Diogo Coutinho Docem assassinado

[dropcap]E[/dropcap]screver sobre a estadia em Macau do Governador Diogo Coutinho Docem é um exercício bastante difícil devido às confusões dos historiadores sobre a personagem aqui assassinada, assim como os intervenientes e as suas razões. D. Diogo viera para a Ásia com o seu pai Francisco Coutinho Docem, que fora nomeado Governador de Macau a 24 de Maio de 1634 com a promessa verbal do Rei Filipe III de ser Vice-rei da Índia se desempenhasse bem o cargo.

Partiram a 13 de Abril de 1635 na armada que trazia para a Índia o Vice-Rei Pedro da Silva (1635-39) e chegaram a Goa a 8 de Dezembro. Aí, D. Francisco cedeu o cargo a Domingos da Câmara de Noronha, que a 29 de Abril 1636 rumou para Macau onde aportou em Agosto, ficando a governar até 1638, substituindo o irmão Manuel, Governador de Macau de 1631 a 1636.

Já D. Francisco Coutinho Docem morreu a 2 de Junho de 1636 num combate naval nocturno contra os holandeses no porto de Malaca. D. Diogo, que o acompanhava nessa altura, ficou Capitão da Fortaleza de Malaca de 1636 a 1639, mas incompatibilizou-se com Luís de Sousa Chichorro, que à data exercia o cargo de comandante naval de Malaca e como tal lhe estava subordinado. O diferendo provocou a morte a 70 portugueses e deixou Malaca ainda mais vulnerável, que cairia nas mãos dos holandeses a 14 de Janeiro de 1641, sendo Chichorro na altura e desde 1640 Capitão da Fortaleza. Diogo Docem em 1640 vai transferido para Negapatão no Sri Lanca, donde socorreu Colombo com mantimentos, então também ameaçada pela armada holandesa. Após a queda de Malaca, Docem foi preso em Goa onde aguardou pelo veredicto do Rei sobre a sua culpabilidade nas desavenças, sendo em 1643 libertado por não haver provas concretas e nada se deve ter apurado pois em 1646 foi D. Diogo nomeado pelo Vice-Rei D. Filipe Mascarenhas para o cargo de governador de Macau, na altura com grandes e difíceis problemas para resolver e nada apetecível pois não dava grandes proveitos.

Dos antecedentes

Ainda antes da chegada da Dinastia Qing à China, já Macau se encontrava numa posição extremamente difícil. Deixara de poder contar com os lucros fabulosos auferidos do comércio com o Japão, pois os portugueses tinham daí sido expulsos definitivamente por um édito publicado em 1639. Os navios da Companhia Britânica das Índias Orientais apareciam no porto de Macau para adquirirem os produtos chineses, sendo a nau London a primeira a chegar em 1635 fretada pelo Vice-rei da Índia para carregar artilharia da fundação de Bocarro. Com a conquista de Malaca, o estreito com o nome da cidade passou a estar controlado pelos holandeses, impedindo aos barcos vindos de Goa a entrada no Oceano Pacífico, pois dominavam também desde 1602 o Estreito de Sunda. A Macau restava o comércio com Macassar e as ilhas de Timor, Solor e Flores.

O Rei Filipe III banira em 1634 o comércio entre Macau e Manila, mas este continuou até 1642, quando de facto terminou devido à Restauração da Independência de Portugal em relação a Espanha iniciada a 1 de Dezembro de 1640. Macau apenas dela soube oficialmente a 31 de Maio de 1642 por António Fialho Ferreira, que viera de Lisboa à Cidade do Nome de Deus para o anunciar em nome do novo rei. Como durante todo o período filipino, a praça de Macau tivera sempre hasteada a bandeira portuguesa, foi em 1642 conferido à cidade o título de “Não Há Outra Mais Leal”. O então Governador de Macau D. Sebastião Lobo da Silveira (1638-1644), apesar de endividado pela falta de viagens ao Japão e a viver de empréstimos feitos pelos moradores, para a “aclamação de D. João IV fizera enormes despesas e para se compensar, lançou mão dos soldos do presídio, que montavam a 1200 patacas mensais. Os soldados, vendo-se sem dinheiro, abandonaram os seus postos, deixando indefesas as fortalezas e revoltaram-se”, segundo o padre Manuel Teixeira.

Outros problemas ocorridos durante a governação de Sebastião Lobo da Silveira, nomeado pelo Rei Filipe IV de Espanha, foram resolvidos pelo seu sucessor Luís de Carvalho e Sousa, indicado em 1643 Governador de Macau da confiança de D. João IV (1640-56), mas só aqui tomou posse do cargo em Agosto de 1645.

Governador assassinado

Na frota que levava ao Japão o Embaixador Gonçalo de Siqueira de Sousa veio D. Diogo Coutinho Docem como Governador de Macau. Partiram de Goa a 30 de Abril de 1646 e em Malaca, por estar já em vigor uma trégua, pagaram aos holandeses direitos de 200 patacas por cada galeão, aportando em Macau a 24 de Junho. Desembarcou no dia seguinte D. Diogo, tomando então posse do Governo.

A cidade vivia em verdadeiro estado de guerra civil. Em Outubro de 1646, “os soldados, com soldo em atraso, envolveram-se em desordem com os donos das lojas chinesas. O mandarim de Chinsam mandou fechar as Portas do Cerco, impedindo a vinda das provisões e veio a Macau exigir satisfações; . Pouco depois, veio uma chinesa a vender comestíveis a Macau e os soldados roubaram-lhos, usando de violência. Com estas desordens por falta de pagamentos e penúria da cidade, se pôs alguma artilharia em venda”, segundo o Padre Manuel Teixeira, que refere ter em Novembro D. Diogo Coutinho solicitado “a ajuda da frota chinesa, pois Macau via-se cercado de piratas que faziam encarecer os mantimentos; quando se queria proceder contra eles, logo tirava o entendimento aos moradores, para não concordarem nem efectuarem nada de bom em sua defesa. Só confiava no auxílio de Deus e do Rei; pedindo a D. Filipe Mascarenhas que enviasse uma frota com dinheiro para 500 homens, sendo necessário em Macau um presídio pelo menos de 300. De 480 portugueses casados que havia antes, faltava a terça parte; ficaram apenas 160 homens, tendo os homens saído para outras partes, levados pela fome; a terça parte dos que restavam eram velhos e incapazes para as armas. Sem armada não se podia defender Macau. A cidade via-se rodeada de inimigos; piratas no mar, holandeses sobre ela e os espanhóis de Manila. D. Diogo (…) queixava-se ainda dos jesuítas, conhecidos por suas traças, quando entendiam que eram .” Já C. R. Boxer refere, “Parece que a guarnição se amotinou contra ele e contra o Senado, por terem os soldos em atraso. Os soldados tomaram o Forte da Guia, afixaram proclamações sediciosas nas portas das igrejas e apontaram os canhões para o Leal Senado. Os cidadãos, por seu turno, tomaram armas, assaltaram o Palácio do Governo e fizeram em postas o malogrado capitão-geral, que encontraram escondido debaixo da escada.”

Deu-se isto nos finais de 1647 e os amotinados, que reagiram violentamente contra a ordem de prisão, eram Jacinto Guterres, Lourenço Meneses Cordeiro, António da Costa Benúchio, João da Costa Benúchio e Diogo Vaz Bavaro.

Foi este o único assassinato em toda a história de Macau perpetrado por portugueses na pessoa dum governador.

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