembrou também que estes relatórios são feitos com base em fontes abertas, pelo que nem faria sentido tentar ‘maquilhar’ os factos.

“Atendendo a que trabalhamos com fontes abertas e basicamente com informação que está aí fora ao dispor de toda a gente que queira verificar, pensar que omitir ou não dizer algo vai fazer com que isso desapareça ou agradar a alguém é não só ingénuo, mas até absurdo, peço desculpa”, declarou o porta-voz.

Outras narrativas

De acordo com o relatório actualizado publicado na passada sexta-feira sobre desinformação no quadro da pandemia da covid-19 – que se segue a outros documentos já publicados em 19 de Março e 1 de Abril -, “apesar do seu impacto potencialmente grave na saúde pública, fontes oficiais e estatais de vários governos, incluindo a Rússia e – em menor grau – a China, continuaram a visar amplamente as narrativas de conspiração e a desinformação, tanto junto das audiências públicas da UE como da vizinhança mais ampla”.

Focado sobretudo nas campanhas de desinformação fomentadas pelo Kremlin, o relatório aponta que “há também provas de um esforço coordenado por parte de fontes oficiais chinesas no sentido de desviar qualquer responsabilidade pelo surto da pandemia, de divulgar anúncios e entregas de assistência bilateral, com sondagens em certos países a mostrar que a China é vista como mais útil no combate à pandemia do que a UE”.

Cabecilha de gangue de assaltantes nos anos 90 transferido para Macau

Passado mais de um quarto de século, o cabecilha responsável por quatro assaltos à mão armada, entre 1991 e 1994, regressou a Macau depois de cumprir pena no Interior. O homem, detido em Coloane, aguarda julgamento pelo roubo de um táxi e auxílio e acolhimento de imigrantes ilegais

 

[dropcap]O[/dropcap] cabecilha de um grupo criminoso que espalhou o terror em Macau entre 1991 e 1994, numa vaga de assaltos à mão armada, foi ontem transferido para a RAEM depois de cumprir pena no Interior da China.

O indivíduo, residente de Macau, com 55 anos, de apelido Mak, era o responsável pela compra de armas, por escolher os locais e planear os assaltos.

No currículo local, Mak tem quatro crimes, que se conheça. O primeiro ocorreu em 29 de Janeiro de 1991, quando liderou uma equipa de cinco homens no assalto a um banco na Taipa, que rendeu ao gangue 170 mil patacas.

Passado pouco mais de três meses, a 5 de Maio de 1991, de novo cinco homens assaltaram uma sala de jogo no antigo Casino Lisboa, levando fichas e dinheiro num montante total de 5,46 milhões de patacas. O grupo tomou-lhe o gosto e a 26 de Novembro, pouco mais de meio ano depois, voltou a assaltar a mesma sala de jogo, desta feita levando 3,4 milhões de patacas em fichas e numerário.

Depois deste último golpe, as autoridades não têm registo de mais crimes violentos praticados por Mak, nem o HM conseguiu apurar junto da Polícia Judiciária (PJ), se o residente terá saído do território. Porém, em Maio de 1994 voltaria ao radar das autoridades policiais depois de liderar um grupo de dez homens no assalto a um casino na Taipa.

Assalto nas ilhas

No dia 11 de Maio de 1994, o alvo de Mak foi o casino do Hyatt Regency Macau, que actualmente tem no nome Regency Art Hotel Macau. Segundo uma notícia da RTP da época, às 3h23 da manhã, seis homens mascarados e armados com metralhadoras AK-47 e pistolas roubaram cerca de 30 milhões de patacas. Ontem, a PJ corrigiu a quantia para 34 milhões de patacas.

No decurso do assalto, foram disparados oito tiros para o ar e, sob coacção das armas, os funcionários do casino foram obrigados a abrir os cofres. Não se registaram feridos, mas dois jogadores desmaiaram com a comoção.

Durante a fuga, os assaltantes deixaram cair no chão quase um milhão de patacas, e escaparam para Coloane num táxi roubado. Mais tarde, o dono do táxi foi encontrado amarrado numa mata. Os assaltantes, que há altura se presumia terem fugido para o Interior da China, abandonaram o carro, onde deixaram armas e um engenho explosivo que não foi detonado.

Mak viria a ser detido na China onde foi condenado a pena de morte pelos crimes de assalto à mão armada e posse ilegal de armas, pena que viria a ser posteriormente atenuada. O residente cumpriu a sanção até ontem no Interior, antes de ser transferido de volta para Macau para ser julgado pelos crimes do roubo do táxi, auxílio à imigração clandestina e acolhimento de imigrantes ilegais, seus cúmplices nos assaltos.

Os crimes não prescreveram, apesar de terem ocorrido há mais de 25 anos, porque os prazos para tal não correm durante o período em que o arguido cumpre pena noutra jurisdição.

Mak arrisca-se a ser condenado pela justiça de Macau a uma pena entre 3 a 15 anos se for provado que no roubo do táxi foram usadas armas de fogo, entre dois e oito anos por auxílio à imigração ilegal e até dois anos de cadeia se for condenado pelo crime de acolhimento.

O arguido encontra-se detido no estabelecimento prisional de Coloane a aguardar julgamento. O jornal Exmoo avança que três outros indivíduos envolvidos na vaga de crimes foram transferidos para Macau para serem julgados pela justiça da RAEM.

Julgamento do ex-presidente do IPIM adiado por ausência de arguidos

A ex-vogal do IPIM, Glória Batalha, e o ex-director adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência, mostraram-se disponíveis para serem ouvidos em tribunal. A sessão foi adiada para 21 de Maio

 

[dropcap]O[/dropcap] julgamento de Jackson Chang, ex-presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), devia ter arrancado ontem à tarde, no Tribunal Judicial de Base, mas acabou adiado para 21 de Maio devido à ausência injustificada de cinco arguidos. Na sessão compareceram apenas nove dos 26 acusados no processo, havendo ainda 12 pessoas que concordaram ser julgadas em ausência ou à revelia.

Entre os cinco ausentes sem justificação não constou nenhuma das pessoas mais mediáticas. Um arguido apresentou mesmo uma declaração médica devido a doença respiratória, mas o tribunal considerou que não era suficiente, pelo que pediu outro comprovativo. No caso de voltar a faltar, o arguido arrisca-se a ser multado por ausências sem justificação, tal como os restantes quatro envolvidos.

Apesar das várias ausências, os principais arguidos estiveram presentes, como Jackson Chang, que está em prisão preventiva, Miguel Ian, ex-director adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência do IPIM, Glória Batalha, ex-vogal executivo, e a mulher de Jackson Chang, Angela Ip.

Jackson Chang está acusado da prática de 18 crimes, entre eles um de associação criminal, quatro de corrupção passiva para acto ilícito, três crimes de abuso de poder, seis de branqueamento de capitais, e três relacionados com inexactidão dos elementos da declaração de rendimentos e riqueza injustificada.

Empresas de fachada

Segundo a acusação, que tem 213 páginas e foi ontem revelada pelo jornal Ou Mun, um casal de empresários de Macau, nomeadamente os arguidos Ng Kuok Sao e Wu Shu Hua, criaram uma rede constituída por várias empresas.

As companhias serviam para fazer investimentos fictícios ou recrutamento de indivíduos de fachada, de forma a criar uma base legal para a atribuição de vistos pelo IPIM com recurso ao sistema de imigração por investimentos relevantes ou de por fixação de residência de técnicos especializados.

Ao mesmo tempo, o casal de Macau contava com a ajuda de dois arguidos do Interior, que procuravam pessoas interessadas em fixar-se na RAEM e que estavam disponíveis para pagar.

O Ministério Público acredita que, pelo menos desde 2011, Jackson foi contactado pelos empresários para facilitar os processos de venda de autorização de residência a troco de pagamentos. Nestas movimentações foi alegadamente ajudado pela mulher e, segundo a acusação, com benefícios de mais de 10 milhões de patacas.

O mesmo terá acontecido, a partir de 2014, com Miguel Ian, que por contornar objecções aos pedidos de residência tinha contrapartida o acesso a fracções de habitação no Interior a preços abaixo dos praticados no mercado.

Glória e Miguel vão depor

Apesar de não ter começado o julgamento, a juíza Leong Fong Meng deixou antever que o processo vai durar meses. Segundo o jornal Ou Mun, vão ser ouvidas mais de 90 testemunhas, entre as quais 10 investigadores do Comissariado Contra a Corrupção, responsável pela investigação, e 16 funcionários do IPIM.

Também os arguidos Miguel Ian e Glória Batalha mostraram intenção de responder às perguntas do tribunal, no início do julgamento. Já Jackson Chang não deverá estar disponível para prestar depoimento na abertura do julgamento, mas a defesa, liderada pelo advogado Álvaro Rodrigues, afirmou que no tempo apropriado o ex-presidente vai prestar os esclarecimentos necessários.

A defesa de Jackson Chang fez um pedido para que o relatório da investigação do CCAC, que sugere várias alterações aos procedimentos de atribuição de residência do IPIM por investimento ou contratação de técnicos especializados, seja inserido no processo. A defesa acredita que consegue provar que várias dessas sugestões partiram mesmo de Jackson Chang, não só com recurso ao relatório em causa mas também devido a anexos, que estão na posse do IPIM.

Emprego para a família

Segundo a acusação, uma das companhias do empresário de Macau e arguido no processo Ng Kuok Sao, contratou os serviços da mulher de Jackson Chang, Angela Ip, numa primeira fase, e depois da filha, Júlia Chang. O jornal Ou Mun escreveu ainda que Angela esteve na companhia entre 2012 e 2015, com um salário de 15 mil patacas. Por sua vez, Júlia foi contratada depois da saída da progenitora com um salário semelhante, além de ajudas de custos que poderiam chegar a duas mil patacas. A acusação aponta que Angela não teria qualificações para o cargo, com habilitações literárias que param no ensino secundário, apesar de ter recebido 10 por cento da acções da empresa e ter sido vice-directora.

Depósitos e amante

Na acusação consta ainda que Angela Ip terá alegadamente depositado 500 mil patacas na promotora de jogo SunCity, onde o dinheiro ficou a render juros. Além disso, Jackson Chang terá recebido subornos através da suposta amante, que foi constituída como a décima arguida e surge identificada como Zeng Chunmei. Este dinheiro nunca era colocado nos bancos, mas em outras “instituições”, como operadoras de jogo, ou investido em bens de valor elevado.

Coutinho impedido

A defesa de Jackson Chang tinha arrolado José Pereira Coutinho como testemunha abonatória. No entanto, segundo a informação prestada pelo tribunal, a Assembleia Legislativa recusou levantar a imunidade do deputado, que assim ficou impedido de depor. A defesa aceitou a decisão, e referiu que em termos probatórios o deputado não seria questionado sobre factos do processo, que desconhece.