Últimos dez galgos abandonaram ontem o Canídromo

Saíram ontem os últimos dez galgos que ainda se encontravam no Canídromo, o que marca o culminar do processo de adopção internacional, com a duração de seis meses, levado a cabo pela ANIMA. Albano Martins está “feliz” pela missão cumprida e o presidente do IAM, José Tavares, agradece a todos os envolvidos no processo. Hoje, o terreno do Canídromo segue para a alçada da Direcção dos Serviços de Finanças

 

[dropcap]O[/dropcap]s últimos dez galgos que viviam no Canídromo saíram ontem do local, rumo ao aeroporto para serem adoptados. No total, a empresa de exploração de corridas de galgos, Yat Yuen, abandonou 532 animais a 20 de Julho do ano passado. Destes, 15 morreram. Os restantes entraram em processos internacionais de adopção, liderados pelo presidente da Associação de Protecção Animal – ANIMA, Albano Martins.

O tempo de adopção dos mais de 500 animais foi de seis meses, um período recorde que culmina neste “final rápido e feliz”. “Conseguimos fazer isto em seis meses”, sublinha o responsável. “Não foi fácil, mas tínhamos uma rede internacional montada e isso ajudou-nos imenso. Apenas tivemos que liderar o processo localmente com os nossos parceiros do IAM e da Yat Yuen e resolver ocasionalmente os pequenos problemas que iam surgindo”, acrescentou ontem Albano Martins em declarações à margem da saída dos últimos cães do Canídromo.

O feito foi também sublinhado pelo presidente do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), José Tavares. “A ANIMA conseguiu em poucos meses resolver a situação de adopção dos mais de 500 cães do Canídromo e isso é obra”, disse. “São mais de 500 cães adoptados em meio ano e acho que isso nunca aconteceu em lado nenhum”, acrescentou Tavares.

Rumo à Califórnia

De entre os galgos adoptados, a maioria teve como destino os Estados Unidos da América – 307 – , essencialmente para a Califórnia. Para o Reino Unido seguiram 70, 60 para a Itália, 15 para França, 26 seguiram para Hong Kong e 31 foram adoptados em Macau. A própria ANIMA ficou com 23 animais, de entre os quais 19 vão ser enviados para famílias de acolhimento em Macau, seguindo mais tarde para a Austrália. Os restantes animais não vão ser mantidos pela instituição por se encontrarem doentes.

Hoje, o terreno que tem albergado as instalações do Canídromo é entregue aos Serviços de Finanças. Entretanto, o Governo já avançou que este terreno irá servir para fins educativos, estando prevista, pelo menos, a construção de quatro escolas.

Quanto aos antigos funcionários da Yat Yuen, José Tavares recordou que muitos foram absorvidos temporariamente pela empresa contratada pelo IAM para a segurança e manutenção das instalações do Canídromo. “A empresa cessa hoje [ontem] o contrato e estes trabalhadores vão ter que ser colocados noutros locais”, apontou o responsável.

José Tavares aproveitou a ocasião para agradecer a todos os envolvidos neste processo. “Quero agradecer a todos. Aos voluntários, às associações que aqui estiveram desde o início e que nos deram uma mão. Foi muito importante principalmente nas primeiras duas semanas, altura em que foi muito difícil tomar conta disto tudo”, referiu.

Entretanto, a Yat Yuen terá gasto cerca de 70 milhões de patacas em todo o processo, onde se inclui a multa por abandono dos animais, as viagens internacionais e os cuidados médicos a que foram submetidos, apontou Albano Martins.

CAECE | Recrutados 106 trabalhadores para eleição do colégio eleitoral

[dropcap]A[/dropcap]presidente da Comissão dos Assuntos Eleitorais do Chefe do Executivo (CAECE), Song Man Lei, revelou ontem que vão ser recrutados 106 funcionários para trabalhar no sufrágio que selecciona o colégio eleitoral que irá escolher o próximo líder do Governo.

Desta feita são menos 33 profissionais em relação à última eleição. “Em princípio vamos recrutar dentro da Função Pública, especialmente nas mesas de voto para onde queremos trabalhadores com experiência, que já participaram na eleição anterior, também verificadores”, explicou Song Man Lei.

Após o recrutamento de trabalhadores, o secretariado da CAECE irá administrar formação a esses quadros temporários, para que se inteirem das funções que vão desempenhar.

Outra novidade que saiu da reunião de ontem da CAECE prende-se com a certeza onde se vai realizar a votação para escolha do colégio eleitoral. No Pavilhão Desportivo do Instituto Politécnico de Macau vão ser instaladas mesas de voto para dois sectores (Indústria, comercial e financeiro e edução). No fórum de Macau vão ficar três sectores (profissional, desporto e serviço social). Já os membros capacitados para exercer o direito de voto pelas associações dos sectores do trabalho e cultura vão ter duas mesas na Escola Luso-Chinesa Técnico-Profissional.

A presidente da CAECE referiu ainda que será divulgado um vídeo a ensinar todos os procedimentos a cumprir durante a votação, “para que o processo se desenrole de forma suave e eficiente”. Para já, ainda não foi definida data para a eleição do Chefe do Executivo.

Agências de emprego | AL não discute proposta de lei há meses. Coutinho pede acção

[dropcap]O[/dropcap]deputado José Pereira Coutinho entregou uma carta ao presidente da Assembleia Legislativa (AL), Ho Iat Seng, em que questiona os motivos pelos quais os deputados não reúnem, há vários meses, para continuar a análise da proposta de lei relacionada com a regulação das agências de emprego.

Coutinho recorda que o diploma deu entrada na AL a 28 de Dezembro de 2017, estando em análise pela 3ª Comissão Permanente da AL, presidida pelo deputado Vong Hin Fai. “A comissão reuniu de ‘portas fechadas’, como é costume, nos dias 29/01/2018, 01/02/2018, 26/02/2018, 08/06/2018, 06/07/2018 e 02/08/2018 tendo o Governo prometido que iria analisar algumas questões expostas pelos deputados para posterior melhoramento do referido projecto.”

A última reunião aconteceu em Agosto do ano passado, pelo que o deputado exige a Ho Iat Seng que “mande perguntar aos membros do Governo responsáveis pelo projecto lei quando estarão dispostos a reunir com os membros da 3.ª Comissão Permanente”. Caso contrário, o também presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau acredita que a melhor solução é retirar o projecto lei seguido da” devida explanação detalhada e fundamentada desta decisão”.

Lei Básica | “Um País, Dois Sistemas” tem “imensa vitalidade”, diz Chui Sai On

Durante o discurso da cerimónia do 26.º aniversário da promulgação da Lei Básica, Chui Sai On enalteceu a boa saúde de “Um País, Dois Sistemas”. O Chefe do Executivo referiu ainda que este valor deve andar de mãos dadas com a “unificação da Pátria”

 

[dropcap]O[/dropcap]Chefe do Executivo, Chui Sai On, marcou presença na palestra que celebrou os 26 anos de implementação da Lei Básica da RAEM, intitulado “A prática de “Um País, Dois sistemas” em Macau: passado e futuro”.

No discurso de abertura, o governante defendeu que os 20 anos do estabelecimento da RAEM “são a prova cabal de que o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’ possui uma imensa vitalidade e é absolutamente correcto”. Neste capítulo, o líder do Governo recordou as palavras de Xi Jinping ao referir que ao mesmo tempo que se promove a política específica das regiões administrativas especiais se deve “impulsionar a unificação da Pátria”. Dois importantes conteúdos “da estratégia fundamental da continuidade e do desenvolvimento do socialismo com características chinesas na nova era”.

Além disso, a mesma política pensada por Pequim para as duas regiões administrativas especiais revela que “a aplicação da Constituição chinesa e da Lei Básica é fundamental para a estabilidade e a prosperidade de longo prazo de Macau, sendo imperiosa a continuidade da sua firme implementação no longo prazo”.

O Chefe do Executivo adiantou ainda que, nos seus dois mandatos houve sempre a “persistência em trabalhar no cumprimento estrito da Constituição e da Lei Básica”, além de que se tem registado “um crescimento assinalável da economia”, com o “aceleramento de novas indústrias”, tais como convenções e exposições, medicina tradicional chinesa, indústrias criativas e o sector financeiro com características próprias.

Todos juntos

Falando sobre o futuro, apesar de estar no último mandato na qualidade de Chefe do Executivo, Chui Sai On adiantou que se deve “dar uma concretização séria às iniciativas apresentadas pelo presidente Xi Jinping” quanto ao papel que Macau irá desempenhar no fomento económico chinês.

“É preciso que, firmes no presente e numa perspectiva de futuro, com um sentido de comprometimento, com grande coragem e em conjugação de esforços, implementemos acções concretas em prol da defesa da soberania integral do Governo Central e da garantia do alto grau de autonomia da RAEM”, frisou.

“Juntos, vamos assumir a responsabilidade histórica do grande rejuvenescimento da Nação Chinesa e partilhar a glória que nos vem da prosperidade, da riqueza e da força da Pátria”, concluiu Chui Sai On.

Sarampo | Serviços de Saúde desconhecem percentagem de clínicos vacinados nos hospitais

Os Serviços de Saúde reconhecem não dispor de informações sobre quantos médicos ou enfermeiros foram vacinados contra o sarampo. Não só no Hospital Kiang Wu, mas também no Centro Hospitalar Conde de S. Januário. Isto quando a vacina integra o programa de vacinação de Macau

 

[dropcap]O[/dropcap]ito dos 23 casos de sarampo registados desde o início do ano dizem respeito a profissionais de saúde. Os Serviços de Saúde desconhecem, porém, quantos médicos, enfermeiros ou auxiliares de enfermagem foram vacinados ou se encontram imunizados (por terem contraído a doença anteriormente). Tanto no Kiang Wu como no próprio Centro Hospitalar Conde de S. Januário (CHCSJ).

Isto mesmo reconheceu o coordenador do Centro de Prevenção e Controlo de Doenças, Lam Chong, em declarações ao HM, após ter afirmado, durante o programa radiofónico “Fórum Macau”, saber apenas que aproximadamente 20 por cento dos oito profissionais de saúde infectados com sarampo não tinham sido vacinados ou não estavam imunizados (porque não contraíram a doença anteriormente). Os oito profissionais de saúde (três médicos, três enfermeiros, um auxiliar de enfermagem e um outro trabalhador – pertencem todos ao Kiang Wu.

“Nós pedimos formalmente ao Kiang Wu para verificarem a situação da imunização de todo o pessoal. Eles estão a fazê-lo e a providenciar vacinação”, indicou Lam Chong, apontando que, posteriormente, os Serviços de Saúde vão ver como os trabalhos estão a serem implementados.
Segundo informações divulgadas pelo organismo liderado por Lei Chin Ion, recentemente, o Kiang Wu vacinou cerca 250 profissionais de saúde contra o sarampo. O chefe do Centro de Prevenção e Controlo de Doenças admitiu, no entanto, desconhecer quantos dos aproximadamente 2.000 funcionários do hospital privado têm as vacinas em dia. O mesmo sucede, no entanto, no caso do hospital público. “Não temos detalhes exactos, mas vamos ver depois. Neste momento, estamos a providenciar vacinação e a encorajar todos a serem vacinados”, afirmou Lam Chong, embora concordando ser “importante” saber.

À luz do programa de vacinação de Macau, a vacina é obrigatória para os bebés entre os 12 e os 18 meses. Quem ainda não perfez 18 anos também pode receber gratuitamente duas doses da vacina tríplice – (contra o sarampo, parotidite (papeira) e rubéola. Desde Setembro, quem nasceu depois de 1970 e não foi vacinado contra o sarampo após o primeiro aniversário também pode receber uma nova dose de forma gratuita. Os profissionais de saúde – como realçaram anteriormente os Serviços de Saúde – podem administrar a vacina em falta independentemente do ano de nascimento.

Os Serviços de Saúde, que qualificaram a situação no Hospital Kiang Wu como uma “infecção colectiva”, não descartando a possibilidade de ocorrência de mais casos, afastam, no entanto, a abertura de um eventual inquérito aos procedimentos adoptados na unidade privada. “Não encontramos nada de desadequado na forma como lidam com os casos. Este tipo de transmissão acontece”, explicou Lam Chong.

De facto, em Portugal, por exemplo, no ano passado, foram registados 162 casos de sarampo, mais de metade dos quais visando profissionais de saúde, devido sobretudo a um surto no Hospital Santo António (Porto). Com efeito, o caso desencadeou uma série de preocupações com a saúde pública, levando mesmo o Bastonário dos Médicos a admitir a hipótese de a vacinação passar a ser obrigatório para os profissionais que trabalhem em unidades de saúde.

Número sem precedentes

A RAEM obteve, em 2014, a acreditação da erradicação do sarampo da Organização Mundial de Saúde. No entanto, como realçou anteriormente o director dos Serviços de Saúde, o facto de Macau ser uma cidade altamente turística e de nas regiões vizinhas existirem epidemia de sarampo, faz com que seja “difícil” suster a infecção devido ao elevado grau de contágio do vírus.

Com efeito, o número de casos de sarampo detectados em menos de três meses figura já como o mais elevado desde a transferência de soberania. Os Serviços de Saúde garantem não haver, no entanto, razões para alarme. Já em Hong Kong que, por contraste, tem mais de 7,5 milhões de habitantes, foram registados 25 casos de sarampo desde o início de 2019, superando igualmente o total de ocorrências verificadas nos últimos anos.

Encomendadas 15 mil vacinas

Actualmente, Macau tem 4.000 vacinas disponíveis para adolescentes e adultos. Segundo revelou Lam Chong, foram encomendadas mais 15.000, com a primeira remessa, de pelo menos 5.000, com data de chegada prevista para “meados do próximo mês”. A vacina é gratuita para os residentes, mas os trabalhadores não residentes têm de pagar 50 patacas por cada dose, ficando isentos, porém, se exercerem funções em áreas da saúde, lares, creches, jardins de infância e escolas.

Em paralelo, à luz da lei de prevenção, controlo e tratamento de doenças transmissíveis, os não residentes infectados ou suspeitos de terem contraído doenças transmissíveis podem, tendo em conta o interesse público e a sua situação económica, ser isentos do pagamento total ou parcial de encargos relativos à prestação de cuidados de saúde pelo director dos Serviços de Saúde. Já aos turistas não são disponibilizados serviços de vacinação.

Sarampo ‘chega’ à AL

Os casos de sarampo também já ‘chegaram’ à Assembleia Legislativa, dado que só ontem pelo menos três deputados (Wong Kit Cheng, Mak Soi Kun e Angela Leong) enviaram às redacções comunicados de imprensa sobre o “preocupante” cenário daquela doença altamente contagiosa em Macau, com todos a pedirem mais medidas de prevenção e campanhas de sensibilização para a importância da vacinação.

Angela Leong, por exemplo, vai mais longe ao deixar propostas concretas ao Governo, como a introdução de incentivos, como subsídios, de modo a que os patrões levem os trabalhadores não residentes a ser vacinados.

Três novos casos

Dos 23 casos de sarampo registados desde o início do ano, três foram confirmados ontem. Segundo os Serviços de Saúde, o primeiro diz respeito a uma croupier de 47 anos, nascida na China, cujo historial vacinal se desconhece; o segundo a uma professora de um centro de inglês para crianças, de 24 anos, que foi vacinada; enquanto o terceiro a uma estudante, de 14 anos, que todos os dias regressa a Zhuhai após as aulas, também residente de Macau e igualmente vacinada.

O que é o sarampo?

Forma de transmissão: exposição por gotículas de saliva ou via aérea e também por contacto directo com secreções respiratórias e através do contacto com a boca e objectos contaminados
Período de incubação: 7 a 18 dias, podendo chegar a 21 após exposição
Período de transmissão: entre 3 dias e uma semana após o aparecimento do exantema (erupção cutânea)
Primeiros sintomas: febre alta, conjuntivite, tosse, rinorreia

Quem não precisa de ser vacinado:

Os nascidos antes de 1970;
Os que já tenham tido sarampo;
Os nascidos em ou após 1990 que tenham sido imunizados de acordo com o programa de vacinação de Macau

Os números

Ano | Casos

2019 até ontem | 23
2018 | 3
2017 | 2
2016 | 0
2015 | 0
2014 | 1
2013 | 3
2012 | 1
2011 | 1
2010 | 0
2009 | 0
2008 | 0
2007 | 0
2006 | 2
2005 | 0
2004 | 0
2003 | 3
2002 | 3
2001 | 4
2000 | 5

Fonte: Estatísticas das doenças de declaração obrigatória

Idai | Os 40 magníficos que guardaram 26 mil crocodilos

Fernando Peixeiro, da agência Lusa

 

[dropcap]O[/dropcap]português Manuel Guimarães tem no centro de Moçambique uma quinta com 26 mil crocodilos, com muros que o ciclone Idai derrubou. Só 40 “homens magníficos” impediram a saída dos animais e uma “desgraça terrível”.

Passada mais de uma semana após o ciclone, que provocou centenas de mortes e milhares de desalojados, devido ao vento e às cheias, pouca gente sabe que foram esses 40 homens, que na noite do ciclone iam substituindo o muro à medida que caia, que impediram que andassem agora 26 mil crocodilos à solta na zona da Beira. Mas Manuel Guimarães sabe, e a sua gratidão não tem palavras.

Agora que a chuva parou e a quinta já não está cercada pelas águas Manuel Guimarães voltou na segunda-feira ao local, Nhaugau, distrito da Beira,emocionado por ver como uma noite de vento lhe destruiu 10 anos de trabalho. Lá está Anísio Chinguvo e os outros “magníficos”, cortando árvores, limpando a terra, repondo o que é possível repor.

Anísio, natural de Maputo, a trabalhar para Manuel Guimarães há uma dezena de anos, lembra-se bem do dia 14 de Março, de quando “o patrão ligou a informar” que tinham que se preparar para um vento muito forte. Anísio, como conta agora, pensou que era brincadeira, que ventos fortes já ele tinha visto em 2000, em 1977. E Manuel Guimarães do outro lado: “Anísio, não brinca, hás de ver o que nunca viste”.

Os 40 trabalhadores colocaram nesse dia chapas isotérmicas junto da cerca dos crocodilos feita de tijolos e cimento, especialmente junto da cerca dos maiores crocodilos, e aguardaram o Idai. Nenhum arredou pé, nenhum foi para junto das famílias.

E na noite de quinta-feira, 14 de Março, pelas 22:00, quando o Idai chegou encontrou os 40 ali, sentados ou deitados por causa da força do vento. “Não foi fácil, falar disto dói muito. Cada um pensava, eu vou perder a minha família, os meus filhos, para defender um crocodilo. Doeu, porque duas noites perdidas não e fácil”.

Foram duas noites sem dormir, mas especialmente difícil a noite do ciclone, como Anísio conta à Lusa, ao lado do muro dos grandes crocodilos, que o vento conseguiu derrubar e que agora está substituído por chapas.

Porque não bastava estar ali, porque era preciso ir ver outros tanques, ver se as árvores que caiam não derrubavam outros muros. Mas aquele muro, aquele especialmente dos crocodilos grandes. “Não podíamos estar longe do muro”. “Sabíamos que se o muro desabasse era um desastre total, não era fácil controlar estes animais lá fora”, acrescentou.

E a verdade é que noite dentro, quando o muro cedeu eles ali estavam, prontos a empurrar as chapas que tinham levado, cortando bambus para as segurar. E às 05:00 de sexta-feira o vento amainava e os crocodilos estavam nos seus tanques.

“Estávamos a fazer o nosso salário, para próximos anos, não só deste mês de Março mas para os próximos anos. Imagina que todos os crocodilos se fossem embora, eu não estava aqui, estava na minha casa porque não havia serviço”, diz agora o chefe dos 40 heróis.

Já passou mais de uma semana e Manuel Guimarães, 63 anos, ainda se emociona quando fala dos seus “40 magníficos”. Se os crocodilos tivessem saído, se tivessem galgado o perímetro da quinta, os 10 quilómetros de valas que a rodeiam, “era grave”, era “uma situação de pânico total”.

“Estaríamos todos, uma cidade inteira, a apanhar crocodilos, a comunidade internacional. Porque era impensável 26 mil crocodilos à solta, especialmente os grandes”.

O empresário lembra também a prevenção com os painéis e emociona-se até às lágrimas quando fala dos seus “40 bravios moçambicanos” que se sentaram ali perto dos muros, a olhar de frente o ciclone e preparados para os substituir com chapas quando eles caíssem.

“É graças a esses 40 homens, que nunca mais podemos esquecer, que não temos uma desgraça para a empresa, porque 26 mil crocodilos são muitos milhares de dólares, e uma desgraça para a população, porque já viram o que era 26 mil crocodilos aí à solta? Seria terrível. Felizmente graças a eles estamos aqui, podemos falar disto que aconteceu”, diz à Lusa.

E acrescenta: “quando havia muito vento sentavam-se ou deitavam-se e na hora em que os muros caiam eles repunham as chapas. É uma história que precisa de ser contada para mostrar que na hora em que é preciso os moçambicanos estão lá. Deixaram as suas casas, os filhos, as famílias, perderam tudo, para estar aqui a defender a quinta, e isso não tem valor”.

Mas Manuel Guimarães ainda tem mais um herói no currículo, um que o faz chorar ainda mais. Chama-se João e esteve ocupado a levar uma manada de vacas para locais altos, por causa das águas, não estando lá quando os seus quatro filhos, o mais novo de dois e o mais velho de 11 anos, foram levados na corrente.

“Quando eu lhe perguntei ´como é que estão os animais´ ele disse ´patrão não perdi os animais mas por causa de estar lá perdi os meus quatro filhos”.

João ficou na quinta a encaminhar os animais para lugares altos, eram 2.000 e o lugar alto do costume não era suficientemente alto desta vez. E a água chegou depressa. Na quinta de Nhamatanda, relata citando os trabalhadores, “de manhã estava no sapato, uma hora depois nos joelhos, meia hora a seguir na cintura e uma hora mais e estavam a fugir para cima das árvores”. “Eu nunca vi isto, estou cá há 25 anos, nunca a água atingiu estes níveis”.

Há 25 anos Manuel Guimarães veio por três meses, para exportar camarão. Hoje é um dos maiores criadores de gado de Moçambique, exporta camarão para Portugal, as suas empresas foram distinguidas como as segundas maiores Pequenas e Médias Empresas no âmbito da exportação e da exportação de produtos de mar.

O projecto dos crocodilos foi pensado para minimizar a perda de vidas humanas e mediante um acordo com o Governo foram recolhidos ovos para desenvolver a quinta. As peles e os produtos derivados são vendidos para Portugal, Itália, Coreia do Sul e Japão. Os sapatos são feitos em Portugal e as malas em Itália.

A quinta dos crocodilos foi crescendo, era agora também um restaurante e já estava a começar um projecto de ecoturismo, com duas casas em madeira prontas. “Era uma quinta linda”, crescendo devagarinho, “com gosto”, um trabalho de 10 anos, “e um dia desapareceu tudo”.
Mas não só. No distrito de Buzi perdeu todos os animais e em Nhamatanda calcula que meio milhar. E a quinta dos crocodilos está lá a mostrar as suas desgraças, árvores caídas, casas destruídas, armazéns derrubados. Acabou o restaurante, a piscina, o “paint ball”, o ecoturismo. Tudo feito com “tanto gosto”.

Mas é o menos, porque o que não lhe sai da cabeça é o empregado João. Tem andado a ajudar na procura dos corpos dos filhos, mas até domingo ainda não os tinham encontrado.

Ao “senhor João” vai fazer-lhe uma casa, vai dar-lhe um terreno. Quando o diz emociona-se de novo. E acrescenta depois: “mas nunca lhe posso devolver os filhos”.

A Manuel Guimarães faltam palavras para agradecer, ao empregado João e aos “40 magníficos” da quinta dos crocodilos.

E por causa deles, com a ajuda deles, não tem dúvidas. Não é “um ciclonezito de 280 quilómetros por hora” que os vai fazer parar.

Observadores internacionais detectam irregularidades nas eleições na Tailândia

[dropcap]A[/dropcap] única organização internacional credenciada como observadora nas eleições de domingo na Tailândia anunciou hoje que detectou algumas irregularidades no processo eleitoral, mas que o dia do sufrágio foi “bastante transparente e confiável”.

A Rede Asiática para Eleições Livres (ANFREL, na sigla em inglês) referiu num relatório preliminar que “o processo de votação correu sem problemas, embora tenha sido detectada alguma variação na aplicação dos procedimentos, mas que não teve efeito significativo sobre a experiência dos eleitores”.

No entanto, a ANFREL observou irregularidades no período pré-eleitoral, como a compra de votos ou o uso de recursos do Governo para o benefício do partido Palang Pracharat, ligado à junta militar que governa o país desde o golpe de Estado de 2014.

A organização também apontou que o quadro jurídico em que se realizaram as eleições contém várias disposições antidemocráticas, já que concede ao Conselho Nacional para a Paz e Ordem (CNPO, nome oficial da junta) “poderes extraordinários” para a formação do novo Governo.

A CNPO tem o poder de nomear os 250 membros do Senado, que participam na votação do novo Governo juntamente com os 500 deputados que foram eleitos no último domingo.

A Comissão Eleitoral (CE) ainda não divulgou os resultados das eleições e, embora pretenda anunciar os dados provisórios na próxima sexta-feira, tem até 9 de Maio para publicar o resultado final do sufrágio.

“O atraso de 45 dias (em publicar os resultados finais) está dentro da lei, mas a CE deveria fomentar a confiança da população revelando-os o mais rápido possível”, declarou Rohana Nishanta Hettiarachchie, líder da missão de observação eleitoral da ANFREL, numa conferência de imprensa.

Hettiarachchie reconheceu que muitos tailandeses “não confiam plenamente no sistema eleitoral” projectado pelos militares, mas recusou-se a responder a vários jornalistas se as eleições foram justas ou não.

“Houve elementos positivos e outros que não atendem a determinados critérios democráticos (…). A democracia é um processo e este foi o primeiro passo no processo, a partir de um não-democrático”, disse Hettiarachchie.

Por seu lado, o Serviço Europeu para a Acção Externa da União Europeia (SEAE), na noite de segunda-feira emitiu uma declaração exortando o governo tailandês a resolver as “alegadas irregularidades” de forma “rápida e transparente”.

Amnistia Internacional denuncia deterioração dos direitos humanos em Hong Kong

[dropcap]A[/dropcap]situação relativa aos direitos humanos em Hong Kong está a deteriorou-se gravemente desde o ano passado acusa a Amnistia Internacional, referindo-se em particular à liberdade de expressão e de manifestação.

A organização não governamental com sede em Londres considera que as autoridades da Região Administrativa Especial de Hong Kong fazem uma interpretação “demasiado ampla” dos conceitos relacionados com a “segurança nacional” da República Popular da China.

“O conceito de ‘segurança nacional’, tal como é encarado pelo Governo de Hong Kong, demonstra falhas jurídicas e é aplicado de forma arbitrária para enfrentar a dissidência e a ‘oposição política’”, refere o relatório da Amnistia Internacional (AI) divulgado hoje.
Estas restrições têm como efeito dissuadir o exercício dos direitos promovendo, nomeadamente, a auto-censura.

O relatório cita casos judiciais contra os líderes do movimento pró-democracia e a expulsão de um jornalista britânico, referindo também as acções de proibição contra um partido independentista e a anulação de algumas candidaturas às eleições locais.

O mesmo documento denuncia as restrições contra a liberdade de reunião em Hong Kong receando novas condenações em futuros processos judiciais. No passado mês de Outubro, as autoridades da região recusaram a renovação do visto de trabalho ao jornalista Victor Mallet do Financial Times.

As autoridades repudiaram a conferência organizada pelo jornalista no Clube dos Correspondentes Estrangeiros, fundado durante o período colonial britânico, e que contava com a participação de um dirigente do Partido Nacional, uma pequena formação política independentista local.

O Partido Nacional foi banido por ameaçar a “segurança nacional” em Setembro de 2018 ao abrigo da legislação que permite impor a interdição a movimentos associativos.

“A utilização da ampla interpretação sobre ‘segurança nacional’ para silenciar as vozes dissidentes, tal como aconteceu a um partido político, é uma táctica utilizada por governos repressivos”, refere a AI.

Recentemente, o Departamento de Estado norte-americano publicou um relatório considerando que as restrições à liberdade em Hong Kong prejudicam a confiança junto das empresas e acusou o Executivo da região de estar a sacrificar os Direitos do Homem em nome das prioridades de Pequim.

Para as autoridades da Região Administrativa Especial de Hong Kong os governos estrangeiros não devem interferir, em nenhuma circunstância, nos assuntos internos do território.

Instituto Cultural apresentou edição bilingue de “Contos Seleccionados de Eça de Queirós”

[dropcap]F[/dropcap]oi apresentado esta semana uma nova edição literária a cargo do Instituto Cultural (IC). Trata-se de “Contos Seleccionados de Eça de Queirós”, um livro que faz parte da “Colecção de Literatura Chinesa e Portuguesa” e cuja tradução esteve a cargo de Han Lili, directora da Escola Superior de Línguas e Tradução do Instituto Politécnico de Macau (IPM).

De acordo com um comunicado oficial do IC, “através da edição de uma série de livros originais sobre literatura de Macau ou relacionada com o tema, de escritores chineses e portugueses, a ‘Colecção de Literatura Chinesa e Portuguesa’ pretende que os autores e os leitores ultrapassem as barreiras linguísticas, reconhecendo um outro mundo literário nas obras traduzidas para as línguas chinesa e portuguesa ou qualquer outra língua”. 

O livro traduzido por Han Lili inclui os contos Um Poeta Lírico, No Moinho, A Aia, O Suave Milagre, Singularidades de uma Rapariga Loura e O Tesouro, bem como uma colecção de artigos publicados em 1893 numa coluna do jornal brasileiro Gazeta de Notícias, intitulada “Chineses e Japoneses”. O conto Singularidades de uma Rapariga Loura foi adaptado para cinema em 2009 pelo grande realizador português Manoel de Oliveira.

Eça de Queirós, falecido em 1900, é considerado um dos mais importantes escritores portugueses e é conhecido pela sua prosa realista. Além da publicação de romances, Eça de Queirós também foi jornalista em várias publicações, incluindo o Diário de Notícias. As suas principais obras incluem romances como O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio e Os Maias, as quais traçam um retrato da vida real em Portugal, desvendando os crimes e os vícios da sociedade portuguesa de então. Estas obras foram traduzidas para o chinês na década de 1990.

O livro “Contos Seleccionados de Eça de Queirós” tem um custo de 100 patacas e encontra-se à venda no Centro de Informações ao Público, na Plaza Cultural de Macau, no Elite Bookstore, na Livraria Portuguesa, no Pin-to Livros, no Arquivo de Macau e no Centro Ecuménico Kum Iam.

Investimento chinês diminui na Europa, perante medidas proteccionistas

[dropcap]O[/dropcap]investimento chinês na Europa diminuiu, nos dois últimos anos, resultado de medidas proteccionistas europeias, mas nenhum país quer fechar as portas à “Rota da Seda” dos biliões chineses.

Desde 2010, a China investiu mais de 145 mil milhões de euros na Europa, apesar dos constrangimentos económicos criados por vários países, nos últimos anos, e dos alertas do governo dos EUA sobre o risco de aceitar dinheiro da “ditadura chinesa”.

Em Paris, após uma visita a Itália, para encontros com vários líderes europeus, o Presidente da China, Xi Jinping, tem sido recebido com sorrisos nesta visita à Europa e tem fechado lucrativos acordos comerciais, mas todos os dias tem lido na imprensa europeia declarações de reserva sobre os riscos do investimento chinês.

Em 2010, o investimento chinês na Europa foi de 2,1 mil milhões de euros, tendo crescido para 20,7 mil milhões de euros em 2015, e para 37,2 mil milhões de euros em 2016, segundo a agência de análise financeira Rhodium Group.

Mas em 2017, o investimento da China diminuiu para 29,1 mil milhões de euros, e para apenas 17,3 mil milhões de euros, em 2018.

Cerca de metade deste investimento concentrou-se no Reino Unido, na Alemanha e na França, três das maiores potências económicas europeias, cujos líderes e reguladores começaram a colocar entraves à presença do dinheiro chinês no continente.

Os alertas vinham de vários lados, nomeadamente dos aliados norte-americanos que nunca esconderam a preocupação em ver empresas como a sueca Volvo (automóveis), a italiana Pirelli (pneus), a francesa Lanvin (moda), a alemã KraussMaffei (máquinas e utensílios) ficar sob controlo chinês.

Apesar de o investimento chinês nos países do sul da Europa (incluindo Portugal) apenas atingir 13%, a Comissão Europeia por várias vezes chamou a atenção para a benevolência com que aceitaram dinheiro chinês.

No passado sábado, a Itália assinou um memorando de entendimento para integrar vários projectos da iniciativa “Rota da Seda” – um projecto multibilionário de investimento chinês em vários continentes, tornando-se o primeiro país do G7 a ceder à tentação desta estratégia comercial chinesa.

Mas países como Portugal, a Grécia, a Hungria e a Polónia, entre muitos outros em diferentes continentes, já tinham aderido à iniciativa, permitindo ao Presidente chinês dizer que a “Rota da Seda” percorre o seu “caminho de sucesso”.

Segundo a agência Rhodium, Portugal já recebeu seis mil milhões de euros da China, em particular no sector bancário e energético, depois da intervenção da ‘Troika’ no país.

Mas a 14 de Fevereiro passado, o Parlamento Europeu aprovou legislação para controlar o investimento externo em áreas estratégicas, como a inteligência artificial, telecomunicações e robótica, em grande parte para precaver os avanços do dinheiro chinês.

A legislação entrou em vigor no início de março, em todos os Estados membros, mas os mecanismos de controlo do investimento chinês já estavam em ação há vários anos, explicando a maior resistência que a China tem encontrado na Europa.

Ao mesmo tempo, os EUA continuam a pressionar os países europeus para restringirem o investimento chinês, ameaçando mesmo romper alguns acordos e renegociar tratados comerciais com os aliados, se não houver regras mais duras para conter o avanço da China.

Universidade Tsinghua despede professor crítico do PC Chinês

[dropcap]U[/dropcap]m professor de direito constitucional numa das mais prestigiadas universidades da China foi despedido depois de ter publicado uma série de ensaios críticos da liderança do Partido Comunista Chinês (PCC).

Desde que, em 2013, o Presidente da China, Xi Jinping, ascendeu ao poder, Xu Zhangrun escreveu dezenas de ensaios e proferiu vários discursos onde recorre à filosofia, literatura e teoria política da China Antiga para criticar decisões tomadas pelo PCC.

Num longo ensaio, publicado em Julho passado, Xu culpou indirectamente Xi Jinping pelas crescentes tensões com os Estados Unidos, denunciando a repressão contra intelectuais e o fim da política de abertura lançada por Deng Xiaoping nos anos 1980.

Desde que assumiu a liderança da China, em 2013, Xi Jinping tornou-se o centro da política chinesa e é hoje considerado um dos líderes mais fortes na história recente do país, comparável ao fundador da República Popular, Mao Zedong.

O líder chinês aboliu já o limite de mandatos para o seu cargo, confirmando o desmantelamento do sistema de “liderança colectiva”, cimentado pelos líderes chineses desde finais dos anos 1970. A sua governação tem sido também marcada pela repressão contra activistas e dissidentes.

A informação de que Xu foi afastado do cargo pela Universidade Tsinghua espalhou-se pelas redes sociais chinesas, na segunda-feira, enquanto vários órgãos de comunicação liberais republicaram textos do académico.

A Tsinghua não detalhou os motivos para o afastamento de Xu, mas analistas e os seus defensores apontam as declarações públicas do académico, que culpa o Governo pelos actuais problemas da sociedade chinesa.

A demissão de Xu surge também após o ministério chinês da Educação ter promovido uma revisão dos manuais de direito constitucional, parte de um esforço contra a “influência ocidental” nas universidades chinesas.

Obras de professores de direito constitucional pró-reforma foram, entretanto, removidos das plataformas de comércio electrónico. Num dos seus últimos ensaios, publicado na imprensa de Hong Kong, em Janeiro passado, Xu questionou se a China, à medida que se torna uma potência mundial, corre o risco de se converter num “império vermelho”.

“A China é um estado totalitário superdimensionado e não tem, não precisa, não deve e não pode tornar-se num império vermelho”, escreveu. “Mas, devido à sua dimensão, existe uma energia latente a puxar-nos para dar esse passo”, acrescentou.

Autocarros | Motorista agredido por idoso quer justiça

[dropcap]N[/dropcap]a tarde de domingo, por volta das 16h, uma corrida para apanhar um autocarro público resultou na agressão ao condutor. O caso foi filmado por um internauta que se encontrava fora do autocarro e que posteriormente partilhou o vídeo nas redes sociais.

Tudo começou quando um idoso tentou apanhar um autocarro na paragem junto ao Hotel Sofitel, na Ponte 16. O veículo já tinha retomado a marcha, quando um passageiro idoso correu e bateu na porta do autocarro. O condutor interrompeu a marcha para deixar o senhor entrar. Segundo o relato do motorista, o passageiro não parou de o descompor até ao fim da viagem, que terminou na estação de autocarros da Praça das Portas do Cerco.

Segundo informação concedida pela PSP ao HM, e apesar do condutor não ter respondido às provocações do idoso este terá passado das palavras aos actos. O que se seguiu foi uma sessão de murros dados pelo passageiro na cara do motorista.

Na sequência das agressões, o condutor foi submetido a tratamento hospitalar e deseja avançar judicialmente contra o idoso. Por sua vez, o passageiro alega que também foi agredido com um murro na cabeça, alegação que o motorista nega. No entanto, o idoso recusou tratamento hospitalar e afasta a hipótese de avançar judicialmente contra o condutor do autocarro.

Turismo | Lançada aplicação móvel para ensino de linguagem gestual

[dropcap]F[/dropcap]oi ontem lançada uma aplicação móvel para ensino online de linguagem gestual pela Direcção dos Serviços do Turismo (DST). O objectivo é “promover um ambiente sem barreiras“ aos turistas com necessidades especiais, apontou a directora dos Serviços de Turismo, Helena de Senna Fernandes na apresentação da iniciativa.

Para promover um ambiente mais inclusivo as pessoas ligadas ao sector “têm que continuar a aprender de modo a estarem preparados para os desafios desta área”, referiu a responsável. A iniciativa conta com o apoio do MGM Macau e da Associação de Surdos Mudos do território.

Segundo o director executivo da MGM China, Grant Bowie, para incluir as pessoas com necessidades especiais é preciso o comprometimento da sociedade “de modo a que não se sintam diferentes”. Só desta forma é possível estender a todos os visitantes o sentimento de “pertença à comunidade local”, sublinhou.

O MGM pretende ainda ser um exemplo através das ofertas de trabalho destinadas a pessoas com deficiências, empregando actualmente 49 funcionários com necessidades especiais.

Tratado de Extradição III

[dropcap]Q[/dropcap]uem tem vindo a acompanhar os artigos sobre esta matéria, sabe que o pedido de extradição apresentado por Taiwan a Hong Kong esteve relacionado com um crime cometido naquele território por um cidadão de Hong Kong. Após cometer o crime o suspeito fugiu e o Governo de Taiwan apresentou um pedido de extradição ao Governo de Hong Kong.

Este incidente esteve na origem da proposta de emenda à Lei dos Criminosos em Fuga (FOO sigla em inglês), feita após consulta pública. No espaço de dois meses, a sociedade de Hong Kong pronunciou-se através da sua comunidade empresarial e da Ordem dos Advogados, mas também se fizeram ouvir opiniões da American Chamber of Commerce e da União Europeia, que manifestaram diferentes pontos de vista sobre as emendas a introduzir na FOO. As emendas a um conjunto de leis de Hong Kong foram analisadas e comentadas pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia, o que é algo com que a maior parte das pessoas não teria ousado sonhar.

A comunidade de Hong Kong manifestou diferentes opiniões a este respeito. Dezanove associações profissionais, como a “Faithful Relief” e a “Xinglin Awakened” emitiram um comunicado conjunto expressando a sua preocupação sobre a possibilidade das emendas deixarem os habitantes de Hong Kong desprotegidos, sem direito a um julgamento justo.

Sublinharam ainda que a comunidade internacional pode vir a encarar o sistema jurídico independente de Hong Kong como parte do sistema jurídico da China continental. Na perspectiva destas associações profissionais o Governo de Hong Kong deverá limitar o alcance das emendas.

Para já, pretende que o Tratado de Extradição se limite a Taiwan, ficando de fora a China continental e Macau.

Além disto, de forma a evitar mais polémica sobre os casos de extradição, que podem inquietar os suspeitos e aumentar as possibilidades de fuga, o Governo de Hong Kong propõe que o Conselho Legislativo suspenda a discussão do assunto. As associações profissionais acreditam que este problema pode ser resolvido pela prisão preventiva do suspeito, antes que o Conselho Legislativo leve a matéria a debate.

Lin Jianyue, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, pensa que a emenda não deve abarcar crimes económicos. Lin Jianfeng, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, defende que os crimes económicos deve ser tratados separadamente dos crimes violentos.

No passado dia 7, a American Chamber of Commerce declarou junto do Governo de Hong Kong, que nutre “sérias reservas” em relação a estas emendas. A American Chamber of Commerce sublinha que as alterações à lei podem permitir que o Governo da China continental peça a extradição de empresários internacionais, que vivam ou estejam de passagem em Hong Kong, e que tenham sido acusados de crimes económicos no continente. Esta possibilidade iria desvalorizar a imagem de Hong Kong como cidade cosmopolita. A American Chamber of Commerce salientou ainda que, implementar ou não esta emenda, poderá ser um factor decisivo no estabelecimento e manutenção de grandes empresas internacionais em Hong Kong. A competitividade de Hong Kong poderá vir a ser afectada.

No passado dia 23, Kano, Director do Gabinete da União Europeia em Hong Kong, declarou numa entrevista à RTHK, que tinha expressado ao Governo de Hong Kong a sua preocupação sobre o impacto destas alterações à lei nos cidadãos europeus, e que tinha solicitado que o Governo consultasse os estatutos da UE sobre Tratados de Extradição em Hong Kong. Kano propôs também que se dilatasse o período de revisão da legislação.

Shi Shuming, membro executivo da Ordem dos Advogados de Hong Kong, salientou que se o Governo excluir um certo número de crimes em respostas às necessidades de alguns sectores, tornando impossível a extradição de certas pessoas, muita gente ficará demasiado “à vontade”. E nesse caso, porque não ter também em consideração as preocupações de outros sectores? Porque motivo há-de existir um tratamento diferenciado? É óbvio que existirão sempre stuações injustas.

Tang Yingnian, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, acredita que o Conselho Legislativo irá discutir em detalhe a questão da repatriação nos casos de crimes não violentos como é o caso dos crimes fiscais e dos crimes económicos. No entanto defende as emendas a esta lei. Hong Kong não pode ser refúgio para quem quer fugir ao braço da lei.

Tan Huizhu afirmou que qualquer assistência jurìdica mútua deve implicar quatro condições:

1. O crime na base do pedido de extradição, deve ser reconhecido nos dois locais;
2. O crime não pode ter, aos olhos da lei, diferenças óbvias entre os dois locais;
3. A existência de prova suficiente;
4. O crime deve ser encarado aos olhos da lei da mesma forma, antes e depois da transferência de soberania,

Tan Huizhu salienta que as pessoas do mundo dos negócios não têm motivo para receios.

Independentemente das várias opiniões, e quer estejamos ou não de acordo com elas, este assunto vai levar algum tempo a discutir até se conseguir um consenso, de forma a que a revisão da lei possa ser bem sucedida. A avaliar pelo estado das coisas, a entrada em vigor da emenda à lei não parece estar para breve.

A função básica de qualquer lei é proporcionar equidade e justiça social. Nesta perspectiva, como lidar com o pedido de extradição de Taiwan para o suspeito da morte da jovem Poon Hiu-wing? A bem da justiça, não deveria a sociedade de Hong Kong pôr de lado as diferenças, concordar com esta extradição a título excepcional e, em seguida, colocar o assunto à discussão?

Mas também podemos depreender pelas discussões que têm ocorrido no seio da comunidade de Hong Kong, que não existe nenhuma preocupação com o sistema jurídico. Será possível conseguir que Hong Kong e Macau assinem um Tratado de Extradição?

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

A verdadeira ralidade

[dropcap]V[/dropcap]inde cá, meu tão certo secretário. Não me olheis com esse olhar liso e branco de quem desconfia. Repara: as injustiças do mundo são para se cumprirem. Se a ti me achego, o teu papel é justamente o do papel: acolher-me com virgem resignação. E, de mim, só podes esperar, pacientemente, a mácula. Chegarei, com os meus bordões rascunhados, sem mata borrão. Terás de o suportar. O importante, como diria Ruy Belo, é que «não doa muito» e, depois, que te escondam na «terra como uma vergonha». Ao papel resta acolher as palavras que nele se sepultam. É a tua função, meu tão certo secretário. Que dizes? Que havíamos acordado em não nos tratarmos por tu? Mas, quem me pode demover? Tu? Vós? Sabes que mais, meu secretário, tão certo; tu, papel, nem mais existes na realidade concreta do meu dia-a-dia; a folha que serias é uma metáfora quase morta que me dá guarida, embora sem tecto, sem paredes. E toda a realidade, como tu, é coisa parca e indecisa; sequer dá luz: obscuridade bruxuleando, ao longe, só.

O mundo aspira à realidade: cada coisa, cada objecto, cada palavra. E a poesia também a deseja com todo o seu empenho; julga poder instituí-la, até. Nelson Goodman fez-nos crer que o realismo é um «caso de hábito», o malabarismo artificioso de fazer crer, convencer, inculcar.

Vejamos: temos o mundo, ele aparece-nos como resultado de um «ver confuso» (Fernando Gil) e esperamos, ingénuos, que seja o poeta a dispensar os óculos com a graduação exacta da nossa miopia. O poeta, sempre esforçado, empresta-nos de bom grado o seu monóculo, o seu binóculo, o telescópio, suas lunetas; um microscópio, e até os seus próprios olhos nus: e eis o real, diante do leitor, tão desfocado quanto possível. Não invento, meu secretário; também Juarroz isto nos explica, se nos diz que o âmago da poesia «é descobrir a realidade, inventando-a». Ou desfocando-a, diria, que é outro modo de a inventar. Ou, talvez, ainda, retirando-lhe uma letra, para lhe dar nitidez. Foi o que fez Manuel Resende: transformou em Realidade em Ralidade, e eis que nos surge um real muito mais ral(o) e fluido, que convoca passados num presente: História(s) em contemporaneidade(s); certo desconjuntar formal da língua, que, entre uma piscadela à poesia experimental (que culmina no hiperpoema, destacado no fim do livro), e certo espírito santo de orelha de surrealismo (que nem descura, porque não pode, a consciência social e política do mundo em que chafurdamos), carrega às costas a tradição clássica da poesia: porque na verdade clássicos somos todos, modernos e os antigos, inevitáveis cabeçudos, em que nos tornamos, nós, os anões, aos ombros de gigantes: «Eu é um pseudónimo de nós e nós pseudónimo disto tudo», escreve Manuel Resende. «O Leão é feito de carneiro digerido», diz-nos Valéry: e é a sombra dos que vieram antes de si (e que também tanto traduziu) que compõem o mosaico da sua poética.

Na poesia de Resende, agora reunida pela editora «Cotovia», tanto cabe uma cantiga, não de amigo, mas de amargo, como os diferentes rizomas que sobrevêm de uma tradição moderna (Baudelaire, Whitman, Campos, por lá se passeiam), ou a poesia clássica, ou o classicismo do nosso Renascimento, com a pernada barroca que o experimentalismo desencanta, sempre. Aliás, também vós por aqui estais, meu tão certo secretário, transposto em mensageiro dos tempos modernos. O tom é classicamente o da vanguarda, nesta dicotomia de inventar o mundo, sobre diferentes socalcos, em diversos sobressaltos. Ora lede e reconhecei-vos nesta «Crítica da Razão Pragmática»: «Vinde cá meu tão manso mensageiro/Febril mercúrio falar-me dos deuses/ Saberás que é impossível a mímica rítmica dos rins/saberás que é impossível amor meu//Impossível vivermos os dois sempre aos pares pela vida fora/vem cá corpo cru deusa em carne viva/vem cá saber as horas o irreprimível horário da manhã/ Um relógio de gestos uma religião de salários.».

Diz-nos Osvaldo Silvestre, no posfácio que acompanha este volume de Poesia Reunida, que, em Manuel Resende, «tudo: o político, o privado, a realidade, o sonho se funde numa espécie technicolor sem censura». Mas, mais do que fusão, trata-se da convocação do real em diferentes planos (disse convocação? Queria dizer descoberta; não, diria antes invenção; perdão, de novo, pois queria dizer revisão permanente de uma matéria nunca dada), apresentando tudo numa mesma dimensão de simultaneidade, mas à luz de várias lentes e graduações. Como um mosaico composto de peças de proporções diversas.

Num poema intitulado «Streptease1990», dedicado a Mário Cesariny e que termina com um endereço de email, como assinatura, escreve-se acerca da importância da libertação do real certeiro do dia a dia: «Pronto já me despi de certezas (das grandes primeiro que das pequenas)./ E agora , que dispo? /Espero ordens.»; e, num poema, mais adiante, no mesmo livro, resgatando um Manuel António Pina que pisca o olho a Camões, a mesma ideia do real que é simultaneamente memória histórica e tempo presente, tradição na contemporaneidade; mundo político-social e auto-referência poética; onírico e absurdo e reconhecimento concreto do quotidiano. Da mesma forma, a realidade física e matemática e aquelas partículas que, afinal, só a palavra e a poesia inventam e instituem, quando assumem às costas a canga da história, da memória, do social e do concreto, com a sensibilidade de quem transforma sentires em sentidos e em realidade: «Onde estão as partículas elementares/Quando a gente não está a olhar?/A questão é de se pôr, só que elas estão,/ Ou qualquer coisa, não sei o quê, em qualquer lugar.».

Mas, só um momento, meu tão certo secretário. Disse eu realidade (física matemática, onírica, histórica ou poética, seja lá o que isso for.)? Pois, desculpai-me, que uma vez mais me enganei. Queria eu dizer Ralidade. Ralidade é que é: sem lar, sem tempos, sem fronteiras. E é esta exacta ralidade, descoberta ao ser inventada, que Manuel Resende nos oferece, ao longo da sua poesia, e também aqui, expressamente, numa cantiga à laia de soneto:

CANTIGA À RALIDADE

S’a ralidade não me chatiar
Não vou eu chatiar a ralidade.
Porém, essa megera sem idade
Não tem tempo e fronteiras, não tem lar,

Não tem respeito, sempre a dar a dar,
Remexe-me no peito, busca o qu’ há-de
Servir-lhe de pretexto pra provar
que continua a mesma ralidade.

E eu que tenho mais o que fazer,
Dormir, dormir, morrer, talvez sonhar
–Ou contra o cruel fado a ‘spada erguer.

Mas esta dor no peito, a falta de ar,
Esta barba há três dias por fazer
Já ´stão à minha espreita ao despertar.

Manuel Resende, Poesia reunida, Lisboa, Cotovia, 2018

A matilha dos afectos

[dropcap]H[/dropcap]einrich von Kleist, o patriota prussiano, poeta e dramaturgo, escreve entre algumas obras de referência aquela que viria a ser a obra-prima do teatro romântico, «Pentesileia». É uma obra monumental! Não tanto pela opulência ou pelo vírus exacerbado da representação, mas pela temática e virtuosismo em delinear o impossível sem quase nenhum recurso ao comprometimento dos méritos da união, e um fôlego pulverizante que nos coloca diante da tensão máxima dos arquétipos masculino e feminino.

Este vigor é uma oferenda sagrada, embora se leia nele desde o início o mítico desfecho da morte anunciada. Aqui as delícias da aproximação não existem e a junção é banida pela representação da força de cada um, Aquiles e Pentesileia. Depois, há todas as vozes sacerdotais que representam a missão em coro grego e a consciência dos que acarretam as linhas de acção de um empreendimento. Nada de domesticável, até civilizado, do modo como o concebemos, toma as rédeas destes cavalos que ambos fazem relinchar com seus cascos ferozes. É a causa de cada um, que indomável, nos acelera a vontade de ser um deus, mesmo cegando com o brilho das espadas.

Esta peça foi talvez buscar a orientação para a sua liberdade e pujança à derrota prussiana, o que exerceu no autor uma desvinculação nacionalista – ou melhor- uma outra orientação da força, já sem efeitos propagandísticos e saído assim dos círculos daqueles que se barricam nas hostes. Os heróis, são gregos, com observância para uma era matriarcal, essa civilização amazónica que levou à agricultura o quadro de uma ginecocracia com a sua componente dionisíaca que é o da apropriação do macho como servil emblema de combustão, que a obra urge suplantar, pela afirmação da condição apolínea. Parte então: “para este combate amoroso assente no «ódio mortal entre os sexos» a dilacerante ambivalência de um campo de batalha, que bem poderia ser «um leito revolvido».” Avançamos efectivamente pelas superfícies tectónicas que vacilam e se tocam para delinearem a supremacia de uma nova crosta terrestre, e acrescenta: «Pentesileia ferida de morte por ele, surge aos olhos de Aquiles, duplamente bela, e só aqui descobre a plenitude do sortilégio amoroso». Mas, e também, para cumprir a nova ordem cósmica se revela que a morte de Aquiles não foi um assassinato trágico, apenas uma paixão exemplar de que a terra comunga e sobre a qual baixam naturalmente as trevas – um imenso pôr-do-sol sangrento.

Estas esferas simbólicas vêm do fundo dos tempos e congregam-se numa faísca de metal em fusão num ventre titânico e original, quase neolítico, que imprime moderações e metamorfoses a eras que se vão fazendo com mais ou menos resistência. Nós, que em pleno século vinte e um escutamos estupefactos as histórias de terror dos casais, devemos cingir-nos aos mitos fundadores ou estaremos condenados a uma saga imprópria para a posteridade.

Também o tempo do amor paixão se desmoronou e nem por isso deixámos de nos apaixonar, a lenda da felicidade é mais uma fábula, e por vezes carregamos um couro que não sabemos que estamos a ouvir, e as vozes que gritam sem que as oiçamos, atiram-nos para vastas superfícies de infortúnio onde se esgota, por isso mesmo, a sua razão de existir. – E é claro – querer moderar abismos assim calcinados por descaso e desconhecimento, cria hiatos, e vicia-nos também nos nossos próprios embustes de consequências estranguladoras.

Goethe (estamos pois no fim do século dezoito) foi um opositor a esta manifestação, se é que se pode assim apelidar a reacção em face desta abordagem indómita, e foi-o, na sua moderada frequência de homem em busca de uma «educação sentimental» em tudo antagónica a este Kleist -este- seria então a expressão dos obscuros movimentos dos afectos. E não apenas! Kleist demonstra que se pode ser escandaloso a partir na nossa própria natureza. Quem não é escandaloso, é doloso, malsão e até rude, configurando um caso de hábitos adquiridos que lhes empresta naturezas várias, não sendo no entanto cada um praticamente ninguém, face ao sistema vibratório de uma obra tal. “O tal inumano, onde os afectos perderam o seu véu pudico e trespassam os corpos como flechas, nus, crus e incalculáveis”. Para além de um brilhante tratamento de linguagem, é uma recuperação mitológica trabalhando dentro de nós a remota, longínqua, área adormecida, ou mesmo extinta; a linguagem vai então servindo o propósito acelerativo de uma hipnose, e, um homem surge-nos subitamente um ser diferente daquilo que geralmente nomeamos. Estou certa que uma mulher também.

Ainda, e voltando às Amazonas, cujo impulso as projecta para o combate e a captura dos seus vencidos, não lhe poderemos chamar sedução, pois que o Amor está-lhes negado. É mais a continuidade biológica que prepara um terreno cujo domínio é exercitar as armas e propagar a espécie: nenhum homem, mesmo filho, tem qualquer sentido na sua estrutura interna, na medida, em que assentes no mito dionisíaco, o homem é ente utilizável, festim para fruição, onde se vai aqui pressentido já o terror face a esse deus que faltava e que assinala o fim de uma estirpe. O homem que se usa, nunca será igual aquele que comanda: e é este instante que marca as raízes que podem muito bem estar escondidas, até, quem sabe, em algum de nós. Já Marguerite Yourcenar tem, no seu livro «Fogos», esta passagem clássica e definitiva, em conto, e embora bem mais refinada diz isso mesmo: «A viseira levantada descobriu, no lugar de um rosto, uma máscara de olhos cegos que os beijos jamais alcançariam. Aquiles soluçava, segurando a cabeça desta vítima digna de ser um amigo.»

Uma emboscada foi lançada. A força que nos destrói é a mesma que nos constrói, saiba agora do Amor a matilha, que a predação o conduzirá a outra História.

Macau ganha quase 8.000 trabalhadores não residentes num ano

[dropcap]M[/dropcap]acau contava, no final de Fevereiro, com 188.614 trabalhadores não residentes, ou seja, mais 7.833 comparativamente a igual período do ano passado, indicam dados da Polícia de Segurança Pública, publicados ontem no portal da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais.

Não obstante, o universo de mão-de-obra importada ficou abaixo do máximo histórico alcançado em Novembro último (188.854). Já em termos mensais, ou seja, relativamente a Janeiro, Macau ganhou 293 trabalhadores não residentes.

A maioria dos trabalhadores não residentes é proveniente da China (116.773 ou quase dois terços do total), seguindo-se, a larga distância, as Filipinas (32.195), com o pódio a completar-se com o Vietname (15.269). O ramo dos hotéis, restaurantes e similares (com 53.433 trabalhadores não residentes) absorve grande parte da mão-de-obra contratada ao exterior. Em segundo lugar surgem os empregados domésticos (29.412) e os operários da construção (29.085).

Táxis | Primeiras 100 licenças especiais começam a operar no quarto trimestre

[dropcap]O[/dropcap]Governo já escolheu a empresa a que serão atribuídas 200 licenças especiais de táxis, sendo que as primeiras 100 começam a operar no quarto trimestre deste ano. No que diz respeito às restantes licenças, deverão começar a operar “sucessivamente” até ao quarto trimestre do próximo ano.

De acordo com um comunicado da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), a concessão foi atribuída à Companhia de Serviços de Rádio Táxi Macau S.A. “que propôs, na sua proposta, a isenção das referidas taxas de chamada, de hora marcada e de ausência”. Um total de cinco empresas participaram no concurso público.

O contrato de concessão terá oito anos de prazo e tem como objectivo “responder melhor à procura da sociedade” por táxis especiais. A empresa terá de utilizar automóveis ligeiros híbridos ou movidos a energia ecológica e que alberguem um máximo de seis passageiros, tendo em conta “a política de protecção ambiental e a restrição da capacidade de transporte de passageiros”.

À empresa exige-se também que disponibilize cinco táxis acessíveis e dez táxis de grande porte, devendo também introduzir, “por iniciativa própria”, dez táxis com “lift seat”, para que seja mais fácil o acesso de passageiros com mobilidade reduzida.

Pesca | Abertas inscrições para plano de formação durante período de defeso

[dropcap]E[/dropcap]stão abertas as inscrições para o plano de formação para pescadores durante o período de defeso co-organizado pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água (DSAMA) e Associação de Auxílio Mútuo de Pescadores (AAMP).

Podem candidatar-se todos os pescadores no activo com idade igual ou superior a 16 anos e titulares do bilhete de identidade de residente de Macau e do cartão de pescador (Guangdong – Hong Kong – Macau) válidos.

O plano, criado em 2009, tem como objectivo permitir aos pescadores aumentarem a sua competitividade. Os pescadores que concluírem a formação poderão receber um subsídio de até 9.500 patacas, pensado para aliviar dificuldades económicas durante os três meses e meio de defeso. Para esta edição do plano estão abertas 600 vagas. O prazo de inscrições termina a 12 de Abril.

Metro Ligeiro | Constituída empresa de capitais públicos

[dropcap]E[/dropcap]ntra hoje em vigor o regulamento administrativo que autoriza a constituição da Metro Ligeiro de Macau, a sociedade anónima, de capitais exclusivamente públicos, que vai ser responsável pela operação do sistema de metro ligeiro.

A nova sociedade vai arrancar com um capital social de 1,4 mil milhões de patacas. A RAEM figura como sócia maioritária (96 por cento) da empresa que tem ainda como accionistas o Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização (3 por cento) e o Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e Tecnologia (1 por cento).

A empresa, que nasce a meses da entrada em funcionamento da linha da Taipa, prevista para a segunda metade do ano, vai implicar a extinção do Gabinete de Infra-estruturas e Transportes (GIT).

Subsídio para aquisição de material escolar aumenta em 2019/2020

[dropcap]O[/dropcap]valor dos subsídios para aquisição de material escolar vai ser revisto em alta no próximo ano lectivo.

Segundo um despacho do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, publicado ontem em Boletim Oficial, o montante para os estudantes dos ensinos infantil e primário vai subir de 2.400 para 2.500 patacas, enquanto o destinado aos alunos do ensino secundário vai passar de 3.100 para 3.250 patacas.

O valor do subsídio de alimentação para o ano lectivo 2019/2020 também vai subir: aumenta de 3.600 para 3.800 patacas. O despacho, que concretiza o anúncio feito, em Novembro, durante as Linhas de Acção Governativa para 2019, também mexe nas condições de candidatura, elevando os limites do rendimento médio mensal dos agregados familiares, permitindo que mais famílias se tornem elegíveis.

A título de exemplo, as famílias compostas por três membros podem candidatar-se aos subsídios desde que o rendimento mensal médio não ultrapasse 16.070 patacas (contra o tecto actual de 15.370 patacas).

FRC | Carlos Frota apresenta terceiro livro de poesia

[dropcap]É[/dropcap]já esta quinta-feira, dia 28, que Carlos Frota, professor na Universidade de São José (USJ) e ex-diplomata, lança o seu terceiro livro de poesia.

A obra, intitulada “A culpa é das estrelas” será apresentada na Fundação Rui Cunha e terá a presença de José Rocha Dinis, administrador do Jornal Tribuna de Macau, José Manuel Simões, também docente na USJ, e de Fernando Sales Lopes, historiador.

A sessão irá também incluir uma leitura de alguns poemas por parte de Fernando Sales Lopes. Carlos Frota foi o primeiro cônsul-geral de Portugal na RAEM, além de ter sido embaixador português na Coreia do Sul e na Indonésia. A primeira vez que se embrenhou no mundo da poesia foi em 1998, quando lançou, no Clube Militar, a obra “O Chão das Raízes”.

Arquitectura | Manuel Graça Dias morreu aos 66 anos

Após luta contra um cancro no pâncreas, o arquitecto Manuel Graça Dias faleceu ontem no Hospital da Cuf, em Lisboa. Macau foi a cidade que o viu nascer para a arquitectura, enquanto colaborador de Manuel Vicente. Parte uma figura incontornável na forma como se pensam as cidades, um homem do seu tempo e um comunicador nato

Com agência Lusa

 

[dropcap]N[/dropcap]o dia em que fazia 66 anos, Manuel Graça Dias faleceu depois de uma luta inglória contra o cancro. O arquitecto que começou a carreira em Macau, ao lado de Manuel Vicente, deixou no território uma marca indelével, não só profissionalmente, mas também como pessoa.

“Era uma figura muito interessante por ser tão profundamente pós-moderno e representar uma contemporaneidade na maneira de perceber e de estar na vida e isso reflectia-se muito na sua arquitectura”, recorda o colega de profissão Rui Leão.

A ideia de um homem que marcou gerações é partilhada pelo também arquitecto Carlos Marreiros. “O Manuel Graça Dias era um arquitecto muito completo. A par do gosto pelo projecto, desenho e obra, ele teorizava muito, levantava questões, experimentava e dava uma dimensão muito criativa”, comenta.

Manuel Graça Dias nasceu em Lisboa, e licenciou-se em arquitectura em 1977 pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, iniciando-se, profissionalmente, no ano seguinte, como colaborador do arquitecto Manuel Vicente, em Macau.

Foi assistente da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (1985-1996) e professor auxiliar da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (1997-2015), onde se doutorou com a tese “Depois da cidade viária” (2009). Era actualmente professor associado da mesma faculdade e professor catedrático convidado do Departamento de Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa, desde 1998, que também dirigiu, entre 2000 e 2004.

Grande comunicador

Criou, em 1990, em Lisboa, onde vivia e trabalhava, o ateliê Contemporânea, com Egas José Vieira. Manuel Graça Dias e Egas José Vieira propuseram uma abordagem aberta ao edifício do Teatro Luís de Camões, inaugurado em 1880 e que a Câmara de Lisboa reabriu, renovado, no dia 1 de Junho do ano passado, com a designação de LU.CA, especialmente direccionado para a programação infanto-juvenil.

A casa que recuperou em 1979, no bairro lisboeta da Graça, com António Marques Miguel, recebeu a Menção Honrosa Valmor/1983.

Obteve, ainda, o 1.º lugar no concurso para o Pavilhão de Portugal na Expo’92 em Sevilha, no sul de Espanha, bem como o 1.º lugar no concurso para a construção da nova sede da Ordem dos Arquitectos, nos antigos Banhos de S. Paulo, ambos com Egas José Vieira.

Foi também autor de artigos de crítica e divulgação de arquitectura em jornais e revistas da especialidade e, segundo a Universidade do Porto, era “solicitado para um vasto número de conferências, quer em Portugal quer no estrangeiro”. Graça Dias foi ainda autor do programa quinzenal “Ver Artes/Arquitectura” na RTP2 entre 1992 e 1996 e colaborador da rádio TSF e do semanário Expresso na área da crítica de arquitectura (2001/2006).

Esta valência de comunicador é destacada por Carlos Marreiros, que entende que o legado de Manuel Graça Dias ultrapassa o lado profissional. “Além da formação de muitos arquitectos portugueses enquanto professor universitário, tinha uma dimensão de educador. Escrevia para o grande público e partilhava ideias com uma audiência mais vasta”, elucida.

Obra por cá

Enquanto colaborador de Manuel Vicente, Manuel Graça Dias participou em projectos residenciais locais marcantes como as Torres da Barra e o Edifício 1980. Além de projectos arquitectónicos, assinou com Helena Rezende e Manuel Vicente o livro “Macau Glória – A Glória do Vulgar / The Glory of Trivia”, editado pelo Instituto Cultural em 1991. “É um grande contributo a nível de documentação e do desenho, é um trabalho muito importante que ele deixa para Macau”, comenta Rui Leão.

Na sua bibliografia consta ainda “Vida Moderna” (1992), “Ao volante pela cidade: 10 entrevistas de arquitectura” (1999), “O homem que gostava de cidades” (2001), “Arte, arquitectura e Cidade: A propósito de ‘Lisboa Monumental’ de Fialho de Almeida” (2011), e “Aldeia da Estrela: Sociologia e arquitectura ao serviço de uma população”, com Rodrigo Rosa e Egas José Vieira, (2015), entre outros.

Manuel Graça Dias foi também director do Jornal Arquitectos entre 2009 e 2012, assumiu a direcção da Ordem dos Arquitectos de 2000 a 2004 e, entre outras funções, foi comissário da representação portuguesa à VIII Bienal de Arquitectura de São Paulo (2009); com Ana Vaz Milheiro, da exposição “Sul África/Brasil”, para a Trienal de Lisboa/2010, tendo sido ainda Presidente da Secção Portuguesa da Association Internacional des Critiques d’Art, SP/AICA (2008-2012).

Enquanto pessoa, tinha “grande presença de espírito, um sentido de humor incrível que conseguia criar alegria no colectivo, era muito provocador e comunicativo”, revela Rui Leão acrescentando que Graça Dias era uma figura dotada de um entusiasmo contagiante.

Manuel Graça Dias tem trabalhos construídos em Almada, Braga, Chaves, Guimarães, Lisboa, Porto, Vila Real, Madrid, Sevilha e Frankfurt, e foi co-autor do “Estudo de Reconversão Urbana do Estaleiro da Lisnave”, em Cacilhas, no concelho de Almada.

O Teatro Municipal de Almada (Teatro Azul, 1998-2005), que projectou com Egas José Vieira e Gonçalo Afonso Dias, foi nomeado para o Prémio Secil/2007, para o Prémio Mies van der Rohe/2007 e para o Prémio Aga Khan, 2008/2010. Manuel Graça Dias e Egas José Vieira ganharam o Prémio AICA/Ministério da Cultura de Arquitectura, de 1999, pelo conjunto da sua obra construída.

Em 2006, foi agraciado, pelo então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, com a Ordem do Infante D. Henrique (grau comendador).

Sarampo | Número de trabalhadores infectados no Kiang Wu sobe para oito

As infecções de sarampo de pessoal médico no Hospital Kiang Wu subiram para oito. Os Serviços de Saúde não dizem nem “sim” nem “não” sobre uma possível investigação à unidade hospitalar ligada à família do Chefe do Executivo

 

[dropcap]O[/dropcap]número de trabalhadores do Hospital Kiang Wu infectados com sarampo disparou para oito, depois de ter sido anunciado que dois enfermeiros e um outro funcionário estão também infectados. A revelação do contágio dos dois enfermeiros foi feita, no domingo, depois das 23h, pelos Serviços de Saúde de Macau, através de comunicado. Entretanto, já ontem, foi anunciado mais um caso de um outro trabalhador infectado, elevando assim para oito o número de ocorrências naquela unidade hospitalar.

A infecção colectiva, como lhe chamou o director dos Serviços de Saúde (SSM), Lei Chin Ion, no domingo, em declarações citadas pelo canal chinês da Rádio Macau, surgiu após o hospital ter recebido um caso importado. O doente inicial recuperou, mas a médica responsável pelo tratamento no Hospital Kiang Wu acabou infectada.

A partir da primeira infecção entre o pessoal da instituição, o número de casos não parou de subir. Segundo as últimas informações, os infectados mais recentes são três trabalhadores com 25, 26 e 29 anos de idade. “Ambos trabalharam na noite de 7 de Março e prestaram serviço na enfermaria onde se encontrava internado um paciente com sarampo importado”, pode ler-se no comunicado de domingo, numa referência aos dois enfermeiros infectados. Uma situação semelhante ocorreu com o caso do outro trabalhador, ontem revelado.

Com estes dois casos, o número de enfermeiros infectados no Kiang Wu subiu para um total de três. A estes juntam-se três médicos, um auxiliar de enfermagem e ainda um outro trabalhador, totalizando assim oito casos.

Ontem, o HM questionou os Serviços de Saúde sobre a possibilidade de se iniciar uma investigação a este caso [de infecção colectiva no hospital] e se estaríamos perante um cenário que mostra a falta de preparação do Kiang Wu para lidar com doenças infecciosas.

No entanto, na resposta, nem uma única vez é abordado o hospital ligado à família do Chefe do Executivo. Não se diz nem “sim” nem “não” à eventualidade de uma investigação. Apenas é explicado que, para os SSM, “as infecções de Sarampo são difíceis de suster devido à elevada contagiosidade do vírus”. Acrescentam ainda que esse alto grau de contagiosidade do vírus “é uma das razões da inevitabilidade das infecções dos profissionais de saúde”.

Saúde não ameaçada

Apesar da “inevitabilidade das infecções dos profissionais de saúde”, é garantido pelos serviços que a saúde pública não está ameaçada. “A taxa de mortalidade infecciosa por sarampo é muito baixa e a sua nocividade não é tão forte como o SARS ou o Síndrome Respiratória do Oriente Médio. Há uma forte possibilidade de ocorrerem mais situações idênticas no futuro. Não há razões para alarme ou para que as pessoas fiquem preocupadas”, é indicado.

Anteriormente, a 20 de Março, quando foi anunciado o primeiro caso na instituição, o chefe do Centro de Prevenção e Controlo da Doença dos Serviços de Saúde de Macau (SSM), Lam Chong, já tinha sido confrontado com a mesma pergunta. Na altura, também não respondeu afirmativamente nem negativamente e limitou-se a dizer que iria haver mais campanhas de promoção. A resposta fornecida ontem pelos SSM seguiu uma linha similar. “Há cada vez mais casos de sarampo importado. Por isso, vamos sensibilizar os médicos das urgências, de clínica geral, internos, entre outros para os cuidados”, afirmou. “São acções que também vão ser feitas nos centros de saúde e hospitais diurnos”, acrescentam os SSM.

Na mesma ocasião foi ainda explicado que 106 pessoas tinham entrado em contacto com a médica e que estavam a ser acompanhadas. À luz desta informação, e depois dos desenvolvimentos, não é de excluir que sejam revelados mais casos nos próximos dias.
Até ontem, estavam registadas em Macau 20 ocorrências de infecções com sarampo. Entre estas, 8 dizem respeito a trabalhadores do Kiang Wu, e outras 3 são referentes a pacientes que frequentaram as instalações do hospital.