HK | Lei da segurança nacional na agenda da APN Andreia Sofia Silva - 22 Mai 2020 [dropcap] V[/dropcap]ários media de Hong Kong noticiaram ontem que a lei de segurança nacional em Hong Kong deverá ser um dos temas da agenda das sessões plenárias da APN. Em particular, a necessidade de legislar o artigo 23 da Lei Básica de Hong Kong relativo à garantia da segurança do Estado, tema que sempre gerou controvérsia e que nunca foi legislado, ao contrário de Macau. Ao canal RTHK, Maggie Chan, delegada de Hong Kong à APN, disse que vai propor a possibilidade de introduzir a legislação sem que esta tenha de ir a plenário no Conselho Legislativo, uma vez que, de acordo com o artigo 18 da Lei Básica, podem ser anexadas à mini-constituição leis relativas à segurança nacional, sem promulgação e escapando ao debate e votação no parlamente de Hong Kong. O jornal South China Morning Post noticiou que Pequim vai introduzir um projecto de lei para proibir actividades subversivas, interferência estrangeira e actos de terrorismo no território. Além disso, o órgão de Hong Kong, escreve que o Governo Central concluiu que é impossível a lei da segurança nacional ser aprovada no Conselho Legislativo de Hong Kong, pelo que a responsabilidade da legislação do artigo 23 passou para a APN.
APN | Crise económica e projecto do Código Civil na agenda da 13ª sessão anual Andreia Sofia Silva - 22 Mai 2020 A 13ª sessão anual da Assembleia Popular Nacional começa hoje em Pequim depois do adiamento de 78 dias causado pelo novo coronavírus. Três mil delegados deverão discutir uma agenda marcada por medidas económicas de combate à crise e o projecto do Código Civil, que marca o início da reforma legislativa. A Conferência Consultiva Política do Povo Chinês arrancou ontem [dropcap]A[/dropcap] segunda maior economia do mundo deverá anunciar hoje previsões económicas e medidas para lidar com uma crise sem precedentes, causada pelo novo tipo de coronavírus. Depois de o adiamento de 78 dias devido à pandemia da covid-19, começa hoje a 13ª reunião anual da Assembleia Popular Nacional (APN), o órgão legislativo do país. Três mil delegados vão discutir os planos económicos e políticos a implementar, num encontro que não dura mais do que dez dias no Palácio do Povo, em Pequim. Os tempos adversos obrigam a que a reunião se realize com o cumprimento do distanciamento social. A agência Reuters avança que os delegados devem evitar contactos com pessoas do exterior, o que significa que muitos poderão assistir às sessões por videoconferência. Outra das medidas preventivas obrigou os diplomatas que observam as sessões da APN a passar a noite num alojamento estatal para serem testados à covid-19. Além da APN, decorre desde ontem a Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), órgão de carácter consultivo composto por delegados representantes das diversas províncias chinesas e regiões administrativas especiais. A sessão da APN arranca com a apresentação, pelo primeiro-ministro Li Keqiang, de medidas económicas numa altura em que o Produto Interno Bruto (PIB) chinês sofreu, no primeiro trimestre, uma quebra de 6,8 por cento, a primeira em décadas. A Reuters escreve que Li Keqiang deverá anunciar um crescimento económico abaixo dos seis por cento previstos, mas os conselheiros e think-tanks subordinados ao Governo Central são bem mais modestos, ao proporem crescimento na ordem dos 2 a 3 por cento. À agência noticiosa, Zhao Xijun, director da Escola de Finanças e Economia da Universidade Renmin, disse que “a APN deste ano é bastante fora do normal”, uma vez que “há mais preocupações no trabalho de combate ao vírus e nas formas para reavivar a actividade económica”. Esta segunda-feira foi aprovado o relatório de trabalho que será hoje discutido, enquanto que na sexta-feira anterior, o Presidente Xi Jinping reuniu com o Politburo do Partido Comunista Chinês (PCC) para endereçar o relatório de trabalho da APN. As palavras de ordem foram “a guerra contra o vírus” e o cumprimento de “resultados decisivos”. Tang Renwu, director da Escola de Administração Pública da Beijing Normal University, adiantou à Reuters que “líderes e delegados vão discutir o próximo passo no controlo da pandemia, como prevenir uma segunda vaga de infecções e como resolver o problema das investigações e compensações exigidas por alguns países ocidentais”. Além das medidas de combate ao novo coronavírus, espera-se o anúncio de estímulo fiscal na ordem dos 5 a 6 triliões de yuan, ou 5 a 6 por cento do PIB. Contra pobreza e desemprego A agência chinesa Xinhua traçou os tópicos principais da agenda da APN para este ano, com as políticas económicas a encabeçarem a lista. Mais do que anunciar previsões de crescimento, as autoridades chinesas querem encontrar soluções para controlar o aumento do desemprego e o alívio da pobreza, além de meios para fomentar o consumo interno. A Xinhua escreve que o país tem ainda 5.51 milhões de habitantes abaixo do limiar da pobreza e que a pandemia “trouxe mais desafios”, mas “uma vez que o ano está a meio, é quase impossível atingir os objectivos para a erradicação da pobreza”. Tang Chengpei, vice-ministro chinês dos Assuntos Sociais, disse que aqueles que vivem abaixo do limiar de pobreza são os idosos, crianças e os que sofrem de doenças graves ou deficiência, com acesso à assistência social. Relativamente ao desemprego, os últimos dados oficiais revelam uma taxa de 6 por cento nas zonas urbanas em Abril, face aos 5,5 por cento registados em igual período de 2019. Numa população de 1,4 mil milhões de pessoas, o Governo Central tem feito esforços para travar lay-offs usando pacotes de apoios fiscais, monetários, segurança social. Espera-se, por isso, que a 13ª sessão da APN venha reforçar tudo isso. Ouvido pela Xinhua, Qu Hongbin, economista-chefe do banco HSBC para a China, disse num comunicado que o anúncio de planos de estímulo e medidas mais significativas serão o tubo de escape para pequenas e médias empresas, trabalhadores por conta própria e empresas do ramo de importação-exportação, que compõem a maior parte da força laboral chinesa. O código civil Anunciado em 2014, o projecto do Código Civil deverá ser aprovado nesta sessão da APN e representa uma mudança legislativa que visa a modernização do sistema jurídico chinês e aumentar a capacidade governativa, descreveu Wang Yi, director da Escola de Direito da Universidade Renmin. A Xinhua aponta que o projecto do Código Civil contém disposições gerais e seis partes sobre propriedade, contratos, direitos de personalidade, casamento e família, sucessão e responsabilidade civil. Este projecto “integra leis civis e regulamentos já existentes e modifica-os, adaptando-os a novas realidades”. Shen Chunyao, director da Comissão de Assuntos Jurídicos do Comité Permanente da APN, disse que a parte da responsabilidade civil traz “melhorias necessárias ao sistema ao implementar práticas úteis para interpretações judiciais”. Meng Qiang, professora de Direito no Beijing Institute of Technology, disse que o novo Código Civil melhora o regime de indemnizações em casos de sofrimento emocional causado por outrem. Tal mostra que as leis chinesas “estão a prestar mais atenção à protecção dos direitos pessoais e das questões de saúde mental”, disse a docente, citada num comunicado oficial da APN. Este projecto legislativo também se foca na protecção dos direitos dos consumidores que compram produtos com defeito ou sem qualidade. São também introduzidas punições para quem viola a lei de direitos de propriedade intelectual. Analistas ouvidos pela Reuters acreditam que o projecto do Código Civil mostra que o PCC quer dar mais protecção ao sector privado que tem estado numa situação vulnerável devido a abusos burocráticos e administrativos, e às dificuldades de acesso a mercados ou a créditos bancários. Rica Defesa A sessão anual da APN deverá incluir a aprovação do reforço orçamental para a pasta da defesa, mesmo em período de crise económica. O investimento explica-se com a relação com os Estados Unidos, que nunca esteve tão má, a questão de Taiwan, sem esquecer os conflitos no mar do sul da China. Aliás, ontem os Estados Unidos anunciaram a venda de equipamento militar à Ilha Formosa no valor de 180 milhões de dólares, com o objectivo de manter “o equilíbrio de forças” na região. Em 2019, o orçamento para a defesa aumentou 7,5 por cento, num contexto em que a economia chinesa cresceu 6,1 por cento. Mas com as quebras deste ano, o cenário parece desafiante, mas a China não dá sinais de querer deixar o seu posicionamento militar para segundo plano. “De um ponto de vista da segurança nacional, a China precisa de se fortalecer perante o Ocidente, sobretudo perante os Estados Unidos, que tem vindo a colocar mais pressão na China em todas as frentes, incluindo a militar”, disse à Reuters Xie Yue, professor de ciência política da Shanghai’s Jiao Tong University. Para o analista, é difícil fazer uma previsão relativa ao orçamento para a defesa, mas vai sem dúvida crescer. “Mesmo que o Governo corte em tudo o resto, não vai cortar no orçamento para a defesa”, apontou Tang Renwu, director da Escola de Administração Pública da Beijing Normal University. Em 2019, o orçamento da defesa foi de 119 triliões de yuan, o que representou 5 por cento do orçamento total do país e 1,2 por cento do PIB.
Universidade de Macau integra estudo mundial sobre efeitos psicossociais da pandemia Hoje Macau - 21 Mai 2020 [dropcap]A[/dropcap] Universidade de Macau (UM) vai integrar um estudo com outras 15 instituições de ensino superior e de investigação sobre os efeitos psicossociais da pandemia da covid-19 no mundo, anunciou o próprio estabelecimento de ensino. “O estudo tem como objectivo investigar os efeitos a longo prazo da pandemia (…) na saúde mental em todo o mundo, para fornecer orientações políticas (…) e fortalecer os serviços de saúde existentes, para abordar melhor as questões públicas de saúde mental, bem como aprofundar o conhecimento sobre como as populações de diferentes países respondem às adversidades e resistem perante o stresse e perturbações causadas pela pandemia”, pode ler-se no comunicado da UM divulgado na quarta-feira. O estudo vai realizar-se ao longo de um ano, até Maio de 2021, em 14 países, a maioria europeus, e vai ser liderado pela Universidade Livre de Amesterdão através do seu instituto de investigação e disseminação de intervenções psicológicas, um centro de colaboração com a organização Mundial de Saúde. O Centro de Estudos de Macau da UM participou no ‘desenho’ da pesquisa e vai coordenar a recolha de dados no território e nas regiões vizinhas.
IPM lança versão digital da primeira revista académica em português da Ásia Hoje Macau - 21 Mai 2020 [dropcap]O[/dropcap] Instituto Politécnico de Macau (IPM) lançou a versão ‘online’ da primeira revista académica em língua portuguesa na Ásia, criada em conjunto com a Universidade do Porto, anunciou a instituição. A revista “Orientes do Português” resulta dos esforços conjuntos do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa do IPM e da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. “Historicamente, as revistas internacionais de língua portuguesa têm-se concentrado principalmente no Brasil e em Portugal. Na região asiática, no entanto, ainda não existia nenhuma revista académica de padrão internacional editada em língua portuguesa e dedicada ao estudo da língua e cultura dos países lusófonos”, explicou o IPM em comunicado. “Perante este facto, as duas instituições tomaram a iniciativa de editar a revista (…), que, além de preencher esta lacuna, visa oferecer uma plataforma para a realização de intercâmbios académicos de elevada qualidade em que os estudiosos asiáticos de língua portuguesa possam apresentar os resultados das suas investigações”, pode ler-se na mesma nota. O objectivo da revista passa por se tornar num “repositório do que melhor se produz em termos de investigação académica em língua portuguesa no mundo, e em especial na China e na Ásia”. A revista está aberta a contribuições em áreas relacionadas com a linguística portuguesa, o contacto do português e as línguas asiáticas, o ensino e aprendizagem do português como língua não materna, estudos de tradução, estudos literários e culturais dos países de língua portuguesa, bem como as manifestações culturais, literárias e artísticas dos territórios e comunidades orientais onde a língua portuguesa tem influência.
Taiwan | Governo chinês adverte que jamais tolerará separação Hoje Macau - 21 Mai 2020 [dropcap]O[/dropcap] Governo chinês afirmou ontem que “nunca tolerará” uma separação de Taiwan do território chinês, no dia em que a Presidente taiwanesa, Tsai Ing-wen, do partido pró-independência, tomou posse para o segundo mandato. “Temos uma determinação inabalável, confiança total e todas as capacidades para defender a soberania nacional e a integridade territorial”, afirmou Ma Xiaoguang, porta-voz do Gabinete para os Assuntos de Taiwan do Conselho de Estado chinês, em comunicado. “Nunca toleraremos nenhuma acção separatista”, avisou. Reeleita em Janeiro passado para um segundo mandato presidencial pelo Partido Democrático Progressista (pró-independência) – uma vitória que sinalizou a forte oposição dos eleitores da ilha às reivindicações da China sobre aquele território -, Tsai defendeu ontem que as relações com Pequim atingiram “um ponto de viragem histórico”, e que “a paz, igualdade, democracia e diálogo” deveriam primar nos contactos entre os dois lados. “Não aceitaremos o uso de ‘um país, dois sistemas’ por parte das autoridades de Pequim para rebaixar Taiwan e prejudicar as relações entre os dois países”, disse Tsai. “Os dois lados têm a obrigação de encontrar uma forma de coexistência a longo prazo e de impedir que o antagonismo e as divergências se agravem”, considerou a Presidente da ilha, numa cerimónia de tomada de posse marcada pelo uso de máscaras de protecção e pelo distanciamento social, para travar a propagação do novo coronavírus. Tsai Ing-wen reiterou ontem a sua proposta de diálogo com Pequim e convidou o Presidente chinês, Xi Jinping, a trabalhar com Taiwan para reduzir as tensões. Divergências de sempre Por insistência da China, Taiwan foi barrada da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial de Saúde (OMS) e perdeu o estatuo de observadora na Assembleia Mundial da Saúde anual. No entanto, a resposta de Taiwan ao surto da covid-19 tem servido para afirmar a ilha, que funciona como uma entidade política soberana apesar da oposição de Pequim, como um dos territórios que melhor preveniu a doença. China e Taiwan vivem como dois territórios autónomos desde 1949, altura em que o antigo governo nacionalista chinês se refugiou na ilha, após a derrota na guerra civil frente aos comunistas. Taiwan, que se auto designa República da China, tornou-se, entretanto, numa democracia com uma forte sociedade civil, mas Pequim considera a ilha parte do seu território e ameaça a reunificação pela força.
Todo o texto é um vírus Luís Carmelo - 21 Mai 2020 [dropcap]D[/dropcap]epois de escrito, tudo o que está à vista de um texto são os olhos que o irão ler e prolongar. O que um texto procura são os seus futuros anfitriões, as suas enzimas próprias. É para este horizonte de propagação que um texto é criado. Ele tornar-se-á sempre outro e outro e é na passagem do tempo que poderá vir a ser eliminado ou retomado. E se for retomado, estará a ser traduzido. Traduzir aqui quer dizer rescrito, reposto num novo contexto, significado pela primeira vez de cada vez que é erguido para fora do seu momento original. Diga-se de passagem que um tempo original é sempre uma miragem, algo que tende a esvair-se e a diluir-se num nada invisível, irrespondível. Por exemplo: quem era a pessoa do nome Isaías que intitula tantos textos escritos entre o séc. VIII a.C. e o séc. VI a.C.? Que paisagem original se lhes conhece, a não ser a das pantominas dos catecismos ou a das sendas recriativas da netflix? Um texto existe para que o leiam, melhor: para que o traduzam indefinidamente. É esse o seu destino. A par desse destino apenas se ponderará um outro: o seu desaparecimento. Um corpo removido para um cemitério. Um cemitério removido da história. Os próprios textos ditos “sagrados” obrigam a que deles se faça uma ininterrupta tradução. É isso que os católicos, em última análise, designam por eucaristia. E é isso que outras religiões de origem semítica referenciaram por talmude ou por “hadíth”; são modos de comentar, traduzir e interpretar o que foi enunciado num texto. Essa obrigatoriedade de tradução, nem que fosse em jeito de visita guiada (por via hermenêutica, alegórica, anagógica, etc.), sempre correspondeu ao seu devir mais elementar. Sem essa obrigação permanente, os textos ditos “sagrados” não se transformariam em lei e esta em acto (para ser cumprido, transgredido ou ‘vigiado’). Traduzir é agrupar aquilo que um texto desmembra e reavivar de novo todo o seu organismo. Traduzir é recuperar o esplendor de um texto sem que se lhe conheça uma cura definitiva. Em cada tradução há um organismo fechado em si que se ergue e um outro que desaparece. No contínuo do tempo um texto nunca chega, portanto, a ser um campo delimitado, organizado e finalizado. Seja esse o caso de ‘Os Lusíadas’ ou de um dos livros de cordel do estado do Alagoas que tenho alinhado na minha estante. Existe um ímpeto Las Vegas em cada texto que escrevemos. Cada excerto que se lê aponta sempre para outros lugares do mundo e não só para o que literalmente consta da leitura. Uma pseudo-Torre Eiffel aponta sempre para a verdadeira e um pseudo-‘zattere’ veneziano aponta sempre para um outro cais de qualquer porto do mundo. O ADN destes simulacros que falam é precisamente o mesmo que entrevemos nas cordas de um violoncelo: cada nota aí produzida suscita e remete sempre para outras, num concerto sem fim que pode nem sequer ser ouvido. Mas que persiste, perdura. Já está no futuro e é apenas o futuro que visa. Cada texto é, afinal, esse violoncelo, essa Torre Eiffel de Las Vegas, esse nome bíblico Isaías ou, se preferirem, essa tradução de uma tradução que nos permite perceber o texto que estamos agora a ler no presente, como se sobre ele e antes dele nada mais tivesse existido. Entendamo-lo como um vírus que aparentemente não teria genoma, mas que, nas suas mais distintas camadas, acabaria por nos tocar e contagiar até ao mais profundo de nós. À imagem de todos os planetas, um texto está sempre em translação, embora a nossa secreta tentação passe por lê-lo como se ele estivesse parado. Imaginamo-lo à imagem de uma carapaça fechada em si mesma e com um significado entendido como final e resolvido. É estranho, mas é assim que uma grande parte da nossa cultura se habituou a elaborar o seu saber e muitos dos seus percursos, hábitos e normas: através de um estranho geocentrismo textual.
Entre o acaso e o bem António Cabrita - 21 Mai 2020 15/05/2021 [dropcap]N[/dropcap]o jornal que leio agora classificam-se os incêndios como “tremas do inferno”. Tremas? Tremas. E terá a liberdade poética escapado ao editor, normalmente tão sedentos a aplicar a plaina? Sofri horrores quando era jornalista, às mãos dos copy desks. Um dos meus maiores “inimigos” tinha um nome: António Loja Neves, que em nome do “livro de estilo” me assassinou vários textos. O jornalista ou foi inconsciente da sua formulação (às vezes um impreciso manuseamento da língua provoca por lapso efeitos de estilo, como na metáfora jornalista que me deu o título de um livro: os crimes montanhosos), ou foi engenhoso. Como eu agora que, ao saber que em Moçambique se estima que o auge do vendaval covid-19 terá lugar daqui a quatro/seis semanas (ou seja, não terminará este confinamento), proponho o seguinte: como o corona vírus propaga-se pelo ar, para se evitar males maiores, há que equipar com máquinas de vento todas as entradas nas cidades e os postos fronteiriços. 16/05/20 Procurava uma alma que merecesse participar no universo – uma frase do argentino Jorge Luís Borges. Uma frase de grande nitidez, mas nada evidente; a nossa tendência é evitá-la para não termos de interrogar: serei eu digno de participar no universo? Tal como a pele precisa de poros para respirar – dessa infatigável ligação com um exterior a si – também nós estamos ligados aos outros. Existe uma palavra para isso: vínculo. O outro é o nosso ponto de fuga ou de verbalização – daí ser um osso duro de roer restringir o nosso convívio com os demais. A leitura é de antemão uma forma de mitigação, posto oferecer-nos uma solidão acompanhada. Num bom livro as palavras estão vivas e despontam de um diálogo invisível. Quem não lê está mais sozinho, a ausência do outro faz crescer os lugares. Ler, pelo contrário, é abrigar o exterior a mim dentro de casa, acrescenta várias assoalhadas à nossa morada mas o espaço encolhe, acomoda-se ao cadeirão onde lemos, às mãos que seguram o livro. A vida, e falo por mim, é tantas vezes, um laboratório de más escolhas. E a poesia pode ser, neste processo de sondar as hipóteses, uma boa terapia. A poesia ensina-nos, não a errar menos mas a confiar menos na exclusividade do nosso juízo. Ao apresentar-nos outros pontos de vista, a poesia faz-nos examinar os nossos preconceitos não para rejeitá-los a rodo só por serem preconceitos, mas para avaliar quais devem ser preservados e quais não devem, e ensina-nos a reconhecer que quase tudo em nós é obra alheia – sendo esta percepção uma abertura para a humildade. A poesia tem esse chão e aponta-nos o caminho das raízes, ainda que sejam rizomas. Há pouco tempo escrevi num caderno: «Há palavras que procuram raízes,/Antes são a consciência amotinada/ Que à regra prefere a extorsão;/ São danadas as palavras à solta/ Antes de experimentarem o amor,/ A sua lei, ou a amenidade de questionar/ Que barcas afinal vogam ao acaso». Nenhuma barca deve vogar ao acaso. Podemos não ter ainda um rumo mas podemos entretanto não carecer de princípios. Era no que acreditava Simone Weil quando escreveu que a beleza é a harmonia entre o acaso e o bem. O acaso é o caos ou a tempestade que atravessamos e o bem o leme, que não nos deixa perder na borrasca e nos permite apreciar a beleza do mar, mesmo zangado. E que fazer, entre aceitar a borrasca como experiência e aprender a manejar o leme? Talvez o que reclama um poeta maior da língua portuguesa, o António Franco Alexandre. Diz ele: «(…) Fui aprendendo à força de querer/ Ser digno da invulgar metamorfose/ Que às vezes nos permite ser humano.» O poeta fala da raridade de ser humano e como isso só se atinge por uma metanóia, por uma superação. À força de querer ser digno: eis-nos convidados a examinar se não poderemos ser melhores. Porque essas raras ocasiões que nos autorizam a ser humanos dependem do peso que colocámos na questão inicial: tenho sido eu uma alma que mereça participar no universo? Serei eu digno de participar no universo, terei eu dobrado o penhor da beleza que herdei? A verdadeira questão que a vida nos coloca. E não é de agora que estamos aflitos, mas de sempre. Ando com tentações de abandonar tudo para me dedicar à jardinagem. Se alguém tiver por aí um aparador de relva que me empreste, não hesite. 17/05/20 Conta Plutarco que um dia Pirro fazia projectos de conquista; “Primeiro submeteremos a Grécia…”. “E depois”, pergunta-lhe Cineas, curioso. “Conquistaremos África…”. “Muito bem, e depois de África?”. “Passaremos à Ásia Menor, anexaremos a Arábia…”, “”Sim, isto começa a ganhar a escala de um projecto!”, anuía Cineas. E Pirro, de olhos brilhantes, continuou: “Iremos até às Índias…”. “E depois das Índias?”, “Ah, disse Pirro, aí descansarei…”. “Porque não descansar então agora?”, tornou Cineas. Julgo ser esta mesma a sabedoria com que a natureza nos governa – no oposto a Pirro. Tal como Deus ao sexto dia, vai cansar-se o coronavírus e sem semear mais mistérios descansará. Pena não ter sido ontem, mas o seu é um império de caniço. É com esta confiança que entro nas próximas semanas, abstraído de tremas, de olho vivo nas tramas.
Silêncio incómodo Pedro Arede - 21 Mai 2020 [dropcap]O[/dropcap] momento em que Chan Chak Mo pede a palavra, em plena troca incendiada de argumentos sobre decisão do IAM de proibir a exposição do 4 de Junho, para perguntar se seria aceitável que o deputado Sulu Sou viesse “vestido com roupa de Verão”, faz lembrar aquela falta a meio campo, que serve apenas para quebrar o ritmo e impedir um contra-ataque perigoso. Não que seja particularmente entendido em futebol, mas a partir desse momento a sensação que ficou, foi que o debate no plenário tinha acabado, dando lugar a um duelo engenhoso, mas mal disputado. A entrada a pés juntos de Chan Chak Mo foi eficaz e bem capaz de ter evitado danos maiores na imagem do Governo. As atenções, focadas até aí nas graves insinuações de Joey Lao sobre a inconstitucionalidade do evento que acusou de violar a primeira parte do princípio “um país, dois sistemas”, passaram para a t-shirt de Sulu Sou alusiva ao massacre de Tiananmen e acabaram na troca de acusações pessoais. Joey Lau foi certamente poupado a responder a mais questões incómodas se o debate tivesse seguido outro caminho e o presidente da Assembleia Legislativa, Kou Hoi In, obrigado a intervir. A troca de palavras sobre o tema voltaria, mas já sem a mesma intensidade, com o deputado eleito pelo Governo a manter o que tinha dito. Além disso, talvez motivado pelo bloqueio estratégico, o silêncio que se fez sentir foi, no mínimo, incómodo. É que além de Ng Kuok Cheong, Au Kam San, Sulu Sou e Mak Soi Kun, parece que as palavras de Joey Lau não fizeram estremecer mais ninguém no hemicíclio. Nem conservadores, moderados ou pró-democratas. Afinal de contas, estamos só a falar de declarações que colocam em causa a identidade e a lei de Macau das últimas décadas.
O falhanço do projecto europeu Jorge Rodrigues Simão - 21 Mai 2020 “Europe, it is true, is a geographical and, within certain limits, an historical cultural conception. But the idea of Europe as an economic unit contradicts capitalist development in two ways. First of all there exist within Europe among the capitalist States – and will so long as these exist – the most violent struggles of competition and antagonisms, and secondly the European States can no longer get along economically without the non-European countries. … At the present stage of development of the world market and of world economy, the conception of Europe as an isolated economic unit is a sterile concoction of the brain.” Rosa Luxemburg [dropcap]O[/dropcap]s peritos estão a lutar para fazer previsões sobre os possíveis cenários da pós-Covid-19, avaliando principalmente as consequências económicas. Definitivamente importante, mas de um ponto de vista social e psicológico, que sinal deixará esta experiência em cada um de nós? Vamos mudar a nossa forma de viver, de trabalhar, de nos relacionarmos e de viajar? Qual é a experiência que a Covid-19 nos ensinou? De um ponto de vista económico, o quadro é bastante visível. Face à pandemia, que se manifestou com esta rapidez, tornou-se evidente (pelo menos até agora) a inadequação das acções da maioria dos governos. A verdadeira dimensão das consequências da Covid-19 no nosso tecido socioeconómico poderá ser plenamente avaliada nos próximos meses e para além da pandemia, das implicações económicas, a mudança afectará tanto as empresas como o trabalho. Aqui estão dois cenários possíveis, porque a hipótese de uma solução rápida, é evidente que não é possível em que a primeira hipótese seria de um abrandamento a médio prazo em que a resposta dos sistemas de saúde pública não é decisiva; a taxa de sazonalidade e mortalidade do vírus é mais elevada do que a de uma gripe comum; o impacto socioeconómico na maior parte do mundo e a mudança substancial dos hábitos diários. As consequências são a de que a economia irá sofrer um impacto negativo até ao Outono se não houver uma segunda vaga. Alguns sectores (turismo, transportes, alojamento) serão fortemente afectados em resultado da tendência negativa da época estival. A segunda hipótese é do abrandamento a longo prazo com resposta tardia ou insuficiente dos sistemas de saúde pública. O vírus não é sazonal; a transmissão não cai com temperaturas elevadas; a taxa de mortalidade é muito mais elevada do que a da gripe comum. Os casos de reincidência estão a aumentar, apesar das medidas restritivas. A mudança radical dos hábitos diários tem como consequências a recessão global que afectará quase todas as economias mundiais sendo necessário alguns anos para retomar e para assegurar que o sistema económico tenha as condições imprescindíveis para recuperar.É essencial uma interacção rápida, eficaz e corajosa da política monetária e fiscal. Desde a chegada da Covid-19, as nossas vidas mudaram em questão de horas. A propagação do vírus está a ter um impacto nas nossas vidas que é difícil de subestimar. As mudanças que estamos a enfrentar serão profundas e não de curta duração. Estamos perante meses e talvez anos de mudanças radicais. Mudanças que exigem uma resposta adaptativa, que a maioria de nós parece estar a implementar com disciplina e calma. Antes de mais, cada um é chamado à cooperação, para que faça o que deve e o que pode. O contributo, o “esforço”, que nos é pedido no futuro próximo, faz-nos, provavelmente, vislumbrar algo do que poderá ser o pós-vírus. Estamos a redesenhar as nossas prioridades, as modalidades quotidianas; a redescobrir o prazer de muitas coisas que temos ignorado. Creio, no entanto, que recuperámos algo de importante que foi o tempo! Há duas dádivas, que a maioria dos homens não tem e cujo valor não apreciam que são a saúde e o lazer como disse Maomé. O nosso quotidiano já não é marcado pela tensão dos compromissos, telefonemas, actividades, pois a percepção do tempo dilatou-se. Acolheu-se no geral favoravelmente este momento, quase como se fosse um “retiro espiritual”. Voltou-se a insistir na partilha da vida familiar, mas continuou-se a manter os espaços individuais. O não constrangimento, mas quase libertação de vidas frenéticas que viram passar as semanas, meses, anos como um comboio de alta velocidade e que de repente parou e fez-nos descer e inquirir se tínhamos chegado ao fim da linha? Esperemos que não, mas agora, durante algum tempo, temos de ir mais devagar, “andar”, demorar a olhar e ver o que está à nossa volta; contemplar para o que está dentro de nós. Recuperar as nossas vidas! Esta pandemia (obviamente, infelizmente não do ponto de vista da saúde) dá-nos um ensejo, torna-se uma oportunidade. Cabe-nos a nós agarrá-lo e ver que mudanças podemos fazer; cada um por si, e juntos pela comunidade. A oportunidade de uma mudança sociopolítica é evidente. A mudança começa sempre na base, começa por nós. Porque não interpretar este vírus como um sinal natural (do universo ou daquilo em que todos querem acreditar), como se fosse um elemento de restauração, uma espécie de reinício! Cabe-nos a nós aproveitar esta oportunidade para produzir uma mudança radical. Creio que a humanidade tem uma oportunidade de dar um salto em frente, como ser “espiritual”, que depois se reflecte e se manifesta também em todas as outras esferas (relações, trabalho, política, economia). Por exemplo, nestes tempos apenas se fala de intervenções económicas a favor das famílias, dos trabalhadores e das empresas, mas com um enfoque diferente do anterior, pois discute-se como garantir a todos a possibilidade de satisfazer as necessidades básicas como alimentação, casa e saúde! Não se fala de competição, mas de criar uma relação de ganho ou seja, onde todos são convidados a fazer um esforço (pessoal e provavelmente também económico), para o bem da comunidade. É importante quando se fala de sobrevivência, auto-regulamentamo-nos imediatamente e conseguirmos entrar num modo que tínhamos esquecido. Concentrarmo-nos no essencial! Esta mudança positiva pode ser desencadeada pela necessidade (de sobrevivência ou autopreservação como nesta pandemia), mas para ser duradoura e gerar uma verdadeira mudança social, requer a vontade dos indivíduos de implementar uma “evolução” que leve a nossa consciência a um nível “mais elevado”. Isto permitir-nos-á implementar todas essas mudanças em todas as esferas como a pessoal, social, política e económica. Fácil? Absolutamente não. Será possível? Absolutamente, sim. Vai levar tempo, talvez gerações, mas se o foco, se o objectivo final for claro, podemos lá chegar. Uma comunidade (uma sociedade) mais equitativa, mais humilde e mais solidária, para que este mundo possa ser melhor para todos. O mantra desta emergência de todos tem uma vibração positiva muito poderosa. No entanto, é preferível comprometermos a que tudo de bom aconteça o que acontecer, no final, “tudo correrá bem!” O filósofo alemão Arthur Schopenhauer dizia que “A saúde não é tudo, mas sem ela, todo o resto é nada.” Qual a prioridade, a economia ou a saúde? A resposta a esta pergunta torna-se necessária, após a “trágica lição” do que o mundo está a sofrer por causa da Covid-19. A Covid-19 é, antes de mais, uma pandemia tal como foi definida pela OMS. Não devemos esquecer que a primeira prioridade continua a ser salvar vidas e matar o vírus. Todos devem fazer a sua parte Seria bom ouvir as respostas dos governantes a esta pergunta e depois compará-las com os debates internacionais das últimas décadas sobre opções orçamentais, inúmeros cortes na saúde, “negligência médica”, desperdício e má gestão de recursos e bens públicos. É evidente que não há dúvidas, a saúde é uma prioridade absoluta nas nossas vidas! Parece uma afirmação trivial. Depois a outra questão é de saber qual é o verdadeiro interesse político na saúde pública em relação ao respeito dos “parâmetros orçamentais” e outras opções em matéria de despesas públicas? Mais uma vez, temos de sublinhar como houve dois aspectos que trouxeram a nossa saúde a um nível de despreparo (tanto estrutural como de recursos), a primeira foi a diminuição contínua dos investimentos e das despesas correntes em saúde, devido a necessidades orçamentais, associadas a restrições europeias por exemplo no que concerne à União Europeia (UE), que impõem parâmetros de rigor. Estes parâmetros são números, que provavelmente não têm em conta a objectividade e a singularidade, devido à diversidade geográfica, demográfica e comportamental dos vários países. A segunda é a gestão “melhorável” das despesas de saúde. Há décadas que se tem vindo a discutir os resíduos, a má gestão dos cuidados de saúde e também o comportamento nem sempre profissional e responsável de alguns operadores do sector. Nunca devemos esquecer que as coisas funcionam, ou pelo menos podem mudar para melhor, se todos fizerem a sua parte, com responsabilidade, justiça e sentido cívico. Não há dúvidas de que a Covid-19 levará (pelo menos assim se espera) a ter uma atitude diferente em relação às escolhas políticas relacionadas com os cuidados de saúde, mas o importante é que o preço a pagar não se torne um nó duplo à volta do pescoço para aqueles que virão depois de nós, porque nessa altura morreríamos enforcados, mesmo estando de boa saúde! É igualmente claro que será necessária uma abordagem diferente, especialmente na lógica dos governos, no sentido de que terá de ser encontrado o equilíbrio certo em todos os aspectos. Para simplificar, por exemplo, face à necessidade de apoiar as despesas de saúde, qual será a escolha? Reduzir as despesas ou encontrar recursos? Actualmente, de todos os lados, há sinais como “um choque” como a Covid-19 exige que superemos as restrições do Banco Central Europeu e do Mecanismo Europeu de Estabilidade. A política terá de trabalhar para criar novos cenários socioeconómicos que coloquem os direitos fundamentais das pessoas em primeiro lugar, acima de tudo. Isto só pode acontecer se, perante qualquer escolha, a avaliação for orientada pelos valores fundamentais expressos nas Constituições, e se a política não age de forma decisiva, devem ser as pessoas a exprimir a sua vontade, com os instrumentos constitucionais à sua disposição. Daí que no futuro, não devemos esquecer o debate e as opções políticas para serem colocadas questões como a saúde ou a economia primeiro? Será que estas escolhas respeitam os nossos valores constitucionais? Qual será o impacto no nosso tecido social? Que preço estamos dispostos a pagar para apoiar estas escolhas? Que soluções possíveis, em conformidade com as Constituições, podemos implementar para resolver o problema? Dante Alighieri, no “Inferno” da sua “Divina Comédia” escreveu que “Esta maneira miserável de ignorar as tristes almas daqueles que vivem sem fama e sem elogios. Misturados são para aquele coro maléfico de anjos que não eram rebeldes nem fiéis a Deus, mas para si mesmos foram. Que expulsem os céus, para que não sejam menos bonitos, nem o inferno profundo os receba, para que não haja glória que os ímpios possam ter deles.” Os acontecimentos dramáticos desmascaram o falso e realçam a verdadeira identidade, para o bem e para o mal. Porque quando estamos “encurralados” a verdadeira natureza de cada pessoa, de cada comunidade e de cada “sujeito” (também entendido como um grupo) surge. A Covid-19 determinou quiçá o fracasso definitivo do projecto Europa (pelo menos na sua estrutura actual). A preguiça dos órgãos europeus e as profundas contradições surgiram primeiro na frente política, a UE não conseguiu produzir nenhuma iniciativa significativa, nem sequer de simples coordenação entre os vários Estados-Membros (ver, por exemplo, o encerramento unilateral das fronteiras imposto por alguns Estados durante o agravamento da pandemia); segundo na frente económica, nem é bom referir e o único “agradecimento” à nova presidente do BCE pelo que disse: (… talvez ela não soubesse da pandemia da Covid-19) “cabe aos governos reduzir os “spreads” com um comportamento prudente do lado das contas públicas”. E depois tentou recuar, dizendo “o BCE irá trabalhar para evitar a fragmentação num momento difícil da zona euro”, mas, nessa altura, o terror financeiro já se tinha espalhado e para compensar esta saída, no mínimo absurda, a factura (apenas provisória) é muito elevada e de quanto? A presidente do BCE escreveu que “O Conselho do Banco Central Europeu criou um novo programa de aquisição de emergência pandémico até ao final do ano, no valor máximo de setecentos e cinquenta mil milhões de euros, para além dos cento e vinte mil milhões de euros de compras adicionais anunciados em 12 de Março de 2020”, mas mais do que os aspectos estritamente económicos e financeiros, é de ter em conta outro aspecto, o de que as palavras têm peso e, neste caso muito peso! As palavras podem ser o resultado de uma reflexão racional (estudadas, preparadas, com um propósito preciso) ou podem ser uma manifestação emocional. Quando estamos sujeitos a uma forte pressão emocional (em momentos de raiva, desânimo ou desilusão, etc.) surgem os nossos medos e sentimentos mais profundos e, libertando os travões inibidores, expressamo-nos dizendo coisas que em situações de normalidade não diríamos (fora de auto-controlo, vergonha, medo ou mesmo auto-defesa). Qualquer das duas hipóteses, no caso dos dizeres da presidente do BCE, dado o papel que desempenha, são ambas muito graves pois primeiro se fosse um pensamento preparado dá para pensar, quem são os beneficiários (ou vítimas) da tempestade que se seguiu? E segundo se se tratou de uma “emoção” representa bem as convicções profundas dos responsáveis na Europa. É de deixar a reflexão e as conclusões a quem quiser. Além disso, enquanto o problema da Covid-19 parecia ser primeiramente, italiano e espanhol, não havia sinais de abertura por parte da Europa; depois, assim que os acontecimentos se precipitaram e mesmo a França e a Alemanha passaram a ser atacadas pela pandemia, a atitude mudou completamente; e os parâmetros de estabilidade, as aberturas sobre medidas financeiras, etc., foram ultrapassados. É de ter em conta um último testemunho dramático. O Conselho da União Europeia de 27 de Março de 2020 terminou mal; com uma clara divisão entre os países latinos (Itália, França, Portugal, Grécia e Espanha) e os países nórdicos, a Alemanha e os Países Baixos na liderança. Alguns ficaram desapontados com o facto de os “Corona Bonds”, títulos de dívida europeus que deveriam financiar os vários países, terem sido imediatamente postos de lado pelos países “nórdicos”, os Países Baixos e a Alemanha à frente da banda, que não queriam de todo falar sobre o assunto. O Primeiro-Ministro português António Costa ficou mais amargamente desapontado com o Ministro das Finanças holandês. Perguntou por que motivo “certos países” não tinham margem para medidas fiscais, ou seja, não tinham dinheiro para gastar, afirmando que seria necessária uma comissão de inquérito da UE. A reacção de António Costa foi veemente e, em termos inequívocos, afirmou: “Isto é uma conversa nojenta no quadro da União Europeia”. A expressão é precisamente esta: descontentamento. É de acreditar que ninguém está disposto a ouvir ministros das Finanças como os que ouvimos em 2008, 2009, 2010 e anos consecutivos”, advertiu António Costa, sublinhando que a pandemia “é um problema comum”… “O vírus afectou-nos a todos da mesma forma”… “Esta resposta é absolutamente inconsciente”. Os neerlandeses não querem obrigações comuns, não querem qualquer partilha de riscos. Nenhum, Zero. Mesmo os alemães, embora num tom menos agressivo, têm uma posição semelhante e para eles é “Incrível” que não muitos dos países da UE não tenham dinheiro para fazer face a uma queda de 10 por cento a 20 por cento. Talvez também tenham razão no final, pois podia-se começar a penalizar seriamente as empresas, como a “Fiat Chrysler Automobiles (FCA)” (e muitas outras), que mudaram a sua sede fiscal para os Países Baixos para evitar o pagamento de impostos sobre os lucros distribuídos. Talvez seja passível de punição a IKEA, que é propriedade, para não pagar impostos, de uma organização sem fins lucrativos ainda sediada na Holanda e com este sistema, os recursos poderiam ser facilmente recuperados. Talvez seja de recordar à Alemanha, a toda a Europa e a todos os países envolvidos nesse caso o que aconteceu com a dívida pública alemã após o fim da II Guerra Mundial. Que emergência é esta da Covid-19, senão uma guerra, da qual alguns países sairão provavelmente muito mais maltratadas do que outros, sem qualquer culpa de terem começado uma guerra? A história deve ensinar-nos. Mas o problema com os homens é o esquecimento. E depois? É o que é e nada mais! Que precisamos de compreender mais e declarar definitivamente o fracasso deste modelo europeu que está agora diante dos olhos de todos? As Repúblicas e as Monarquias da Velha Europa podem ser salvas, mas, para que tal aconteça, têm de se tornar as Repúblicas e Monarquias da Constituição.
Crime | Empresa de casamentos servia para transferir dinheiro para Hong Kong Hoje Macau - 21 Mai 2020 [dropcap]U[/dropcap]m casal, de apelidos Lei e Chan, é suspeito dos crimes de branqueamento de capitais, fraude e falsificação de documentos, que terão sido praticados através de uma empresa de organização de casamentos. Segundo informações da Polícia Judiciária (PJ), 37 pessoas terão sido vítimas de fraude depois de pagarem banquetes de casamento que nunca se realizaram, no valor total de 5,1 milhões de patacas. A PJ, que começou a investigar este caso em 2017, depressa percebeu que estaria em causa um envio ilícito de dinheiro para as contas bancárias de Lei e do seu irmão mais novo em Hong Kong. As transacções da conta da empresa de casamento para as contas de Lei e do seu irmão terão começado a ser feitas em Dezembro de 2015, num valor total de 3,3 milhões de dólares de Hong Kong. A PJ percebeu que Chan tinha comprado ao pai um apartamento em 2017, tendo pedido um empréstimo a um banco em Macau. A mulher terá também defraudado o banco em 2,3 milhões de dólares de Hong Kong ao apresentar falsos certificados de rendimentos e cadernetas bancárias. Além disso, Lei e Chan são também suspeitos de defraudarem o Governo através do programa de aperfeiçoamento e desenvolvimento contínuo em mais de 142 mil patacas. O crime terá ocorrido mediante a apresentação de documentos falsos relativos a um alegado centro educativo. Sobre este caso, o casal foi ouvido pelo Ministério Público em Junho de 2019. Esta terça-feira, a PJ localizou o casal na sua residência, tendo levado os suspeitos para a esquadra. Ao serem inquiridos, não conseguiram explicar as razões para as elevadas transferências bancárias para Hong Kong. Lei e Chan foram ontem ouvidos pelo MP.
Terrenos | Concessionárias voltam a perder contra o Governo Andreia Sofia Silva - 21 Mai 2020 [dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Segunda Instância (TSI) voltou a dar razão ao Governo em mais três casos de terrenos cuja concessão foi declarada nula pelo ex-Chefe do Executivo Chui Sai On. Em causa, estão três terrenos situados nas zonas C e D do Fecho da Baía da Praia Grande, e que tinham sido concessionados à Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. Esta concessão foi posteriormente transmitida às Sociedade de Investimento Imobiliário Wui Keng Van, S.A., Sociedade de Investimento Imobiliário Pak Keng Van, S.A e Sociedade de Investimento Imobiliário Pou Keng Van, S.A. Também na zona C do Fecho da Baía da Praia Grande o TSI decidiu a favor do Governo relativamente à decisão de despejo de um terreno, concessionado à Sociedade de Investimento Imobiliário Pak Keng Van, S.A. O TSI proferiu também duas decisões relativas à declaração de nulidade da concessão de mais dois terrenos, um deles situado na Estrada de Nossa Senhora de Ká-Hó, em Colone, concessionado à Sociedade de Investimento e Indústria Sun Fat. O outro espaço está situado na Zona Industrial de Seac Pai Van e tinha sido concessionado à Baía do Dragão Investimento Imobiliário Lda. Também o Tribunal de Última Instância (TUI), entendeu que o Governo tinha razão quando declarou nula a concessão de um terreno situado na Estrada Marginal da Ilha Verde e que foi concessionado à Companhia de Géneros Alimentícios Congelados Macau, Limitada.
Sulu Sou quer reforma da governação electrónica na AL João Luz e Pedro Arede - 21 Mai 2020 [dropcap]A[/dropcap] implementação da governação electrónica na Assembleia Legislativa (AL) “está a ficar para trás” e a prejudicar a participação do público, da comunicação social e dos próprios legisladores nos trabalhos diários do organismo. A ideia foi atirada ontem pelo deputado e vice-presidente da Associação Novo Macau, Sulu Sou, apontando que a maioria dos documentos da AL como pareceres, interpelações e as próprias leis ainda são produzidas em papel, até mesmo online. “Os documentos que são carregados no website são digitalizados a partir de documentos em papel e desta forma não existe a possibilidade de fazer pesquisas online. Se eu por exemplo quiser pesquisar uma lei, tenho de saber qual das comissões tratou do assunto e acho que a maioria das pessoas não tem de saber isso”, explicou. Segundo Sulu Sou, a explicação dada pela AL prende-se com a obrigatoriedade de todos os documentos estarem assinados, o que mostra, segundo o vice-presidente da Novo Macau o quão atrasado está o organismo em termos de digitalização de procedimentos, já que, apesar de a lei prever a validade das assinaturas electrónicas há 15 anos, estas não são consideradas internamente. No seguimento da ideia, afirmou ainda que “a governação electrónica da AL é boa para a educação e participação civil em Macau”, apontando que o organismo devia ser um exemplo a seguir neste aspecto, deixando uma referência aos tempos em que Ho Iat Seng era presidente da AL. “Lembro-me de Ho Iat Seng ter estado no plenário a responder a perguntas sobre governação electrónica e perguntou mesmo aos deputados quem é que tinha assinatura digital. Acho que muito poucos legisladores levantaram a mão e o Chefe do Executivo [Chui Sai-on] disse: ´se vocês não fazem isto como é que esperam que a população utilize as assinaturas digitais´. Sei que enquanto presidente da AL não melhorou esta questão”, rematou. Lista de pedidos De forma a “encurtar distâncias entre comunicação social, o público e a AL”, Sulu Sou aponta ainda a necessidade dos deputados serem detentores de ferramentas de identificação digital que permitam submeter directamente todo o tipo de documentos nas intervenções antes da ordem do dia. O vice-presidente da Novo Macau disse também que deve ser dada prioridade ao email em detrimento das cartas e do fax, as assinaturas digitais devem ser “validadas e regularizadas na AL” e ainda que deve ser permitida a submissão de documentos por parte da população.
Sara F. Costa, tradutora de “Poética Não Oficial – Poesia Chinesa Contemporânea”: “Há um trauma colectivo nestes poemas” Andreia Sofia Silva - 21 Mai 2020 Depois de “Transfiguração da Fome”, Sara F. Costa decidiu embrenhar-se no mundo da tradução de poemas chineses escritos após um dos períodos mais conturbados da história da China. “Poética Não Oficial – Poesia Chinesa Contemporânea” traz uma selecção e tradução para português de 33 poemas escritos após a Revolução Cultural [dropcap]P[/dropcap]orquê a escolha de autores do período pós-Revolução Cultural? Apesar de eu me ter guiado por um certo enquadramento tanto a nível temporal como conceptual, realço que se trata de uma selecção que tem muito de pessoal. Vão encontrar nomes sonantes como Bei Dao, Hai Zi, Gu Cheng, mas vão encontrar nomes que só se encontram deambulando de leitura em leitura pela cena literária dos hutongs em Pequim ou no bar da poeta Zhai Yongming em Chengdu, sem terem necessariamente publicado fora de revistas literárias independentes. O período da Revolução Cultural e o Pós-Revolução Cultural fascina-me particularmente quando falamos da poesia moderna porque é quando surgem movimentos como os “poetas obscuros” (朦胧诗⼈). É quando surgem as revistas não oficiais e os salões literários (沙⻰) que, no fundo, nunca deixaram de existir nos meandros citadinos da China. Acho que é, no seu conjunto, um trabalho que pode fornecer pistas para quem quiser aprofundar o seu conhecimento sobre poesia moderna chinesa. Que China que existe nestes poemas? Diria que há, sem dúvida, sintomas de um trauma colectivo nestes poemas. Há uma certa China desmistificada, um desalento face à privação de uma primordial mudança. De salientar que nem todos os poetas deste livro têm uma postura abertamente política. Alguns apenas quebram com determinadas barreiras estéticas e optam pelo recurso a uma linguagem mais vernacular. Na sequência dessas opções estéticas, acabamos por ter acesso a uma China moderna, simultaneamente intercultural e aculturada. Uma visão crítica face à sociedade de consumo e uma pertinente revisão do conceito de “sofisticação” que a sociedade chinesa adoptou (sobretudo em relação aos produtos estrangeiros). Qual o impacto que a Revolução Cultural terá tido nestes autores? É possível estabelecer alguma comparação com a poesia que se fazia antes desse período da história chinesa? Após o fim da era imperial e o surgimento da República em 1911, Hu Shi e Cen Duxiu, proclamam a utilização de uma linguagem vernacular em detrimento do chinês clássico na produção literária, naquela que ficou conhecida como a Revolução Literária. É também nesta altura que surge o verso livre. Depois da institucionalização da poesia, a poética não oficial (⾮官⽅诗坛) opõe-se à poesia oficial ortodoxa e institucional e quebra com imposições estéticas e de conteúdo, libertando-se dos espartilhos ideológicos que a poesia oficial impunha. É por isso uma poesia com maior liberdade. Contudo, esta poesia não rompe completamente com a longa linhagem histórica que continua a influenciar muitos valores estilísticos e mesmo de conteúdo na produção poética actual. Há caractectísticas que já se encontravam até antes da época de ouro da poesia chinesa, (dinastias song e tang) como a importância do ritmo, a imagética sofisticada, muitos conceitos taoistas (nas metáforas sobre silêncio, vazio, contemplação estóica, a não-acção enquanto acção, etc), a relação alegórica entre o natural e o humano e as reflexões sobre destino e poder. É interessante verificar que a relação entre política e poesia na China é também uma conexão ancestral. Desde Qu Yuan passando pelo poeta imperador Li Yu e os inúmeros estadistas que eram poetas durante a Dinastia Tang como Yuan Zhen, quando o acesso ao poder era feito através dos conhecidos exames confucianos que avaliavam, entre outras coisas, a capacidade de escrever poesia. O que é que a surpreendeu mais nestes poemas, no que diz respeito à mensagem que transmitem, à forma da escrita? Rompem com o que se vinha fazendo desde então na poesia chinesa? Surpreendeu-me essa lealdade à tradição ancestral que referi na questão anterior, mas ainda me surpreendeu mais a forma como o melhor dessa tradição se combina com uma certa dose de ousadia. Há uma harmonia entre classe, subtileza e a função disruptiva do poema moderno. É uma poesia de pormenores, com muitos traços experimentais. É um bom exemplo da criatividade que se encontra nos artistas chineses contemporâneos em geral. Um facto curioso: apercebi-me que vários dos autores dos poemas que traduzi se suicidaram. É uma coincidência interessante. No caso de Gu Cheng, enforcou-se depois de ter assassinado a esposa. Apesar de saber perfeitamente disso, fico na mesma perplexa perante esta confirmação sobre a natureza da poesia: é um assunto sério, intenso e muitas vezes violento. Que expectativas coloca em relação à resposta por parte do público português a este livro? Quem já se interessa por poesia, terá certamente curiosidade em dar uma vista de olhos naquilo que se anda a fazer naquela parte do mundo nesta matéria. Digo “anda a fazer” porque este trabalho é sobre contemporaneidade. Há outras formas de se aceder aos clássicos – dinastias song e tang – mesmo em português, com boas traduções. Mas há muito pouco em português sobre poesia chinesa actual. Este livro pretende ser precisamente um ponto de partida, facultando pistas e deixando referências. Grande parte dos poemas seleccionados neste trabalho não se encontram traduzidos noutras línguas mais amplamente estudadas por cá como o inglês ou o francês e a única forma de aceder a esses poemas é indo directamente à fonte em mandarim. Nesse sentido, encontro assim duas vantagens para quem quer complementar e aprofundar o seu conhecimento da literatura chinesa: uma visão – na organização e selecção que fiz daquilo que considero representar o avant-garde e a poesia “não oficial” e, por outro, o acesso exclusivo a um trabalho que incorpora alguns incontornáveis poemas traduzidos para outras línguas mas que é composto, maioritariamente, por poemas que até agora só estariam acessíveis a quem lesse mandarim. Quando se deu o seu primeiro contacto com esta literatura “underground” e porque lhe interessou esta cena literária? Quando fui para Pequim no início de 2018, o editor João Artur Pinto, da Labirinto, já me tinha lançado o repto para traduzir poesia chinesa para português, mas eu estava ainda a tentar encontrar exactamente o que gostaria de traduzir. Depois de conhecer a organização com a qual vim a trabalhar, o colectivo artístico Spittoon, foi quando tive um contacto próximo com a vida dos artistas boémios dos hutongs de Pequim e quando veio o ímpeto de me desafiar mim própria para este projecto. Depois de publicar “A Transfiguração da Fome”, como foi a transição para um trabalho de tradução deste nível? Um escritor tem necessariamente que ler. Ler o máximo que puder. Muitas vezes, ler coisas que são muito diferentes daquilo que escreve. Traduzir é uma forma de leitura contemplativa. É uma forma de interpretar um poema e dar-lhe uma nova casa. Uma casa linguística. Sem dúvida que traduzir faz parte de um processo criativo que complementa a escrita. Este foi um projecto muito pessoal e fi-lo sobretudo para aprender com ele. Desde ler bastante, seleccionar, aprender a traduzir, aprofundar conhecimento linguístico, etc. Foi um acto de imensa aprendizagem e de auto-formação. Esta obra estará disponível em Macau? Sim! O editor já está a tratar de fazer com que alguns exemplares se encontrem à venda fisicamente em Macau. O livro pode sempre ser encomendado à editora que enviará para qualquer destino.
Consulta pública do Plano Director avança em Setembro Pedro Arede - 21 Mai 2020 [dropcap]A[/dropcap] consulta pública sobre o Plano Director de Macau vai avançar em Setembro. A informação foi avançada ontem pela directora dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), Chan Pou Ha, à margem de uma reunião plenária do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU). A data da realização do plano que estabelece o ordenamento físico, condições de uso e aproveitamento dos solos do território, foi revelada a propósito do planeamento da construção da habitação económica previsto para a Ilha Verde. Segundo Chan Pou Ha, os detalhes sobre o bairro da Ilha Verde só serão conhecidos depois da publicação do Plano Director. “Ainda estamos a analisar [planeamento da Ilha Verde], porque primeiro temos de ter um Plano Director e depois é que podemos ter um plano de pormenor sobre a Ilha Verde. Vamos avançar para a fase de consulta pública em Setembro”, apontou a directora da DSSOPT. Questionada sobre se todos os projectos ficaram suspensos até à aprovação do Plano Director, Chan Pou Ha referiu acreditar que “é possível andar em frente ao mesmo tempo em diferentes situações”. “Primeiro temos de fazer o plano director e depois temos de analisar o relatório do CCAC e ainda temos de fazer outros trabalhos de acordo com a lei do planeamento urbanístico. Só hoje [ontem] organizámos mais de 20 casos, por isso acho que podemos fazer tudo ao mesmo tempo”, rematou. Segurança garantida Quanto à sessão plenária propriamente dita, o CPU deu ontem luz verde ao projecto previsto para o lote B do terreno onde estava a ser construído o empreendimento “Pearl Horizon” e que será destinado à construção de residências para idosos. O plano prevê ainda a construção de uma subestação de alta tensão, equipamento que motivou a preocupação de vários membros do conselho, nomeadamente ao nível da radiação e do ruído sonoro emitidos. Em resposta, um representante da Companhia de Electricidade de Macau (CEM) referiu estarem a ser cumpridas todas as exigências constantes na lei da RAEM e que ao nível do ruído, a utilização de novos materiais de isolamento do som oferecem garantias. “Trabalho há muito tempo nesta área e recebi apenas três queixas”, acrescentou.
EPM | Pais revelam descontentamento em carta enviada à direcção Andreia Sofia Silva - 21 Mai 2020 Falhas de comunicação entre a direcção e os pais, falta de coordenação e de uniformização na gestão do ensino à distância e pouco apoio a alunos com necessidades educativas especiais. São estas as queixas que constam numa carta enviada pela Associação de Pais da Escola Portuguesa de Macau à direcção presidida por Manuel Machado, bem como à DSEJ e ao Ministério da Educação em Portugal [dropcap]A[/dropcap] Associação de Pais da Escola Portuguesa de Macau (APEP) realizou uma assembleia-geral no passado dia 13 com a gestão do ensino à distância no período em que as escolas estiveram encerradas, devido à covid-19, a ser um dos pontos em debate. O HM teve acesso a uma carta, repleta de críticas à direcção da Escola Portuguesa de Macau (EPM), que não se fez representar nessa reunião. A missiva foi enviada ontem. “Vimos comunicar que alguns pais e encarregados de educação têm mostrado desagrado pela forma como a situação foi gerida ao longo destes 4 meses, tendo sido visível a descoordenação e a falta de comunicação da direcção da EPM, tanto interna como externa”, começa por apontar a carta que também foi enviada à Fundação da EPM, Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, Ministério da Educação em Portugal e Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong. A APEP considera que a forma como a EPM geriu o ensino à distância apenas permitiu o cumprimento “dos mínimos exigíveis e necessários, sem ambição nem inovação, e uma enorme falta de coordenação interna da escola, que não permitiu a adopção de procedimentos consistentes e uniformizados”. São também apontadas falhas na comunicação com os pais, algo que “foi particularmente sentido neste período específico”. Em causa estão mudanças nos horários de aulas online agendadas em cima da hora ou a ausência de informações de vária ordem. “E não se diga que estas falhas de comunicação são fruto das circunstâncias excepcionais que vivemos, pois a direcção da EPM sempre habituou os pais e encarregados de educação a viver com ausências de informação, bem como a receber a informação em cima da hora.” “Medida simbólica” A APEP aponta ainda o dedo quanto à “falta de uniformização de práticas e procedimentos entre professores e turmas, nomeadamente quanto aos meios de leccionação utilizados, quanto ao volume de trabalhos e de matéria leccionada e ao acompanhamento de cada aluno, o que não permitiu estabelecer um padrão mínimo de qualidade para todos os professores.” É ainda referida a falta de apoio sentida pelos alunos com necessidades educativas especiais. Esses apoios foram “manifestamente insuficientes e, de fins de Janeiro até ao presente momento, foram, em alguns casos, inexistentes”. A APEP questiona, portanto, se a EPM “está a promover verdadeiramente uma educação inclusiva”. Outro ponto de discórdia, prende-se com o final do ano lectivo. A APEP diz “não compreender a decisão” de adiar o final do ano lectivo até 3 de Julho, quando a DSEJ permite o seu prolongamento até 31 de Julho. “Não passa de uma medida simbólica que terá um reduzido efeito na recuperação da aprendizagem de conteúdos essenciais”, pode ler-se. Tendo em conta a possibilidade de ocorrência de um novo surto, a APEP deseja saber que formações vão ser dadas aos professores e quais os planos para a ocorrência de aulas em tempos de pandemia. O HM tentou chegar à fala com Manuel Machado, presidente da direcção da EPM, mas até ao fecho da edição não foi possível estabelecer contacto.
DSEC | Despesas de visitantes caem 70% no primeiro trimestre Hoje Macau - 21 Mai 2020 [dropcap]A[/dropcap] Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) divulgaram ontem os resultados das despesas dos visitantes no primeiro trimestre, as quais foram tiveram uma quebra na ordem dos 70,4 por cento devido à pandemia da covid-19, ao fecho das fronteiras e à suspensão dos voos. Os gastos, que não contemplam as despesas feitas nos casinos, foram de 5,01 mil milhões de patacas, devido ao facto de o número de turistas ter baixado 68,9 por cento em termos anuais. Ao contrário da quebra registada nas despesas dos turistas oriundos de Hong Kong e de Taiwan, as despesas dos visitantes da Coreia do Sul subiram 47,5 por cento, para uma média de 2.108 patacas por pessoa. Do total de despesas, 43,3 por cento destinou-se a compras, 27,4 por cento ao alojamento e 22,9 por cento à alimentação. No primeiro trimestre, os visitantes vieram a Macau essencialmente para participar em convenções e exposições ou para fazer compras, aponta a DSEC. Uma vez que no mês de Fevereiro não se realizou o Inquérito às Despesas dos Visitantes, estes dados dizem respeito aos resultados das amostras recolhidas nos meses de Janeiro e Março.
Turismo | Plano a “três velocidades” para recuperação do sector Hoje Macau - 21 Mai 2020 A primeira reunião plenária do ano do Conselho para o Desenvolvimento de Macau ficou marcada pela apresentação de um plano de recuperação do sector do turismo “a três velocidades”, depois da crise causada pelo surto de covid-19 [dropcap]M[/dropcap]acau vai apostar num plano a ‘três velocidades’ para recuperar os milhões de turistas que perdeu após o início da pandemia da covid-19. A informação foi prestada pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST) no âmbito da primeira reunião plenária de 2020 do Conselho para o Desenvolvimento de Macau, que se realizou na terça-feira. A DST “apresentou o plano de recuperação para a indústria de turismo de Macau, a ser realizado em três fases”, de acordo com um comunicado. Depois do encerramento dos casinos por um período de 15 dias, continua a registar-se uma perda de visitantes na ordem dos 93 por cento, com os ‘resorts’ e as salas de jogo praticamente desertos. Uma realidade transmitida pela secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong U, que presidiu à reunião, onde deu conta dos planos governamentais para a recuperação da indústria e dos turistas que, em 2019, se fixaram quase nos 40 milhões. Em causa estão “planos preparatórios” que a DST já discutiu com a indústria hoteleira, agências de viagens, companhias aéreas e transportadoras marítimas, segundo as autoridades. “A primeira fase arranca com um programa promocional para apoiar a indústria [de turismo] local, e preparar o terreno a nível nacional e do exterior”, indicou a mesma nota, num momento em que se mantêm as restrições dos vistos da China, o principal mercado turístico de Macau, e nas fronteiras, bem como medidas de prevenção que incluem a obrigatoriedade de uma quarentena de 14 dias no território. Na segunda fase, de acordo com a evolução da pandemia “e após a retoma das políticas de migração de algumas regiões, avançar-se-á com trabalhos de promoção”, que contemplam programas de excursão gratuitos de meio dia para os visitantes que pernoitarem na cidade. Na terceira e última fase do programa turístico, “consoante a recuperação do mercado internacional, serão definidos planos preparatórios para a recuperação da indústria, com foco no lançamento de medidas de incentivos para redes de transportes aéreos, marítimos, autocarros transfronteiriços”, sublinhou-se no comunicado. Hengqin na mira Na mesma reunião, a DST acrescentou que, além das três fases, foi estabelecido “contacto com os operadores turísticos, com vista a conceber viagens locais a Hengqin, para contribuir para a revitalização da economia”. Macau, com apenas 30 quilómetros quadrados, tem planos de expansão de serviços, residenciais e ligados ao turismo, já validados por Pequim, para a ilha de Hengqin. Esta é uma fase para a qual será determinante a recuperação do mercado internacional, frisaram as autoridades.
Tiananmen | Alvis Lo defende medidas de prevenção contra a covid-19 Salomé Fernandes - 21 Mai 2020 [dropcap]M[/dropcap]edidas de prevenção, como o distanciamento social, devem manter-se, caso contrário a situação epidémica de Macau pode alterar-se. Foi esta a ideia defendida ontem pelo médico Alvis Lo Iek Long, em conferência de imprensa, perante as questões sobre o Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) não ter dado autorização à realização da vigília que assinala o massacre de Tiananmen. A decisão foi justificada com as medidas de contenção recomendadas por causa do novo tipo de coronavírus. Lei Tak Fai, representante da CPSP, reiterou que o Governo apela a que não se façam reuniões e a evitar a concentração de pessoas. A explicação foi curta, remetendo para uma nota de imprensa anterior sobre o tema. “Gostaríamos de concentrarmo-nos nas questões sobre a epidemia nesta conferência de imprensa”, disse. Macau registava ontem 42 dias sem novos casos, e todos os que se registaram até ao momento já receberam alta hospitalar, estando seis pessoas a cumprir o período de convalescença no centro clínico de saúde de Coloane. Alvis Lo Iek Long, recordou que a situação actual de zero casos foi conseguida com o esforço do Governo e da população, através do distanciamento social. “Mas se ficarmos relaxados ou baixarmos a guarda a situação pode ser diferente. Isso é [algo] que a população não quer ver. Agora Macau parece muito estável, mas os trabalhos têm de continuar, ainda precisamos de fazer bem os trabalhos de controlo da epidemia. Do início até agora, os Serviços de Saúde mantiveram sempre as mesmas orientações para evitar aglomeração de pessoas. No futuro, quando se registar abrandamento, podemos fazer uma alteração das medidas”, disse o médico adjunto da direcção do Centro Hospitalar Conde São Januário (CHCSJ). Sem comentários Perante a insistência dos jornalistas sobre a possibilidade de a vigília se realizar em moldes diferentes, e o recordar de que se vão realizar outras actividades propensas a aglomerações de pessoas, tais como as Regatas de Barcos-Dragão, o médico não prestou quaisquer esclarecimentos. “O conteúdo deve ser focado no combate à epidemia, não vamos comentar qualquer caso individual”, declarou, comentando que o foco deve estar nos assuntos comuns e não devem comentar casos ou pedidos específicos. “A ideia desta conferência é partilhar as sugestões gerais para o combate à epidemia”, acrescentou o médico. Pouca segurança O médico Alvis Lo Iek Long indicou que noutros locais do mundo “as medidas não são tão seguras como em Macau”. Em causa estava a possibilidade de pacientes com alta voltarem a testar positivo para a covid-19. Por outro lado, o responsável explicou também que há pessoas com isenção de quarentena em Zhuhai porque as duas cidades têm situações semelhantes, recordando a necessidade de testes regulares e a apresentação do código de saúde. O médico reiterou ainda a necessidade de atenção, já que entre a primeira e segunda vagas houve uma diferença de 40 dias. Questionado sobre Donald Trump estar a tomar hidroxicloroquina para protecção contra o novo coronavírus, Lo Iek Long disse que não podia comentar, mas ainda assim indicou que sem a doença não considera aconselhável a tomada do medicamento. E observou que para se confirmar se um medicamento deve ser usado para tratar a covid-19 são precisas “muitas provas científicas”.
CCAC | Gestão de casinos e hotéis motiva mais queixas Salomé Fernandes - 21 Mai 2020 O relatório do Comissariado contra a Corrupção alerta que sobre o sector privado têm sido recebidas mais queixas e denúncias relativas à gestão de casinos e hotéis. Apesar de no combate à corrupção haver menos crimes funcionais, aumentaram os casos a envolver agentes policiais. Mas as queixas e denúncias nem sempre correspondem à verdade [dropcap]A[/dropcap] gestão de casinos e hotéis de grande envergadura têm motivado uma subida das queixas junto do Comissariado contra a Corrupção (CCAC). A informação foi avançada pelo relatório do organismo relativo ao ano de 2019, ontem divulgado. No documento, lê-se que as denúncias envolvem sobretudo irregularidades no âmbito de concursos públicos de empreitada, aquisição de bens e materiais, bem como do recrutamento e promoção de pessoal. O comissário contra a corrupção, Chan Tsz King, garante atenção ao risco da prática de crimes de corrupção no sector privado, “promovendo a ética empresarial e o desenvolvimento saudável do sector”. No combate à corrupção, destaca-se uma redução no número de crimes funcionais. Uma proporção elevada dos casos investigados disse respeito à falsificação de documentos. No entanto, ao nível das infracções legais e disciplinares cometidas por funcionários públicos, aumentaram os casos cometidos por agentes policiais. “O CCAC tratou vários casos relativos a infracções disciplinares cometidas por agentes policiais, envolvendo principalmente entradas em casinos e crimes de burla”, pode ler-se no documento. Os subsídios públicos atribuídos pelo Governo voltaram a estar em foco no relatório, com investigações a “uma série de casos de burla” que envolveram apoios do Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética e do Programa de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento Contínuo. No prefácio do relatório, Chan Tsz King aproveitou para dizer que o CCAC combateu os casos fraudulentos de obtenção de subsídios e fundos públicos “igualmente e com toda a firmeza”. O alegado caso de corrupção respeitante aos principais dirigentes do Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau (IPIM) relacionado com os pedidos de autorização para fixação de residência também mereceu menção do comissário. Já ao nível da provedoria de justiça, a investigação dos casos levou à conclusão de que “muitas vezes, a gravidade do problema não reside na violação de disposições legais, sendo que o que acontece, com maior frequência, é o facto de os serviços públicos enfrentarem problemas aquando da execução das normas legais abstractas”. Ainda assim, o comissário entende que há “um grande espaço para melhoria” por parte dos serviços para darem uma resposta aos problemas dos cidadãos. Sobre os inquéritos realizados nesta área, a conclusão geral do CCAC é que ainda existem “várias circunstâncias em que os serviços públicos, ao lidarem com assuntos administrativos, não cumpriram rigorosamente a lei e actuaram com imperfeições”. Investigador sob investigação Um dos casos revelados no relatório é o de uma burla associada aos subsídios do Programa de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento Contínuo, em que o CCAC descobriu o envolvimento de um investigador da Polícia Judiciária (PJ). Em conjunto com o responsável de um centro de educação, terá aliciado cidadãos a inscreverem-se nos cursos a troco de uma “vantagem pecuniária, ilícita”, e organizado cursos fictícios. Os subsídios obtidos superaram 540 mil patacas. O caso já foi encaminhado para o Ministério Público, com os envolvidos suspeitos de crimes de burla e falsificação de documentos. Em comunicado, a PJ esclareceu que instaurou “imediatamente” um processo disciplinar contra o investigador criminal, “dando início à respectiva investigação nos termos da lei”. O agente foi suspenso das suas funções. “Não são tolerados quaisquer actos que violem a lei e a disciplina e serão aplicadas as devidas medidas legais se os factos forem comprovados”, reagiu por sua vez o Gabinete do Secretário para a Segurança. Aceitando as sugestões apresentadas pelo CCAC, exigiu ainda que os serviços da tutela façam “uma revisão profunda sobre os mecanismos de gestão interna e de monitorização”. Por outro lado, o relatório dá a conhecer uma queixa contra o Instituto de Acção Social (IAS), por negligência. O organismo enviou a notificação para renovação do cartão de registo de avaliação da deficiência para a morada de correspondência da pessoa, quando esta estava a cumprir pena. O incidente não passou sem reparo: “o IAS deveria ter conhecimento de que o queixoso se encontrava em reclusão”. O IAS comprometeu-se com a “revisão e ao aperfeiçoamento do referido mecanismo de sinalização” e que depois da queixa ter sido analisada, o subsídio de invalidez do ano de 2018 foi concedido ao queixoso. Denúncias falsas Também houve espaço para reconhecimento positivo no relatório. O caso partiu de uma denúncia anónima para o CCAC a alegar que os Serviços de Saúde fizeram concursos de recrutamento em que membros do júri eram parentes de candidatos. Durante a investigação, descobriu-se que uma candidata era prima do cônjuge de um membro do júri. O grau de afinidade não constituía uma irregularidade, mas ainda assim o membro do júri em causa pediu escusa, tendo o pedido sido deferido pelos Serviços de Saúde. Algo que o CCAC considerou “uma prática que merece reconhecimento”. Nesta situação, o problema foi a queixa, que se concluiu ter intenção de “culpabilizar inocentes”. Da denúncia “resultou um desperdício de uma quantidade significativa de recursos e de tempo do CCAC e das respectivas autoridades envolvidas, tratando-se de um acto que deve ser censurado”. O alerta para estes casos foi deixado também no preâmbulo do relatório. Chan Tsz King indicou que mais de 50 por cento das queixas e denúncias recebidas no ano passado foram anónimas, e que mais de 66 por cento não eram verídicas ou que eram inviáveis para terem seguimento de forma a obter “resultados frutíferos”. No relatório, acrescenta-se ainda que para dar resposta a estas situações o CCAC vai “aplicar um plano especial, vocacionado para prevenir que o mecanismo de apresentação de denúncias seja utilizado de forma abusiva”. Menos reclamações No geral, o CCAC recebeu 584 queixas e denúncias em 2019, o que representa uma descida de 20,3 por cento comparativamente ao ano anterior. O organismo concluiu 752 casos, incluindo alguns transitados do ano anterior. Na área da corrupção, 15 foram encaminhados para o Ministério Público, dois remetidos para outras entidades e 170 arquivados. Já na provedoria de justiça, as entidades públicas receberam 76 casos aos quais deu acompanhamento, enquanto 489 foram arquivados.
Associação das Mulheres de Macau comemora 70 anos João Santos Filipe - 21 Mai 2020 Com mais de 43 mil sócios, e um historial de assistência social, que se traduz num grande reconhecimento popular, a Associação das Mulheres é uma das forças políticas mais fortes do território. Tina Ho, a irmã do Chefe do Executivo, é a actual presidente, mas a ligação entre a associação, o partido comunista e as elites locais não é uma excepção, tem sido a regra da realidade das “Mulheres” desde a sua criação [dropcap]F[/dropcap]oi a 21 de Maio de 1950, há precisamente 70 anos, que um grupo de mulheres se juntou e fundou a Associação das Mulheres de Macau. Entre as presentes constava Lo Pak Sam, mulher do empresário Ma Man Kei, próximo do Partido Comunista Chinês, que na altura liderava a Associação Comercial de Macau. É por esse motivo que a primeira sede se localizou no 2.º andar do edifício dessa associação. No entanto, a ideia de um grupo de mulheres chinesas se juntar em organizações não governamentais para promover os direitos femininos não foi uma inovação do território. Foi apenas a extensão em Macau da tendência encorajada pelo Partido Comunista Chinês, no Interior, logo após ter vencido a guerra civil e fundado a República Popular da China, em 1949. “A Associação das Mulheres é uma extensão da Federação de Todas as Mulheres da China [All-China Women’s Federation, em inglês]. E no caso da organização-mãe falamos de uma estrutura que apesar de servir as bases, com implementação popular, sempre foi liderada por mulheres com um alto nível de educação, que em muitos casos até tinham estudado no Ocidente. Não era liderada por pessoas de base”, explicou Larry So, académico e comentador político, ao HM. “A partir de 1949, com a criação da organização-mãe houve um conjunto de filiais a serem fundadas por todas as províncias e cidades da China. Nestes casos eram adoptadas estruturas com um poder muito centralizado em Pequim. E o mesmo aconteceu em Macau e Hong Kong”, acrescentou. Mas, se no Interior a associação agrupava as mulheres tidas como revolucionárias e apoiantes do partido, em Macau, um território que ainda estava longe de ser entregue para ser administrado pela China, muito do apoio à associação residia nas mulheres dos empresários próximo do regime. A natureza da associação ficou ainda mais clara com o incidente do 1,2,3, em 1966, quando a administração portuguesa expulsou as associações de cariz nacionalista do território, os movimentos que apoiavam o governo de Chiang Kai Shek, radicado em Taiwan. “A associação foi criada pelo Partido Comunista e concentrava um conjunto de mulheres revolucionárias. Claro que em Macau não eram propriamente revolucionárias, mas mulheres com uma certa ideologia de esquerda ligadas à elite local”, considerou João Guedes, jornalista e investigador. “Esta elite local engloba os chamados capitalistas patriotas, que apoiavam abertamente a República Popular da China e que tinham várias associações. A Associação das Mulheres era uma dessas plataformas”, explicou, sobre o contexto do surgimento e afirmação do grupo. De resto, a ligação entre o partido e a associação nunca foi escondida. As fotografias de arquivo das actividades internas apresentam frequentemente bandeiras da República Popular da China e retratos de Mao Tsé-Tung. Alta liderança Apesar de ser uma associação que se destaca pelo papel social desempenhado, com uma forte componente de assistência às camadas sociais mais desfavorecidas, a liderança apresentou sempre um cariz elitista bem vincado. Por isso, as presidentes, e principalmente a partir dos anos 70, foram sempre mulheres ligadas aos empresários locais mais poderosos. Lo Pak Sam terá sido a cara mais visível deste aspecto, uma vez que assumiu a presidência entre 1976 a 2000. A mulher de Ma Man Kei teve como sucessora Ho Lai Cheong, mulher do empresário Chui Tak Kei, tio de Fernando Chui Sai On, que desempenhou o cargo de Chefe do Executivo entre 2009 e 2019. Actualmente, e desde 2006, a presidente é Tina Ho Teng Iat, empresária e irmã de Ho Iat Seng. “Quando falamos das senhoras que fazem parte dos órgãos sociais, estamos a falar de grandes personalidades do território. Apesar de a organização ter um serviço para as bases da população, é uma associação que reúne as mulheres ricas e com um certo estatuto social”, apontou João Guedes. Todavia, Larry So sublinha que a associação se limita a ser um clube de caridade: “Quando olhamos para os órgãos sociais, e mesmo nos dias de hoje, podemos dizer que é um clube de caridade de mulheres ricas”, reconhece. “Mas, um olhar profundo às ligações e contactos dos membros permite-nos perceber que a missão é essencialmente política, muito mais do que social”, sublinha. Se, por um lado, a associação engloba algumas das mulheres mais influentes no território, por outro, e no que diz respeito ao trabalho de assistência social, a hierarquização não é um factor muito presente. Esta é a opinião de Anabela Ritchie, ex-presidente da Assembleia Legislativa, e membro da associação. “Se disserem que é uma associação liderada por elites… Talvez essa observação não esteja muito longe da verdade. Mas no dia-a-dia da associação e nas actividades em que me envolvo, que dizem respeito ao cariz da assistência social, nunca notei que alguém utilizasse o estatuto para se sobrepor”, relatou a macaense, ao HM. Ao serviço do partido Por volta de 1957, no Interior, a Federação de Todas as Mulheres da China, apesar de se manter como organização sem fins lucrativos, passa a ficar oficialmente sob o controlo do partido. É nessa altura que há uma mudança do nome original, Federação de Todas as Mulheres Democráticas da China, para o actual. A referência à vertente democrata, como se tratavam as mulheres de esquerda na época, caiu e a tendência foi seguida em Macau. É verdade que o registo oficial, de acordo com os dados apresentados no livro da associação de comemoração dos 60 anos, só foi realizado nos anos 80, altura em que também foi publicado no Boletim Oficial. Mas, a Associação das Mulheres de Macau era até aí conhecida como Associação das Senhoras Democráticas de Macau. Um nome que no idioma português sobreviveu durante mais anos. É possível encontrar a utilização do nome antigo em português em arquivos do Gabinete de Comunicação Social pelo menos até 2005. Porém, a utilização da associação para servir o Governo Central vem desde o início. “A infiltração em associações com um forte cariz popular, ou a criação das mesmas, sempre foi uma forma de actuar do Partido Comunista. Houve sempre o objectivo de infiltrar nas associações os membros para assegurar o controlo e divulgar a ideologia do partido. E este modo de operar ainda hoje não mudou”, considera Larry So. “Além da defesa dos direitos das mulheres, e da vertente de assistência social, a associação tem como missão manter a estabilidade na comunidade, o que é um papel visto como muito importante em Macau. É um meio indispensável para ouvir as opiniões e controlar as bases”, complementou. A missão política da associação foi igualmente frisada por um dirigente português, que pediu o anonimato. “A associação surgiu em Macau, não só para organizar as mulheres na defesa dos seus interesses, mas para enquadrar e dinamizar actividades junto da comunidade chinesa de defesa do sentido patriótico ligado à República Popular da China”, apontou. “As actividades que desenvolveu foram sempre com o objectivo de promover a República Popular da China em Macau. Neste sentido, a assistência popular foi sempre uma forma de ganhar o apoio popular”, acrescentou a mesma fonte. Por sua vez, a associação não esconde a agenda pró-Pequim nem as diversas actividades realizadas em sintonia com o Governo Central, mesmo durante a administração portuguesa. Segundo o registo de actividades da associação, publicado em 2010, é referido que Outubro foi organizado no ano de 1960 uma manifestação contra o apoio do governo da República Portuguesa e o Executivo da República da China, ou seja Taiwan. Meses antes, em Junho, a Associação das Mulheres havia conduzido uma actividade abertamente anti-Estados Unidos. Já durante o incidente que ficou conhecido como o 1,2,3, em 1966, quando a população chinesa se revoltou contra o Governo português por não ter autorização para abrir uma escola, a associação toma partido pelos manifestantes e, num acto simbólico, envia uma comitiva para visitar os primeiros feridos. Reconhecimento popular Agenda política à parte, na população há um grande reconhecimento pelas acções de assistência social promovidas pela organização que, segundo os dados oficiais disponibilizados ao HM, tem mais de 43 mil associadas. “A Associação das Mulheres de Macau sempre foi muito popular, talvez mais no passado. Numa altura em que não havia dinheiro no território e prestava vários tipos de assistência social. Como ajudava uma grande parte da população, tem esse reconhecimento”, aponta o analista Larry So. Esta é uma visão partilhada por Anabela Ritchie, que confessa só ter tido tempo para se dedicar à associação depois de ter deixado de exercer funções políticas. “Tenho estado envolvida nos trabalhos da associação de assistência social e sou curadora na escola da Associação das Mulheres de Macau”, reconheceu. “É uma associação que tem um trabalho notável na área da assistência social, com muito apoio às mulheres, às famílias e também às crianças. É inegável que tem um histórico riquíssimo de serviço”, sublinhou. Estas actividades de apoio à população estão documentadas num artigo produzido por Lou Shenghua, professor catedrático do Instituto Politécnico de Macau, com o nome “Desenvolvimento económico e social e a acção da assistência e da caridade em Macau na segunda metade do Século XX”. Segundo o levantamento do académico, desde a sua criação que a associação disponibilizava aos mais necessidades subsídios médicos, de nascimento, casamento e para funerais. Também para os mais necessitados era entregue o chamado “subsídio de conforto”. Ainda no âmbito dos apoios à população, a associação distribuía arroz no final do ano e organizava cursos em que se ensinavam às mulheres valências que lhes permitissem encontrar um emprego, como cursos de costura. O primeiro curso do género foi disponibilizado logo em Abril de 1950, um mês antes da data de nascimento oficial. No entanto, o reconhecimento da Administração Portuguesa do papel da associação na vertente social só chegou em 1989, já depois de assinada a declaração conjunta Luso-Chinesa, que selou a transferência da soberania. A 5 de Junho desse ano, o Governo de Carlos Melancia conferiu a Medalha de Mérito Filantrópico à “Associação das Senhoras Democráticas de Macau”. Transformação com a RAEM Embora sempre tenha sido uma força política, a Associação das Mulheres só recentemente se afirmou em nome próprio, nomeadamente em 2017, quando apresentou uma lista independente à Assembleia Legislativa. Os eleitores não viraram costas à associação e Wong Kit Cheng, vice-presidente, garantiu um lugar no hemiciclo. Esta mudança, motivada por motivos pragmáticos, não deixa de ser reflexo de um reposicionamento que surgiu depois da criação da RAEM. Apesar de ter diversificado os apoios sociais, com a oferta de aconselhamentos matrimoniais, jurídicos, ou apoios à terceira idade, o Governo assume cada vez mais as funções de intervenção social, ao mesmo tempo que as associações tradicionais se afirmam mais como políticas. A tendência foi notada por Lou Shenghua, que fala numa transformação da filantropia local de “assistência popular mútua de ajuda para a assistência de intervenção Governamental”. Mesmo assim, o motivo para a “separação” da aliança tradicional com a União Geral dos Moradores de Macau (Kaifong), uma associação quase gémea, foi pragmático. “A separação entre as associações é uma estratégia eleitoral, porque é sempre mais fácil eleger dois deputados em listas separadas do que na mesma lista. Mas, não se pode dizer que tenha havido uma grande alteração no relacionamento entre as duas”, afirmou Larry So. “Se formos muito rigorosos, nem podemos apontar diferenças na forma como se posicionam politicamente. A Associação das Mulheres pode focar uma agenda com mais temas de género, mas em termos de ideologia, o valor principal, estão ao nível dos Kaifong. São associações que fazem a ligação com as camadas mais pobres e que seguem o Governo”, sustentou. Uma análise semelhante é feita pelo académico Bill Chou, que em 2005 publicou um artigo sobre os grupos de interesses políticos na RAEM. “No essencial, a função política que assumem é a mesma: são veículos da China para executar a política de Frente Unida”, sublinhou o professor, face à posição das associações em relação ao Governo Central. A visão é igualmente partilhada por um dirigente português, que pediu anonimato: “São duas associações vistas como frentistas do Governo Central em Macau. Foram fundadas com esse propósito e é um papel que mantêm, assim como a Federação das Associações dos Operários”, aponta. Conservadoras? No que diz respeito aos assuntos de género, a Associação das Mulheres de Macau tem pautado a actuação por valores conservadores. Este facto ficou bem demonstrado quando, em 2016, não deu o apoio à proposta que visava transformar a violência doméstica em crime público. Como resultado a proposta foi chumbada e apenas seria passada anos mais tarde, desta feita já com o apoio da associação. “Não há dúvida que a sociedade de Macau é muito conservadora. Supostamente nas sociedades as associações e as organizações não-governamentais assumem um papel de promoção de mudança e resolução de problemas sociais”, começou por realçar Bill Chou, sobre a opção das Mulheres. “Mas este estilo não faz parte das lideranças das Mulheres nem dos Kaifong, que são mais conservadoras e sem capacidade de promover este tipo de liderança”, considerou. Por sua vez, Larry So não contesta a visão de uma associação conservadora, porém, explica a abstenção com a lealdade ao Governo: “O voto não foi tanto por ser uma associação conservadora, mas antes porque são uma força tradicional e seguem as decisões do Governo”, justificou. “E como passados três anos o Governo mudou de posição eles também o fizeram. É uma associação muito leal ao Executivo”, explicou.
Tiananmen | CPSP não autoriza habitual vigília. Organizadores recorrem da decisão Hoje Macau - 20 Mai 202021 Mai 2020 Depois da recusa do pedido para a habitual vigília que marca o dia do massacre de Tiananmen, Au Kam San, um dos organizadores, revelou ao HM que vai recorrer para o Tribunal de Última Instância. Analistas alertam para o atentado aos direitos fundamentais. Do ponto de vista jurídico, Jorge Menezes destaca a violação da liberdade de expressão [dropcap]O[/dropcap] pedido para a vigília que assinala, a 4 de Junho, as vítimas do massacre da Praça de Tiananmen, foi rejeitado pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), segundo noticiou ontem a TDM – Rádio Macau. A decisão das autoridades policiais é histórica, e abre um precedente em três décadas em que se assinalou a data em Macau. A CPSP justificou a decisão com as “actuais circunstâncias” de controlo da propagação da covid-19, quando já não existe qualquer infecção no território, e um dia depois do director dos Serviços de Saúde ter referido que Macau corria um risco de contágio “muito baixo” e que a abertura das piscinas públicas estaria para breve. Em declarações ao HM, o deputado Au Kam San, um dos organizadores da vigília, mostrou inconformismo perante a decisão e garantiu que irá interpor recurso para o Tribunal de Última Instância. O legislador elencou uma série de razões para recorrer. Do ponto de vista jurídico, entende que, como a organização apenas apresentou um pré-aviso, a recusa do CPSP “não tem fundamento jurídico”, ao abrigo da Lei do Direito de Reunião e Manifestação. Apesar de reconhecer a importância da prevenção à pandemia, o deputado pró-democracia acha que as autoridades poderiam ter exigido medidas apropriadas para garantir a saúde pública e permitir a realização da vigília. “Justificar com a prevenção da pandemia não é razoável. O Governo lançou o cartão de consumo que estimulou a corrida de multidões a restaurantes e supermercados. A explicação da CPSP não faz qualquer sentido”, considera Au Kam San. O deputado recorda que é proibido mencionar este tema na China continental, mas que a concretização do princípio “Um País, Dois Sistemas” deveria assegurar actividades públicas relativas ao 4 de Junho. Além das dúvidas de que o princípio basilar ainda se aplica a Macau, Au Kam San referiu ao HM que “os secretários, o Chefe do Executivo e o Governo Central não podem dizer que não se envolveram no caso, e têm de assumir a responsabilidade política de ferir o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’”. Silêncio de Ho Na passada segunda-feira, o HM enviou duas questões ao Gabinete de Comunicação Social (GSC) que recebe perguntas dirigidas ao Chefe do Executivo, sobre as declarações do deputado Joey Lao que referiu que as exposições fotográficas sobre Tiananmen violavam a Constituição chinesa, a Lei Básica da RAEM e o princípio “Uma País, Dois Sistemas”. Perguntámos se Ho Iat Seng se revê na opinião do deputado eleito pelo Executivo do seu antecessor, Chui Sai On, e se considera que durante 30 anos Macau foi palco de uma exposição que violou as leis acima mencionadas. A resposta foi curta: “Em relação às suas perguntas, o secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, já respondeu à comunicação social, a 12 de Maio. Não temos mais comentários a fazer”. Recorde-se que o secretário afastou motivos jurídicos e políticos para a decisão de não permitir as exposições, remetendo a justificação para a pandemia. Sobre a legalidade do evento desde a formação da RAEM, nem uma palavra. Desgosto de Maio “São notícias muito tristes e um sinal sério para a sociedade civil de Macau. É a primeira vez que a vigília é banida, não queremos que seja uma decisão permanente em Macau”, desabafou Sulu Sou, acrescentando que a CPSP deveria dar razões concretas quanto à decisão que tomou. O deputado recorda a vigília de Agosto passado, também recusada pelas autoridades locais, de protesto contra a violência policial em Hong Kong e que nessa altura a justificação foi a ilegalidade do assunto que motivava o protesto pacífico. Sulu Sou espera que o TUI dê razão ao recurso dos organizadores, porém, se a Justiça assim não entender, revela que alguns cidadãos pensam em assinalar a data de forma diferente. A ocupação silenciosa do Leal Senado é um cenário, para já, pouco provável, tendo em conta o episódio recente. “Alguns residentes temem que a Polícia faça o mesmo que fez em Agosto e que os leve para a esquadra. Essa é outra preocupação que também partilhamos”, confessou o deputado. O académico Éric Sautedé olha para a decisão do CPSP como “mais um passo do Governo para apagar parte da memória colectiva democrática de Macau”. Além disso, recorda que a última vez que se assistiu a uma vigília concorrida no Leal Senado, com a participação de 2.000 pessoas, foi em 2014, e que, desde então, contou com cerca de uma centena de residentes. Ainda assim, a justificação das autoridades não convence o académico. “As preocupações de saúde têm sido muito convenientes nesta altura”, remata. Do ponto de vista legal, Jorge Menezes explica que “sem uma lei que limite os direitos fundamentais, tem de se aplicar a lei e esta é clara. Só se pode proibir a vigília por fins contrários à lei e nada disso foi invocado”. O advogado entende que o CPSP violou a liberdade de expressão, que “permite vozes que exprimam opiniões contrárias às veiculadas pelas autoridades”. Para além das questões jurídicas, Jorge Menezes destaca os danos que estas decisões provocam, além do alcance legal. “Se só pudermos expressar aquilo que o Governo gosta, não somos cidadãos em liberdade, somos um rebanho acrítico que segue um pastor de pau na mão”. O advogado lamenta as proibições e traça um cenário cívico, caso o Governo siga o mesmo rumo. “Estas proibições constituem um grave retrocesso civilizacional e o princípio da governação pelo medo. Macau está a deixar de ser um espaço de liberdade e sem liberdade não haverá criatividade, diversidade e massa crítica. Seremos uma cidade civicamente empobrecida.” AI | Criticadas proibições em Macau e Hong Kong A Amnistia Internacional, em resposta enviada à agência Lusa, sustentou que “é alarmante que o Governo de Macau tenha proibido pela primeira vez a vigília anual do aniversário de Tiananmen”. A organização não-governamental (ONG), numa resposta assinada pelo vice-director regional para a região do Sudeste Asiático, sublinhou que a “polícia alegou preocupações com a saúde por causa da covid-19, apesar de não haver novos casos” há 42 dias consecutivos e que “a medida segue uma proibição semelhante na vigília de 4 de Junho em Hong Kong”, para concluir: “o vírus não deve ser usado como desculpa para conter a liberdade de expressão e reunião”. Já a ONG Human Rights Watch (HRW) acusou a China de, com estas decisões, “continuar a esconder-se atrás da covid-19 para conseguir a repressão pública”, em especial “em Hong Kong”. O vice-director da HRW para a Ásia, Phil Robertson, afirmou à Lusa que “esta é uma forma de tentar travar os protestos” pró-democracia na antiga colónia britânica, pensando que o actual momento de combate à pandemia pode atenuar as reacções da comunidade internacional “aos abusos da China ao nível dos direitos humanos”.
Exposição | Doca dos Pescadores reúne arte inspirada em Portugal João Luz - 20 Mai 2020 Até ao fim deste mês, a Galeria Lisboa, na Doca dos Pescadores, exibe a exposição “The Explicit Charm of Portugal”, o resultado de uma visita de artistas de Macau a terras lusas no ano passado. A mostra consiste num conjunto de 64 obras que reflectem paisagens portuguesas interpretadas pela visão artística de 41 criadores locais [dropcap]S[/dropcap]e estiver com saudades de Portugal, a Galeria Lisboa, na Doca dos Pescadores, tem patente uma exposição de pintura que é uma visita guiada pelo imaginário e as paisagens portuguesas. “The Explicit Charm of Portugal”, patente até ao final deste mês, reúne 64 trabalhos de 41 artistas locais que se expressaram de formas tão diversas como a aguarela, óleo, acrílico, caligrafia, esboços e pintura tradicional chinesa. A exposição resultou do convite do Escritório da RAEM em Portugal e do Instituto Cultural à Sociedade de Arte de Macau, associação com 64 anos de actividade, para uma visita de artistas locais a Portugal com o objectivo de inspirar retratos de paisagens de cidades portuguesas. A ideia é transmitir uma espécie de abraço cultural entre a região e Portugal para comemorar o 20º aniversário da RAEM. Os trabalhos consistem em interpretações artísticas de locais tão emblemáticos como o Castelo de São Jorge, em Lisboa, o Castelo dos Mouros em Sintra, a zona costeira de Cascais, o Cabo da Roca, o Santuário e Igreja de Fátima, a cidade medieval de Óbidos, a Ponte de D. Luís no Porto e a cidade universitária de Coimbra. Entre os artistas convidados contam-se nomes conceituados como James Chu, Ung Wai Meng, Ng Wai Kin, Andre Liu e Sio In Leong e jovens criadores como Song Wei, Kay Cheong e Leong Wai Chon. A cidade invicta foi o ponto de partida para a criação de James Chu, que se inspirou na paisagem dos bairros antigos para criar um trabalho, de técnica mista, com colagem de dourados em cima dos telhados de uma fotografia, a preto e branco, panorâmica do Porto. Ng Wai Kin também se apaixonou pelo cenário do Porto Ribeirinho, visto de Gaia. O resultado foi uma aguarela intitulada “Love of Porto”, vincadamente geométrica, com barcos rabelos no Douro, entalados entre as traseiras de uma das mais conhecidas caves de vinho do Porto, e a ribeira que se estende cidade acima. Sete colinas A cidade com a luz que impressionou o realizador alemão Wim Wenders serviu de musa a alguns artistas de Macau, cujos trabalhos também estão expostos na Galeria Lisboa. Ma Kam Keong usou a tinta da China como meio para retratar Alfama e a Torre de Belém. O artista nascido em Macau, e consultor da Associação de Belas Artes de Macau, aliou a fantasmagoria da tinta da China à caligrafia para compor dois retratos intemporais da cidade. A capital foi também fonte de inspiração para Ng Wai Kin, nomeadamente nas aguarelas “Bom dia, Lisboa”, que representa uma vista da Baixa Pombalina e do Chiado, com o Convento do Carmo e o Elevador de Santa Justa em destaque, polvilhada por pombos. O artista captou também a azáfama da Rua da Prata e do rio de gente que desagua na Praça de Figueira. Outra visão da Baixa lisboeta que merece menção é a aguarela da autoria de Sio In Leong, pelo realismo e movimento que transpira da obra. “Eléctrico em Portugal” é um fotograma da linha do 28, o eléctrico mais popular de Lisboa, de passagem pela Baixa a subir a encosta para a Sé. Ung Wai Meng é outro dos nomes cimeiros da mostra, através de três trabalhos de desenho com lápis, com particular destaque para o retrato de Évora e Braga. Mas nem só de paisagens citadinas vive “The Explicit Charm of Portugal”, com paisagens bucólicas da Serra de Sintra e Cabo da Roca, por exemplo.
APN | Plenário arranca em período de debilidade económica e tensão geopolítica Hoje Macau - 20 Mai 2020 [dropcap]A[/dropcap] sessão plenária do legislativo chinês arranca esta semana, num período de abrandamento económico e crescente tensão geopolítica, devido à covid-19, com analistas a preverem maior centralização do poder político perante a crise actual. A sessão plenária da Assembleia Popular Nacional, o mais importante evento anual na agenda política da China, começa na sexta-feira, após ter sido adiada por dois meses e meio devido à epidemia da covid-19. Não se sabe ainda se este ano o Governo chinês vai rever a meta de crescimento económico, depois de uma contracção de 6,8 por cento, no primeiro trimestre, e face à incerteza global e às tensões entre Pequim e Washington, na sequência da pandemia, que desencadeou críticas e intensificou a competição ideológica entre a China e os Estados Unidos (EUA) e alguns países europeus. Um analista do Centro de Estudos Carnegie-Tsinghua, no norte de Pequim, alertou para os riscos de uma batalha ideológica entre a China e os EUA, numa altura em que os dois países enfrentam uma prolongada guerra comercial. “As acusações são mútuas e aumentam o risco de as duas sociedades se distanciarem. Existe uma barreira de comunicação que continua a crescer”, advertiu Tong Zhao. O analista apontou que a relação entre Pequim e Washington se assemelha cada vez mais à Guerra Fria e admitiu que a China não estava preparada para a acelerada mudança no ambiente externo. “A China poderá ficar de fora das cadeias de fornecimento e do acesso à tecnologia do resto do mundo. Embora tenha feito progressos nas últimas décadas, o país ainda precisa de desenvolver muitos sectores”, disse. “Pequim queria impedir esse confronto, mas agora está completamente fora do seu controlo”, acrescentou. Culpas locais Para Ryan Manuel, director do Official China Ltd, unidade de investigação com sede em Hong Kong, e ex-analista do Governo australiano para assuntos da China, o surto do novo coronavírus vai reforçar a centralização do poder na China, à medida que o cepticismo sobre os poderes locais credibiliza o modelo de governação autoritário do Presidente Xi Jinping. “A crise mostrou mais uma vez a Xi Jinping que ele não pode confiar nos governos locais”, observou. Os primeiros casos da covid-19 surgiram na cidade de Wuhan, no centro da China, em Dezembro passado. Após uma lenta reacção inicial e de ter silenciado médicos que alertavam para os perigos de uma nova doença contagiosa, o Governo chinês tomou medidas drásticas, incluindo colocar a província de Hubei, da qual Wuhan é capital, sob quarentena, que resultaram na suspensão da actividade económica do país. Para Ryan Manuel, a crise de saúde pública reforçou a descrença de Xi no modelo de governação herdado do antecessor Hu Jintao, que se limitava a assumir o papel de “coordenador”, atribuindo mais poderes e incentivos aos governos locais. “Xi não gosta disso e a crise só vai acelerar esta tendência, de que ninguém pode fazer as coisas particularmente bem, excepto o Governo central”, apontou. “E, mesmo dentro do centro, apenas os grupos de trabalho que lhe são mais próximos”, acrescentou. Nas semanas seguintes ao início do surto, os órgãos oficiais do regime dirigiram as culpas para as autoridades de Hubei. Vários altos quadros da província e de Wuhan, incluindo os respectivos secretários do Partido Comunista, foram substituídos. Ao contrário do surto da Síndrome Respiratória Aguda Grave, ou pneumonia atípica, entre 2002 e 2003, quando a má gestão e ocultação de informações cruciais levou à queda do presidente da câmara de Pequim e do ministro da Saúde, nenhum membro do Governo central foi desta vez afastado. “Historicamente, a tensão entre o poder central e as províncias foi sempre um conflito importante na China”, explicou Ryan Manuel. Reunião junta 3000 Desde que ascendeu ao poder, em 2013, Xi Jinping reforçou o carácter totalitário do regime, revertendo as normas estabelecidas por Deng Xiaoping, de acordo com observadores. Arquitecto-chefe das reformas económicas que abriram a China ao mundo, Deng procurou basear a tomada de decisão num processo de consulta colectiva, separar o Partido do Governo e descentralizar a autoridade pelas províncias e localidades, para evitar os excessos maoistas que quase destruíram a China. Dada à dimensão da China e consequente dificuldade em controlar cada município, cidade vila ou aldeia, o analista apontou que Xi vai continuar a “alterar as regras internas de disciplina do Partido Comunista Chinês para obrigar todos os seus membros a seguirem certas directrizes”. “Para garantir a sua autoridade, Xi certificou-se que controla todos os órgãos disciplinares”, explicou. Durante a sessão anual, os quase três mil deputados do órgão máximo legislativo da China estão encarregados de aprovar projectos de lei, o relatório do Governo ou o orçamento de Estado. Estes deputados são oriundos de todo o país e eleitos por cinco anos, pelas assembleias das diferentes províncias, regiões autónomas, municípios, regiões administrativas especiais e forças armadas chinesas.
Confissões de um novo lamechas Nuno Miguel Guedes - 20 Mai 2020 [dropcap]H[/dropcap]á cerca de dezassete anos houve em Portugal o aparecimento de um novo meio de comunicação: o blogue. De repente discutiam-se ideias – por oposição a “comentá-las” em caixas -, trocavam-se cromos musicais e literários, escreviam-se crónicas, relatavam-se acontecimentos. Do combate político ao género diarístico havia um pouco de tudo. A tentação de escrever num meio que era absolutamente livre e apenas limitado pelo bom senso e bom gosto dos que o utilizavam foi também irresistível para mim. E assim, durante vários anos, mantive um blogue onde, com frequência irregular, depositava as minhas muitas idiossincrasias e conhecia a generosidade de outros. Antes que o amigo leitor aproveite a nova era desconfinada para fugir do que parece ser um exercício de vaidade, eu explico o prólogo: nesse blogue criei um alter ego, uma personagem que interrompia furiosamente o autor – eu – para criticá-lo e impor a sua mundividência. Era o “Professor Lamechas”. O professor Lamechas revoltava-se contra o pretenso cinismo e os aforismos blasé que eu ostentava. E aproveitava para defender o seu mundo vulnerável, cor de rosa e em constante demanda por lenços de papel. As suas intervenções terminavam geralmente com exemplos musicais do que o “bom gosto” considerava grandes xaropadas: baladas pirosas de lágrima em riste, bandas com penteados duvidosos etc. Ou seja: o professor Lamechas servia-me para apresentar o que se chama de “prazeres culpados” de forma mais protegida. E eis então a razão porque o invoco para aqui: porque o professor Lamechas parece ter finalmente conquistado o mundo. Isso, amigos. Ser lamechas já não é visto como uma falha de caracter derivado aos dias de porcelana que atravessámos e que em muito serviram e servem para expor fragilidades e revelar sem medo coisas que estavam mais ou menos a coberto da luz dos outros. Emoções, por exemplo. Veja-se, como exemplo maior e brilhante, os directos de Como o Bicho Mexe, idealizados por Bruno Nogueira e transmitidos no Instagram. O último episódio, como já deverão saber, teve 175 mil espectadores e enorme interacção. O próprio não escondeu a sua comoção e realmente foi comovente ver, entre risos e choros, a disponibilidade de todos a troco de quase nada. Os sinais estão por todo o lado: ainda há dias um grupo de amigos em que me incluo ressuscitou canções de amor mais ou menos pirosas sem receio de perder a noção de esclarecimento musical. A razão única: porque nos comoviam, quase à beira das lágrimas. Agora, com o distanciamento, vejo como sempre vi os elementos sacarinos em profusão. Mas aos primeiros acordes de I’m all out of love, dos infames Air Supply, desmorono como um castelo de cartas. A verdade é que sempre fomos uns sentimentalões, com maiores ou menores defesas. Lembro-me da famosa frase de Orson Welles sobre os finais felizes: “Se quiser um final feliz isso depende, claro, onde quiser terminar a sua história”. O regresso da lamechice, antes alternativa e agora tornada mainstream e tendência de moda, parece mostrar que toda a gente tem vontade de terminar a sua história num lugar bonito. E isso parece-me tão bom como surpreendente. Deixem estar assim, por favor.