UDDM | Percurso de uma associação que insiste em manter a história viva

A União de Macau para o Desenvolvimento da Democracia surgiu em Macau no seguimento do massacre de Tiananmen, guiada pelo objectivo de manter vivo o conhecimento desse evento histórico. Inicialmente, a sociedade local apoiou o movimento democrático dos estudantes de Pequim, mas o discurso de Deng Xiaoping a 9 de Junho foi um ponto de viragem, e membros da associação sujeitaram-se a agressões e perdas de emprego. Ainda assim, o luto continuou

 

[dropcap]H[/dropcap]á 31 anos, um massacre pôs fim aos protestos de milhares de estudantes que estavam reunidos na Praça de Tiananmen em Pequim, a pedir um Governo mais aberto e democrático. Em Macau, a memória do evento é preservada com uma vigília anual, organizada pela União de Macau para o Desenvolvimento da Democracia (UDDM), uma associação que surge em Boletim Oficial em 1991.

Na altura, apresentou-se como uma associação cívica que tinha por finalidade essencial a promoção da democracia e do progresso social, cultural e económico em Macau, sem fins lucrativos. A actividade em que se veio a focar foi a vigília em memória do massacre de Tiananmen – do qual hoje se assinala o 31º aniversário.

Quando, na semana passada, a UDDM realizou uma conferência de imprensa sobre a adaptação da vigília para formato de internet, o espaço da sede estava preenchido por cadeiras, mas um mural junto à entrada dava pistas sobre as orientações políticas seguidas ao longo dos anos. Aí se encontravam recortes e informações sobre a Associação Novo Macau Democrático, a lista Associação do Próspero Macau Democrático, fotografias de encontros, e desenhos sobre Tiananmen. Entre o conteúdo político da parede, de onde se podem ler frases como “China tem democracia”, “Macau tem liberdade”, ou “luta pela concretização da educação grátis e universal em breve”, era também visível um elemento religioso: a imagem de Nossa Senhora e os três pastorinhos.

Mas qual o contexto em que surgiu? Paul Chan Wai Chi explicou ao HM que, devido ao movimento estudantil entre 1986 e 1988 na China Continental e à atmosfera social de então, havia um grupo de pessoas em Macau que tinha entusiasmo em debater o desenvolvimento político da China. Em 1989, com o 70º aniversário do movimento do Quatro de Maio, este grupo organizou a “noite de recordação do Quatro de Maio”.

Esse ano coincidiu com o falecimento de Hu Yaobang e o movimento democrático emergia na China Continental. “Quando a 10 de Maio, Li Peng anunciou a lei marcial em Pequim, este grupo de pessoas enviou uma carta a um jornal para expressar o seu descontentamento”, disse. Mais tarde, quem participou na assinatura da carta e no evento dessa noite veio a organizar a UDDM.

Au Kam San, um dos fundadores, explicou que criou a UDDM juntamente com Ng Kuok Cheong, Tong Ka Io, e mais cerca de 20 a 30 pessoas. Foi precisamente o resultado da reorganização do grupo de jovens que em Maio de 1989 constituía a União para Apoio ao Movimento Estudantil de Pequim, a qual realizou várias manifestações. Uma restruturação que se seguiu ao massacre de Tiananmen.

“Considerávamos que embora o movimento democrático em Pequim fosse suprimido, continuávamos a apoiar os movimentos democráticos na China Continental, ao mesmo tempo que impulsionávamos o desenvolvimento democrático do território”, disse Au Kam San.

Vozes de urgência

Sobre a receptividade da população à criação desta associação, Paul Chan Wai Chi recordou que “no início do estabelecimento da UDDM, pessoas dos vários sectores de Macau e associações também estavam favoráveis ao movimento democrático de Pequim, denunciavam o mascare de Tiananmen, por isso as actividades da UDDM eram favorecidas pela população”.

Imagens de jornais locais revelam que houve um apoio alargado ao movimento democrático. A Associação Geral das Mulheres defendia a valorização das crianças e da nova geração, num anúncio em que apela ao “reconhecimento do movimento estudantil em Pequim como um movimento democrático à Pátria”, ao “desarmamento” e à revogação da lei marcial. O sexto ponto da associação pedia para o movimento ser tratado de forma pacífica e democrática.

A Federação das Associações dos Operários de Macau também publicou um aviso urgente, em que se pode ler como pedia para os estudantes e cidadãos não serem suprimidos de forma violenta, a par de “revogar imediadamente a lei marcial, libertar imediatamente bloqueio de notícias”. Nos pontos enunciados defende-se também que estava em causa um “movimento democrático à Pátria”.

Preocupada com a “supressão” do movimento estudantil estava também a União Geral das Associações dos Moradores de Macau. “O movimento estudantil em Pequim é um movimento democrático à pátria, não é uma rebelião, deve ser reconhecido”, publicou, acrescentando que “não se pode suprimir de forma violenta os estudantes e cidadãos de Pequim”. Assim, pedia a organização de uma reunião do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional de forma a resolver o problema. O jornal Ou Mun noticiou que cerca de 200 mil pessoas se manifestaram em Macau no contra a violência.

Inversão de marcha

De acordo com o ex-deputado Paul Chan Wai Chi, o campo pró-estabelecimento de Macau começou a expressar uma opinião inversa e a apoiar o Governo Central depois do discurso de Deng Xiaoping, a 9 de Junho. “A UDDM tornava-se gradualmente uma organização de recordar o massacre de Tiananmen e luta pela democracia da China Continental, a imagem era aceite no geral pelas individualidades sociais”, descreveu.

Au Kam San explicou que com o discurso de Deng Xiaoping a confirmar o movimento como rebelião anti-reforma “outras associações que participaram desapareceram”. Indicou que restaram a UDDM, que organizava actividades sociais, e um grupo estudantil da Universidade da Ásia Oriental (a predecessora da Universidade de Macau) que dava atenção ao movimento de Pequim e era tão activo naquela altura que enviava dinheiro para a China Continental.

Quanto à posição da administração portuguesa de Macau, era “aparentemente neutra”, como forma de evitar ofensivas da parte chinesa e críticas de grupos políticos portugueses, observou Paul Chan Wai Chi. Assim sendo, assumia uma postura liberal relativamente à UDDM: podia existir enquanto não causasse conflitos violentos. A violência veio a registar-se no sentido inverso.

“No fim de Agosto de 1989, o líder deste grupo estudantil (da Universidade da Ásia Oriental), Nip Kuok Soi, foi agredido na rua. Depois deste caso, o grupo anunciou o fim das suas actividades. “A 30 de Setembro de 1989, ou madrugada de 1 de Outubro, eu fui agredido com Tong Ka Io, que estava comigo. Eu era o porta-voz da UDD naquele momento”, relatou Au Kam San. No seu entender, estes foram casos “óbvios” pela focalização em dois grupos que apoiavam o movimento estudantil de Pequim.

Apesar da agressão, comprometeu-se a insistir na sua posição política e garante que nunca recuou. “Ter havido pessoas a tratarem-nos através da violência, só mostrou que não tinham justificações razoáveis”, argumentou.

A sensibilidade política em Macau traduziu-se em mais formas de pressão contra quem integrou a UDDM. “Antes da transferência, muitos membros sofreram muito stress. Por exemplo, Ng Kuok Cheong era gerente do Banco da China e foi forçado a demitir-se, eu era professor da Escola Ilha Verde e fui despedido pela participação nas actividades da UDDM, e outros membros sofreram situações semelhantes, por isso começaram a aparecer poucas vezes e não há muito pessoal”, explicou.

Velas desfocadas

“Às vezes proferimos declarações sobre violação de liberdades ou de direitos humanos na China Continental, mas o nosso trabalho foca-se na actividade memorial de 4 de Junho”, reconheceu Au Kam San. Também Eilo Yu descreve o objectivo da associação de forma simples: “só querem relembrar as pessoas e educar as gerações mais novas sobre o que aconteceu em Pequim em 1989”, remetendo o papel de reforma política para outras organizações.

O académico observou que as autoridades portuguesas “toleravam a sobrevivência” da associação e depois da transferência de soberania a vigília continuou. No entanto, lembrou que a dada altura o Governo deixou de dar electricidade aos organizadores para o evento, que passaram a ter de arranjar a sua própria fonte de energia.

Na óptica de Camões Tam, tanto as pessoas de Macau como a maioria das da China Continental “não se importam com o massacre de Tiananmen”, referindo que esqueceram o caso, e que as que se lembram consideram que sem esta opressão a China não se teria desenvolvido economicamente tão depressa. Para além disso, explicou que “a maioria das pessoas de Macau não pensa que a democracia tenha alguma relação com a vida normal”, frisando que durante os últimos 16 anos Macau cresceu economicamente.

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