Banco britânico HSBC permitiu transferência fraudulenta de milhões de dólares através de Hong Kong

[dropcap]O[/dropcap] banco britânico HSBC permitiu que fossem transferidos milhões de dólares para todo o mundo de forma fraudulenta, mesmo depois de ter tomado conhecimento da fraude, de acordo com documentos secretos revelados, divulgou ontem a BBC. A entidade bancária, a maior do Reino Unido, transferiu dinheiro através do seu negócio nos Estados Unidos para contas do HSBC em Hong Kong em 2013 e 2014, segundo informação de um ficheiro confidencial.

Os documentos foram ‘libertados’ no portal Buzzfeed e partilhados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, do qual o programa britânico Panorama liderou a investigação para o canal público britânico BBC.

Esta cadeia indicou hoje que os ficheiros agora revelados detalham qual foi o papel do banco numa fraude de investimento avaliada em 80 milhões de dólares. O HSBC tem sempre sustentado que cumpriu as suas obrigações legais na hora de denunciar a fraude.

Os documentos mostram também que o golpe de investimento – conhecido como esquema Ponzi – começou pouco depois de o banco britânico ter sido sancionado com uma multa de 1.400 milhões de libras (1.900 milhões de dólares) nos Estados Unidos por operações de branqueamento de dinheiro, altura em que se comprometeu a erradicar este tipo de práticas.

De acordo com a BBC, alguns dos advogados de investidores que foram enganados nestas operações consideraram que a entidade deveria ter adotado medidas mais precoces para encerrar as contas dos responsáveis da fraude.

Os ficheiros FinCEN incluem 2.657 documentos, entre os quais figuram 2.100 relatórios de atividades suspeitas (SAR, na sigla inglesa), que incluem informação sobre transações que levantam suspeitas aos próprios bancos.

Estes enviam estas informações para as autoridades se suspeitarem que os seus clientes estão a incorrer em atividades ilícitas e se tiverem evidências de práticas de atividade criminosa devem devem ‘congelar’ o movimento do dinheiro.

Esta fuga de informação mostra como decorreu o branqueamento de capital em alguns dos maiores bancos do mundo e como os criminosos utilizaram empresas britânicas anónimas para ocultar o dinheiro.

Livre defende que Portugal deve suspender acordo de extradição com Hong Kong

[dropcap]O[/dropcap] partido português Livre defendeu este domingo que Portugal deve suspender o acordo de extradição com Hong Kong para proteger os cidadãos portugueses, dado que a lei de segurança nacional daquele território pode violar direitos fundamentais.

Em comunicado, o partido alega que, devido à nova lei de segurança interna e “à erosão do sistema judicial do território”, Portugal deve suspender o acordo de extradição, a exemplo do que já fizeram o Canadá, Alemanha, Austrália e Nova Zelândia.

“É fundamental que todos os cidadãos sejam tratados condignamente, sem violação dos seus direitos fundamentais, e em respeito pela ordem e direito internacionais”, lê-se no comunicado em que o Livre argumenta com a arbitrariedade e possível violação de direitos humanos.

Com a nova lei em vigor em Hong Kong, segundo o partido, “é agora possível concretizar acusações arbitrárias, detenções extrajudiciais, julgamentos secretos, confissões forçadas e censura política”.

A nova legislação, ainda de acordo com o Livre, “contraria a posição da China junto da comunidade internacional, e viola o princípio de ‘um país, dois sistemas’”.

No dia 23 de agosto, 12 ativistas pró-democracia foram detidos pela guarda costeira chinesa, por suspeita de “travessia ilegal” quando se dirigiam de barco para Taiwan, onde se pensa que procuravam asilo político.

Entre os detidos está Tsz Lun Kok, um estudante da Universidade de Hong Kong (HKU), de 19 anos e com dupla nacionalidade portuguesa e chinesa.

Tanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, como o Consulado geral de Portugal em Macau e Hong Kong afirmaram que estão a acompanhar o caso do jovem com passaporte português, ressalvando, no entanto, que “a China não reconhece a dupla nacionalidade a cidadãos chineses”.

Uma situação que limitaria a intervenção das autoridades portuguesas no “domínio humanitário, procurando assegurar que o detido se encontra bem, que lhe seja dispensado um tratamento digno e que possa ser defendido por um advogado”.

O sistema judicial chinês prevê o uso de “vigilância residencial em local designado”, que permite às autoridades manter em local desconhecido acusados de “colocar em perigo a segurança nacional”, por um período até seis meses, sem acesso a advogado ou contacto com familiares, uma forma de detenção que visa frequentemente defensores dos direitos humanos, incluindo advogados, ativistas ou dissidentes.

O jovem com passaporte português já tinha sido detido a 18 de novembro, com outras centenas de estudantes, durante o cerco da polícia à Universidade Politécnica de Hong Kong (PolyU), que terminou com a invasão das forças de segurança ao campus universitário, onde a polícia diz ter encontrado milhares de bombas incendiárias e armas.

O jovem é acusado em Hong Kong de motim, por ter participado alegadamente numa manobra para desviar as atenções da polícia que cercou as instalações do campus, com o objetivo de permitir a fuga de estudantes refugiados no interior.

A antiga colónia britânica atravessou, no ano passado, a pior crise política desde a transferência da soberania para as autoridades chinesas, em 1997, com protestos que levaram à detenção de mais de nove mil pessoas.

Em junho, a resposta de Pequim aos protestos que se arrastavam há um ano em Hong Kong surgiu com a imposição da lei da segurança nacional na região administrativa especial chinesa, o que levou ativistas a refugiarem-se no Reino Unido e em Taiwan.

Aquela lei pune atividades subversivas, secessão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras com penas que podem ir até à prisão perpétua.

Ai, Portugal, Portugal

 O anti-benfiquismo é político

[dropcap]A[/dropcap]qui em Portugal está tudo a ficar doido. Estou à vontade a escrever sobre o Benfica porque até sou portista. Mas, na verdade a loucura absolutamente anti-benfiquista é uma campanha política porque tem sido ao longo da semana passada um fartote de críticas por parte de políticos destacados e de personalidades que não gostam do primeiro-ministro António Costa. Temos em jogo, sem árbitro, uma panóplia de noticiários radiofónicos e televisivos, já não falando da imprensa, que tem abordado o facto de António Costa e Fernando Medina, presidente da edilidade lisboeta, terem sido escolhidos por Luís Filipe Vieira como fazendo parte de uma lista com mais 498 nomes para apoio à sua futura recandidatura à presidência do clube encarnado. E digo que está tudo doido ao criticarem Costa e Medina quando estas duas personalidades sempre foram sócios do Benfica e convidados a assistir aos jogos na tribuna do estádio da Luz. Então, um sócio de um clube não tem o direito e a liberdade de escolher um candidato? Não pode fazer parte de uma comissão de honra do seu candidato preferido? A demagogia tem imperado nas críticas dos mais distintos quadrantes nas redes sociais. Alvitram os detractores que a o cargo de primeiro-ministro e de presidente de Câmara é incompatível com o apoio a um candidato a presidente de um clube de futebol. Que o candidato Luís Filipe Vieira tem processos em tribunal e dívidas bancárias. Mas o que tem a ver o cu com as calças?

Para sermos sérios temos que concordar que António Costa e Fernando Medina são sócios do Benfica e nessa condição têm acompanhado as vitórias e derrotas do seu clube, vibrado com os golos como os sócios de outro qualquer clube, têm tomado conhecimento das dificuldades em dirigir um clube com a grandeza do Benfica, sabem dos balanços financeiros anuais, ocupam-se com a vida do clube e, talvez, por isso, é que preferem determinado candidato a dirigir os destinos do clube. Se Luís Filipe Vieira tem problemas judiciais, isso é uma questão com os tribunais. Nada tem a ver com a política. Se Vieira na qualidade de candidato à presidência do Benfica escolheu 500 sócios para a sua comissão de honra porque não vieram à baila os outros nomes? Naturalmente, que houve uma intenção de matar dois coelhos com uma cajadada. Assim, os alvos das críticas têm sido Luís Filipe Vieira e António Costa. Vieira porque se tem processos no Ministério Público não tem credibilidade e seriedade para dirigir o clube, com os críticos a esquecerem-se do que diz a lei ao referir que até em julgado todo o cidadão é inocente. Por outro lado, António Costa leva pela medida grossa porque é o secretário-geral do Partido Socialista e é importante para os políticos adversários mancharem a sua imagem o mais possível com a mira de em futuras eleições poderem destroná-lo, esquecendo-se que as sondagens dão os socialistas perto da maioria absoluta.

É óbvio que a proximidade entre a política e o futebol causa sempre polémica, mas neste caso, o primeiro-ministro fez muito bem em afirmar que não tem nada a dizer sobre o assunto porque a sua posição no clube da Luz nada tem a ver com a sua participação política na vida pública. Só que assistimos a posições descabidas e intencionais com o fim de denegrir a imagem de Costa. Acusam-no de promiscuidade, que os negócios do futebol são sujos e ilegais, que se Luís Filipe Vieira está a contas com a justiça também António Costa ao apoiar um dirigente com problemas judiciais passa a ter o mesmo carisma. Nada mais errado. O que tem o primeiro-ministro a ver com contratações ou vendas de jogadores, com obras no complexo do Seixal, com os funcionários do clube que andaram ligados ao mundo da droga, com as pesquisas ilegais efectuadas pelo hacker Rui Pinto? Que eu saiba, nada. Sendo assim, há que ter um pouco de seriedade mental ao acusar-se uma pessoa com um cargo de Estado sem ter os fundamentos legais. Direi mais, sem eu ter qualquer ligação partidária: António Costa teria todo o direito de mover uma queixa-crime contra os principais adversários políticos que deixaram na praça pública a ideia de que o socialista primeiro-ministro era igual ao “vigarista” Luís Filipe Vieira. Há acusações e insinuações intoleráveis. Não pode valer tudo em política e na rivalidade clubística. Quem não for benfiquista deve respeitar o bom nome do clube representado pelos seus directores eleitos. Se não se gosta de um primeiro-ministro e pretende-se efectuar uma luta política, arranjem-se argumentos políticos com veracidade para essa mesma luta. A semana que passou fica tristemente marcada pela demagogia e radicalismo demonstrado por certas facções políticas e desportivas. Portugal não pode continuar a assistir à destruição do carácter sem qualquer lógica de quem ocupa lugares cimeiros no espólio político.

O mais lamentável é que Luís Filipe Vieira acabou por retirar os nomes dos sócios benfiquistas António Costa e Fernando Medina da comissão de honra para a sua recandidatura alegando que a “companha difamatória e ofensiva” contra as duas individualidades e contra ele próprio “está a ultrapassar todos os limites”. Os detractores ganharam o jogo, sem árbitro.

O bicho

[dropcap]O[/dropcap] bicho. A respiração do bicho. A respiração volumosa do bicho. Ofegar audível e invisível. Lento, projectado. Do tamanho do corpo, é dizer pouco. Houvesse palavras impressas nas baforadas intensas, como sinais de fumo, e eram terríveis, talvez. E, a ter odor, fétidas, soltas, descompassadas. Está na arena porque foi ali colocado. Não sabe nada disso. Nem de que é para a morte nem nada. Nem de que a morte virá tarde, depois da humilhação e das farpas. Está ali porque lhe abriram as portas com direcção única. O túnel. E mesmo isso já lhe oferece uma raiva que o faz levantar poeiras ásperas na corrida. Nestes casos as caras conhecidas escondem-se para não ser cúmplices. Nem do túnel. Nesses momentos em que ninguém lhe toque. E noutros, sereno, sabe-se lá, de frente para as bancadas, alheado e surdo às provocações e ensaios do animal enfeitado e vaidoso em exibição de caracoletas e volteios segundo a arrogância da rédea. Também não merece coisas como essas tranças em cores. E penacho em repuxo a verter vaidade. O prémio de ser educável.

E o bicho, ali, de costas voltadas ao inefável que o espera e a prolongar o tempo. Quando é assim, todo o tempo, dizem-no manso. Demais. Pateada. Querem-no a investir. Bravo mas de acordo com o protocolo e a direito. Em volta todos apostam no interruptor. Que está off.

Se é fiesta é para correr para a que vem com habilidade precisa e rápida. Começar por aí. Mas isso era generosidade, não era fiesta. Deve correr. Dispara contra as bancadas, não sabe as regras. Simplesmente vai. Todo.

Outros bichos. Sugam o sangue e inoculam a raiva. O controle da raiva é difícil para quem foi sugado. A teatralização de emoções ou o descontrole podem deixar que a raiva suba de tom. Mas isso é a raiva. Ali, a fúria. Disse mal: é fúria.

Diagnóstico do bicho. A respiração do bicho. Este hausto irreprimido e forte. Da dificuldade em absorver vida sem cortes e sangramento. E como um suspiro vital, expelido com a força desesperada do último recurso.

É fumo, essa impressão de vida, que se prolonga em minutos vazios. Fumo sem flor. Até podia ser vida sem dor. Mas não é isso que digo. São campos em que nasceu, esquecidos. Agora, vê-se ali, ainda inteiro.

Tocam de leve a respiração do bicho. Sentem que vive. Não dizem. Voltam sobre a sombra, pé ante pé – range uma tábua, um resmalhar de cascalho a despertar a dor do bicho – e escrevem os átomos universais. Mas sem dizer o que foi visto. Nem que. Ficam feromonas discretas. Deixam-no só, para ali. Possante.

O bicho levanta a cabeça e espuma. Depois. Não vá dar-se o caso de um medo. Levam-lhe as histórias quase histórias. Servidas com alfinetes de costura a uma distância segura. Grandes bandarilhas espetadas no curso dos dias. No torço e no cachaço revoltado e carnudo. Nada que mate. Dessa morte que só vem depois.

As feromonas criam um rasto de caminho útil às formigas. Um rasto de sangue na areia.
Um animal violento pode apresentar-se de orelhas baixas, sem chifres, mas o olhar bovino é igual ao de outros campeões. Quando vítreo. O impulso, a velocidade a imprevisibilidade da rotação combinada com o impulso e a velocidade. Quantas toneladas de fúria em potência num touro em repouso? Antes do fogo.

Pouco ou nada se saberá das emoções pombalinas. O que se sabe é do fogo e que o fogo que consumiu a cidade medieval. Veio o frio, uma ideia construtiva de rigor e geometria para evitar o fogo. Oposto do que existia. Fogo terrível e devastador como a ferida que dói é o outro no interior das paredes, no interior da cidade. Danos no que foi consumido. Talvez nada de estrutural. Talvez o que foi alma da combustão deixasse intacta a lâmpada. Se não era vela de arder até ao fim. Talvez haja dois tipos de pessoas nisto do fogo. As que ardem e se apagam e as que alumiam queimando combustível. O bicho arde e apaga-se. Foi programado para isso. Livre. Na campina anterior à queda de joelhos.
O bicho não pode resistir ao fogo. Há que resistir ao bicho.

Opiniões para reformar a Procuraturia

[dropcap]A[/dropcap] Comissão, nomeada para estudar e propor o que julgasse mais acomodado à reforma do tribunal da Procuratura dos Negócios Sínicos da Cidade de Macau e composta pelo presidente João Ferreira Pinto, Dr. Alexandre Meireles de Távor, Thomaz José de Freitas, Francisco A. Pereira da Silveira e como secretário relator A. Marques Pereira, entregou ao Governador José da Ponte e Horta (1866-1868) o relatório publicado no Boletim da Província de Macau e Timor de 25/3/1867.

“Há muitos anos que cuidadosamente se procurava definir com precisão as funções daquele tribunal, e assim se podem explicar as medidas provisórias que neste longo período se tem tomado com respeito à Procuratura dos negócios sínicos. (…) Não seria isto, porém, ainda bastante, se se não aliviasse o Procurador dos negócios sínicos da decisão de um grandíssimo número de pequenas questões, que diariamente ocorrem entre uma população de mais de 100 mil almas, e que vão causar tanto maior dano à instrução e julgamento das causas importantes quanto aquela decisão tem de ser contínua e imediata.” Após demorado exame, a comissão achou resultar em imenso proveito adoptar-se, “com respeito aos chineses desta cidade a instituição dos juízes de paz, acumulando as funções de juízes eleitos, e nomeados para cada biénio pelo governador da província, conforme a ordenou, no seu artigo 86.º, o ‘Regimento para a administração da justiça nas províncias de Moçambique, Estado da Índia, e Macau e Timor’, aprovado pelo decreto de 1/12/1866, estes juízes poderiam ser, para a indicada população, dois ou três, portugueses ou chineses naturalizados, terem no cível e no crime a alçada que a V. Ex.ª parecesse justa, vencerem com os seus escrivães os emolumentos que por lei, ad instar, lhes competissem, e prestarem juramento perante o Procurador.”

De não menos é “a falta de um agente do ministério público junto ao tribunal da Procuratura, pois aí se dá hoje o caso de, em crimes graves, e na ausência de acusador particular, afim de não proclamar a impunidade, ser o juiz o promotor da justiça. Com o mesmo facto sofrem as causas de fazenda e as de órfãos e ausentes, pois a nomeação de um advogado, onde há tão poucos, além de ser injusta como regra, mal pode efectuar-se, ainda nos casos que mais a determinam.” Parecia, para remediar tal, fazer extensivas as atribuições do delegado do procurador da coroa e fazenda ao tribunal da Procuratura, o que estaria de “acordo com o regimento dos delegados, que lhes manda sê-lo em todos os tribunais existentes na comarca onde se achem providos.” Mas os deveres do delegado de Macau são já tão numerosos e variados, que tal solução não resolvia o problema e facilmente embaraçava o desempenho das outras atribuições. “A comissão ousa lembrar a V. Ex.ª a justiça de uma proposta ao governo de Sua Majestade para a nomeação de um funcionário especial, devidamente habilitado, que seja, no tribunal da Procuratura, o magistrado do Ministério Público.”

Tribunal movimentado

“O estudo da prática do regulamento de 17/12/1862 e a circunstância do aumento da população e comércio chinês, determinaram a comissão a elevar, nesta sua proposta, a alçada cível e comercial da Procuratura ao dobro do que era, nos bens móveis, e a mais metade nos de raiz. – O tribunal para o recurso nestas causas, quando superiores à alçada, (…) deve continuar a ser o Conselho do Governo, fazendo dele parte nestas sessões, como relator, o agente do Ministério Público na Procuratura, e, na sua falta, o delegado da comarca. Ordenou o mesmo regulamento de 1862, para todas as causas cíveis sem distinção, o processo por árbitros.

O decreto de 5/7/1865, já com ciência dos efeitos até então observados, restringiu essa fórmula às causas comerciais. Para umas e outras mostra hoje de sobra a experiência que tal processo, além de nunca realizar o fim que se quis obter, – a breve decisão dos pleitos, – ofende amiúdo e gravemente a justiça. Compreendem os chineses mal a arbitração, e ainda menos a respeitam em suas decisões e se respeitam no exercício dela.

O comparecimento pontual dos árbitros para a prestação do juramento, para a audição dos inquéritos, para todos os actos enfim cuja legalidade depende da sua presença, é consecução por tal modo difícil que chega a exigir não poucas vezes repreensões e outras medidas de rigor. Vencido este primeiro obstáculo, vê-se ainda que, a despeito das mais claras advertências, os dois árbitros se consideram procuradores das partes que os nomearam, pelo que é sempre forçoso que vá a causa a um terceiro, cujo lado, ou não satisfaz à indispensável condição de desempate, ou se deixa curvar também de parcialidade, salvas poucas excepções, – a nomeação anual de uma turma de jurados chineses, de entre os quais se escolhesse à sorte um número limitado para a decisão de cada uma das causas comerciais, conduziria muito mais seguramente aos desejados fins de brevidade e justiça. A imediata sucessão do julgamento ao sorteio, e ainda mais a nomeação acertada dos comerciantes chineses designados para tão elevado ministério, afastaria completamente o receio de qualquer má influência das partes sobre seus julgadores. Ainda com respeito ao cível, pareceu à comissão que, para maior facilidade, pode continuar a fazer-se na Procuratura o processo de conciliação prévia, que a lei exige; pois que atribui-lo aos juízes assessores” produziria maior demora no andamento das questões e exigia mais numeroso pessoal de interpretação do que precisam esses tribunais para o conhecimento de pequenas questões de polícia.

Nenhuma disposição considerou até hoje as atribuições da Procuratura quanto ao crime, “a não ser, haver alguns simples ofícios, limitando o prazo para as apelações, recomendando a observância de fórmulas impreteríveis, ou provendo enfim em assuntos destacados e ocasionais. A portaria de 19/11/1852, regulando em muito breves termos o processo geral da Procuratura numa época em que a população estimada da cidade era de 40 mil habitantes, em que os criminosos chineses eram entregues às autoridades de Hian-chan logo depois de uma simples averiguação verbal, em que finalmente era só quase o governo a instruir e julgar os casos que de sua natureza pediam mais atento exame, – portaria já não observada por não oferecer aplicação alguma às circunstâncias que nos últimos anos se deram. A comissão, guiando-se, pois, unicamente pelo estudo desta situação e do movimento do tribunal de que se ocupava, marcou a alçada que lhe determinavam os princípios de assimilação, atribuindo, porém, ao mesmo tribunal o julgamento de todos os demais crimes, com excepção dos de pena de morte. O tribunal superior para o julgamento destes últimos e decisão dos recursos, foi de voto a comissão com V. Ex.ª que deveria ser o da Junta de Justiça, por se darem nele todas as razões de competência, substituindo-se o Procurador nos casos de apelação ou agravo, e desempenhando a funções de relator nos de sentença.”

Expulsão

[dropcap]- N[/dropcap]ós – somos nós! – Trazemos essa força que isola intriga e está a mais. Ou nós, os que o são, enlouquecem os que estão? Seja como for, nada é mais intrigante e único que um ostracizado: incómodo, sem uma adjetivação que seja passível de adaptar-se-lhe, que num país de banidos, de génios, e extremados exemplos morais, cada ser reserve para si a sua caricatura para a representar na farsa colectiva.

Outrora o papel de vítima seria mais um distintivo sacrificial, quase um emblema de regeneração, e as vítimas, não raro, eram de tal ordem maníacas que se autoflagelavam, exercendo sevícias para espantar a malignidade sabe-se lá de quê, mas funcionava nelas tal noção, que em casos assim mais vale recorrer ao masoquismo duro e simples por parte de um terceiro que munido de antipatia representativa chicoteie até ao êxtase, que para aquele que gosta de sofrer (ou deseja, curiosidade mórbida) qualquer grau de intensidade parece sempre aquém do desejado, tanto, que o carrasco lhes faz a vontade e por vezes até os mata.

Assassino! – exclamam as gentes – pode não ser exactamente assim: pode ser apenas um ser usado para uma perfídia, a qual, também dali, não saiu sem prazer, sem um reviralho de apoteose final, pois assim como um ser se educa por várias e vitoriosas tentativas da vontade, outros há que se diluem na busca por formas escatológicas de prazer.

Geralmente estes atormentados da escarninha vida lusa são um amontoado de gentes febris e repulsivas, um enfileirado demencial, escarro, sangue e fezes que ardilosamente incita ao vómito e ao recriar de outras intoleráveis manifestações. O estrebuchar do verme vai-lhes à goela como o oral sexo do juiz face a lamurientos interrogatórios de petizes, e, quer a arruaça ainda venha longe já há uma enorme ejaculação verbal com sinais vermelhos para identificar o grau de viscosidade de alguma eventual patranha. Não será uma pura análise o que aqui se trata, pois que para analisar este grau de coisas será necessário uma boa dose de “trampa” misturada à literacia e à iliteracia, ovacionada nas carrancas que todos ousam destapar por aí, será mais, como dizer… um apanhado do célebre «Escárnio» que «Maldizer» é coisa de fêmea e de fêmeos (os fêmeos poetisos ).

Este calcanhar é tanto de Aquiles como de Jacob: ambos ficaram coxos pois que é uma parte da ligação que compromete o equilíbrio do corpo – população de coxos – que anda de pé. Sim! E sem a tão popular dor de costas não repararíamos nos atrasados graus de evolução… ainda lhes custa andar de pé, e o melhor, sempre, é que este vasto rebanho se sinta desconfortável e ameaçado frente ao bípede, que nos seus cóccix , consegue o erecto ainda ver vestígios de uma antiga cauda. Nada tem a ver com posições ideológicos que há muito foi perdendo dimensão, estamos numa outra margem onde se dá uma súmula de ataques infecciosos.

Não teremos certamente razões para grandes delírios circunstanciais depois que a pandemia chegou, mas a ovação dada a uns e a outros tem afectado os mais incrédulos que bizarramente parecem também vítimas de incapacidade crónica. O vaivém de dissabores aliado a uma hipnótica apologia de regime não traduz a inquietação de uma atmosfera bisonha onde todos com mais ou menos talento tentam blindar alguém, desclassificá-lo, numa orfandade argumentativa que só a jactância lhes admite. Há um policiamento cromático neste estranho reino que se polícia a propósito de tudo e de nada, e um cansaço demagógico que raia a demência pública. Melhores dias virão, ou a expulsão?(…) Haja o que houver temos de não sentir o que estes esboroares da razão nos impõem com supremacia estroina adiantada pela incorreção e por solilóquios que sempre nos parecem de extremo mau gosto. Mas o gosto de gostar não será retirado jamais àqueles que gostando, muito mais que desgostando, se vão desta cada vez mais bizarra situação se libertando.

Esperemos que não se autoexcluam, estes viveiros de gentes bizarras, da sua própria e ténue condição humana que é dada por elementos ainda mais frouxos que as suas próprias pretensões.

….e Deus expulsou-o do jardim do Éden………… depois, colocou a oriente
querubins com espadas flamejantes, guardando assim a árvore da vida

Génesis 3-23.

Exposição | Creative Macau exibe pinturas baseadas em Gabriel García Márquez

“Do Amor e Outros Demónios” é o nome da obra de Gabriel García Márquez que serviu de ponto de partida para a exposição que estará patente na Creative Macau a partir de quinta-feira. O livro do escritor colombiano ganha agora uma nova interpretação com a mostra “Of Love & Other Demons – Painting Series by Kay Zhang”

 

[dropcap]K[/dropcap]ay Zhang, um dos novos nomes do mundo das artes de Macau, está de regresso às exposições com uma interpretação muito própria do livro do escritor colombiano Gabriel García Márquez, vencedor de um prémio Nobel da Literatura. “Do Amor e Outros Demónios” dá nome à exposição de Kay Zhang, que estará patente no espaço da Creative Macau a partir da próxima quinta-feira.

Segundo um comunicado da Creative Macau, a exposição “mostra os seus trabalhos baseados na história de García Márquez com o seu estilo icónico inspirado nos manuscritos medievais, e que são dispostos como um todo no formato de retábulo”.

“Do Amor e Outros Demónios” foi publicado em 1994 e adaptado para cinema. O romance conta a história de Sierva Maria, uma menina de 13 anos criada em Cartagena das Índias, na Colômbia, durante o período colonial. Apesar de ser filha de marqueses, a menina foi criada por escravos negros.

A personagem movida por um intenso sentido poético vivia atormentada pela dúvida de qual seria o verdadeiro sabor de um beijo. Porém, Sierva Maria acaba por ser mordida por um cão com raiva o que ditou a entrada num convento, uma vez que, à época, a raiva ainda não era diagnosticada como doença e era entendida como uma possessão demoníaca. Sierva Maria deu entrada no convento para ser, portanto, exorcizada, mas acabou por morrer.

A história foi descoberta por Gabriel García Márquez quando era jornalista, que acabou por ver de perto a operação de exumação das criptas funerárias do antigo Convento de Santa Clara, em busca de notícias. A descoberta deu-se a 26 de Outubro de 1949, muito antes do autor considerar a hipótese de viver da escrita literária. No entanto, anos antes, já o autor de “Cem anos de solidão” ouvira a mesma história contada pela sua mãe.

Uma “esplêndida cabeleira”

Sierva Maria nunca cortou o cabelo e era fluente em várias línguas africanas. “No terceiro nicho do altar-mor, do lado do Evangelho, estava a notícia. A lápide saltou em pedaços à primeira pancada do alvião e uma cabeleira viva, de uma intensa cor de cobre, espalhou-se pela cripta. O mestre-de-obras quis retirá-la completa com o auxílio dos seus operários, mas quanto mais puxavam mais comprida e abundante ia surgindo, até saírem as últimas madeixas, ainda presas a um crânio de criança. No nicho não ficaram senão uns ossitos pequenos e dispersos e na lápide de cantaria carcomida pelo salitre apenas era legível um nome sem apelidos: Sierva Maria de Todos los Angeles. Estendida no chão, a esplêndida cabeleira media vinte e dois metros e onze centímetros”, lê-se no livro.

Kay Zhang, nascida em 1991, está assim de regresso às exposições com um dos seus autores favoritos. A primeira vez que expôs em Macau foi em Agosto de 2016, com “Innocencepedia”, no Macau Art Garden. Formada na Experimental School of Arts da China Central Academy of Fine Art, a artista volta a diluir as fronteiras entre a expressão literária e a pintura. Kay Zhang é uma das mais jovens artistas de Macau nomeada para o Sovereign Asian Art Prize e produziu trabalhos como “Psalm of Love and Ardor”, “A Room With A View”, “The Book of Dinamene” e “The Modern Decameron”.

Educação | Patriotismo definido como prioridade até 2030

O plano para o ensino não superior até 2030 tem o sentimento patriótico e visão internacional como pilares essenciais, uma aposta normal na óptica da DSEJ. Em relação à aplicação da Tencent para o ensino à distância, o Governo revelou que a Escola Internacional de Macau é a única que não vai aderir à plataforma

 

[dropcap]A[/dropcap] aposta no sentimento patriótico e visão internacional é um dos principais rumos do plano para o ensino não superior entre 2021 e 2030. A Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) tem um plano inicial e o objectivo de realizar uma consulta pública no final de Dezembro deste ano.

“É bastante importante saber a sua própria identidade. Para além disso, também é necessário ter visão internacional”, disse o chefe do departamento de estudos e recursos educativos da DSEJ. “No futuro achamos que temos de continuar a promover esses trabalhos para que os alunos saibam como é o nosso país e o mundo. É bastante importante a educação e amor pela pátria e por Macau”, acrescentou ainda Wong Kin Mou.

De acordo com o responsável da DSEJ, o trabalho nesta área deve ser constante. “Acho que esta matéria (…) sobre amor pela pátria e por Macau no resto do mundo também existe, é muito normal. Creio que quando forem a outras regiões também vão encontrar esses materiais”, declarou o responsável.

A DSEJ definiu outros três rumos a seguir: desenvolver o “soft power” dos alunos (como por exemplo a comunicação interpessoal), aumentar o sentimento de felicidade e reforçar a educação criativa e tecnológica.

A informação foi dada em conferência de imprensa depois de uma reunião plenária do Conselho de Educação para o Ensino Não Superior, na sexta-feira, mas os pormenores do plano foram remetidos para uma fase posterior.

Fora da caixa

A DSEJ está a preparar o serviço da “Escola Inteligente”, para o qual as instituições de ensino vão usar uma plataforma online fornecida pela Tencent. Estão a ser organizadas acções de formação para o pessoal das escolas aprender como funciona a plataforma, que é de adesão voluntária, e de 121 escolas apenas uma não vai participar: a Escola Internacional de Macau (TIS). “Não vou adivinhar o porquê de não participar no nosso plano”, disse Wong Kin Mou, comentando que se escola entender que tem serviços de qualidade e não precisa de participar no plano a decisão cabe à instituição.

O objectivo da iniciativa da DSEJ é dar a todas escolas condições para leccionarem aulas online e manterem a comunicação com as famílias, para evitar que a epidemia ou outras situações impeçam os alunos de regressar à escola por um longo período de tempo e prejudiquem o progresso da aprendizagem. A Escola Portuguesa de Macau mostrou interesse aderir a plataforma.

O contrato de adjudicação à Tencent é de um ano, até 31 de Agosto do próximo ano. “Ao terminar esse ano de serviço iremos fazer uma análise para considerar se é necessário fazer ajustes”, disse Wong Kin Mou. O responsável revelou que no futuro se pretende “enriquecer” as funções da plataformae que esta cumpre a Lei da Protecção de Dados Pessoais.

Economia | Inflação fixou-se em 1,96% em Agosto

[dropcap]A[/dropcap] taxa de inflação de Macau fixou-se em 1,96 por cento nos 12 meses terminados em Agosto, de acordo com dados divulgados na sexta-feira pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC).

Em comunicado, o organismo indicou que a subida do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) médio deveu-se sobretudo ao aumento dos preços no sector da educação (+5,17 por cento), dos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas (+4,73 por cento) e da saúde (+4,58 por cento).

A DSEC indica que em Agosto, o IPC subiu 0,03 em termos anuais, o aumento mais baixo desde Novembro de 2009. Os principais factores para o crescimento homólogo foram o aumento do preço da carne de porco fresca, das refeições adquiridas fora de casa, das consultas externas e das rendas de casa.

Em termos mensais, o IPC geral médio cresceu ligeiramente face a Julho. “O índice de preços da secção dos transportes subiu 0,55 por cento, em termos mensais, em virtude do aumento dos preços dos bilhetes de avião e das despesas dos serviços de manutenção e reparação dos veículos”, diz a nota. Por outro lado, o vestuário e calçado ficou mais barato devido aos saldos.

MNE | Aberto apoio para associações das comunidades portuguesas

[dropcap]O[/dropcap] Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) de Portugal vai abrir um concurso de apoio ao movimento associativo das comunidades portuguesas entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro, divulgou o Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong no Facebook. O apoio é dirigido a associações e federações das comunidades portuguesas sem fins lucrativos ou partidários que “visem o benefício sociocultural da diáspora” e estejam credenciadas na Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas.

Dependendo de as entidades terem sede no estrangeiro ou em Portugal, o apoio é limitado a 80 ou 50 por cento do valor considerado elegível do orçamento apresentado. De acordo com o comunicado partilhado pelo consulado, é dada prioridade a acções que promovam a língua e cultura portuguesas, os jovens, inclusão social, capacitação profissional, participação cívica e política, o combate à xenofobia e o diálogo com micro e pequenas empresas de portugueses residentes no estrangeiro que queiram investir em Portugal.

Anima | Carta dirigida a António Costa pede fim de corridas de galgos e greyhounds

Aliada a outras organizações de protecção dos animais, a Anima envia hoje uma carta ao Primeiro-Ministro de Portugal a apelar ao fim das corridas de galgos e “greyhounds”. Além das condições degradantes a que os cães são votados, os activistas alertam para a potencial criminalidade associada ao jogo

 

[dropcap]“A[/dropcap]s leis gerais de protecção animal não são suficientes para evitar os inúmeros problemas associados às corridas de cães. O comércio de cães inocentes deve parar e é necessária legislação específica”, apela uma carta endereçada ao Primeiro Ministro de Portugal, António Costa. A carta, que vai ser enviada hoje, é assinada por Albano Martins, da Anima, bem como por representantes de outras três organizações de protecção dos animais – a Liga Portuguesa dos Direitos do Animal (LPDA), a Pet Levrieri e a GREY2K USA Worldwide.

Estas associações pediram já ajuda ao Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, para que seja aprovada legislação que proíba as corridas de galgos e “greyhounds” em Portugal. Abordam agora outra figura política, referindo que a 10 de Março pediram aos grupos parlamentares – incluindo o do Partido Socialista – para apoiarem a iniciativa mas que ainda não receberam resposta.

No documento a que o HM teve acesso, indica-se que a indústria das corridas de cães foi autorizada apesar de o artigo 13 do Tratado de Lisboa apontar que os animais não humanos são sensíveis, e que se tornou uma actividade sistemática com interesses económicos. “Os galgos e os ‘greyhounds’ estão agora a ser tratados como ‘coisas’ para apostas, usados e abusados e depois descartados. São habitualmente importados, comprados e vendidos por milhares de euros cada”, pode ler-se.

As associações apontam que existem mais de vinte canis portugueses de corrida, onde os cães são “criados e treinados de maneira desumana”, acrescentando que quando são feridos lhes é negada assistência e que são muitas vezes destruídos quando deixam de ser úteis.

Plataformas de jogo

Os remetentes da carta apontam ainda para informações de que as corrida de cães em Portugal “envolvem o uso de dopagem e métodos de treino cruéis com coleiras eléctricas e exploração física extrema até à própria morte”. Comentando o abandono crescente destes animais confirmado por organizações de bem-estar animal, a nota indica que muitos não conseguem ser salvos. E é lançado um alerta: “como se está perante jogo, é importante observar que novas plataformas para actividades criminosas estão a ser criadas”.

As associações argumentam que é preciso parar qualquer tentativa de regulamentar ou autorizar corridas informais de cães, porque isso normalizaria a actividade. Além disso, alertam para o facto de que o uso de galgos e “greyhounds” para finalidades de jogo pode contribuir para a “insensibilidade” da sociedade sobre o bem-estar animal. “Presenciar os ferimentos graves e as mortes que os animais de corrida frequentemente enfrentam faria com que os espectadores, incluindo crianças pequenas, os considerassem como meros objectos a serem sacrificados em nome do entretenimento”.

A carta é acompanhada de uma lista de 80 entidades que apoiam a iniciativa. Entre elas a Masdaw, de Macau.

Homem perde 480 mil a tentar recuperar dinheiro desaparecido em burla

[dropcap]U[/dropcap]m homem com cerca de 30 anos foi burlado em 480 mil patacas, quando tentava recorrer aos “serviços” de um amigo para recuperar 200 mil patacas, que a mãe tinha perdido numa outra burla. O caso foi revelado na sexta-feira pela Polícia Judiciária.

Segundo o relato das autoridades, em 2019 a mãe da vítima apaixonou-se através das redes sociais e foi vítima de um esquema, em que acabou por perder 200 mil dólares de Hong Kong.

Após esse episódio, o filho da vítima, que tem cerca de 20 anos, comentou o assunto com um amigo. Foi nessa altura que o amigo afirmou conhecer uma “pessoa muito poderosa” no Interior que poderia mexer-se no sentido de caçar o burlão da mãe e recuperar o montante que tinha sido perdido.

Após a conversa, e com o filho da vítima a concordar pagar para recuperar o montante perdido, o “amigo” mexeu-se e criou uma conta falsas nas redes sociais, entre as quais o WeChat, para fingir que a pessoa “muito poderosa” existia e estava disposta a cobrar o valor burlado.

No perfil falso a pessoa inventada promovia os seus serviços de recuperação dos montantes perdidos em burlas, a troco do pagamento de uma “comissão de investigação”.

Sem desconfiar do contacto fornecido pelo amigo, o homem de 30 anos passou os últimos três meses a pagar à “pessoa muito poderosa”, com a esperança de receber os 200 mil dólares de Hong Kong. No entanto, após pagar 480 mil patacas, o homem ficou sem dinheiro e percebeu que tinha também ele sido burlado, o que fez com que apresentasse queixa contra o “amigo”.

Após investigar o caso, a polícia procedeu à detenção do burlão, quando este tentava passar a fronteira para o Interior. Quando interrogado, o homem admitiu o esquema e ter gasto parte do dinheiro com despesas diárias. Porém, parte do dinheiro encontrava-se depositada em bancos de Macau.

O detido foi reencaminhado para o Ministério Público e está indiciado pela prática do crime de burla de valor consideravelmente elevado, que tem uma moldura penal que vai dos dois aos 10 anos de prisão.

Lei Sindical | Ng Kuok Cheong insta Governo a assumir responsabilidade

[dropcap]E[/dropcap]m interpelação escrita, Ng Kuok Cheong defendeu que a lei sindical deve regular a constituição e participação em associações, actividades sindicais, negociações colectivas e greves, e quer saber se o Governo concorda com esta posição.

“O Governo gastou dinheiro do erário público com a adjudicação dos estudos sobre a lei sindical. Assim, deve assumir as suas responsabilidades (…) e iniciar oficialmente o trabalho legislativo. Vai fazê-lo?”, questionou.

O deputado lamentou que ao contrário da China, Taiwan e Hong Kong, Macau continue a ser a única região que “não consegue acompanhar a evolução dos tempos” por não ter implementado esta lei. E considera que o desconhecimento da lei sindical pela maioria da população foi usado como pretexto para atrasar a produção legislativa.

Ng Kuok Cheong apelou assim a que a consulta pública avance ainda este ano, indo de encontro à promessa feita anteriormente pelo Governo. Em Abril, o secretário para a Economia e Finanças revelou que seria feita uma consulta pública em 2020, apontando para o período entre Julho e Setembro. “Esperamos que no terceiro trimestre possamos lançar o documento de consulta”, disse na altura.

Segurança Nacional | Han Zheng diz que Macau tem de “melhorar” lei

Num encontro com o vice-Primeiro-Ministro Han Zheng, Wong Sio Chak ouviu o Governo Central exigir alterações à lei de segurança nacional, por ser um “valor a defender com firmeza”, e lealdade total à governação de Ho Iat Seng

 

[dropcap]O[/dropcap] Governo Central quer que a RAEM endureça a legislação e os mecanismos de aplicação da lei da Segurança Nacional. O recado foi dado ao secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, numa visita a Pequim, que decorreu até sábado, de acordo com um comunicado do Governo local.

Num encontro com Han Zheng, membro do Politburo, vice-Primeiro-Ministro e líder do Grupo de Liderança Central dos Assuntos de Hong Kong e Macau, Pequim recordou que a Segurança Nacional é um “valor a defender com firmeza” e entregou três “expectativas” a Wong Sio Chak.

Entre as exigências surge a alteração à lei que entrou em vigor em 2009. Segundo o comunicado gabinete do secretário para a Segurança, Han Zheng apontou a Wong que é necessário “estabelecer e melhorar o sistema legislativo e mecanismo de execução relativos à defesa da segurança nacional, valor a defender com firmeza”.

Além desta expectativa para a área da segurança, Wong ouviu ainda o Governo Central exigir que o princípio “Um País, Dois Sistemas” seja implementado firmemente, assim como a Constituição e a Lei Básica, e “consolidado de forma estável e permanentes”.

A última exigência do líder do Grupo de Liderança Central dos Assuntos de Hong Kong e Macau foi o apoio total das forças de segurança ao Chefe do Executivo, Ho Iat Seng.

Promessa de lealdade

Por sua vez, Wong Sio Chak terá relatado ao Governo Central os riscos e desafios que as forças de segurança enfrentam “em matéria da defesa nacional”. O comunicado não menciona quais os riscos e desafios referidos pelo secretário.

Quanto à necessidade de apoiar o Chefe do Executivo, Wong prometeu lealdade das forças que tutela. “Afirmou que, de acordo com as exigências do Governo Central e sob a firme autoridade do Chefe do Executivo, se compromete quanto à união e liderança de todo o pessoal da área de segurança quanto aos impreteríveis desígnios da defesa de segurança nacional, bem como da prosperidade e estabilidade de Macau”, pode ler-se sobre a resposta do secretário.

Além do encontro com Han Zheng, a reunião serviu também para debater outros assuntos como o reforço da formação regular de gestão de emergência e de tratamento de acidentes com substâncias perigosas, realização de exercícios transfronteiriços conjuntos de socorro no espaço da Grande Baía, combate ao contrabando, à cooperação antiterrorista e à migração ilegal.

Hainão | Ho Iat Seng promove Macau como centro financeiro

O Chefe do Executivo está focado em apostar na diversificação da economia além do jogo e turismo, e aproveitou a visita a Sanya para promover Macau como local de emissão de títulos de dívida. A medicina tradicional chinesa foi outra das bandeiras da visita

 

[dropcap]N[/dropcap]a visita de dois dias a Sanya, na ilha de Hainão, o Chefe do Executivo promoveu Macau como um centro para a emissão de títulos de dívida para governos locais e para o desenvolvimento da medicina tradicional chinesa. Esta foi a mensagem comum aos comunicados emitidos pelo Governo, sobre a deslocação de Ho Iat Seng à ilha do Interior para participar no Fórum 9+2, constituída por nove províncias da Região do Pan-Delta do Rio das Pérolas, Macau e Hong Kong.

Num encontro com o governador de Jiangxi, Yi Lianhong, Ho Iat Seng deixou o convite para que a emissão dos títulos de dívida local seja feita através de Macau, uma vez que há a possibilidade de a mesma ser feita em renminbi ou moeda estrangeira. O convite deixado na quinta-feira foi estendido às empresas da província que fica situada a norte de Cantão.

O Chefe do Executivo frisou ainda que Jiangxi é uma província “rica em recursos” e que pode aproveitar as vantagens de Macau na “área dos fundos e capitais”.

A estratégia voltou a ser reafirmada no encontro com Wang Ning, governador de Fujian, de onde é originária uma das comunidades mais influentes da RAEM e que está representada na Assembleia Legislativa pelos deputados Si Ka Lon e Song Pek Kei.

Segundo Ho Iat Seng, a política passa por apostar na diversificação da economia para os serviços financeiros e “particularmente na intensificação da emissão de títulos de dívida em renminbi ou em moeda estrangeira”.

A medicina chinesa

Além dos serviços financeiros, Ho Iat Seng empenhou-se em promover a medicina tradicional chinesa durante as reuniões com os líderes das diferentes províncias, à margem do encontro principal.

Se por um lado, o Chefe do Executivo garantiu que tudo está a ser feito para acelerar a criação de uma lei na RAEM para regular e promover o sector, por outro, já começou a explorar mercados para plantar os produtos necessários.

Guizhou é uma das províncias onde podem ser feitas plantações destinadas ao uso em medicina tradicional chinesa, através de acordos de cooperação. Esse aspecto foi destacado pelo líder do Governo local num encontro com a governadora da província, Shen Yiqin. “Guizhou possui terrenos férteis para o cultivo de plantas medicinais, pelo que os dois territórios podem, através da colaboração, aproveitar conjuntamente oportunidades neste âmbito”, afirmou Ho, segundo uma nota do Executivo.

A medicina tradicional chinesa foi também um dos temas da conversa nos encontros com o secretário do comité provincial de Hainão do Partidos Comunista Chinês, Liu Cigui, e com o presidente do Governo da Região Autónoma de Guangxi Zhuang.

Sulu Sou pede medidas para evitar novo escândalo como a Viva Macau

[dropcap]O[/dropcap] deputado Sulu Sou escreveu uma interpelação a exigir ao Governo que crie uma solução para que os titulares de lugares públicos possam ser responsabilizados, mesmo depois de terem deixado as posições. Foi desta forma que o membro da Novo Macau reagiu ao relatório do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) sobre os apoios à Viva Macau, em que foi recusada responsabilidade criminal dos políticos envolvidos na decisão que lesou a RAEM em 212 milhões de patacas.

No documento divulgado ontem, Sulu Sou aponta directamente o dedo ao ex-Chefe do Executivo, Edmund Ho, e ao então secretário para a Economia e Finanças, Francis Tam, por terem permitido que apoios com um valor tão elevado fossem aprovados para a companhia aérea, que mais tarde acabaria por falir. Na altura, o Governo recorreu ao Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização para entregar os apoios, que nunca foram recuperados, mesmo depois de o caso ter chegado aos tribunais.

Neste sentido, Sulu Sou avisa o Governo que mesmo que o CCAC diga que não foram cometidos crimes por parte dos governantes, que essa versão dificilmente é aceite pela população. “Não é fácil para o público acreditar que a alegada negligência e inacção foi praticada sem intenção. De facto, negligência e inacção são outra espécie de crime, e os danos que causam ao nível da percepção pública não são inferiores às práticas criminais”, considerou o democrata.

No entanto, as preocupações do deputado vão além da não responsabilização de Edmund Ho e Francis Tam. O legislador considera que está na altura de tomar medidas para impedir que um caso com esta natureza se repita e, no seu entender, a solução passa por actualizar as leis. “O que é que o Governo vai fazer para melhorar a legislação e permitir que os governantes e funcionários públicos possam ser responsabilizados pelas suas decisões, mesmo depois de deixarem os cargos?”, questiona.

Por outro lado, Sulu Sou pede a confirmação de que a totalidade das 212 milhões de patacas foi perdida e solicita informação sobre a forma como vai ser feita a implementação das recomendações que constam no relatório elaborado pelo CCAC.

Entre as recomendações constam pontos a defender a criação de mecanismos com maior rigor e controlo na altura de aprovar apoios por parte do Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização, principalmente quando envolverem montantes com grande dimensão.

 

Com Nunu Wu

CCCM | Macau é prioridade do plano para os próximos 10 anos

Foi apresentado, na sexta-feira, o novo plano de desenvolvimento a 10 anos do Centro Cultural e Científico de Macau em Lisboa. O CCCM quer ser um think-tank, além de investigar personalidades do território como Henrique de Senna Fernandes ou Fu Tak Iam, entre outros. Estão também pensados projectos de investigação sobre o panorama cultural, socioeconómico e político de Macau de 1974 até à actualidade, e um Museu Virtual em parceria com a Universidade de Macau

 

[dropcap]O[/dropcap] Centro Cultural e Científico de Macau (CCCM), em Lisboa, vai sofrer uma profunda renovação estrutural nos próximos anos. Carmen Amado Mendes, presidente da instituição, apresentou na última sexta-feira o plano estratégico de desenvolvimento para 10 anos que tem Macau como prioridade. A estratégia pretende também dar mais visibilidade ao CCCM, e romper com a tendência de “falta de dinamismo” e “recursos humanos e investigadores insuficientes”. Acrescentam-se ainda outros problemas, como a “estratégia de comunicação e imagem”, a “fraca divulgação” ou “edifícios degradados e a fachada pouco apelativa”.

O plano está agora em consulta pública até ao dia 15 de Outubro e pretende atrair a atenção de mecenas que queiram contribuir para a iniciativa. Da parte do Governo português, o investimento será de 3,5 milhões de euros, cerca de 850 mil euros ao fim de cinco anos, prevendo-se a concessão de 10 bolsas de doutoramento e a contratação de mais investigadores.

“Estamos aqui a investir uma quantidade considerável dos recursos públicos que o contribuinte português disponibiliza à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) para valorizarmos os estudos asiáticos centrados na relação Europa-Ásia e no papel importante que Portugal e Macau têm tido nessa relação”, concluiu o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor.

Para Carmen Amado Mendes, trata-se de um “plano ousado, com importantes implicações para o entendimento teórico e empírico da Ásia em Portugal e que visa implementar um novo ciclo na vida do CCCM, contribuindo para a sua projeção”. A presidente, que assumiu funções em Fevereiro deste ano, frisou que é necessário “dar início a uma nova fase da história do CCCM, evitando que o Centro continue a ser percepcionado como uma instituição estagnada, opaca e fechada sobre si mesma”.

Manuel Heitor destacou que o plano visa “manter a narrativa inicial do CCCM, mas projectá-la no mundo”. “Este centro é único e a ideia deste plano é manter a narrativa inicial, sobretudo assente em três principais actividades. Por um lado, a investigação e informação, por outro lado a museologia tendo como base um arquivo único que foi doado a Portugal através deste centro, e o terceiro pilar, do Centro de Documentação e Arquivo”, assinalou o ministro, que disse querer implementar a estratégia até ao final deste ano.

Estudar templos e pessoas

Macau assume um papel primordial no projecto, pretendendo-se apostar mais na investigação histórica. O CCCM quer “contribuir para um melhor conhecimento científico sobre a presença histórica e cultural portuguesa em Macau, bem como estimular os contactos e o diálogo com as culturas orientais”. É também objectivo “contribuir para a preservação do património existente em Portugal que atesta a presença portuguesa em Macau e na região Ásia-Pacífico, em particular na República Popular da China”, entre outros.

Um dos projectos relacionado com Macau é o estudo de personalidades que marcaram o território em várias áreas, tal como João Maria Ferreira do Amaral, Pedro José Lobo, Kou Ho Neng, Fu Tak Iam, Bernardino de Senna Fernandes, Luís Gonzaga Gomes e Henrique de Senna Fernandes.

O CCCM “deve, necessariamente, dar prioridade a Macau em colaboração com investigadores e instituições do território que têm apresentado propostas interessantes”. A nível histórico permanecem “temas negligenciados”, como “o estudo de círculos intelectuais macaenses, particularmente no período de transição do século XIX para o século XX – por exemplo o estudo do historiador macaense Montalto de Jesus”.

Nos próximos 10 anos, o CCCM quer também “analisar a evolução de Macau de 1999 à actualidade, incluindo a investigação sobre o seu desenvolvimento económico, a integração na Nova Rota da Seda e na Grande Baía”. Pretende-se também desenvolver projectos de investigação sobre “a comunidade macaense após a transição para a China, as transformações urbanas ocorridas no Território, incluindo a evolução dos templos e construções religiosas, os mandatos de Edmund Ho e Chui Sai On, as perspectivas para Ho Iat Seng e a experiência das pandemias SARS e covid-19 em Macau”.

Ser e pensar

Mais do que um polo de investigação sobre a presença portuguesa na Ásia, o CCCM quer transformar-se também num think-tank. Este “deve começar a dar os primeiros passos que lhe permitam no futuro vir a assumir-se como o ‘think tank’ de Macau, da China continental e da Ásia em Portugal, posicionando-se como um dos principais pontos de encontro das várias entidades públicas e privadas que trabalham estas temáticas, incluindo investigadores e elementos da sociedade civil”, lê-se no documento.

O plano refere o facto de este ser um projecto “a longo prazo”, com alguma dificuldade de implementação. Ainda assim, o CCCM pretende candidatar-se ao processo de avaliação dos 20 anos do Fórum Macau, que decorre em 2023. “Portugal é o país favorito depois de Macau e Pequim terem ganho os dois concursos anteriores, de 2013 e 2018”, aponta o Plano.

“Adicionalmente, o ‘think tank’ do CCCM pode prestar serviços de consultoria relacionados com cultura asiática a diversas entidades, públicas e privadas, bem como de agilização de contactos entre várias instituições e empresas e entre investigadores e empreendedores”, lê-se ainda.

Outro projecto relacionado com Macau prende-se com a criação de um Museu Virtual em parceria com a Universidade de Macau (UM), um projecto “extremamente ambicioso” que, segundo a académica Ana Cristina Alves, esteve na gaveta muitos anos.

Entre 2018 e 2019, o museu, que tem um importante acervo sobre Macau, teve mais 21 por cento de visitantes, mas nem isso fez com que tenha deixado de ser “um dos mais desconhecidos locais de Lisboa, sendo que a situação piorou com a pandemia”. Desta forma, o estabelecimento de um Museu Virtual e de outras iniciativas de dinamização pretendem “contrariar a redução nos próximos anos”.

Actualmente, o CCCM promove também cursos de língua chinesa, mas também nesta área pretende ir mais além. “Tendo em conta os programas actualmente existentes sobre esta área, nomeadamente nos Institutos Confúcio, a oferta formativa deve ser reestruturada de forma a suprir falhas e garantir ao CCCM uma posição de destaque. Uma oferta diferenciada poderia incluir, mesmo que pontualmente, cursos de formação contínua de cantonês ou de chinês clássico (caracteres tradicionais), de modo a contribuir para o aumento do número de sinólogos em Portugal com um profundo conhecimento sobre a língua chinesa.”

Na área documental, o CCCM pretende não só integrar a sua biblioteca em redes internacionais como também criar “uma rede de âmbito nacional, associando-se a instituições que também possuam espólios documentais na área dos Estudos Asiáticos e das relações entre a Europa e a Ásia”.

Na cerimónia de apresentação foram também assinados diversos protocolos de cooperação do CCCM com várias instituições, incluindo Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Fundação Jorge Álvares, Câmara do Comércio e Indústria Luso-Chinesa, Associação de Jovens Empresários Portugal-China, Agência Ciência Viva, Agência ERASMUS+, Associação Amigos da Nova Rota da Seda, Instituto Politécnico de Leiria, Universidade de Coimbra e Universidade de Lisboa.

Segundo o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, estes protocolos são “praticamente simbólicos e importantes” e “todos têm valor”, destacando o firmado com a FCT.

“O protocolo que a FCT aqui assinou (…) é um protocolo que tem um impacto financeiro importante de financiar até 10 bolsas de doutoramento por ano para estudantes de todas as universidades portuguesas trabalharem em colaboração com o centro”, declarou, explicando que está previsto que dois investigadores com doutoramento trabalhem a partir do CCCM.

Dezenas de milhares de manifestantes pedem reformas na Tailândia

[dropcap]M[/dropcap]anifestantes ergueram hoje perto do palácio real em Banguecoque uma placa na qual se podia ler que a Tailândia pertence ao povo e não ao rei, num desafio à monarquia, um assunto proibido no país.

Milhares de pessoas exigiram, no centro da capital, mais democracia, uma reforma constitucional, a dissolução do parlamento e a demissão do primeiro-ministro. Muitos reclamaram também uma reforma da realeza.

O protesto antigovernamental, liderado por estudantes, começou no sábado e juntou várias dezenas de milhares de pessoas ao fim do dia, na maior concentração desde o golpe de Estado de 2014 que colocou no poder o chefe do Governo e general na reserva, Prayut Chan-O-Cha, legitimado posteriormente em eleições controversas.

A placa foi erguida em Sanam Luang, uma praça próxima do Grande Palácio real, para assinalar a revolução de 1932, que mudou a Tailândia de uma monarquia absolutista para uma monarquia constitucional.

“Na madrugada de 20 de setembro, neste local, o povo proclamou que este país pertence ao povo”, de acordo com parte da inscrição na placa.

Em abril de 2017, pouco depois de Maha Vajiralongkorn ter subido ao trono em 2016, a placa que assinalava, na mesma praça, o fim da monarquia absolutista em 1932, desapareceu e foi substituída por uma em defesa da monarquia.

“A nação não pertence a ninguém, mas a todos nós”, sublinhou Parit Chiwarak, uma das figuras da contestação, perante a multidão. “Abaixo o feudalismo, viva o povo”, acrescentou.

Um outro ativista Panusaya Sithijirawattanakul, afirmou que as exigências apresentadas não pretendem o fim da monarquia. “São propostas com boas intenções para que a instituição da monarquia continue graciosamente acima do povo sob um regime democrático”.

Os manifestantes dirigiram-se em seguida para as imediações do poderoso conselho que assiste o soberano nas suas funções, para entregar uma petição.

Com manifestações quase diárias nas ruas de Banguecoque, os opositores têm confrontado abertamente a monarquia para exigir a não-ingerência do rei nos assuntos políticos, o fim da draconiana lei de lesa-majestade e a entrega dos bens da Coroa ao Estado.

Apesar dos derrubes sucessivos de vários regimes, em 12 golpes de Estado desde 1932, a monarquia tem se mantido intocável na Tailândia, onde a lei de lesa-majestade prevê penas de três a 15 anos de prisão por difamação do regime.

O soberano tailandês, indo além do estatuto conferido pela monarquia constitucional, tem exercido uma influência considerável, frequentemente na sombra, nos assuntos públicos do país.

Maha Vajiralongkorn, que acedeu ao trono após a morte do pai, o venerado rei Bhumibol, é uma figura controversa. Em poucos anos, reforçou o poder de uma monarquia já bastante poderosa, ao assumir diretamente o controlo da fortuna real.

Pelo menos 80 mil polícias foram destacados para a zona da manifestação.

“A polícia recebeu ordens para dar provas de paciência. Os manifestantes podem concentrar-se, mas pacificamente e dentro do quadro da lei”, afirmou, no sábado, o porta-voz do Governo tailandês, Anucha Burapachaisri.

Novo PM do Japão no primeiro dia de trabalho com objetivo de fazer reformas populares

[dropcap]O[/dropcap] novo primeiro-ministro do Japão, Yoshihide Suga, teve esta quinta-feira o seu primeiro dia completo no cargo com a determinação de levar adiante reformas populares. “Estou determinado a trabalhar muito para as pessoas e obter resultados para que possamos corresponder às suas expectativas”, disse Suga aos jornalistas ao entrar no gabinete do primeiro-ministro.

Suga foi formalmente eleito na quarta-feira para substituir o antigo chefe de Governo, Shinzo Abe, que anunciou no mês passado que planeava deixar o cargo devido a problemas de saúde.

Embora Suga tenha conquistado o apoio de outros legisladores do partido do Governo com a promessa de levar adiante as políticas de Abe e trabalhar nos objetivos inacabados da anterior Administração, também vai tentar implementar algumas medidas próprias.

O primeiro-ministro comprometeu-se, entre outras coisas, a acelerar e recuperar no atraso da transformação digital do Japão e nomeou um ministro especial para promover a digitalização na educação, saúde e negócios.

Ao contrário de Abe, que propôs grandes objetivos como revisões constitucionais, Suga parece determinado a adoptar uma abordagem mais populista para lidar com as preocupações diárias das pessoas, segundo os analistas.

UE diverge dos EUA e não vê na China ameaça à paz global, diz investigador Carlos Branco

[dropcap]O[/dropcap]s EUA estão a procurar atrair a União Europeia (UE) no conflito com Pequim, mas Bruxelas considera que China é um rival mas não uma ameaça à paz global, disse em entrevista à Lusa o investigador Carlos Branco.

“Os EUA estão a procurar atrair a UE para a sua esfera, mas a União, e de acordo com Josep Borrell, parte do princípio de que a China é um rival da União mas não é uma ameaça à paz global”, indicou o major-general, numa referência ao Alto Representante da União Europeia para a Política Externa e de Segurança.

Na perspetiva do investigador – que publicou recentemente o livro “Do fim da Guerra Fria a Trump e à Covid-19. As promessas traídas da ordem liberal”, uma compilação de cerca de 70 artigos em jornais, revistas e blogues, desde o fim da Guerra Fria até 2020 –, a UE está a procurar seguir o seu próprio caminho.

“Josep Borrell tem defendido que o relacionamento da UE com a China deve basear-se numa estratégia que aposte na reciprocidade e na firmeza negocial, em vez de ser numa estratégia confrontacional. E é aqui que está a grande diferença entre a UE e o posicionamento dos Estados Unidos”.

Neste contexto salientou que no plano da competição EUA-China, Bruxelas também regista uma posição diferente da NATO “que é mais a posição dos Estados Unidos, o país que determina a agenda da Aliança”.

E precisa: “Borrell reconhece a crescente importância da Ásia e quando se refere à ‘chegada do século asiático’ terá percebido que se tem de ter em conta esse elemento no quadro geoestratégico, que não existia há 20 anos. E também percebeu que o ocidente não pode definir unilateralmente os interesses da agenda global, como tem feito até agora”.

A abordagem de Borrell não exclui, no entanto, o prosseguimento da parceria estratégica entre Bruxelas e Washington, o que não significa que os seus interesses “coincidam em permanência”, ressalva o major-general na reserva após uma carreira de 40 anos, durante a qual integrou diversas organizações internacionais, incluindo na sede da NATO em Bruxelas como responsável pelo planeamento estratégico da cooperação militar com Rússia, Ucrânia e Geórgia, e com os países de Europa de leste, Cáucaso e Ásia central.

“Os adversários dos EUA não são necessariamente os adversários da Europa. A Europa deve ter a sua própria agenda quando se relaciona com outras potências, tendo em conta as suas características e interesses”, sublinhou.

Um “reposicionamento estratégico” que poderá permitir aos europeus “defender os seus próprios interesses e desempenhar um papel de estabilização” nas grandes relações de poder.

“Ao contrário de ser uma entidade em permanente seguidismo face aos EUA, é um pretexto que lhe permite ter alguma autonomia. Gostamos muito dos EUA mas nem sempre os nossos interesses coincidem, e temos de ter autonomia e coragem para defender os nossos interesses”, defende o investigador.

Numa referência à aproximação das presidenciais de novembro nos EUA ,que vão opor o candidato do Partido Democrata Joe Biden ao republicano Presidente Donald Trump, Carlos Branco considera que, em termos de estratégias em política externa, existem “um conjunto de indicadores” que sugerem que as opções de Biden, caso seja eleito, não serão essencialmente diferentes face a Trump.

“Biden quer regressar ao projeto de hegemonia global americana. Mas em primeiro lugar precisa de aliados, em particular dos europeus. Quando diz que vão organizar uma cimeira global das democracias e formar uma agenda comum, não é particularmente diferente do que Mike Pompeo [o atual secretário de Estado] propôs, ao referir-se a uma aliança das democracias”, explicitou.

“Ainda numa perspetiva securitária, Biden diz que vai evitar envolvimento dos EUA em conflitos que exijam muitos contingentes, preferindo forças especiais. Mas não é nada que Trump não esteja a fazer”, acrescentou o atual investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) e investigador associado do Instituto de Defesa Nacional (IDN), e que na qualidade de oficial general foi porta-voz do comandante da força da NATO no Afeganistão e responsável pela sua comunicação estratégica.

Carlos Branco recorda ainda que Biden disse pretender terminar com as ‘forever wars’ (guerras intermináveis) “apesar de ter sido no passado relativamente apologista desta abordagem, quando votou pela invasão do Iraque [em 2003] e apoiou a ação militar na Líbia [em 2011] quando era vice-presidente”.

No entanto, alerta para um “dado perigoso”, relacionado com as designadas “operações de mudanças de regime” apoiadas pelo ocidente, que já foram concretizadas em diversos países.

“Biden está empenhado em encorajar e financiar grupos dessas sociedades no sentido de provocar uma mudança de regime, um outro assunto em que é diferente do Trump”, sustenta.

Ainda numa referência à NATO, o investigador assinala que Trump recuperou a “narrativa da NATO global “e Biden está também a recuperá-la, o que coloca uma “questão de fundo” em relação aos europeus numa eventual participação da Aliança militar ocidental “nesse esforço de guerra e de confronto” com a China.

“Os EUA continuam a manter uma capacidade militar muito superior à China, e mesmo à China e Rússia juntas. Mas quem tem a política provocatória são os norte-americanos, que efetuaram recentes exercícios no Ártico, Báltico, mar Negro, com B-52”, frisou.

Hong Kong | Joshua Wong diz que Portugal tem direito a visitar Tsz Lun Kok

[dropcap]O[/dropcap] activista Joshua Wong disse ontem à agência Lusa que as autoridades portuguesas têm o direito de visitar o jovem estudante de Hong Kong com nacionalidade chinesa e portuguesa detido na China. “A visita do nacional português por parte dos funcionários da embaixada portuguesa é uma exigência legítima e razoável”, afirmou à Lusa o activista de Hong Kong.

Para Joshua Wong, de 23 anos, figura de proa do movimento pró-democracia, que chegou a ser indicado para o prémio Nobel da Paz em 2018, “o que torna a situação tão terrível é que eles [os 12 detidos] estão presos e desligados do mundo exterior”.

Entre os detidos está Tsz Lun Kok, um estudante da Universidade de Hong Kong (HKU), de 19 anos e com dupla nacionalidade portuguesa e chinesa. “Só Deus sabe como é que as autoridades chinesas os tratam em detenção”, frisou Joshua Wong.

Avante! pelas novas economias

[dropcap]E[/dropcap]m tempos de pandemia global, a edição deste ano da Festa do Avante! não foi apenas mais que um festival, como nos outros anos: desta vez foi também mais do que uma acção política e mediática, o que tem sido amplamente discutido, e foi ainda mais do que uma alternativa económica que merece e importa discutir, o que não tem sido o caso. Esclareço que não sou membro nem dedicado simpatizante do partido que organiza o evento, mas que sou praticante de longa data da Festa: não é que tenha estado logo na primeira edição, no exíguo espaço da antiga FIL, mas tive a sorte de ter pais com a sensatez necessária para me levarem às duas edições seguintes, no Vale do Jamor, e depois de continuar por conta própria, na Ajuda, com um grupo de amigos a rumar do Algarve a Lisboa em tempo de férias. Menos sensatamente, até me desloquei a Loures, quando já era estudante na capital, e várias vezes estive na magnífica Quinta da Atalaia, onde o evento acabou por se instalar em definitivo. Recomendo vivamente, portanto, ainda que circunstâncias da vida neste precário planeta me tenham levado a paragens bastante distantes e hoje inacessíveis, com as vigentes restrições à mobilidade.

Foi, no entanto, uma edição muito pouco recomendada, como se viu. Escuso de me alongar sobre este assunto, tão amplamente discutido e com base em tão fraca informação, mas retenho o detalhe que me parece mais relevante: a falsa informação, difundida por ignorância, preguiça ou má-fé, não é exclusivo da internet ou das chamadas “redes sociais”: na realidade, o suposto tratamento de excepção alegadamente atribuído à Festa por conveniência de acordos políticos entre o governo e o Partido Comunista não foi apenas agitado por partidos opositores, com agendas mais ou menos populistas: foi assim tratado também pela imprensa de referência planetária, sem investigação, sem contraditório, sem nada que se pareça com jornalismo. Não seria preciso grande trabalho para se perceber que não houve qualquer excepção, apesar da gritaria generalizada.

Menos discutida foi a questão económica: não a relevância que a Festa possa ou não ter para as finanças de quem a organiza, também ela tanto e tão pobremente discutida, mas o modelo económico em que a sua produção assenta – ou de como é relevante a economia da partilha e as formas de regulação que ultrapassem (pela esquerda, naturalmente) o mercado, em ocasiões como a que vivemos, em que uma pandemia toma conta do planeta, põe em causa incertas e desreguladas globalizações e questiona – ainda mais – a eficácia do papel dos mercados enquanto reguladores da afectação de recursos necessários às necessidades humanas: da economia, portanto. Sobre esse “fecho do mercado” e suas implicações escrevi em crónica anterior e aí referia a situação de miséria para a qual caminhava larga parte da população trabalhadora, sobretudo a que vive de formas precárias de contratualização (ou de não-contratualização, tão frequentemente), dependente de instáveis fluxos de procura. Em particular, todos as pessoas que vivem da produção de espectáculos e intervenções culturais dirigidas a um público começavam na altura a sofrer as consequências desta paralisação do sistema económico e desde então a sua situação só se agravou. A Festa do Avante! também deu a isso uma resposta que não mereceu grande discussão e reflexão, mas que voltará inevitavelmente.

As regras impostas para a salvaguarda da saúde pública na prestação de serviços (incluindo a realização de eventos) que impliquem a concentração física de pessoas num determinado local são necessárias e inevitáveis mas também é inevitável que destruam (ou, no mínimo, que perturbem muito significativamente) toda a lógica económica tida em conta quando se planeou um determinado “modelo de negócio” associado à prestação de um determinado serviço (o que pode incluir a produção de eventos culturais e espectáculos). Em condições normais, todo o investimento que é feito (aquisição ou aluguer de edifício e equipamentos permanentes ou temporários, mobiliário, decoração, comodidades várias, contratação de pessoas, aquisição de matérias-primas ou produtos intermédios, divulgação e publicidade, seguros ou diversos serviços técnicos mais ou menos especializados), implica também um cálculo sobre a rentabilidade futura, uma previsão do que poderão vir a ser as receitas, uma expectativa mais ou menos realista sobre a capacidade de o projecto em questão, seja ele qual for, gerar rendimento suficiente para cobrir todos esses custos. Ao implicar uma significativa redução na ocupação dos espaços, a nova regulamentação põe em causa toda a eventual racionalidade económica que suporta os projectos actualmente em funcionamento – e para isso não parece mecanismos económicos baseados no funcionamento dos mercados que permitam resolver os problemas.

A realização da Festa do Avante! mesmo nas adversas condições económicas a que obrigam as restrições em vigor para eventos públicos suscita pelo menos duas questões de relevo para se discutirem formas de regulação económica: por um lado, se há receitas significativamente mais baixas e os custos de produção são mais altos, a variável de ajustamento mais razoável é o lucro de quem promove o evento – e esse é mais facilmente regulado numa organização sem fins lucrativos do que numa empresa em que, por definição, a maximização do lucro é assumida como o objectivo central (e daí as empresas organizadores de grandes eventos como os festivais de verão terem cancelado tudo); por outro lado, a partilha voluntária de recursos (incluindo tempo de trabalho gratuito) entre quem decide apoiar o evento permite operar sobre outra variável económica (os custos de produção, que são, apesar de toda a selvajaria precarizante, menos flexíveis numa empresa com fins comerciais).

Teoria da Conspiração

[dropcap]Q[/dropcap]Anon (Q Anónimos) designa o movimento de adeptos do “whistleblower” que em Outubro de 2017, numa conta anónima no 4chan, divulgou mensagens tóxicas, auto intitulando-se “Q Clearance Patriot”. Os QAnon apoiam o presidente Trump, que consideram “salvador” da humanidade contra uma conspiração alienígena, liderada por lagartos gigantes. Sim, leram bem: “lagartos gigantes”. Mas há líderes humanos representantes desses extraterrestres. São pedófilos envolvidos no rapto e tráfego de crianças. Os nomes dos responsáveis vão do actor Tom Hanks a Hillary Clinton e Bill Gates. Os “maus” são sempre democratas. O principal alvo é, contudo, a negação da realidade seja da epidemia pandémica que a Covid 19 criou, seja do racismo como o demonstram as manifestações do Chega. Há um elemento conspiratório até para explicar a vinda maciça de migrantes para a Europa. O Primeiro Ministro da Hungria, o senhor Viktor Orbán, diz que é o “judeu Soros” o responsável pela vinda dos migrantes para a Europa.O principal objecto da negação é, contudo, agora, o vírus Corona e as medidas tomadas na generalidade dos países para protecção das populações. Os agentes mais conhecidos dessa negação são o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e o próprio Presidente dos EUA, Donald Trump. Essa negação tem consequências diárias para a população que continua a ser maciçamente infectada num quadro geral de pandemia. A ridicularização do uso de máscara, mas sobretudo a não aplicação de medidas de confinamento têm-se revelado desastrosas nesses países. Sem dúvida que na Europa, a Suécia tentou criar “imunidade de grupo”, ao não decretar o confinamento, mas está por provar se tal é possível sem ser à custa de demasiadas mortes. Neste preciso instante, em Portugal registam-se 1878 óbitos, enquanto na Suécia — com o mesmo número de habitantes, sensivelmente — há a lamentar 5860 óbitos. Irão os que defendem a decisão sueca agradecer a todas as famílias o sacrifício dos seus entes queridos para obtenção da imunidade de grupo dos sobreviventes?

O movimento Qanon é sobretudo negacionista, baseado na noção niilista de que cada cidadão não apenas tem deveres e responsabilidades, tem também garantias e o direito a viver a sua vida equivale a fazer o que lhe apetecer. Mas há uma enorme diferença entre a liberdade com respeito pelo outro e afirmação a todo o custo da individualidade. A liberdade promove o bem comum. A vontade individual promove o interesse pessoal. Ninguém no seu juízo perfeito quer viver numa situação de epidemia pandémica ou conviver com um vírus letal. Mas negar a sua existência, revoltar-se contra as medidas de confinamento e sanitárias para protecção dos mais vulneráveis — os mais velhos e as pessoas com doenças que podem ser agravadas com a Covid-19 — é estupidez. É obscurantismo.

Para a teoria da conspiração o vírus Corona é um embuste. Só existe para deixar as pessoas apavoradas. Há quem diga até que já há vacina para a Covid-19. Mas terá apenas um efeito placebo, porque a sua utilidade será a de inserir um “chip” para controlar a vida de toda a população mundial. Essas pessoas são denunciadas pelos QAnon. Podem ser “os chineses” (Donald Trump) que fabricaram o “vírus chinês” ou Bill Gates que há já muito tinha advertido o mundo para epidemias pandémicas. A ideologia do negacionismo apoia todos os que são anti-sistema, diz que todas as notícias são falsas. O Presidente Trump cria a realidade em que ele quer que os americanos vivam e assim também toda a população mundial. Os seus interesses são claros, contudo: mandar trabalhar as pessoas que não podem ficar em casa sem morrer à fome por falta de meios de subsistência, criar a ilusão de que as pessoas podem sair à rua e viver como se nada fosse. Algumas semanas de confinamento bastam para as pessoas ficarem sem trabalho, dinheiro no imediato para as necessidades básicas, e a longo termo, sem futuro. É quanto basta para ganhar para o seu campo uma população enfurecida e virá-la contra as medidas de confinamento e depois contra quem as declarou: os governadores dos Estados democráticos.

O que os partidos e movimentos de direita radical estão a fazer é negar o óbvio. Os EUA da Qanon são acompanhados por Bolsonaro no Brasil, pela Frente Nacional em França, pela Liga Norte e o Movimento 5 Estrelas, em Itália. O objecto da negação é um conteúdo apenas, que não teria importância se o vírus Corona não fosse letal. É a forma do negacionismo que é importante sublinhar. Se há lagartos ou extraterrestres a comandar o mundo em que vivemos, eles terão de ser democratas. E temos de desconfiar de pessoas que são a imagem da simpatia e desempenharam em filmes papéis de homossexuais e idiotas como Tom Hanks. A extrema-direita está a negar a realidade para tornar confortável que aceitemos tudo o que nos diz. Suaviza a violência policial contra negros, diz que não há racismo em sociedades radicalmente racistas. Em Portugal, o Chega organiza contra-manifestações para esvaziar de conteúdo as manifestações anti-racistas. Na Alemanha, a Alternativa para a Alemanha organizou em Berlim uma manifestação contra as medidas sanitárias de protecção contra a Covid-19 em que os participantes tomam de assalto o Parlamento. Nos estados unidos, a MAGA tour (Make America Great Again) do Presidente Trump nega a realidade dos factos. No Reino Unido mais de 10000 pessoas reuniram-se, em Trafalgar Square, sem máscara, com os mesmos objectivos.

Se a repetição da mentira leva a acreditar na sua verdade, a repetição da negação leva à anulação da própria realidade. Facto é que a vida tal como a conhecíamos antes da pandemia mudou. O perigo vem da instrumentalização das camadas da população mais vulnerável e com maior capital de queixas. O movimento da reacção começa por instrumentalizar o descontentamento, a situação incómoda e desagradável em que todos vivemos. Mas não se fica pelo descontentamento.

A reacção instalará o medo, encontrará bodes expiatórios, se não os judeus os negros ou os comunistas, serão os dos outros clubes, dos outros partidos, dos outros países. Quando o bode expiatório é o “outro”, o outro pode ser o amigo, o próximo, o familiar. Podemos tornar-nos delatores da inquisição, da Gestapo, do KGB, da Stasi, da Pide.

O próximo, quando se transforma no outro, deixa de ser susceptível de amor. Afinal como se pode amar um lagarto gigante?

O rico desejável

[dropcap]S[/dropcap]ão aristocratas, industriais, czares das redes sociais, banqueiros, reis do retalho, gestores de fundos de investimento, génios financeiros. Para cada área de actividade humana, há um grupo de criaturas competindo entre si que ocupam o cume mais rentável dessa actividade. Criaturas munidas dos meios mais sofisticados disponíveis, cujo objectivo é diariamente acrescentar ao muito que têm um pouco mais. Vivendo num ecossistema geograficamente próximo daquele que restantes humanos partilham, utilizam o artifício da cercania para conviverem quando e como querem com os que vivem nos substratos inferiores sem nunca se misturarem. São os ricos.

Como preâmbulo, é importante avisar o leitor de que para um português é mais difícil ter a noção do que é um rico de verdade. Por uma questão de escala, Portugal tende a produzir poucos exemplares da espécie.

Tirando talvez um par de excepções, os ricos portugueses estão para a riqueza o que um carrinho de brincar de um Happy Meal está para a Fórmula 1. Ainda assim, o fosso que o rico português consegue cavar entre ele próprio e a restante sociedade é em tudo conforme àquele que os ricos de verdade geram. A riqueza, mesmo em quantidades relativamente modestas, comporta em si a propriedade pela qual produz um afastamento entre o seu portador e todos aqueles que têm menos.

Em havendo oportunidade, a melhor forma de fazer um rico é pô-lo a começar do zero. Consegue-se assim um isótopo muito mais estável de rico porque em cada passo da criação da sua fortuna está presente a noção de merecimento. E a confiança é um elemento fundamental na manutenção dos níveis hormonais necessários para o rico estar constantemente desejando mais. Além disso, estimula-lhe a capacidade predadora. Um rico desmotivado até pode continuar a deleitar-se na riqueza que já tem mas é um rico triste, um chihuahua de colo assustado assistindo ao que se passa lá fora, no lugar da vida de que ele se lembra com nostalgia. O melhor rico é o rico disposto a tudo para ser o primeiro. Seja na sua área, na sua faixa etária, na sua cidade ou no seu país. Há que lhe dar um objectivo argutamente colocado entre o possível e o impossível e motivá-lo e repreendê-lo em doses semelhantes. Ultrapassados os primeiros objectivos e desde que se coloquem outros de capacidade motivacional equivalente, obtém-se um rico de longo curso, capaz de gerir melhor o esforço e de utilizar mais eficazmente os recursos acumulados.

Já o isótopo de que se declinam os ricos-herdeiros carece da estabilidade do rico começando do zero. A não ser que seja obstinadamente seguro de si ou demasiado estúpido para ver as suas próprias limitações, falta cronicamente ao rico-herdeiro a confiança necessária para evitar o pânico moral que se instala depois do massacre. A traição ao sócio ou o despedimento injustificado caem-lhe no estômago com um peso que os torna difíceis de digerir. Ao contrário do rico começando do nada, que vê o mundo na óptica monocromática do matar ou morrer, o rico-herdeiro nunca passou fome, nunca acordou com sangue nas mãos. Se for um rico de segunda geração, o seu grande problema é precisamente a sua herança – ou porque se lhe exige estar ao nível daquele que originariamente produziu a riqueza ou porque despreza a forma como esta foi conseguida. Se for um rico de uma longa linhagem de ricos, o meu conselho é perceber o negócio mas deixá-lo na mão de quem o saiba gerir e dedicar-se à filantropia. Deste modo, não imporá a si próprio as exigências que a decadência da sua condição não lhe permite cumprir.
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