Zhao Ziyang, o líder que aceitou dialogar com Tiananmen, foi preso e ostracizado

João Pimenta, da agência Lusa 

 

[dropcap]O[/dropcap] único alto quadro do regime chinês que há três décadas dialogou com os estudantes que lideravam o movimento pró-democracia da Praça Tiananmen acabou votado ao ostracismo, passando os últimos anos de vida em vigilância domiciliária.

Os trágicos acontecimentos ocorridos na noite de 3 para 4 de Junho de 1989 ditaram o destino do então secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC) Zhao Ziyang e puseram fim à esperança de qualquer reforma política no país.

Iniciado por estudantes da Universidade de Pequim, o movimento pró-democracia da Praça Tiananmen foi esmagado pelos tanques do exército, ao fim de sete semanas de protestos.

Em meados de Abril, o luto pela morte de Hu Yaobang, defensor de uma maior liberalização na China, mas afastado da cúpula do Partido Comunista por “falta de firmeza face ao liberalismo burguês”, tornou-se rapidamente num protesto político.

Entre os estudantes, que começaram por exigir a “reabilitação” de Hu e o reconhecimento do seu trabalho reformista, começou-se também a gritar “Abaixo a ditadura”, “Viva a democracia e a ciência”.

A contestação estudantil alastrou-se a toda a sociedade chinesa e, em meados de maio, o Governo decretou a lei marcial em Pequim. Durante os protestos, Zhao abriu canais de diálogo directo entre os estudantes e o Governo, visando direccionar a China no que considerava “um rumo assente na democracia e num Estado de direito”.

O então secretário-geral do PCC, que morreu em 2005, ordenou uma cobertura jornalística das manifestações estudantis com inédita abertura, e pôs em andamento várias reformas legislativas, visando reformar a imprensa ou o ensino.

Após o Governo ter decretado a lei marcial, e sentindo que a facção mais ortodoxa do partido estava a ganhar vantagem, Zhao deslocou-se a Tiananmen para implorar aos estudantes que saíssem, se salvassem e negociassem com o Partido. “Nós já somos velhos, já não contamos”, disse-lhes.

Mas Zhao Ziyang acabou apagado da história chinesa por acções que o partido considerou terem sido “graves erros”. A China, que passou os últimos trinta anos a tentar apagar o 4 de Junho da memória colectiva, é hoje a segunda maior economia do mundo e principal potência comercial do planeta, tendo-se convertido num ‘player’ capaz de disputar a liderança global com os Estados Unidos.

O contrato social selado entre o Partido Comunista e o povo chinês é claro: o partido mantém uma autoridade indisputada e os privilégios da elite dominante e, em troca, assegura o crescimento económico, melhoria dos padrões de vida e elevação do estatuto global do país.

Mas Pequim terá abdicado de aplicar o que Zhao considera o “maior teste” ao socialismo: a abertura política. O seu objectivo era transformar a China num Estado moderno, democrático e socialista até ao ano 2000.

Desde que assumiu a liderança da China, em 2013, o actual Presidente chinês, Xi Jinping, tornou-se o centro da política chinesa e é hoje considerado um dos líderes mais fortes na história da República Popular, comparável ao seu fundador, Mao Zedong.

No ano passado, Xi conseguiu abolir o limite de mandatos para o seu cargo, criar um organismo com poder equivalente ao do executivo, para supervisionar a aplicação das suas políticas, e promover aliados a posições chave do regime.

Sob a sua direcção, a China tem reduzido liberdades na sociedade civil, meios académicos ou Internet. Entre uma sociedade cada vez mais próspera e instruída, o regresso a um poder mais centralizado e autoritário não será bem aceite, mas o país está hoje a desenvolver e testar tecnologia para identificar e vigiar potencias dissidentes, criando uma espécie de jaula virtual suportada pela inteligência artificial, câmaras com reconhecimento facial ou a análise de dados massivos (‘Big Data’).

“Em 1989, o regime foi apanhado de surpresa”, explica Louisa Lim, autora do livro “The People’s Republic of Amnesia: Tiananmen Revisited”, à Lusa, “mas não pretende cometer o mesmo erro duas vezes”.

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