O Anel de Giges

[dropcap]C[/dropcap]onta Platão que um certo Giges tinha um anel com poderes extraordinários. Quando punha o anel ficava invisível. Se o tirava, podia ficar à vista de toda a gente. A experiência do pensamento leva Platão a considerar que se um justo pudesse usar esse anel, agiria de forma injusta. Tirava sem pagar o que lhe apetecesse, entrava na casa de quem quer que fosse e deitar-se-ia na cama de quem desejasse, as ruas estariam cheias de cadáveres das pessoas assassinadas por esse justo e as mulheres grávidas dele. Ele libertaria os seus amigos e meteria na prisão os seus inimigos. O justo não poderia ser já considerado justo.

Nem sequer poderia usar o nome “justo”. Todas as suas acções seriam injustas. Não esperaria pela calada da noite para praticar os seus actos. De dia ficava invisível. Não tinha de prestar contas a ninguém. Obteria sempre tudo o que lhe apetecesse ter. Não tinha de responder perante ninguém. De manhã à noite o sentido da sua vida seria o dos seus desejos e caprichos, imporia sempre a sua vontade, sem respeito por ninguém e ninguém saberia pôr-se no seu caminho. É uma tese de Sócrates que Platão quer ilustrar. Ser injusto é fazer triunfar a sua opinião de alguém sobre outrem, esteja ela ou não fundamentada. Ser injusto é fazer o que nos apetece, como se isso fosse ter muito poder. Ser injusto é usar o outro como objecto de desejo e das nossas vontades. Ao impor-se o injusto não apenas neutraliza o outro, subjuga-o, submete-o, sujeita-o, violenta-o.

Mas será que Giges ou quem tiver o anel fica invisível a si mesmo? Não se apercebe das suas acções? Não compreenderá o que é agir injustamente ou ser, mesmo que uma única vez, injusto? O pensamento na sua experiência tem de projectar a consequência possível de alguém ser injusto e fruir de todas as suas injustiças, mesmo quando achar que se sacrifica por um bem maior. Pode não ser sádico e sentir prazer sempre em ser injusto, mas nunca transformará a culpa que sente em remorso. Há-de repetir sempre o mal que faz. Nunca ser arrependerá ao ponto de arrepiar caminho. Há-de continuar a dizer o que lhe apetece, a impor a sua vontade, a fazer o que lhe apetece, a exercer a violência da mínima à máxima, física à psicológica. E servir-se-á, abusando dos outros todos ou só usando alguns.

Sob a capa do anonimato, torna-se invisível para todos os outros, para aqueles sobre quem exerce violência e aos eus próprios olhos não aparecerá como injusto, mas como alguém que forte, audaz, para quem os outros não são vítimas mas fracos. Se não for ele, serão outros a fazer o que ele tem de fazer. Continuará a tomar o que é seu sem qualquer direito a tomá-lo. Não lhe chamará roubo. Será reclamação do direito.

Continuará a entrar na casa de quem lhe apetecer e não será arrombamento mas outra coisa. Deitar-se-á com mulheres e homens porque lhe apetecerá e não será violação mas outra coisa. Matará e será execução. Meterá na prisão em nome de uma qualquer justiça. Soltará criminosos e não é por serem amigos, mas para se fazer justiça.

No exercício da violência, na expressão da vontade de poder, está a pequenez que Platão identifica. Fazer vingar a opinião não é saber. É fazer vingar a superstição pelo medo ou pelo terror ou por um qualquer sentimento a que se chamará amor mas não é amor a qualquer coisa que se chamará pátria mas não é pátria e concidadãos mas serão apenas parceiros de crime. E todos os que forem executados, todas mulheres e filhas violadas serão em nome do que é guerra, mas é outra coisa e se for guerra é em nome apenas de si, da afirmação de si, do próprio.

O injusto há-de prevalecer na sua opinião, condenando e absolvendo os seus, há-de extorquir, expulsar da cidade e matar, há-de violar, há-de fazer o que lhe apetecer.

O injusto será finalmente reduzido ao que é, um odre cheio de buracos, uma pipa gigantesca furada, sem nunca ficar cheia e quando fica cheia sem conseguir reter o que quer que seja. Todas as suas vontades são de tudo e nada. De manhã à noite, será escravo de si próprio e o próprio o que é: esse mesmo odre do tamanho do universo, um buraco negro, que aspira tudo, tudo traga e de nada se enche para todo o sempre.

Não sabemos se Giges, rei da Lídia terá tido esse anel. Se terá havido um único ou dois não pode ser a nossa dúvida.

Enquanto eu for injusto- perdoe-me o leitor falar eu agora na primeira pessoa do singular- ninguém há-se saber, no pensamento, mais do que em acto, quando em acto, é na realidade, a injustiça é bem escondida. Ou assim, acho.

Mas não nos enganemos.

O anel cai-nos do dedo, mesmo quando em nome da transparência defende o inominável, a injustiça.
É que mais vale sofrer a injustiça do que cometê-la. Ao sofrer-se, dói. Mas ao ser-se injusto, perde-se a humanidade. Convidamos a grande besta!

Automobilismo | Festivais de Corridas de Macau este fim-de-semana em Zhaoqing

Apesar de todas as restrições e obstáculos criados pela pandemia mundial da covid-19, a Associação Geral Automóvel de Macau-China (AAMC) vai avançar com dois eventos para os pilotos da RAEM. No entanto, desta vez, quebrando uma tradição de quase duas épocas, os dois eventos que serão realizados do outro lado das Portas do Cerco, não irão ser de apuramento para o Grande Prémio de Macau

 

[dropcap]I[/dropcap]nicialmente agendados para o Circuito International de Zhuzhou, na província de Hunan, os dois Festivais de Corridas de Macau, mas agora numa versão aligeirada, serão pelo terceiro ano consecutivo realizados no Circuito Internacional de Guangdong (GIC, na sigla inglesa), nos arredores da cidade continental chinesa de Zhaoqing. A primeira prova está agendada para este fim-de-semana, enquanto que o segundo confronto está marcado para o fim-de-semana de 12 e 13 de Setembro.

Visto que estes dois eventos não contam com uma representação significativa de pilotos de Hong Kong, a AAMC terá achado por bem que estas duas provas não deveriam servir de apuramento para as corridas de apoio da 67ª edição do Grande Prémio. Assim, os pilotos de Macau que se apuraram para a 66ª edição do Grande Prémio terão “entrada directa” na edição de 2020, existindo a possibilidade que outros pilotos da RAEM possam também participar no evento, ocupando vagas que o ano passado foram preenchidas por pilotos da região vizinha ou por pilotos estrangeiros.

Estes dois eventos para os pilotos de carros de Turismo terão corridas separadas para três categorias diferentes. A categoria para viaturas com motores 1600cc de cilindrada turbo, será também aberta a concorrentes com carros até 1600cc mas sem turbo, o que abre a porta a vários modelos como o Honda Fit ou o Toyota Yaris que frequentemente competem nas provas amadoras na China Interior.

Por seu turno, a categoria “1950cc e Superior”, que no Grande Prémio de Macau se junta à “1600cc Turbo” para dar corpo à Corrida de Carros de Turismo de Macau, irá continuar a albergar os carros da defunta Road Sport Challenge, assim como os carros de Turismo da classe internacional TCR. A estes estarão autorizados a juntar-se os carros das categorias N2000 e S2000, viaturas que já não podem disputar o Grande Prémio, mas que ainda são vistos a correr em provas regionais de menor dimensão um pouco por todo sudeste asiático.

Por fim, a exemplo de 2019, haverá uma categoria destinada a carros de Grande Turismo, numa mistura de carros da categoria GT4 e viaturas provenientes da extinta Taça Lotus, e que foram vistos pela primeira vez a competir o ano passado no Circuito da Guia na “Taça GT – Corrida da Grande Baía”.

Todas estas categorias terão que realizar duas corridas por fim-de-semana. Como estas corridas são geralmente inscritas no calendário internacional da FIA, a participação nestas provas permitirá aos pilotos do território manter as licenças desportivas internacionais de nível “C” no ano seguinte, documento necessário para competirem no Grande Prémio e muito importante para todos aqueles que ambicionem realizar provas noutros países e de campeonatos internacionais.

Vários portugueses

Das três classes, aquela que reúne mais inscritos para o próximo fim-de-semana é a “1950cc e Superior”, com dezassete concorrentes à partida e várias caras conhecidas do automobilismo local. Jerónimo Badaraco vai conduzir um Mitsubishi EVO9, enquanto Luciano Castilho Lameiras, que terminou no pódio desta classe no pretérito Grande Prémio de Macau, irá alinhar com o seu Mitsubishi EVO10. Igualmente presente estará Delfim Mendonça Choi, com o Mitsubishi EVO7 preparado pela SLM Racing Team, cujos resultados a temporada passada foram bastante animadores.

O vencedor da classe na Taça de Carros de Turismo em 2019, Filipe Souza, também estará presente, mas não com o Audi RS3 LMS TCR, mas sim com um Volkswagen Golf GTI da equipa T.A. Motorsport, dado “que o Audi não está ainda pronto”. O facto dos Honda Integra DC5, um carro com uma longa história no automobilismo do território, ser aceite nestas corridas, permitirá que Rui Valente recorra ao seu exemplar, que tantas alegrias lhe tem dado no GIC Challenge, a competição organizada pelo circuito de Guangdong em que habitualmente participa. O piloto português prevê correr na classe “1600cc Turbo” no Grande Prémio, mas o seu Mini Cooper S está a ser poupado para a prova mais importante da temporada. “O Mini vou prepará-lo melhor para Macau e depois faço duas simulações de corrida para ver, sempre melhor assim do que estar a desgastá-lo”, explicou Rui Valente ao HM.

Célio Alves Dias e Eurico de Jesus, dois nomes incontornáveis do automobilismo do território, irão igualmente retirar das garagens os “velhinhos” Honda DC5 para estas corridas que, acima de tudo, servem para muitos dos pilotos voltarem a ganhar ritmo após nove meses sem qualquer actividade neste desporto.

Entre os onze carros inscritos na classe “1600cc Turbo”, destaque para a presença de Sabino Osório Lei, que irá conduzir um dos Ford Fiesta da SLM Racing Team, enquanto não define com que carro irá competir na grande prova do mês de Novembro. Por fim, há oito inscritos na classe de GT: um BMW M4 GT4, três Ginetta G50 GT4, um Audi R8 LMS e três Lotus Exige.

LGBTQ+ | “Pose” convida ao desfile em estilo dos anos 70 e 80

O grupo Macau LGBTQ+ Social Club apresenta esta noite um evento no espaço D2 com base no estilo “voguing” e que conta com um concurso de poses. Um dos objectivos dos eventos organizados pelo grupo é permitir um melhor entendimento da comunidade LGBTQ+

 

[dropcap]O[/dropcap] estilo “voguing” dos salões de dança de Harlem Nova Iorque dos anos 70 e 80 serve de inspiração ao evento “Pose”, que decorre esta noite no Clube D2. Canalizar a supermodelo interior de cada um – é o desafio proposto pelo Macau LGBTQ+ Social Club. O evento começa às 22h00 e conta com um concurso em três categorias: “supermodelo lendário”, “diva com atitude” e “hot wet & saucy glamour”. A entrada tem um custo de 130 patacas.

O Macau LGBTQ+ Social Club foi criado por Jimmy Chung entre o final de Dezembro e início de Janeiro, altura em que se mudou para Macau e se apercebeu de que não havia clubes LGBTQ+ ou bares gay. “Achei que seria bom começar algo para retribuir à comunidade”, disse ao HM. Lançou primeiro o grupo na plataforma “meetup”, levando mais estrangeiros a residir em Macau a juntarem-se. “No primeiro evento houve 38 pessoas, e a cada evento foi crescendo até 168 pessoas”, descreveu.

Quando começou a abordar locais em Macau onde realizar os eventos, as reacções nem sempre foram positivas quando informava que eram LGBTQ. Encontrou pretextos e sugestões para arranjar sítios mais privados. “Alguns locais em Macau ainda são assim”, disse, explicando que nalguns locais a mensagem não é transmitida directamente, mas percebe-se nas entrelinhas que é melhor procurar outro espaço.

A noite de hoje arranca com uma apresentação de Jimmy Chung e três co-apresentadores, num visual de alta-costura e andrógeno, semi-drag, a lançar o tema do evento. Vai ter também um sorteio de dinheiro, em que o montante ganho com a venda de rifas é dividido em duas partes, uma para o vencedor do público e outra para angariar fundos para ajudar a cobrir as despesas das actividades do grupo organizador.

Fuga ao estereótipo

O objectivo passa por aproximar a comunidade dos residentes locais, criando um espaço seguro para as pessoas se juntarem e conhecerem pessoas interessantes de diferentes contextos. “Para um melhor entendimento do que a comunidade LGBTQ+ significa, sem o estigma, a conotação negativa e o estereótipo da comunidade”, lançou.

Uma abertura que Jimmy Chung considera ser possível promover sem passar uma mensagem política. “Estamos só a tentar [transmitir] que somos como qualquer outra pessoa, não somos diferentes de ninguém na comunidade de Macau. A única diferença é que não estamos aqui para promover ou julgar o ponto de vista de ninguém, quer da comunidade LGBTQ+ ou da chamada comunidade hetero”.

Encara o grupo e os eventos como “um lugar seguro” para as pessoas que questionam a sua própria sexualidade fazerem perguntas, amigos, e um dia terem coragem de se assumirem “quando perceberem o que é certo, ou errado e o que realmente querem”. Mas que cria também espaço para pessoas que não são da comunidade LGBTQ apesar de a apoiarem, ou que têm curiosidade, explorarem esse lado e verem que “não é o típico ambiente estereotipado que se vê nos filmes e nos programas televisivos”.

Jimmy nasceu em Hong Kong, de onde saiu quando ainda era criança. Cresceu no Canadá, e não esteve isento de dificuldades. “Qualquer pessoa a crescer como uma pessoa LGBTQ+, em qualquer comunidade, vai experienciar algum racismo, [reacções negativas], discriminação e ameaças”, descreveu, apontando que ao longo dos anos notou menos discriminação e pessoas a compreenderem melhor a comunidade. Já passou por França e novamente por Hong Kong, mas acabou por decidir mudar-se para a RAEM. “Apaixonei-me por Macau, pela cultura, o ambiente, as pessoas, o riso e a amabilidade das pessoas aqui é incrível”, descreveu.

China cria ‘lista negra’ de destinos de jogo no estrangeiro

Pequim anunciou na quarta-feira a criação de uma ‘lista negra’ de destinos turísticos de jogo por perturbarem a “ordem comercial do mercado de turismo no estrangeiro da China”. Apesar de ainda não se conhecerem os países abrangidos, analistas do sector entendem que a medida pretende controlar apostas online e a actividade dos junkets no Sudeste Asiático

 

[dropcap]“M[/dropcap]acau não é considerado estrangeiro”, disse à Lusa o analista da consultora de jogo IGamix Ben Lee, numa alusão ao comunicado das autoridades chinesas.

A China não identificou os países incluídos nesta ‘lista negra’, contudo, Ben Lee disse acreditar que as Filipinas e o Camboja poderão estar abrangidos devido ao jogo online, que as autoridades chinesas têm tentando combater. Lee considerou que a ideia das autoridades chinesas é estancar as apostas online que “estão totalmente descontroladas”, um desejo há muito almejado por Pequim e que tem sido motivo para pressão diplomática.

Recorde-se que no ano passado, as entidades cambojanas comprometeram-se em deixar de emitir autorizações para serviços de apostas online, prática que demonstraram querer diminuir progressivamente até expirarem as licenças em vigor.

O Governo chinês tentou também interceder junto das autoridades das Filipinas, nomeadamente para controlar o jogo transmitido por vídeo e as apostas online, pedido que não foi bem-recebido com o governo de Duterte a sublinhar que essa seria uma decisão soberana que apenas caberia às Filipinas.

Ordem perturbada

De acordo com o comunicado do Ministério da Cultura e do Turismo chinês, “algumas cidades estrangeiras abriram casinos para atrair turistas chineses, perturbando a ordem comercial do mercado de turismo da China no estrangeiro e pondo em perigo a segurança pessoal e patrimonial dos cidadãos chineses”.

Por essa razão, foi estabelecida uma ‘lista negra’ de destinos turísticos transfronteiriços de jogo, e serão tomadas “medidas restritivas de viagem contra cidadãos chineses que viajam para cidades estrangeiras e locais” na referida lista, justificaram as autoridades chinesas.

Em declarações ao jornal de Macau Exmoo, o membro da Associação de Mediadores de Jogos e Entretenimento de Macau Lam Kai Kong considerou que esta medida das autoridades chinesas está de acordo com a política do país e “destina-se a desencorajar a saída excessiva de capital”.

Ao mesmo jornal, o professor associado do Instituto Politécnico de Macau Loi Hoi Ngan afirmou que esta “política não é dirigida a Macau”

“Se o Continente quer regular Macau, há muitas formas de o fazer, e não há necessidade de recorrer a um método tão criterioso como a ‘lista negra’, que se acredita ser dirigida a regiões estrangeiras com casinos”, observou.

Uma nota da JP Morgan, citada pelo portal GGRAsia, avança na mesma direcção. “Macau não é considerado um mercado de jogo no estrangeiro pelo Governo Central. Macau faz parte da China e o jogo é perfeitamente legal na região.”

Citada pela a mesma fonte, a consultora Union Gaming Securities LLC foi mais longe, em termos de repercussão da medida no mercado local. “Ao mesmo tempo que a lista negra exclui Macau, enquanto região administrativa especial da China, a potencial disrupção do mercado de junkets poderá prejudicar a recuperação do jogo VIP a curto-prazo. Muitos junkets operam em Macau e em jurisdições estrangeiras”.

Opinião de Leong

Leong Sun Iok acha que Macau, como única região da China onde o jogo é legal, não será incluído na lista negra, de acordo com declarações prestadas ao jornal Ou Mun. Com o mercado dos casinos a acumular anos sucessivos de ganhos milionários, o deputado entende a criação de inúmeros casinos em países vizinhas da China, porque a maioria dos clientes são chineses. Porém, sublinhar ao Ou Mun que o jogo transfronteiriço é um fenómeno gerador de crimes como de burla, de branqueamento de capitais, de sequestro, de organização criminosa e de agiotagem. O legislador entende que a medida tomada pelo Governo Central vai beneficiar o desenvolvimento saudável do sector do jogo de Macau.

Construção civil | Chinesa CCCC compra 30 por cento da Mota-Engil 

A construtora portuguesa Mota-Engil anunciou ontem a venda de 30 por cento do grupo a um “novo parceiro”, que a imprensa portuguesa diz tratar-se da empresa pública chinesa CCCC. O negócio estava a ser preparado desde Dezembro e levou à valorização da companhia

 

[dropcap]É[/dropcap] mais uma entrada de capital chinês na economia portuguesa. O grupo Mota-Engil, ligado ao sector da construção civil, anunciou ontem a venda de 30 por cento das acções a um “novo parceiro” de renome mundial, que os jornais portugueses Observador e Jornal de Negócios confirmaram tratar-se da CCCC, empresa pública chinesa.

O negócio estaria a ser discutido e ultimado desde Dezembro, conforme noticiou a agência Bloomberg. O Observador escreve que o acordo valoriza a Mota-Engil a um preço muito acima do actual valor da empresa no mercado. A avaliação base aponta para 750 milhões de euros, estando previsto “um acordo de parceria e investimento com o grupo português para desenvolver um conjunto de oportunidades comerciais”. Por sua vez, a CCCC compromete-se a subscrever uma participação “relevante” num aumento de capital até 100 milhões de novas acções.

Com este acordo, a Mota-Engil participações, que actualmente é o maior accionista do grupo, passa a deter apenas 40 por cento da estrutura accionista. Num comunicado citado pelo Observador, a Mota-Engil diz que a manutenção dos 40 por cento sinalizam o “total empenho e alinhamento com a sua posição histórica no grupo, apesar de representar a perda da maioria do capital”. Cotada em bolsa, a Mota-Engil viu ontem as suas acções valorizarem mais de 12 por cento.

Infra-estruturas em crise

A entrada da CCCC na estrutura accionista da Mota-Engil surge numa altura em que o sector das infra-estruturas em Portugal atravessa uma crise, culminando em vários negócios. Foi o caso da Ascendi, concessionária de auto-estradas, que foi alienada aos franceses da Ardian. Por sua vez, as operações portuárias, que incluem a Liscont, foram vendidas à Yilport, da Turquia. Também o grupo José de Mello vendeu a Brisa, a maior concessionária de autoestradas do país, a vários fundos internacionais.

Covid-19 | Crianças com menos de três anos excluídos de infantários

A DSEJ decidiu que os infantários só podem ser frequentados por crianças com mais de três anos de idade, a idade mínima recomendada para usar máscara. A novidade significa que as creches subsidiadas só vão funcionar para as medidas de cortesia

 

[dropcap]A[/dropcap]s crianças com menos de três anos não vão poder frequentar o infantário, anunciou ontem Kong Chi Meng, subdirector dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ). O responsável indicou que cerca de mil crianças não poderão frequentar o infantário por não terem a idade mínima. A medida foi justificada por não ser recomendado o uso de máscara por crianças até essa idade.

“As crianças vão entrar no infantário quando perfizerem os três anos de idade. Assim, os alunos vão começar as aulas em datas diferentes. Vamos pedir às escolas para serem flexíveis no que toca ao início das aulas destes alunos”, disse Kong Chi Meng.

O médico Alvis Lo frisou que uma criança com menos de três anos pode não saber usar ou ter o cuidado necessário com a máscara. E reiterou que, apesar de a situação em Macau ser moderada, as medidas de flexibilidade das fronteiras não podem ser esquecidas: “poderemos ainda contar com um possível risco de contaminação ou infecção”.

Por outro lado, o subdirector da DSEJ também explicou que os estudantes transfronteiriços podem fazer o teste de ácido nucleico a partir de amanhã e que o processo de reembolso vai ser simplificado. “Os encarregados de educação (…) não têm de trazer o talão comprovativo do pagamento para obter o reembolso do montante pago. Apenas têm de fazer o registo, levar a criança para o teste e depois iremos tratar do pagamento junto das instituições”, referiu.

Em cima da hora

O responsável da DSEJ frisou que o organismo tem feito “uma avaliação constante” à situação epidémica e que a necessidade de aguardar por orientações levou a decisões “muito em cima da hora”. Tranquilizou também preocupações com o aproveitamento dos alunos e explicou que o programa curricular vai sofrer ajustes para permitir às escolas adaptarem-se à nova situação.

De acordo com o canal chinês da TDM – Rádio Macau, o director da Escola Choi Nong Chi Tai, Vong Kuoc Ieng, disse que a DSEJ devia ter anunciado a medida mais cedo. Ainda assim, considera que, no contexto da pandemia, a medida é compreensível.

Por sua vez, o subdirector da Escola Secundária Pui Ching, mostrou-se surpreendido. Kuok Keng Man explicou que no novo ano lectivo a escola tem mais de 160 alunos no nível infantil, e que um quarto não atinge três anos quando começar as aulas. Dada a proximidade da abertura das aulas, o responsável considera que esta política vai causar incómodo aos familiares e aumentar o volume de trabalhos dos professores.

Impacto nas creches

A decisão também tem impacto no funcionamento das creches, que vão manter apenas as medidas de cortesia. Choi Sio Un, do Instituto de Acção Social (IAS), explicou que as medidas de cortesia vão continuar para os casos de crianças que não têm quem tome conta delas, e que os pais podem apresentar o pedido nas creches subsidiadas. Apresentado o pedido, são as creches a avaliar os destinatários do apoio, de acordo com a circunstância de cada agregado familiar.

Previa-se que sete mil crianças fossem este ano às creches subsidiadas, das quais cerca de 1.400 podem aproveitar a medida de cortesia. No entanto, a capacidade permite apenas cerca de mil crianças por dia nas creches subsidiadas.

Manter distância

A maioria dos 178 estudantes inscritos no ensino superior em Portugal não pretende regressar para continuar os estudos, disse ontem Vong Iut Peng, da DSES. Em causa está a situação epidemiológica no país e medidas de prevenção, além da dificuldade em arranjar transporte para Portugal. Alguns destes estudantes beneficiam de bolsa da Fundação Macau e da DSES. Caso suspendam a matrícula têm de comunicar às instituições. A DSES contactou o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e o Conselho Coordenador dos Institutos Superior Politécnicos, que indicaram que “a maior parte das instituições de ensino superior vão iniciar as aulas do ano lectivo 2020/2021 de forma presencial”. Já os não residentes com visto para estudar em Macau, continuam sem poder voltar ao território, e vão assistir a aulas online. Quinze professores universitários, que são trabalhadores não residentes, também não conseguem voltar a Macau.

Quarentena | Primeira isenção requer residência frequente na RAEM

A partir de Setembro, a isenção da cobrança da despesa da primeira quarentena é para os residentes que “residem frequentemente em Macau”, ou seja, quem estiveram no território pelo menos 183 dias nos 365 dias antes de entrar na fronteira. A informação foi dada por Lau Fong Chi, da Direcção de Serviços de Turismo (DST). Os residentes que não cumpram o requisito podem requerer isenção se estiverem a estudar com reconhecimento das autoridades locais, internamento hospitalar, por missão oficial, ou se forem trabalhadores a prestar serviço fora de Macau para empregadores inscritos no Fundo de Segurança Social. A DST deixou ainda a ressalva de que apesar de o custo actual ser 5.600 patacas, o valor pode ser ajustado no futuro, de acordo com as ofertas dos hotéis. Ontem 1252 pessoas cumpriam quarentena nos hotéis designados, das quais 497 residentes.

Máscaras | Nova ronda começa no domingo

A 21ª ronda do plano de fornecimento de máscaras do Governo arranca no domingo. Cada pessoa pode comprar 30 máscaras por 24 patacas, nos postos de venda habituais, segundo revelou o médico Alvis Lo. Na 20ª ronda foram vendidas cerca de 16 milhões, contribuindo para um total de 116 milhões vendidas. No âmbito das medidas de prevenção contra a covid-19, o médico avançou que já foram concluídos os testes de ácido nucleico aos trabalhadores da linha da frente das seis operadoras de jogo. Até dia 26, foram testadas 53.025 pessoas.

PJ | Pereira Coutinho quer quadro legal unificado para acções dos agentes infiltrados 

[dropcap]O[/dropcap] deputado José Pereira Coutinho pretende que o Governo reveja as leis que regulamentam as acções dos agentes secretos da Polícia Judiciária (PJ). “O Governo pondera rever o actual regime disperso das acções infiltradas reforçando as garantias dos direitos fundamentais dos cidadãos contra as eventuais práticas abusivas? No caso afirmativo, qual a sua calendarização para a sua apresentação?”, questiona na sua interpelação escrita.

O deputado quer também que sejam revistos os “mecanismos de fiscalização periódicos das acções infiltradas”, como “os mecanismos processuais da competência das autoridades judiciárias, de forma a proteger os direitos fundamentais dos cidadãos”.

Além disso, o deputado pretende saber, caso venha a ser implementado um novo regime jurídico, “como serão garantidos os anonimatos dos agentes infiltrados em sede de audiência de discussão e julgamento, sem prejudicar a observância do princípio do contraditório”.

As alterações ao estatuto da PJ foram aprovadas recentemente na Assembleia Legislativa. José Pereira Coutinho recorda que não existe em Macau “um regime unificado regulamentador das acções infiltradas, o que pode colocar em causa os direitos fundamentais dos cidadãos, nomeadamente o direito à privacidade e a segurança quanto a detenções ilegais e arbitrárias”.

Deputado Vong Hin Fai acumula funções em múltiplos conselhos consultivos

Nomeado esta semana para o Conselho Administrativo da TDM, Vong Hin Fai não tem mãos a medir só em cargos de administração e consulta. Além de presidir ao Conselho Fiscal da Fundação Macau, o deputado acumula ainda funções no Conselho da Universidade de Macau, na presidência da Administração da Canais de Televisão Básicos de Macau e noutros organismos, com destaque para as áreas da segurança e saúde

 

[dropcap]A[/dropcap] agenda de Vong Hin Fai deve ser um pesadelo organizacional. Entre o trabalho como advogado e de deputado eleito pela via indirecta pelo sector profissional, Vong desdobra-se em múltiplas funções consultivas e de gestão em organismos públicos, além de presidir à 3ª Comissão Permanente e de ocupar o cargo de secretário na Comissão de Regimento e Mandatos da Assembleia Legislativa.

Antes de mais, importa referir que Vong Hin Fai é membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e da Comissão Política e Consultiva da Cidade de Tianjin da República Popular da China.

Na passada quarta-feira, o deputado foi nomeado por despacho assinado pelo Chefe do Executivo para a conselho de administração da TDM, área na qual tem experiência uma vez que também preside ao Conselho de Administração da Canais de Televisão Básicos de Macau, S.A.

Um dos cargos de maior destaque no vasto currículo do deputado é o de presidente do Conselho Fiscal da Fundação Macau, posição que ocupa desde 2016, nomeado por Chui Sai On.

No campo da segurança, Vong Hin Fai coloca a sua experiência à disposição do Conselho Geral da Escola Superior das Forças de Segurança de Macau, enquanto membro da categoria de “Personalidades de prestígio”, e da Comissão de Fiscalização da Disciplina das Forças e Serviços de Segurança de Macau.

Saúde e sorte

No final de Julho último, Vong Hin Fai foi nomeado membro do Conselho da Universidade de Macau até Julho de 2023. A instituição, alma mater do deputado, onde se licenciou em Direito, contou ainda com os préstimos do antigo aluno no grupo de trabalho para a revisão dos Estatutos da Universidade de Macau.

Ainda no sector do ensino, importa referir que o deputado é membro do Conselho Fiscal da Fundação da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. Recorde-se que no final de Julho foram divulgados os apoios da Fundação Macau, que atribuiu à Fundação da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau 42 milhões de patacas para o ano lectivo de 2020/2021 e o Hospital Universitário. O deputado está no conselho fiscal de ambas as instituições.

Além do ensino, o advogado também desempenha papéis de relevo em diversas entidades dedicadas à saúde pública. Por exemplo, é membro da Comissão de Ética para as Ciências da Vida desde 2014. Esta não é a única entidade do sector da saúde pública onde Vong Hin Fai participa, acumulando funções como membro (Figura Pública) do Conselho para os Assuntos Médicos, desde 10 de Julho deste ano.

Além disso, o deputado figura como vogal na Comissão para os Assuntos do Cidadão Sénior, uma entidade subordinada ao Instituto de Acção Social.

No plano das políticas de fundo, destaque para o papel como coordenador do grupo de consulta sobre as políticas e interacção do Conselho Consultivo para a Reforma da Administração Pública. O organismo tem como missão ajudar o Governo em políticas de gestão da máquina pública como o governo electrónico, formação dos trabalhadores dos serviços públicos, gestão do desempenho, reforma do regime jurídico da função pública e gestão de arquivo.

Na área das políticas de justiça, destaque para a posição como membro da Conselho Consultivo da Reforma Jurídica e presidente da direcção da Associação de Agentes da Área Jurídica de Macau.

Governo quer mais produtos de investimento e transacções em renmimbi 

Chan Sau San, director da Autoridade Monetária e Cambial de Macau, garantiu ao deputado Leong Sun Iok que o desenvolvimento do sector financeiro passa por cinco áreas, como a aposta em mais produtos de investimento e transacções em renmimbi. Na calha, está também a criação de uma “Central de Depósitos de Títulos” com ligação ao mercado financeiro internacional

 

[dropcap]O[/dropcap] Governo pretende diversificar o sector financeiro de Macau e captar novos produtos de investimento. Esta é a garantia deixada por Chan Sau San, director da Autoridade Monetária e Cambial de Macau (AMCM), numa resposta a uma interpelação escrita do deputado Leong Sun Iok.

Para atingir esse objectivo, foi anunciado, em Junho, o projecto “Gestão Financeira Transfronteiriça”, em parceria com o Banco Popular da China e Autoridade Monetária de Hong Kong. Tal vai permitir “o alargamento do leque dos clientes interessados em produtos de financiamento emitidos pelas instituições do interior da China e dos países de língua portuguesa”, explicou o responsável máximo da AMCM.

A ideia é que “empresas e instituições de boa qualidade do Interior da China e dos países de língua portuguesa sejam atraídas para emitirem obrigações em Macau, incentivando a participação pró-activa dos países de língua portuguesa no desenvolvimento das operações de investimento e financiamento em renmimbi em Macau”, acrescenta a mesma resposta.

A AMCM assume que “o mercado financeiro local tem vindo a ser dominado pelas actividades de depósitos e empréstimos, com ausência de produtos de investimento e financiamento diversificados”.

No total, são cinco as acções a desenvolver para diversificar o sector financeiro. Outro dos projectos a desenvolver pela AMCM passa pela criação de uma “Central de Depósito de Títulos” com ligação ao mercado financeiro internacional.

Segundo Chan Sau San, esta central de depósitos “possibilita a disponibilização das obrigações emitidas em Macau aos investidores internacionais, bem como o alargamento da margem de mercado para as instituições do Interior da China e dos países de língua portuguesa realizarem directamente financiamentos em Macau”.

Aposta no RMB

Outro dos passos a adoptar para a diversificação do sector financeiro para por uma maior aposta em acções financeiras em renmimbi. A AMCM pretende realizar uma “optimização” das actuais infra-estruturas em prol de uma regularização, uma vez que funciona, desde 2016, o “sistema de liquidação imediata em tempo real em renmimbi de Macau”. Por sua vez, em 2018, foi autorizado o funcionamento, por parte das autoridades chinesas, do Banco de Compensação de RMB de Macau.

O objectivo, aponta Chan Sau San, é que Macau “seja um centro de liquidação em RMB para os países de língua portuguesa” e também uma “plataforma de serviços financeiros” entre a China e os países falantes de português.

Na área offshore a AMCM quer estabelecer “regras de liquidez em RMB”. No final de 2019, foi celebrado o “Acordo Swap” de Moedas com o Banco Popular da China, com um valor superior a 30 mil milhões de RMB. No primeiro trimestre deste ano arrancaram as transacções da conversão de patacas em RMB e operações relativas aos contratos de “Swaps”.

Segundo a AMCM, estas acções permitem disponibilizar liquidez em RMB no mercado monetário local, o que “motiva o desenvolvimento estável das operações em RMB em Macau”.

Ao nível dos recursos humanos, a AMCM quer desenvolver programas de cursos e estágios coordenados pelo Instituto de Formação Financeira, em parceria com instituições do ensino superior.

Jenny Ip, gestora de operações da In Limitada, responsável pela gestão da Cinemateca Paixão

Ao fim de dois meses, a nova gestora da Cinemateca Paixão quebrou o silêncio. Jenny Ip, a gestora de operações da Companhia de Produção de Entretenimento e Cultura In Limitada conta como os principais inimigos da perfeição têm sido o tempo e as comparações com a CUT. Manter a confidencialidade dos clientes é a razão apresentada para que não se saiba mais sobre o passado da empresa

 

[dropcap]C[/dropcap]omo está a ser o processo de reabertura da Cinemateca tendo em conta a continuidade do trabalho que tem vindo a ser feito?

Estaria a mentir se dissesse que não estamos a sentir a pressão do público mas, somos uma equipa nova de jovens que tem, na capacidade de ouvir, a sua maior força. Talvez seja verdade que não temos toda a experiência da equipa responsável pelo que foi construído ou feito aqui, mas somos uma equipa com paixão que quer fazer melhor. Por isso, estamos a fazer todos os possíveis e tudo o que está ao nosso alcance para ouvir o feedback e os conselhos do público, de forma a aplicar mudanças imediatas e promover bons programas nos próximos anos, ao mesmo tempo que asseguramos serviços de qualidade e procuramos corresponder às expectativas do público. Temos enfrentado muitas dificuldades, sobretudo porque somos constantemente comparados com a antiga gestora [CUT]. Pessoalmente, sempre fui fã da Cinemateca Paixão, sempre vim cá ver filmes. Por isso, na verdade, este tipo de pressão funciona como fonte de motivação e isso faz-nos lutar para estar ao nível das expectativas do público. Mas provavelmente o nosso maior desafio tem sido o tempo, porque desde que nos comprometemos com este projecto, não tivemos muito tempo para nos prepararmos, especialmente quando começámos a abordar os distribuidores de filmes.

A nossa programação de Setembro é composta essencialmente por clássicos, honestamente, tem sido difícil encontrar distribuidores disponíveis durante o Verão. Tem sido muito desafiante, mas somos persistentes.


Porquê a decisão de focar a programação de Setembro nos clássicos?

A ideia passa por compreender o impacto que a pandemia teve em cada um de nós e na indústria do cinema, que compete hoje com uma miríade de plataformas online em crescimento. Perante isto perguntámo-nos qual será o futuro do cinema, as alterações que a indústria está a enfrentar e como é que a cultura cinematográfica está a evoluir em termos de visionamento. Por isso, nesta reabertura queremos prestar tributo ao cinema com o programa “Uma carta de amor ao cinema: Produção cinematográfica nos grandes ecrãs”. Nesta programação seleccionámos nove trabalhos de diferentes territórios que estão relacionados com o cinema. Em termos de bilheteira, os números têm sido animadores e considero que tem sido um bom começo. Queremos convidar o público a vir e entrar nas mentes destes realizadores para ver filmes que falam de filmes. Por isso é como se estivéssemos a escrever cartas de amor ao cinema e a partilhar esse amor com o público.

Muitos produtores locais estão desiludidos com a ausência do cinema independente e de produções locais. Que comentário faz?

À parte deste festival com um tema definido, temos também aquilo a que chamamos a “Selecção de Setembro”, onde temos quatro filmes artísticos, que nunca passaram em Macau. Ao nível das produções locais, um dos principais objectivos passa por garantir que são exibidas na Cinemateca, porque em Macau não existem muitos cinemas interessados em passar filmes locais, optando antes por filmes mais comerciais.

Acreditamos que temos um papel importante em assegurar que as produções locais são vistas. Ao longo do ano vamos exibir filmes locais e já iniciámos contactos com alguns realizadores e produtores de Macau.

O que é que a In está a fazer para reconquistar a confiança dos produtores locais?

Em Outubro, haverá outro festival, onde vão ser exibidos filmes de Macau e de territórios vizinhos, como a China, Taiwan e Hong Kong. Vamos continuar a contactar produtores locais, este é um passo muito importante. Claro que não os conhecemos a todos, mas queremos mostrar que estamos aqui para ajudar.

Não queremos excluir ninguém. Queremos ter uma relação próxima porque, pessoalmente, dou muito valor ao trabalho dos produtores de Macau. A sua persistência é inegável quanto a perseguir os seus sonhos e concluir projectos, mesmo com recursos limitados. Achamos também que as oportunidades que existem actualmente para que sejam vistos, não são suficientes e que, apesar de a Cinemateca desempenhar um papel importante, continua a ser um sítio pequeno. Temos de os tornar visíveis nas regiões vizinhas e no resto do mundo. Esta é a visão que queremos alcançar nos próximos três anos, ou seja, explorar o maior número de oportunidades e colaborações com outras regiões. Por exemplo, em Taiwan ou na China há vários cinemas ligados a produções artísticas com os quais já estamos em contacto para trazer alguns filmes independentes e vice-versa. Além disso, vamos promover encontros mensais com produtores das regiões vizinhas para partilhar ideias. Acredito que este tipo de eventos vai contribuir para o desenvolvimento do cinema de Macau e para recuperar a confiança dos produtores locais. Porque se queremos que os produtores locais confiem em nós não basta dizer para o fazerem, é preciso mostrar que os podemos ajudar a explorar mais oportunidades e recursos.

O que tem a dizer ao grupo “Macau Cinematheque Matters” que tem sido bastante crítico quanto à nova gestão?

Claro que compreendemos as preocupações que têm vindo a mostrar porque não têm certezas sobre a nossa experiência. Isto é perfeitamente compreensível e agradecemos todo o feedback que nos possam dar. Claro que não somos perfeitos, somos uma equipa jovem, mas temos vontade de ouvir, ajustar e fazer mudanças. Esperamos que durante estes três anos possamos provar que partilhamos um objectivo comum, que é fazer deste lugar um dos mais importantes de Macau.

Desde que o novo website da Cinemateca foi lançado, surgiram reacções negativas sobre falta de informação, a impossibilidade de comprar bilhetes online e a inexistência de versões em chinês simplificado e português. Porque é que estas funcionalidades não foram implementadas?

O que podemos assegurar é que no dia 1 de Setembro tudo estará a funcionar correctamente, incluindo as versões em chinês simplificado e português e a bilheteira online. Claro que lamentamos qualquer inconveniente causado, mas estamos a trabalhar para que no primeiro dia, quando as portas abrirem ao público, esteja tudo de acordo com o caderno de encargos do concurso público.

Mas o problema foi a falta de tempo?

Sabíamos o que tínhamos de fazer e inicialmente a ideia era apenas deixar tudo pronto no dia 1 de Setembro. Mas também percebemos que o público queria saber mais sobre os filmes e comprar os bilhetes com antecedência e, por isso, preparámos tudo para começar a funcionar uma semana antes. Durante esta semana estamos a testar intensamente o sistema de venda de bilhetes online para garantir que não há erros e que tudo está pronto antes do lançamento. Claro que tenho de admitir que o tempo, desde o momento em que agarramos o projecto até agora, é muito curto tendo em conta o trabalho que há para fazer.

Estavam à espera de receber a advertência escrita por parte do Instituto Cultural (IC)? Como tem sido essa relação?

Na verdade, temos estado em constante conversação com o IC. Temos um grupo de Whatsapp onde comunicamos praticamente todos os dias e reunimos todas as semanas para garantir que estamos a remar para o mesmo lado. Não estávamos à espera da advertência do IC, mas aceitamo-la, porque compreendemos que temos muito espaço para melhorar. Na verdade, até acaba por ser mais um factor de motivação.

Porque é que até hoje a In Limitada não foi capaz de apresentar exemplos da sua experiência na área do cinema?

Acredito que este projecto da Cinemateca Paixão é um dos maiores actualmente em curso na empresa e já lançámos, entretanto, o nosso próprio website onde revelamos algumas das nossas experiências passadas. Compreendemos as preocupações do público mas, na verdade, após comunicarmos internamente, a razão pelo qual não podemos revelar muito prende-se com questões de confidencialidade dos nossos clientes. Até porque temos recebido muita atenção por parte do público. Por isso, o feedback que recebemos dos clientes não tem sido positivo em relação a revelarmos a sua identidade. A forma como estamos a lidar com o assunto passa por tentar manter a confidencialidade dos clientes. Adoraria revelar mais, mas não posso.

Mas assim não parece que estão a esconder alguma coisa?

Sim, nós compreendemos, mas é difícil fazer essa gestão. Por um lado, queremos revelar mais mas, ao mesmo tempo, temos de proteger os clientes, evitando que se transformem em focos de atenção. Por isso, estamos concentrados em dar a conhecer a nossa equipa, porque agora somos nós que estamos ao leme deste projecto, não é a antiga gestora. Queremos muito que as pessoas conheçam a nossa equipa e quem somos, em vez de se focarem naqueles sobre quem não podemos falar.

Mesmo sem revelar clientes, qual a experiência da equipa na área do cinema?

A nossa directora de operações Tung Mei Yi tem experiência na gestão de cinemas em Hong Kong e juntamente com a June Wu, tem ajudado muito a levar o projecto para a frente. Eu e algum do staff recém recrutado, participámos em trabalhos relacionados com o cinema e a produção cinematográfica nos últimos anos. Por isso, apesar poucas pessoas nos conhecerem, temos experiência. Acreditamos que, apesar de as pessoas não estarem muito confiantes que somos capazes de fazer este trabalho, nos próximos meses, com a programação e a estratégia que vamos apresentar, vão ver o esforço que estamos a fazer. Se não estivermos a fazer um bom trabalho, por favor, digam-nos e nós vamos mudar.

Então porquê manter o silêncio ao longo de tanto tempo? Não considera que isso contribuiu para danificar uma relação já de si complicada?

Compreendemos e lamentamos que tenha sido assim. Tínhamos muita coisa na cabeça no início do projecto e não era o momento apropriado para desvendar as nossas ideias porque tínhamos acabado de vencer o concurso público e era necessário construir a equipa. Tudo leva tempo. Compreendemos que as pessoas possam pensar “será que nos estão a esconder alguma coisa?”, mas garanto que não. Apenas estamos a preparar tudo antes de aparecermos com uma postura forte sobre o que queremos fazer e os nossos objectivos.

Pode partilhar mais acerca do proprietário da empresa?

O proprietário é o senhor Leong Chan Weng e foi ele que construiu a equipa quando foi anunciado que a empresa venceu o concurso público. Está à frente da In desde a sua fundação e partilha connosco o objectivo de querer fazer parte da indústria cinematográfica, pela qual tem uma grande paixão. Não sei como descrevê-lo, mas é, simultaneamente, um apaixonado pelo cinema e um homem de negócios que nos uniu nesta missão e que quer muito que o projecto vá para a frente.

Consegue esclarecer a relação que existe entre a In e a Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau (MFTP), presidida por Alvin Chau, e que organiza o Festival Internacional de Cinema (IFFAM)?

Tanto quanto sei, não existe qualquer ligação com essa empresa. Mas a nossa equipa já participou nalguns trabalhos do IFFAM e outros festivais. Como equipa, não temos qualquer ligação com a MFTPA.

Sente que existe liberdade na escolha dos conteúdos a exibir?

Sim, sem dúvida. Mas sob a monitorização atenta do IC. A minha única preocupação é que seja bom para o público e que vão ao encontro da expectativas e exigências do IC.

Que comentário tem a fazer sobre o orçamento da In e o apresentado pela CUT, que era mais do dobro?

Acho que a melhor forma de mostrar ao público a nossa qualidade é através da programação porque, por exemplo, a obtenção dos direitos para a exibição dos clássicos em Setembro é bastante rara e não é propriamente barata. Desde o dia em que começámos a preparar a participação no concurso, não sabíamos como é que os outros candidatos iriam calcular os gastos mas, até agora, não estamos em qualquer risco de défice e o orçamento está sob controlo. Não podemos comentar como é que os outros calculam os gastos.

De que forma a Cinemateca Paixão irá participar no Festival Internacional de Cinema?

Até agora ainda não fomos contactados por ninguém em relação ao IFFAM.

DSEC | Taxa de desemprego regista aumento e cifra-se nos 2,7 por cento

[dropcap]A[/dropcap] Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) divulgou ontem os últimos dados relativos à taxa de desemprego, que foi de 2,7 por cento entre os meses de Maio e Julho. Trata-se de um aumento de 0,2 por cento por comparação aos meses de Abril a Junho deste ano. Já a taxa de desemprego dos residentes situou-se nos 3,8 por cento, um aumento de 0,3 por cento.

No geral, a população desempregada era composta por 11.100 pessoas nestes três meses, mais mil face ao período anterior. O número de desempregados à procura do primeiro emprego representou 9,2 por cento do total da população desempregada, ou seja, mais 3,7 pontos percentuais, dado que os novos graduados entraram no mercado de trabalho.

A DSEC adiantou também que, “de entre os desempregados à procura de novo emprego, o número dos que trabalharam anteriormente no ramo de actividade económica das lotarias, outros jogos de aposta e actividade de promoção de jogos foi o que mais aumentou”.

Entre Maio e Julho a população empregada foi de 395.400 pessoas, uma redução de 6.500 trabalhadores face aos meses de Abril a Junho, “devido principalmente ao número de trabalhadores não residentes que viviam em Macau ter descido”, explica a DSEC. Registou-se também uma quebra no número de residentes empregados, de 1.600 pessoas. O número de residentes empregados correspondeu a 277.700 pessoas. A DSEC conclui ainda que “o número de residentes empregados das lotarias, outros jogos de aposta e actividade de promoção de jogos, bem como do comércio a retalho decresceu”. No entanto, “o número de residentes empregados da construção aumentou”.

Director executivo da aplicação de vídeo TikTok demite-se

[dropcap]O[/dropcap] director executivo da TikTok renunciou hoje ao cargo, no momento em que os EUA pressionam o proprietário chinês a vender a popular aplicação de vídeo, que a Casa Branca diz ser um risco para a segurança nacional.

Numa carta aos funcionários, Kevin Mayer disse que sua decisão surge depois de o “contexto político ter mudado drasticamente”. A demissão acontece depois de o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ter ordenado a proibição do TikTok, a menos que a proprietária, a Bytedance, venda as suas operações nos EUA a uma empresa norte-americana num prazo de 90 dias.

“Fiz uma reflexão significativa sobre o que as mudanças estruturais empresariais exigirão e o que isso significa para o papel global com o qual me comprometi”, escreveu Mayer.

“Neste contexto, e como esperamos chegar a uma resolução muito em breve, é com o coração pesado que gostaria de informar (…) que decidi deixar a empresa”, salientou o ex-executivo da Disney, que assumiu o cargo de director executivo da TikTok em maio.

Os EUA aumentaram o escrutínio das empresas de tecnologia chinesas, justificando a ação com preocupações de que possam representar uma ameaça à segurança nacional. A Bytedance está actualmente em negociações com a Microsoft para que a empresa norte-americana compre as operações da TikTok nos EUA.

Covid-19 | Coreia do Sul com 441 novos casos, pior registo diário desde Março

[dropcap]A[/dropcap] Coreia do Sul registou 441 novos casos de covid-19 nas últimas 24 horas, anunciaram as autoridades, o pior balanço diário desde 7 de Março, quando o país contabilizou 483 infecções. O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da Coreia do Sul informou que 315 dos novos casos são provenientes da área metropolitana de Seul, onde vive metade da população do país, que conta com 51 milhões de habitantes.

O aumento de casos já levou os peritos de saúde a alertar para a possibilidade de os hospitais esgotarem a capacidade para acolher novos doentes.

A Assembleia Nacional de Seul foi hoje encerrada e mais de uma dúzia de deputados do partido no poder foram forçados a entrar em quarentena, após um jornalista que cobriu uma reunião dos líderes do partido ter testado positivo, segundo a agência de notícias Associated Press (AP).

Na semana passada, o Governo da Coreia do Sul alargou a todo o país uma série de restrições em vigor até ali apenas na capital, Seul, devido ao aumento de casos de covid-19.

As restrições, que correspondem ao nível 2 de uma escala de 3, incluem o encerramento de espaços públicos e estádios desportivos, a redução do número de alunos até um terço do total, o encerramento de cafés e salas de ‘karaoke’ e o cancelamento dos serviços religiosos dominicais.

As reuniões em espaços fechados com mais de 50 pessoas e com mais de uma centena em espaços ao ar livre também passaram a estar proibidas a nível nacional. Já em 25 de agosto, a Coreia do Sul ordenou que as escolas em Seul retomassem o ensino à distância.

As autoridades sanitárias descreveram o surto das últimas duas semanas como a maior crise do país desde o surgimento da covid-19, e já alertaram que, se a propagação não abrandar, poderão vir a elevar as medidas para o nível 3.

As autoridades temem, no entanto, que essas medidas, que limitariam a economia às actividades essenciais, prejudiquem a recuperação do país. O banco central da Coreia do Sul baixou hoje as suas perspectivas de crescimento para a economia nacional, prevendo uma contração de 1,3%.

A pandemia de covid-19 já provocou pelo menos 820 mil mortos e infetou mais de 23,9 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência de notícias France-Presse (AFP).

Lojistas de Macau duvidam que reinício de vistos turísticos tragam retoma

[dropcap]C[/dropcap]omerciantes do centro histórico de Macau ouvidos pela Lusa duvidam que a vaga inicial de vistos da província vizinha de Guangdong, responsável pela maioria do mercado turístico chinês, garanta a retoma do turismo, devastado pela pandemia.

Na Rua Pedro Nolasco da Silva, a poucos metros do Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong e da sede da Casa de Portugal em Macau, o senhor Lam, dono de uma loja dos famosos chás, tem o seu estabelecimento praticamente sem clientes e não augura grandes mudanças. “A meu ver, o valor de negócio não vai rapidamente aumentar porque os vistos são só para a província de Guangdong e a maioria dos turistas vem para Macau só para jogar”, conta à Lusa.

“A abertura de vistos é uma boa notícia, mas não sei se é fácil serem aprovados”, disse.
Neste momento, admite, as suas receitas dão apenas para pagar o aluguer do pequeno espaço, o salário aos funcionários, electricidade e água.

Nem o facto de ser período de férias, nem os cartões de consumo que o Governo deu aos residentes para ser gasto no comércio local, ajudou: “Pensava que o negócio ia melhorar, mas …”, desabafa, sem acabar a frase.

Lam sabe que se a situação se mantiver estável em termos de contágios, a China planeia autorizar em todo o país a emissão de vistos turísticos para Macau a partir de 23 de Setembro e isso deixa-o moderadamente confiante: “Se a situação da pandemia melhorar no futuro há mais abertura de vistos para mais províncias, mas mesmo assim o negócio não vai aumentar nos próximos dois, três meses”.

A tónica do discurso dos vários comerciantes ouvidos pela Lusa foi praticamente sempre a mesma: expectantes, pouco esperançados, a pedirem mais apoios ao Governo e a desejar que 23 de Setembro traga a luz verde para a emissão dos vistos em toda a China.

Vistas largas

Um pouco mais à frente, já no coração do centro histórico, a Rua de São Paulo, que alberga as famosas ruínas, está praticamente vazia, com apenas alguns residentes de férias ou a aproveitarem o fim da hora de almoço.

Nesta zona, provavelmente a mais movimentada do território e que em 2019 recebeu quase 40 milhões de visitantes, um funcionário da loja Feng Cheng Recordação Macau diz que até agora só vendeu 10 por cento em relação ao ano anterior.

O número avançado pelo funcionário está em sintonia com os últimos valores avançados pelo Governo: o número de visitantes em Macau caiu mais de 90 por cento em Junho e 83,9 por cento no primeiro semestre, nos primeiros sete meses do ano as perdas dos casinos em relação ao ano anterior foram de 79,8 por cento e a queda do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro semestre foi de 58,2 por cento.

“O valor agora pode aumentar agora um pouco com os vistos, mas acho que é impossível voltar para o nível do mesmo período do ano passado”, aposta. Até porque, explica, mesmo com a emissão de vistos, “há uma série de limitações para passar a fronteira, como a obrigação de fazer o teste de ácido nucleico e usar máscara”.

Em frente a este estabelecimento de recordações, a loja Kin Seng Mobílias encontra-se também sem clientes e a viver a mesma incerteza. “Por causa da epidemia quase não há nenhum negócio”, evidencia a proprietária, a senhora Sio, atirando logo de seguida: “espero que a situação melhore e com isso mais províncias tenham vistos para cá”.

A Covid-19 e o medo

“Pandemic is not a word to use lightly or carelessly. It is a word that, if misused, can cause unreasonable fear, or unjustified acceptance that the fight is over, leading to unnecessary suffering and death.”
Dr. Tedros Adhanom – director geral da OMS

 

[dropcap]O[/dropcap] medo é um alerta que nos ajuda a reagir face a potenciais perigos, activando o corpo e a mente para desenvolver os recursos necessários para enfrentar ou evitar uma ameaça, bem como para a prevenir. Assim, mesmo perante uma emergência como a propagação da infecção COVID-19, ter medo é absolutamente normal e saudável. O primeiro passo para ultrapassar o medo é aceitá-lo, o segundo é geri-lo e o terceiro é enfrentá-lo. Porque os medos não devem tornar-se excessivos e descontrolados, especialmente face a uma pandemia, onde a invisibilidade do inimigo pode desencadear reacções fortes e levar ao pânico. Nem devem transformar-se em fobias, um poderoso condicionamento da nossa liberdade de agir e do seu impulso infeccioso. Neste momento, o medo e a ansiedade habitam na alma e no corpo de todos, forçados a abdicar de muitas liberdades e oportunidades para nos proteger deste inimigo impiedoso e invisível.

Nestes meses, muitos falaram, tentando dar conselhos, alguns estão a minimizar mostrando-se na rua sem protecção recomendada, outros vêem nesta emergência uma situação apocalíptica. Em todos, porém, o medo e a sensação de perigo encontraram um lar e guiaram o nosso comportamento. Gerir o medo significa, antes de mais, ter informação correcta, não só sobre o perigo actual (neste caso a ameaça de infecção, o modo de transmissão, a duração, o risco de graves consequências sanitárias e económicas), mas também sobre as emoções que nos afectam. Emoções que infelizmente são desagradáveis e causam grande desconforto, mas que podem ter um valor fundamental para nos orientar para comportamentos que nos podem salvar.

Sem ter a presunção de oferecer receitas improváveis para se tornar corajoso e fazer desaparecer o medo, é necessário que se compreenda o mesmo nas suas expressões, nas suas funções e nos seus mecanismos e como distinguir o medo “pequeno”, o normal, do “grande”, patológico, a que mais correctamente podemos chamar de fobia. Partindo da premissa de que não é a intensidade da emoção experimentada que distingue o medo da fobia, mas a experiência e o contexto em que ocorre, é preciso agarrar e compreender as implicações emocionais do medo em situações não urgentes. As pessoas têm de aprender técnicas comportamentais e práticas sobre como gerir o medo e lidar com a fobia, mesmo que, no caso de perturbações fóbicas, a ajuda de um profissional seja essencial para reconquistar a liberdade perdida.

É importante conhecer as implicações emocionais que a propagação do vírus tem induzido em todos, especialmente nos seus componentes de medo e ansiedade, tornando-nos temporariamente fóbicos por necessidade. Além disso, é urgente que as pessoas sejam ajudadas a gerir o stress e a dirigir os seus recursos psicológicos da forma correcta para enfrentar com confiança este momento difícil, em que a COVID-19 está a perturbar radicalmente as nossas vidas individuais e colectivas. Além da normal prevenção que tem sido feita, o suporte psicológico é de primordial importância e tem falhado substituído pelo crescente alarmismo dos números de mortos, infectados e recuperados que a cada minuto a média fornece.

A pandemia COVID-19 é um acontecimento que nos apanhou de surpresa nos últimos meses, mas não é a única emergência epidémica que a humanidade conheceu.

Também noutros períodos históricos (durante a propagação de doenças infecciosas como a peste, varíola, gripe espanhola, asiática, Ébola, SARs, só para citar algumas…) o homem teve de enfrentar riscos e perigos que são substancialmente invisíveis aos seus olhos, mas extremamente agressivos. E é precisamente a invisibilidade do inimigo que pode desencadear em nós fortes reacções de ansiedade e medo e levar ao pânico, popularmente entendido como uma emoção de extremo medo e angústia. Nestes momentos, a nossa mente joga à defesa a fim de minimizar os riscos e obriga-nos a comportamentos que limitam a nossa capacidade de explorar, pondo-nos em espera até ficarmos imobilizados. Face a um perigo como a pandemia, será correcto ter medo? Uma das principais funções da nossa inteligência emocional é ajudar-nos como indivíduos e ao ser humano, como comunidade e espécie, a sobreviver. A bagagem das nossas emoções primárias é composta por uma emoção positiva, alegria; uma neutra, surpresa; e quatro negativas que são a raiva, medo, repugnância e tristeza.

Assim, cerca de 67 por cento das nossas emoções primárias são negativas, porque o processo evolucionário seleccionou as emoções negativas como o melhor sistema de defesa para a nossa sobrevivência. Portanto, viver o medo, a raiva e a tristeza num momento perigoso como indivíduos e para a humanidade, é absolutamente natural. Nesta perspectiva, a sensação generalizada de medo e ansiedade, se por um lado cria desconforto, por outro, reforça a nossa capacidade de nos defendermos, estimulando a atenção, a cautela, tornando-nos mais reactivos. O medo e a ansiedade tornam-se assim amigos preciosos para pôr em prática todas as defesas e comportamentos necessários para superar o momento difícil. É de lembrar que ter medo e ansiedade perante o perigo é normal e útil. Uma das melhores estratégias que a nossa mente põe em prática, face a uma ameaça como o vírus, é identificar o mais possível o inimigo.

Por esta razão, agarramo-nos às notícias, emissões de televisão e rádio, catapultamo-nos ansiosamente para o mar magnífico da Web, procurando notícias, sugestões, garantias, com o risco de sermos atraídos pelo que queremos ver e de cairmos num estado de confusão, esmagados pela incerteza devido aos montões de informação contraditórios. É pouco mais do que uma gripe trivial, é perigosa apenas para os idosos, tem uma taxa de mortalidade muito superior à da gripe, destruirá a economia, os cuidados de saúde entrarão em colapso, temos um dos sistemas de saúde mais válidos do mundo, ficamos em casa, trabalhamos, usamos máscaras, as máscaras não são tão úteis, e assim por diante. A confusão, a incerteza, a sensação de impotência assaltam-nos e invadem-nos cada vez mais, libertando ansiedades e medos que são acompanhados por comportamentos nem sempre realmente úteis, se não mesmo prejudiciais. Como podemos ter a quantidade certa de medo?

A reacção emocional deve obviamente ser proporcional ao perigo que enfrentamos e a resposta é tanto mais apropriada quanto mais o perigo é conhecido. Ter informação clara, precisa e fácil de compreender é a chave para encontrar o nível certo de ansiedade, alerta, e medo. A responsabilidade pela comunicação adequada por parte dos órgãos institucionais e da imprensa é crucial, tal como a nossa capacidade de discriminar entre informação fidedigna e informação não verdadeira. Quando o perigo não está bem definido e a informação é inconsistente, então colocamo-nos no mais alto grau de ansiedade, alerta, e medo. É de lembrar que para se ter uma reacção de ansiedade e medo adequada, é essencial ter informação clara e correcta. Em situações de emergência, a informação desempenha um papel fundamental, porque nos permite activar correctamente as nossas defesas de forma mais apropriada.

Face a qualquer perigo, só podemos escolher o comportamento ideal se tivermos uma ideia clara do “inimigo” que enfrentamos, e quando este é invisível, como no caso de infecções bacterianas e virais, torna-se ainda mais crucial poder escolher onde obter informações válidas. Muitas vezes estas fontes são os peritos na matéria, que têm as ferramentas para melhor ler a situação, como com uma espécie de lupa, e que nos fornecem dados e opiniões que nos ajudam a ter a melhor imagem possível da situação. Contudo, frequentemente nestas circunstâncias, os líderes de opinião e peritos parecem estar divididos em duas categorias distintas, o “tranquilizador” e o “catastrófico”. Pessoas de alto perfil e experientes discutem dados, medidas, experiência profissional e trazem diferentes pontos de vista. Então, porquê toda esta confusão? Porque é que os peritos e pessoas de reconhecida sabedoria dão tanta informação incoerente e opiniões muito diferentes ou mesmo opostas?

A resposta reside no chamado “viés confirmatório” que, em resumo, não representa mais do que a tendência muito tenaz de se cingir aos seus pontos de vista de uma forma prejudicial. Mesmo os peritos, todos, estão à mercê deste limite. A expressão viés confirmatório (literalmente “tendência para confirmar”) define em psicologia um dos fenómenos mais humanos e frequentes em cada tempo e latitude. É um termo técnico, mas poderia simplesmente ser definido como preconceito, no seu significado mais comum de julgamento que é dado antes de conhecermos factos ou pessoas, e que condiciona o que vemos e o que ouvimos. Em suma, a nossa mente, através deste mecanismo, forma uma opinião sobre um assunto ou uma pessoa, baseada em crenças pessoais ou comummente aceites, após o que procura todas as notícias e informações que confirmam o seu pré-julgamento, tornando-se cega a tudo o que contrarie a sua ideia inicial.

O preconceito confirmatório não tem consequências particularmente graves quando nos perguntamos se o mar ou as montanhas são melhores para a nossa saúde mental, mas pode levar-nos a comportamentos perigosos para nós e para os outros face a ameaças difíceis de identificar e não directamente observáveis. E como podemos abrir os olhos e desvendar as opiniões dos peritos? A resposta é simples e complexa, ao mesmo tempo. Para combater os nossos pré-julgamentos devemos deixar as opiniões em paz e confiar em factos, números e ser guiados na interpretação destes dados por fontes autorizadas e reconhecidas. Uma vez escolhidas as fontes que são respeitáveis, é essencial ouvi-las mesmo quando fazem declarações que nos parecem erradas, porque colidem com os nossos preconceitos.

E se quiséssemos ser ainda mais eficazes contra o nosso preconceito de confirmação, deveríamos prestar mais atenção e procurar precisamente todos esses dados e informações e, porque não, as opiniões de fontes autorizadas e pessoas que contradizem as nossas crenças e pontos de vista, seguindo um princípio chave do método de pensamento científico desenvolvido por um dos grandes filósofos do século passado, Karl Popper, que é o princípio da falsificação das nossas hipóteses. No final deste caminho, depois de concordarmos em ouvir “realmente” aqueles dados e opiniões que não sentimos que sejam nossos, só então poderíamos tirar conclusões capazes de encapsular a complexidade das situações e que se aproximem da verdade. Quais são as fontes de informação mais fiáveis? Nunca como agora são demasiadas pessoas a expressar opiniões pessoais e que podem alimentar medos excessivos, bem como comportamentos exagerados (como encher o frigorífico com comida fresca).

Na procura de informação, que actualmente depende demasiado facilmente da inclusão de palavras-chave em algum motor de busca, é essencial ter em mente uma escala de fiabilidade de fontes como Organização Mundial de Saúde, Centro Europeu de Controlo e Prevenção das Doenças e os departamentos nacionais responsáveis de cada país; peritos reconhecidos a nível internacional e nacional que exprimem frequentemente as suas opiniões pessoais com base na sua experiência e não em dados e para as restantes fontes de informação, a fiabilidade parece insuficiente para as considerar algo mais do que uma opinião pessoal. É de não esquecer que se deve ouvir apenas informação de fontes fiáveis. Que especialistas ouvir em caso da pandemia? Devem ser os peritos mais adequados para interpretar factos e dados são os epidemiologistas, infectologistas, imunologistas e virologistas.

A experiência adequada em investigação científica fomenta o desenvolvimento de uma mente crítica apropriada que, embora não isente tais peritos de pré-julgamentos, pode ajudá-los a ter uma visão mais realista e completa do contexto. Neste sentido, o cientista especialista não decide mas tenta informar correctamente, traduzindo os dados em informação compreensível para não especialistas, ou seja, cidadãos e instituições, que em vez disso devem tomar as decisões mais adequadas, com base em informação mais próxima da verdade. É de lembrar que a fim de obter informações correctas, devemos recorrer a cientistas especializados que nos informem e nos ajudem a tomar as decisões mais adequadas. Melhores dados ou opiniões? As opiniões pessoais, mesmo de figuras de autoridade no campo médico-científico ou de pessoas respeitadas no mundo político, tendem a ser superficiais, se não forem apoiadas por uma interpretação correcta dos dados. Números, modelos matemáticos, previsões estatísticas são ferramentas úteis para melhorar as opiniões, torná-las mais fiáveis e úteis para esclarecer a verdadeira extensão de um perigo.

É importante não dar demasiada importância às opiniões e ler os dados e factos tentando tomar a sua decisão. Qual deve ser o nosso comportamento face ao perigo de contágio? Quando somos confrontados com um perigo, não só activamos as nossas emoções negativas, como também activamos automaticamente três comportamentos defensivos que são a imobilização, luta e fuga. Face a um perigo grave e iminente, paralisamo-nos, na esperança de que o inimigo não nos veja. Quando pensamos que o perigo é demasiado grande para ser combatido, então fugimos; quando pensamos que temos a força para o enfrentar e ultrapassar, então lutamos. Estes comportamentos, como a história do desenvolvimento evolutivo do homem e dos seres vivos diz-nos, provaram ser os mais eficazes para a sobrevivência. É de recordar que estar zangado e triste com a pandemia é normal e deve ser aceite. Outro sentimento que nos acompanha durante a emergência pandémica é a perplexidade, a sensação de que o tempo parou.

Esta novidade perturbadora e incerta, este sentimento de ser confrontado com um perigo real mas também não bem definido, a quebra dos nossos hábitos, a impossibilidade de planear o futuro próximo, desencadeia em todos nós, uma das reacções mais típicas do medo, a imobilização. Quando somos confrontados com um perigo, o nosso cérebro está predisposto a activar três mecanismos de defesa a luta, fuga ou imobilização. A luta é activada quando somos confrontados com um perigo que podemos vencer, que de alguma forma sabemos enquadrar e sentir que podemos vencer; a fuga é activada quando somos confrontados com um perigo conhecido e claramente superior às nossas forças. A imobilização, que é frequentemente a primeira reacção face a um perigo inesperado, está ligada precisamente à incerteza sobre o inimigo que temos de enfrentar e à impossibilidade de avaliar qual é a melhor estratégia, seja para lutar ou para fugir.

A imobilização traduz-se em perplexidade, abrandando a sensação de tempo, incerteza e espera. Este estado de suspensão cria uma espécie de silêncio interior que nos permite aguçar os sentidos e a mente em busca da informação e das pistas que podem lançar luz sobre o perigo que temos de enfrentar, planeando a acção mais apropriada para activar, a luta ou a fuga. Tentamos compreender o que está a acontecer, quais são os riscos, qual é a força do inimigo que temos de enfrentar, quais são os nossos recursos, com quem podemos contar e, no caso específico da COVID-19, tentamos compreender como é transmitida, quem a pode transmitir, como nos podemos defender e prevenir da infecção, como as instituições nos podem ajudar, como fazer as compras correctamente, como trabalhar eficazmente no trabalho inteligente, e assim por diante. Há muitas perguntas que precisamos de fazer a nós próprios para termos uma imagem suficientemente clara que nos permita agir. Sentimo-nos “entre cores que estão suspensas”, nas palavras de Dante em O Inferno, e esperamos que a natureza, a ciência, os médicos e, porque não, também Deus, nos dêem a sensação de certeza e previsibilidade necessárias para voltar a planear o futuro e a agir.

Holandeses voadores – IV

[dropcap]A[/dropcap]gora que o céu começou a abrir, reconheço no ar uma voz que desfalece nas clareiras dos pinheiros mansos e no lago do parque. Uma rememoração de abelhas, paixões e pequenas fugas. A paisagem faz eco das chuvas silenciosas do passado, das melodias de circo, e dos casais inflados da belle époque a desvairar por um remanso de pele nua onde tocar com os dedos. Um fogacho tão breve como o dos gansos que esvoaçam em frente às vidraças onde aguardo o meu aluno.

Dava aulas no Instituto Real dos Trópicos, razão por que todos os dias viajava do bairro do Jordaan até perto de um equador imaginário, liso como uma iluminura. Os alunos aprendiam Português antes de seguirem para Moçambique, Brasil, S. Tomé ou Angola onde iriam trabalhar. Geralmente eram pequenos grupos, mas, durante esses meses em que o céu me permitiu reconhecer memórias alheias que afinal me pertenciam sem eu saber, apenas tive um único aluno, um médico chileno.

Curiosamente, o médico falava Português. Articulava a língua com a mestria dos flamingos que tingem a plumagem com os caranguejos que devoram. A sua presença no curso era meramente burocrática, embora fosse um requisito obrigatório da bolsa que o levaria depois até à Guiné, seu destino final. Confessou-me logo de início que as semanas de curso que iríamos partilhar seriam um enfado, um despropósito, uma aura em ponto morto. Mas eu continuava a olhar para as vidraças, por trás da fisionomia sonolenta do meu aluno, e reconhecia naquela visão uma paleografia familiar. Era como se este trecho de vida já tivesse sido escrito.

No segundo dia de aulas, levei comigo um livro de John Ruskin que me tinha sido oferecido por um amigo de passagem pela Holanda. Ao ver o livro, o médico ficou esfuziante, mesmo perturbado, pois a sua primeira viagem na Europa concluíra-se em Veneza e ficara alojado precisamente no hotel onde o romântico inglês tinha vivido. Na hora de conversa que se seguiu, percebi que o meu aluno era um esteta que estaria a fugir para África, devido a uma tragédia amorosa e não à habitual generosidade do seu ofício sem fronteiras. Talvez tudo isto não passasse de um sinal.

Foi no último dia do curso que a bicicleta surgiu do outro lado das vidraças. Em vez do carrinho de bebé, era num cesto de verga que ela agora transportava as folhas dos plátanos. Dançava ainda dentro do vestido vermelho do dia anterior. Fiquei paralisado, diluído no éter. O médico usurpou-me o mutismo e sorriu com ventania de gávea, parecendo conhecer uma longa história que não era a sua e que há poucas horas se iniciara. É verdade que só voltei a vê-la quando, dias mais tarde, a vi reaparecer de dentro da loja marroquina. Nesse fim de tarde, dadas as coincidências, o meu aluno contou-me tudo. E eu então desapareci a bordo daquela pequena morte que mal sacia os ossos, quanto mais um remanso de pele nua a arder. Talvez tudo isto fosse de facto um sinal.

8

Há asas que só batem no infinito. São aquelas que eu suporto nos meus braços. Sempre temi os animais com penas, mesmo os cisnes que vivem cem anos em paciente monogamia e que em terra vagueiam com pouco jeito, desequilibrando prumadas. No entanto, acabadas as aulas, o que mais desejava era espraiar o tempo e, nessa operação de perda voluntária, vê-los a deslizar na água e perceber na sua navegação uma vasta epopeia em silêncio.

As linguagens dos humanos não conseguem captar uma tal gesta, como também não conseguem detectar a matéria escura do universo. Os cisnes não proferem matemática, nem gastam palavras, preferem concentrar o esforço nos movimentos do seu longo pescoço, uma verdadeira galáxia branca ligada gravitacionalmente a formas secretas de compaixão. Até que a chuva miúda reaparecesse, sentava-me no banco do parque a observar aqueles relatos que vibravam como se fossem um irrepetível amor à primeira vista.

Até que nos encontrámos os dois na cidade de Utreque para ver e ouvir tocar Astor Piazzola e, no intervalo, eu rumorejei-lhe estas teorias idiotas ao ouvido. Ela adorou a ideia de uma compaixão que não se reduzisse ao esquisso “dói-me a dor do outro”. Não é o luto do desperdício que cura a existência, segredou, e, de seguida, agarrou-me no braço e conduziu-me para o palco em contradança sem que as palhetas livres do bandoneón sequer nos vislumbrassem.

A chuva miúda regressaria ao fim da tarde sem um foco definido. Um tango sem o propósito de ser tango para que amar pudesse ser a transcendência dos mundanos. Estava cansado de horas e horas de aulas, mas persistia. Observava cuidadosamente a locomoção dos cisnes e percebia nela cada vez mais uma fala que se desvanece. Como se o dizer do apaixonado fosse a alegria do desperdício, o verbo que desaverba.

Nesse tempo eu fumava cigarros de enrolar, ou seja, fazia de mim uma nuvem ou uma tenaz e manuseava a febre dos objectos metálicos que se transformam em fogo ou nos acessos em labareda da música de Piazolla. O privilégio do fumador é atar os pulmões às suas paixões, respirando os andamentos dos cisnes com a dupla profundidade de um tango. Por isso, cobria a cabeça com o capuz e preferia não subir para o eléctrico. Seguia a pé durante alguns quilómetros pela margem do Canal dos Príncipes, entrava e saía sempre que me apetecia no palco por entre as palhetas livres do bandoneón e lembrava-me demasiadas vezes da história do médico chileno de que, entretanto, me despedira.

(continua)

A palavra e a teia

[dropcap]T[/dropcap]erça-feira, dia 25, no Teatro da Rainha, terá lugar mais uma sessão do Diga 33, as conversas em torno da poesia moderadas pelo Henrique Fialho, e desta vez o convidado sou eu. Imprudência minha em ter aceitado e do Henrique em dirigir-me o convite pois sou um medíocre orador.

Chego depois de uma semana no Algarve, assombrada pelo “esplendor” ártico das águas; mas onde, com um entusiasmo juvenil me apanhei numa actividade que há décadas não praticava: a apanha de conquilhas na maré baixa, única forma exaltante de não pensar no frio. Não as sondava com o pé, drago as areias com as mãos, penetro com os dedos os seus mantos suaves para lhes perscrutar os nós, os bivalves.

Ainda tenciono ler um ensaio sobre a metáfora da filósofo e poeta de Barcelona Chantal Maillard, que me ajudará a aclarar algumas ideias para a conversa, pois tenho muitas afinidades com o que ela pensa.

Mas poderei desde já apontar alguns princípios, os meus “nós”:
– a poesia e a ciência são as duas formas de conhecimento que admitem por atracção e desencadeamento o desconhecido;
– o poema não é uma transcrição de um mundo conhecido de antemão mas sim um processo em que a intercepção e a descoberta andam a par;
– o poeta não escreve só para expressar-se mas igualmente para orientar-se dentro da sua própria vida ;
– a realidade não pode ser postulada sem o esforço simultâneo para a compreendermos, sendo a arte e a poesia, como processos contínuos, um testemunho desse desejo;
– a palavra é na verdade uma fibra e o poema um feixe de fibras que se organiza como uma intrincada rede de densidade semântica. O mais próximo do poema é a teia de aranha, visto que no poema como naquela “o todo está inteiro em cada uma das suas partes” (logrando uma dimensão fractal) e que, igualmente, quando algo toca um fio da teia do poema esta vibra inteira; daí que uma só palavra errónea possa destruir o poema;
– o poema arma a teia para capturar insectos mas a qualidade da atenção que desperta, a intensidade da sua atracção, só eclode quando lá caem pássaros e essa eclosão do inesperado é que abre espaço para o mistério (uma forma de inteligência não circunscrita cujas leis clamam por tornar-se conhecidas) que todo o verdadeiro poema sonda;
– a este “inesperado” que rompe o fluxo chama-se comumente irracionalidade, imaginação, compulsão isomórfica ou revelação – quatro maneiras de designar o mesmo: há níveis diferentes de realidade e modos distintos de percepção duma mesma realidade;
– o realismo, como se diz na Índia, é apenas um dos quarenta modos de decoração da realidade, i. é, a sê-lo não se equivale ao modo restringido e em auto-decapitação como é de uso concebê-lo nas poéticas hoje mais em voga na nossa tradição mas antes como um modo de abrir “poros” na realidade;
– o poema abre “poros” para além da esquadria da retórica e de uma visibilidade à cabotagem;
– um bom poeta aprende a utilizar em seu proveito as forças do acaso para as reenquadrar na sua pauta de referências, não para as sufocar, mas antes como um plinto ou um “acelerador de partículas” e a um ponto que, paradoxalmente, não pareça haver nada de casual na sua obra, nem nenhum elemento gratuito que obscureça a percepção do poema;
– há uma irracionalidade descendente e uma irracionalidade ascendente: Eugenio D’Ors, chama a esta o “nível angélico” (uma espécie de supraconsciência, que material e fenomenicamente é o polo contrário do subconsciente freudiano), embora este possa ter pouco de pio, sendo apenas o acesso a um nível cognitivo onde voltam a re-ligar-se os padrões e pulsa uma nova inteligibilidade da totalidade, que no plano anterior era apenas intuída; admitida a hipótese de que haja devir e seja fito do homem superar-se;
– a um ateu como eu é mais fácil admitir com o Fausto de Pessoa, que os deuses têm os seus próprios deuses, e que no fundo o sentimento do religioso é um saudável princípio de proporcionalidade que o poeta não se deve abster de possuir; no que ajuda ter a honestidade de integrar-se numa tradição e num sistema de “admirações” que lhe dão lastro e perspectiva, sabotando de antemão o seu ego q.b.;
– toda a simplicidade é um resultado e não um postulado criativo; ou seja, é mais fácil a um barroco ser simples quando o texto assim o exige do que a um “militante da austeridade” ser criativo;
– a quantas palavras deve recorrer o poeta, na sua paleta, ou qual deve ser a extensão do seu léxico? As suficientes para lembrar a pertinência com que Wittgenstein observava que os limites do nosso mundo são os limites da nossa linguagem. Se numa cesta de frutos só houver nozes, o nosso conhecimento dos insectos será mais limitado do que se houver um pomar na nossa cesta. É neste sentido que Harold Bloom defendeu, num livro de setecentas páginas, que Shakespeare (que usou quase trinta mil palavras) foi quem “inventou o humano”. Este pôde entender novos e mais subtis modos de relacionamento humano e político e até de afecções sentimentais porque as iluminou pela primeira vez num plano distinto de acções com a amplitude das modulações da sua imersão numa linguagem total;

– “Quando encontro/ neste meu silêncio/ uma palavra/ está fundida na minha vida/ como um abismo”, escreveu Ungaretti, descrevendo com exactidão a minha relação com a palavra: por estar imerso no silêncio e no deserto é-me mais difícil falar do que escrever.

Não sei se vou conseguir explicar estes meus princípios, ou se me evadirei contando histórias.
Fica o esboço.

Covid-19 | Ai Weiwei estreia novo documentário filmado em Wuhan 

O artista e activista Ai Weiwei acaba de apresentar um novo documentário onde revela como a cidade de Wuhan viveu a pandemia da covid-19, mas que é também uma crítica à alegada ocultação de números e de informações sobre a doença. Disponível em plataformas pagas de streaming, “Coronation” foi filmado por cidadãos de Wuhan que ajudaram o artista neste projecto

 

[dropcap]A[/dropcap] dimensão de uma cidade sobressai mais quando está vazia. Em Wuhan, no início do ano, debaixo de uma neve intensa e com baixas temperaturas, essa dimensão era ainda maior com uma população fechada em casa a proteger-se de uma pandemia. Nos hospitais, médicos vestiam as batas e punham as máscaras, iniciando jornadas de trabalho sem fim. Lá fora, as estradas estavam vazias, ou então enchiam-se de ambulâncias. Depois, havia os prédios cheios de luzes, o vazio, o silêncio no meio do caos. Ao mesmo tempo, a velocidade na construção de novos hospitais.

O novo documentário de Ai Weiwei, intitulado “Coronation”, foi filmado com a ajuda da esposa, Wang Fen, que tem irmãos a viver em Wuhan. O filme, com cerca de uma hora de duração, é o resultado de mais de 500 horas de gravações.

O projecto não pretende apenas mostrar a realidade vivida no epicentro da pandemia, mas constitui também uma crítica à alegada ocultação do número de mortes por covid-19 e dos primeiros casos. Disponível para compra ou aluguer nas plataformas de streaming Alamo on Demand [para os EUA] e Vimeo [para o resto do mundo], “Coronation” tem como protagonistas os cidadãos que ficaram presos em Wuhan devido ao fecho das fronteiras da cidade, os que só regressaram muitas semanas depois por estarem fora antes do confinamento ou os médicos exaustos que adormecem em cadeiras dos hospitais com os fatos de protecção. Mas não só.

Há também relatos de pessoas que passaram a viver no limbo, tal como um filho que se vê sujeito a um extenso processo burocrático para conseguir ficar com as cinzas do pai vítima de covid-19 ou um trabalhador da construção civil, voluntário, que não consegue regressar a Henan, a sua cidade natal, depois de terminar o seu trabalho. Apesar dos telefonemas, explicando a situação, este não consegue sair de Wuhan e acaba a dormir no carro. O jornal The Guardian noticiou o suicídio deste voluntário.

A nota final

O papel do Partido Comunista Chinês (PCC) no processo de combate à pandemia é também retratado neste documentário, quer pela cerimónia de boas-vindas a médicos e enfermeiros que receberam o prémio de adesão ao PCC, quer através de uma conversa com uma idosa. No sofá da sua casa, esta militante defende que a China continua a ser um bom país para se viver, criticando aqueles que querem emigrar e que, no estrangeiro, se vêem obrigados a pagar elevadas quantias para ter acesso a cuidados de saúde.

Pelo meio, Ai Weiwei apostou em cenários quase futuristas de uma cidade vazia, com música a condizer, para depois terminar com uma mensagem. “O primeiro caso de covid-19 surgiu em Wuhan a 1 de Dezembro de 2019. Durante várias semanas as autoridades ocultaram informações sobre a transmissão do vírus entre humanos, bem como os dados relativos às infecções e mortalidade. A 23 de Janeiro de 2020, Wuhan foi sujeita ao fecho de fronteiras.”

Sobre a China

Ao jornal New York Times, Ai Weiwei revelou que este documentário é, acima de tudo, uma tentativa de mostrar como é o seu país. “Os espectadores têm de perceber que isto é sobre a China. Sim, é sobre a quarentena, mas, acima de tudo, tenta reflectir o que os cidadãos chineses comuns tiveram de enfrentar.”

“O filme leva-nos ao coração dos hospitais temporários e unidades de cuidados intensivos, mostrando todo o processo de diagnóstico e tratamento. Os pacientes e as suas famílias são entrevistados, revelando o que pensam sobre a pandemia, ao mesmo tempo que expressam raiva e confusão sobre as restrições da liberdade impostas pelo Estado”, escreve o artista no seu website.

“Coronation” mostra também o conflito entre a necessidade de liberdade pessoal e a luta pela saúde pública, um debate surgido em vários países do mundo graças à pandemia. “Apesar da escala e da rapidez da quarentena de Wuhan, estamos perante uma questão mais existencial: a civilização consegue sobreviver sem humanidade? As nações conseguem confiar umas nas outras sem transparência?”, escreve o artista no seu website oficial.

O documentário “examina o espectro político do controlo estatal chinês desde o primeiro até ao último dia do confinamento em Wuhan”, apontou Ai Weiwei. “Coronation” retrata também “a brutal eficiência do Estado e a resposta militarizada para controlar o vírus”.

Sobre o apoio de Wang Fen nas filmagens, Ai Weiwei contou ao jornal norte-americano que ela “teve um envolvimento emocional muito profundo” com o projecto. O artista chinês, actualmente radicado na Europa, onde dirigiu e produziu o documentário, apontou que gostava de o ter estreado num festival de cinema. No entanto, os festivais de Veneza e Toronto terão rejeitado a obra, bem como as plataformas de streaming Amazon e Netflix.

House of Dancing Water | Ex-funcionário apresenta queixa à DSAL

Um antigo trabalhador do espectáculo The House of Dancing Water apresentou queixa na DSAL contra a TDAB Sociedade Unipessoal Limitada. Os Recursos Humanos informaram Alastair Pullan de que lhe tinham marcado um voo de regresso a casa, depois de este já ter avisado que pretendia marcar o seu próprio voo e informado que já tinha feito uma reserva

 

[dropcap]A[/dropcap]lastair Pullan trabalhou seis anos no espectáculo The House of Dancing Water. Saiu em Junho, quando teve lugar um despedimento colectivo, e apresentou queixa à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) contra a TDAB Sociedade Unipessoal Limitada, empresa controlada pela Melco que assegura a estrutura operacional do espectáculo. Em causa está o pagamento da viagem para o local da sua residência habitual.

Recorde-se que em Junho, a Melco Resorts & Entertainment anunciou suspensão do espectáculo The House of Dancing Water até Janeiro de 2021. Ao mesmo tempo, foram despedidas dezenas de pessoas. A Melco confirmou a eliminação de vários postos de trabalho de trabalhadores não-residentes, mas não divulgou o número total.

Quando a sua relação laboral terminou, Alastair Pullan informou que pretendia marcar o seu próprio voo, ficando o pagamento sob responsabilidade da empresa. A lei da contratação dos trabalhadores não residentes (TNR) prevê direitos especiais do trabalhador, um dos quais o repatriamento. É especificado que: “o direito ao repatriamento consiste no direito ao pagamento pelo empregador, no termo da relação laboral, do custo do transporte do trabalhador para o local da sua residência habitual”.

No entanto, trocas de e-mails entre as duas partes mostram que a empresa insistiu em marcar o bilhete do voo em vez de reembolsar o ex-funcionário, indicando ser responsabilidade da empresa providenciar a viagem.

Na semana passada, Alastair Pullan informou a empresa de que tinha reservado um voo e frisou as regras impostas pelo Reino Unido para viagens, tendo em conta o novo tipo de coronavírus. Descreve também que iria enviar o recibo do voo para ser reembolsado. No dia seguinte, a resposta cingiu-se aos detalhes de um voo distinto que a empresa alegadamente marcou sem o consultar. “Estou a pedir à empresa para me dar dinheiro de forma a poder pagar o meu próprio voo. O voo que pagaram custou 13.000 patacas, e o meu era de 11.200 patacas”, disse Alastair Pullan ao HM.

Falta de flexibilidade

Na queixa apresentada ontem – uma declaração suplementar a outra que já tinha efectuado há cerca de um mês – explica que a parte patronal lhe deu um bilhete de voo para dia 9 de Setembro, mas que por ter animais domésticos não era uma opção viável. O roteiro mais apropriado era um outro voo que marcou por si próprio. Motivo pelo qual requer à parte patronal que lhe dê antes o dinheiro do custo do regresso.

O ex-funcionário do espectáculo acredita que a falta de flexibilidade da empresa se deve a “rancor” contra si, uma vez que sabe de colegas a quem a empresa está a prestar apoio, nomeadamente para assegurar a saída de Macau com animais. “Não fizeram isto comigo, não houve discussão, mesmo depois de lhes ter dito que ia fazer os meus próprios preparativos de viagem, continuaram a dizer que iam marcar um voo. Nem sequer verificaram comigo, simplesmente fizeram-no”, descreveu.

Pullan acrescentou ainda que quando confrontou o chefe adjunto dos Recursos Humanos do espectáculo sobre o seu voo ser mais barato, este lhe disse não ser o dinheiro a estar em causa. “Parece estranho dizerem que não é sobre o dinheiro quando acabaram de despedir 100 pessoas e puseram a maioria das pessoas que teve a sorte de ficar a receber a 50 por cento do salário”, disse.

Se o caminho agora é tentar chegar a uma solução através da DSAL, não estão excluídas outras opções. “Se não for resolvido através da DSAL estou preparado para agir judicialmente contra a empresa. Tenho um conselheiro jurídico preparado com toda a informação”, disse Alastair Pullan.

O HM tentou contactar a Melco, que acusou a recepção das perguntas, mas até ao fecho desta edição não obtivemos comentários.

Ensino superior | Oito cabo-verdianos finalistas deixam Macau a 4 de Setembro

Nuno Furtado, delegado de Cabo Verde junto do secretariado permanente do Fórum Macau, adiantou ao HM que oito estudantes finalistas do ensino superior deixam o território na próxima sexta-feira, dia 4 de Setembro, regressando a Cabo Verde. Quanto aos novos alunos, abrangidos por programas de intercâmbio, terão aulas online até poderem viajar para Macau e para a China

 

[dropcap]U[/dropcap]m total de oito alunos cabo-verdianos finalistas de ensino superior em Macau deixam o território na próxima sexta-feira, dia 4, apoiados pelo Governo do seu país. A informação foi adiantada ao HM por Nuno Furtado, delegado de Cabo Verde junto do secretariado permanente do Fórum Macau, e que tem coordenado o processo de saída destes estudantes.

A maior parte dos alunos frequentaram cursos no Instituto Politécnico de Macau (IPM), embora a Universidade de Macau (UM) também tenha acolhido alguns estudantes. No total, 27 alunos terminam as suas licenciaturas, mas muitos deles tiveram aulas online já em Cabo Verde.

“Apesar de os estudantes terem concluído o curso em finais de Junho, conseguimos, através dos contactos que fizemos junto do IPM, a autorização para a sua permanência na residência de estudantes até termos uma oportunidade de regresso a Cabo Verde”, adiantou Nuno Furtado.

Os voos de regresso serão feitos por Seul, na Coreia do Sul, seguindo-se um segundo voo entre Lisboa e Cabo Verde. “Há muitas limitações para sair de Macau e através de Taipé também não é fácil. O Governo de Cabo Verde financiou a compra dos bilhetes e deu um subsídio para a subsistência destes alunos”, frisou o delegado do Fórum Macau.

Quanto aos restantes alunos, que frequentam os segundo e terceiro ano dos cursos, vão continuar em Macau, adiantou o responsável.

Intercâmbio no limbo

Com um novo ano lectivo prestes a arrancar, os novos alunos abrangidos pelos programas de intercâmbio não poderão voar para Macau nos próximos tempos. “Temos alunos inscritos no curso de tradução e de Administração Pública, mas as orientações que temos da direcção do IPM é para que a sua entrada fique suspensa por um determinado período. Não é aconselhada a sua vinda para Macau”, disse Nuno Furtado.

Ainda assim, a frequência dos cursos não fica afectada, uma vez que o IPM irá disponibilizar aulas online. Nuno Furtado encara este processo como “sendo complexo”.

“Há muita pressão psicológica, há estudantes que já não contam com a atribuição de uma bolsa, e por isso é que foi necessário conseguirmos junto do Governo de Cabo Verde algum apoio. Até os estudantes macaenses na Europa também enfrentam algumas dificuldades para sair de Macau. Temos de trabalhar num quadro muito bem organizado”, concluiu.

Ao HM, o IPM confirmou que os alunos finalistas concluíram os cursos de Ensino da Língua Chinesa como Língua Estrangeira e de Gestão de Jogo e Diversões. Quanto ao intercâmbio, “não ficará suspenso devido à pandemia”, estando previsto o acolhimento de novos estudantes no novo ano lectivo. A UM não respondeu, até ao fecho desta edição, às questões colocadas.

A embaixada de Cabo Verde em Pequim está a acompanhar o regresso de 22 estudantes que se encontram na China, também marcado para o início de Setembro. Esta terça-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros e Comunidades de Cabo Verde, Luís Filipe Tavares, adiantou que há também alunos retidos no Brasil que aguardam o regresso do período lectivo nas universidades, mas estão a ser acompanhados pela rede consular. “Vamos continuar a acompanhar a situação epidemiológica no Brasil, onde em termos da pandemia de covid-19 é muito grave”, admitiu o ministro. O Governo de Cabo Verde garantiu na segunda-feira o repatriamento de um grupo de 140 estudantes cabo-verdianos retidos no Brasil devido à pandemia.

Governo recua nos locais da Biblioteca Central e Campus de Justiça

O Governo recuou na construção da nova Biblioteca Central no edifício do Antigo Tribunal. O arquitecto Carlos Marreiros, autor do projecto, espera continuar à frente do trabalho, assim que for revelado o novo local. Entretanto, também o plano de construção do Campus de Justiça na Zona B dos novos aterros caiu por terra

 

[dropcap]A[/dropcap] nova Biblioteca Central afinal não vai ser construída no edifício do Antigo Tribunal, na Praia Grande, avançou ontem a TDM Rádio Macau. O arquitecto Carlos Marreiros – líder do atelier que ganhou o concurso público para a nova biblioteca – disse ao HM que oficialmente não soube desta decisão.

Apesar disso, frisou a importância de se fazer a Biblioteca Central, descrevendo-a como “um equipamento fundamental na chamada sociedade líquida da pós-modernidade”.

“Há um novo Chefe do Executivo, um novo elenco governamental, novas estratégias (…). A Biblioteca Central não sendo aí, será noutro local, porquanto é uma ideia fundamental que Macau necessita de uma Biblioteca Central”, sublinhou o arquitecto.

Se o projecto que tinha em mãos, enquanto coordenador-chefe de uma equipa de projectistas, mudar de local, Carlos Marreiros julga que continuará a ter as mesmas responsabilidades que lhe foram atribuídas depois de ter vencido o concurso público para o Antigo Tribunal “a grande custo”.

Quanto à suspensão dos trabalhos, o arquitecto, à altura do contacto do HM, ainda desconhecia a novidade. “Formalmente, nem por palavras nem por escrito, não recebi ainda qualquer informação”.

De acordo com a TDM Rádio Macau, o Governo decidiu dar outra utilização às instalações do Antigo Tribunal. O HM tentou apurar junto do Instituto Cultural (IC) qual será o fim do edifício, assim como a nova localização prevista para a nova Biblioteca Central, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta.

Foi em Novembro de 2018 que o IC anunciou que a proposta do ateliê do arquitecto Carlos Marreiros, com um valor de 18,68 milhões de patacas, era a vencedora do concurso público em que tinham sido admitidas nove propostas. Chegaram a surgir alegações de plágio, mas Carlos Marreiros negou ter copiado o Auditório da Cidade de León na elaboração do projecto, e as suas explicações foram acolhidas pelo IC. A adjudicação do projecto em 2018 teve lugar uma década depois da anulação do primeiro concurso público, em 2008. Na altura, o Comissariado contra a Corrupção sugeriu o fim do concurso.

No ano passado, a presidente do IC dizia que o projecto estava a seguir os trâmites normais, apesar de não se comprometer com datas para o arranque das obras. No entanto, em Junho deste ano, o Governo disse que a localização e o plano de construção da nova Biblioteca Central iam voltar a ser estudadas depois de ser feito o Plano Director.

Justiça móvel

Noutra frente, o Governo confirmou que o Campus de Justiça já não vai ser construído na Zona B dos novos aterros, avançou ontem a TDM Rádio Macau.

Segundo a mesma fonte, o plano, que previa a construção de sete edifícios, foi abandonado pelo Governo, depois de ter ficado decidido que as obras vão ser transferidas para a zona dos Lagos Nam Van (zonas C e D) perto da Assembleia Legislativa.

Para além dos novos edifícios dos tribunais Judicial de Base, Segunda Instância e Última Instância, a planta de condições urbanísticas, entretanto concluída, inclui ainda um novo edifício do Ministério Público e as sedes dos Comissariado contra a Corrupção e de Auditoria e dos Serviços de Polícia Unitários.

Sulu Sou, que no dia anterior recebeu uma resposta da directora da DSSOPT, Chan Pou Ha, a uma interpelação onde questionou o desenvolvimento futuro das zonas B, C e D dos novos aterros, sublinhou a importância de o Governo ter o mais rapidamente possível, na sua posse, o Plano Director e de preservar a paisagem da península.

“Insistimos no nosso princípio de querermos que o Governo tenha o Plano Director para todas as zonas, porque é uma localização importante da península de Macau, onde não devem existir edifícios altos”, disse ontem deputado durante uma conferência de imprensa na sede da Associação Novo Macau.

Sulu Sou sugeriu ainda esperar que a integridade da zona da Colina e da Igreja da Penha seja protegida, sobretudo quando a consulta pública sobre o Plano Director está prevista para Setembro.

“Podem sugerir a construção do Campus de Justiça nas zonas C e D, mas vamos insistir em defender a zona sul da península e da Penha. Além disso, devem restringir a construção de edifícios altos nestas zonas. Será essa a nossa maior luta para a consulta pública do próximo mês”.

AL | Sulu Sou submeteu projecto para garantir participação sindical

O vice-presidente da Novo Macau apresentou um projecto de lei para proteger a participação dos trabalhadores em associações laborais e regular a responsabilidade criminal dos empregadores. Temas polémicos como a negociação colectiva ou o direito à greve foram excluídos, para garantir que o Governo e a Sociedade “aceitam melhor a lei”

 

[dropcap]S[/dropcap]ulu Sou submeteu no passado dia 14 de Agosto um projecto de lei à Assembleia Legislativa (AL) com o objectivo de proteger a participação dos trabalhadores em associações laborais e regular a responsabilidade criminal dos empregadores. O anúncio foi feito ontem na sede da Associação Novo Macau.

Começando por enfatizar que “esta lei não é a lei sindical”, o também deputado referiu que o projecto visa “preencher a lacuna legal existente quanto a permitir que os trabalhadores participem na vida sindical, garantindo a sua protecção”. Isto, considerando que a actual legislação não contempla punições específicas sobre estes comportamentos, nomeadamente, que os trabalhadores não são prejudicados ao associar-se a organizações laborais.

“Sabemos que (…) temos várias leis para proteger estes direitos, mas não há nada que garanta especificamente que os trabalhadores não são prejudicados por exercer o seu direito de associação a sindicatos. Particularmente as leis falham em regular a responsabilidade criminal dos empregadores, como por exemplo, a obstrução à participação sindical”, começou por dizer Sulu Sou.

O deputado frisou ainda que o projecto de lei submetido à AL não aborda temas controversos, como a negociação colectiva ou o direito à greve. Sulu Sou argumentou que a decisão é estratégica e que os conteúdos polémicos devem ser debatidos aquando da realização da consulta pública sobre a Lei sindical, prevista para o terceiro trimestre deste ano.

“É uma estratégia. Sabemos que a negociação colectiva e o direito à greve são temas polémicos, sobre os quais não tem havido nenhuma discussão pública nos últimos anos, mas espero que a consulta pública sirva para fazer esses debates. Neste momento acho que devemos chamar a atenção para conteúdos que reúnam consenso social, de forma a que tanto o Governo, como a sociedade, aceitem melhor a lei”, explicou.

Questionado sobre o timing para a apresentação do projecto, Sulu Sou argumenta que se deve ao facto de não se saber quando é que o Executivo vai avançar com a lei sindical.

“Apesar de lançarem a consulta pública sobre a lei sindical (…), não há qualquer tipo de calendarização para completar a legislação. Não sabemos quantos mais anos vamos ter de esperar”.

Além disso, aponta Sulu Sou, devido à crise económica provocada pela pandemia, “não há dúvidas que a voz e o interesse dos trabalhadores estão a ser postos de lado e sacrificados”, levando mais pessoas a tirar licenças sem vencimento, verem o seu salário reduzido, congelado ou pago fora de horas ou, no limite, a serem despedidas.

Olhos no caminho

Sobre as expectativas de ver o projecto de lei admitido pela AL, Sulu Sou referiu que não só o resultado é importante, mas também o processo e os efeitos colaterais do acto, sobretudo porque permite “manter a atenção social sobre este assunto”.

“Quando submeto um novo projecto de lei perguntam-me sempre o mesmo e eu respondo sempre da mesma maneira: o resultado é muito importante, mas o processo é igualmente importante”, afirmou o deputado.

Como exemplo, Sulu Sou relembrou o projecto de lei que submeteu sobre o salário mínimo em 2018. Apesar de ter sido rejeitado, o Governo acabaria por avançar com uma proposta de lei sobre o tema.

Mar do Sul da China | Exercícios militares chineses reacendem polémicas antigas

Um exercício de larga escala ao longo da costa do Pacífico, em quatro regiões diferentes, relançou receios da tomada de territórios disputados pela força. Além disso, revelou o músculo militar chinês e a capacidade para actuar em múltiplos teatros de operações. Pequim queixa-se de que o exercício foi “espiado” por um avião norte-americano

 

[dropcap]O[/dropcap] Golfo de Bohai, uma parte do Mar Amarelo e os mares sul e este da China têm sido palco de um exercício militar de larga escala das Forças Armadas Chinesas.

Entre os muitos “brinquedos”, a China estreou o navio anfíbio de assalto Type 075, que saiu de Xangai no dia 5 de Agosto e terminou no passado fim-de-semana a sua primeira viagem. Vídeos e fotografias partilhados em portais de internet dedicados a questões militares mostram o gigantesco navio a aportar na tarde de domingo na doca naval de Hudong-Zhonghua, a “casa” da maior construtora naval de defesa do estado chinês, a China State Shipbuilding Corp.

De regresso à base, depois do primeiro teste de mar, o Type 075 trazia a chaminé chamuscada por fumo, um detalhe na boa nova para o Exército de Libertação Popular que terá assim um novo trunfo pronto para ser usado.

Citado pelo China Daily, o analista militar Wu Peixin referiu que o facto de o baptismo do navio de guerra ter demorado 18 dias, antes de regressar ao porto de partida, deve significar que teve um bom desempenho nos muitos testes que terá realizado ao longo da jornada inaugural. Caso contrário, o exercício teria acabado muito mais cedo.

O Type 075 foi apenas uma das estrelas do exercício que continua, por exemplo, ao largo de Hainan até sábado. Importa referir que a ilha de Hainan, que fica cerca de 400 quilómetros de Macau, é local de “estacionamento” de um dos porta-aviões chineses.

Ao mesmo tempo que se desenrolavam os treinos militares ao largo da ilha, as autoridades da província de Guangdong montavam um cordão de segurança para controlar o tráfico marítimo.

Também no Mar Amarelo, ao largo de Lianyungang, uma área de mar ficou com acesso restrito durante os exercícios navais com fogo real. De acordo com o South China Morning Post, até 30 de Setembro estão previstos exercícios militares com fogo real no Golfo de Bohai.

Sinais de alerta

O conjunto de exercícios militares têm sido vistos por analistas internacionais e governos como um sinal forte de prontidão operacional para um confronto de larga escala com o Estados Unidos e Taiwan. Mesmo sem intenção de iniciar uma guerra, a altura escolhida, durante as convenções partidárias na corrida presidencial norte-americana, pode ser encarada como uma forma de demonstrar capacidade de mobilização de vários tipos de forças para múltiplos locais em simultâneo.

Importa referir também que estes exercícios acontecem apenas um mês depois de uma outra demonstração bélica de larga escala, incluindo manobras perto de Taiwan, na altura em que a região foi visitada pelo representante da saúde da Administração Trump, Alex Azar.

Além disso, em Julho, as forças armadas chinesas já haviam realizado exercícios, em particular de defesa aérea, nas mesmas regiões, mas separadamente, depois de manobras de dois porta-aviões norte-americanos no Mar do Sul da China.

Outra leitura, que vai para lá da reacção política com demonstrações de força, é a localização dos exercícios. Se a proximidade do Golfo de Bohai a Pequim indica uma postura militar meramente defensiva, os restantes teatros de operações podem ter diferentes leituras.

Nesse sentido, o ministro dos Negócios Estrangeiros das Filipinas, Delfin Lorenzana, declarou no domingo que os direitos históricos que a China alega na disputa do Recife de Scarborough não existem e que a China ocupa ilegalmente o disputado território, ao largo da maior ilha filipina Luzon. Lorenzana condenou particularmente a actuação da guarda costeira chinesa e de frotas piscatórias como actos de “confiscação ilegal”.

Resposta de Hanói

Também o Governo do Vietname condenou a presença de forças militares, em particular de bombardeiros, a sobrevoar as ilhas Paracel, um arquipélago praticamente equidistante entre os territórios chinês e vietnamita, com cerca de 130 pequenas ilhas de coral.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Vietname comentou os exercícios chineses como actos que “comprometem a paz”. “O facto de terem sido enviados bombardeiros não só viola a soberania do Vietname como coloca em perigo a situação na região”, referiu o porta-voz do ministério, citado pela agência Reuters.

Espião espia espião

Ontem, de acordo com a agência Xinhua, Pequim acusou os Estados Unidos de enviarem um avião espião U-2 que terá “trespassado” uma zona proibida, para observar os exercícios conduzidos pelo Exército de Libertação Popular. O aparelho de reconhecimento a elevada altitude terá entrado no espaço aéreo chinês no teatro de operações do norte, de acordo com o porta-voz do Ministério da Defesa chinesa, Wu Qian. “A violação do espaço aéreo não só afectou severamente os normais exercícios e as actividades de treino, como também violou as regras de comportamento para a segurança aérea e marítima entre a China e os Estados Unidos e as práticas internacionais”, declarou Wu.

O porta-voz prossegui referindo que “a actuação norte-americana poderia facilmente ter resultado em maus julgamentos e mesmo acidentes”. Em comunicado enviado à CNN, a Força Aérea norte-americana do Pacífico confirmou o voo do U-2, mas negou ter violado qualquer regra.

“Um aparelho U-2 conduziu operações na área do Indo-Pacífico dentro leis internacionais aceites e de acordo com os regulamentos de voo. O pessoal das Forças Aéreas de Pacífico vai continuar a voar e a operar onde as leis internacionais permitirem, quando melhor achar”, lê-se no comunicado.

O U-2 é dos aviões mais antigos do inventário das Forças Armadas norte-americanas. O primeiro modelo foi desenvolvido nos anos 1950, durante a Guerra Fria, para espiar a expansão militar soviética, algo que os críticos da política internacional de Washington, inclusive Pequim, acusam estar de volta. Os modelos antigos conseguiam voar a altitudes fora do alcance das baterias antiaéreas.

Corrida às armas

Para gáudio das multinacionais de defesa, também do outro lado do espectro geopolítico se investem biliões em armamento.

Além da injecção financeira, categorizada na campanha eleitoral de Donald Trump como a reconstrução do exército, esta semana o Wall Street Journal publicou um editorial escrito por Mark Esper, secretário da Defesa. O governante referiu que em resposta à aposta militar de Pequim, os Estados Unidos estão a acelerar a Estratégia de Defesa Nacional.

Com o objectivo de modernizar e adaptar as forças armadas norte-americanas, a competição bélica da China é o pano de fundo para o vigoroso investimento militar.

“Para a liderança política chinesa, o poder militar é central para atingir os objectivos que pretendem. Entre estes objectivos mais proeminentes, destaca-se a remodelação da ordem internacional de formas que colocam em perigo regras globalmente aceites e que normalizam o autoritarismo. Este reordenamento oferece condições ao Partido Comunista Chinês para poder exercer coerção sobre outros países e infringir as suas soberanias”, escreveu o secretário da Defesa.

Na sequência deste jogo de pingue-pongue diplomático, o governante revelou que se prepara para visitar o Pacífico com reuniões marcadas com os líderes da região, parando no Havai, Palau e Guam.

A visita deverá ter na agenda a preparação da RIMPAC, o mega exercício militar naval, que acontece de dois em dois anos sob a batuta do Pentágono. O exercício deveria estar a realizar-se neste momento, mas foi sofrendo sucessivos atrasos devido à pandemia da covid-19.

Os dias não podem continuar

[dropcap]N[/dropcap]athalie Delacroix já sabia muito bem que a tristeza é o céu que se avista da terra quando escreveu o seu romance «Estes Dias Não Podem Continuar». Com apenas vinte e sete anos viu os nazis invadirem a França, a sua mãe morrer de apoplexia e nunca tivera pai. Para piorar as coisas, desde a adolescência que sempre gostara de mulheres que nunca gostaram dela. No seu livro, escreve de modo mais universal: «Não é novidade nenhuma gostarmos de quem não gosta de nós. Foi assim que viemos ao mundo.

A história do mundo é a história de alguém que não de outro. Foi assim com Eva e Adão, embora poeticamente tenham falado de uma cobra, e foi assim com deus e os homens, embora estupidamente tenham falado de livre arbítrio.» Embora se trate de um livro político, no sentido em que fala da ocupação alemã em França, de uma mudança impensável no mundo – «Só faltava agora começarmos a não podermos sorrir uns para os outros, a não nos podermos abraçar. O medo não pode ser a coleira com que alguém nos leva à rua […]» –, é acima de tudo um livro que fala da impossibilidade do humano ser feliz. Escreve à página 56: «Há apenas três modos de se ser escritor e o resto são subdivisões: aqueles que escrevem porque gostam muito de si mesmos; aqueles que escrevem porque se detestam; e aqueles que escrevem em busca de uma redenção de não gostarem de si. Os primeiros são alucinados, os segundos realistas e os terceiros ingénuos. Infelizmente suspeito fazer parte deste último grupo.» Nathalie, como é sabido, morreria numa rua de Par Há uma passagem muito conhecida deste livro de Nathalie – como ela é nomeada em França –, que Beauvoir costumava citar: «Será que de olhos fechados e coração aberto seríamos capazes de identificar o sexo de um beijo bom que nos fosse dado? Será que de olhos fechados e coração aberto seríamos capazes de identificar a cor da pele cujo toque nos extasiasse? Será que de olhos fechados e coração aberto seríamos capazes de identificar a religião de alguém que dissesse “amo-te”? Será que de olhos fechados e coração aberto seríamos realmente capazes de viver?»

Não se entende bem porque um autor passa a não ser lido, esquecido. E menos ainda quando ele tem tudo o que precisamos, não apenas o nosso tempo, isso é evidente, mas também os nossos corações. Nathalie Delacroix tem tudo o que precisamos de ouvir, mas também tem muito do que não gostamos e esse é o problema, principalmente nos dias de hoje onde tudo precisa «ser sexy» para ser escutado ou visto. Nathalie não fala apenas dos escritores de modo rude e desencantado, fala também de nós, ao falar dela. No seu livro acerca de Nathalie, Beauvoir escreve uma passagem das Investigações Filosóficas, de Wittgenstein, «A filosofia é uma luta contra o enfeitiçamento da linguagem.», à qual Beauvoir acrescenta: «e assim também a vida de Nathalie.»

«Os Dias Não Podem Continuar» é uma espécie de auto-ficção em que a autora proclama não apenas o fim do mundo – evidente ao tempo da escrita com o nazismo e o comunismo –, mas a completa ilusão que temos acerca do humano. Escreve: «Como não quer saber quem é, por medo, por suspeitar que há um mal terrível que o habita, inventa tudo o que pode para esquecer não apenas a sua vida, mas o próprio mundo. Os humanos os futuros dinossauros.»

Há páginas do livro em que vemos a rapariga que Nathalie amava: «Jacqueline trazia sempre os seus olhos azuis a combinar com os cabelos loiros caídos sobres os ombros e sobre a testa. Abria um sorriso quando me via e dizia com aquela sua voz doce, que não existe: “Olá, bela!” E por momentos o mundo deixava de ser o que era. Eu mesma deixava de ser o que era para ser o que via nos seus olhos, no seu rosto, no seu corpo. O mundo transformava-se através da beleza diante de mim. Só se vê o mundo se o transformarmos. E, nesse tempo já o sabia, o amor é o grande transformador.» Mas não nos enganemos. O amor, embora transformador, é raro e não dura. Escreve: «Jacqueline durou o tempo de um fósforo.»

Nathalie esforçava-se por não se enganar a si mesma, isso perpassa por todo o livro e é difícil para nós leitores estarmos constantemente a lembrarmo-nos de quem tentamos não tentamos procurar, isto é, de nós. Leia-se esta passagem à página 134: «E seria possível que tentássemos de verdade ver quem somos, se não investigamos com seriedade as palavras que usamos, se não sabemos o que elas querem ou podem querer dizer? Que queremos dizer quando dizermos “amor”? Que queremos dizer quando dizemos “detesto”? Que queremos dizer quando dizemos “conheço bem”? E não me refiro a falar com os outros, que outro dê uma conotação diferente da minha, refiro-me a mim mesma, a quando penso para comigo acerca do que penso.» Como também outro filósofo escreveu acerca dela, E. M. Cioran: «Nathalie aproximava-se de Kierkegaard, mas sem Deus. Aproximava-se de si mesma sem Deus e consciente de não saber quem era.

Não procurava sequer, como Kierkegaard, ser honesto, procurava a solidão perfeita. Que conseguiu nas páginas do seu livro.»

«Estes Dias Não Podem Continuar» não é apenas um livro sobre a ocupação nazi, é fundamentalmente um livro sobre a ocupação do humano, pela indiferença, pela incultura, pelo desconhecimento e, desconfia-se, pelo contínuo crescimento desta ocupação que, contrariamente à nazi, parece não ter fim.