Jogo | Cloee Chao pede bónus para trabalhadores

[dropcap]A[/dropcap] Associação dos Direitos dos Trabalhadores do Jogo de Macau, liderada por Cloee Chao, exigiu ao Governo que pressione as operadoras a cederem o bónus do 13.º mês. A posição foi tomada na sexta-feira, com a entrega de uma carta na sede do Executivo.

Apesar de agradecer às seis operadoras do jogo de Macau o esforço na protecção do emprego dos trabalhadores locais em época de pandemia, a associação alegou que este ano já não houve o bónus do Verão e que como “o pior [da crise] já passou”, com sinais de recuperação, as empresas têm capacidade para fazer face a mais esta despesa.

Além disso, Cloee Chao defendeu que “as seis maiores empresas de jogo têm obtido lucros enormes ao longo dos anos, e quanto mais lucros fazem, mais responsabilidades têm de assumir, pelo que deveriam ser consideradas mais responsáveis pela promoção da recuperação económica de Macau e pela manutenção da estabilidade social”.

A associação pediu ainda ao Governo que reconsidere a decisão de não injectar em 2021 as habituais sete mil patacas no Regime de Previdência Central Não Obrigatório. Esta é uma medida extraordinária que está indexada ao excedente orçamental. Como este ano e no próximo ano, deverá haver défices orçamentais, o Executivo suspendeu este apoio social. “Até o orçamento do Governo está no ‘vermelho’ este ano, o que mostra que o impacto da epidemia nas famílias dos cidadãos comuns é ainda maior”, salientou a associação face à necessidade de distribuição das sete mil patacas.

Governo quis obrigar a testes de covid-19 antes de jogos, mas voltou atrás

[dropcap]A[/dropcap] informação foi dada, na sexta-feira à tarde, pelos responsáveis da Associação de Futebol de Macau aos clubes: a partir daquele dia as competições estavam suspensas porque era necessário tratar das formalidades para que os jogadores começassem a fazer os testes de covid-19, com um resultado negativo, nos sete dias antecedentes aos jogos.

Os custos tinham de ser assumidos pelos clubes e a imposição não se limitava às competições seniores, também os escalões de formação tinham de realizar os testes, e pagá-los, para poder haver competições.

Às equipas foi explicado que as novas medidas entravam em vigor devido às orientações dos Serviços de Saúde, que estão a coordenar a resposta à pandemia, e que os jogos ficavam suspensos, com efeito imediato e por tempo indeterminado para haver uma adaptação às exigências.

Com jogos e treinos de várias associações e modalidades em risco, o Governo acabaria por recuar ainda no mesmo dia, através de comunicado. “O Instituto do Desporto informa que, após coordenação com os Serviços de Saúde, reiniciará todas as actividades locais de treinamento e competição a partir de amanhã [sábado]”, podia ler-se no comunicado emitido ao final da noite de sexta.

Segurança e bem-estar

No dia seguinte, Pun Weng Kun, presidente do Instituto do Desporto (ID), reagiu à polémica, à margem da inauguração da exposição Carros do Grande Prémio de Macau, no Tap Seac.

Em declarações aos jornalistas, Pun Weng Kun admitiu que a decisão tinha sido inconveniente para as associações e atletas envolvidos no desporto local, e assumiu que a decisão tinha sido tomada após um consenso entre os SSM e o ID para aplicar as orientações mais recentes de como lidar com a pandemia.

Ainda em relação à decisão que foi revertida no mesmo dia, Pun explicou que o objectivo passou sempre por garantir a “maior segurança e bem-estar” de todos os envolvidos.

Por outro lado, o presidente do ID olhou para o futuro e para as medidas que vão ser adoptadas, deixando antever uma maior flexibilidade das autoridades.

A TAP devia fechar a porta

[dropcap]A[/dropcap] Filomena era linda, tinha treze anos. Loirinha e diziam que era a mais bonita da escola. A miudagem no recreio não a largava e só queria brincar com ela. Cresceu e os anos da adolescência colocaram-na num patamar de espanto. A beleza era invulgar. Um amigo de seu pai disse que a filha poderia ser a modelo mais linda para capas de revistas, e não só. O pai rejeitou logo a proposta e ao dialogar ao jantar com a sua mulher, num dia em que a filha tinha saído com amigos, veio à baila a conversa sobre a beleza da filha.

De tudo um pouco trocaram impressões sobre a filha. O pai preocupado com o curso de medicina que lhe parecia ser a preferência da filha. A mulher respondeu-lhe que devia andar enganado. A surpresa do pai foi total e interrogou-se sobre os gostos da filha que tinha alguns quatro rapazes atrás dela como candidatos a namorados. A senhora depois de terminar a refeição e após o café que não dispensava, virou-se para o marido e transmitiu-lhe: – “A tua filha tem um sonho há muito tempo. Ela só pensa em poder ser hospedeira de uma companhia aérea… ela quer mesmo ser hospedeira!”. O pai ficou atónito e ainda perguntou: – Quer ir para a TAP?”. A interlocutora retorquiu que possivelmente seria na TAP que ela arranjaria lugar, até porque tinha acabado de ser admitida uma amiga mais velha mas muito mais deselegante que a filha.

O pai levantou-se da mesa, pegou num whisky, preparou um charuto, sentou-se no sofá e puxou pelo telefone. Do outro lado da linha estava um amigo que era director na TAP. Falou-lhe no caso da filha e o amigo respondeu-lhe que tomara a TAP ter hospedeiras lindas, altas e elegantes como a sua filha.

O caso estava arrumado e Filomena iria participar, sem quaisquer entraves do pai, no curso para comissária de bordo nas instalações da TAP. No final do curso ficou aprovada com distinção. Durante quatro anos voou para os mais diversos destinos e deixou muitos comandantes e co-pilotos de boca aberta quando ela se juntava às suas equipas de viagem. Filomena teve um filho e como mãe solteira a vida profissional dava para todas as despesas, incluindo uma ama que ficava com o bebé durante as suas ausências.

Na TAP a vida de um trabalhador nunca foi um sossego. A empresa andou financeiramente sempre aos altos e baixos. Os trabalhadores protestavam quando o subsídio de férias ou de Natal não caíam na conta bancária. A TAP atravessou um período liderado por um administrador brasileiro que tinha chagado cheio de fama no sector, como se em Portugal não existisse ninguém que tivesse capacidade para dirigir os destinos de uma das maiores empresas e que, afinal, só apresentava débitos. A perplexidade maior foi a aquisição de novos aviões quando a TAP nem dinheiro tinha para comprar um avião de papel. Ainda me recordo quando na década de 1990 os aviões da TAP fizeram a rota Lisboa-Macau e a China pretendeu negociar uma rota que fizesse escala numa cidade chinesa e oferecia à TAP três aviões dos melhores. Os “chicos-espertos” administradores da altura na TAP negaram por completo a proposta da China e o voo Macau-Lisboa foi por água abaixo, porque afinal era Macau que pagava praticamente tudo.

Entretanto, assistimos a uma privatização sui generis tendo como grandes accionistas o homem rico da Barraqueiro e um “tretas” brasileiro que iam levando a empresa à falência, não fosse o governo estar sempre a “meter” nos cofres da TAP o nosso dinheiro. E o dinheiro nunca chegava para nada, nem para a manutenção, o que alguns mecânicos da empresa consideravam um crime. Recentemente, o governo passou a ter um ministro, que adora ter um Maserati, que praticamente “nacionalizou” a TAP e 2.000 trabalhadores vão para o desemprego.

Filomena chegou a casa a chorar e os pais aterrorizados pensaram o pior, que tivesse sido assaltada e violada. Debalde. A filha sentia o seu sonho a desmoronar-se e tinha quase a certeza que iria ser despedida nesta leva da “limpeza” do homem do Maserati. A TAP só tem tido problemas em diversos quadrantes: são os credores, é o presidente da Câmara do Porto que contesta não existirem rotas a partir da cidade invicta, os trabalhadores só olham para os aviões estacionados em fila junto à pista, já sem lugar para estacionamento. As rotas diminuíram, mas os aviões de outras companhias chegam a Lisboa completamente cheios. Naturalmente, que a segunda vaga da covid-19 levou a Europa a adoptar novas restrições às populações, incluindo a circulação de aviões. Mas a TAP só sabe cancelar voos e a Filomena não voa há três semanas… A TAP é um desgosto nacional e que devia, infelizmente, fechar a porta.

*Texto escrito com a ANTIGA GRAFIA

Travessia do Estreito de Magalhães

[dropcap]A[/dropcap] navegar há um ano no Atlântico, Fernão de Magalhães partira do Sul de Espanha a 20 de Outubro de 1519 com cinco naus e quatro chegavam ao primeiro momento importante da viagem, a passagem do Oceano Atlântico para o Pacífico. O percurso, por estreitos e baías, iniciara-se a 21 de Outubro de 1520, sendo as 110 léguas, de um mar ao outro, todas feitas em território do actual Chile, cujo único ponto de contacto com o Atlântico está nas baías de Posesion e Lomas. Após 36 dias, a 26 de Novembro aparecia o Mar do Sul, assim baptizado o Pacífico em 1513 por Balboa.

Muito do texto que se segue foi construído com base na informação de José Manuel Núñez de la Fuente proveniente do seu livro, Diário de Fernão de Magalhães (Bertrand Editora, 2019).

A cinco léguas da costa, as quatro naus estavam a 52º Sul e apareceu a poente um comprido cabo de terra branca (hoje o Cabo Virgenes, a 52º22’S). Era mais uma baía a explorar, onde entraram a 21 de Outubro de 1520, dia da festa da Virgem e de Santa Úrsula e suas companheiras de martírio, e daí denominado Cabo das Onze Mil Virgens. Num porto resguardado por o cabo ficaram com o capitão-mor Fernão de Magalhães as naus Trinidad e Victoria. Já a Santo António, a maior e mais bem abastecida de mantimentos, comandada por Álvaro da Mesquita e a Concepción, por Duarte Barbosa, foram explorar para Oeste, procurando “um estreito com águas a correr de um lado para o outro”.

Prevendo ali ficar cinco dias à espera dos resultados das pesquisas, aproveitou-se ir a terra fazer aprovisionamentos. Mas ainda nessa noite o vento virou e tão forte estava que obrigou a soltar as âncoras dos barcos, deixando-os a pairar na baía à mercê do vento e correntes. A tempestade levou a temer-se um naufrágio das outras naus, por delas não haver notícias. Apareceram ao quarto dia; a San António não achara caminho, apenas pequenas bocas de mar baixo. Já Duarte Barbosa, cunhado de Magalhães, na nau Concepción, referiu “terem passado uma garganta muito apertada e dentro dela descobriram outra boca, ainda mais delgada, a mostrar ser um estreito, pois navegaram três dias sem encontrar terra que os parasse e quanto mais andavam para Oeste mais caminho tinham por diante” e lançando muitas vezes a sonda não achavam fundo, “parecendo ser maiores as correntes que as minguantes”. Magalhães logo nomeou o estreito de Virgem da Vitória.

A 28 de Outubro partiam as naus em conserva e pela primeira boca avançaram umas léguas até Magalhães enviar a terra um batel com dez homens sob comando do piloto João Lopes Carvalho para do alto do monte tentarem avistar a saída daquela estreita passagem. Depois seguiram, num rumo Nordeste-Sudoeste, pelo meio do canal a evitar os muitos baixios e desembocando do estreito chegaram à actual baía de S. Felipe. Aí navegando de Leste para Oeste, após contornar duas ilhotas de areia entraram numa nova passagem, menos apertada, mas mais torcida, a correr de Nordeste para Sudoeste. Ultrapassada, as naus singraram trinta léguas Sul-Sudeste e virando para Sul num cabo, por o flanco esquerdo avançaram para Sudeste, onde deram com uma grande baía de águas calmas e umas ilhas. Magalhães mediu a altura do Sol em 53º 33’ Sul e como o caminho se abria em dois canais, enviou a Concepción e a San Antonio verificar o de Sudeste.

Estava-se a 8 de Novembro e deu-lhes três dias para ali voltarem a se juntar. No dia seguinte, pelo outro canal partia a Victoria, com Fernão de Magalhães, que após duas léguas encontrou um cabo e junto dele um rio onde fundearam, mesmo sem abrigo para a nau. Aproveitaram para se abastecer de água doce e fresca do rio e de peixe ali abundante, colhendo nas margens lenha, de bom odor ao arder. Ansioso por saber se dali para a frente se abria a passagem ao Mar do Sul, enviou um batel afim de descobrir naquele labirinto o caminho a levar à abertura do estreito. Pelo correr das águas e suas marés eram uns excluídos e outros explorados.

Regressaram a 13 de Novembro, anunciando ter avistado de um monte o final do estreito, pois após um cabo se alcançava um mar largo ao qual não se via fim. Logo uma onda de euforia invadiu a tripulação, que animada navegou as duas léguas para o ponto de encontro com as outras naus. Ali ficara a Trinidad e com ela estava já a Concepción, mas a Santo António desde 8 de Novembro nunca mais fora vista, como relatou Juan Serrano ao noticiar ter explorado por duas vezes o canal, confirmando ser uma baía fechada (a Baía Inútil), e não mais viu a San António, apesar de a ter buscado. Perante a triste notícia, logo à sua procura o capitão Duarte Barbosa, na Victoria retornou todo o caminho até às águas do Atlântico. Estava-se em meados da Primavera e deu para rever a cinzenta paisagem desoladora, rochosa e de pelada vegetação, fustigada pelo vento e neve. Sem encontrar a nau perdida, colocou bandeiras em três montes à vista da costa e em panelas enterradas guardou as cartas do rumo por onde a frota iria seguir. Com isto passaram seis dias parados, desconhecendo estar a San Antonio já a caminho de Espanha, levando preso o seu capitão, o português Álvaro da Mesquita.

Até ao mar do sul

Fazia um mês que exploravam as passagens do presumível Estreito, e a 21 de Novembro estavam fundeados no Canal de Todos os Santos, a 53º e dois terços Sul, à espera do regresso das naus; mas no dia seguinte apenas a Victoria apareceu. Então Magalhães aproveitou questionar todos sobre a vontade de continuar a viagem, ou regressar, . [Carlos I, da dinastia dos Habsburgos, nesse ano, a 23 de Outubro de 1520, fora coroado Imperador do Sacro Império Romano Carlos V.] A maioria apoiou continuar e com víveres para três meses partiram a 23 de Novembro. Rumaram a Noroeste por um largo canal, com muitas ilhotas que não prejudicavam a navegação e a paisagem mudou para uma verdejante vegetação, aparecendo a Norte altas serras com neve nos cumes e se durante o dia não se via viva alma, à noite as grandes fogueiras assinalavam gente. Montanhas em ambos os lados pareciam cruzar-se a encerrar a passagem, aberta lentamente à medida da velocidade do navegar rumo Noroeste. Após algumas léguas, virando a Nor-Noroeste e dando muitas voltas, pela forma labiríntica do estreito, voltaram a seguir para Noroeste e muitas léguas depois, junto a três ilhas, um cabo, baptizado Desejado por Magalhães, cuja altura era de 52 graus e um terço Sul.

O correr das águas dava por fim a certeza daquela ser uma passagem entre os oceanos. Desembocando do estreito a 26 de Novembro, apareceu a bombordo mar aberto e a estibordo, a terra continuava para Norte por onde vogaram dois dias ao longo da costa abrigados dos ventos.

A 28 de Novembro de 1520, o capitão-mor perante o mar calmo e ventos temperados, aos 46º Sul mandou rumar a Noroeste, entrando as três naus pelo Mar do Sul adentro. Perante as calmas águas, Fernão de Magalhães chamou-o de Pacífico.

Sonhar fractal

[dropcap]F[/dropcap]ractais. Às vezes são tudo o que vejo. Interiores e exteriores. Padrões da consciência e do inconsciente. O módulo a coincidir na aparência com o padrão. A parte fracionada e o todo. Padrões: a porta da rua em vidro transparente e a quadrícula envidraçada da marquise das traseiras, como um conjunto de monitores na régie, a seccionar a imagem total. A mesma de onde deitava papelinhos miudamente cortados a voar.
Pergunto-me quais.

São os sonhos que se deixam sonhar, os da infância, talvez. Aqueles que esconjurados se retiram para uma tela luminosa na memória, e, se para sempre, para sempre também estacionados e neutros. Fizeram já todo o mal que tinham a fazer nos seus tempos. E ficaram enraizados como sinal de outros medos – tempos, digo.

Quais piratas ainda intrigantes, como os que subiam pelas noites acima, a quadrícula de vidro martelado das marquises do prédio, sem tontura nem vertigem, armados de sabres nos dentes, não sei já, digo mas não sei já se invento detalhes fílmicos, acrescentados ao sonho de muitas noites sonhado e sobretudo lembrado.

Piratas vindos dos livros onde deveriam ficar quietos nas suas maldades ficcionais. E aquela luz de madrugada, sempre. Marca estilística do olhar dos meus sonhos dentro dos sonhos sonhados. Subiam amarinhando sem dificuldades na estranheza e depressa demais para o medo.

Os sonhos tinham sempre aquela luz das madrugadas. Como se as imagens custassem a ultrapassar as pálpebras fechadas, vindas de fora e se fizessem ver coadas. Ou pelos olhos entreabertos, quando neles assim dormia pela vida fora, talvez desconfiada. Ou sem força muscular para deixar entrar toda a pujança do sono e dos sonhos. Os outros, antes de dormir e de olhos fechados, esses sim, sobre a mansa e dormente quietude da casa. Os bons. E completos e repetidos e bons. Mesmo com angústia em fundo. Lágrimas no outro quarto. Ausências. Gritos anteriores. Não saber o dia a seguir. E tudo a amortecer face à escuridão da casa. Às vezes o ruído da televisão. Menos mal. O incómodo no sonho gerava o conforto de saber que pelo menos. Quando não, era pior. Mau sinal. Mais não saber. Para esses ficava o capitão. Esse Capitão Morgan, a velejar nas Caraíbas, nobre, moreno e aciganado, sem lei mas fiel à coroa. Sem o qual as equipagens selváticas e sem lei, do sonho, amarinhavam pelas quadrículas de vidro martelado das marquises do prédio.

Sem rei nem capitão. Esse, o dos sonhos de olhos fechados e ouvido no quando-o-telefone-toca, na telefonia portátil, aproveitando os intervalos entre as frases para fazer circular o sonho na senda fugaz de uma música boa ou outra. E as viagens a fuga sempre. E na mala o que levar da realidade. De olhos fechados noite após noite, o plano recorrente como contas no caderno quadriculado da pequena vida. Fetiches, lembranças, pequenos tesouros e segredos, coisas assim, escolhidas para a pequena mala.

Um dia deu-me para despejar uma almofada de penas para lavar. As penas sobem espalham-se e agitam-se delirantes e incontroláveis. A rir do saco ingénuo e impotente. Quanto mais tento varrer mais elas se esquivam trocistas. Libertas de um conforto contido de anos.

O passado dá sempre um certo enquadramento ao presente. Às vezes o real é assim, penoso. Ou, sem penas, simplesmente lento e arrastado pelo peso. Curtido de longas conversas em monólogo melancólico rua acima. Levado para casa o fardo do devir, do porvir e do que veio sem mácula, pegada ou registo sonoro.

Carinhosamente, maternalmente, como a um filho subversivo e sofrido. Para deitar na cama e afastar a melena a fazer uma cócega impertinente. Arejar suavemente num sopro de distopia como uma aragem purificadora, mesmo assim. A testa em fogo. Mas ainda assim transportando como um fado ou uma vontade, rua acima, esse corpo, a despojar na cama de ervas e cheiros terapêuticos, a aliviar. A desprender entre os olhos e o pensamento na eminência de um gesto só, ali, uma carícia na testa. Um sopro está tudo bem dorme.

Cheong Kin I, encenadora de “The Dress Looks Nice on You”: “Quero descobrir o mundo da esquizofrenia”

“The Dress Looks Nice on You” [em cantonês, Hoi Vong Seng] é a nova peça de teatro encenada por Cheong Kin I. Escrito pelo dramaturgo taiwanês Chen Hung-Yang, este espectáculo inspira-se na experiência pessoal da encenadora de Macau, que lidou com o vício do jogo do pai, além de abordar o tema da esquizofrenia. Depois de uma leitura pública do argumento em Outubro, a estreia oficial em Macau acontece em Junho do próximo ano, no teatro do edifício do Antigo Tribunal. Entre os dias 19 e 22 de Novembro “The Dress Looks Nice On You” dá um salto a Taiwan

 

[dropcap]F[/dropcap]oi difícil voltar a abordar questões familiares neste novo projecto teatral? Porque decidiu enveredar novamente por este tema?

A família é algo que teve muito peso durante o meu processo de crescimento e amadurecimento. Esta é a segunda peça onde falo da família, depois de “Rua de Macau – Sabores”. Toda a minha inspiração vem do meu pai, porque ele sempre teve e continua a ter impacto na minha vida. Com a família tornamo-nos naquilo que somos enquanto seres humanos. Em “Rua de Macau – Sabores”, conto a história de como o meu pai lutou toda a vida para sobreviver em Macau depois da sua vinda clandestina do Continente. “The Dress Looks Nice on You” parte da minha própria experiência, mas também tem a ver com o meu pai e de como a sua dependência do jogo me perturbou imenso, e ao mesmo tempo contribuiu para me formar como pessoa. Tinha medo que viessem cobradores de dívidas à nossa casa. Isso nunca aconteceu, mas muitas vezes não sabia exactamente quais os barulhos verdadeiros ou aqueles que partiam da minha imaginação. É justamente isso que quero abordar na minha nova peça. Primeiro vem a parte da audição, depois a parte visual. Quero descobrir com os meus espectadores o mundo da esquizofrenia.

De que forma é que vai abordar este assunto?

Nesta peça falamos da esquizofrenia, no sentido em que parece que o passado já passou. Mas não, volta e voltará sempre, sobretudo as coisas infelizes da vida. A minha ambição é discutir mais profundamente este tema, e também a essência do teatro. Numa peça, ou numa qualquer criação artística, estamos a criar mais sofrimento ou a ajudar as vítimas a libertarem-se de tudo isso, quando abordamos estas questões ou falamos destas pessoas? Para mim não é difícil abordar uma questão de família, mas sim criar uma história e transformar a minha própria experiência numa criação artística.

Porquê o nome “The Dress Looks Nice on You”? O vestido tem aqui algum simbolismo especial?

Isso refere-se ao conto “O tio Novelo em Connecticut” [Uncle Wiggily in Connecticut] do escritor americano Jerome David Salinger. Neste conto, a Eloise, uma das personagens, chorou porque lhe foi dito que em Nova Iorque ninguém veste o tipo de vestido que a Eloise comprou. A Eloise pensa que era uma boa rapariga, por simplesmente ter chorado por causa disso. Gosto muito desta passagem. Para mim o vestido está muito relacionado com a diferença de géneros, e também com o processo de transformar um vestido em algo feminino. Sempre associei isso com a socialização no geral. A Eloise encarna uma das personagens da peça, que fica socializada. Mas aqui uso a palavra socialização com a máxima educação. Posso mesmo dizer que esta personagem, na minha peça, é violada socialmente, no sentido em que, enquanto seres humanos, temos sempre de nos adaptar para sermos aquilo que a sociedade quer ou necessita. Não temos escolha na sociedade a não ser que respeitemos as suas regras. Construímos aqui um mundo de ouvido das vítimas de esquizofrenia, pois a alucinação auditiva é um ponto principal da peça.

Quais as suas expectativas em relação à apresentação deste projecto em Taiwan?

Para tentar reconstruir um mundo imaginativo da esquizofrenia o argumento tem 60 fragmentos. Isso não é muito comum em Macau. Por isso, os espectadores de Macau terão de ver toda a peça para conseguir compreendê-la e digeri-la, incluindo as suas personagens.

Há diferenças entre o público de Macau e de Taiwan?

Os espectadores de Macau estão mais habituados a ver algo linear. Mas aqui não estou interessada em criar um ponto culminante para nenhuma história, pois estou a criar uma banalidade da vida que, afinal, nem é algo tão banal. É como, por exemplo, a fantasia sobre o amor, o absurdo da vida, o sofrimento da sobrevivência. Tomo os fragmentos da vida para construir e representar os diversos estados de uma vida banal que todos nós vivemos. Em contrapartida, o público de Taiwan está mais habituado a esta espécie de argumentos. É um público que gosta de reflectir, adivinhar e mastigar o que vê. Isso tem a ver com a educação na ilha, que incentiva e proporciona um pensamento independente.


Porquê a estreia em Macau só no próximo ano?

Por causa da pandemia. Segundo as medidas do Governo, teríamos de reduzir para metade os lugares dos espectadores e depois de dois anos de preparação seria muito frustrante ver um teatro inteiro meio vazio. Se apresentássemos a peça mais vezes iríamos perder dinheiro, para que o público não pagasse mais pelos bilhetes. No período da pandemia fazer teatro tem sido muito difícil e, ainda por cima, as boas peças têm menos visibilidade.

Teme algumas repercussões negativas pelo facto de apresentar peças de teatro em Taiwan, tendo em conta a questão política?

Macau não é o continente chinês e o continente chinês não é Macau. Ainda não temos problemas por cá. Além disso, o que faço não tem que ver com política, por isso nem poderia ser alvo de uma repercussão negativa. Em 2018, quando encenei “A Reunificação das Duas Coreias”, que não tinha a ver com política mas abordava o amor, convidei intencionalmente actrizes e actores de Macau e Taiwan. Os falantes das duas línguas, cantonense e mandarim, sem aprender os idiomas, não se compreendem. Mas isso não tinha que ver com a política. Foi uma maneira para reinventar, de forma criativa, a impossibilidade de comunicação entre os amantes. Macau não é um lugar onde a sensibilidade política tenha destaque, como é o caso de Hong Kong. Além disso, Taiwan é um território muito aberto e abraça todo o tipo de opiniões. Não temos nenhuma pressão política.

Caso de uso irregular de apoios à saúde envolveu 3,2 milhões

[dropcap]A[/dropcap] Polícia Judiciária (PJ) identificou um caso de uso irregular de vales de saúde, que terá custado 3,2 milhões de patacas ao erário público, noticiou o jornal Ou Mun. A situação envolve seis suspeitos.

No ano passado, o Ministério Público pediu à PJ para investigar um caso, que remonta a 2017, e que envolvia a utilização de vales de saúde de uma pessoa que já tinha morrido.

A clínica que recebeu os vales de saúde, localizada no NAPE, aderiu ao programa em 2016 e fechou cerca de dois anos depois. Entre Janeiro e Abril de 2017, esta clínica recebeu um total de 64 mil vales de saúde de 5.794 residentes, que valeram 3,2 milhões de patacas aos Serviços de Saúde. No entanto, os dados da investigação apontam que 1.704 utentes não estavam sequer em Macau no dia da consulta médica.

Os suspeitos são responsáveis de uma clínica e de uma loja de mariscos, um médico de medicina tradicional chinesa e três utentes. Alegadamente, uma loja de mariscos e uma clínica de medicina tradicional chinesa receberam vales de saúde como forma de pagamento, a 70 por cento do seu valor, e posteriormente, venderam-nos ao suspeito associado à clínica no NAPE a 80 por cento do valor. Este suspeito negou o crime, mas o médico da clínica de medicina tradicional chinesa que recebia os vales de saúde admitiu que os revendeu.

Suspeita-se que o responsável da primeira clínica pedia o reembolso aos Serviços de Saúde, depois de comprar os vales de saúde a 80 por cento do seu valor, com a diferença a render 640 mil patacas. As autoridades estimam que haja mais residentes envolvidos, já que a clínica participou no programa de vales de saúde por mais tempo.

Denunciados 509 casos

Os Serviços de Saúde reagiram à divulgação do caso em comunicado, afirmando que o protocolo da clínica envolvida já tinha sido cancelado em Agosto de 2018 na sequência de “diversas irregularidades” na recepção dos vales de saúde. Depois de serem notificados pela Direcção dos Serviços de Identificação, no ano passado, de que havia provas sobre a recepção naquela clínica de vales de saúde de um falecido, os SS denunciaram a situação ao Ministério Público.

Desde o início deste programa de comparticipação, em 2009, até agora, realizaram-se 3.918 inspecções e foram denunciados 509 casos por eventual fraude do erário público ao Ministério Público. Foram cancelados protocolos com 50 profissionais de saúde devido a violações do regulamento, nove deles em clínicas, 36 em medicina tradicional chinesa e cinco em medicina ocidental.

Caso IPIM | Ministério Público recorre da sentença

A instituição liderada por Ip Son Sang já entregou o recurso e procura ver o ex-presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau Jackson Chang condenado com uma pena superior a dois anos

 

[dropcap]O[/dropcap] Ministério Público (MP) recorreu da sentença que absolveu o ex-presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), Jackson Chang, da prática dos crimes associação criminosa, corrupção e branqueamento de capitais. Apesar de absolvido da parte da acusação mais grave, Chang tem uma pena de prisão efectiva para cumprir de dois anos porque foi considerado culpado de quatro crimes de violação de segredo, no âmbito das actividades do IPIM, e três crimes de inexactidão de elementos no preenchimento da declaração de rendimentos.

A decisão foi partilhada pelo MP na sexta-feira: “O Ministério Público já recorreu da sentença para o Tribunal de Segunda Instância”, foi confirmado, numa mensagem por correio electrónico enviada ao HM.

Apesar de não ter havido anteriormente uma posição oficial, a intenção do MP de recorrer do acórdão do colectivo de juízes liderado por Leong Fong Meng já tinha ficado no ar, após o pedido para estender o prazo para apresentação do recurso. O MP não terá sido o único a fazer um pedido do género, que foi aceite, e que fez com que o prazo para apresentação de recursos passasse de 30 de Outubro para 18 de Novembro.

Anteriormente, a defesa de Jackson Chang, a cargo do advogado Álvaro Rodrigues, já havia anunciado que pretendia recorrer da decisão do Tribunal Judicial de Base (TJB).

Outros recursos

Quem também mostrou intenção de apresentar recurso da decisão foi Glória Batalha, ex-vogal do IPIM, condenada a um ano e nove meses de prisão efectiva pela prática de um crime de abuso de poder e dois de violação de segredo.

A ainda funcionária da instituição sempre negou as acusações e para o recurso trocou de advogado, passando a ser representada por Bernardo Leong, quando anteriormente tinha como defensor Pedro Leal.

Entre os arguidos mais mediáticos do megaprocesso consta ainda Miguel Ian, ex-director-adjunto do Departamento Jurídico e de Fixação de Residência por Investimento do IPIM, condenado por sete crimes de falsificação de documento, com uma pena de quatro anos de prisão efectiva. À saída do julgamento, o advogado de Miguel Ian, Jorge Ho, considerou a condenação demasiado pesada e já tinha dito que era muito provável que apresentasse recurso.

Entre as 26 pessoas envolvidas no processo, 19 foram consideradas culpadas e sete ilibadas. Segundo o tribunal, os empresários Ng Kuok Sao e Wu Shu Hua, marido e mulher, criaram uma associação criminosa para vender autorizações de fixação de residência e acabaram condenados com penas de 18 anos e 12 anos de prisão. O cabecilha, Ng Kuok Sao, encontra-se fora de Macau e foi julgado à revelia.

Toxicodependência | Primeira metade do ano com menos 37,1% de casos

O Instituto de Acção Social indica que o número de toxicodependentes registados em Macau entre Janeiro e Junho desceu mais de 37 por cento em relação a 2019. A descida foi atribuída ao impacto da epidemia

 

[dropcap]N[/dropcap]o primeiro semestre do ano foram registadas 117 toxicodependentes no “Sistema de Registo Central dos Toxicodependentes de Macau”, número que representa uma descida de 37,1 por cento em comparação com o mesmo período de 2019, comunicou o Instituto de Acção Social (IAS). A metanfetamina – também conhecida por “ice” – continua a ser a droga mais consumida.

No geral, o “ice”, cocaína e canábis foram os três tipos de droga mais consumidos, e 3,1 por cento do consumo foi intravenoso, mas nenhum envolveu partilha de seringas. As razões de consumo mencionadas dividiram-se entre aliviar a pressão (38,4 por cento) e influência dos pares (19,2 por cento). A média mensal das despesas com o consumo foi de 3.820 patacas, o que representa uma subida de 11,4 por cento em relação ao primeiro semestre do ano passado.

Dos casos registados, 11 eram jovens, representando 9,4 por cento do número total. Para estas pessoas, a droga mais frequente foi a cocaína, seguindo-se a canábis. O consumo por influência dos pares diminuiu para 28,6 por cento.

Os espaços privados continuaram a ser os locais de consumo mais frequente, com mais de 70 por cento realizado em casa, em casa de amigos e hotéis. As discotecas/saunas aparecem como o espaço onde decorre 4,2 por cento do consumo. “Devido ao impacto da epidemia, foi registada, no primeiro semestre, uma queda significativa do número de toxicodependentes”, explicou o IAS. Por outro lado, a nota aponta a necessidade de reforçar a divulgação da lei junto dos jovens, tendo em conta o tráfico transfronteiriço de drogas.

No segundo semestre deste ano, vai haver mais uma instituição a comunicar dados, passando a existir 21 entidades a colaborar. Vale a pena referir que o presidente da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau alertou anteriormente que este sistema não reflecte o universo de consumidores de droga no território. Isto porque se baseia nos consumidores apanhados pelas autoridades policiais e por quem se dirige a instituições e organizações privadas à procura de tratamento.

Postura cautelosa

Na sexta-feira, realizou-se a segunda sessão plenária do ano da Comissão de Luta contra a Droga. Entre Junho e Outubro, o Governo participou em três sessões online organizadas pelas Nações Unidas sobre seis recomendações de ajustamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre canábis e respectivas substâncias. “Relativamente à proposta de ajustamento de controlo da canábis e das respectivas substâncias, a China mostrou-se cautelosa”, diz a nota, acrescentando que a RAEM manifestou a mesma posição.

Uma das recomendações feitas pela OMS no ano passado era retirar a canábis da Lista IV da Convenção Única das Nações Unidas sobre os Estupefacientes, de 1961. Esta lista inclui drogas com propriedades perigosas e um valor médico ou terapêutico extremamente limitado, sendo proibida a sua produção, manufactura ou comércio.

Consulta pública da lei sindical continua sem data marcada

[dropcap]A[/dropcap] prometida consulta pública sobre a lei sindical continua sem dia marcado na agenda. À margem da segunda reunião plenária do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS), Wong Chi Hong, director dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) anunciou que patrões e trabalhadores precisam de tempo para recolher opiniões e analisar a proposta de lei que lhes chegou às mãos.

“Na reunião, ambas as partes expressaram que era a primeira vez que tomaram conhecimento da proposta de lei, que tem uma influência fundamental na nossa sociedade, porque envolve quase todos os residentes de Macau. Por isso, ambas as parte precisam de muito tempo para auscultar as opiniões dos seus membros e depois vamos definir um dia para a consulta pública”, explicou o responsável na passada sexta-feira.

O director da DSAL referiu ainda que, apesar de ser esperado que proposta de lei fosse submetida a consulta pública no terceiro trimestre de 2020, este é “um processo muito moroso”, que implica trabalhos “imensos” e que, por isso, é necessário mais tempo para “processar as propostas” antes de as duas partes apresentarem pareceres escritos ao Governo.

Questionado sobre o conteúdo da proposta de lei sindical, Wong Chi Hong referiu apenas que será estabelecido “um regime de registo de sindicatos bem como um regime de negociação colectiva” e que o Governo “vai tomar uma atitude gradual de autorizar as associações sindicais”.

Também à margem da reunião do CPCS, Chan Chon U, subdirector substituto da DSAL revelou, sem especificar uma janela temporal, que no sector do turismo o organismo registou 13 despedimentos e mais de 50 pedidos de consulta sobre salários e férias.

Chumbos recordistas

Recorde-se que no passado dia 7 de Novembro, a Assembleia Legislativa (AL) chumbou pela 12.ª vez um projecto de lei sindical. O projecto apresentado pelos deputados José Pereira Coutinho e Sulu Sou foi chumbado apenas com sete votos favoráveis.

Um dos argumentos usados por quem votou contra foi o facto de o Executivo ter entregue a sua proposta ao (CPCS) para análise dias antes da votação. Na altura, ao HM, José Pereira Coutinho teceu duras críticas ao desempenho do hemiciclo. “Uma coisa não impede a outra e a AL não deve andar a reboque de um órgão consultivo. Era só o que faltava!”, apontou. Já Sulu Sou disse “lamentar” o desfecho.

Sulu Sou defende suspensão do intercâmbio de professores do Interior da China

Sulu Sou considera que os docentes mais novos devem ser orientados por professores locais experientes e que devem ser definidas regras claras quanto à obrigatoriedade das decisões tomadas por professores do Interior da China. O deputado teme que a sobrevivência do cantonês esteja em causa

 

[dropcap]S[/dropcap]ulu Sou defende que o “Plano de intercâmbio de docentes excelentes do Interior da China para Macau” deve ser interrompido enquanto não estiver garantido que o ambiente educativo local é respeitado e que os critérios de qualidade dos professores externos destacados para Macau estão assegurados.

O deputado afirma mesmo ter recebido diversas opiniões de professores, preocupados com o facto de os docentes do Interior da China virem para Macau orientar docentes locais e preparar materiais didáticos, sem saberem falar cantonês ou sem serem tidas em conta as características educativas específicas de Macau.

“Eles não percebem o ambiente de ensino e as instituições locais. A língua é outro dos problemas, porque, como os professores do Interior da China orientam os docentes de Macau em mandarim durante a preparação das aulas, incentivam à utilização do mandarim”, começou por partilhar na sexta-feira Sulu Sou, num encontro promovido na Assembleia Legislativa.

“O idioma e o conteúdo dos materiais didáticos têm o condão de afectar o desenvolvimento da educação que se pretende que seja diversa em Macau. Sobretudo as aulas ministradas em chinês irão afectar o idioma, porque muitas crianças em Macau não sabem falar cantonês e isso é um sinal de alarme”, acrescentou.

Na óptica do deputado, importa ainda tornar claro aquilo que significa um “docente excelente”, ou seja, assegurar que existem critérios de qualidade, e sejam cumpridos, aquando dos pedidos endereçados pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) ao Ministério da Educação da China.

Além disso, Sulu Sou considera ser necessário clarificar se durante a orientação, “os professores locais são obrigados a seguir as decisões dos professores do Interior da China”, pois actualmente “não é possível distinguir entre o poder e as responsabilidades”.

O deputado aponta também que, tratando-se de uma questão de assegurar a qualidade do ensino ministrado em Macau, que essa orientação fique a cargo dos docentes locais com mais experiência ou até de outras regiões do globo.

“O projecto deve ser revisto. Considero que o Governo deve suspender este plano enquanto não forem corrigidos os problemas identificados. Penso que se querem encontrar professores excelentes para melhorar a qualidade da educação devem focar-se nos docentes locais mais experientes para orientar os docentes mais novos. Penso que trará resultados mais satisfatórios”, rematou.

Preocupações maiores

Sulu Sou mostrou-se ainda preocupado com o facto de uma maior intervenção de professores do Interior poder vir a afectar “a percepção geral dos estudantes sobre a história da China” e que isso pode ter consequências alargadas.

“Sabemos que em Macau temos direito a uma educação autónoma e isso é uma boa tradição, mas temos vindo a enfrentar muitos desafios nos últimos 20 anos após a transição. Existe um risco político, porque a China sempre quis controlar duas esferas: a educação e os meios de comunicação social, porque são elementos muito importantes para potenciar o desenvolvimento da sociedade”, vincou o deputado.

De acordo com um comunicado divulgado na quinta-feira pela DSEJ, o número de escolas que aderiram ao plano de intercâmbio de professores “tem vindo a aumentar, de mais de 20 no início do plano [2008] para 40 no ano lectivo de 2020/2021”. Segundo a DSEJ até ao momento, cerca de 70% por cento das escolas locais já aderiram ao plano.

Defesa da DSEJ

A Direcção de Serviços de Educação e Juventude acredita que os professores do Interior têm experiência suficiente para serem uma mais-valia no apoio à educação em Macau. Em declarações citadas pelo jornal Ou Mun, Lou Pak Sang, director da DSEJ, explicou que o programa de acolhimento de professores do Interior começou em 2008 e que os docentes “de excelência” são escolhidos pelo Ministério de Educação do Interior.

Ainda de acordo com Lou, mais de 200 professores participaram no programa e ao fim de um período entre um a três anos regressaram ao outro lado da fronteira, sem que tenham havido recrutamentos definitivos.

Segurança | Vong Hin Fai não revela motivos de preocupações dos deputados

Vários artigos da proposta de lei sobre o regime disciplinar do estatuto dos agentes de segurança colheram preocupações da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa. Vong Hin Fai, que presidiu à reunião, recusou-se a concretizar o que motivou os receios dos deputados

 

[dropcap]O[/dropcap] presidente da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), Vong Hin Fai, recusou-se a detalhar as preocupações partilhadas pelos deputados na passada sexta-feira, durante a terceira reunião agendada para discutir a proposta de lei do “Estatuto dos agentes das Forças e Serviços de Segurança”.

No final da reunião, após indicar que alguns pontos, como o facto de os agentes poderem ser responsabilizados fora de serviço ou estarem impedidos de apresentar queixas anónimas contra superiores hierárquicos, não são consensuais, na maioria dos casos, Vong Hin Fai escusou-se a revelar as justificações apresentadas pelos deputados.

“Não consigo responder porque a preocupação não é minha. Alguns membros acham que devem ouvir esclarecimentos do Governo e, se não concordam, vão sugerir alterações à proposta de lei e a comissão vai (…) apresentar essas preocupações ao Governo. Se a maioria dos membros não concorda com a proposta de lei, isso será reflectido no parecer. Agora, o porquê de eles não concordarem, não posso responder. Como presidente apenas posso aqui dizer quais foram as preocupações dos membros da comissão”, apontou Vong Hin Fai.

Sobre o artigo que define o que é uma infracção disciplinar, o deputado limitou-se a dizer que alguns colegas estão preocupados com o facto de a proposta de lei prever que os agentes possam ser responsabilizados, mesmo que não estejam em serviço.

Outro artigo que suscitou dúvida aos deputados que compõem a comissão está relacionado com o dever de lealdade, que inclui uma alínea que estipula que os agentes de segurança devem “identificar-se sempre que pretendam formular uma queixa contra alguém, designadamente contra seu superior hierárquico”.

“Se [o agente] apresentar uma queixa anónima (…) as forças e serviços de segurança vão tratar dessa queixa? Se for descoberto quem apresentou a queixa anónima será que vai contra este dever de lealdade (…), sendo instaurado assim um processo disciplinar?”, exemplificou Vong Hin Fai.

Manifesto do manifesto

Contudo, no artigo dedicado aos deveres especiais, onde consta que os agentes de segurança se devem abster de filiação e participação em actividades de associações de natureza política e sindical, Vong Hin Fai revelou que os deputados querem saber onde está a fronteira entre associações de trabalhadores e sindicatos. “Alguns membros têm dúvidas sobre se a natureza sindical é entendida ao abrigo de uma lei sindical ou se trata apenas de associações de natureza laboral. O Governo tem de esclarecer”, apontou.

O diploma define também que os agentes devem abster-se de convocar e participar em manifestações políticas, excepto se estiverem descaracterizados e na assistência.

Vong Hin Fai revelou ainda ser necessário esclarecer o artigo sobre o “dever de assistência e informação”, acrescentado à proposta de lei, nomeadamente quanto aos limites da sua concretização. “Este é um bom artigo e os deputados concordam, mas o agente não é um super-homem. Como deve ser entendido este conceito de estar ao seu alcance e como é que o agente vai cumprir este dever?”, questionou o deputado.

Obituário | Mio Pang Fei, pintor e professor de artes, faleceu sexta-feira aos 84 anos 

Mio Pang Fei, expoente máximo da pintura em Macau e do chamado neo-orientalismo, faleceu na sexta-feira com 84 anos. A morte do homem que ensinou uma geração de novos artistas a partir da década de 80 e que revolucionou o mundo das artes de Macau encerra uma era na arte contemporânea, considera Alice Kok. Várias personalidades do mundo artístico falam da “sorte” que Macau teve em acolher Mio Pang Fei

 

[dropcap]“A[/dropcap] arte é inútil, mas os trabalhos artísticos são úteis.” É desta forma, sentado num carro, olhando Xangai, a sua cidade natal, que Mio Pang Fei fala da sua percepção do que é arte, filmado pela lente de Pedro Cardeira. Dono de uma carreira imensa no mundo das artes, percursor da arte contemporânea em Macau, Mio Pang Fei faleceu na sexta-feira aos 84 anos, segundo fonte da família à TDM Rádio-Macau.
Considerado o pai do neo-orientalismo, o seu traço único serviu de inspiração a uma geração de pintores, além de que o seu ensino das artes deixou uma marca que jamais se apagará.

Ao HM, Alice Kok, pintora, curadora e presidente da associação AFA – Art For All Society, considera que a morte de Mio Pang Fei representa “o fim de uma era”. Agora virá uma outra coisa, resta saber o quê.
“Mio Pang Fei foi, sem dúvida, o artista mais importante na fase da formação da arte contemporânea em Macau, que começou nos anos 80. Macau teve muita sorte em ter tal artista e professor de artes.”

Mas não foi só Macau que ganhou com a chegada de Mio Pang Fei. O próprio artista descobriu um lugar onde pôde pôr em prática todas as experimentações e dúvidas que tinha sobre o que era arte e qual o caminho que deveria seguir enquanto artista.

Nascido em Xangai em 1936, Mio Pang Fei estudou na Universidade de Belas Artes de Fujian, tendo-se dedicado à caligrafia chinesa. Era a única forma de escapar e de se manter ligado ao mundo das artes, numa altura em que o artista já pensava de maneira diferente. Mio Pang Fei chegou a ser acusado de práticas contra-revolucionárias por demonstrar um grande interesse no modernismo que se fazia no Ocidente. Esteve preso e sujeito a trabalhos forçados.

“As pessoas brindavam e desenhavam o Presidente Mao. Mas eu estava a fazer algo diferente. Destruí os quadros porque não podia mantê-los, tinha muito medo. Estava a pensar em qual caminho deveria seguir. O Ocidente já tinha abraçado a arte abstracta. Fizeram-no muito bem, mas nós não”, disse Mio Pang Fei sobre este período, no documentário de Pedro Cardeira.

Alice Kok dá conta dessa liberdade criativa que Macau proporcionou a Mio Pang Fei. “A arte contemporânea começou a ganhar forma em Macau nos anos 80 e foi nesse período que ele experimentou muitas ideias ligadas ao modernismo, a ligação entre o Ocidente e o Oriente, e depois de muitos anos de experimentação chegou ao novo orientalismo. O território precisava de Mio Pang Fei. Ele veio da Revolução Cultural e em Macau pôde experimentar as suas ideias sobre a arte. Fez isso com tal energia que se abriu uma porta para o público, estudantes e jovens artistas.”

Uma das últimas entrevistas que deu, provavelmente a última, foi em Abril deste ano à TDM Canal Macau, no âmbito de uma reportagem intitulada “A China Vermelha”. Nela, Mio Pang Fei volta a recordar os seus tempos de estudante de belas artes.

“Quando estudava na universidade, aprendemos o Realismo de [Gustave] Courbet. Courbet foi o autor introduzido pelo professor. Só isso. E eu pensei ‘isto não está certo’. Disse que Courbet esteve activo em meados de 1850. Estava na universidade na década de 50, então fui à biblioteca ler e investigar, para ver o que aconteceu nesse século. Secretamente li sobre eles, tirei notas e comecei a experimentar.”

O início de algo

Sorte e “benção” são outras palavras usadas para descrever o trabalho e vivência de Mio Pang Fei no território. Konstantin Bessmertny, pintor russo radicado há vários anos em Macau, disse à TDM Rádio Macau que “Macau foi abençoado por ter tido Mio Pang Fei”.

“Era difícil comunicar com ele por causa do meu chinês e do inglês dele, mas senti que era um dos pilares do edifício cultural de Macau. Mas ele trazia uma espécie de saber oriental, a sua técnica, a dimensão, a escala, a apresentação”.

Carlos Marreiros, arquitecto, artista plástico e ex-Presidente do Instituto Cultural, disse também à TDM Rádio Macau que Mio Pang Fei foi pioneiro por “misturar expressões tradicionais chinesas e contemporâneas ocidentais renovando um discurso de uma contemporaneidade assinalável para a época e ainda com força hoje em dia”.

Marreiros recordou o facto de Mio Pang Fei ter fundado o Círculo de Amigos da Cultura de Macau, juntamente com outros artistas do território, tendo deixado um “legado muito grande”.

“Ele foi um combatente no sentido das ideias e da formação artística porque era uma pessoa extremamente pacífica, serena, inteligente, extremamente culto”, acrescentou Marreiros, que considera que Mio Pang Fei deve ser considerado um pintor de Macau, apesar de ter nascido na China.

“Ele está em Macau desde 1983. Gosta de Macau, assume Macau, representou Macau em tantas exposições e ele adorava Macau assim como Portugal onde tinha casa e ia sempre que podia”, disse.

A Bienal de Veneza

A última grande exposição de Mio Pang Fei em nome próprio aconteceu no Galaxy, em 2012, mas em 2015 foi seleccionado pelo Museu de Arte de Macau (MAM) para representar Macau na 56.ª Bienal de Veneza. Filipa Queiroz, à data jornalista da TDM Canal Macau, entrevistou Mio Pang Fei na cidade italiana.

“Quando o encontrei lá, junto a uma das suas instalações, a que representava o período da Revolução Cultural, o brilho nos seus olhos aliado ao orgulho de toda a família e comitiva em volta era absolutamente comovente. A entrevista em si foi curta porque, além de discreto, Mio Pang Fei acusava cansaço da viagem, mas disse logo que, apesar de não sair da China há muito tempo, e estando debilitado em termos de saúde, não podia faltar”, contou ao HM.

Filipa Queiroz recorda também que Paolo Baratta, presidente da Bienal de Veneza, “não escondeu o entusiasmo” pelo momento. “Lembro-me que disse que Macau tinha realmente acertado com a exposição do ‘grande maestro’ na maior mostra internacional de arte do mundo. Para mim Mio Pang Fei personificava as ideias de força e liberdade e acredito que perdurem para sempre na sua obra.”

Pedro Cardeira, realizador do documentário sobre a vida e obra de Mio Pang Fei, conheceu o pintor e professor em 2010. Com ele criou uma relação de amizade graças à proximidade entre famílias, uma vez que o seu cunhado foi aluno de Mio Pang Fei.

O realizador recorda o facto de ele “conhecer a arte ocidental tão bem como a arte chinesa”. “Mio Pang Fei surge num contexto muito especial, no início dos anos 80, quando Macau começou a ter uma transformação e abertura para as artes. Os artistas de Macau eram ainda amadores e quem queria fazer alguma coisa tinha de sair de Macau. Não havia uma escola de artes, um movimento, e a vinda de Mio Pang Fei para Macau veio criar isso”, frisou ao HM.

A rodagem do documentário foi feita em Xangai, onde Mio Pang Fei esteve com amigos que também sofreram as consequências da Revolução Cultural. Só depois desse convívio é que o pintor ganhou “coragem” para contar a sua experiência para a câmara.

“Foi muito difícil ele falar desse período. Não queria fazer um documentário sobre a Revolução Cultural, mas insisti porque isso foi muito marcante na obra dele, foi traumatizante, mas afectou todo o seu percurso em Macau. Quando ele fez a exposição ‘A Condição Humana’ é evidente que está lá esse episódio da vida dele”, destaca Pedro Cardeira.

Por ter iniciado um movimento novo numa época específica, será difícil que algum artista venha a substituir ou a criar um legado tão importante como o de Mio Pang Fei, aponta o realizador. “É difícil vir outro artista que consiga chegar a esta posição, porque o contexto já vai ser diferente. Isso faz com que Mio Pang Fei seja único”, conclui.

Em 2017, Mio Pang Fei recebeu a medalha de mérito cultural atribuída pelo Chefe do Executivo de então Chui Sai On.

Querido Mio

[dropcap]8[/dropcap]4. Já não sei o que aconteceu para que daquela tarde não tivesse nascido um texto. Não sei em que ano foi, mas sei que aconteceu numa sexta-feira, uma sexta-feira à tarde, de muito calor. As usual. A ideia era ir e ali ficar uma hora. Lembro-me que essa hora levedou para quatro.

Lembro-me de entrar e de pensar na invulgaridade da situação: não são muitos os entrevistados que abrem as portas de casa, sobretudo quando não nos percebemos. Erro, essa coisa do entendimento ou da falta dele. Perceberia depois.

Naquele momento, o momento inicial, ele queria falar-me dele, mas antes queria que visse as outras paredes da casa, aquelas que eram feitas pela companheira de uma longa travessia. Ele sabia que me faltava esse contexto e carregou-me de livros, fez-me olhar para as outras cores.

E depois veio a vida, a vida toda de um homem único. O homem que pintou e destruiu muito daquilo que pintou só para poder continuar a sobreviver. A infância, a adolescência. O pai, a Xangai dele, a partida da Xangai dele. A vida a transformar-se porque o país onde nasceu não o deixou ser quem queria ser. Os livros de fora que contemplava às escondidas. Os desenhos que fez às escondidas. A arte como um crime, a arte como libertação, a arte que o manteve em pé, em linha recta.

Eu sentada numa ponta do sofá. Ele na outra. Eu a falar numa língua. Ele a responder noutra. Um tradutor pelo meio, um miúdo simpático, a olhar para o relógio e a ver o dia a passar. E eu a perceber o sentido das coisas apesar de me afogar facilmente num idioma que me continua a ser estranho. Eu a pensar que, apesar dos milhares de quilómetros de distância, entre aquele homem e o meu pai só os separava o orientalismo e mais umas quantas coisas de pormenor. Tinham idades aproximadas, a mesma forma de cruzar a perna e a mesma forma pausada de falar. E um passado de amarguras engolidas para salvar a pele. Eu a pensar que as pessoas podem ser todas muito o mesmo, apesar de serem todas inacreditavelmente diferentes.

Ele já não pintava grandes telas. Mas continuava a pintar grandes quadros. E continuava a emocionar-se quando se recordava do quanto chorou quando finalmente aterrou em Paris e viu, numa parede, o que durante muitos anos decalcou às escondidas. Para aprender das artes dos outros.

No ano em que eu nasci, ele, do outro lado do mundo, percebeu que a espera tinha sido em vão. Pouco depois, pegou nas malas e saiu. Macau era, nos planos originais, um stop over, mas acabou por ser mais, houve quem tivesse tropeçado nele, neles, naquele casal de pintores, naquele homem que reinventou a arte porque a pintou por dentro. Dizem que é o pai do neo-orientalismo.

O tradutor, o miúdo simpático, já se havia impacientado e não esperou pela boleia de regresso, despediu-se e apanhou um autocarro. Ele disse-me para ficar mais um pouco. Bebi um chá e ouvi-o falar. Saí dali atordoada e na rua fazia calor, tanto calor. Uma hora que foram quatro e há momentos em que certas páginas são para ficar em branco, por ser impossível escrevê-las. Às tantas foi por isso que não escrevi.
Desculpe, querido Mio, devo-lhe um texto. Querido Mio.

Maria João Vaz, actriz e artista plástica: “Sinto-me mais feliz do que nunca”

Maria João Vaz, actriz e artista plástica, nasceu num corpo de homem com o qual nunca se identificou. Manteve o seu lado feminino em segredo durante a maior parte da sua vida, mas aos 56 anos de idade teve a coragem de se assumir finalmente como mulher

 

[dropcap]C[/dropcap]om que idade começou a sentir que era uma mulher num corpo de homem?

Olhando retrospectivamente para a minha vida, o primeiro sinal de alguma coisa fora do comum, foi aos 5 anos. Sei exactamente a idade porque frequentava a pré-primária. Eu gostava imenso de trocar de sapatos com as minhas colegas de aula… era uma sensação indescritível… um prazer enorme e desconhecido. Aquela escola era péssima, havia vários castigos, levar reguadas na mão, ficar virada para um canto, e havia um castigo para os meninos, em particular, quando se portavam mal: vestiam-lhes um bibe de menina cor de rosa que formava uma saia com um laço atrás e uma fita no cabelo, e faziam-nos subir para cima da mesa. Era suposto ser a suprema humilhação, mas para mim não era, para mim era muito prazeroso. Nos verões com um amigo, fazíamos espectáculos para os nossos pais e irmãos, vestidos com roupas da minha mãe, com brincos de mola, malinhas e maquilhagem…, nós gostávamos imenso. Depois, não me lembro – se calhar é um recalcamento qualquer…

Deixou de fazer isso?

Sim, a partir de uma certa altura deixei de fazer isso em público e passei a fazer em privado. Com roupas das empregadas lá de casa, com as roupas da minha mãe, sentia-me muito bem, mas não havia qualquer consequência. A questão é que naquele tempo – estamos a falar do início dos anos 70 – não havia informação nenhuma, não se ouvia falar de homossexualidade nem de outras sexualidades. O meu pai era uma pessoa um bocadinho machista e o meu irmão mais velho, que era o meu “role model”, era um cowboy, um conquistador, o rei dos skates, do surf e o meu protetor, mas apesar de eu o amar muito, ele tinha uma atitude agressiva para tudo o que era relativo a homossexualidade, que eu – apesar de não me identificar – sentia-me magoada. Para mim era claro que o que eu fazia secretamente não era normal e era condenável, e pronto…toda a vida mantive uma vida paralela em que me assumia como mulher em privado. Levava coisas para a casa de banho às escondidas da família, ou vestia-me dentro da cama – eu dormia com mais 2 irmãos no quarto – e vestia-me dentro da cama e assim ninguém sabia. Agora, eu conscientemente, não sabia o que aquilo significava. Achava que era uma pessoa estranha, uma pessoa esquisita e que mais ninguém era assim, por isso nunca me abri com ninguém e fui sempre uma pessoa muito frágil e sensível, nunca gostei de confrontos … como o dinossauro do Toystory (filme da disney) “i don’t like confrontations”. Quando fiz o meu “coming out” as pessoas disseram “nunca imaginámos, nunca houve qualquer indício”, isso significa que fiz um bom trabalho para me proteger e manter tudo secreto.

Namoradas?

A minha primeira namorada, é a mãe das minhas filhas. Mas apesar de ter sido namorado dela e de termos casado nunca deixei, por um momento, a minha prática de Cross-dressing e desejar não ter o que tinha entre as pernas, apesar de ter 3 filhas. Estive sempre muito presente na vida delas, os biberões, as fraldas, os banhos, o adormecer, o acordar, o vestir e despir, na grande maioria das vezes era eu que tratava disso. Gostava muito de ter sido mãe. Percebi cedo que havia uma grande incompatibilidade emocional com a minha parceira, mas tinha 3 filhas que dependiam emocionalmente de mim, e a coisa foi-se arrastando. Nunca imaginei ser uma pessoa que se divorciasse ou que alguma vez me fosse assumir como mulher transgénero.

Também não havia muita informação.

Pois. Com o aparecimento da internet comecei a ver coisas, a informar-me. Ainda casada, a disforia era tanta, que mesmo com pouca informação comecei a medicar-me, mas depois tive medo pela minha saúde e parei. Comprava todo o tipo de coisas na net que me tornassem mais feminina. Foi um processo muito lento. Às vezes, preparava-me, pegava no carro e ia meter gasolina ou comprar qualquer coisa, e falava com as pessoas que me recebiam e atendiam como mulher. Uma vez fui de carro até Madrid fazer um workshop com a directora de casting Sara Bilbatua. Completamente “en femme”, pus gasolina, fiz check in no hotel… eu sentia-me no paraíso. Só que depois havia sempre um complexo de culpa, uma negação. Sempre. Deitava tudo fora. Depois voltava a comprar. E voltava o complexo de culpa. Nunca percebi efectivamente o que tudo aquilo queria dizer, o que de facto significava. A frustração, o desespero colocavam-me num beco sem saída, tive inclusive uma série de ataques de pânico, tendo um deles acabado no hospital. Percebi que não podia continuar em casa, tinha de sair e mudar as coisas.

E saiu?

Saí.

E quando se assumiu como mulher Trans?

A minha epifania deu-se entre 2017 e 2018, consultei aliás psicólogas especializadas que confirmaram o que subitamente se tornou claro. O meu “coming out” para as filhas foi na Primavera de 2019 e para o resto da família no fim do Verão de 2019. Para o mundo, foi dia 3 de Agosto deste ano, depois de um ano de tratamento hormonal e de um confinamento que veio em boa hora para me dar tempo de adaptação e desenvolver a minha auto-confiança.

É muito recente.

Sim, e o confinamento deu-me imenso jeito porque o meu corpo foi-se modificando sem olhares indiscretos.

Como é que a sua família reagiu?

As minhas filhas reagiram bem… se é o que eu quero e me faz feliz. Elas apoiam-me e querem o melhor para mim, são as minhas melhores amigas.

Há uma grande falta de informação sobre as pessoas transgénero e é muito comum pensar-se – no seu caso – que são pessoas homossexuais que gostam de se vestir de mulher. A identidade de género é erradamente confundida com a orientação sexual.

Exactamente. A identidade de género é o sexo com que uma pessoa se identifica, no meu caso é o feminino. A orientação sexual diz respeito ao sexo que nos atrai emocionalmente e fisicamente. Se eu me sentir atraída por mulheres transgénero ou cisgénero, serei lésbica, se for por homens trans ou cis serei heterossexual, se gostar de homens e mulheres trans ou cis ou não binárias, ou intersexo, serei pan-sexual, há muitas definições.

Já encontrou alguma dificuldade no seu dia a dia como mulher?

Não. Até estou muito bem impressionada com as pessoas. Tive algum receio de me cruzar com os vizinhos e algumas pessoas do bairro mais radicais, o que me causava alguma apreensão, mas as minhas filhas respondiam a esse receio com “oh pai, isso pode acontecer nas primeiras semanas, mas depois vão habituar-se e já não vão ligar nenhuma”, e tinham razão. Já ouvi umas bocas, como qualquer mulher ouve, de grupos de homens que passam de carro, mas sem drama. Claro que a violência acontece, e em países como o Brasil e os Estados Unidos, dezenas de mulheres trans são assassinadas por ano, especialmente afro descendentes.

Há uma resistência nas pessoas em geral em aceitar e compreender a igualdade de género e ainda mais as escolhas de identidade de género.

Infelizmente isso é verdade que existe, no entanto felizmente ainda o não senti na pele. No microcosmos que é o meu prédio, onde vivem pessoas de origem social e profissional completamente diferentes, houve uma recepção calorosa e encorajadora. Talvez eu tenha uma vantagem porque as pessoas sempre me viram na televisão, nas séries ou nas telenovelas, habituaram-se a ver-me transformada, cabelos, bigodes, barbas se calhar acham que é mais uma personagem … não sei. Eu já lhes disse…”agora é assim, e chamo-me Maria João”. E recebo muita simpatia. Sempre nos demos bem e continua assim.

Como olha para o seu passado como homem?

Está morto, essa pessoa já não existe. Não gosto de contemplar a minha imagem, o meu invólucro antigo, causa-me desconforto e não me reconheço. É muito estranho porque olho para uma fotografia e parece uma pessoa muito mais velha do que eu…é passado sim, mas é uma pessoa mais velha. Porque eu sinto que fui transportada para 20 ou 30 anos para trás… há quem diga que as hormonas produzem uma segunda puberdade, talvez seja isso, sinto-me renascida.

Quais as diferenças entre antes e depois? Se é que há diferenças?

Houve uma transformação física e também psicológica, as hormonas têm certamente alguma coisa a ver, se eu era sensível, agora estou ainda mais. A percepção do mundo é diferente, o toque, os cheiros, o gosto pessoal das artes em geral sofreu também alterações, na música, no cinema, etc. Por outro lado sentindo-me liberta, muitas facetas que estavam encerradas em mim, podem agora expressar-se livremente, as outras pessoas notam-no mais do que eu, no fundo sou como sempre fui mas assumidamente, não há nada a esconder. Sinto-me feliz como nunca. Houve um momento marcante para mim, o momento em que me encontrei cara a cara com outra mulher trans, foi um dos dias mais felizes da minha vida, uma sensação indescritível de identificação e pertença, porque tudo o que tu dizes a outra pessoa e ela te diz a ti é instantaneamente compreendido como por mais ninguém. Há uma ligação fortíssima.

Assusta-a o crescimento dos discursos de ódio dos partidos populistas de extrema direita?

Em Portugal, no “país dos brandos costumes”…  as pessoas são pouco interventivas socialmente, mas são dissimuladas e violentas nas redes sociais. Há pouca iniciativa cívica de lutar pelos direitos humanos. E agora temos este novo deputado que apareceu (André Ventura) que diz à boca aberta o que muita gente diz à boca fechada. Foram fenómenos destes que levaram ao poder o Trump e o Bolsonaro, e a comunicação social tem alguma responsabilidade porque lhes dá cobertura, é vendável. Esse deputado aproveita a ignorância e o medo, e recorrendo a um discurso demagógico tenta ganhar dividendos dessa massa anónima e aparentemente descontente para levar a cabo a sua estratégia de perverter o sistema, afirmando coisas como “os imigrantes e os refugiados vêm tirar-nos o emprego”; “os gays e as lésbicas vão estragar as nossas famílias”.

A teoria do medo.

Sim, houve uma crise recente e as pessoas arranjam bodes expiatórios e esses partidos aproveitam-se do descontentamento da população e é nessas áreas problemáticas, entre aspas, que vão buscar os votos porque é a teoria do medo, exactamente. Manter o povo ignorante, manter as pessoas assustadas e depois aparecem como protectores. As pessoas dedicam cada vez menos tempo aos filhos, as crianças são educadas com Ipads e telemóveis …é a cultura do espectáculo, a teoria do medo e a teoria do desconhecido, porque a percentagem de pessoas no mundo e em particular em Portugal que conhece alguém transgénero é diminuta, porque nós somos poucas, somos menos de 1 por cento da população.

Acredita que chegará a altura em que ser mulher ou homem não passará pela genitália mas apenas pela sua identidade? Em que os direitos humanos são respeitados independentemente da opção de cada um?

Vamos acreditar nisso. Eu quero acreditar nisso.

ENTREVISTA Teresa Sobral
FOTOS Inês Oliveira

Plano Director V – Da Morfologia Urbana / O espaço canal

[dropcap]E[/dropcap]m morfologia urbana importa tanto o que se concretiza, com as características e os atributos do que se concretiza.

A tipologia urbana de espaço canal é caracterizada por um território rasgado por artérias onde os humanos circulam socialmente nas suas diversas formas de locomoção e de interacção urbana.

A fronteira desses espaços constitui o limiar entre o público e o privado, e o mesmo significa territorialidade, segurança e privacidade.

Naturalmente as configurações que disso podem resultar são diversas e as variações constituem manifestação cultural.

Efectivamente, no espaço mediterrânico, o limiar desses canais era tendencialmente murado, e ainda é, independentemente de a edificação privada se estender, ou não, até esse limite.

Disso resultava resguardo da luz, da territorialidade e da privacidade, senão mesmo contenção da ostentação privada que não era bem vista, sendo isso o que ainda persiste nas culturas a sul e a este do Mediterrâneo.
Assim, as construções tinham poucas portas e janelas que dessem directamente para o espaço público, e tinham cortinas necessariamente.

Aí, o espaço público era estritamente o necessário, porque não era de fácil manutenção, e nem sempre claro se o mesmo era de todos, ou antes, se era de ninguém.

Foi também essa uma tradição que emergiu de densidades populacionais mais altas, i.e. onde a vida humana estava organizada em regimes de grande concentração e proximidade, numa cidade que representa o território em torno, e que se dedica a actividades predominantemente de entreposto comercial.

Se nos distanciarmos desta realidade urbana ocidental, que sequer é estranha à oriental, e se progredirmos na direcção das tradições do norte europeu, que são as mesmas que proliferaram do outro lado do Atlântico, ao norte do continente americano, aí as ruas não são muradas sempre que a construção não se estende até ao limiar da rua, o espaço público abunda em climas onde é mais fácil manter estruturas de verde ambiental, e facilmente gera paisagem natural. É também uma tradição que emergiu de densidades populacionais mais baixas, onde poucas são as ruas que têm actividades comerciais.

Aí, as construções já precisam de captar luz, as janelas são maiores e não se correm cortinas.
Nos países de religião predominantemente protestante, correr cortinas é antes visto como encobrimento de algo que não é socialmente aceitável.

Em verdade, circular à noite nas ruas de uma cidade holandesa, onde abundam edifícios com habitação no rés-do-chão, a tentação de um estrangeiro é mesmo olhar para os interiores das casas.

E de tudo isso chegam ainda manifestações dispersas aos nossos dias, tais como, quando alguém responde a um anúncio de uma propriedade em Portugal, a primeira pergunta que faz é se está murada. Ou a avó que visita a casa dos netos na Holanda e vê as cortinas corridas, a primeira coisa que faz é abri-las, por causa do que os vizinhos possam pensar.

Em verdade, as dispersões das semelhanças destas tradições foram no passado mais em torno de um mar, de um rio, ou de um canal.

Resulta por isso curioso que, no passado, os humanos já estiveram mais próximo de poderem ser nacionais de meios hídricos, nas margens dos quais se fixaram, do que dos territórios continentais que a partir dessas margens se estendiam.

E tudo teve a ver com os caminhos que se percorriam, dos quais o caminho pelo meio hídrico já foi o mais fácil e o mais público.

As tradições urbanísticas ocidentais do sul e do norte, muito embora norteadas pelo mesmo modelo clássico de urbanização, resultaram de diferentes densidades demográficas, onde numa, a escassez era mais a edificação, e noutra, a escassez era mais o espaço público.

Foi a revolução industrial que veio homogeneizar essas diferentes demografias urbanas do mundo ocidental e, no final do séc. XIX, a ocupação dessas cidades já se caracterizava na generalidade pelo aproveitamento do solo com construção até aos limites do espaço privado.

Assim, o espaço canal, formado principalmente por ruas (os segmentos), mas também por praças (os nós), definidos pelos seus planos marginais (o alinhamento das fachadas dos edifícios), passou a ser a modalidade mais generalizada de definição do espaço urbano.

Em verdade, o território urbano onde a construção esporadicamente se elevava, passou a ser toda igualmente elevada, apenas esporadicamente perfurada no miolo do domínio privado por pátios ou saguões, para ventilação e entradas de luz, e rasgada no domínio público por fundos canais onde toda a vida social se concentrava e acontecia, fosse nas rotinas diárias, como nas ocasionais, fosse para ligações distantes ou próximas.

As ruas passaram a ser o suporte mais elementar de toda a organização social e económica urbanas, às quais os residentes da cidade pertenciam como a uma nação, da mesma forma como já tinham pertencido no passado a um mar, um rio ou um canal.
Continua…

A multiplicidade da História

[dropcap]D[/dropcap]epois de anos de trabalho árduo, a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) concluiu os trabalhos de publicação de um conjunto de 12 volumes da versão piloto dos materiais didácticos de “História”, do ensino secundário de Macau, compilados pelo Instituto de Curricula e Manuais Escolares da Imprensa para a Educação do Povo da China. Segundo os dirigentes da DSEJ, mais de 90 por cento das escolas de Macau usam estes materiais didácticos. A Imprensa para a Educação do Povo vai trabalhar em conjunto com a DSEJ para completar a tradução para inglês e publicar as versões em inglês e português dos materiais didácticos de “História”. Espera-se que estejam disponíveis para as escolas em 2021.

Não existem quaisquer dúvidas sobre as capacidades da Imprensa para a Educação do Povo da China. A DSEJ também criou a Comissão de Apreciação para emitir pareceres sobre a versão piloto dos materiais didácticos de “História”, compilados pela Imprensa para a Educação do Povo, por isso estes manuais não deverão conter qualquer tipo de erros ou sofrer qualquer género de omissões. No entanto, a edição, publicação e distribuição ficam inteiramente a cargo da Imprensa para a Educação do Povo, estando obviamente a cargo dos seus funcionários o trabalho de compilação dos materiais. Com base na sua formação académica, irão inevitavelmente adoptar uma abordagem materialista da História, o que é naturalmente compreensível. Mas os estudantes e os professores devem ter consciência de que os manuais de História não são a própria História, sendo apenas um dos meios que nos permite compreendê-la. Desta forma, será mais adequado encarar a versão piloto dos materiais didácticos de “História” como uma das muitas opções a que as escolas têm acesso para o estudo desta disciplina. Na medida em que 90 por cento das escolas de Macau adoptaram a versão piloto dos materiais didácticos de “História”, podemos depreender que estas instituições em geral apoiam de forma entusiástica a DSEJ.

Um dos objectivos do estudo da História é a procura da verdade. Autores com diferentes perspectivas da História podem ter interpretações diferentes dos factos e é difícil decidir qual é a melhor. Tal e qual como o pato à Pequim e o pato à Cantão, cada um com o seu sabor particular e cada um com os seus apreciadores.

Como tal, é difícil assinalar quais os prós e contras da versão piloto dos materiais didácticos de “História”, compilados pela Imprensa para a Educação do Povo. Mas, enquanto cidadão que vive em Macau, numa região onde vigora o princípio “Um País, Dois Sistemas”, permito-me dar a minha opinião sobre os conteúdos da versão piloto dos materiais didácticos de “História”.

Por exemplo, na versão piloto dos materiais didácticos de “História” para o 3o ano de ensino secundário geral, dedicado à “História Mundial”, a legenda da foto do Muro de Berlim diz o seguinte, “Em 1961, a Alemanha de Leste criou um bloqueio militar em torno de Berlim Ocidental para impedir a saída dos cidadãos nacionais e impedir a invasão dos valores do Ocidente. Este bloqueio veio a dar origem ao “Muro de Berlim”, que se veio a tornar o símbolo da divisão da Alemanha”. A frase “saída dos cidadãos nacionais”, tem uma conotação diferente da habitualmente usada, “deserção dos cidadãos nacionais”. Ao usar a palavra “saída”, é difícil de compreender porque é que quase duzentos alemães de leste perderam a vida enquanto tentavam escalar o Muro. “Muro de Berlim” em chinês, grafa-se“柏林圍牆” (Muro de Berlim serve para encerrar/ separar), o termo usado na versão piloto dos materiais didácticos de “História” é “柏林牆” (Muro de Berlim), omitindo o“圍”(serve para encerrar/separar), despindo o muro do seu propósito, que era precisamente encerrar e separar, tornando-o num muro vulgar pintado com toda a espécie de graffitis.

Na parte electiva da versão piloto dos materiais didácticos de “História”, o volume que diz respeito às “Relações Internacionais, Globalização e Cooperação Regional”, apresentam-se questões mais complexas. O editor adopta o ponto de vista do académico americano John King Fairbank, usndo o “sistema tributário” como modelo básico para análise da ordem internacional no Extremo Oriente e para a ordem mundial da China, e conclui que a ordem internacional para o Extremo Oriente, tradicionalmente centrada na China, foi estabelecida no tempo da Dinastia Qin. Esta tese de John King Fairbank deu lugar a grande discussão nos meios académicos. Depois do estado de Qin ter unificado os outros seis estados, o seu Imperador enviou 300.000 soldados para a região Norte e construiu a Grande Muralha para impedir as invasões estrangeiras e enviou mais 500.000 soldados para estabilizar a situação no Sul. Nestas acções, onde é que podemos encontrar o tal “sistema tributário”? Na alvorada da Dinastia Han, o Imperador ainda era obrigado a casar com uma princesa originária de uma das tribos estrangeiras e proceder à oferta de grandes quantidades de bens e mantimentos, para garantir a paz nas fronteiras. Durante o período da Dinastia Han Oriental, o vizinho Japão era ainda uma sociedade tribal. Nessa época, os tributos prestados pelas dezenas de auto-proclamados Reis do Japão, ao Imperador Han, reduziam-se a alguns punhados de escravos, mas em contrapartida os presentes do Imperador Han aos Reis japoneses eram abundantes. Na Dinastia Ming, as sete viagens empreendidas por Zheng He, como parte do esforço diplomático do Imperador, resultaram em perdas substanciais. É na verdade desadequado aplicar a expressão “sistema tributário” para explicar a ordem internacional no Extremo Oriente.

Os materiais didácticos de “História” são invariavelmente manuais orientados para uma formação validada por um exame final. Os Governos ao longo dos tempos vão ajustando os conteúdos dos manuais escolares. Por isso, para conhecer a História, é melhor começar por procurar a verdade.

O ditador desejável

[dropcap]A[/dropcap] ideia que fazemos normalmente de um ditador é a de um tipo autoritário exercendo o seu poder de forma absoluta, ou quase. Mas isso é apenas a fase final da evolução da criatura. Um ditador não começa nunca com poder (a não ser nos pouco regimes onde ainda é o berço a determinar o trono) mas com vontade de poder. E essa é uma das características fundamentais de um ditador: querer sempre mais do domínio que exerce sobre os outros.

O ditador não é um sujeito tão incomum como pensamos. Na verdade, ele existe um pouco por toda a parte; nas repartições públicas, na hierarquia das empresas, nas salas de aulas e até nas estruturas aparentemente menos atreitas a organizar-se verticalmente por níveis de autoridade. Sucede apenas existirem muito menos lugares de poder do que criaturas com vontade de os ocupar, pelo que os menos impiedosos ou talentosos ficam pelo caminho e, frustrados na sua vocação, acabam por engrossar as fileiras dos alcoólicos, dos perpetradores de violência doméstica ou dos vizinhos que contestam todas as decisões das assembleias de condóminos.

O ditador é, na verdade, a resultante de uma peculiar disposição do humano. Além da indispensável sede de poder, o ditador precisa de ser guiado por uma ideia não raras vezes em confronto com a realidade. Há no ditador um peculiar sentido de justiça. Esta não visa corrigir os males do mundo operando no âmbito da moral vigente; a moral vigente é, para o ditador, uma consequência do decadentismo da sociedade que pretende refundar. O ditador, aquele de amplo espectro de concretizações, aquele que toma as rédeas de um país e congrega em seu redor a maioria da população, está normalmente a braços com uma batalha.

Qualquer batalha serve. Pode ser com o sistema judicial do seu país, com a oposição – onde quer que esta ainda exista – ou contra um grupo étnico ou social. Mas um ditador precisa de inimigos, pois a sua promessa de mudança carece de obstáculos para os quais ele possa surgir como providencial figura de resolução.

Quando não existem obstáculos ou inimigos, inventam-se uns e outros. Como o ditador tem o controlo praticamente absoluto das estruturas de poder que normalmente fiscalizam e admoestam o governo – porque dele são independentes – não lhe é difícil inventar espantalhos que mobilizem a fúria popular e assim consolidem o seu domínio.

Paradoxalmente, o pior que pode acontecer a um ditador é conseguir que a realidade finalmente coincida com a ideia faz da realidade desejável. Deixa de conseguir justificar as medidas excepcionais a que teria de recorrer acaso a discrepância cujo diagnóstico justifica a sua existência existisse. Imaginemos uma Alemanha nazi sem judeus, sem tratado de Versalhes, uma URRS sem kulaks, um Napoleão cuja Europa já lhe pertencesse. Se a vontade de poder é o combustível do ditador, a ideia é o seu motor. E essa ideia pode ser tudo, desde que seja o contrário absoluto de um estado de coisas diagnosticado.

É claro que nada disto funciona sem o apoio popular generalizado – pelo menos numa primeira fase. O «povo» é que de facto faz andar a máquina. O povo, na sua eterna propensão para confiar nos homens providenciais e a eles entregar o seu destino, faz de rodas. É ele que leva ditador e ditadura na direcção de uma sociedade sem ou de uma sociedade com (preencher a gosto). E, para enorme fortuna do ditador, o povo tem memória de peixe de aquário. Bastam duas gerações volvidas sobre um tremendo erro para, de repente, a mesma fórmula bafienta parecer de novo tremendamente atractiva. E do nada – aparentemente – lá surge um homem que parece estar tão fora da história como o divino para meter nos eixos um país prestes a descarrilar.

Sigam-me para mais receitas.

Um sentimento

É a morte. A morte é o inimigo.
É contra ti que eu me lanço, invencível e inflexível, ó Morte!
Virgina Woolf, The waves.

 

[dropcap]U[/dropcap]m sentimento nasce e cresce. Mas morrerá? Há sentimentos que saem do horizonte, desaparecem da presença, mas talvez não morram. Pelo menos quando nos nascem, acontecem a seres humanos existentes. Um sentimento é uma personagem, talvez. Temos a sua percepção ao longe, é de sentir que falamos quando sentimos a sua aproximação e vinda. E toca-nos. Há sentimentos isolados daqueles enormes que temos por Deus, quando nos confrontamos com o seu mistério e o seu milagre, talvez. Há sentimentos que vemos nascer por alguém, único, singular, que muda toda a nossa vida. Há sentimentos bons. Há também sentimentos maus e há-os que são frequentes, que nos vibram a vida toda. Cada objecto tem o seu sentimento. Cada pessoa é um sentimento. De manhã à noite temos tantos sentimentos quantos os segundos que passam, os momentos que atravessamos, mesmo sem dar conta disso. Um sentimento não é nada que haja só dentro da minha cabeça nem só na cabeça dos outros. Há sentimentos colectivos e privados, daqueles que não contamos a ninguém e daqueles que não queremos calar em nenhuma circunstância.

Quando estamos tristes, não é só o nosso cérebro que está triste, nem a parte da alma onde dói, nem quem ou o quê de onde irradia tristeza. É tudo. Quando se sente a tristeza está-se triste. Pode não haver diferença entre sentir a tristeza e estar triste. Quando sinto tristeza sem estar triste, é uma outra tristeza. Quando estou tão triste que não sou de outra maneira, o sentimento é avassalador. O sentimento tem olhos e vê, não é cego e jamais existe sem olhar. Por vezes, sentimos a sua presença ao longe como um inimigo de atalaia, para nos emboscar e atacar.

Outras vezes, suspeitamos da presença de um sentimento bom. Não lhe vemos os olhos nem o rosto, pressentimos só a sua presença, excitante. Vem do futuro, do tempo da promessa. A alegria também não é percebida por nenhuma cognição, nem quando estamos tristes. Mas também pode ser assim percebida. Há alegrias que testemunhamos assim como ninguém quer a coisa. O acto cognitivo que percebe a alegria deixa-a a sangrar, não a deixa viver como ela nasceu e cresce tanto. Nem a nós nos deixa que ela nos atinja. Mas também, tristes, nos podemos lembrar da alegria, tingimo-la com a nossa tristeza. Não é uma mistura de tristeza e de alegria. É a tristeza com que vem até nós uma alegria passada ou meramente possível, no futuro, talvez. Mas a alegria do sentimento que nasce e cresce, o sentimento que faz nascer e crescer a alegria e se confunde com ela é outra coisa. Não podemos dizer verdadeiramente que estamos alegres, quase que deveríamos dizer: somos alegres ou melhor somos com a própria alegria.

Há sentimentos que vêm, como pessoas por quem esperamos, prometidas. E assomam o horizonte. Aproximam-se cheias de possibilidade. Sem estar presentes ainda, esperamos já por essas pessoas. Vivemos já a acolher a sua presença futura sem que ainda existam ou então sem se terem convertido em realidade. O sentimento de esperança resulta da lance retroactivo da possibilidade que nos olha já no presente, mas acena do futuro como promessa. Não dá nada a não ser esperança, porque no presente é tudo igual como tem sido, mas já animado agora com a simples possibilidade de que tudo venha a ser diferente, possa vir a ser melhor.

Um sentimento nasce e cresce. O sentimento da proximidade da traz consigo a angústia. É do futuro que tudo chega: promessa, esperança, e o desespero ameaçador. Mas a morte é esperada do lado de cá da vida. É todo futuro, quando, já não estarei cá, quando já nunca mais verei nada nem ninguém. E nem a mim me encontrarei. O sentimento da morte diz-me que tudo será sempre assim como tem sido, mas sem mim cá. O sentimento da morte vem já a fazer sombra sobre a vida em mim e assim sobre o mundo e os outros todos. A raiz da morte é o tempo e por isso é de lá que nasce o poder de alastrar a tudo o que existe, do mais pequeno e ínfimo até ao vasto e extenso universo. Mas o sentimento da morte aproximar-se ainda não a traz, ainda não está aí. Se ela tivesse chegado, não diria nada. A morte é sempre vista do lado de cá da vida.

Desse sentimento ameaçador não vem só impossibilidade. A sua raiz é a possibilidade. Do impossível nasce o possível, do nada que também é, nasce o possibilitante. Não é como se tudo fosse tudo possível. É sóbria a possibilidade que vem com a morte. Um sentimento de morte nasce e cresce não apenas agora a meio da vida nem mais tarde quando for próximo do fim. Vem de antes de termos nascido. Com o princípio vem já o fim. O futuro mais longínquo existe desde sempre. Desde sempre a morte vem como possibilidade: a possibilidade de nada mais ser já possível. É essa a raiz de todos os sentimentos.

É contra a morte que o cavaleiro avança a galope, com a lança em riste.

Exposição | Edifício do Fórum Macau acolhe mostra de Alexandre Marreiros 

Na próxima quinta-feira, dia 19, é inaugurada, no edifício do Fórum Macau, a exposição “Whispering Rooms”, da autoria do arquitecto Alexandre Marreiros. O autor destaca o facto de se ter baseado nas ideias de “registar, conceitualidade e tempo” para realizar trabalhos que revelam uma Macau vazia em tempos de pandemia

 

[dropcap]O[/dropcap] arquitecto e artista Alexandre Marreiros está de regresso às exposições individuais com “Whispering Rooms”, uma mostra que será inaugurada na próxima quinta-feira, dia 19, às 18h no edifício do Fórum Macau. A exposição, que tem portas abertas até ao dia 6 de Dezembro, insere-se na 12ª Semana Cultural da China e dos Países de Língua Portuguesa, organizada pelo Secretariado Permanente do Fórum de Macau.

“Whispering Rooms” tem produção executiva da Galeria 57 e curadoria do próprio Alexandre Marreiros e aborda a ideia de uma Macau vazia e silenciosa, uma realidade vivida nos primeiros tempos da pandemia da covid-19.

O arquitecto destaca o facto de a mostra ir “de encontro a esta tríplice que considero fundamental: registar, conceitualidade e tempo”. “O conjunto de trabalhos que apresento será uma possível representação da ideia fragilizada, isolada, permeável e visível aos nossos olhos dos espaços inocupados. Um registo temporal da cidade que habito e que como muitas outras se encontrou desabitada, assombrada pelo silêncio e pelo vazio durante o presente ano de 2020”, descreve Alexandre Marreiros.

Macau é, assim, representada como se fosse um “laboratório”, “vazia do que lhe faz dar sentido: as pessoas”. O autor aponta que “foi importante perceber esta transmutação em que nos encontramos obrigados a viver”.

Registo e observação

A maior parte dos trabalhos que integram “Whispering Rooms” foram feitos recorrendo à técnica mista sobre papel. Permanece “uma total ausência de figuras no espaço”, sendo esta “uma das linhas condutoras a que esta obra se propõe: registar o que fui observando durante o presente ano em Macau”. Alexandre Marreiros quis também, com este trabalho, “construir um território interrogativo do que representam estes espaços vazios”.

O público poderá visitar esta exposição com o acompanhamento de Alexandre Marreiros. As visitas guiadas estão agendadas para o dia 28 de Novembro, entre as 11h e as 14h, e o dia 5 de Dezembro, entre as 14h e as 19h. À mostra junta-se um catálogo ilustrado com todas as obras expostas, com direcção de arte de Victor Marreiros, uma edição do Secretariado Permanente do Fórum Macau.

Alexandre Marreiros estreia-se no edifício do Fórum Macau, mas já expôs em locais como o Museu de Arte de Macau, o espaço Creative Macau ou o espaço Art Garden, da AFA – Art for All Society. Em Portugal, expôs também na Casa da Cultura da Comporta.

O arquitecto participou também no festival literário Rota das Letras onde apresentou a exposição “Ocupar o Imaginário”.

Jogo | Analistas defendem adiamento do concurso para novas licenças 

David Green e Pedro Cortés defenderam que o concurso público para a atribuição de novas licenças de jogo deve ser adiado, tendo em conta a enorme crise que o sector do jogo atravessa devido à pandemia da covid-19

 

[dropcap]A[/dropcap]nalistas defenderam à Lusa o adiamento do concurso público para as novas licenças do jogo devido à pandemia da covid-19 que afecta, sem precedentes, a economia da capital mundial dos casinos e os seus operadores.

A poucos dias do Chefe do Executivo apresentar as Linhas de Acção Governativa (LAG) para o ano financeiro de 2021, as incertezas no território ainda são muitas, com as operadoras de jogo no território a apresentarem grandes prejuízos no terceiro trimestre do corrente ano. No próximo ano o Governo deveria apresentar o caderno de encargos para as concessionárias se prepararem para o concurso público agendado para 2022.

“Não creio que a renovação da concessão deva ir em frente em 2022”, afirmou à Lusa analista David Green. O fundador da consultora especializada em regulação de jogos em Macau Newpage Consulting defendeu ainda que o Governo devia esperar pela recuperação da receita bruta do jogo.

Nos primeiros 10 meses do ano, as perdas dos casinos foram de 81,4 por cento em relação ao igual período do ano anterior, em resultado do impacto da pandemia de covid-19 e das fortes restrições nas fronteiras. Só no final de Setembro passado, as autoridades chinesas retomaram a emissão de vistos em todo o país para Macau.

O anúncio feito em Agosto, relativamente à criação de uma `lista negra’ de destinos turísticos de jogo em casinos por perturbarem a “ordem comercial do mercado de turismo no estrangeiro da China”, devia fazer também o Governo de Macau esperar pelas possíveis repercussões que esta medida de Pequim terá no território.

Em Setembro, o Governo chinês estimou que a fuga de capitais do país, através de jogos de azar, ascenda a pelo menos um bilião de yuan, agravando os riscos de uma crise financeira.

Por estas duas razões, frisou David Green, avançar com o concurso público é “convidar alguns descontos substanciais de investimento” por parte dos operadores de jogo.

Muitas dúvidas

O advogado Pedro Cortés, sócio da Rato, Ling, Lei & Cortés – Advogados, escritório que presta consultoria na área do jogo, também afirmou à Lusa ter muitas dúvidas que o caminho a ser seguido seja o do concurso público em 2022.

“Nesta altura, o véu já deveria ter sido mais levantado, não obstante todos os constrangimentos que a situação pandémica tem colocado ao executivo”, disse. Apesar disso, Pedro Cortés diz que os sinais de que tanto as declarações do Chefe do Executivo e do secretário para a Economia e Finanças “têm ido no sentido do concurso”.

DICJ | Adriano Ho não afastou possibilidade de jogo online em Macau

O director da DICJ alerta para riscos dos jogos interactivos online, como o branqueamento de capitais, mas indica que o tema está a ser estudado. Além disso, em resposta a uma interpelação de Pereira Coutinho, referiu que as queixas relacionadas com sites de jogo ilegal têm diminuído

 

[dropcap]E[/dropcap]m Setembro, o deputado Pereira Coutinho submeteu uma interpelação escrita a apelar ao Governo que definisse padrões oficiais e condições para o desenvolvimento de jogos interactivos online, para aumentar as receitas fiscais. Em resposta, o director da Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), deixou alertas, mas não excluiu o cenário.

“Os jogos interactivos podem aumentar as receitas do jogo, mas existem certos riscos, incluindo problemas sociais, como o branqueamento de capitais e o vício do jogo. Por isso, antes da sua introdução, o Governo deve proceder a estudos prudentes”, indicou Adriano Ho, acrescentando que as respectivas análises estão em curso.

Os jogos interactivos abrangem, por exemplo, os que se jogam no telemóvel ou com acesso pela internet, e em que se concorda fazer pagamentos em dinheiro ou outro valor. A prática de jogos de fortuna ou azar através de telecomunicações ou da internet é actualmente proibida em Macau.

Pereira Coutinho defendeu que o desenvolvimento de produtos com terminais móveis e da internet reduz as exigências para negócios online, mas que “devido à desactualização da legislação é difícil, licitamente, atrair mais pessoas a aderir aos jogos interactivos”.

Além disso, o deputado considera que face ao impacto da covid-19 e medidas do Interior da China com vista à restrição da saída de fundos, as receitas do jogo físico e presencial “dificilmente” vão regressar a valores anteriores. Pereira Coutinho apelou também a que se tome o Reino Unido como referência e um aumento do grau de fiscalização, evitando os jogos interactivos ilegais que já existem em Macau.

Trabalho anti-burla

Adriano Ho disse que o Governo vai reforçar a fiscalização e intensificar a competitividade da indústria do jogo em termos internacionais.

“Relativamente ao recente aparecimento na internet de ‘websites’ de apostas ilegais explorados em nome dos casinos de Macau, a DICJ, depois de ter detectado ou recebido as respectivas denúncias, irá remetê-las à Polícia Judiciária”, disse o responsável. A DICJ contacta também os principais operadores de motores de busca para ajudar a bloquear os resultados de pesquisa de jogos ilegais e a remover as suas promoções.

Por outro lado, referiu que as queixas relacionadas com as páginas electrónicas de jogo ilegal e aplicações móveis têm diminuído. Algo que atribui ao trabalho de combate e sensibilização educativa para as pessoas estarem atentas a essas plataformas.

De acordo com a resposta, o Governo vai ouvir “seriamente” e “proceder a uma análise prudente” das sugestões sobre o desenvolvimento do sector, como a permissão da exploração de jogos interactivos por parte das concessionárias.

Fundação Macau | Dois pilotos pediram subsídios para correr e faltaram a provas

O caso envolve subsídios da Fundação Macau atribuídos em 2012 e entre os acusados de fraude está um polícia. Apesar de receberem apoios para correrem no Interior, os pilotos ficavam em Macau

 

[dropcap]D[/dropcap]ois pilotos, com os apelidos Lio e Io, estão a ser acusados de ter pedido subsídios à Fundação Macau para correrem em provas de automobilismo no Interior a que não compareceram. O caso, que envolve um polícia, está a ser julgado no Tribunal Judicial de Base (TJB) e, segundo o jornal Ou Mun, os arguidos negaram a prática de crimes na primeira sessão de julgamento.

O caso remonta a 2012 e 2013, quando os dois homens pediram apoios à Fundação Macau com a justificação que pretendia competir em provas de automobilismo no Interior. Os pedidos acabaram por ser aprovados e a acusação acredita que foram praticados crimes de burla e de falsificação de documento.

Os pilotos nunca chegaram a marcar presença nas corridas, tendo apresentado à Fundação Macau, como comprovativos da participação, a lista de inscrição e os resultados dos colegas de equipa.

O primeiro arguido a ser ouvido foi o subchefe do Corpo de Polícia de Segurança Pública, com o apelido Lio. De acordo com a história contada em tribunal, o homem admitiu ter pedido o apoio, cujo valor não foi revelado pelo jornal, mas negou ter havido crime.

Segundo a acusação, Lio utilizou o mesmo esquema em duas ocasiões, a primeira em 2012 e a segunda no ano seguinte. Nos dois casos foi bem-sucedido. Em tribunal, o arguido justificou a primeira falta com o estado de saúde, e apesar de admitir não ter participado, argumentou que não houve tentativa de fraude, mas antes negligência na forma como tratou as burocracias.

Problemas mecânicos

Também Io, segundo o jornal Ou Mun, confessou em tribunal ter recebido dinheiro sem ter participado numa única prova. No entanto, o vendedor de carros justificou a ausência com uma comunicação por parte da equipa a informá-lo que havia problemas mecânicos e o mais certo era não serem capazes de colocar a viatura em pista. Circunstância que afirmou ter mencionado na altura de submeter a documentação necessária para o processo. Porém, a resposta que terá recebido das autoridades, nomeadamente da Fundação Macau, era que primeiro tinha de apresentar todos os documentos exigidos, incluindo os resultados da equipa. Como tal, o arguido indicou que se limitou a seguir as instruções que lhe foram dadas.

Por sua vez, o representante da Fundação Macau atirou a responsabilidade para os organizadores do Grande Prémio, que supostamente verificavam toda a informação fornecida pelas equipas. Já o representante do GP, terá dito que os pilotos eram informados que tinham de participar nos eventos e que o cheque era passado em nome individual. Por esse motivo, disse a testemunha, os resultados da equipa não deviam ser tidos como prova de participação.

Ensino | Star World recebeu ontem concurso de patriotismo para alunos

O Hotel Star World foi ontem palco da fase final da 12ª edição da Competição Juvenil de Conhecimento Nacional. Depois de eliminados perto de 12 mil estudantes, sobraram 62 que responderam a questões sobre temas como a segurança nacional, Mar do Sul da China, resposta de Macau e da China à pandemia, entre outros

 

[dropcap]A[/dropcap] sala de banquetes do 8º andar do Hotel Star World transformou-se ontem no que pareceu ser um estúdio de concurso televisivo. A ocasião foi a 12.ª edição da Competição Juvenil de Conhecimento Nacional, a fase final de um concurso que testa alunos do ensino secundário e superior na sabedoria sobre temas como a segurança nacional, a política de saúde chinesa, o Mar do Sul da China, a resposta de Macau e da China à pandemia, entre outros.

Na fase final de ontem competiram 62 estudantes, perante 150 pessoas, entre professores, directores, alunos de 24 escolas de Macau e convidados ilustres. Os vencedores vieram da Escola Pui Tou, Escola Kao Yip e Universidade da Cidade de Macau.

A competição de ontem foi o culminar de várias etapas, iniciadas em Setembro com uma eliminatória preliminar onde concorreram 12 mil estudantes, a maior participação de sempre com o aumento de 30 por cento em relação ao ano passado. Desde 2009, quando competição começou (sempre patrocinada pela Galaxy), mais de 90 mil alunos mediram conhecimentos numa actividade que se tornou famosa no meio estudantil, de acordo com a organizadora, a Associação para Educação das Condições Nacionais (traduzido do inglês).

Nesta eliminatória, o tema principal foi a política nacional de saúde, mas foram feitas perguntas noutras categorias. Por exemplo, sobre o Mar do Sul da China, foi perguntado como os alunos entendem a situação e o reflexo que tem na segurança nacional. Uma aluna da Escola Keang Peng respondeu que as ilhas e territórios disputados internacionalmente “são zonas da China, consolidadas historicamente, por isso não existem problemas territoriais”.

Na categoria de Segurança Nacional, um aluno do Colégio Yuet Wah (que pertence à Diocese de Macau) respondeu sobre a composição do Comité de Salvaguarda da Segurança Nacional citando a lei em vigor em Hong Kong.

Convidados especiais

O prémio é uma viagem de cinco de dias a locais da Grande Baía. As equipas vencedoras, acompanhadas por representantes das escolas, vão visitar instituições governamentais e empresas do ramo da saúde. O objectivo é que os estudantes tomem conhecimento directo das condições de saúde do interior da China e alargam os seus horizontes.

Na iniciativa marcaram presença a deputada Chan Hong, que preside à Associação da Educação de Macau, Wong Kin Mou da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, Chan Iok Wai da Direcção dos Serviços do Ensino Superior. Entre os convidados estiveram também representantes do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM, do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Estado-Maior da Guarnição em Macau do Exército de Libertação do Povo Chinês.