Para a população

[dropcap]U[/dropcap]ma das grandes vantagens da História face ao Jornalismo é o distanciamento temporal. Ao contrário de quem está próximo dos acontecimentos, quem faz a análise mais à frente no tempo tem outros dados e consegue ver a floresta, por oposição com o jornalista que está atrás todos os dias atrás de uma árvore diferente.

Tal não significa que o jornalista não veja pontualmente a floresta, também vê, só que na maior parte das ocasiões as copas das árvores são mesmo demasiado altas. Dito isto, não faço a mínima ideia do que vai acontecer nos próximos 30 anos da RAEM, não tenho experiência para analisar os últimos 20 e falta-me o distanciamento para uma boa análise. Por isso, espero apenas que o que está para vir faça a população feliz.

Macau, um modelo a seguir?

[dropcap]U[/dropcap]m amigo enviou-me há pouco do seu telemóvel a foto de uma grande fila de carros junto a uma bomba de gasolina. Esta afluência deve-se à visita do Presidente Xi Jinping, que vai estar em Macau de 18 a 20 de Dezembro e, por este motivo, as bombas só podem ser abastecidas entre a meia-noite e as 6.00 da manhã. Como já enchi o depósito do meu carro, não vou ter de ir para as filas e enfrentar a confusão. Segundo os comunicados do Governo de Macau, o Corpo de Polícia de Segurança Pública e os Serviços de Alfândega vão inspeccionar em conjunto todos os veículos que circulem nas estradas que fazem a ligação aos postos fronteiriços terrestres de Macau, no período compreendido entre 17 e 21 de Dezembro.

Os pontos assinalados são a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, as Portas do Cerco, Cotai e o Parque Industrial Transfronteiriço Zhuhai-Macau. Porque é que estas inspecções conjuntas não são feitas todos os dias, mas apenas durante a visita do Presidente Xi? Será que as autoridades tiveram acesso a alguma informação privilegiada que indicasse que segurança do Presidente poderia vir a estar em risco?

Faz sentido intensificar a inspecção dos veículos nos postos fronteiriços terrestres para aumentar a segurança, dado que, nesta altura, o volume do tráfego aumentou imenso. Mas porque é que foi suspenso o serviço de passageiros do Metro Ligeiro entre 18 e 20 deste mês, quando se encontrava no período experimental apenas há uma semana? Será que a manutenção deste período experimental iria afectar de alguma forma a segurança do Presidente Xi? Como é que o funcionamento do Metro Ligeiro de Macau ia pôr em risco a integridade do líder nacional? Será que Macau não é uma cidade segura?

Saliente-se ainda que, a este propósito, o Governo da RAEM anunciou “devido à realização de Actividades Comemorativas do 20º Aniversário do Estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, entre 18 a 20 de Dezembro de 2019, serão aplicadas medidas de controlo e de interdição à navegação no Canal do Porto Exterior, no Canal da Taipa, no Canal de Acesso ao Porto Interior e Canal de Acesso ao Porto de Ká-Hó”. Relativamente ao controle do espaço aéreo, penso que as entidades competentes também já tomaram medidas nesse sentido. Todas estas medidas de segurança criam instabilidade na população. Devíamos estar a viver um momento de festa e de alegria, durante a visita do líder nacional a Macau para presidir à inauguração da cerimónia do estabelecimento do novo mandato do Governo da RAEM. Porque é que o Governo lida com esta situação como se houvesse um perigo em cada esquina? Desde quando é que Macau passou a ser uma cidade hostil?

Mas além de Macau, as autoridades de Zhuhai também criaram pontos de controle na Ilha articifual de Leste da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, para que quem atravessa a ponte de Hong Kong para Macau possa ser inspeccionado. Pelo menos uma pessoa já foi detida nesta operação. O secretário para a Administração da Região Administrativa da RAEHK, Cheung Kin-chung, declarou que o exercício de jurisdição na Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, por parte da China continental é, não só razoável como legal. A afirmação de Cheung é correcta. Mas o que está aqui em causa é a brevidade deste posto de controle e o facto da sua existência se ter ficado a dever apenas à visita do Presidente Xi. É sabido que “o modelo de controle fronteiriço da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, será adoptado o modelo de construção em separado por cada Governo de três postos fronteiriços individuais”. É certo que a Ponte se encontra sobre a jurisdição da China continental na sua totalidade, mas todos os condutores sabem que não é permitido parar um veículo que a esteja a atravessar, porque a ponte é um ponto de ligação entre as três RAEs. É possível exercer jurisdição sobre a Ponte, desde que se recorra ao tacto e à inteligência. Não é necessário inspeccionar todos os passageiros, porque só lhes poderá dar a sensação que podem vir a ser “extraditados para a China”. Se a China continental tivesse criado logo de início um posto de controle de segurança na Ilha artificial de Leste, penso que as pessoas teriam compreendido e cooperado. Mas de facto o controle de segurança é só uma medida temporária, que só funciona durante o período da visita do Presidente Xi a Macau. Esta actuação demonstra claramente uma falta de confiança por parte das autoridades.

Recentemente Macau foi elogiada como um modelo de sucesso do conceito “Um País, Dois Sistemas”, por comparação com o que se passa em Hong Kong. Macau promulgou legislação sobre segurança nacional, de acordo com o Artigo 23 da Lei Básica, no início de 2009. Para além da “Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado”, Macau fez em 2017 uma emenda à Lei n.º 5/1999 (Utilização e Protecção da Bandeira, Emblema e Hino Nacionais) em consonância com a “Lei do Hino Nacional da República Popular da China”. Mesmo uma “cidade modelo” como Macau, teve de ser tão monitorizada e controlada! Bom, será que Macau é verdadeiramente um “modelo” de cidade?

Para tornar Macau um verdadeiro modelo do ideal “Um País, Dois Sistemas”, além de vir a promulgar com sucesso leis que não passaram em Hong Kong, também será necessário levar por diante a reforma política que Hong Kong não conseguiu alcançar. Desta forma, a população de Hong Kong vai poder constatar que Macau irá eleger o seu Chefe do Executivo por sufrágio universal, sob condições específicas, e que a reforma da Assembleia Legislativa irá gradualmente garantir que todos os deputados ocuparão o seu lugar por via da eleição directa, ou seja “uma pessoa, um voto”. Quando Macau conseguir alcançar o que Hong Kong não conseguiu, será um verdadeiro modelo do ideal “Um País, Dois Sistemas”.

同人 A Comunidade de Macau

[dropcap]P[/drocpap]ara tentar não repetir o que se vem escrevendo sobre os 20 Anos da RAEM, fiz a pergunta ao Yi Jing [Livro das Mutações] e a resposta dada foi o hexagrama Tongren, 同人 Comunidade com os Homens, cuja imagem é o trigrama Céu sobre o trigrama Fogo. Pela natureza do fogo a chama arde em direcção ao Céu e tal sugere a ideia de comunidade. Este hexagrama é o oposto do hexagrama Shi, que significa Exército e simboliza Terra sobre Água, tendo como Imagem algo perigoso no interior e obediência no exterior a exigir disciplina, assim como a necessidade de um homem forte entre muitos fracos.

Já para Macau, “a clareza encontra-se no interior e a força no exterior, o que caracteriza uma pacífica união entre os Homens, que para manter sua coesão necessita de uma pessoa suave entre muitas firmes”, em tradução de Richard Wilhelm, que segue para o Julgamento: “A comunidade com os Homens em espaço aberto tem sucesso. (…) A verdadeira comunidade entre os homens deve basear-se em interesses de carácter universal. Não são os propósitos particulares do indivíduo, mas os objectivos da humanidade que criam uma comunidade duradoura entre os homens. (…) Para que se possa formar uma tal comunidade, é necessário um líder perseverante e lúcido que tenha metas claras, convincentes, que despertem entusiasmo e que possua força para realizá-las.”

Pela Imagem dos trigramas encontrados entende-se: “O Céu movimenta-se na mesma direcção que o fogo e, no entanto, são diferentes um do outro. Assim como os corpos luminosos no Céu servem para a articulação e divisão do Tempo [na China o Tempo é uno, mas como método pode desdobrar-se pelos ciclos da História que se repetem em diferentes níveis de complementaridade e sincronia], a comunidade humana e todas as coisas que pertencem à mesma espécie devem ser estruturadas organicamente. A comunidade não deve ser um símbolo conglomerado de indivíduos ou coisas — isto seria um caos, e não uma comunidade —, mas para que a ordem se estabeleça é necessário que haja uma organização entre a diversidade dos seres.”

Ao deitar as três moedas para encontrar os dois trigramas, que formam o hexagrama, na primeira linha saiu o número 9 e respeitante a essa linha lê-se: “O início de uma união entre homens deve ocorrer diante da porta. Todos encontram-se igualmente próximos uns dos outros. Ainda não existem divergências e nenhum erro foi até então cometido. Os princípios básicos de qualquer tipo de união devem ser igualmente acessíveis a todos os participantes. Acordos secretos geram infortúnio.”

Harmoniosa comunidade

Passeava por Macau quando, em frente às ruínas de S. Paulo, encontro um jovem a explicar a História do monumento e cada um dos símbolos da fachada a um enorme grupo de estudantes mais velhos. Seguiram depois o jovem guia, em Actividade Formativa sobre o Património Cultural, para o Templo de Na Cha e daí para o Museu de Macau. Espanta a profundidade das explicações e a sua desenvoltura rivaliza com os guias profissionais. Espelha o excelente trabalho que em Macau se vem fazendo na Educação.

Esse processo civilizacional que a educação tem dado ao estar dos jovens residentes de Macau transborda para os visitantes e, por isso, encontramos as ruas mais limpas e mais respeito e valorização do património.
Também um dos vectores trabalhados durante os últimos vinte anos diz respeito à educação artística e sobretudo musical, dando gosto ver os progressos feitos, tanto ao nível de executantes como dos ouvintes.

Nos concertos de música clássica são agora os espectadores vindos do exterior de Macau a mostrar não terem sido educados para assistir em silêncio e ter a delicadeza de não usar os telemóveis, mesmo quando no início dos espectáculos lhes é pedido para os desligar. Já os comportamentos dos jovens locais e mesmo das crianças nos concertos dá para observar como escutam a música e esta os coloca com o espírito no patamar do grande prazer.

Um dos maiores atractivos de Macau é apresentar um alto nível de segurança, tanto de dia como à noite, para todos os que nela vivem e a visitam, complementado por um estar familiar a envolver quem pela cidade anda, onde ainda é normal haver quem delicadamente se cumprimenta com uma saudação, mesmo entre pessoas que apenas se conhecem do cruzar quotidiano. Existe ainda uma entreajuda e solidariedade encontrada entre e nos seus residentes, assim como disponibilidade para esclarecer as dúvidas dos turistas quando precisam dalguma informação. Já quanto aos taxistas, que são o cartão-de-visita de qualquer cidade, encontrei sempre muitos ao longo dos anos de uma extrema educação e respeito para com os clientes e os que não apresentavam tão elevado grau de atitude têm vindo rapidamente a melhorar o seu comportamento, muito devido à acção de penalização que lhes tem sido aplicada. Essas mudanças registam-se também na maior parte dos condutores de autocarros na forma da sua condução e respeito pelos mais idosos.

Outro factor muito positivo e do agrado dos residentes é o atendimento nos serviços da administração pública, cujo nível de excelência é pouco habitual em outras cidades do mundo e assim, ter de tratar de assuntos ligados ao quotidiano deixa os residentes com um elevado grau de satisfação a fazer esquecer algumas agruras ainda existentes.

Falta vedar um conjunto de algumas poucas ruas secundárias para se poder atravessar a pé a maior parte da cidade sem se ser importunado pelo trânsito de veículos motorizados. Essa via verde pedonal não seria difícil de criar e para se usufruir de um tranquilo caminhar era só preciso ser arborizada e ter esplanadas para tornar a cidade mais viva e saudável.

A diferença entre os jovens de Macau e os de Hong Kong – e mesmo da maior parte do resto do mundo – é sentirem existir aqui o momento com futuro, enquanto esse sentimento não existe para os outros que vivem já sem esperança.

Apesar dos quase trinta anos que levo de Macau, a cidade surpreende-me cada vez que saio de casa e a pé me deixo enredar pelos esquecidos pátios, becos, travessas e ruas, ainda a perpetuar a tradição, mas que não merecem a atenção das multidões. Estas, apenas ocupam poucos lugares centrais da cidade e não perturbam pois, com um pequeno desvio, logo nos conseguimos colocar fora dessa onda, se for caso de querer evitar as multidões.

Considero Macau a minha terra e gosto de aqui viver e bastavam pequenos arranjos para se tornar um lugar de eleição, como poucos existentes pelo mundo.

Macau e o futuro

Por João Miguel Barros, advogado

 

[dropcap]1.[/dropcap] 20 anos depois da transição não é necessário ser-se profeta para se perceber que estamos a meio do caminho para a integração efectiva de Macau na China. Aliás, o projecto da Grande Baía é, em si mesmo, um pretexto excelente de atenuação de diferenças a justificar que, cumpridos os 50 anos de período de transição, se entre na fase da tranquilidade institucional e política.

“Amar Macau, amar a Pátria” é um slogan válido em 2019, como o será em 2049. Mas é um slogan com variantes equivalentes: ”Amar Guangdong, amar a Pátria”. Ou “Amar Hubei, amar a Pátria”, ou “Amar Fujian, amar a Pátria”. E assim sucessivamente para as 22 províncias chinesas e as 5 regiões autónomas.

 

2. Não é preciso ser-se profeta para se perceber que a partir de 2049 Macau deixará de ser uma região administrativa autónoma e será, quanto muito, uma região autónoma. Livre de compromissos assumidos pelo tratado assinado com Portugal, a China não deixará de cumprir em pleno o seu desígnio de unificação de todas as “unidades” chinesas. Sobrará, talvez, Taiwan, mas essas são contas que não cabem nesta breve e simplificada reflexão.

“Um país, dois sistemas” é a fórmula mágica que tem servido para tudo.
Serviu inteligentemente para a abertura económica da China nos idos anos 70 do século passado. Serviu depois para dar o mote às negociações sobre a transição política de Macau e Hong Kong. Serve actualmente para mostrar a boa fé chinesa em relação ao futuro das duas cidades. E servirá para alimentar a alma dos cegos!

Dúvidas não há sobre o sentido de “Um país”. Mas o sistema de pesos e contrapesos em relação aos “dois sistemas” é de medida variável, e é ajustável às conjunturas económicas e políticas do momento.
Esse sentido único de integração plena é natural, inquestionável e legítimo.

3. Os regimes autocráticos, geridos por partido único, exercem o poder de forma efectiva a partir das decisões políticas e judiciais, tendo como pressuposto garantir três princípios fundamentais: ordem, autoridade e hierarquia.

Quem olhar com cuidado para a evolução do discurso político e para a praxis político/administrativa de Macau verá que o sentido é o de aproximação aos valores tradicionais de Pequim. Aliás, por alguma razão o homem forte da governação tem sido, pelo menos até agora, o Secretário da Segurança, que até decide, sem escrutínio nem justificação pública, quem entra, ou não, em Macau. E é da sua área que tem saído o grosso dos diplomas legislativos que garantem a ordem e o controlo da sociedade, restabelecendo o caos social e a criminalidade que existia nos últimos anos da governação portuguesa (qualificação feita pelo Secretário da Segurança em entrevista recente).

Por outro lado, quem estudar com cuidado e detalhe a jurisprudência dos tribunais de Macau perceberá que há um núcleo duro de decisões que nunca contraria o sistema, e o sustenta. Aliás, se dúvidas houvesse sobre essa praxis bastaria ler a entrevista ao Presidente no Tribunal de Última Instância publicada no Diário do Povo (citado em Hoje Macau, de 16.12.2019) quando afirma que “a função dos tribunais é manter a estabilidade social”. Note-se que não é aplicar a lei, mesmo que ela contrarie a “ordem, ou a autoridade, ou a hierarquia”! O que importa, vinque-se, é “manter a estabilidade social”, fazendo a necessária interpretação da lei que garanta os princípios de funcionamento do sistema.

As declarações do Presidente do Tribunal de Última Instância são perigosas e incompatíveis com os princípios de total independência do sistema judicial, tal como os configuramos à luz da matriz portuguesa adoptada. Mas nós estamos em Macau, num processo paulatino de absorção dos valores e princípios da China e, portanto, sobre essa matéria, só tem ilusões quem não quiser ver!
Mais uma vez, e sem pinga de ironia: tudo isto é normal e legítimo, até necessário, na lógica do processo de integração plena na mãe pátria chinesa.

4. Nós portugueses (quer na seja na variante de expatriados, quer seja na variante macaense, dos nascidos na terra) não temos de esperar privilégios no futuro que Macau está a construir. Provavelmente não se percebe, até, porque é que eles teriam de existir.

As regras são cada vez mais claras e os sinais evidente. Sim, acreditar no futuro, só que ele não será construído no respeito efectivo pelas diferenças das comunidades, nem no respeito pelo passado português.

E a famosa “identidade de Macau” é um conceito que tenderá a esbater-se com o tempo até passar a uma ideia a ser incluída, quanto muito, apenas nos manuais de História.

A Comunidade Macaense está em declínio acentuado e tenderá a perder o sentimento de pertença a uma terra que já não reconhece como sendo a sua. E em 2049 as novas gerações de macaenses terão laços efectivos e emocionais a outras realidades socioculturais, perdendo os seus traços identitários.

A língua portuguesa será, por sua vez, uma espécie em vias de extinção e um ornamento na toponímia de Macau.
Olhemos, mais uma vez, a realidade dos tribunais (em 2019) e as afirmações do Presidente do TSI, segundo a mesma notícia de jornal: “Sam Hou Fai tem tido como prioridade o domínio da língua chinesa nas decisões dos tribunais. Na entrevista, elogiou os resultados alcançados. Segundo o juiz, desde 1999 os tribunais têm feito o esforço para que o chinês seja a língua oficial da justiça e que por isso mais de 70 por cento das decisões são nessa língua”.

Não vai ser preciso esperar muito para que essa percentagem aumente significativamente: basta saírem do sistema os juízes portugueses. São eles que, provavelmente, ainda garantem os 30% de decisões em língua portuguesa. Isto porque mesmo mantendo-se em actividade advogados portugueses não falantes da língua chinesa, esses já quase nada contam para a ponderação da utilização da língua portuguesa nos tribunais!

5. A especificidade do sistema jurídico de Macau não está garantida para o futuro, por mais juras que se façam e artigos da Lei Básica que se invoquem.

A Grande Baia tenderá a uniformizar procedimentos, mesmo judiciários. E Macau, como bom aluno que é e sempre será, é o parceiro ideal para provar que essa integração é possível. Basicamente por uma razão: porque a matriz do direito existente é a continental, assente na codificação das leis, a mesma da China, e muito diferente da estrutura legal de Hong Kong, assente no precedente judiciário.

É evidente e inquestionável que existe uma diferença enorme entre a praxis judiciária de Macau e a da China. E isso acontece porque a cultura das profissões judiciárias é (ainda) estruturalmente diferente. Mas o tempo irá fazendo o seu caminho e os extremos tenderão a aproximar-se. E o pragmatismo chinês conseguirá encontrar, com segurança, um ponto de equilíbrio nesse processo de absorção do sistema judiciário de Macau pelo sistema dominante na Grande Baía.

6. Tudo somado, não é preciso ser-se profeta, e muito menos da desgraça, para se perceber que o caminho está traçado há muito e que a sua execução se mede por uma unidade tempo que não é igual à dos ocidentais. É uma inevitabilidade. Talvez uma virtude. Mas seguramente um caminho normal e positivo para a China que conseguirá alcançar, depois de cumprido com o rigor possível o processo de transição, o legítimo desígnio de “Um país, um sistema”.

A cidade nunca existiu

[dropcap]E[/dropcap]is a mulher entregue, cercada, enrugada de prazer. Cidade da sorte, sem norte, infectada, julgada, repudiada. E ainda assim, para surpresa geral da multidão, verdejam lótus nos explícitos pântanos e crianças sossegam as mães num estertor. Não há amor porque o amor nunca existiu. Só a raiva e o descanso.

Só a raiva de não ter ou o descanso de sossegar a cabeça num seio farto e esquivo como as ruas de uma cidade aparentemente real. Como se fosse assim em todo o lado. Ou não houvesse mais lado nenhum porque todo o mundo se desvanece e perde importância com a minha presença em ti.

Entrei na cidade sem a precaução do preservativo. Não olhei a males congénitos nem a seus recentes vícios. Fui certamente contagiado mas o corpo criou defesas que a mente ainda hoje não consegue entender. Ou sequer aceitar. Sobrevivi. No sentido forte da palavra. Foi há 20 anos. E eu nunca fui tanto eu como aquilo que hoje sou. Já a cidade nunca existiu.

O ego satisfeitinho

[dropcap]V[/dropcap]i o Into the Wild, filme de 2007, com 33 anos. O meu filho tinha então 5 anos. Eu estava a morar numa casa que tive nos Olivais e estava embarcado naquilo que Kierkegaard definiria como “o estádio estético da vida”. Lembro-me de que o filme, escrito e realizado por Sean Penn, causou um desconforto variável na plateia do cinema e deu azo a múltiplas conversas de café, sobretudo entre as pessoas da minha geração que haviam de algum modo colocado a família no centro da constelação das suas vidas.

É óbvio que para sujeitos acabados de embarcar no transatlântico da vida adulta, o quesefodismo da personagem principal de Into the Wild surge como o contraponto do modo de vida em que se encontram, e um contraponto tão inconfessavelmente apelativo como assustador. É bom constituir uma família. Mas é difícil. Nem toda a gente tem competências e disposição para os sacrifícios que exige, para a dedicação que exige. E o Into the Wild não é só um enormíssimo pontapé na boca da confortável média-burguesia a que a maior parte das famílias almejam chegar; é também um chega-para-lá que se estende a todas as relações humanas. É a procura da solidão como forma de completar e assim pacificar o ego. É a natureza enquanto espelho de uma harmonia perdida a que só por meio de um despojamento radical poderemos regressar. É uma espécie de budismo ocidentalizado, uma corruptela funcional.

A mim e talvez por ter estudado filosofia, o Into the Wild sempre me cheirou a esturro, pelo menos a nível existencial. O quesefodismo é um grande apelo, sobretudo para quem se instalou na rotina de tal modo que o paroxismo da emoção é o futebol ao fim-de-semana ou um disco novo dos U2. Deixar tudo para trás, comprar uma autocaravana e dormir uma semana em cada sítio, espalhando o amor e a energia positiva por onde quer que se passe, ir ao encontro das pessoas e, por momentos apenas que sejam, iluminar-lhes no rosto a possibilidade de uma vida diferente, à margem das convenções sociais, que valora a natureza na sua perenidade e harmonia e despreza as múltiplas hierarquias do ter à volta das quais as sociedades humanas aprenderam a se conformar. Hippies, new age freaks, amigos do djambé, etc. Been there.

É muito fácil apaixonarmo-nos pela distância, para citar novamente Kierkegaard. É a causa palestiniana, os cartões postais para as crianças de África comerem umas malgas de arroz ou frequentarem a escola, o banco alimentar contra a fome, os pirilampos mágicos, etc. Não se infira qualquer crítica à importância destas causas ou destes programas. É a lógica anónima da relação que está em causa, uma lógica a que subjaz uma acção sem compromisso. É esta a lógica do filme até perto do final. A de passar pela vida das pessoas ao modo do toca-e-foge, criando consequências, mas recusando qualquer ligação. O protagonista configura-se, ao olhar alheio de quem está ancorado a um determinado estilo de vida, como um arauto da liberdade, uma espécie de bom selvagem peregrino disposto a fazer o bem por onde passa. O problema é que a relação que o protagonista tem com as personagens das vidas por onde passa não é diferente daquela que alimentamos no modo cartão-postal para a Etiópia: alivia-nos a consciência pensar que estamos do lado certo desde que não tenhamos que ter qualquer relação com o problema em causa que não seja a de passar um cheque ou fazer uma transferência. Ao contrário do que se comummente interpreta, o mandamento bíblico de “amar o próximo” não equivale a tornar, por decreto, todos os homens e mulheres próximos, porque isso seria precisamente torná-los anónimos e incapazes de assim criar qualquer tensão relacional.

Amar o próximo é mesmo amar aquele que conhecemos, aquele que não é à partida amável, aquele de mão estendida com quem nos cruzamos a caminho do trabalho ou no regresso a casa. Tudo o resto, como bem viu o dinamarquês, é paixão pela distância, preocupação cujo fundamento é o ego e não o outro. E, no fundo, o filme em grande parte é isso.

2º Estudo sobre síntese passiva

[dropcap]A[/dropcap] excepção à regra, o episódico, algo que não bate certo, a anomalia, o excepcional, o extraordinário são manifestações que indicam o habitual normal. Demos alguns exemplos mais simples de perceber antes de apontarmos aos mais complexos. Salpicos de vinho em camisa branca. Dedadas de humanos infantis impressas nas janelas. Bolas de árvore de Natal amolgadas. Pintura do carro estalada. Vidro do ™ riscado. O normal é o branco da camisa que serve de plano de fundo aos salpicos de vinho tinto, a transparência do vidro que é plano de fundo para a forma das impressões digitais das crianças, a esfera perfeita vermelho brilhante não deixava antecipar, ao rodá-la na mão, que estava amolgada no lado a princípio invisível dela para mim. O ™ estava intacto quando o meti no bolso e agora não. Alguém “riscou” o carro. Há um plano de fundo e uma forma que destoa do plano de fundo. A anomalia dá-se no interior de uma homogeneidade, neste caso determinada opticamente.

Mudemos de campo de percepção. Os acordes iniciais e os primeiros versos de uma canção popular são interrompidos. Falhou a electricidade ou no ensaio o som do micro estava desligado, alguém não entrou a tempo. Estou absorvido pelo trabalho, completamente concentrado no que estou a fazer, toca o telefone ou a campainha da porta e apanho um susto. O elemento pode ser o do barulho. Há obras na vizinhança. Há barulho o dia inteiro, de manhã à noite, ao longo dos dias da semana, até ao sábado. Um bem estar súbito aparece não sei bem como. Identifico-o com o silêncio do barulho que não se faz ouvir. A voz de alguém já não se faz ouvir. A voz de alguém nunca mais se cala.

Mudemos ainda para campos de percepção sensorialmente diferentes, térmico e áptico. Tomo duche distraidamente. Deixo cair a água sobre a cabeça e depois sobre as costas para as massajar. De repente, sem que nada o fizesse prever fica gelada. Ou então, a água fria aquece sem que me pudesse aperceber de como e queima. Ao passear à beira mar, controlo a distância relativamente à água. Uma onda vem mais rapidamente do que previra e molha-me os pés. Percebo que a roupa estendida sobre o aquecedor central do ginásio a secou e aqueceu num ápice. O vinho vertido no copo é logo bebido. Depois de “abrir” sabe de modo completamente diferente.

O Aftershave aplicado ao rosto depois de escanhoado tem uma fragrância diferente da que tem ao fim do dia. Habituamo-nos aos aromas, às fragrâncias, há constelações complexas que de homogeneidade e normalidade. Posso descer do Bairro Alto em direcção ao Cais do Sodré numa noite fria de Inverno e sentir o cheiro a lareira que me transporta para a Floresta Negra.

Em todos estes exemplos dos diversos campos sensoriais há homogeneidade que funda uma regra de antecipação que é decepcionada ou frustrada ou desiludida. Percebemos que a interpretação do que não temos visto de um objecto mas pode vir a ser visto depende do que já temos dado dele. Mas ter dado e vir a ser dado estão em momentos de tempo diferentes e não garantem que o que se espera seja efectivamente o que virá a acontecer. O que se erige na mente como forma mental não corresponde ao que vemos à frente dos olhos também como conteúdo mental.

Pequim opõe-se ao “abuso” pelos EUA de medidas de controle de exportação

[dropcap]“A[/dropcap] China opõe-se ao abuso pelos Estados Unidos do conceito de segurança nacional e controle de exportação para interferir e restringir as trocas e cooperação normais entre as empresas”, disse na quarta-feira um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês.

O governo dos EUA está a finalizar um conjunto de regras restritivas para limitar as exportações de tecnologia sofisticada para a China. O Departamento de Comércio norte-americano estará a dar os últimos retoques nas cinco regras que cobrem produtos como computação quântica e impressão 3D.

“A China pede aos EUA que façam mais para promover a confiança mútua e a cooperação entre os dois países, não o contrário”, disse o porta-voz Geng Shuang. Geng disse que os Estados Unidos são muito presunçosos em acreditar que as suas restrições nas exportações de tecnologia emergente para a China possam prevenir a inovação tecnológica no país.

“As restrições, interferência, sabotagem e bloqueios dos EUA não afectarão a China”, disse Geng, acrescentando que esses retrocessos temporários apenas “inspirarão a inteligência do povo chinês e promoverão sua moral. Estamos confiantes no progresso tecnológico e desenvolvimento da China”, concluiu.

EUA ainda isentos

Entretanto, a China divulgou nesta quinta-feira outra lista de produtos dos Estados Unidos que serão isentos da primeira ronda de tarifas adicionais sobre os produtos americanos. Trata-se do segundo conjunto de bens dos Estados Unidos que será excluído da primeira ronda de contramedidas tarifárias da China contra as medidas da Seção 301 dos Estados Unidos, disse a Comissão de Tarifas Alfandegárias do Conselho de Estado num comunicado.

A lista de isenção terá validade entre 26 de Dezembro de 2019 e 25 de Dezembro de 2020. As tarifas que já foram arrecadadas não serão reembolsadas, explicou o comunicado. O restante dos produtos americanos sujeitos à primeira ronda de tarifas adicionais da China não será excluído até o momento.

Posteriormente, a comissão continuará a trabalhar no processo de isenção e divulgará as listas de isenção dos bens dos Estados Unidos sujeitos à segunda ronda de tarifas adicionais no devido tempo.

Exposição | Relação China/Portugal no Museu de São Roque, em Lisboa

Foi ontem inaugurada na galeria do Museu de São Roque, em Lisboa, a exposição “Um Rei e Três Imperadores. Portugal, a China e Macau no tempo de D. João V”, que relembra, entre outras efemérides, o aniversário da transferência de administração de Macau. Jorge Alves, curador, fala ao HM da mostra que revela uma visão global das relações entre China e Portugal, sem esquecer o papel de Macau como importante entreposto comercial

 

[dropcap]A[/dropcap]té ao dia 5 de Abril do próximo ano poderá ser visitada no Museu de São Roque, da Santa Casa da Misericórdia (SCM), em Lisboa, a exposição intitulada “Um Rei e Três Imperadores. Portugal, a China e Macau no tempo de D. João V”, com cerca de meia centena de obras que espelham “as relações luso-chinesas na sua dimensão global, centrando-se na primeira metade do século XVIII – um dos períodos mais intensos e relevantes do relacionamento entre Portugal e a Europa, e a China”. Além de celebrar os 20 anos da transferência de transição de Macau para a China, a mostra marca também o 40º aniversário das relações diplomáticas entre Portugal e a China e os 450 anos de existência da SCM de Macau.

A exposição foi ontem inaugurada e, à margem do evento, o HM falou com o seu curador, Jorge Santos Alves, que nos falou do carácter exclusivo de algumas peças, “uma boa parte delas nunca antes expostas ou pouco vistas em Portugal”. Estas pretendem mostrar “as quatro principais dimensões do relacionamento entre Portugal e a China”.

A mostra contém uma “parte temática”, que mostra ao público o trabalho das embaixadas e o relacionamento político e diplomático que se estabelecia com o império chinês.

“Havia uma dimensão económica e comercial muito importante na época, baseada na importação de mercadorias chinesas pela Europa e Portugal, incluindo um importante produto que é o chá. Temos na exposição moedas de prata que eram trocadas pelo chá nos mercados, objectos que entram no nosso quotidiano, como os bules.”

Jorge Santos Alves destaca ainda o facto de os objectos mostrarem que estas trocas comerciais se faziam não apenas entre Macau e Cantão, mas também através de Lisboa, “com viagens organizadas em Portugal”.

Religião e diplomacia

A mostra no Museu de São Roque conta também o importante papel que os jesuítas tiveram na China da época e que protagonizaram enormes avanços culturais, científicos e tecnológicos através do armamento, instrumentos musicais ou matemática, entre outros elementos. Há ainda uma parte dedicada aos ritos cristãos, no sentido de perceber se os chineses os podiam ou não seguir. “Este é um debate que perturba um pouco as relações entre China e Portugal”, esclarece Jorge Santos Alves.

A exposição fecha com um núcleo inteiramente dedicado à Macau da primeira metade do século XVIII, quando se vivem “grandes desafios”, graças “ao ajustamento a novos parâmetros políticos que vêm de Portugal, com a nomeação de governadores e a entrada em cena de companhias de comércio da Europa e dos EUA”.

Nesta época, “a comunidade macaense foi absolutamente relevante na sobrevivência da cidade, a nível da diplomacia e tradução”, o que permitiu manter “este relacionamento de Macau com a China e entre Portugal e a China”. “Foi no século XVIII e diria que até aos dias de hoje”, defendeu Jorge Santos Alves.

A exposição do Museu de São Roque é também composta por vários retratos. Um deles foi cedido pela SCMM e é de Francisco Xavier Roquette, português metropolitano que foi viver para Macau e que deixou o maior testamento à SCMM. “Este quadro é também uma homenagem a Macau, portugueses e luso-asiáticos que garantiram ao longo do tempo a sobrevivência de Macau”, disse o curador.

Contudo, a obra que Jorge Santos Alves destaca é “um quadro feito por um jesuíta francês de uma concubina e que é um exemplo perfeito, quer pelo valor e beleza do quadro, quer pelo significado do diálogo cultural entre Europa e China no século XVIII”.

Exposição | Relação China/Portugal no Museu de São Roque, em Lisboa

Foi ontem inaugurada na galeria do Museu de São Roque, em Lisboa, a exposição “Um Rei e Três Imperadores. Portugal, a China e Macau no tempo de D. João V”, que relembra, entre outras efemérides, o aniversário da transferência de administração de Macau. Jorge Alves, curador, fala ao HM da mostra que revela uma visão global das relações entre China e Portugal, sem esquecer o papel de Macau como importante entreposto comercial

 
[dropcap]A[/dropcap]té ao dia 5 de Abril do próximo ano poderá ser visitada no Museu de São Roque, da Santa Casa da Misericórdia (SCM), em Lisboa, a exposição intitulada “Um Rei e Três Imperadores. Portugal, a China e Macau no tempo de D. João V”, com cerca de meia centena de obras que espelham “as relações luso-chinesas na sua dimensão global, centrando-se na primeira metade do século XVIII – um dos períodos mais intensos e relevantes do relacionamento entre Portugal e a Europa, e a China”. Além de celebrar os 20 anos da transferência de transição de Macau para a China, a mostra marca também o 40º aniversário das relações diplomáticas entre Portugal e a China e os 450 anos de existência da SCM de Macau.
A exposição foi ontem inaugurada e, à margem do evento, o HM falou com o seu curador, Jorge Santos Alves, que nos falou do carácter exclusivo de algumas peças, “uma boa parte delas nunca antes expostas ou pouco vistas em Portugal”. Estas pretendem mostrar “as quatro principais dimensões do relacionamento entre Portugal e a China”.
A mostra contém uma “parte temática”, que mostra ao público o trabalho das embaixadas e o relacionamento político e diplomático que se estabelecia com o império chinês.
“Havia uma dimensão económica e comercial muito importante na época, baseada na importação de mercadorias chinesas pela Europa e Portugal, incluindo um importante produto que é o chá. Temos na exposição moedas de prata que eram trocadas pelo chá nos mercados, objectos que entram no nosso quotidiano, como os bules.”
Jorge Santos Alves destaca ainda o facto de os objectos mostrarem que estas trocas comerciais se faziam não apenas entre Macau e Cantão, mas também através de Lisboa, “com viagens organizadas em Portugal”.

Religião e diplomacia

A mostra no Museu de São Roque conta também o importante papel que os jesuítas tiveram na China da época e que protagonizaram enormes avanços culturais, científicos e tecnológicos através do armamento, instrumentos musicais ou matemática, entre outros elementos. Há ainda uma parte dedicada aos ritos cristãos, no sentido de perceber se os chineses os podiam ou não seguir. “Este é um debate que perturba um pouco as relações entre China e Portugal”, esclarece Jorge Santos Alves.
A exposição fecha com um núcleo inteiramente dedicado à Macau da primeira metade do século XVIII, quando se vivem “grandes desafios”, graças “ao ajustamento a novos parâmetros políticos que vêm de Portugal, com a nomeação de governadores e a entrada em cena de companhias de comércio da Europa e dos EUA”.
Nesta época, “a comunidade macaense foi absolutamente relevante na sobrevivência da cidade, a nível da diplomacia e tradução”, o que permitiu manter “este relacionamento de Macau com a China e entre Portugal e a China”. “Foi no século XVIII e diria que até aos dias de hoje”, defendeu Jorge Santos Alves.
A exposição do Museu de São Roque é também composta por vários retratos. Um deles foi cedido pela SCMM e é de Francisco Xavier Roquette, português metropolitano que foi viver para Macau e que deixou o maior testamento à SCMM. “Este quadro é também uma homenagem a Macau, portugueses e luso-asiáticos que garantiram ao longo do tempo a sobrevivência de Macau”, disse o curador.
Contudo, a obra que Jorge Santos Alves destaca é “um quadro feito por um jesuíta francês de uma concubina e que é um exemplo perfeito, quer pelo valor e beleza do quadro, quer pelo significado do diálogo cultural entre Europa e China no século XVIII”.

Cinemateca Paixão fecha portas nos próximos dias 

Questões contratuais com o edifício na Travessa da Paixão terão ditado o fecho da Cinemateca, adiantaram realizadores ao HM. Albert Chu, presidente da Associação Audiovisual Cut, concessionária do espaço, confirma o encerramento, mas só fala depois do comunicado oficial do Instituto Cultural

 

[dropcap]A[/dropcap] Cinemateca Paixão vai fechar portas ainda este ano devido ao facto de o contrato de arrendamento do espaço, situado na Travessa da Paixão, não ter sido renovado a tempo. A informação foi confirmada ao HM pela realizadora Tracy Choi e por um outro realizador, que não quis ser identificado.

“Penso que o encerramento se deve ao facto de o Instituto Cultural (IC) não ter planeado bem a questão”, começou por dizer Tracy Choi. “Eles sabiam que o contrato iria terminar no final deste ano, mas demoraram a tomar uma decisão, o que não deu tempo para assinar um novo contrato”, acrescentou.

Albert Chu, director artístico da Cinemateca Paixão e presidente da Associação Audiovisual Cut, concessionária do espaço, confirmou ao HM o fecho da sala de cinema, mas recusou-se a prestar esclarecimentos adicionais.

“Há uma mudança e há uma razão formal que o IC vai apresentar em breve. É melhor para nós não fazermos  qualquer comentário antes dessa declaração”, apontou.

Público crescente

A Cinemateca Paixão abriu portas em 2017 e desde então que tem vindo a apresentar um cartaz repleto de ciclos de cinema especiais, dedicados a realizadores internacionais de renome como Pedro Almodôvar ou Reiner Werner Fassbinder, sem esquecer o destaque dado a realizadores asiáticos e locais. Tracy Choi relembra o facto de esta sala de cinema ter vindo a receber cada vez mais pessoas nos últimos três anos.

“Começámos a ter um público cada vez mais numeroso, com exibições todos os meses. E agora não há qualquer sala disponível onde possamos fazer isto. Espero que a Cinemateca Paixão possa abrir em breve porque já tinha todas as estruturas necessárias”, adiantou.

Outro realizador, ligado à Associação Audiovisual Cut, e que não quis ser identificado, disse ao HM que desde Novembro que havia um sinal de que as coisas não estavam bem.

“Comecei a questionar quais seriam os planos da Cinemateca para o novo ano, porque há sempre um avanço em relação à agenda para os meses seguintes. E percebi as caras de desapontamento da equipa. No início não responderam, porque não tinham a certeza de que iria ser assim. Mas agora estamos no final do ano e o que lhe posso dizer é que a razão oficial para o fecho por parte do IC é a renovação do local, o que é um motivo falso.”

Este realizador explicou ainda que “as pessoas que estão na liderança [do IC] não levaram a cabo os devidos procedimentos para continuar com a abertura do espaço”.

“O IC vai anunciar a renovação do espaço para manter este suspense, mas é temporário. Mas sabemos que não trabalham de forma muito rápida. Não me parece que seja o fim da Cinemateca, mas 2019 deve ser o fim da primeira edição do projecto. Acredito que não abra no espaço de um ano e meio”, concluiu. O HM contactou o IC sobre esta questão, mas até ao fecho da edição não foi possível obter uma resposta.

Banco central | Limite diário de remessas para o continente aumenta

O banco central chinês anunciou ontem que vai aumentar o valor máximo da remessa diária por parte de residentes de Macau, para contas pessoais na China, de 50.000 yuan para 80.000 yuan. A Autoridade Monetária de Macau saudou a medida

 

[dropcap]É[/dropcap] oficial. O valor máximo das remessas diárias que um residente de Macau pode transferir para contas pessoais no Interior da China aumentou de 50 mil yuan para 80 mil yuan. Em comunicado, o Banco do Povo Chinês disse que a medida visa “atender melhor à necessidade dos residentes de Macau de ter liquidez em yuan ” e “tornar mais conveniente o comércio e outras trocas entre o continente e Macau”.

Na mesma nota, o banco central assegurou que vai continuar a apoiar a economia, comércio e o investimento em Macau denominados em yuan.

O aumento do tecto diário para a transferência de capital aplica-se apenas num sentido, de Macau para o continente chinês. No sentido inverso, a China impõe um limite anual de transferências para o exterior equivalente a 50.000 dólares.

O levantamento de dinheiro no estrangeiro por parte de titulares de cartões bancários emitidos na China está também limitado a 100 mil yuan por pessoa e por ano, independentemente do número de cartões e de contas.

Reacções esperadas

A Autoridade Monetária de Macau (AMCM) saudou as medidas anunciadas pelo banco central chinês. Em comunicado, a AMCM “entende que as mesmas podem apoiar o desenvolvimento das operações em yuan em Macau”.

Por outro lado, destacou que ficam criadas “condições sólidas e necessárias que permitem o estabelecimento da conexão e articulação entre os mercados financeiros localizados na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”.

Também no mercado bolsista a medida foi recebida de forma positiva, em especial pelos investidores nas acções das operadoras de resorts integrados. Por exemplo, a cotação das acções da Las Vegas Sands valorizaram 1,11 por cento, quanto a Wynn Resorts registou uma subida de quase 4 por cento. Os investidores com acções da Melco Resorts no portfolio tiveram também um bom dia com as acções do grupo a valorizarem 3,79 por cento.

Em 2018, o comércio entre o continente e Macau atingiu 3,16 mil milhões de dólares, quatro vezes mais do que em 1999, o ano da transição, segundo dados do ministério chinês do Comércio. Os investimentos no continente oriundos de Macau atingiram os 1,28 mil milhões de dólares, no ano passado.

Banco central | Limite diário de remessas para o continente aumenta

O banco central chinês anunciou ontem que vai aumentar o valor máximo da remessa diária por parte de residentes de Macau, para contas pessoais na China, de 50.000 yuan para 80.000 yuan. A Autoridade Monetária de Macau saudou a medida

 
[dropcap]É[/dropcap] oficial. O valor máximo das remessas diárias que um residente de Macau pode transferir para contas pessoais no Interior da China aumentou de 50 mil yuan para 80 mil yuan. Em comunicado, o Banco do Povo Chinês disse que a medida visa “atender melhor à necessidade dos residentes de Macau de ter liquidez em yuan ” e “tornar mais conveniente o comércio e outras trocas entre o continente e Macau”.
Na mesma nota, o banco central assegurou que vai continuar a apoiar a economia, comércio e o investimento em Macau denominados em yuan.
O aumento do tecto diário para a transferência de capital aplica-se apenas num sentido, de Macau para o continente chinês. No sentido inverso, a China impõe um limite anual de transferências para o exterior equivalente a 50.000 dólares.
O levantamento de dinheiro no estrangeiro por parte de titulares de cartões bancários emitidos na China está também limitado a 100 mil yuan por pessoa e por ano, independentemente do número de cartões e de contas.

Reacções esperadas

A Autoridade Monetária de Macau (AMCM) saudou as medidas anunciadas pelo banco central chinês. Em comunicado, a AMCM “entende que as mesmas podem apoiar o desenvolvimento das operações em yuan em Macau”.
Por outro lado, destacou que ficam criadas “condições sólidas e necessárias que permitem o estabelecimento da conexão e articulação entre os mercados financeiros localizados na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”.
Também no mercado bolsista a medida foi recebida de forma positiva, em especial pelos investidores nas acções das operadoras de resorts integrados. Por exemplo, a cotação das acções da Las Vegas Sands valorizaram 1,11 por cento, quanto a Wynn Resorts registou uma subida de quase 4 por cento. Os investidores com acções da Melco Resorts no portfolio tiveram também um bom dia com as acções do grupo a valorizarem 3,79 por cento.
Em 2018, o comércio entre o continente e Macau atingiu 3,16 mil milhões de dólares, quatro vezes mais do que em 1999, o ano da transição, segundo dados do ministério chinês do Comércio. Os investimentos no continente oriundos de Macau atingiram os 1,28 mil milhões de dólares, no ano passado.

Associação Novo Macau diz ter sido vítima de ameaças e perseguições

Kam Sut Leng, presidente da Associação Novo Macau, denunciou na sua página no Facebook ter sido perseguida e alvo de ameaças, além de que, nos últimos dias, foi notada uma presença permanente de cinco a seis pessoas junto ao escritório da associação. Sulu Sou e Scott Chiang consideram a situação inaceitável e exagerada

 

[dropcap]A[/dropcap] Associação Novo Macau (ANM) diz ter sido vítima de ameaças, vigias e perseguições nunca antes vistas, numa altura em que o Presidente chinês Xi Jinping realiza uma visita oficial ao território, por ocasião dos 20 anos da RAEM.

Kam Sut Leng, presidente da ANM, começou por denunciar a situação na sua página de Facebook. “A situação ficou mais grave hoje [quarta-feira], porque acabei de sair do gabinete e fui seguida por duas motas. Um dos condutores colocou-se atrás de mim e disse para irmos dar uma volta, continuando a relatar ao outro condutor a minha localização. Quando cheguei ao escritório as duas motas ensanduicharam-me e um deles perguntou: ‘Linda, para onde vais? Vamos beber um copo’. Agora não posso voltar a casa porque tenho receio de que saibam onde vivo”, disse.

Ao HM, Kam Sut Leng disse notar que as acções destas cinco ou seis pessoas que têm estado junto ao escritório da Novo Macau foram tudo menos discretas. “Normalmente quando temos reuniões ou organizamos protestos há sempre polícias à paisana, mas desta vez fiquei com a sensação que as coisas eram diferentes. Alguns colegas nossos perguntaram o que é que estavam a fazer lá fora, mas eles disseram que eram turistas e que estavam a jogar no telemóvel. Gravámos um vídeo e eles assumiram uma postura mais discreta”, relata.

A presidente da ANM disse ainda que esta terça-feira estas mesmas pessoas fotografaram quem saía e entrava do escritório. À TDM Rádio Macau, o deputado Sulu Sou, e vice-presidente da ANM, explicou que “nos últimos dias havia pessoas no exterior do escritório”. “Ficavam lá o dia todo, de manhã até à noite, mudando de posição ao longo do dia”, acrescentou o deputado, que considera esta postura “inaceitável”.

“Recordo sempre ao Governo que compreendo que tem de preparar uma estratégia ao nível da segurança pública para a visita do Presidente, mas devem fazê-lo de uma forma razoável. Não precisam de reagir de forma exagerada ou ser demasiado sensíveis. Isso só vai criar problemas desnecessários do ponto de vista político”, disse à TDM Rádio Macau.

Mais respeito

Kam Sut Leng disse ao HM que não se recorda de ver algo do género acontecer. “Todas estas coincidências nos fazem crer que se tratam de autoridades da China. Ainda estamos a pensar se falamos ou não com a polícia, porque não quero que os nossos trabalhos sejam afectados”, frisou.

Também Scott Chiang, activista da ANM, disse ao HM que esta situação é excessiva e que nunca sentiram ameaças de forma “tão explícita e directa”. “É totalmente desnecessário e contraproducente face à política ‘Um País, Dois Sistemas’. Macau é supostamente o ‘bom filho’. Não deveriam garantir à RAEM um pouco mais de espaço para respirar e respeito?”, questionou o activista.

Au Kam San, ligado ao campo pró-democrata e ex-membro da ANM, disse à publicação Macau Concelears que estes actos são “irracionais”. “Mesmo que seja altura da visita de Xi Jinping, não é preciso perseguir pessoas. Houve activistas que foram coagidos a deixar Macau”, disse o deputado, que adiantou não ter sofrido quaisquer ameaças. “Talvez eu não seja uma figura tão sensível, não sinto que haja alguém a seguir-me”, rematou.

RAEM 20 anos | Jornais em língua portuguesa depois de 1999: Do medo à vitalidade

[dropcap]O[/dropcap] presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês defendeu ontem que a sobrevivência dos jornais em língua portuguesa foi posta em causa antes da transição de Macau para a China, mas 20 anos depois está mais pujante.

“A realidade é substancialmente melhor, incomparavelmente melhor daquela que era projectada há 20 anos”, afirmou ontem à Lusa José Carlos Matias.

A decisão política após 1999 de apoiar financeiramente a imprensa em língua portuguesa e chinesa, a melhoria da situação económica, dinamizada através da indústria do jogo, e a decisão de Pequim de transformar Macau como plataforma de ligação entre a China e os países de língua portuguesa, em 2003, são algumas das razões apontadas pelo presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) para a “boa saúde” dos jornais em língua portuguesa.

“Agora, a situação económica é muito mais pujante e os recursos são muito mais abundantes e isso faz com que os recursos do Governo estejam muito mais disponibilizados, por um lado, mas também os recursos das empresas” destinados à publicidade, sublinhou.

Pelo facto de Macau se ter tornado a plataforma de ligação entre a China e os países de língua portuguesa, defendeu, “houve um ambiente que se foi cimentando, favorável ao apoio das actividades culturais, a actividades de ligação entre a China e os países de língua portuguesa através de Macau e, no fundo, a imprensa em língua portuguesa é parte dessa dinâmica”.

Quantidade vs qualidade

Um quadro actual bem diferente daquele traçado poucos dias antes da transição da administração do território de Portugal para a China: em Dezembro de 1999, em declarações à Lusa, os directores dos jornais temiam que o reduzido número de leitores lusófonos e a falta de publicidade seria uma ameaça à sobrevivência dos jornais de língua portuguesa em Macau.

Hoje, em Macau existem três jornais diários em língua portuguesa (“Ponto Final”, “Hoje Macau” e o “Jornal Tribuna de Macau”) e outros dois semanários (“Plataforma” e “O Clarim”). Este contingente aumenta ainda se contarmos com o canal de televisão em língua portuguesa, TDM, e a Rádio Macau TDM. No total, José Carlos Matias estima existirem cerca de 70 jornalistas portugueses no território.

Uma imprensa que “não vive do número de vendas” e, por isso, não “vive de uma questão de quantidade, mas sim de qualidade de leitores”, afirmou o presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês.

As diferenças editoriais dos jornais em língua portuguesa também são visíveis para José Carlos Matias: “se olharmos para o tipo de informação que estava nos jornais no período do final dos anos 90 (…) a actualidade era muito dominada pela perspectiva portuguesa sobre a transição, isso era a grande história que estava a ser contada”.

“Hoje em dia, as redacções, e em traços gerais a agenda, passaram a ser mais jornais em português de Macau do que jornais portugueses de Macau”, analisou.

Apoios e obstáculos

As principais fontes de rendimento dos jornais em língua portuguesa vêm de apoios fixos por parte do Governo de Macau, mas também de anúncios judiciais, campanhas de publicidade oficiais e publicidade das empresas privadas como bancos e operadores de jogo, explicou José Carlos Matias.

Os apoios governamentais representam “estruturalmente uma situação de dependência”, mas o responsável ressalvou que “esse subsídio não representa uma fatia assim tão grande” do bolo das receitas dos jornais.

“Esse subsídio é importante, mas por si só não permite, de modo algum, o funcionamento de um jornal” e “na prática, em língua portuguesa, nos últimos 20 anos o que vimos foi uma imprensa com qualidade e com espírito independente”, defendeu.

Quanto às dificuldades que os jornalistas portugueses em língua portuguesa sentem no território, o presidente da AIPIM, apontou que o “acesso à informação nem sempre é fácil. É um acesso à informação que em vários casos é mediado por tradutores”.

O presidente da AIPIM deixou ainda críticas ao nível da administração onde “não existe uma cultura de transparência de prestação de informação célere e de uma forma aberta” como os jornalistas gostariam.

RAEM 20 anos | Jornais em língua portuguesa depois de 1999: Do medo à vitalidade

[dropcap]O[/dropcap] presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês defendeu ontem que a sobrevivência dos jornais em língua portuguesa foi posta em causa antes da transição de Macau para a China, mas 20 anos depois está mais pujante.
“A realidade é substancialmente melhor, incomparavelmente melhor daquela que era projectada há 20 anos”, afirmou ontem à Lusa José Carlos Matias.
A decisão política após 1999 de apoiar financeiramente a imprensa em língua portuguesa e chinesa, a melhoria da situação económica, dinamizada através da indústria do jogo, e a decisão de Pequim de transformar Macau como plataforma de ligação entre a China e os países de língua portuguesa, em 2003, são algumas das razões apontadas pelo presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) para a “boa saúde” dos jornais em língua portuguesa.
“Agora, a situação económica é muito mais pujante e os recursos são muito mais abundantes e isso faz com que os recursos do Governo estejam muito mais disponibilizados, por um lado, mas também os recursos das empresas” destinados à publicidade, sublinhou.

Pelo facto de Macau se ter tornado a plataforma de ligação entre a China e os países de língua portuguesa, defendeu, “houve um ambiente que se foi cimentando, favorável ao apoio das actividades culturais, a actividades de ligação entre a China e os países de língua portuguesa através de Macau e, no fundo, a imprensa em língua portuguesa é parte dessa dinâmica”.

Quantidade vs qualidade

Um quadro actual bem diferente daquele traçado poucos dias antes da transição da administração do território de Portugal para a China: em Dezembro de 1999, em declarações à Lusa, os directores dos jornais temiam que o reduzido número de leitores lusófonos e a falta de publicidade seria uma ameaça à sobrevivência dos jornais de língua portuguesa em Macau.
Hoje, em Macau existem três jornais diários em língua portuguesa (“Ponto Final”, “Hoje Macau” e o “Jornal Tribuna de Macau”) e outros dois semanários (“Plataforma” e “O Clarim”). Este contingente aumenta ainda se contarmos com o canal de televisão em língua portuguesa, TDM, e a Rádio Macau TDM. No total, José Carlos Matias estima existirem cerca de 70 jornalistas portugueses no território.
Uma imprensa que “não vive do número de vendas” e, por isso, não “vive de uma questão de quantidade, mas sim de qualidade de leitores”, afirmou o presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês.
As diferenças editoriais dos jornais em língua portuguesa também são visíveis para José Carlos Matias: “se olharmos para o tipo de informação que estava nos jornais no período do final dos anos 90 (…) a actualidade era muito dominada pela perspectiva portuguesa sobre a transição, isso era a grande história que estava a ser contada”.
“Hoje em dia, as redacções, e em traços gerais a agenda, passaram a ser mais jornais em português de Macau do que jornais portugueses de Macau”, analisou.

Apoios e obstáculos

As principais fontes de rendimento dos jornais em língua portuguesa vêm de apoios fixos por parte do Governo de Macau, mas também de anúncios judiciais, campanhas de publicidade oficiais e publicidade das empresas privadas como bancos e operadores de jogo, explicou José Carlos Matias.
Os apoios governamentais representam “estruturalmente uma situação de dependência”, mas o responsável ressalvou que “esse subsídio não representa uma fatia assim tão grande” do bolo das receitas dos jornais.
“Esse subsídio é importante, mas por si só não permite, de modo algum, o funcionamento de um jornal” e “na prática, em língua portuguesa, nos últimos 20 anos o que vimos foi uma imprensa com qualidade e com espírito independente”, defendeu.
Quanto às dificuldades que os jornalistas portugueses em língua portuguesa sentem no território, o presidente da AIPIM, apontou que o “acesso à informação nem sempre é fácil. É um acesso à informação que em vários casos é mediado por tradutores”.
O presidente da AIPIM deixou ainda críticas ao nível da administração onde “não existe uma cultura de transparência de prestação de informação célere e de uma forma aberta” como os jornalistas gostariam.

RAEM, 20 anos | Duarte Drumond Braga, académico: “Somos, sem dúvida, favorecidos”

Depois de seis anos no Brasil, Duarte Drumond Braga mudou-se para Macau, uma das cidades-chave na sua área de investigação. O académico, ao serviço da MUST, tenciona aprender mandarim e ficar por Macau, “um território que sempre foi chinês”, e que espera que no futuro tenha espaço para que os portugueses continuem a desempenhar um papel relevante

 

[dropcap]E[/dropcap]stá a viver em Macau há relativamente pouco tempo. O que o trouxe para o território?

Cheguei em Agosto para assumir um contrato numa universidade privada, a Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla inglesa). Passei por uma selecção prévia e aqui estou. Antes desta experiência, vivi no Brasil durante cinco anos, onde tive uma bolsa de investigação. Fiz doutoramento e mestrado em Portugal e depois saí para o Brasil em 2014. Desde então, não voltei a Portugal e vim directamente para aqui.

Na sua vida académica estudou as representações da Ásia na cultura e literatura portuguesa, algo que passa também por Macau. Ou seja, tinha uma visão académica de Macau. Houve algum conflito entre essa ideia e a realidade da cidade?

Já conhecia Macau de experiências anteriores. Já cá tinha estado duas vezes, uma delas fiquei durante três meses. Estar cá a morar dá outra noção das coisas, ainda para mais quando se trabalha para uma instituição mais chinesa. Assim sendo, tive de me habituar a alguns procedimentos e regras mais próprias de instituições chinesas. Mas nada que tenha representado qualquer tipo de problemas, foi apenas uma questão de hábito.

Tem, portanto, uma experiência diferente dos outros portugueses que ficam mais fechados na “bolha” portuguesa.

Não circulo apenas no meio português aqui em Macau. Aliás, acho que isso seria algo um pouco pobre. Atenção, frequento, como toda a gente, o meio português. Acho óptimo que exista. Mas, como vim do Brasil directamente para aqui, não me parece que seja um caso muito normal, não sei se há muitas pessoas com o mesmo percurso que eu. Antigamente, era comum encontrar em Macau pessoas que estavam cá há muito anos e que vinham das ex-colónias portuguesas em África. Eu vim do Brasil. A parte da vida de Macau que se reflecte nas grandes multidões, no aglomerado de prédios e no urbanismo descontrolado, são realidades para as quais já estava habituado no Brasil. Aquilo que realmente foi mais diferente para mim foi habituar-me à cultura chinesa e ao convívio com os chineses. Situações que também têm uma relação directa com a questão da comunicação, toda a gente passa por isso. Circulo muito aqui por Macau, gosto bastante de passear e de conhecer a cidade e, como tal, faço questão de tentar falar um pouco a língua. Aliás, no próximo semestre devo começar aulas de mandarim.

Encara Macau como uma cidade para viver no futuro.

Eu vejo-me a morar aqui, é um lugar onde gosto de estar, um lugar muito particular e interessante. Que, por vezes, pode ser um pouco claustrofóbico, como toda a gente sabe, mas que também é muito bem localizado na Ásia, algo que me permite deslocações com facilidade para qualquer lado. Também como trabalho com Portugal, com cultura e literatura portuguesa, e estou sempre a pensar nisso, não tenho uma necessidade muito forte de ir a Portugal várias vezes. Vivo bem sem essa necessidade muito forte. Pelo menos, para já. Vejo-me a morar aqui. Claro que é preciso reconhecer que Macau é um território chinês, é e sempre foi assim, sempre esteve mesmo antes de iniciar aquele período propriamente colonial, do Ferreira do Amaral e mais tarde regressou a ter uma administração apenas chinesa. Sempre houve uma negociação forte, sempre houve interesse de parte a parte para que estivéssemos aqui. Espero que a comunidade portuguesa possa continuar aqui, com as vantagens e até privilégios que temos em aqui estar. Nós somos, sem dúvida, dos estrangeiros mais favorecidos neste território chinês e acho que devemos estar gratos por isso. Quanto aos problemas mais falados, bem, há pessoas que falam do peso da vigilância, eu ainda não sinto muito isso. Mas, talvez, no futuro venha a sentir.

Como sente esta entidade de Macau aberta à confluência de culturas?

Macau deixa um pouco cada um para o seu lado. A questão do encontro de culturas é um encontro que também é um desencontro. Parece uma banalidade dizer isto, havia uma altura em que se falava no encontro de culturas, mas eu acho que é mais uma convivência, um estar lado a lado. Também há outras presenças e elementos interessantes na história de Macau que remetem para outras partes da Ásia. Por exemplo, como eu estudei Goa, interessam-me as relações de Macau com a Índia. Consigo ler algumas das referências, que são várias, a Goa no território. Macau leva-me também para outras partes da Ásia. Estamos a cerca de um raio de 6 horas de voo das principais capitais, centros económicos, financeiros e culturais da Ásia. Portanto, também quero tirar partido disso, sabendo que estamos sempre com o nosso pé, a nossa raiz, na cultura portuguesa. Como também já estou fora há algum tempo, meia dúzia de anos, isso torna-se mais claro e óbvio, mais à flor da pele esta condição do que é ser português fora de Portugal. Apesar de ter vivido sempre em lugares ligados a Portugal, sinto que essa condição ainda é mais forte, ou sente-se de outra forma.

Quais as perspectivas, enquanto português aqui em Macau, para o futuro, face à integração na Grande Baía e com 2049 no horizonte?

Em traços gerais, acho que é a realidade que está aí a vir, temos de lidar com o que aí vem de forma pragmática para saber como nos vamos colocar nesse futuro próximo que já está aí a chegar. Temos de lidar com ele como um dado adquirido. É assim que vai ser, sabemos que esse é o plano para o futuro. Espero que os portugueses possam ainda ter algum papel numa Macau já nessa situação e nesse contexto novo. Não sei qual possa ser, em que moldes será, mas espero que se concretize.

RAEM, 20 anos | Duarte Drumond Braga, académico: “Somos, sem dúvida, favorecidos”

Depois de seis anos no Brasil, Duarte Drumond Braga mudou-se para Macau, uma das cidades-chave na sua área de investigação. O académico, ao serviço da MUST, tenciona aprender mandarim e ficar por Macau, “um território que sempre foi chinês”, e que espera que no futuro tenha espaço para que os portugueses continuem a desempenhar um papel relevante

 
[dropcap]E[/dropcap]stá a viver em Macau há relativamente pouco tempo. O que o trouxe para o território?
Cheguei em Agosto para assumir um contrato numa universidade privada, a Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla inglesa). Passei por uma selecção prévia e aqui estou. Antes desta experiência, vivi no Brasil durante cinco anos, onde tive uma bolsa de investigação. Fiz doutoramento e mestrado em Portugal e depois saí para o Brasil em 2014. Desde então, não voltei a Portugal e vim directamente para aqui.
Na sua vida académica estudou as representações da Ásia na cultura e literatura portuguesa, algo que passa também por Macau. Ou seja, tinha uma visão académica de Macau. Houve algum conflito entre essa ideia e a realidade da cidade?
Já conhecia Macau de experiências anteriores. Já cá tinha estado duas vezes, uma delas fiquei durante três meses. Estar cá a morar dá outra noção das coisas, ainda para mais quando se trabalha para uma instituição mais chinesa. Assim sendo, tive de me habituar a alguns procedimentos e regras mais próprias de instituições chinesas. Mas nada que tenha representado qualquer tipo de problemas, foi apenas uma questão de hábito.
Tem, portanto, uma experiência diferente dos outros portugueses que ficam mais fechados na “bolha” portuguesa.
Não circulo apenas no meio português aqui em Macau. Aliás, acho que isso seria algo um pouco pobre. Atenção, frequento, como toda a gente, o meio português. Acho óptimo que exista. Mas, como vim do Brasil directamente para aqui, não me parece que seja um caso muito normal, não sei se há muitas pessoas com o mesmo percurso que eu. Antigamente, era comum encontrar em Macau pessoas que estavam cá há muito anos e que vinham das ex-colónias portuguesas em África. Eu vim do Brasil. A parte da vida de Macau que se reflecte nas grandes multidões, no aglomerado de prédios e no urbanismo descontrolado, são realidades para as quais já estava habituado no Brasil. Aquilo que realmente foi mais diferente para mim foi habituar-me à cultura chinesa e ao convívio com os chineses. Situações que também têm uma relação directa com a questão da comunicação, toda a gente passa por isso. Circulo muito aqui por Macau, gosto bastante de passear e de conhecer a cidade e, como tal, faço questão de tentar falar um pouco a língua. Aliás, no próximo semestre devo começar aulas de mandarim.
Encara Macau como uma cidade para viver no futuro.
Eu vejo-me a morar aqui, é um lugar onde gosto de estar, um lugar muito particular e interessante. Que, por vezes, pode ser um pouco claustrofóbico, como toda a gente sabe, mas que também é muito bem localizado na Ásia, algo que me permite deslocações com facilidade para qualquer lado. Também como trabalho com Portugal, com cultura e literatura portuguesa, e estou sempre a pensar nisso, não tenho uma necessidade muito forte de ir a Portugal várias vezes. Vivo bem sem essa necessidade muito forte. Pelo menos, para já. Vejo-me a morar aqui. Claro que é preciso reconhecer que Macau é um território chinês, é e sempre foi assim, sempre esteve mesmo antes de iniciar aquele período propriamente colonial, do Ferreira do Amaral e mais tarde regressou a ter uma administração apenas chinesa. Sempre houve uma negociação forte, sempre houve interesse de parte a parte para que estivéssemos aqui. Espero que a comunidade portuguesa possa continuar aqui, com as vantagens e até privilégios que temos em aqui estar. Nós somos, sem dúvida, dos estrangeiros mais favorecidos neste território chinês e acho que devemos estar gratos por isso. Quanto aos problemas mais falados, bem, há pessoas que falam do peso da vigilância, eu ainda não sinto muito isso. Mas, talvez, no futuro venha a sentir.
Como sente esta entidade de Macau aberta à confluência de culturas?
Macau deixa um pouco cada um para o seu lado. A questão do encontro de culturas é um encontro que também é um desencontro. Parece uma banalidade dizer isto, havia uma altura em que se falava no encontro de culturas, mas eu acho que é mais uma convivência, um estar lado a lado. Também há outras presenças e elementos interessantes na história de Macau que remetem para outras partes da Ásia. Por exemplo, como eu estudei Goa, interessam-me as relações de Macau com a Índia. Consigo ler algumas das referências, que são várias, a Goa no território. Macau leva-me também para outras partes da Ásia. Estamos a cerca de um raio de 6 horas de voo das principais capitais, centros económicos, financeiros e culturais da Ásia. Portanto, também quero tirar partido disso, sabendo que estamos sempre com o nosso pé, a nossa raiz, na cultura portuguesa. Como também já estou fora há algum tempo, meia dúzia de anos, isso torna-se mais claro e óbvio, mais à flor da pele esta condição do que é ser português fora de Portugal. Apesar de ter vivido sempre em lugares ligados a Portugal, sinto que essa condição ainda é mais forte, ou sente-se de outra forma.
Quais as perspectivas, enquanto português aqui em Macau, para o futuro, face à integração na Grande Baía e com 2049 no horizonte?
Em traços gerais, acho que é a realidade que está aí a vir, temos de lidar com o que aí vem de forma pragmática para saber como nos vamos colocar nesse futuro próximo que já está aí a chegar. Temos de lidar com ele como um dado adquirido. É assim que vai ser, sabemos que esse é o plano para o futuro. Espero que os portugueses possam ainda ter algum papel numa Macau já nessa situação e nesse contexto novo. Não sei qual possa ser, em que moldes será, mas espero que se concretize.

RAEM 20 anos | Jorge Neto Valente: “Aponto o dedo a nós próprios”

Jorge Neto Valente, empresário e filho do presidente da Associação dos Advogados de Macau com o mesmo nome, acredita, vinte anos depois, que a comunidade macaense continua a correr contra o prejuízo da sua própria inacção durante o período de transição para a administração chinesa. Em entrevista, olha ainda para futuro com os olhos postos na Grande Baía e considera impossível que Macau venha a substituir as valências de Hong Kong enquanto centro financeiro

 

[dropcap]N[/dropcap]uma altura de balanços, comecemos por aí. O que sentiu há 20 anos atrás durante o período da transição?

Havia muita incerteza e, para além disso, algum medo, tanto do que estava para vir da parte do nova administração, como pela instabilidade e pela criminalidade que havia antes da transição. Existiram períodos muito maus, o crime disparou, havia assassinatos e raptos, o que já não se vê agora. Infelizmente penso que isso definiu o ambiente na altura da transição. Olhando para trás, quando vemos as imagens do dia da passagem parece muito mais giro do que realmente foi na altura, que era muito mais sombrio e incerto.

Que acontecimento destes 20 anos mais o marcou?

A liberalização do jogo que é, sem dúvida, um marco histórico e permitiu um desenvolvimento muito grande em todos os aspectos em Macau. A parte económica teve um empurrão da China, que também ajudou ao deixar vir muitos turistas do continente, mas a liberalização do jogo foi o que mudou a sociedade. Antes apenas uma família controlava o jogo e não havia transparência, nem competição entre os casinos. Quando há competição, ou quando uma empresa enfraquece, há outra que toma o seu lugar e logo aí existiu uma mudança muito grande, pois a verdade é que, na altura, nem sequer sabíamos que o jogo envolvia tantos aspectos, porque era tão pouco transparente que as pessoas nem sequer se apercebiam. Os casinos passaram directamente, digamos, da década de 70, para casinos de ponta e de referência para outros locais que passaram a vir cá copiar como se faz. A competição traduziu-se no aumento salarial dos trabalhadores do jogo e passou a pagar-se mais aos melhores. Portanto houve um aumento qualitativo e um aumento quantitativo e isso acabou por arrastar o desenvolvimento de tudo o resto. Para mim foi isso que também marcou os primeiros dois termos do primeiro chefe do Executivo.

Até pelo que o Jorge representa, como vê comunidade macaense e o caminho por ela trilhado desde há 20 anos?

Ficámos todos a ver o que ia acontecer e o tempo foi passando. A parte social foi deixada de lado e talvez seja um dos aspectos mais negativos. Aponto o dedo a nós próprios, mais do que a outras pessoas porque antes de 1999, e depois também, não houve uma preparação na comunidade macaense. Passaram 10 e 20 anos e a verdade é que não fizemos muito. Os jovens não se interessaram nem quiseram entrar na vida cívica ou política, porque estavam também a ver o que ia acontecer, alguns deles com um pé cá e outro em Portugal, onde muito acabaram por ir. Mas os mais experientes, que deviam ter ajudado a traçar o caminho, também ficaram a ver, tiveram medo de seguir um rumo que podia correr mal e ser culpados por isso. As coisas iam melhorando na sociedade de Macau, na política e na economia, e nós ficámos a hibernar, sem fazer muito mais do que aquilo que já se estava a fazer. Daí que, ao fim de 10 anos, mais ou menos quando regressei a Macau, notei que as associações de matriz chinesa tinham organizações para todas as idades e as associações de matriz macaense não tinham jovens. Como havia muitas oportunidades nos casinos e em empresas privadas, concentraram-se muito na vida profissional e na família. Outro aspecto negativo e que aconteceu até 2015, é o desaparecimento do português e do ensino do português na escola. Penso que aqui houve também, digamos, um bocadinho de maldade, por parte de um certo pensamento dos dirigentes do novo Governo, que acharam que o português já não interessava em contrário do ensino do chinês. Foi só depois quando lançaram a plataforma entre a China e os países de língua portuguesa (PLP) e quando em 2015 o primeiro-ministro chinês [Li Keqiang] veio a Macau é que as se pessoas se lembraram que realmente o português ainda era importante. Mas como o português não foi ensinado durante 15 anos, perdeu-se uma geração e para recomeçar foi mais difícil. O problema é que agora existe mesmo um interesse, não só de Macau, mas da China, que quer pessoas que falem as duas línguas, para fazerem a ponte de ligação para os PLP e apontar Macau como a plataforma para esse fim.

Qual é a principal diferença que encontra em termos de perspectiva, entre os portugueses que chegaram durante a administração portuguesa e os que vêm agora trabalhar na RAEM?

Penso que a distinção não será tanto, entre os que estão cá antes de 1999 e os que vieram depois. Penso que a distinção é entre aqueles que querem saber mais e estão abertos a aprender e absorver o que vem de fora, e aqueles que são muito mais fechados. Noto, desde pequeno, que havia aqueles portugueses colonialistas que vinham cá, até vestidos a rigor, e nunca se misturavam com os chineses, ou seja, comiam em português, viviam nas concentrações portuguesas e tudo o resto passava-lhes ao lado. Mas esse é o extremo. Depois há aqueles muito mais liberais, normalmente os jovens que cresceram já no Portugal da Europa, que vêm e gostam de ir sítios diferentes, onde há só chineses e não se fecham. Para esses a integração é muito mais fácil. Para os outros não há integração mas a vida também é fácil porque há sempre concentrações portuguesas em Macau a uma esquina de distância. Macau está sempre a evoluir e é hoje uma cidade muito mais internacional. Existem pessoas de todo o tipo e provenientes de todo o lado e penso que daqui a 10 anos vamos olhar para trás e Macau vai continuar a evoluir.

O Jorge é um empresário em nome próprio, que tem um papel activo na sociedade. De que forma pode ser um exemplo para a comunidade?

O exemplo começa pela Associação de Jovens Macaenses. Criámos a associação precisamente com esse fim: iniciação de jovens. Por isso é que fazemos muitas actividades e damos uma oportunidade de experimentar para ver o que é que gostam, entre desporto, arte, caridade, etc. Depois de participar, acabam sempre por arranjar uma coisa que gostam de fazer e complementam dessa forma a sua actividade profissional. O que nós queremos é passar a mensagem de que “não fiquem só a ver os navios a passar”.Em vez de nos perguntarmos porque é que não há mais participação, devemos participar nós próprios na sociedade e fazer o trabalho, porque as associações chinesas nesse aspecto têm feito um trabalho muito melhor de preparação.

Que análise faz ao trabalho da tutela da Economia e Finanças nos últimos anos? Na sua opinião, em que sentido está Macau a caminhar nesta matéria e o que pode o Governo fazer diferente?    


Agora vamos ter um novo Governo e temos grandes expectativas. Passados 10 anos, e depois de dois mandatos completos, o primeiro Governo fez muita coisa. Houve escândalos, claro, mas fez muito. Houve a parte da corrupção, mas foi também uma altura em que havia também muita corrupção na própria China. E a verdade é que as coisas se endireitaram tanto em Macau, como no interior da China e hoje em dia não existe aquilo que se via. Penso que o “elástico” estava muito solto no primeiro Governo e no segundo Governo puxaram muito por esse “elástico”, fazendo com que a segunda parte destes últimos 20 anos tenha existido muita inacção. Se virmos bem, o metro define mais ou menos o segundo Governo. Como se viu, o metro foi definido por um preço, tinha um traçado que previa passar em certas partes e houve tanto medo de o fazer, e ao mesmo tempo tanta vontade, que acabaram por arranjar uma solução que, para não desagradar a alguns, desagrada a todos. O metro da Taipa podia ser um metro subterrâneo e isso evitaria problemas. Além disso, a própria inauguração do metro também definiu essa incapacidade porque parou meia-hora depois de abrir e após terem gasto cinco vezes mais do que tinha sido planeado. Mas é preciso ver também que o Governo de Macau é muito dependente de factores externos.

Muito se fala na diversificação económica de Macau. Qual a sua importância, tendo em conta a ambição de integração cada vez maior nos projecto da Grande Baía?

Todos os países têm uma indústria que os definem. No Médio Oriente é o petróleo, por exemplo, e aqui é o jogo. A diversificação em termos absolutos diz-nos que Macau agora, em vez de depender 90 por cento da indústria do jogo, depende 89 por cento do jogo, e isto faz com que todas as políticas e o próprio investimento privado tendam sempre a apontar para o jogo. Mas a verdade é que os casinos não podem englobar toda a gente, nem toda a gente está apta ou quer trabalhar neles. E nesse sentido, tanto a Grande Baía como a plataforma [com os PLP] trouxeram essas oportunidades. Penso que nos próximos 30 anos, para os jovens, é na Grande Baía que estão as oportunidades praticamente todas. Quem quiser apostar e trabalhar na China e em Macau, sem ser nos casinos, tem de olhar para a Grande Baía, porque tem aquilo que nos falta: um mercado de cerca de 100 milhões de pessoas, espaço e pessoas para trabalhar. A Grande Baía ajuda a direccionar os investimentos, porque são 11 cidades muito próximas que estão agora a definir quais as suas vantagens. Se Macau, para além do jogo, se conseguir definir como plataforma dos países de língua portuguesa, então as outras cidades têm de vir a Macau para esses negócios específicos. Se Hong Kong, que está agora a passar por mau bocado, não se definir e perder as suas vantagens, vai ficar para trás e alguma outra cidade irá tentar tomar-lhe o lugar. Isto é a competição, ou seja, o Governo central traçou a Grande Baía mas depois também dá liberdade a cada cidade de melhorar e de se tornar “campeã” nas áreas que conseguir.

Então considera que Macau poder vir a assumir uma posição importante como centro financeiro?

Em algumas áreas acho que é possível e é fácil tornar-se num centro económico para os PLP, até porque as leis são muito parecidas mas, fazendo de advogado do Diabo e sendo franco, substituir as valências de Hong Kong enquanto centro financeiro é impossível. Para isso acontecer seria necessário modificar a lei e a forma de passagem de bens e acções das empresas, que é muito importante para os empresários. Em Hong Kong, baseado na common law, é muito fácil haver transacção e passagem das acções das empresas e é por isso que as pessoas gostam muito de usar as leis e os tribunais de Hong Kong. Para nós modificarmos estes tópicos, que estão tão bem entranhados na lei continental europeia, seria extremamente difícil.

Para quem fica para os próximos 20 anos, que futuro esperar?

O futuro é sempre incerto, mas tanto por parte do Governo central como do Governo de Macau, há vontade de manter a estabilidade sociológica, política e económica e dar as oportunidades devidas à população. Se utilizarmos as nossas vantagens que passam por aproveitar as duas línguas que temos, aproveitar tudo o que relaciona a China com os PLP em termos de negócio, cultura e economia, vamos ser campeões nessa matéria. A partir dessa área podemos alastrar a outras áreas complementares e trabalhar muito, porque a sorte também vem para aqueles que estão bem preparados e prontos para agarrar as oportunidades.

RAEM 20 anos | Jorge Neto Valente: “Aponto o dedo a nós próprios”

Jorge Neto Valente, empresário e filho do presidente da Associação dos Advogados de Macau com o mesmo nome, acredita, vinte anos depois, que a comunidade macaense continua a correr contra o prejuízo da sua própria inacção durante o período de transição para a administração chinesa. Em entrevista, olha ainda para futuro com os olhos postos na Grande Baía e considera impossível que Macau venha a substituir as valências de Hong Kong enquanto centro financeiro

 
[dropcap]N[/dropcap]uma altura de balanços, comecemos por aí. O que sentiu há 20 anos atrás durante o período da transição?
Havia muita incerteza e, para além disso, algum medo, tanto do que estava para vir da parte do nova administração, como pela instabilidade e pela criminalidade que havia antes da transição. Existiram períodos muito maus, o crime disparou, havia assassinatos e raptos, o que já não se vê agora. Infelizmente penso que isso definiu o ambiente na altura da transição. Olhando para trás, quando vemos as imagens do dia da passagem parece muito mais giro do que realmente foi na altura, que era muito mais sombrio e incerto.
Que acontecimento destes 20 anos mais o marcou?
A liberalização do jogo que é, sem dúvida, um marco histórico e permitiu um desenvolvimento muito grande em todos os aspectos em Macau. A parte económica teve um empurrão da China, que também ajudou ao deixar vir muitos turistas do continente, mas a liberalização do jogo foi o que mudou a sociedade. Antes apenas uma família controlava o jogo e não havia transparência, nem competição entre os casinos. Quando há competição, ou quando uma empresa enfraquece, há outra que toma o seu lugar e logo aí existiu uma mudança muito grande, pois a verdade é que, na altura, nem sequer sabíamos que o jogo envolvia tantos aspectos, porque era tão pouco transparente que as pessoas nem sequer se apercebiam. Os casinos passaram directamente, digamos, da década de 70, para casinos de ponta e de referência para outros locais que passaram a vir cá copiar como se faz. A competição traduziu-se no aumento salarial dos trabalhadores do jogo e passou a pagar-se mais aos melhores. Portanto houve um aumento qualitativo e um aumento quantitativo e isso acabou por arrastar o desenvolvimento de tudo o resto. Para mim foi isso que também marcou os primeiros dois termos do primeiro chefe do Executivo.
Até pelo que o Jorge representa, como vê comunidade macaense e o caminho por ela trilhado desde há 20 anos?
Ficámos todos a ver o que ia acontecer e o tempo foi passando. A parte social foi deixada de lado e talvez seja um dos aspectos mais negativos. Aponto o dedo a nós próprios, mais do que a outras pessoas porque antes de 1999, e depois também, não houve uma preparação na comunidade macaense. Passaram 10 e 20 anos e a verdade é que não fizemos muito. Os jovens não se interessaram nem quiseram entrar na vida cívica ou política, porque estavam também a ver o que ia acontecer, alguns deles com um pé cá e outro em Portugal, onde muito acabaram por ir. Mas os mais experientes, que deviam ter ajudado a traçar o caminho, também ficaram a ver, tiveram medo de seguir um rumo que podia correr mal e ser culpados por isso. As coisas iam melhorando na sociedade de Macau, na política e na economia, e nós ficámos a hibernar, sem fazer muito mais do que aquilo que já se estava a fazer. Daí que, ao fim de 10 anos, mais ou menos quando regressei a Macau, notei que as associações de matriz chinesa tinham organizações para todas as idades e as associações de matriz macaense não tinham jovens. Como havia muitas oportunidades nos casinos e em empresas privadas, concentraram-se muito na vida profissional e na família. Outro aspecto negativo e que aconteceu até 2015, é o desaparecimento do português e do ensino do português na escola. Penso que aqui houve também, digamos, um bocadinho de maldade, por parte de um certo pensamento dos dirigentes do novo Governo, que acharam que o português já não interessava em contrário do ensino do chinês. Foi só depois quando lançaram a plataforma entre a China e os países de língua portuguesa (PLP) e quando em 2015 o primeiro-ministro chinês [Li Keqiang] veio a Macau é que as se pessoas se lembraram que realmente o português ainda era importante. Mas como o português não foi ensinado durante 15 anos, perdeu-se uma geração e para recomeçar foi mais difícil. O problema é que agora existe mesmo um interesse, não só de Macau, mas da China, que quer pessoas que falem as duas línguas, para fazerem a ponte de ligação para os PLP e apontar Macau como a plataforma para esse fim.
Qual é a principal diferença que encontra em termos de perspectiva, entre os portugueses que chegaram durante a administração portuguesa e os que vêm agora trabalhar na RAEM?
Penso que a distinção não será tanto, entre os que estão cá antes de 1999 e os que vieram depois. Penso que a distinção é entre aqueles que querem saber mais e estão abertos a aprender e absorver o que vem de fora, e aqueles que são muito mais fechados. Noto, desde pequeno, que havia aqueles portugueses colonialistas que vinham cá, até vestidos a rigor, e nunca se misturavam com os chineses, ou seja, comiam em português, viviam nas concentrações portuguesas e tudo o resto passava-lhes ao lado. Mas esse é o extremo. Depois há aqueles muito mais liberais, normalmente os jovens que cresceram já no Portugal da Europa, que vêm e gostam de ir sítios diferentes, onde há só chineses e não se fecham. Para esses a integração é muito mais fácil. Para os outros não há integração mas a vida também é fácil porque há sempre concentrações portuguesas em Macau a uma esquina de distância. Macau está sempre a evoluir e é hoje uma cidade muito mais internacional. Existem pessoas de todo o tipo e provenientes de todo o lado e penso que daqui a 10 anos vamos olhar para trás e Macau vai continuar a evoluir.
O Jorge é um empresário em nome próprio, que tem um papel activo na sociedade. De que forma pode ser um exemplo para a comunidade?
O exemplo começa pela Associação de Jovens Macaenses. Criámos a associação precisamente com esse fim: iniciação de jovens. Por isso é que fazemos muitas actividades e damos uma oportunidade de experimentar para ver o que é que gostam, entre desporto, arte, caridade, etc. Depois de participar, acabam sempre por arranjar uma coisa que gostam de fazer e complementam dessa forma a sua actividade profissional. O que nós queremos é passar a mensagem de que “não fiquem só a ver os navios a passar”.Em vez de nos perguntarmos porque é que não há mais participação, devemos participar nós próprios na sociedade e fazer o trabalho, porque as associações chinesas nesse aspecto têm feito um trabalho muito melhor de preparação.
Que análise faz ao trabalho da tutela da Economia e Finanças nos últimos anos? Na sua opinião, em que sentido está Macau a caminhar nesta matéria e o que pode o Governo fazer diferente?    

Agora vamos ter um novo Governo e temos grandes expectativas. Passados 10 anos, e depois de dois mandatos completos, o primeiro Governo fez muita coisa. Houve escândalos, claro, mas fez muito. Houve a parte da corrupção, mas foi também uma altura em que havia também muita corrupção na própria China. E a verdade é que as coisas se endireitaram tanto em Macau, como no interior da China e hoje em dia não existe aquilo que se via. Penso que o “elástico” estava muito solto no primeiro Governo e no segundo Governo puxaram muito por esse “elástico”, fazendo com que a segunda parte destes últimos 20 anos tenha existido muita inacção. Se virmos bem, o metro define mais ou menos o segundo Governo. Como se viu, o metro foi definido por um preço, tinha um traçado que previa passar em certas partes e houve tanto medo de o fazer, e ao mesmo tempo tanta vontade, que acabaram por arranjar uma solução que, para não desagradar a alguns, desagrada a todos. O metro da Taipa podia ser um metro subterrâneo e isso evitaria problemas. Além disso, a própria inauguração do metro também definiu essa incapacidade porque parou meia-hora depois de abrir e após terem gasto cinco vezes mais do que tinha sido planeado. Mas é preciso ver também que o Governo de Macau é muito dependente de factores externos.
Muito se fala na diversificação económica de Macau. Qual a sua importância, tendo em conta a ambição de integração cada vez maior nos projecto da Grande Baía?
Todos os países têm uma indústria que os definem. No Médio Oriente é o petróleo, por exemplo, e aqui é o jogo. A diversificação em termos absolutos diz-nos que Macau agora, em vez de depender 90 por cento da indústria do jogo, depende 89 por cento do jogo, e isto faz com que todas as políticas e o próprio investimento privado tendam sempre a apontar para o jogo. Mas a verdade é que os casinos não podem englobar toda a gente, nem toda a gente está apta ou quer trabalhar neles. E nesse sentido, tanto a Grande Baía como a plataforma [com os PLP] trouxeram essas oportunidades. Penso que nos próximos 30 anos, para os jovens, é na Grande Baía que estão as oportunidades praticamente todas. Quem quiser apostar e trabalhar na China e em Macau, sem ser nos casinos, tem de olhar para a Grande Baía, porque tem aquilo que nos falta: um mercado de cerca de 100 milhões de pessoas, espaço e pessoas para trabalhar. A Grande Baía ajuda a direccionar os investimentos, porque são 11 cidades muito próximas que estão agora a definir quais as suas vantagens. Se Macau, para além do jogo, se conseguir definir como plataforma dos países de língua portuguesa, então as outras cidades têm de vir a Macau para esses negócios específicos. Se Hong Kong, que está agora a passar por mau bocado, não se definir e perder as suas vantagens, vai ficar para trás e alguma outra cidade irá tentar tomar-lhe o lugar. Isto é a competição, ou seja, o Governo central traçou a Grande Baía mas depois também dá liberdade a cada cidade de melhorar e de se tornar “campeã” nas áreas que conseguir.
Então considera que Macau poder vir a assumir uma posição importante como centro financeiro?
Em algumas áreas acho que é possível e é fácil tornar-se num centro económico para os PLP, até porque as leis são muito parecidas mas, fazendo de advogado do Diabo e sendo franco, substituir as valências de Hong Kong enquanto centro financeiro é impossível. Para isso acontecer seria necessário modificar a lei e a forma de passagem de bens e acções das empresas, que é muito importante para os empresários. Em Hong Kong, baseado na common law, é muito fácil haver transacção e passagem das acções das empresas e é por isso que as pessoas gostam muito de usar as leis e os tribunais de Hong Kong. Para nós modificarmos estes tópicos, que estão tão bem entranhados na lei continental europeia, seria extremamente difícil.
Para quem fica para os próximos 20 anos, que futuro esperar?
O futuro é sempre incerto, mas tanto por parte do Governo central como do Governo de Macau, há vontade de manter a estabilidade sociológica, política e económica e dar as oportunidades devidas à população. Se utilizarmos as nossas vantagens que passam por aproveitar as duas línguas que temos, aproveitar tudo o que relaciona a China com os PLP em termos de negócio, cultura e economia, vamos ser campeões nessa matéria. A partir dessa área podemos alastrar a outras áreas complementares e trabalhar muito, porque a sorte também vem para aqueles que estão bem preparados e prontos para agarrar as oportunidades.

Lam U Tou, presidente da Associação da Sinergia de Macau: “Não me sinto restringido em termos de liberdade de expressão”

Lam U Tou, um dos mais jovens líderes chineses de Macau, partilha a sua visão acerca dos assuntos que marcaram a região nos últimos vinte anos, fala de liberdade de expressão e antevê as principais questões e desafios do novo Executivo

 

Como foram os últimos vinte anos após o retorno de Macau para administração chinesa?

[dropcap]N[/dropcap]asci em Macau e nunca pensei que em vinte anos pudessem existir tantas mudanças. Ainda me lembro dos dias em que o Hotel Presidente e o Hotel Lisboa eram os mais luxuosos e em que, ao abrir a janela, podia olhar directamente para o mar, sem ver outros edifícios pelo meio. 15 anos depois, apareceram resorts como o Sands, o Wynn ou o MGM, que me impressionam muito. Outra parte interessante foi que, a partir de 2007, foi realizado pela primeira vez o NBA China Game no Fórum de Macau, até mesmo antes de ir para Hong Kong. Tudo isto foram para mim sinais de que o desenvolvimento económico de Macau se estava a tornar cada vez melhor, mas isso não significa que não tenhamos sofrido. Em 2003, por exemplo, por causa da epidemia do Síndroma Respiratório Agudo Severo (SARS), a economia ressentiu-se muito, sendo que o salário era apenas de 3.000 patacas para um administrativo recém-licenciado ou de 3.800 patacas para um engenheiro. Muito diferentes eram também a maioria dos procedimentos relacionados com o Governo, que eram complicados e confusos. Na época da administração portuguesa, aqueles que não sabiam português, não se atreviam a apresentar as suas dúvidas aos funcionários públicos e era assim o ambiente na altura. Depois do retorno de Macau para a administração chinesa, voltando a usar o cantonês, tudo se tornou mais cómodo.

Na sua opinião, quais os assuntos que mais preocupam os cidadãos de Macau?

A maioria dos problemas são derivados do crescimento acelerado, feito sem pensar no bem-estar da população e da questão da habitação. Apesar de não ser tão preocupante quando comparada com Hong Kong, a questão da habitação não permite aos jovens, adquirir a sua própria casa no futuro. O preço de uma residência semi-nova é bastante elevado, não sendo compatível com os seus salários. Falando sobre a lei das habitações públicas, às vezes parece que é preciso lutar para ver quem é o mais miserável ou quem tem mais sorte, para obter uma habitação. Para evitar este tipo de problemas, o Governo deve ter uma política e um planeamento específico para as habitações públicas, disponibilizando uma quantia anual de fracções aos cidadãos. Acho que o Governo tem sempre dificuldade em ver a realidade na discussão das suas políticas, pois defende que o arrendamento das habitações sociais, podem ter lucros. No entanto, os custos de operação, recursos, reparação e manutenção das instalações, entre outros elementos que é preciso manter para assegurar o seu normal funcionamento, custam ao Governo mais de mil milhões de patacas, valor esse, não recuperado pelo baixo valor da renda recebida mensalmente. Já a situação da habitação económica é totalmente oposta, pois os custos de construção do edifício, estacionamento, valor do terreno, despesas relacionadas com a consulta de especialistas, avaliação ambiental, e todos os outros gastos necessários para a concretização de uma fracção são mais baixos, sendo que a área da obra tem apenas o custo de 1600 patacas por metro quadrado. Além disso, existem, no total, 40 mil habitações públicas que podem ser construídas nos terrenos recuperados pelo Governo. No entanto, nos últimos anos, foram apenas construídas 4.100 fracções. Por isso, espero que as autoridades possam acelerar o processo de planeamento dos terrenos, de forma a construir 4 mil habitações por ano, e ter as 40 mil fracções públicas prontas ao fim dos próximos 10 anos. Outro problema que é urgente resolver diz respeito à expansão da linha do metro ligeiro. Nos próximos cinco anos Ho Iat Seng deve ser capaz de construir a linha leste do metro ligeiro juntamente com a quarta travessia marítima Macau-Taipa.

O que pensa sobre a juventude de Macau ao nível do sentido patriótico?

Licenciei-me na Universidade de Jinan e fiz o meu mestrado na Universidade de Pequim. Não rejeito o patriotismo, sou de Macau, mas também sou chinês. Não vou rejeitar a minha identidade chinesa e os trabalhos de educação sobre o amor patriótico. No entanto, os jovens têm agora de saber quais são os prós e contras do país, e ser eles a avaliar o que é bom e o que é mau, para depois, decidir a sua própria visão do país. Mas tenho de dizer que é inegável que a China está a fazer esforços para liderar a população rumo ao crescimento social e está a conseguir. Ainda assim existem problemas que devem ser resolvidos o mais rapidamente possível, relacionados com a justiça social e a extrema disparidade entre ricos e pobres.

O que espera dos próximos 30 anos?

Não sei o que vai acontecer nos próximos trinta anos, mas temos de enfrentá-los com optimismo. Actualmente existem políticas que não acompanham a evolução dos tempos e que podem estar na base da origem de conflitos sociais semelhantes à situação de Hong Kong. Mas é positivo pensar que, se forem lançadas políticas favoráveis neste período de transformação social, muitas situações negativas poderão ser evitadas. Espero, por isso que o futuro governo, possa construir um sistema baseado na mudança da regulamentação em vigor.

O que mais contribuiu para a sua decisão de concorrer às eleições legislativas?

Comecei a trabalhar, primeiro, como assistente de Kwan Tsui Hang, ex-deputada à Assembleia Legislativa e, a partir daí, tanto a Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) como a ex-deputada ofereceram-me muitas oportunidades. Fui aos bairros para falar com os cidadãos e conhecer quais os problemas a que a sociedade deve prestar atenção. Mas durante os anos em que estive na FAOM, descobri que existem temas que não estão a ser abordados, portanto, achei que era importante ter um espaço independente das associações e decidi criar a Associação da Sinergia de Macau. Foi tudo decidido rapidamente. Comecei a falar com os interessados em Dezembro de 2016, tendo a associação sido estabelecida logo em Março do ano seguinte. Depois, candidatei-me às eleições legislativas. Confesso que não esperava garantir um lugar no hemiciclo, mas sinto-me muito grato pelos 7.162 votos que obtive. Revelámos somente o nosso programa político à imagem das “linhas de acção governativa”, o qual tinha mais de 18.000 caracteres chineses, fornecendo formas de resolver os problemas sociais.

Sente que existe liberdade de expressão em Macau?

Em Macau, não me sinto restringido em termos de liberdade de expressão, mesmo falando inúmeras vezes sobre assuntos onde considerei a acção do Governo insuficiente. Eu sei que há pessoas que pensam que existe “terror branco” ou um “tecto transparente” na cidade que não permite que as pessoas expressem livremente as suas opiniões sobre o Governo ou outros temas relevantes. Mas tenho de dizer que, até agora, ainda não recebi nenhuma chamada ou alerta para não falar acerca de casos específicos. Talvez seja porque estou mais preocupado com os factos e não particularmente com os indivíduos. Para mim, o mais importante é alcançar medidas para solucionar as questões. Sobre a liberdade de expressão, desconheço situações de censura mas, de facto, nunca me senti visado. O nosso papel na sociedade é servir de ponte entre os cidadãos e o Governo para, juntos, encontrarmos soluções. É impossível resolver um problema apenas por nós próprios.

António Júlio Duarte, fotógrafo de Macau em mudança: “Era uma terra adormecida… parada no tempo…”

Primeiro fotografou Macau durante os anos 90, quando o pequeno território lhe pareceu parado no tempo à espera de algo. No ano da transferência de administração de Macau, António Júlio Duarte voltou para registar com a lente um ano especial que ficaria para a História. Mais tarde, publicou livros de fotografia sobre o desenvolvimento que Macau conheceu, sem esquecer a campanha eleitoral protagonizada por Chui Sai On em 2009, que cobriu para o Hoje Macau

 

[dropcap]N[/dropcap]ão estava previsto, mas a vida profissional do fotógrafo António Júlio Duarte ficou ligada a Macau. Desde as primeiras fotografias, tiradas na década de 90, às imagens captadas no ano da transferência de soberania, sem esquecer a era RAEM, o trabalho de António Júlio Duarte tem acompanhado a evolução do território.

Em Lisboa, o fotógrafo recorda o primeiro momento em que pisou Macau. “A primeira vez que fui a Macau foi em 1990 e um bocado por acaso: fui por mim. Tinha interesse em viajar e trabalhar no Extremo Oriente, na altura tinha pessoas conhecidas em Macau e decidi ir. Depois de Macau fui para outros lados. Tinha pessoas lá e isso era bom para um primeiro contacto com o Oriente.”

António Júlio Duarte recorda-se sobretudo da melancolia. “Fotografei essencialmente pessoas nos jardins. Na altura pareceu-me uma terra um bocado adormecida, perdida no tempo, mas isto é relativo, porque a Ásia está sempre um bocado à frente daquilo que se passa no resto do mundo. Deve ser uma das razões pelas quais trabalho lá.”

“Mas, dos contactos que tive com a comunidade portuguesa, havia ali uma certa melancolia que não é comum ao resto da Ásia, talvez por causa dessa presença portuguesa, que é uma coisa que me irrita profundamente”, acrescentou.

Em 1995 o fotógrafo publicaria o livro “East West”, com fotografias de Macau, um território “que se tornou numa espécie de sítio onde gosta de trabalhar”. À época, achou “o território triste, e as fotografias que fiz nessa altura são todas muito melancólicas”. “Estava a aproximar-se uma grande mudança, talvez fosse por isso”, frisou.

António Júlio Duarte acabaria por protagonizar, ainda antes da transferência de administração, uma exposição em Macau com o apoio da Fundação Oriente (FO).

Formado na escola Ar.Co, em Lisboa, e no Royal College of Arts de Londres, António Júlio Duarte acabaria por ser novamente convidado pela FO para fotografar o último ano da administração portuguesa, liderada pelo Governador Vasco Rocha Vieira.

Na década de 90, António Júlio Duarte diz ter ficado surpreendido com o distanciamento entre as comunidades chinesa e portuguesa. “Era quase como se houvesse duas cidades paralelas que raramente se tocam. Essa é uma das razoes pelas quais Macau me fascina, por causa dessa estranheza que vem daí, de haver dois povos que raramente comunicam com uma grande barreira linguística grande, num espaço tão pequeno como é Macau.”

Quando regressa, em 1999, António Júlio Duarte depara-se com uma cidade em constante mutação. “Havia a conclusão de obras grandes, uma preocupação do Governo português em deixar obra feita, a fim de permitir que Macau tivesse uma maior autonomia. Mas também foi uma altura conturbada em Macau, com o fim do monopólio do jogo.” O fotógrafo recorda “clima de inquietação no ar”.

Depois de 1999, António Júlio Duarte dedicou-se a fotografar os casinos de Macau, símbolo de um fulgor económico, imagens que constam no livro “White Noise”, publicado em 2011. “O território já se tinha tornado noutra coisa qualquer, e foi isso que me interessou”, aponta.

Fotografar Chui Sai On

Em 2009, o fotógrafo abraçou um projecto político ao fotografar a campanha eleitoral de Chui Sai On para o cargo de Chefe do Executivo, para o qual foi eleito para um primeiro mandato. Daí nasceu o livro “O Candidato”, graças a um trabalho realizado na redacção do HM.

“Entre 2008 e 2011 fui com mais frequência a Macau por causa de um colectivo de fotógrafos que existia em Lisboa na altura que era o KameraPhoto, em que produzíamos mais trabalho ligado à prática jornalística. Havia essa campanha eleitoral e achei que era bom trabalhar sobre isso pelo lado quase ficcional que tinha, pelo facto de ser um único candidato fazer uma campanha de sensibilização à população como se fosse uma campanha eleitoral com todo o aparato de uma campanha em qualquer outro ponto do mundo.”

O que atraiu o fotógrafo foi “esse lado de figura inatingível”. “Havia todo um mecanismo de segurança à volta da campanha e do próprio candidato que para mim não fazia nenhum sentido, sendo Macau pequeno e seguro. Havia a construção dessa máquina mediática e de segurança à volta de uma coisa que na realidade não existe. Por isso é que no trabalho eu fotografo quase sempre Chui Sai On de costas, porque não quero trabalhar sobre ele mas sobre esta figura, do aparato, e sobre o candidato, numa coisa mais abstracta”, recorda.

“Mercúrio” nasceria em 2015 enquanto projecto fruto de uma parceria com a Galeria Pedro Alfacinha e produzido pela Galeria Zé dos Bois. “Foi feito sempre em ambientes nocturnos mas são coisas muito abstractas, não necessariamente documentais. Esse foi um fechar de ciclo, e de momento não tenho planos para Macau.”

RAEM, 20 anos | Ao Man Long, Ho Chio Meng e Sulu Sou: os processos que abalaram o território

Em duas décadas de existência da RAEM, os governos de Edmund Ho e Chui Sai On tiveram de lidar com os efeitos da condenação do ex-secretário Ao Man Long e do ex-Procurador Ho Chio Meng. Foram processos que mudaram a percepção da sociedade face à Administração e a agenda política em relação à corrupção, mas que também expuseram as falhas da justiça. O caso da suspensão do deputado Sulu Sou, diz o seu advogado, teve um lado pedagógico

 

 

2006 – A prisão do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long

[dropcap]E[/dropcap]stávamos a 5 de Dezembro de 2006 quando o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, foi detido em casa. Dava-se assim início a um longo processo que viu à lupa as grandes obras públicas e privadas feitas entre o período de 2002 e 2006 e que teve vários processos conexos, com julgamentos em Hong Kong. A condenação de Ao Man Long aconteceu a 30 de Janeiro de 2008, tendo sido condenado a 27 anos de prisão efectiva por 57 crimes, a maioria deles de corrupção passiva e branqueamento de capitais.

João Miguel Barros, advogado e defensor do empresário Pedro Chiang, condenado num processo conexo, recorda um caso que trouxe à tona vários problemas do sistema judicial, a começar pelo facto de Ao Man Long, por ser titular de um principal cargo, não ter direito a recurso. Se fosse hoje condenado, o ex-secretário poderia ter recorrido para o Tribunal de Última Instância (TUI), uma vez que a lei de bases da organização judicial foi alvo de uma revisão.

“Este processo foi marcante porque, pela primeira vez, estava em causa um alto dirigente político e estavam em causa também situações jurídicas extraordinariamente importantes relativamente às garantias e ao funcionamento do próprio sistema”, recordou ao HM.

João Miguel Barros recorda muitos outros problemas, a começar pela actuação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que começou por investigar o caso.

“Na altura fui muito crítico da actuação do CCAC, pois existiram obviamente grandes violações de garantias processuais. Uma das coisas que sempre coloquei em cima da mesa foi o facto de as buscas em casa de Ao Man Long não terem sido feitas de acordo com a lei e com o código. A validade das buscas afectaria claramente o resultado final do processo.”

O causídico explica que Ao Man Long teria de estar presente ou representado nestas buscas, o que não aconteceu. “O CCAC tinha Ao Man Long detido nas suas instalações e foi buscar a chave da vivenda onde vivia, que estava armazenada no Governo, abriram a porta e fizeram as apreensões que quiseram. Isto é motivo de todas as suspeitas”.

O segredo de justiça

João Miguel Barros recorda que a prisão de Ao Man Long chamou também a atenção para a questão do segredo de justiça. “O CCAC tinha de mostrar à sociedade que não era uma entidade sem relevância e quis criar ali um caso, dando conferências de imprensa em que se violava o segredo de justiça, porque se identificavam as fontes, mostravam partes do processo. Fiz uma queixa sobre isso que foi colocada olimpicamente numa prateleira durante algum tempo e depois foi arquivada.”

Além disso, o processo obrigou a sociedade a olhar para as competências e poderes do CCAC, mas João Miguel Barros frisa também uma situação relacionada com a defesa de Pedro Chiang.

“Foram cometidas ilegalidades graves ao declararem a nulidade de uma notificação ainda no âmbito da investigação para não apreciarem os recursos que eu tinha colocado, mas ao mesmo tempo isso já não serviu para evitar que ele fosse julgado. Uma coisa que serve para não apreciar o recurso mas já não serviu para dar continuidade ao julgamento.”

Portugueses de fora dos colectivos

O processo Ao Man Long não só foi “muito rico em mostrar tudo o que eram fragilidades ou falta de experiência das autoridades judiciárias em lidar com processos desta dimensão”, como obrigou a um outro olhar em relação ao crime de branqueamento de capitais.

“Houve interpretações que os tribunais fizeram para condenar empresários por esse crime quando não havia nenhum precedente que justificasse o branqueamento de capitais. Foi muito claro para todos os advogados que não era possível ninguém sair inocente, ou melhor, ainda que houvesse inocentes, era obrigatório acusar e também condenar.”

Também aqui se notou as diferenças na “cultura jurídica” entre juízes portugueses e chineses. “Nos julgamentos que fiz logo na primeira instância foi sintomático que os arguidos eram normalmente absolvidos do crime de branqueamento de capitais, porque havia uma percepção muito clara da parte dos juizes portugueses que era preciso distinguir muito bem a tipologia dos crimes e as molduras penais. As pessoas foram condenadas em crimes de corrupção e de abuso de poder, mas passou a haver uma diminuição significativa das condenações por branqueamento de capitais, porque a cultura jurídica é diferente.”

Para João Miguel Barros, houve uma “consequência prática” advinda do caso Ao Man Long, que é o facto de “os juízes portugueses terem deixado de fazer parte dos colectivos do crime”. “Ou isto é uma coincidência muito grande ou então é uma consequência do modo como esses colectivos julgaram o processo Ao Man Long”, acrescentou.

Os atropelos

Apesar de não ter estado ligado ao caso Ao Man Long, o advogado Jorge Menezes recorda “os atropelos processuais” ocorridos. “Desde logo, o caso do famoso caderno de ‘clientes’ seus, cujo original nunca foi junto ao processo e tinha folhas rasgadas, o que foi interpretado como uma maneira de proteger pessoas cujos nomes lá estavam.”

Para o causídico, “ficou a imagem de uma pessoa que devia ter sido condenada, mas acabou sendo-o com atropelos às leis e ao sistema”. “E a pena foi um exagero: foi aplicada a pensar nos outros, para dar o exemplo, não para fazer justiça”, acrescentou.

Para o analista político Larry So, a prisão de Ao Man Long teve um efeito directo na relação entre a sociedade e o Governo.

“Estes processos de corrupção foram muito significativos para Macau. Em primeiro lugar, foi a primeira vez que um titular de um alto cargo foi condenado por tal crime. Nessa altura foi um alarme para Macau descobriu-se que a corrupção poderia chegar aos lugares cimeiros do Governo. Claro que o Governo teve de limpar a sua imagem e puxar pela moral dos funcionários públicos. Afectou toda a Administração e as campanhas anti-corrupção atingiram um outro nível.”

 

2016 – A prisão do ex-Procurador Ho Chio Meng

Por ironia do destino, dez anos depois surgiria um segundo caso de corrupção. Em Fevereiro de 2016, Ho Chio Meng, à data Procurador do Ministério Público (MP) da RAEM, foi preso preventivamente suspeito de corrupção na adjudicação de obras e serviços. O magistrado foi acusado e respondeu por 1.536 crimes, nomeadamente burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção/fundação de associação criminosa.

Para Jorge Menezes, este caso foi ainda mais grave do que o de Ao Man Long. “Temos o mais alto responsável por todas as investigações criminais, acusado de centenas ou milhares de crimes de corrupção, sem que nunca se tivesse aberto um inquérito alargado aos processos crimes que decorreram sob a sua alçada. Ninguém de bom senso acreditaria que o motivo daquela galopada processual assentou em camas de massagens e obras na procuradoria.”

Neste sentido, “a imagem pública que restou de uma vontade institucional de branquear eventuais actos de corrupção na própria magistratura do MP. Sem terem aberto um inquérito, dificilmente nos convencerão do contrário”.

Menezes recorda, apesar de não ter provas, de sentir “os atropelos e facilitações no MP daquela época”, lembrando que não foi feito um levantamento de eventuais práticas ilegais nas investigações do MP em processos-crime.

“Alguma instituição responsável acusaria o mais alto investigador de milhares de crimes de corrupção, mas já não investigaria se ele foi corrompido onde mais interessava e onde tinha poder efectivo – nos inquéritos criminais?”, questionou.

Nesse sentido, “ao não ordenar um inquérito alargado a processos crime de relevo com percursos processuais suspeitos dirigidos sob a alçada de Ho Chi Meng, o sistema judicial falhou grosseiramente e perdeu muita credibilidade”.

Oriana Pun, advogada defensora de Ho Chio Meng, lamenta que o ex-Procurador não tenha tido a possibilidade de recorrer da pena, algo que hoje também seria possível. “Um dos problemas que foi realçado é o facto de o caso ser julgado pelo Tribunal de Última Instância como primeira instância. Todos devem ter oportunidade para reclamar e recorrer, pelo menos uma vez. E como acontece com todos os processos, a sentença pode acarretar defeitos e vícios, que só podem
ser corrigidos mediante recurso.”

Para João Miguel Barros, este foi “um processo das maiores perplexidades”, tendo em conta também a forma como a acusação foi feita, e marca os 20 anos da RAEM pelo facto de o ex-Procurador ser a figura principal. Larry So destaca o facto de a prisão de Ho Chio Meng ter revelado que a corrupção podia chegar a toda a Administração, incluindo ao órgão de investigação criminal.

“Percebeu-se que o problema era ainda mais profundo. O processo trouxe a ideia de que era fácil aos funcionários públicos e titulares dos principais cargos serem corrompidos com uma ligação aos vários interesses da sociedade, incluindo casinos e empresários.”

Larry So considera que, depois destes dois casos, o Governo de Chui Sai On tem colocado a luta pela transparência governativa no topo da agenda, algo que promete também ser a bandeira do Executivo de Ho Iat Seng.

“No passado a corrupção não era um assunto muito abordado ou não se discutia de forma profunda. Mas agora é um dos assuntos mais discutidos e uma das características mais importantes que os funcionários públicos devem ter”, lembrou Larry So.

 

2017 – A suspensão do mandato de Sulu Sou no hemiciclo

Não foi um caso de corrupção, mas mexeu com a sociedade. Eleito pela primeira vez para a Assembleia Legislativa (AL) em Setembro de 2017, Sulu Sou veria o seu mandato suspenso temporariamente por decisão dos seus próprios colegas do hemiciclo, perdendo a imunidade parlamentar. Tal votação levou-o a ser julgado pelo crime de desobediência qualificada pelo Tribunal Judicial de Base em Maio do ano passado, de onde saiu com a obrigação de pagar uma multa de 120 dias. O caso envolveu também Scott Chiang, activista da Associação Novo Macau, defendido por Pedro Leal.

Jorge Menezes, advogado defensor de Sulu Sou, esta foi “uma das duas recentes páginas negras da AL”. “Os atropelos dos seus direitos e da lei cometidos pela Mesa da AL foram pueris, revelando descontrolo. Foi triste ver a fábrica de leis violar as suas próprias leis, demonstrando a cada passo um desconhecimento de princípios elementares de direito”, acrescentou.

O causídico português destaca ainda o facto de o Tribunal de Segunda Instância (TSI) ter recusado o recurso apresentado por Sulu Sou a esta suspensão de mandato, considerando estar em causa um processo político.
“O processo judicial em si foi outra decepção. O TSI errou ao não compreender que a violação da lei é matéria do domínio judicial, pois ninguém está acima da lei: nem o fazedor da lei a pode violar. O acto político, matéria de discricionariedade elevada, esse não é para os tribunais decidirem. Mas ninguém pediu ao Tribunal que dissesse se os deputados deviam ou não votar a favor da suspensão: o que pedimos foi que analisasse a violação da lei, pois é precisamente para isso que existem os tribunais.”

Além disso, Jorge Menezes destaca o facto de “os próprios actos políticos entrarem na competência dos tribunais se violarem direitos fundamentais”, algo que aconteceu com o processo de suspensão organizado pela Comissão de Regimentos e Mandatos e pela Mesa da AL, defende.

Um lado pedagógico

Jorge Menezes não tem dúvidas de que o caso Sulu Sou acabou por ter “um enorme efeito pedagógico na comunicação social e na comunidade em geral, que se interessou, comentou e envolveu como observador activo”. Além disso, foi um processo que “contribuiu para uma consciencialização acrescida da importância do Direito como instrumento de limitação dos poderes e moralização da actividade pública, para a ideia de que devemos ser governados por lei, regras e princípios, não por interesses, políticos ou outros.”

Larry So assegura que o caso Sulu Sou deu início a uma nova fase na AL. Sulu Sou voltou ao seu lugar, mas isso não quer dizer que seja adorado pelos seus pares. “Mudou um pouco as coisas na AL, porque temos um deputado jovem. Mas este foi um caso sobretudo ligado à questão da justiça social. Muitos deputados do campo pró-Pequim não gostam dele mas têm de o aceitar na AL, porque ficou provado que Sulu Sou não cometeu qualquer crime”, rematou.

RAEM, 20 anos | Ao Man Long, Ho Chio Meng e Sulu Sou: os processos que abalaram o território

Em duas décadas de existência da RAEM, os governos de Edmund Ho e Chui Sai On tiveram de lidar com os efeitos da condenação do ex-secretário Ao Man Long e do ex-Procurador Ho Chio Meng. Foram processos que mudaram a percepção da sociedade face à Administração e a agenda política em relação à corrupção, mas que também expuseram as falhas da justiça. O caso da suspensão do deputado Sulu Sou, diz o seu advogado, teve um lado pedagógico

 
 

2006 – A prisão do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long

[dropcap]E[/dropcap]stávamos a 5 de Dezembro de 2006 quando o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, foi detido em casa. Dava-se assim início a um longo processo que viu à lupa as grandes obras públicas e privadas feitas entre o período de 2002 e 2006 e que teve vários processos conexos, com julgamentos em Hong Kong. A condenação de Ao Man Long aconteceu a 30 de Janeiro de 2008, tendo sido condenado a 27 anos de prisão efectiva por 57 crimes, a maioria deles de corrupção passiva e branqueamento de capitais.
João Miguel Barros, advogado e defensor do empresário Pedro Chiang, condenado num processo conexo, recorda um caso que trouxe à tona vários problemas do sistema judicial, a começar pelo facto de Ao Man Long, por ser titular de um principal cargo, não ter direito a recurso. Se fosse hoje condenado, o ex-secretário poderia ter recorrido para o Tribunal de Última Instância (TUI), uma vez que a lei de bases da organização judicial foi alvo de uma revisão.
“Este processo foi marcante porque, pela primeira vez, estava em causa um alto dirigente político e estavam em causa também situações jurídicas extraordinariamente importantes relativamente às garantias e ao funcionamento do próprio sistema”, recordou ao HM.
João Miguel Barros recorda muitos outros problemas, a começar pela actuação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que começou por investigar o caso.
“Na altura fui muito crítico da actuação do CCAC, pois existiram obviamente grandes violações de garantias processuais. Uma das coisas que sempre coloquei em cima da mesa foi o facto de as buscas em casa de Ao Man Long não terem sido feitas de acordo com a lei e com o código. A validade das buscas afectaria claramente o resultado final do processo.”
O causídico explica que Ao Man Long teria de estar presente ou representado nestas buscas, o que não aconteceu. “O CCAC tinha Ao Man Long detido nas suas instalações e foi buscar a chave da vivenda onde vivia, que estava armazenada no Governo, abriram a porta e fizeram as apreensões que quiseram. Isto é motivo de todas as suspeitas”.

O segredo de justiça

João Miguel Barros recorda que a prisão de Ao Man Long chamou também a atenção para a questão do segredo de justiça. “O CCAC tinha de mostrar à sociedade que não era uma entidade sem relevância e quis criar ali um caso, dando conferências de imprensa em que se violava o segredo de justiça, porque se identificavam as fontes, mostravam partes do processo. Fiz uma queixa sobre isso que foi colocada olimpicamente numa prateleira durante algum tempo e depois foi arquivada.”
Além disso, o processo obrigou a sociedade a olhar para as competências e poderes do CCAC, mas João Miguel Barros frisa também uma situação relacionada com a defesa de Pedro Chiang.
“Foram cometidas ilegalidades graves ao declararem a nulidade de uma notificação ainda no âmbito da investigação para não apreciarem os recursos que eu tinha colocado, mas ao mesmo tempo isso já não serviu para evitar que ele fosse julgado. Uma coisa que serve para não apreciar o recurso mas já não serviu para dar continuidade ao julgamento.”

Portugueses de fora dos colectivos

O processo Ao Man Long não só foi “muito rico em mostrar tudo o que eram fragilidades ou falta de experiência das autoridades judiciárias em lidar com processos desta dimensão”, como obrigou a um outro olhar em relação ao crime de branqueamento de capitais.
“Houve interpretações que os tribunais fizeram para condenar empresários por esse crime quando não havia nenhum precedente que justificasse o branqueamento de capitais. Foi muito claro para todos os advogados que não era possível ninguém sair inocente, ou melhor, ainda que houvesse inocentes, era obrigatório acusar e também condenar.”
Também aqui se notou as diferenças na “cultura jurídica” entre juízes portugueses e chineses. “Nos julgamentos que fiz logo na primeira instância foi sintomático que os arguidos eram normalmente absolvidos do crime de branqueamento de capitais, porque havia uma percepção muito clara da parte dos juizes portugueses que era preciso distinguir muito bem a tipologia dos crimes e as molduras penais. As pessoas foram condenadas em crimes de corrupção e de abuso de poder, mas passou a haver uma diminuição significativa das condenações por branqueamento de capitais, porque a cultura jurídica é diferente.”
Para João Miguel Barros, houve uma “consequência prática” advinda do caso Ao Man Long, que é o facto de “os juízes portugueses terem deixado de fazer parte dos colectivos do crime”. “Ou isto é uma coincidência muito grande ou então é uma consequência do modo como esses colectivos julgaram o processo Ao Man Long”, acrescentou.

Os atropelos

Apesar de não ter estado ligado ao caso Ao Man Long, o advogado Jorge Menezes recorda “os atropelos processuais” ocorridos. “Desde logo, o caso do famoso caderno de ‘clientes’ seus, cujo original nunca foi junto ao processo e tinha folhas rasgadas, o que foi interpretado como uma maneira de proteger pessoas cujos nomes lá estavam.”
Para o causídico, “ficou a imagem de uma pessoa que devia ter sido condenada, mas acabou sendo-o com atropelos às leis e ao sistema”. “E a pena foi um exagero: foi aplicada a pensar nos outros, para dar o exemplo, não para fazer justiça”, acrescentou.
Para o analista político Larry So, a prisão de Ao Man Long teve um efeito directo na relação entre a sociedade e o Governo.
“Estes processos de corrupção foram muito significativos para Macau. Em primeiro lugar, foi a primeira vez que um titular de um alto cargo foi condenado por tal crime. Nessa altura foi um alarme para Macau descobriu-se que a corrupção poderia chegar aos lugares cimeiros do Governo. Claro que o Governo teve de limpar a sua imagem e puxar pela moral dos funcionários públicos. Afectou toda a Administração e as campanhas anti-corrupção atingiram um outro nível.”
 

2016 – A prisão do ex-Procurador Ho Chio Meng

Por ironia do destino, dez anos depois surgiria um segundo caso de corrupção. Em Fevereiro de 2016, Ho Chio Meng, à data Procurador do Ministério Público (MP) da RAEM, foi preso preventivamente suspeito de corrupção na adjudicação de obras e serviços. O magistrado foi acusado e respondeu por 1.536 crimes, nomeadamente burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção/fundação de associação criminosa.
Para Jorge Menezes, este caso foi ainda mais grave do que o de Ao Man Long. “Temos o mais alto responsável por todas as investigações criminais, acusado de centenas ou milhares de crimes de corrupção, sem que nunca se tivesse aberto um inquérito alargado aos processos crimes que decorreram sob a sua alçada. Ninguém de bom senso acreditaria que o motivo daquela galopada processual assentou em camas de massagens e obras na procuradoria.”
Neste sentido, “a imagem pública que restou de uma vontade institucional de branquear eventuais actos de corrupção na própria magistratura do MP. Sem terem aberto um inquérito, dificilmente nos convencerão do contrário”.
Menezes recorda, apesar de não ter provas, de sentir “os atropelos e facilitações no MP daquela época”, lembrando que não foi feito um levantamento de eventuais práticas ilegais nas investigações do MP em processos-crime.
“Alguma instituição responsável acusaria o mais alto investigador de milhares de crimes de corrupção, mas já não investigaria se ele foi corrompido onde mais interessava e onde tinha poder efectivo – nos inquéritos criminais?”, questionou.
Nesse sentido, “ao não ordenar um inquérito alargado a processos crime de relevo com percursos processuais suspeitos dirigidos sob a alçada de Ho Chi Meng, o sistema judicial falhou grosseiramente e perdeu muita credibilidade”.
Oriana Pun, advogada defensora de Ho Chio Meng, lamenta que o ex-Procurador não tenha tido a possibilidade de recorrer da pena, algo que hoje também seria possível. “Um dos problemas que foi realçado é o facto de o caso ser julgado pelo Tribunal de Última Instância como primeira instância. Todos devem ter oportunidade para reclamar e recorrer, pelo menos uma vez. E como acontece com todos os processos, a sentença pode acarretar defeitos e vícios, que só podem
ser corrigidos mediante recurso.”
Para João Miguel Barros, este foi “um processo das maiores perplexidades”, tendo em conta também a forma como a acusação foi feita, e marca os 20 anos da RAEM pelo facto de o ex-Procurador ser a figura principal. Larry So destaca o facto de a prisão de Ho Chio Meng ter revelado que a corrupção podia chegar a toda a Administração, incluindo ao órgão de investigação criminal.
“Percebeu-se que o problema era ainda mais profundo. O processo trouxe a ideia de que era fácil aos funcionários públicos e titulares dos principais cargos serem corrompidos com uma ligação aos vários interesses da sociedade, incluindo casinos e empresários.”
Larry So considera que, depois destes dois casos, o Governo de Chui Sai On tem colocado a luta pela transparência governativa no topo da agenda, algo que promete também ser a bandeira do Executivo de Ho Iat Seng.
“No passado a corrupção não era um assunto muito abordado ou não se discutia de forma profunda. Mas agora é um dos assuntos mais discutidos e uma das características mais importantes que os funcionários públicos devem ter”, lembrou Larry So.
 

2017 – A suspensão do mandato de Sulu Sou no hemiciclo

Não foi um caso de corrupção, mas mexeu com a sociedade. Eleito pela primeira vez para a Assembleia Legislativa (AL) em Setembro de 2017, Sulu Sou veria o seu mandato suspenso temporariamente por decisão dos seus próprios colegas do hemiciclo, perdendo a imunidade parlamentar. Tal votação levou-o a ser julgado pelo crime de desobediência qualificada pelo Tribunal Judicial de Base em Maio do ano passado, de onde saiu com a obrigação de pagar uma multa de 120 dias. O caso envolveu também Scott Chiang, activista da Associação Novo Macau, defendido por Pedro Leal.
Jorge Menezes, advogado defensor de Sulu Sou, esta foi “uma das duas recentes páginas negras da AL”. “Os atropelos dos seus direitos e da lei cometidos pela Mesa da AL foram pueris, revelando descontrolo. Foi triste ver a fábrica de leis violar as suas próprias leis, demonstrando a cada passo um desconhecimento de princípios elementares de direito”, acrescentou.
O causídico português destaca ainda o facto de o Tribunal de Segunda Instância (TSI) ter recusado o recurso apresentado por Sulu Sou a esta suspensão de mandato, considerando estar em causa um processo político.
“O processo judicial em si foi outra decepção. O TSI errou ao não compreender que a violação da lei é matéria do domínio judicial, pois ninguém está acima da lei: nem o fazedor da lei a pode violar. O acto político, matéria de discricionariedade elevada, esse não é para os tribunais decidirem. Mas ninguém pediu ao Tribunal que dissesse se os deputados deviam ou não votar a favor da suspensão: o que pedimos foi que analisasse a violação da lei, pois é precisamente para isso que existem os tribunais.”
Além disso, Jorge Menezes destaca o facto de “os próprios actos políticos entrarem na competência dos tribunais se violarem direitos fundamentais”, algo que aconteceu com o processo de suspensão organizado pela Comissão de Regimentos e Mandatos e pela Mesa da AL, defende.

Um lado pedagógico

Jorge Menezes não tem dúvidas de que o caso Sulu Sou acabou por ter “um enorme efeito pedagógico na comunicação social e na comunidade em geral, que se interessou, comentou e envolveu como observador activo”. Além disso, foi um processo que “contribuiu para uma consciencialização acrescida da importância do Direito como instrumento de limitação dos poderes e moralização da actividade pública, para a ideia de que devemos ser governados por lei, regras e princípios, não por interesses, políticos ou outros.”
Larry So assegura que o caso Sulu Sou deu início a uma nova fase na AL. Sulu Sou voltou ao seu lugar, mas isso não quer dizer que seja adorado pelos seus pares. “Mudou um pouco as coisas na AL, porque temos um deputado jovem. Mas este foi um caso sobretudo ligado à questão da justiça social. Muitos deputados do campo pró-Pequim não gostam dele mas têm de o aceitar na AL, porque ficou provado que Sulu Sou não cometeu qualquer crime”, rematou.