A Santa Casa do desprezo

[dropcap]H[/dropcap]á cerca de uma hora estive a ouvir de um amigo uma história tão triste quanto mirabolante. É sobre o Portugal que temos e que em parte justifica que eu vos escreva semanalmente aqui de longe e onde a pandemia está cada vez pior. O meu interlocutor começou por ser enxovalhado pelos amigos quando lhes anunciou que iria escrever um email ao primeiro-ministro António Costa. Foi a risota geral e a chacota com contornos políticos.

– É pá, mas tu deves andar doido. Escrever ao primeiro-ministro à espera de teres uma resposta é a mesma coisa que te saírem os números do euromilhões…
– Eu tenho mais que razões para lhe escrever porque é o representante de todo o povo.
– Mas ó meu, tu ainda não percebeste que o Costa tem milhares de emails no computador de chatos como tu e que vai tudo para o lixo porque o homem não tem tempo nem para se coçar e muito menos para aturar a Catarina Martins e o Rui Rio, não percebes?
– Não, não percebo, porque o meu caso é grave e ele já disse por várias vezes que está sempre preocupado com os pobres. Vocês não se esqueçam que a minha reforma são duzentos euros, não tenho apoio social do Estado, tenho a minha mulher muito doente, não tenho dinheiro para medicamentos nem para tratamentos e exames médicos que ela tinha de fazer e há dias que comemos uma banana…
– É pá, desculpa lá, mas não te queria ofender. A malta tem de se reunir para te ajudar… mas fazes bem em escrever-lhe e mete na tua cabeça que nunca terás uma resposta…

O amigo lá conseguiu encher-se de coragem e enviou uma missiva ao chefe do Governo, tendo explicado a sua situação vivencial praticamente abaixo da pobreza, salientando que há meses que não podia pagar a renda de casa e que os vizinhos lhe têm pago a água e a luz. Que a reforma era baixíssima e que os remédios eram caríssimos.
Qual não foi o seu espanto, quando passados quatro dias, recebeu na sua caixa de correio electrónico uma resposta do próprio primeiro-mistro a transmitir-lhe que o seu caso iria ser resolvido.
Passada uma semana, o “novo” amigo de António Costa recebeu um telefonema do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

– Está lá!?… Fala o senhor…
– Sim, sim!
– É por causa daquele assunto que o senhor colocou ao senhor primeiro-ministro e nós recebemos aqui no Ministério instruções para que ao seu caso fosse dada a maior atenção. Queremos dizer-lhe que em breve irá receber um contacto sobre o assunto…
– Muito obrigado pela atenção e agradeço a vossa generosidade.

Passaram-se duas semanas e o seu telefone tocou:

– É o senhor…
– Sim, sim!
– Daqui fala a doutora… da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa… Estou a ligar-lhe por causa daquele assunto que colocou ao senhor primeiro-ministro…
– Sim, eu sei. Uma funcionária do Ministério da tutela para casos deste tipo já me tinha avisado que alguém me haveria de contactar para se resolver o assunto…
– Pronto, isso mesmo! Agora diga-me qual é o seu email para lhe enviar uns dados a que terá de responder e depois aqui na Santa Casa será tomada uma decisão…
– Agradeço muito a vossa atenção e aguardarei o seu email.

Dois dias depois, o cidadão cheio de esperança que melhores dias viriam, recebeu um email da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Começou a ler atentamente e achou logo que o texto era maior que um discurso do Presidente Marcelo… continuou a ler e a tentar entender o que estava escrito, mas simultaneamente a sua boca ia ficando aberta de espanto e o coração cada vez mais desalentado… no final da leitura tinha que acreditar que a burocracia na Santa Casa é maior que a Torre Eiffel. A Santa Casa exigia dezassete (17), leiam bem, dezassete documentos e declarações juntamente com o formulário que requeria apoio social. Dezassete documentos? – indagou-se o cidadão – e ainda por cima não era apenas a identificação da sua mulher, a dele, números ficais, números do Serviço Nacional de Saúde, declarações de IRS, não, havia documentos que exigiam que a pessoa, que está praticamente acamada, se deslocasse ao Banco de Portugal e às Finanças. Ao Banco de Portugal para solicitar uma declaração de que não possuía imóveis… e nas Finanças tinha de obter uma declaração de que não possuía rendimentos extras aos declarados. O indivíduo quase enlouqueceu e perguntou a si próprio se no IRS não consta tudo sobre um cidadão. E o caricato é de tal forma que se um pobre tivesse imóveis, a primeira coisa que faria era vendê-los para poder sobreviver… o absurdo estava patente naquele email brutal e esfaqueador.
O cidadão que se considera educado, voltou a enviar outra missiva ao senhor primeiro-ministro a agradecer a sua pronta gentileza e atenção pelo seu problema, mas que tinha acabado de esquecer para toda a vida a instituição Santa Casa que gere milhares de milhões e que tinha exigido dezassete documentos, quem sabe, para um possível subsídio de 100 euros…

*Texto escrito com a antiga grafia

29 Nov 2020

Hospitais pelas costuras

[dropcap]N[/dropcap]as redes sociais corre um vídeo que se tornou rapidamente viral. Num encontro de técnicos e responsáveis pela Saúde, uma enfermeira com mais de vinte anos de carreira, levantou-se e usou da palavra. Foi o fim do mundo. A senhora trabalha há quatro anos nas urgências de uma unidade hospitalar e disse aquilo que o povo tem ouvido pela calada. A enfermeira falou alto, bem alto e desancou em todos os que têm tido responsabilidade pelo sector da saúde pública. Ouvimos pormenores de comover um elefante: que as macas enchem os corredores; doentes que morrem sem qualquer assistência nesses corredores porque as enfermeiras nem conseguem chegar às macas com o material adequado para salvar uma vida; que há cantos de salas que são para aqueles que os profissionais de saúde entendem não haver nada a fazer, ou seja, morrerem virados para as paredes do canto; que o pessoal médico e de enfermagem bem como os auxiliares estão exaustos, não têm um salário decente e ainda por cima agora proibiram-lhe quaisquer dias de férias até ao fim do ano. A enfermeira corajosa sintonizou que a situação acontece há anos e que por não aguentar mais psicológica e fisicamente já pediu para mudar de local de trabalho.

Passam décadas, a aflição continua, as horas, dias ou meses para uma consulta, a incapacidade de encontrar soluções estruturais, não apenas a prazo, são algumas das razões do caos na Saúde. O problema não é dos últimos governos. Tudo tem a ver em grande parte com o intuito de alguns “tubarões” desejarem que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) – que em boa hora o saudoso António Arnaut fundou – possa chegar ao fim para que os hospitais privados e os seguros de saúde tomem o seu reinado. Todos aqueles que nunca concordaram com a existência do SNS, hoje, hipocritamente, dizem defendê-lo mas boicotam-no sistematicamente e, tantas vezes, das maneiras mais vis preocupando-se apenas em informarem os hospitais públicos que os materiais necessários estão esgotados…

Lamento que a generalidade das reais denúncias sobre o que se passa no SNS venha de organizações partidárias quando lhes convém, e com a lenga-lenga do costume: falta pessoal especializado, faltam camas, faltam meios. Pois faltam. E faltam faculdades de medicina, médicos novos que em princípio são chumbados para não irem ocupar o lugar dos “cotas”. E quais outras razões de tanta carência? A Ordem dos Médicos, comandada por um imitador de sindicalista, nem pode ouvir falar em médicos vindos do exterior ou em construir-se um hospital novo que não seja em Lisboa. Outra razão prende-se, sem dúvida, com os salários miseráveis que são pagos aos profissionais de saúde. E há discriminação entre as classes. Imaginem, por exemplo, que no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, os médicos podem estacionar os seus carros gratuitamente, mas se for um enfermeiro, uma terapeuta doutorada ou outro técnico terão de pagar todas aquelas horas de trabalho. Horas? Ui, nem falemos de horários. É uma tristeza. Especialmente sobre os enfermeiros que chegam a trabalhar o dia todo e no dia de folga, muitas vezes, são chamados para as 24 horas de um banco de urgência. Centenas de enfermeiros já debandaram para Inglaterra e para outros países onde são tratados como gente: bom salário, horas extraordinárias bem pagas, cedência de residência, alimentação gratuita nos hospitais, subsídio para transporte e férias pagas sem qualquer desconto. Com estas condições de trabalho, quem é que não quer deixar os hospitais portugueses? Os médicos pretendem deixar o SNS para ingressar nos privados, mas há dias o governo proibiu a saída do SNS a qualquer profissional.

A tradição da falta de coragem política em dar saúde ao povo mantém-se. Temos uma ministra e uma directora-geral na tutela da Saúde que já levaram portugueses ao desespero por não as poder diariamente ouvir a palrarem, em todos os canais de televisão, apenas sobre o número de mortos e de infectados pela covid-19. Mas nunca se pronunciaram sobre os milhares que morrem diariamente com ataques cardíacos, diabetes, AVC’s, infecções renais ou pulmonares, muito menos referiram-se ao cancro que afecta milhares de doentes, alguns que já nem são atendidos. Muito menos falam de se construir novos hospitais, de aumentarem os salários dos profissionais de saúde e de oficializarem as suas carreiras para que os mesmos não deixem o país. E a situação está cada vez mais grave, ao ponto do Presidente da República decidir a continuação do estado de emergência. Ainda na semana que findou chegou-se ao ponto de os hospitais Santa Maria e Pulido Valente terem suspendido as cirurgias que não sejam urgentes durante três semanas, dependendo da evolução da situação pandémica. Mas as queixas sobre hospitais sobrelotados chegam de todo o país. A ruptura é uma realidade e em certas unidades hospitalares as camas já são no interior das ambulâncias estacionadas à porta das urgências porque os hospitais estão a rebentar pelas costuras…

*Texto escrito com a antiga grafia

22 Nov 2020

A TAP devia fechar a porta

[dropcap]A[/dropcap] Filomena era linda, tinha treze anos. Loirinha e diziam que era a mais bonita da escola. A miudagem no recreio não a largava e só queria brincar com ela. Cresceu e os anos da adolescência colocaram-na num patamar de espanto. A beleza era invulgar. Um amigo de seu pai disse que a filha poderia ser a modelo mais linda para capas de revistas, e não só. O pai rejeitou logo a proposta e ao dialogar ao jantar com a sua mulher, num dia em que a filha tinha saído com amigos, veio à baila a conversa sobre a beleza da filha.

De tudo um pouco trocaram impressões sobre a filha. O pai preocupado com o curso de medicina que lhe parecia ser a preferência da filha. A mulher respondeu-lhe que devia andar enganado. A surpresa do pai foi total e interrogou-se sobre os gostos da filha que tinha alguns quatro rapazes atrás dela como candidatos a namorados. A senhora depois de terminar a refeição e após o café que não dispensava, virou-se para o marido e transmitiu-lhe: – “A tua filha tem um sonho há muito tempo. Ela só pensa em poder ser hospedeira de uma companhia aérea… ela quer mesmo ser hospedeira!”. O pai ficou atónito e ainda perguntou: – Quer ir para a TAP?”. A interlocutora retorquiu que possivelmente seria na TAP que ela arranjaria lugar, até porque tinha acabado de ser admitida uma amiga mais velha mas muito mais deselegante que a filha.

O pai levantou-se da mesa, pegou num whisky, preparou um charuto, sentou-se no sofá e puxou pelo telefone. Do outro lado da linha estava um amigo que era director na TAP. Falou-lhe no caso da filha e o amigo respondeu-lhe que tomara a TAP ter hospedeiras lindas, altas e elegantes como a sua filha.

O caso estava arrumado e Filomena iria participar, sem quaisquer entraves do pai, no curso para comissária de bordo nas instalações da TAP. No final do curso ficou aprovada com distinção. Durante quatro anos voou para os mais diversos destinos e deixou muitos comandantes e co-pilotos de boca aberta quando ela se juntava às suas equipas de viagem. Filomena teve um filho e como mãe solteira a vida profissional dava para todas as despesas, incluindo uma ama que ficava com o bebé durante as suas ausências.

Na TAP a vida de um trabalhador nunca foi um sossego. A empresa andou financeiramente sempre aos altos e baixos. Os trabalhadores protestavam quando o subsídio de férias ou de Natal não caíam na conta bancária. A TAP atravessou um período liderado por um administrador brasileiro que tinha chagado cheio de fama no sector, como se em Portugal não existisse ninguém que tivesse capacidade para dirigir os destinos de uma das maiores empresas e que, afinal, só apresentava débitos. A perplexidade maior foi a aquisição de novos aviões quando a TAP nem dinheiro tinha para comprar um avião de papel. Ainda me recordo quando na década de 1990 os aviões da TAP fizeram a rota Lisboa-Macau e a China pretendeu negociar uma rota que fizesse escala numa cidade chinesa e oferecia à TAP três aviões dos melhores. Os “chicos-espertos” administradores da altura na TAP negaram por completo a proposta da China e o voo Macau-Lisboa foi por água abaixo, porque afinal era Macau que pagava praticamente tudo.

Entretanto, assistimos a uma privatização sui generis tendo como grandes accionistas o homem rico da Barraqueiro e um “tretas” brasileiro que iam levando a empresa à falência, não fosse o governo estar sempre a “meter” nos cofres da TAP o nosso dinheiro. E o dinheiro nunca chegava para nada, nem para a manutenção, o que alguns mecânicos da empresa consideravam um crime. Recentemente, o governo passou a ter um ministro, que adora ter um Maserati, que praticamente “nacionalizou” a TAP e 2.000 trabalhadores vão para o desemprego.

Filomena chegou a casa a chorar e os pais aterrorizados pensaram o pior, que tivesse sido assaltada e violada. Debalde. A filha sentia o seu sonho a desmoronar-se e tinha quase a certeza que iria ser despedida nesta leva da “limpeza” do homem do Maserati. A TAP só tem tido problemas em diversos quadrantes: são os credores, é o presidente da Câmara do Porto que contesta não existirem rotas a partir da cidade invicta, os trabalhadores só olham para os aviões estacionados em fila junto à pista, já sem lugar para estacionamento. As rotas diminuíram, mas os aviões de outras companhias chegam a Lisboa completamente cheios. Naturalmente, que a segunda vaga da covid-19 levou a Europa a adoptar novas restrições às populações, incluindo a circulação de aviões. Mas a TAP só sabe cancelar voos e a Filomena não voa há três semanas… A TAP é um desgosto nacional e que devia, infelizmente, fechar a porta.

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

15 Nov 2020

Os peixes já não respiram

[dropcap]T[/dropcap]odos nós já ouvimos falar do que se está a passar nos oceanos. A falta de civismo dos homens, a falta de infra-estruturas, as fábricas que despejam produtos químicos para os rios, os piqueniques nas praias e nas margens dos rios, os navios que descarregam o lixo e lavam o seu interior deitando os detritos para o mar têm constituído as principais razões para que a poluição marítima comece a colocar a saúde dos humanos em perigo. Todos os que se dedicam ao mergulho sabem bem do que estamos a escrever. As águas dos rios e do mar estão a ficar um caos e têm sido inúmeras as vezes em que aparecem peixes mortos ao cimo das águas.

Estamos perante um verdadeiro crime ecológico. Os peixes já se alimentam de plástico e de produtos tóxicos. Alguns já nem conseguem respirar e morrem. O tio Alfredo é um pescador que assiduamente levanta-se de madrugada para ir à pesca, conforme as horas das marés o permite. Levanta-se cedo, pega no seu material de pesca e aí vai ele para a beira do rio Tejo.

– Então, tio Alfredo, isto está a dar ou não?
– Viva, amigo! Isto já não é o que era… antes até o robalinho apanhava aqui, agora nem vê-los…
– Mas tem visto aí uns golfinhos? Quer dizer que as águas estão mais limpas?
– Não, amigo. Os golfinhos aparecem porque andam cheios de fome e vêm atrás dos cardumes e rapidamente se vão embora porque sentem que as águas estão cheias de porcaria que não “lhes cheira bem”… tá-me a perceber?
– Parece que sim, tio Alfredo. Está a dizer-me que o que vem pelo rio abaixo chega aqui perto da foz e nota-se que os peixes não andam nada felizes…
– É isso mesmo. O peixe já não tem a mesma qualidade e agora ainda pior com essa história dos “aviários” que têm feito por todo o lado… aquilo é só farinha e o peixe não vale nada… ainda vou preferindo estes que ficam aqui nos meus anzóis…

O problema é grave e quem nos governa até tem ministros das Pescas. Que não servem para nada a não ser a preocupação dos licenciamentos de bons hotéis à beira da costa marítima… As organizações relacionadas com a defesa do ambiente tudo têm feito para que os rios e o mar possam ser alvo de uma acção musculada e efectiva. Normalmente falam para as paredes. Vamos ao rio Guadiana, ouvimos queixas. Vamos ao Mondego, as mesmas queixas. No Douro nem se fala. Num dos maiores rios navegáveis o factor ambiental está a tornar-se um crime. Como é possível que cada ano sejam licenciados mais barcos para navegar no Douro a fim de transportar turistas. E o ambiente marítimo? Nem se fala nisso. Os barcos são de os mais variados portes e até já existem navios-hotéis. Os motores das embarcações fazem uma barulheira que eles pensam que não incomoda os milhares de peixes que estão no fundo das águas. Os barcos a gasóleo largam resquícios de óleo e deitam uma fumarada que até o ambiente exterior fica conspurcado. No rio Douro é uma pena que a família piscícola não seja defendida. Peixes mortos aparecem todas as semanas de verão, altura em que os barcos são aos montes.

Mas, não haverá alternativa para estas embarcações a gasóleo que navegam por todo o país? Felizmente existe, mas as autoridades governamentais e os empresários que deviam ser obrigados a mudar de paradigma assobiam para o lado. Portugal tem um dos melhores estaleiros do mundo, em Olhão no Algarve, onde são construídos navios de todas as dimensões e que são movidos com baterias eléctricas e à base da energia solar. Energia solar? É verdade, amigos, num país como o nosso cheio de sol, os barcos que saem daquele estaleiro têm sido a alegria dos seus compradores. Já vai havendo alguns a navegar, mas o rio Douro, o lago Alqueva, o rio Tejo e tantas barragens existentes por todo o país mereciam uma legislação oficial que fosse obrigatória na aquisição de navios a energia solar. Nada melhor para o ambiente. Silenciosos e nada poluentes. Quem está satisfeito é o governo da Madeira que encomendou uma embarcação para cerca de 400 pessoas e para realizar o trajecto Funchal-Porto Santo. E por que não, o governo nacional não obrigar os empresários do Douro, Tejo, Guadiana e barragens a adquirir barcos a energia solar? Por que razão o governo prepara-se para adquirir novas embarcações, no valor de milhões de euros, para a travessia Lisboa-Barreiro e vai escolher embarcações poluentes? Ainda por cima a Sun Concept, a empresa portuguesa que está a desenvolver embarcações electro-solares inovadoras e sustentáveis está a exportar para vários países, nomeadamente para a Alemanha. Por que não dar a ganhar dinheiro a uma empresa portuguesa e defender o ambiente onde vivemos e onde os peixes já nem conseguem respirar?…

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

8 Nov 2020

Conselho de amigo

“Conheço homens e mulheres que desde Março quase não voltaram a sair de casa, não foram almoçar ou jantar a um restaurante, não foram a um espectáculo, não deram sequer uma volta na rua. Sei de pessoas apavoradas que não saem de frente do televisor a ver as notícias sobre a pandemia. Há pais e mães que deixaram de ver os filhos, avós que deixaram de ver os netos. Ora, será isto viver?”
José António Saraiva

 

[dropcap]E[/dropcap]ste é o Portugal amedrontado. Há milhares que nunca mais viram o sol desde Março e alguns entraram na loucura. O confinamento não é solução para nada quando nem sequer sabemos o que é que está perante nós. Um vírus que mata? Parece que sim. Uma pandemia generalizada? Decretada. Brasil, EUA e Índia com milhares de mortos? Uma realidade. Um jantar nos arredores de Lisboa com mais de 100 pessoas e que deixou 10 infectados? Um facto. Uma corrida de Fórmula 1 num autódromo, construído mal e incompetentemente para corridas de motas, cheia de mais de 40 mil espectadores em tempo de calamidade e com tudo mal organizado, deixou já cerca de 20 presentes infectados com a covid-19? Uma tristeza que já retirou Portugal do calendário de Fórmula 1 de 2021 e levou o governo a decidir que as corridas de MOTO GP não terão público.

E o surf voltou à Nazaré e encheu a colina adjacente à costa com milhares de adeptos sem máscara e sem distanciamento físico? Bem, ao chegarmos a este ponto já temos que salientar a incompetência das autoridades oficiais. A inconsciência do pessoal já é conhecida desde que realiza festas todas as semanas com mais de 200 pessoas e nos dão a certeza que a propagação do vírus não vai parar tão certo. Desde que grupos de jovens se juntam ao redor de uma árvore de um jardim e bebem até às cinco da madrugada. No caso da Nazaré toda a gente sabia, incluindo os técnicos da Meteorologia, que vinham aí ondas gigantes e que os melhores surfistas da Austrália, Japão, Hawai, Brasil e Indonésia já estavam a caminho de Portugal.

Ora, se o espectáculo era inevitável, então, as medidas oficiais tinham de ser tomadas. As estradas em direcção ao canhão da Nazaré tinham de ser encerradas, brigadas da Saúde tinham de obrigar o uso de máscara a todos os presentes e os agentes policiais deviam obrigar ao distanciamento físico. Não acontecendo nada disto e continuando a existir eventos com milhares de pessoas, tais como, corridas de toiros, transportes públicos a abarrotar, corridas de carros ilegais nocturnas, assim, ninguém pense que a covid-19 vai terminar.

A semana que terminou deixou, pela primeira vez, os portugueses muito preocupados. O número de infectados em 24 horas ultrapassou os 4500 e já se prevê que chegue aos 7000 com o número recorde de 40 mortos. O Conselho de Ministros reuniu extraordinariamente depois de proibir a mobilidade entre concelhos apenas para que a tradição da ida aos cemitérios não se cumprisse. Proíbem a ida aos cemitérios, mas mantêm as fronteiras abertas quando sabemos que a situação em Espanha é 10 vezes pior que no nosso país. A situação está a ficar preocupante. Há especialistas que reportam hospitais completamente esgotados. Dos centros de saúde e dos departamentos da função pública ninguém atende os telefonemas.

Os lares continuam diariamente a sinalizar mais surtos. Governantes que em vez de se preocuparem com uma pandemia que poderá matar milhares de portugueses no próximo Dezembro, e por esse facto, anuncia-se a possibilidade de um novo estado de emergência para as duas primeiras semanas do último mês do ano.

Assim não se deve governar porque estiveram simplesmente preocupados com o Orçamento do Estado e com as eleições nos Açores.

Quanto ao Orçamento do Estado foi um circo de chorar por nunca mais. O Partido Socialista para se manter no poleiro do poder precisou de umas abstenções de deputados que nem pertencem a qualquer partido.

Nesta tristeza política assistiu-se ao inesperado. O Bloco de Esquerda, ao fim de tanto amor pelo PS, resolveu juntar-se à direita e à extrema-direita votando contra o Orçamento. Pouca gente percebeu a atitude do Bloco. Irá perder o apoio de milhares de eleitores ou pensa que sendo mais radical, e vendo um PCP mole e pouco activo, que terá um êxito eleitoral? Duvido que o Bloco venha a ter alguma coisa a ganhar com um comportamento que mais parece uma loja de costureiras…

Nos Açores, deixem-me dizer-vos que nunca esperei que o PCP ficasse fora do parlamento regional e que o PS ao fim de tantos anos perdesse a maioria absoluta. Com uma agravante: os ultras do Chega elegeram dois deputados, o que, no absurdo, toda a direita junta poderá formar governo nas ilhas açorianas. Todavia, é um prenúncio para o nível nacional político. No continente o PSD anda de rastos a querer igualar o comportamento do CDS. O Iniciativa Liberal, o PAN e o Chega têm angariado cada vez mais apoiante e as últimas sondagens apontam que os extremistas do Chega são um género da antiga maioria silenciosa. Parece que não existem, mas na altura do voto podem surpreender.

Portugal, anda ao Deus dará. O povo anda revoltado, triste e pobre. O confinamento de milhares de infectados com a covid-19 está a deixar as pessoas sem alma, sem forças e sem dinheiro. Quem nos ler em Macau que se compenetre de uma certeza: deixem-se estar e nunca saiam da RAEM, um conselho de amigo.

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

2 Nov 2020

O gangue do alcatrão

[dropcap]E[/dropcap]m tempos que já lá vão convivi com jornalistas e senti o amor que colocavam no que faziam. O jornalismo tem que se lhe diga quando praticado com a investigação à verdade. Recordo-me do caso Watergate que levou ao fim político de Richard Nixon. Na altura, foi um grande escândalo, o mundo tremeu, a América chorou de vergonha e o mundo ficou a saber que o jornalismo tem muita força quando aborda os temas com surpresa suprema e indiscutível.

Encontrava-me numa mesa de café com amigos quando um deles afirmou: “É pá, isto do Nixon foi uma grande caxa”! “Caxa”? O que era isso, indaguei e explicaram-me que se tratava de uma notícia verdadeira que podia derrubar montanhas. Uma “caxa” era algo que o jornalista apresentava ao chefe e quando lhe mostrava, ouvia logo “Tens a certeza disto? Olha que é muito grave!”. O chefe arriscava e a manchete de jornal provocava que a edição esgotasse. Foi assim ao longo dos anos. Anos que passaram mas que infelizmente cada vez menos nos têm surpreendido cada vez menos por não existirem tantas “caxas”. Há quem diga que os jornais agora são de sociedades multinacionais, que os jornalistas são uns jovens receosos de tudo e todos, ganhando mal e cheios de medo de perderem o emprego. Pode existir menos qualidade no que se lê nas páginas dos jornais, mas vê-se que continuamos a ler jornalistas com um grande nível literato e com histórias que são autênticas “caxas”. Então, o escândalo do ex-juiz Rui Rangel que colocava as namoradas a escrever os acórdãos de um tribunal superior e que não passava de um corrupto que envergonhou todos os magistrados, não foi uma “caxa” que deu brado? As “caxas” continuam a existir e a mostrar ao mundo que o pateta do Trump que tanto mal diz da China, afinal tem uma conta bancária num banco chinês e negócios com a China.

Ao lembrar-me destas histórias das “caxas” conclui que o que tinha acabado de saber, mesmo não sendo jornalista, tinha uma “caxa” na mão e que valia a pena colocá-la ao conhecimento dos meus leitores de Macau, já que em Portugal nenhum jornal faz a mínima ideia do que se passa.

E o que se passa é que no seio da Guarda Nacional Republicana (GNR) anda tudo doido. Trata-se de um gangue de malfeitores profissionalmente organizados que têm ganho milhões de euros em prejuízo de centenas de portugueses. Uma autêntica mafia à qual lhe chamam “o gangue do alcatrão”. Imaginem que acabaram de construir um armazém de grandes dimensões para a guarda de pneus e que ao lado do armazém tem de ter um espeço equivalente a um campo de futebol bem alcatroado para os camiões carregar e descarregar. No escritório aparece-lhe um Alberto qualquer a dizer-lhe que tem uma empresa de alcatroamento e que lhe pode fazer o trabalho de terraplanagem e alcatroamento. Falam em custos e o Alfredo adianta-se logo a elucidar que normalmente as empresas da especialidade levam entre 20 e 50 mil euros conforme a dimensão do terreno, mas que devido à pandemia o negócio tem andado mal e que ele lhe faz o trabalho por cinco mil euros. O empresário esfrega logo as mãos de contente e concorda com a empreitada proposta. No entanto, o Alberto diz logo que lhe terá de pagar adiantado para as despesas de compras de materiais. O empresário concorda e passa um cheque de cinco mil euros. Alberto, informa que no dia seguinte lá estarão as máquinas e que as obras terão início.

Na verdade, no dia seguinte chegam ao local as monstruosas máquinas e camionetas empregues nos trabalhos deste género de alcatroamento de grandes superfícies junto de hipermercados, fábricas, estações de transportes públicos, zonas industriais, arruamentos e até parqueamentos ao redor de estádios de futebol. Os trabalhos decorreram e passadas três semanas, o empreiteiro sobe a escritório para falar com o empresário e apresentar a conta dos trabalhos no valor de 30 mil euros…

– Mas, desculpe, deve haver um grande engano da sua parte, senhor empreiteiro!?
– Não, não me parece que haja qualquer problema. Então, o senhor não encomendou a obra? Eu recebi um telefonema no meu escritório que avançasse com as máquinas para alcatroar toda este seu terreno e foi o que fiz como o senhor assistiu estes dias todos…
– Mas… Mas, desculpe, eu recebi aqui o senhor Alfredo a comunicar-me que tinha uma empresa especializada nestes trabalhos e que me faria a obra por cinco mil euros e até me pediu para lhe pagar adiantado, o que fiz em dinheiro vivo…
– Pois é, meu caro amigo, o senhor foi aldrabado e esse Alfredo é um dos muitos vigaristas que andam por aí a aldrabar centenas de empresários que precisam de ter as suas superfícies alcatroadas… usam sempre o mesmo estratagema… quando veem um local por alcatroar, contactam com o patrão, contam essa mesma história do bandido, mamam a massa adiantada e depois telefonam para as empresas especializadas que avancem para determinado sítio a fim de executar a obra…
– Você nem me diga uma coisa dessas…
– Digo-lhe e mais ainda: isto é o “gangue do alcatrão” que é um polvo enorme que tem andado a por a GNR e a Guarda Civil a entrarem em loucura, porque não conseguem apanhar os fulanos… a vigarice é em Portugal e em Espanha… os fulanos têm ganho uma fortuna milionária… já imaginou as centenas de trabalhos que têm sido feitos nos dois países com um início deste calibre, onde aparece um aldrabão a propor um trabalhinho baratinho e levam logo o dinheirinho adiantado… Isto está muito bem organizado e têm ganho milhões…

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

28 Out 2020

A covid-19 também não gosta do Ronaldo

[dropcap]N[/dropcap]ão sou médico. Conheço é muitos clínicos. O que escreverei é simplesmente baseado nas conversas com médicos e enfermeiros amigos. A covid-19 tem sido um mal mundial desde que em Wuhan iniciou a sua marcha mortífera. Uns dizem que é um vírus; outros de que se trata de uma bactéria.

Uns afirmam que é uma treta inventada para exterminar com os velhotes que ainda podem testemunhar o que é uma ditadura, a fim de se poder definitivamente implantar no globo um governo ditatorial mundial, como sonha o fascista Trump; outros inclinam-se para uma pandemia descontrolada da qual ninguém estava preparada e muito menos com alternativas de cura imediata. Uns cientistas condenam o confinamento e a obrigatoriedade do chamado stayway, uma nova forma de controlar a nossa privacidade; outros aconselham os governos a decretar a obrigatoriedade de estados de emergência e ao uso de máscara obrigatória mesmo na rua. Uns, alvitram que tudo não passa de criar o medo em toda a gente e que o convívio, os festejos, os casamentos, os baptizados, as festas, os beijos, os abraços terminem de modo a que a natalidade reduza drasticamente no planeta porque não haverá dinheiro para sustentar tanta gente no planeta; outros, contrapõem que tudo não passa de teorias de conspiração que não querem admitir que o caso é grave a nível mundial. Mundial, ponto e vírgula. Lembro-me, por exemplo, de uma terra chamada Macau onde os infectados e os óbitos são praticamente inexistentes. Será porque a RAEM tem dezenas de casinos e que fazem muita falta que estejam abertos 24 horas para que possam lucrar muito dinheiro que irá servir para múltiplos financiamentos, inclusivamente as obras faraónicas da mãe-pátria?

A covid-19 é a maior demonstração de competência e de incompetência de quem esteja ligado aos assuntos de saúde. Os médicos, enfermeiros e auxiliares nos hospitais trabalham até à exaustão como autênticos heróis enquanto os dirigentes políticos só se preocupam nos materiais a comprar porque num contrato de ajuste directo há sempre rendimento pecuniário indirecto para quem tem o poder de decisão. No entanto, os médicos estão divididos e até já foi criado um movimento em Portugal, onde se insere o bastonário da Ordem dos Médicos, que visa chamar a atenção que o Serviço Nacional de Saúde está a rebentar pelas costuras e que em Novembro e Dezembro se a pandemia vier a agravar-se será o caos. Já existem hospitais sem condições para receber doentes. Há serviços hospitalares encerrados por falta de profissionais ou de camas.

A covid-19 tem servido para todas as desculpas num país em que já tivemos 100 infectados por dia e agora já vai em mais de 2.500 e com os óbitos a aumentar. Óbitos que muitos médicos já afirmaram não terem nada a ver com a covid-19: são doentes com males graves, como doenças pulmonares, cardíacas, renais, regenerativas, intestinais, estomacais, prostáticas e naturalmente cancerígenas. Todas estas doenças levam à morte, especialmente quando o paciente ultrapassa os 80 anos de idade. Para tristeza de um povo, os doentes sem covid-19 têm sido postos de parte: as consultas pararam, as cirurgias foram suspensas e milhares de cidadãos continuam sem médico de família. A Saúde parece, mesmo com uma pandemia dita mortífera, continuar a ser o parente pobre de um Orçamento de Estado. Nem quero acreditar que em 2021 irá mais dinheiro para a TAP e para as ferrovias do que para a Saúde. Dizemos mesmo que o grande cancro de Portugal é a falta de saúde da sua população. A falta de hospitais públicos, a falta de ambulâncias e de clínicos no interior e a impossibilidade financeira de um povo poder visitar um hospital privado. Isso, só em sonho. Como é que um cidadão com uma pensão de 200 euros pode ser operado no Hospital da CUF-Descobertas a uma Trigeminal Neuralgia, cirurgia delicada que tem um custo de 18 mil euros? Obviamente que neste país anda-se a brincar com a saúde de todos nós.

A covid-19 que tem sido apresentada através de testes que cientificamente ainda não foi provada a sua eficiência, tem provocado outros danos colaterais que muita gente nem faz ideia. Falei com um amigo que me transmitiu que nunca tinha chorado ao levar os filhos à escola, mas que desta vez ficou profundamente triste ao ver que a sua filha não podia abraçar nem beijar os amigos. E há mais danos inimagináveis: sabem que desde Março, devido ao confinamento, ao teletrabalho, ao layoff, ao controlo dos filhos encerrados em casa que as depressões aumentaram 300% e que desde Abril já se registaram cerca de 5.000 divórcios? Tudo isto é covid-19, a tal doença que segundo os responsáveis só ataca depois das 20 horas e que ingerir álcool depois dessa hora é óbvio que o líquido chama o vírus para o restaurante ou bar. A covid-19 continua tão estranha que o Conselho de Ministros reúne todas as semanas, mas apenas três ministros ficaram infectados. Trata-se de uma doença que não gosta de futebol visto que até deixou o Cristiano Ronaldo doente depois de estar a jantar com todos os colegas da selecção nacional e ninguém ficou infectado…

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

18 Out 2020

O regresso de Sócrates

[dropcap]O[/dropcap]s portugueses estão fartos de ouvir falar de José Sócrates, uma criatura que subiu das irregularidades na Câmara Municipal da Covilhã com projectos na mão que eram autênticos mamarrachos que nenhuma edilidade do mundo aprovaria até à cadeira de primeiro-ministro deste Portugal endividado até ao tutano. Especialmente as dívidas monstruosas que três gerações futuras irão pagar no que respeita às escandalosas Parcerias Público-Privadas (PPP) que tanta tinta corruptiva fez correr. As PPP de Sócrates são um escândalo e ainda bem que foi preso por alegados crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e mais umas dezenas de acções criminosas, antes que a criatura avançasse para mais pontes sobre o rio Tejo, TGV e aeroportos. Um megalómano que soube enriquecer possivelmente devido às notas que caíram com a chuva nos seus terraços habitacionais, em especial o de Paris, onde gastou milhões só para remodelar o imóvel adquirido num dos bairros mais chiques da capital francesa. As PPP’s são um dos maiores cancros da nossa economia e que irão levar anos e anos para serem pagas. Uma mina para os amigos de Sócretes, uma criatura tão poderosa no expectro sócio-políItico-judicial que o seu julgamento talvez seja realizado se um dia Portugal passar a ser uma região autónoma de Espanha…

E a que propósito estamos a escrever sobre o medíocre veraneante da Ericeira? É que na semana passada assistimos a um escândalo no seio do governo e da Presidência da República que deixou o país atónito. Vítor Caldeira era há 25 anos o presidente do Tribunal de Contas. Um homem de bem, profissional exímio, um exemplo de transparência e independência, mas… que de vez em quando lá estava Caldeira a criticar certas decisões do governo socialista, o que em democracia é absolutamente saudável. O Tribunal de Contas não foi criado para ser um yes man do governo, antes pelo contrário. Este organismo tem a obrigação de velar pela seriedade das acções governativas e indicar todas as lacunas que as despesas oficiais possam apresentar. Mas em Portugal tudo é diferente. Quem não está com o poder, leva… já dizia há muito o ex-ministro socialista Jorge Coelho. E desta feita, o primeiro-ministro, António Costa, refastelado no cadeirão do seu gabinete do palácio de São Bento, pegou no telefone e vai daí:

– É o senhor presidente Vítor Caldeira?
– Sou sim, senhor primeiro-ministro! Faz o obséquio de dizer…
– É para lhe dizer que já não o reconduzo no lugar. Termina aqui o seu trabalho…
– Mas?!… Está lá?!… Estou?!

A notícia correu célere. O exemplar presidente do Tribunal de Contas tinha sido demitido por telefone, atitude nada cordial. As conjecturas não se fizeram esperar, nomeadamente a mais triste e incómoda para quem chefia um governo que diz respeito aos milhares de milhões de euros que aí vêm a caminho oriundos da União Europeia para fazer frente aos mais diversos e espampanantes projectos e adjudicações que nunca poderão ter a adversidade do Tribunal de Costas. Obviamente, uma conjectura grave.

Entretanto, rapidamente o primeiro-ministro anunciou o substituto de Vítor Caldeira. Pior a emenda que o soneto. Uma escolha que recaiu num socratino. José Tavares é dado pela Polícia Judiciária como muito próximo do ex-secretário de Estado de José Sócrates, Paulo Campos, um dos principais suspeitos nas investigações às PPS’s e que sempre foi o braço-direito de Sócrates nos chamados cambalachos com o venezuelano Hugo Chavez e o líbio Muhamar Kadaffi. José Tavares é mencionado no inquérito às Parcerias Público-Privadas, caso onde se investigam prejuízos de cerca de 3,5 mil milhões de euros para o Estado, numa alegada prática de corrupção e de outros ilícitos criminais. A proximidade entre Paulo Campos e o novo presidente do Tribunal de Contas é atestada com diversos emails trocados entre o ex-secretário de Estado de Sócrates e José Tavares, então director-geral do Tribunal de Contas, em 2009 e 2010. José Tavares terá inclusivamente participado em reuniões secretas com o governo de José Sócrates para tentar contornar o chumbo que os próprios juízes conselheiros do Tribunal de Contas fizeram a quase todos os contratos das subconcessões rodoviárias lançados pelo então ministro Mário Lino e Paulo Campos.

E os mais diversos políticos da oposição e o povo observador destas temáticas políticas em geral perguntam-se como pode existir tão pouca seriedade ou tanto compadrio na nomeação de um cargo de suma importância para uma governação transparente e profícua. Lá diz o ditado que à mulher de César não basta ser séria, há que parecer…

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

12 Out 2020

Adopção para as calendas

[dropcap]A[/dropcap]lguns dos leitores possivelmente já tentaram adoptar uma criança. Na maioria dos casos porque num casal, o homem ou a mulher não puderam ter filhos após o veredicto clínico. Mas têm um desejo enorme de ter um filho ou uma filha. Há casais que já adoptaram três e quatro filhos. Em Portugal é difícil. Em Portugal é um martírio, um desespero, um sofrimento mental que já levou muitas mulheres à depressão profunda. Tudo isto porque a burocracia é superiormente exagerada. As exigências são as mais variadas e concludentes. Obviamente que o casal é analisado pelos serviços estatais e competentes para o efeito de uma adopção de uma forma criteriosa. O casal tem de ter condições de sobrevivência do eventual filho adoptivo, um bom rendimento mensal, uma residência condigna, um comportamento exemplar. E não são só os casais que desejam adoptar a serem analisados, pois, os seus progenitores também são alvo de uma avaliação por parte dos técnicos da Segurança Social. Pais e avós têm de ter rendimentos suficientes para o caso de acontecer algo de imprevisível ao casal que adopta.

Em Portugal reina a burocracia até ao mais alto grau do desalento dos interessados em adoptar uma criança, tenha a mesma três ou oito meses, ou já com seis ou sete anos. A burocracia é o verdadeiro cancro de uma adopção. E não só a burocracia estatal. Por vezes, o problema reside na atitude do pai, mãe, avô ou avó da criança que foi institucionalizada porque os pais não tinham condições para o sustento. Um dos membros da família da criança, em muitos casos, rejeita-se a assinar a documentação imprescindível para a efectivação da adopção. E assim, ficam as crianças anos e anos a aguardar uma solução. E as crianças institucionalizadas sentem um sofrimento contínuo porque não recebem o carinho de uns pais, não recebem a educação devida, não recebem o hábito de pertencerem a uma família, diríamos mesmo que sem estarem abandonadas estão ao sabor do nada. As de sete e oito anos sofrem imenso nas escolas. Onde está o teu pai? Onde está a tua mãe? Quem é aquela que te veio trazer? Quem é que te vem buscar? Onde moras? São perguntas dolorosas que essas crianças ouvem a todo o momento nos intervalos das aulas. E como as crianças, infelizmente, são cruéis umas para as outras, assim que se sabe na escola que determinado colega está institucionalizado porque foi abandonado pelos pais, ai Jesus, é um fartote de chacota: Olha ele não tem pais! Olha ela não tem casa! Olha ele não sabe quem é mãe! Olha ela nunca viu o pai! Uma triste realidade. E as crianças institucionalizadas a aguardar que a burocracia ou a corrupção lhes arranjem uns pais que requereram a adopção há muitos anos.

Lamentavelmente, o ano passado 80 por cento das crianças que aguardavam adopção, apenas 20 por cento viram a sua situação resolvida e foram acolhidas para um novo lar onde passaram a ter um pai e uma mãe.

Uma tristeza quando neste Portugal os processos de adopção começam logo por ficarem na gaveta durante os três meses das férias judiciais. Três meses em que pára tudo nos tribunais, o que provoca um atraso significativo em todo o andamento que se deseja o mais rápido possível. Rápido? A maioria dos casos leva seis, sete, oito anos para ser resolvida. Um amigo meu juntamente com a sua mulher requereu há oito anos uma criança para adopção. Em todos os testes e avaliações de que o casal foi alvo a aprovação foi total. O casal tem todas as condições financeiras, e outras, para poder adoptar um filho. Esse casal ao fim de cinco anos esqueceu a pretensão e nunca mais pensou no assunto de poder ter um filho. Felizmente que agora, ao fim de oito anos, a Segurança Social informou-os que tinham um bebé para lhes ser entregue. Foi a alegria mais sentida na vida do casal. Demorou muito, mas neste caso a luz ao fundo do túnel tornou-se realidade e o casal está a viver os dias mais felizes da sua existência. Realmente, quando existe um desejo assoberbado não há ventos e tempestades que façam desistir definitivamente um casal de receber nos braços o que tanto sonhou.

Neste tema da adopção há surpresas. Alguns casais tentam conseguir ter um filho através do método in vitro e mesmo assim nada feito. Mas, surpreendente um dia mais tarde o mesmo casal que tentou por esse método consegue naturalmente que a mulher engravide. Todavia, uma assistente social transmitiu-me que para tristeza de todos que trabalham no seu departamento a mesma mãe após o nascimento de dois gémeos transmitiu que o namorado já tinha desaparecido e que ela estava desempregada e órfã, sem condições para criar os bebés e nesse sentido entregava os filhos para adopção. Dá que pensar. Tal como recentemente uma mãe foi deixar o seu recém-nascido à porta de uma igreja dentro de uma alcofa, bem tratado, bem alimentado, bem agasalhado, com um biberão ao lado e uma carta onde a mãe apelava que alguém criasse o seu filho com muito amor porque ela não tinha a mínima possibilidade. Que raio de país é este em que se apela a uma maior natalidade e depois não existem condições para muitas mães poderem sustentar e educar os seus filhos.=

27 Set 2020

Ai, Portugal, Portugal

 O anti-benfiquismo é político

[dropcap]A[/dropcap]qui em Portugal está tudo a ficar doido. Estou à vontade a escrever sobre o Benfica porque até sou portista. Mas, na verdade a loucura absolutamente anti-benfiquista é uma campanha política porque tem sido ao longo da semana passada um fartote de críticas por parte de políticos destacados e de personalidades que não gostam do primeiro-ministro António Costa. Temos em jogo, sem árbitro, uma panóplia de noticiários radiofónicos e televisivos, já não falando da imprensa, que tem abordado o facto de António Costa e Fernando Medina, presidente da edilidade lisboeta, terem sido escolhidos por Luís Filipe Vieira como fazendo parte de uma lista com mais 498 nomes para apoio à sua futura recandidatura à presidência do clube encarnado. E digo que está tudo doido ao criticarem Costa e Medina quando estas duas personalidades sempre foram sócios do Benfica e convidados a assistir aos jogos na tribuna do estádio da Luz. Então, um sócio de um clube não tem o direito e a liberdade de escolher um candidato? Não pode fazer parte de uma comissão de honra do seu candidato preferido? A demagogia tem imperado nas críticas dos mais distintos quadrantes nas redes sociais. Alvitram os detractores que a o cargo de primeiro-ministro e de presidente de Câmara é incompatível com o apoio a um candidato a presidente de um clube de futebol. Que o candidato Luís Filipe Vieira tem processos em tribunal e dívidas bancárias. Mas o que tem a ver o cu com as calças?

Para sermos sérios temos que concordar que António Costa e Fernando Medina são sócios do Benfica e nessa condição têm acompanhado as vitórias e derrotas do seu clube, vibrado com os golos como os sócios de outro qualquer clube, têm tomado conhecimento das dificuldades em dirigir um clube com a grandeza do Benfica, sabem dos balanços financeiros anuais, ocupam-se com a vida do clube e, talvez, por isso, é que preferem determinado candidato a dirigir os destinos do clube. Se Luís Filipe Vieira tem problemas judiciais, isso é uma questão com os tribunais. Nada tem a ver com a política. Se Vieira na qualidade de candidato à presidência do Benfica escolheu 500 sócios para a sua comissão de honra porque não vieram à baila os outros nomes? Naturalmente, que houve uma intenção de matar dois coelhos com uma cajadada. Assim, os alvos das críticas têm sido Luís Filipe Vieira e António Costa. Vieira porque se tem processos no Ministério Público não tem credibilidade e seriedade para dirigir o clube, com os críticos a esquecerem-se do que diz a lei ao referir que até em julgado todo o cidadão é inocente. Por outro lado, António Costa leva pela medida grossa porque é o secretário-geral do Partido Socialista e é importante para os políticos adversários mancharem a sua imagem o mais possível com a mira de em futuras eleições poderem destroná-lo, esquecendo-se que as sondagens dão os socialistas perto da maioria absoluta.

É óbvio que a proximidade entre a política e o futebol causa sempre polémica, mas neste caso, o primeiro-ministro fez muito bem em afirmar que não tem nada a dizer sobre o assunto porque a sua posição no clube da Luz nada tem a ver com a sua participação política na vida pública. Só que assistimos a posições descabidas e intencionais com o fim de denegrir a imagem de Costa. Acusam-no de promiscuidade, que os negócios do futebol são sujos e ilegais, que se Luís Filipe Vieira está a contas com a justiça também António Costa ao apoiar um dirigente com problemas judiciais passa a ter o mesmo carisma. Nada mais errado. O que tem o primeiro-ministro a ver com contratações ou vendas de jogadores, com obras no complexo do Seixal, com os funcionários do clube que andaram ligados ao mundo da droga, com as pesquisas ilegais efectuadas pelo hacker Rui Pinto? Que eu saiba, nada. Sendo assim, há que ter um pouco de seriedade mental ao acusar-se uma pessoa com um cargo de Estado sem ter os fundamentos legais. Direi mais, sem eu ter qualquer ligação partidária: António Costa teria todo o direito de mover uma queixa-crime contra os principais adversários políticos que deixaram na praça pública a ideia de que o socialista primeiro-ministro era igual ao “vigarista” Luís Filipe Vieira. Há acusações e insinuações intoleráveis. Não pode valer tudo em política e na rivalidade clubística. Quem não for benfiquista deve respeitar o bom nome do clube representado pelos seus directores eleitos. Se não se gosta de um primeiro-ministro e pretende-se efectuar uma luta política, arranjem-se argumentos políticos com veracidade para essa mesma luta. A semana que passou fica tristemente marcada pela demagogia e radicalismo demonstrado por certas facções políticas e desportivas. Portugal não pode continuar a assistir à destruição do carácter sem qualquer lógica de quem ocupa lugares cimeiros no espólio político.

O mais lamentável é que Luís Filipe Vieira acabou por retirar os nomes dos sócios benfiquistas António Costa e Fernando Medina da comissão de honra para a sua recandidatura alegando que a “companha difamatória e ofensiva” contra as duas individualidades e contra ele próprio “está a ultrapassar todos os limites”. Os detractores ganharam o jogo, sem árbitro.

20 Set 2020