Magistratura | Curso de formação pode abrir ainda este ano Salomé Fernandes - 27 Mai 2020 Quando a alteração ao regime do curso e estágio de formação para ingresso na magistratura for aprovada, o Governo pretende abrir um curso. Segundo André Cheong, a formação dos novos magistrados pode começar já este ano [dropcap]O[/dropcap] Executivo planeia abrir um curso para formação de magistrados assim que for aprovada a proposta de alteração ao regime do curso e estágio de formação para ingresso nas magistraturas judicial e do Ministério Público, bem como outro regulamento administrativo que vai ser revisto. “Logo que tenha esses dois diplomas feitos vamos abrir um novo concurso para formação dos magistrados”, disse André Cheong, secretário para a Administração e Justiça. O curso poderá abrir ainda este ano. As declarações foram feitas à margem da reunião de ontem com a 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, que está a discutir a proposta de lei. De acordo com o presidente da comissão, o deputado Chan Chak Mo, “os trabalhos estão a decorrer sem sobressaltos”. O foco da reunião de ontem foram os requisitos de candidatura para admissão ao curso e estágio. “O Governo explicou claramente a sua ideia, quer tornar mais rigorosos os requisitos de candidatura. (…) Quer rigor na qualidade e não na quantidade”, disse Chan Chak Mo. Entre os requisitos conta-se a necessidade de experiência profissional de dois anos. Alguns deputados perguntaram se, no caso desta experiência ser relacionada com a área do Direito se podia encurtar o prazo requerido, ou alongar caso seja noutras vertentes. No entanto, “o Governo disse que não é necessário aplicar esta distinção”, explicou o presidente da Comissão. Entrevista afecta classificação Quanto à entrevista profissional, passo novo que não vai ter carácter eliminatório, Chan Chak Mo explicou que “vai afectar a posição do candidato no ranking, mas não vai resultar na sua exclusão”. O presidente da Comissão explicou ainda que neste momento há cinco juízes contratados no estrangeiro. O Governo não deu uma resposta definitiva sobre a possibilidade de contratar magistrados de Portugal que estejam a desempenhar essa função, “mas disse que se houver necessidade vai contratar”. Recorde-se que no relatório de trabalho referente a 2019 o Ministério Público se focou na abertura do curso e estágio de formação para solucionar a falta de recursos humanos, não fazendo menção ao recrutamento de magistrados portugueses. Por outro lado, aos indivíduos que pretendam ser promovidos em comissão de serviço, passam a ser precisos 10 anos de serviço efectivo na RAEM, em vez de cinco, num trabalho que exija licenciatura em Direito. Chan Chak Mo explicou que o Governo quer manter esta flexibilidade “para não afastar futuros talentos”. Desde a transferência de soberania só cinco pessoas foram promovidas ao abrigo deste mecanismo.
Uma vida cheia Andreia Sofia Silva - 27 Mai 2020 [dropcap]A[/dropcap]ntes de partir para Macau, em 2011, celebrei o meu 23º aniversário em Portugal. À mesa do almoço, um primo meu disse-me que eu ia para a terra do Stanley Ho. Nunca tinha ouvido falar de tal nome, até que ele me disse que era um importante empresário do jogo. Chegada a Macau, estagiária, depressa percebi a sua importância. Tinha uma rua com o seu nome, mas a sua influência estendia-se a quase todo o território. Stanley Ho não se limitou a ser empresário na área do jogo mas fez também muito pela sua cidade com vários investimentos públicos, além de sempre ter tido uma inegável importância para o poder político local. Mas queria destacar a especial relação que sempre teve com os portugueses e com Portugal, uma relação de inteligência e de compreensão, o que levou os seus parceiros de negócios e empresas a manterem sempre uma ligação com aquilo que é português. Quem não se recorda do casino Grand Lisboa com as cores da bandeira portuguesa no 10 de Junho? E o donativo de 65 milhões de patacas da Sociedade de Jogos de Macau à Fundação Escola Portuguesa de Macau? E a presença de Stanley Ho em Portugal através do grupo Estoril-sol SGPS e da relação com a zona do Estoril? Stanley Ho nunca esteve divorciado do território que o acolheu, bem pelo contrário. Abraçou-o e compreendeu-o, movendo-se bem no meio dos seus interesses e vicissitudes. Percebeu a importância da relação com a comunidade portuguesa e com Portugal muito mais do que certos políticos. Partiu ontem, aos 98 anos, depois de uma vida longa e preenchida.
Não ponham gelados na vagina Tânia dos Santos - 27 Mai 2020 [dropcap]N[/dropcap]ão encontro quem confirme que colocar gelados na vagina é um método eficaz para se refrescar num dia de calor, mas tenho visto muitas fontes a pedirem às vaginas que evitem encontros com natas geladas. Claro que com estes avisos vem um mar de explicações, por pessoas de grande autoridade no tema, reforçando que a ideia é péssima: e é. Os gelados têm açúcar, têm corantes, têm tanta coisa que destroem a fantástica homeostasia da saúde da vagina, com o seu pH e flora perfeitos. De onde virá tamanha parvoíce? Da desinformação ou de falhas graves de lógica? Comer um gelado faz-nos sentir mais refrescados, por isso, porque não experimentar inserir este pedaço de refresco em outro lugar? Não sei. A desinformação já é amplamente discutida desde 2016, quando um suposto candidato a presidente conseguiu chegar ao cargo presidencial. Tudo com a ajuda de notícias falsas que alimentavam câmaras de ressonância opinativa – onde aquilo em que se acreditava era mantido, repetido e disseminado. Em tempos de covid-19 tem-se visto por aí muita informação falsa que se faz passar por informação legitima de como mitigar esta pandemia. Até o dirigente da ONU já veio alertar que o problema não é só de um vírus, é o da infodemia de desinformação. Achar que colocar gelados na vagina pode refrescar ou achar que consumir desinfectante é uma forma eficaz de se proteger do coronavírus resultam de processos bastante semelhantes. A literatura é vasta no estudo da desinformação e na probabilidade em alguém acreditar e partilhar conteúdos falsos. A maior parte deles estuda o perfil das pessoas, se são mais liberais ou conservadores, educados, novos ou velhos e presença de alguns traços de personalidade. A resposta não é simples. Não há um perfil concreto, mas a investigação tem mostrado que a educação pode não influenciar, e que a ideologia política pode ajudar se combinada com outras características. Outros teóricos têm olhado para a forma como o descontentamento no mundo tem fomentado a desconfiança nas instituições e na ciência. Daí vem a dificuldade em olhar para informação de forma crítica, porque resulta num natural alinhamento de crenças já pré-existentes, agora reforçadas. Eu diria até, antes das redes sociais e das ideias parvas, a desinformação começou logo no sexo. Tanto secretismo e tabu deu azo a mitos ao longo dos tempos. Se as mulheres menstruadas entrassem numa adega estragavam o vinho, é um exemplo. A ciência provou-se útil para desmistificar estas crenças, que são parvas, claro. A ciência tornou-se num recurso importante para perceber o que é real e não é, uma bussola que nos orienta. Mas com isso veio outro perigo: a ciência como único mecanismo capaz de clarificar a realidade, deslegitimando os corpos da sua própria vivência. Temos que combater a desinformação sem nunca esquecer que os espaços de diálogo, discussão, partilha críticos continuam a ser necessários. Sem dogmas ou moralismos. Injectar desinfectante é uma tontice e é extremamente perigoso. Numa altura de pandemia em que há dúvidas, e uma ciência que vai evoluindo na sua imperfeição de perceber umas coisas e ainda não perceber outras, viu-se aqui um terreno fértil para ideias falsas e teorias da conspiração. São precisas soluções consertadas para repudiar esta tendência crescente de acreditar em que tudo o que se diz nas redes sociais nossas conhecidas. São também necessárias formas democráticas de participação no encontro entre a ciência e o nosso dia-a-dia, seja para lidar com uma pandemia, ou para lidar com a nossa sexualidade. De qualquer modo, não coloquem gelados na vagina.
Stanley Ho, o “gentleman” que gostava dos portugueses Andreia Sofia Silva - 27 Mai 2020 Stanley Ho investiu em vários países, mas manteve sempre uma relação especial com Portugal. Presidente do conselho de administração do grupo Estoril-Sol e investidor em outros negócios além do jogo, o empresário é visto como alguém que adorava o nosso país [dropcap]P[/dropcap]residente do conselho de administração do grupo Estoril-Sol, que gere três casinos em Portugal e os hotéis de Sintra e Fortaleza do Guincho, além dos interesses em hotéis de luxo, viagens de helicóptero e corridas de cavalos; e investidor na Portline [vendida em 2015 a um grupo empresarial da Madeira] a pedido de Cavaco Silva, Stanley Ho apostou bastante nos negócios em Portugal e em diversas áreas. Este é um sinal claro da relação especial que sempre teve com os portugueses, também em Macau. Como recorda Fernando Lima, ex-assessor de Cavaco Silva, “ele achava que os portugueses lhe tinham dado sorte e isso era uma coisa que estava sempre presente nele”. A sorte teria vindo desde a assinatura do primeiro contrato de jogo, em 1962. “Ele procurou sempre nunca desiludir os portugueses. Esteve sempre disponível para Macau e Portugal quando começámos aqui a fase das privatizações. Evitou sempre politizar os seus investimentos”, descreveu Fernando Lima, que em 1974 assumiu funções como director do Centro de Informação e Turismo de Macau. Foi nessa qualidade que conheceu pessoalmente Stanley Ho. “Falámos muito bem, ele era uma pessoa muito experiente e eu estava a conhecer Macau e as questões do turismo. Na altura havia uma pequena agência de turismo de um macaense que criava algumas dificuldades, porque procurava roubar-lhes turistas. Foi uma das queixas que me fez. Disse-lhe que, se ele era tão poderoso, porque é que tinha de estar preocupado com uma pequena agência. Disse que não deveria encarar isso como um problema.” Lima recorda ainda o convite feito em 1991, quando Cavaco Silva era primeiro-ministro em Portugal, para Stanley Ho investir na Portline. “Foi sempre uma pessoa disponível para os portugueses e isso pode ser dito por todos os ex-governadores. Há pessoas que achamos que deveriam ser eternas, mas isso não é possível.” O general Garcia Leandro, governador de Macau entre 1974 e 1979, visitou-o pela última vez em Hong Kong em 2011. Estava doente. “A morte dele não é uma surpresa”, confessa ao HM. Garcia Leandro assume ter tido um contacto muito próximo com o empresário quando da negociação do novo contrato de jogo. “Tivemos muitas concordâncias e discordâncias. Eu queria que ele pagasse mais ao Governo, ele queria pagar menos. Ficámos amigos.” “Ele teve sempre um grande cuidado comigo e com a minha mulher, nunca pedimos favores. Um dia disse-me que eu era o segundo homem mais fiel de Macau. E eu perguntei quem era o primeiro. Ele disse-me que era o irmão, mas que tinha medo da mulher”, recorda o ex-governador. As capas de revista Tido como uma pessoa simpática, capaz de relações formais e informais, Stanley Ho não falava português, mas percebia. A sua ligação a Portugal é tão intensa que tem, inclusivamente, uma rua com o seu nome no Estoril, Cascais, onde também opera o casino do grupo Estoril-Sol. Garcia Leandro recorda um homem que andava sempre bem vestido, ao ponto de aparecer sempre nas listas de homens mais bem vestidos de Hong Kong. Já Fernando Lima destaca a sua paixão pelas danças de salão. “O falecimento dele será recordado por muitos portugueses. Ele era um gentleman, muito correcto. Adorava danças de salão, penso que uma das últimas competições de dança de salão no casino Estoril ele participou.” À Lusa, o último governador de Macau, Vasco Rocha Vieira, considerou que o mundo perdeu, com esta morte, um “amigo de Portugal e dos portugueses”. “Recordo um homem inteligente, versátil, agradável no trato, respeitador das suas posições e das suas competências”, disse Rocha Vieira. “Foi uma personalidade de uma época”, esteve “casado com uma portuguesa de Macau e tinha uma relação afectiva com Portugal”, salientou Rocha Vieira. Já os seus filhos, que gerem os negócios, com destaque para Pansy Ho, que tem participação no Casino do Estoril, “não têm a mesma ligação a Portugal e aos portugueses, embora haja uma continuidade das relações económicas”. “São épocas diferentes, relações e ligações afectivas diferentes”, disse. Rocha Vieira recorda que Stanley Ho sabia “estar em cada situação de acordo com aquilo que lhe compete: era um homem com quem se podia jogar ténis e no dia seguinte de manhã estar a discutir assuntos importantes para Macau e Portugal”. Para o último governador de Macau, Stanley Ho foi além do contrato de jogo que lhe deu o monopólio, pois mostrava-se sempre disponível para os pedidos da administração portuguesa. A Portugal cabia o papel de “retirar o melhor proveito desse contrato”, com apoios em várias ordens enquanto para Stanley Ho o objectivo era “explorar as virtualidades do contrato de jogo”, disse. Houve sempre um “respeito mútuo muito grande porque havia um resultado positivo” para as duas partes, numa relação fácil, acrescentou Rocha Vieira.
Stanley Ho, o último rei de Macau Andreia Sofia Silva - 27 Mai 202027 Mai 2020 Partiu Stanley Ho, senhor de várias vidas e “rei de Macau”. Se o Jogo lhe fez a fortuna, quis a nossa sorte que a tivéssemos partilhado. Nunca mais haverá outro como ele [dropcap]N[/dropcap]ascido em Hong Kong a 25 de Novembro de 1921, Stanley Ho Hung-Sun morreu ontem, pelas 13 horas, aos 98 anos no Hong Kong Sanatorium Hospital, depois de 11 anos debilitado por diversos problemas de saúde, provocados por uma queda, que lhe provocou um traumatismo e o fim de uma carreira activa no mundo dos negócios. A família deu a notícia aos media à porta do hospital. Pansy Ho, filha e também empresária, declarou que o fim, apesar de esperado, dói sempre: “Hoje a família de Stanley Ho declara com tristeza que o nosso pai faleceu em paz. Apesar de sabermos que este dia chegaria, isso não diminuiu a nossa tristeza. O nosso pai ficará sempre no nosso coração e penso que todas as pessoas que beneficiaram das suas acções concordarão connosco.” Mais tarde, numa nota enviada às redacções, a família refere a “profunda tristeza pela morte do amado patriarca”, em nome das mulheres que passaram pela sua vida. A primeira, a macaense Clementina Leitão Ho, já falecida e fundamental para o início da carreira de Stanley como empresário em Macau, Lucina Laam King Ying, Ina Chan e Angela Leong, esta última deputada e empresária, ligada à Sociedade de Jogos de Macau (SJM). Stanley Ho partiu “de forma pacífica”, aponta ainda o mesmo comunicado. “As nossas empresas e colegas recordam um líder extraordinário. O dr. Stanley Ho dedicou a sua vida inteira ao serviço da China, Hong Kong e Macau. Ele foi uma figura influente em muitos sectores económicos, tal como o turismo, entretenimento e lazer e imobiliário.” “Foi uma figura maior do que a vida, cuja visão sem paralelo, espírito empreendedor, desenvolto e temerário foram amplamente reconhecidos e respeitados”, salienta o mesmo texto. “Para nós, ele foi e sempre será o nosso modelo inspirador. Passou-nos valores importantes. Ensinou-nos a ver possibilidades em territórios novos e desconhecidos, a abraçar desafios com tenacidade e resiliência, a ser compassivo e empático, a retribuir à sociedade, a apreciar nossa herança cultural e, acima de tudo, a sermos patrióticos no nosso país”, sublinhou a família. Entre as “muitas vitórias que conquistou nos 98 anos de vida, o carisma do Dr. Ho, o seu sentido de humor e o amor pela dança estarão entre as muitas qualidades pelas quais os seus pares se lembrarão dele com carinho”, é ainda referido. “Mas para nós, sua família, o seu legado será o amor incondicional que demonstrou. Embora soubéssemos que esse dia chegaria, nenhuma palavra poderia expressar adequadamente a consciência da nossa perda. A sua falta será sentida por todos os membros da família e por todas as vidas que ele tocou”. A mesma nota recorda ainda que “nos últimos 50 anos o dr. Ho iniciou um desenvolvimento revolucionário do sector do jogo e da indústria do entretenimento em Macau, com o objectivo de diversificar o crescimento em paralelo com avanços a nível social, de infra-estruturas e cultura, injectando em Macau a vitalidade necessária para transformar o território num centro internacional de turismo e lazer”. Como tudo começou Foi a invasão japonesa de Hong Kong que o fez mudar-se para Macau, nos anos 40. Stanley Ho tinha então 19 anos quando para aqui fugiu com apenas dez dólares no bolso. “Se não fossem os portugueses, senão fosse Macau, eu provavelmente estaria hoje morto”, costumava dizer como quem, à boa maneira chinesa, nunca esquecerá o bem que lhe fizeram. Aqui começou a fazer fortuna através da exportação de bens para o interior da China, entre outros negócios. Já para narrar a entrada de Stanley Ho no mundo do jogo teremos de nos situar nos anos 60 e referir o nome da sua primeira mulher, Clementina Leitão, na medida em que o casamento lhe abriu muitas portas. Quando, no início da década de 60, se iniciaram as conversações para a renovação do contrato de jogo, o então concessionário Fu Tak Iam perde a concessão para Stanley Ho, Henry Fok e Teddy Ip, que se chegam à frente com 3,16 milhões de patacas anuais, através da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), empresa que acabou por deter o monopólio do jogo durante 40 anos. O contrato seria assinado a 30 de Março de 1962 no Ministério do Ultramar, em Lisboa, para um período de oito anos, tendo sido sempre renovado ao longo da administração portuguesa. Segundo contou ao HM, em 2018, o historiador Camões Tam, o casamento com Clementina Leitão Ho terá sido um factor importante para a concessão exclusiva do jogo à STDM. “Um assistente demitiu-se da empresa de Fu Tak Iam e convenceu Stanley Ho a cooperar com ele e a concorrer para a obtenção da licença de jogo. E conseguiram. Foram-lhe dados alguns avisos e foram criadas condições, como o estabelecimento de uma rota entre Macau e Hong Kong, a criação de infra-estruturas e a concessão de subsídios para acções de caridade. Stanley Ho oferecia condições mais vantajosas [para a obtenção da licença]”, explicou. Também João Guedes, jornalista ligado à história de Macau, recorda este facto. “Ele [Fu Tak Iam] não vivia cá, vivia em Hong Kong, e por isso é que lhe é retirado o monopólio do jogo, porque ele investia o dinheiro que ganhava aqui em Hong Kong. O Governo português decidiu retirar a concessão e entregá-la a Stanley Ho. Este era casado com uma portuguesa e tinha garantias.” Quando ganha a concessão, em 1962, Stanley Ho investe também em serviços de ferry entre Macau e Hong Kong, o que dinamizou o turismo da região. Os vários investimentos Durante 40 anos, até à liberalização do sector do jogo, Stanley Ho transformou-se num dos homens mais poderosos e importantes para Macau, pois investiu em várias áreas. No livro biográfico sobre Vasco Rocha Vieira, último Governador de Macau, intitulado “A todos os portos a que cheguei”, faz-se referência a muitos projectos, nomeadamente o investimento no Aeroporto Internacional de Macau. No plano de financiamento desta infra-estrutura, inaugurada em 1995, a STDM ocupava 35,81 por cento. O livro faz também referência ao projecto da Torre de Macau, hoje um ex-libris do território. “Na zona do fecho da Baía da Praia Grande, um projecto executado já no tempo de Rocha Vieira, ergue-se a Torre de Macau e o Centro de Convenções, uma ideia de Stanley Ho que, não estando prevista no projecto inicial, viria a receber luz verde do Governador.” Há também espaço para a polémica da injecção de capital da STDM na Fundação Oriente, decretada quando da renovação do contrato de jogo em Setembro de 1986. Stanley Ho fazia parte do conselho de curadores da fundação. “De 1986 a 1997 a STDM terá canalizado para a fundação, a título de patrocínios e dotações anuais, um montante superior a 2 mil milhões de patacas”, lê-se no livro. Essa ligação terminaria a 2 de Setembro de 1992, quando, na hora de Carlos Monjardino discutir um terceiro pacote de antecipação do financiamento, Stanley Ho diz “não”. Tal “foi lido como um sinal muito forte da mudança do vento do lado de Pequim”, descreve o livro. O livro de Rocha Vieira recorda também o momento em que Stanley Ho esteve interessado no terreno onde hoje está a Escola Portuguesa de Macau (EPM). “Pela sua localização, na avenida Infante D. Henrique, perto do Casino Lisboa, o terreno da escola chegou a ser objecto de interesse de Stanley Ho. Em compensação, o magnata do jogo propunha-se a construir um novo estabelecimento de raiz noutra zona de Macau.” Uma mudança que nunca aconteceu, apesar de as empresas de Stanley Ho terem estado sempre ligadas ao projecto da escola. A prova foi a doação de 65 milhões de patacas à Fundação da EPM. Stanley Ho esteve também ligado à constituição da companhia aérea Air Macau, investiu na área da dragagem dos canais de navegação, uma imposição do contrato de jogos, além de ter financiado parte da construção do Centro Cultural de Macau. Destaque ainda para os investimentos feitos pela STDM para salvar o centro comercial Yao Han, gerido por um grupo japonês que esteve quase a levá-lo à falência, com consequências gravosas para os trabalhadores. Mas a STDM também entrou em cena quando o ex-Governador Carlos Melancia ameaçou que fecharia a TDM caso não se proporcionasse a sua anunciada privatização, na sequência do abandono do grupo Maxwell-Emaudio. Stanley Ho comprou a parte que estava reservada aos privados. Negócios à parte, há que destacar a forma como Stanley Ho lidou com o mundo das tríades em Macau, numa altura em que a insegurança era uma realidade. No livro de João Guedes, intitulado “As seitas: histórias do crime e da política em Macau”, descreve-se como a STDM “aprovava verbas destinadas a pagar a não interferência das associações secretas nos negócios dos casinos, chantagens, ameaças bombistas ou resgates”. O autor descreve que Stanley Ho adoptou uma “ideia genial” para lidar com o problema das tríades. “Sabendo qual das seitas em presença era mais forte, concessionou-lhe os casinos, transformando os elementos da ‘concessionária’ em guardas do novo corpo da segurança da empresa.” Em relação a outras seitas, “foram também em parte neutralizadas” o que permitiu à STDM “singrar sem demasiados atentados bombistas, fogos-postos, raptos ou outros actos violentos”. As lutas familiares A partir de 2009 o empresário passou a aparecer cada vez menos em público e eram frequentes as especulações sobre o seu estado de saúde. No entanto, só em 2019 é que deixou oficialmente a presidência da STDM para Ian Fok, filho do empresário Henry Fok, numa aliança com a filha mais velha de Stanley, Pansy Ho. Em 2018, Stanley Ho abandonou o cargo de presidente executivo da Sociedade de Jogos de Macau, tendo sido nomeado presidente emérito do grupo. Em substituição, a sua filha Daisy Ho ocupou o seu lugar. Com quatro mulheres e 16 filhos, a vida de Stanley Ho ficou marcada por inúmeras disputas familiares. Uma delas foi com a sua própria irmã, Winnie Ho, falecida o ano passado com 95 anos, que lhe colocou cerca de 30 processos judiciais por questões de herança. O mais recente caso na justiça está ligado às únicas filhas vivas de Clementina e Stanley que clamam pelo acesso aos fundos financeiros. Em Julho de 2009, Stanley Ho sofre o traumatismo na sequência de uma queda em casa, de acordo com a família, que o confinou a uma cadeira de rodas e ao afastamento dos negócios do jogo, uma época marcada por acirradas disputas entre as “famílias”. Cinco meses depois, aparece em público, pela primeira vez, para a cerimónia de investidura de Fernando Chui Sai On como chefe do Executivo de Macau. Desde então, raramente foi visto. Surgiu em eventos esporádicos, em fotografias rodeado da família pelo aniversário, bem como, todos os anos, em vídeos exibidos na gala de Ano Novo Chinês da SJM, nos quais mantinha o seu característico sentido de humor. Quando do processo de liberalização do jogo, Stanley Ho não só conquistou uma das três licenças a concurso em 2001, como garantiu a entrada dos filhos Pansy Ho e Lawrence Ho através de subconcessões da sua Sociedade de Jogos de Macau (SJM) e da norte-americana Wynn, a MGM China e a Melco Crown, respectivamente. A sua quarta mulher, Angela Leong, foi deputada na Assembleia Legislativa. Na política, Stanley Ho também desempenhou importantes funções nos processos de transição de Macau e de Hong Kong, foi membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, sendo-lhe também reconhecida a veia de filantropo. Em 1998, foi dado o seu nome a uma avenida e Stanley Ho tornar-se-ia no primeiro chinês na História de Macau a receber tal honra em vida. Dez anos mais tarde, por ocasião do 50º aniversário da Estoril Sol, Cascais prestou-lhe igual homenagem, a primeira outorgada em Portugal, e em vida, a um cidadão chinês. Além das mais altas condecorações em Macau e em Hong Kong, Stanley Ho, de nacionalidade chinesa, britânica e portuguesa, foi agraciado por Portugal, nomeadamente com a Grã-Cruz da Ordem do D. Infante D. Henrique, e em diversos pontos do mundo, como França (Chevalier de la Legion d’Honneur), Reino Unido (Officer of the Order of the British Empire) ou Japão.
Governo de Macau expressa pesar pela morte de Stanley Ho e elogia dedicação à causa social Hoje Macau - 26 Mai 2020 [dropcap]O[/dropcap] Governo de Macau expressou hoje pesar pela morte do magnata do jogo Stanley Ho e enviou uma carta de condolências à família, elogiando a sua dedicação à causa social, informaram as autoridades. “O chefe do Executivo, Ho Iat Seng, enviou hoje (…) uma carta de condolências à família, expressando o seu profundo pesar pelo falecimento”, pode ler-se numa nota curta, de dois parágrafos, horas depois de ser conhecida a sua morte, aos 98 anos. Ho Iat Seng elogiou Ho “pela dedicação à causa social e à filantropia, pelo seu valioso contributo à prosperidade e à estabilidade de Macau”. O líder do Governo e ex-presidente da Assembleia Legislativa “lamenta a morte (…) e apresenta à família enlutada os mais sentidos pêsames”. O magnata do jogo de Macau Stanley Ho morreu hoje aos 98 anos, em Hong Kong. Figura incontornável no antigo território administrado por Portugal, e um dos homens mais ricos da Ásia há décadas, a fortuna pessoal de Ho foi estimada em 6,4 mil milhões de dólares, quando se reformou em 2018, apenas alguns meses antes do 97.º aniversário, referiu o jornal South China Morning Post, de Hong Kong, cidade onde vivia. Exemplo acabado de um ‘self-made man’, Stanley Ho fica para a história como o magnata dos casinos de Macau, terra que abraçou como sua e cujo desenvolvimento surge ligado ao império do jogo que construiu. Nascido a 25 de Novembro de 1921 em Hong Kong, Stanley Ho fugiu à ocupação japonesa para se radicar na então portuguesa Macau, onde fez fortuna ao lado da mulher macaense, oriunda de uma das mais influentes famílias da altura. Nos anos de 1960, conquista com a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), o monopólio de exploração do jogo, que manteve por mais 40 anos, até à liberalização, que trouxe a concorrência dos norte-americanos. Stanley Ho marcou a transformação e modernização do território, com a dragagem dos canais de navegação – imposta pelo contrato de concessão de jogos –, à construção do Centro Cultural de Macau, do Aeroporto Internacional ou à constituição da companhia aérea Air Macau.
Stanley Ho morreu hoje aos 98 anos em Hong Kong Hoje Macau - 26 Mai 2020 [dropcap]O[/dropcap] magnata do jogo de Macau Stanley Ho morreu hoje aos 98 anos, em Hong Kong, noticiou a imprensa local. Figura incontornável no antigo território administrado por Portugal, e um dos homens mais ricos da Ásia há décadas, a fortuna pessoal de Ho foi estimada em 6,4 mil milhões de dólares, quando se reformou em 2018, apenas alguns meses antes do 97.º aniversário, referiu o jornal South China Morning Post, de Hong Kong, cidade onde vivia. Exemplo acabado de um ‘self-made man’, Stanley Ho fica para a história como o magnata dos casinos de Macau, terra que abraçou como sua e cujo desenvolvimento surge indissociavelmente ligado ao seu império do jogo. Nascido a 25 de Novembro de 1921 em Hong Kong, Stanley Ho fugiu à ocupação japonesa para se radicar na então portuguesa Macau, onde fez fortuna ao lado da mulher macaense, oriunda de uma das mais influentes famílias da altura. Na década de 1960, conquista com a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), o monopólio de exploração do jogo, que manteve por mais 40 anos, até à liberalização, que trouxe a concorrência dos norte-americanos, ainda assim longe de lhe roubar a hegemonia. Stanley Ho viria a deixar o seu ‘cunho’ na transformação do território – desde a dragagem dos canais de navegação – uma das imposições do próprio contrato de concessão de jogos – à construção do Centro Cultural de Macau, do Aeroporto Internacional ou à constituição da companhia aérea Air Macau.
Mediação na Área da Grande Baía David Chan - 26 Mai 2020 [dropcap]U[/dropcap]ltimamente, algumas personalidades de Hong Kong e de Macau têm sugerido que as cidades que integram a área da Grande Baía devem implementar o mais rapidamente possível o reconhecimento mutúo dos certificados de mediação. Durante os recentes encontros da Assembleia Popular Nacional e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, muitos intervenientes pronunciaram-se sobre a questão da mediação. Poderão as cidades da Grande Baía reconhecer mutuamente os diferentes certificados de mediação? Em termos gerais, a mediação é efectuada por um “pacificador”, ou seja, alguém que ajuda a resolver as disputas entre duas partes em conflito. A Área da Grande Baía (AGB) é formada por nove cidades da Província de Guangdong e por duas regiões administrativas especias – Hong Kong e Macau. No que respeita ao sistema judicial, a China rege-se pela lei socialista, Hong Kong pelo direito comum e Macau pelo direito cívil. Os três sistemas legais aplicam-se em Guangdong, Hong Kong e Macau. Como Hong Kong e Macau se vão integrar na AGB, a mediação entre os três sistemas é indispensável. Uma das funções da lei é a resolução de conflitos, usando para tal a mediação, a arbitragem e a litigação entre outros. O reconhecimento mutúo dos certificados de mediação entre Guangdong, Hong Kong e Macau promoverá o desenvolvimento da AGB, ajudará a integração dos sistemas jurídicos e criará mecanismos conjuntos de resolução de conflitos. E porquê optar pela mediação como primeiro passo para a resolução de disputas? Porque é o mais simples. A arbitragem requer um árbitro. Neste caso o ideal é as partes envolvidas escolherem-no de comum acordo. No entanto, se as partes não chegarem a consenso, a autoridade de arbitragem pode indicar um da sua escolha. A decisão deste árbitro pode ser cumprida através da legislação local. Quando existe um acordo de arbitragem internacional, cada país reconhece as decisões jurídicas do outro. Assim sendo, a arbitragem tem uma natureza internacional. A litigação passa sempre pelo tribunal, as partes envolvidas têm direito de escolher o juiz, a decisão do tribunal tem de ser cumprida e não pode ser alterada ao sabor dos desejos das partes envolvidas. A mediação pode não ser feita em tribunal, e a decisão do mediador pode ser alterada de acordo com a conveniência das partes envolvidas. Por aqui podemos ver que a mediação é diferente da arbitragem internacional e da litigação. Como já foi mencionado, as leis de Guangdong, Hong Kong e Macau são diferentes e os procedimentos e requisitos para conduzir a mediação também o são. A melhor forma de reconhecer o certificado de mediação da outra parte é lidar com as legislações locais separadamente. No entanto, pode haver alturas em que os certificados da outra parte levantem problemas. A mediação destina-se a resolver problemas de forma diplomática. Não é tanto o interesse de cada uma das partes que está em causa, mas a forma de chegaram a um acordo. Exemplo disso, é o acordo necessário para a escolha do mediador, sem o qual a mediação não é realizável. Como os mediadores são escolhidos de comum acordo, as partes envolvidas preocupam-se sobretudo com a sua fiabilidade e eficácia, e não tanto com a sua formação. Se o mediador não teve formação jurídica, mas possuir um certificado de mediação e as partes envolvidas o reconhecerem, poderá este certificado ser aceite em Guangdong, Hong Kong e Macau? Existem muitas situações susceptíveis de ser mediadas. Quais o poderão ser entre Guangdong, Hong Kong e Macau já é outra questão. A “Convenção de Mediação de Singapura” dá-nos disso um bom exemplo. Promulgada em Agosto de 2019, transpõe a mediação local para mediação internacional. Sessenta e sete países e regiões assinaram esta convenção, que fornece mecanismos e padrões internacionais às empresas e aos parceiros de diferentes nacionalidades para obterem acordos por este meio. Por outras palavras, a Convenção de Mediação de Singapura permite que uma parte execute um acordo de mediação de forma a levantar uma acção no tribunal da região ou país onde reside a parte contrária, pedindo uma indemnização, sem que seja necessário submeter-se de antemão a uma avaliação sobre a possibilidade de violação do acordo de mediação, efectuada no tribunal da zona de residência da parte contrária. A mediação entre Guangdong, Hong Kong e Macau tem lugar dentro da China, é portanto de âmbito nacional e não está sujeita à Convenção de Mediação de Singapura. Os países que não assinaram esta convenção não são obrigados seguir os seus termos. A Convenção de Mediação de Singapura só se destina a regular conflitos económicos. Poderá a mediação da Área da Grande Baía começar por regular disputas comerciais e depois vir a estender-se a casos cíveis? A Mediação não é um processo complicado, mas o reconhecimento mútuo dos certificados de mediação por parte de Guangdong, Hong Kong, e Macau implica ajustes, porque estão em causa três sistemas jurídicos distintos, com procedimentos e requisitos diferentes. É inegável que este reconhecimento é o primeiro passo para a integração e é também um passo indispensável para que Hong Kong e Macau possam integrar a Área da Grande Baía. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
O outro medo João Santos Filipe - 26 Mai 2020 [dropcap]A[/dropcap]credito que a razão para não haver eventos relacionados com Tiananmen é puramente política. No entanto, não se trata, ainda, do desejo de proibir de forma permanente as menções a este massacre. Isso vai chegar, mas ainda não é agora. O grande medo do Governo não é a pandemia, o que está verdadeiramente em causa é o receio de que algumas das pessoas na vigília mostrem simpatia pela causa democrática de Hong Kong. As situações de Tiananmen e Hong Kong têm demasiados paralelismos e a tentação é fácil… Durante muito tempo em Hong Kong perguntava-se quando é que o exército ia para a rua. E ele foi, mas para fazer “voluntariado”, no meio de muita polémica. Ficou um aviso. É este o grande medo das autoridades locais. Caso houvesse solidariedade pública de pessoas de Macau para com Hong Kong acabava-se a narrativa do filho bom do princípio Um País, Dois Sistemas implementado de forma correcta. E logo numa altura tão sensível. Finalmente, a decisão da Lei de Segurança Nacional em Hong Kong é totalmente contrária à Lei Básica, que foi redigida muito claramente neste ponto para que não houvesse intervenção do Governo Central. Agora, é falso focar o assunto na legitimidade de Pequim ou tratá-lo como se fosse relacionado com a soberania. Na forma como o sistema está montado, a soberania nunca esteve em causa. O que se esperava era que o Governo Central respeitasse as leis que ele próprio aprovou e que nasceram de uma transição complicada, mas pacífica. Infelizmente não foi isso que aconteceu.
O antepassado de Fernando Pessoa Paulo José Miranda - 26 Mai 2020 [dropcap]S[/dropcap]ancho Pessoa, que viveu no século XVI em Lisboa, foi antepassado de Fernando Pessoa e era judeu. Devido à actuação feroz da Inquisição, acabou por converter-se ao cristianismo, sem deixar as práticas judaicas e a ligação ao seu povo. Era cristão para fora e judeu para dentro. Deixou um texto em prosa, «A Grande Mortandade», que data de 1698, que sempre foi mais um segredo do que um livro. Consta-se que há uma publicação, cuja data também não se sabe, talvez em inícios do século XIX ou finais do século XVIII, mas não é certo e de qualquer modo, a ter existido, terá sido numa pequena edição, que acabou rapidamente por desaparecer. O texto, que é uma espécie de crónica e ensaio, e foi agora editado numa edição crítica de Marco Dante, começa assim: «A primeira grande mortandade de judeus ocorreu com as cruzadas. Independentemente de a origem da chacina ter sido incitada pelo Papa Urbano II, contra os sarracenos [o modo como eram chamados então os muçulmanos], os seguidores de Paulo e de Jesus chacinaram todos os que não eram por eles. Na cidade viviam judeus e sarracenos, em paz. Em paz também viviam pela Europa fora judeus, que foram sendo dizimados pelos cruzados, ao longo dos cinco mil quilómetros até Jerusalém. Mataram crianças, mulheres, velhos. Comeram-lhes a carne. As crianças eram colocadas em espetos e assadas no fogo, como se de animais de caça se tratasse; fatiados e comidos. Os mais velhos eram cozinhados em grandes panelas, durante horas, até que a carne amaciasse e pudesse ser comida. O medo pelos bárbaros do Norte espalhou-se como se espalhava a cólera. A crueldade era uma arma poderosa e eficaz. Os seguidores de Paulo e de Jesus eram terrivelmente cruéis e foi com essa crueldade que tomaram a cidade de Jerusalém, chacinando todas as almas que aí viviam, quer fossem sarracenos, quer fossem judeus, quer estivessem vivos e habitassem Jerusalém. Nunca tamanha violência tinha sido registada no mundo dos homens. Ainda hoje, a palavra cruzadas faz estremecer os povos desses lugares.» Como se pode ver, pelo começo, tratava-se de um texto que pretendia preservar a memória das cruzadas de um ponto de vista oposto ao da divulgação católica e, por isso mesmo, não tinha pretensões de ser publicado. Circulava em meios muito restritos e em segredo. Foi passando de gerações em gerações, como os próprios textos judaicos, longe da luz do dia. Fernando Pessoa refere este seu antepassado, mas nunca refere o texto. Não o conhecia? É muito improvável que não o conhecesse, tendo Fernando Pessoa tanto interesse nos assuntos religiosos em geral e nos judaicos em particular. Podemos pensar em duas possibilidades, para essa não menção do texto do seu antepassado: 1) pensar que prejudicaria a sua obra, pois Portugal era ainda profundamente católico; 2) pensar que o texto deveria manter-se em segredo, passando apenas entre amigos e familiares. Não é difícil aceitar esta segunda hipótese, até porque o segredo era algo que fascinava Pessoa. Há ainda uma terceira hipótese, que é adiantada por Marco Dante, na introdução à edição do livro, que diz: «Fernando Pessoa nunca mencionou “A Grande Mortandade” [embora tenha mencionado o antepassado que o escreveu] porque nunca chegou a ler o texto, embora soubesse da sua existência e do seu conteúdo.» Esta posição de Marco Dante é alicerçada numa carta encontrada recentemente, em casa de um familiar de Pessoa, em que este escrevia a um primo o seguinte: «Não sabes como possa ler “A Grande Mortandade”?» E continua Dante: «Ora, a carta tem a data de 22 de Maio de 1931, o que mostra claramente que a 4 anos da sua morte, o poeta ainda não tinha lido o texto do seu antepassado. A partir daí não se sabe. Não se sabe sequer qual foi a resposta desse primo a Fernando Pessoa.» Mas tendo em conta que o poeta encenou toda a sua obra, não nos custa a crer que essa carta tenha sido mais uma encenação. Não custa pensar que, na realidade, Pessoa tenha tido acesso ao texto e essa pergunta ao primo apareça propositadamente como uma pista errada para o futuro. Seja como for, e embora talvez não seja irrelevante, a verdade é que o texto de Sancho Pessoa existe e era conhecido em segredo por amigos e familiares e dava testemunho de uma atrocidade monumental, que tinha sido completamente «branqueada» ao longo dos séculos. Numa passagem do texto, Sancho escreve: «Talvez um dia se possa ver a verdade. Mas não está ao nosso alcance poder saber quando é que a Europa será libertada.» Ou ainda: «A tirania do catolicismo não deixa ver.» Havia uma clara noção de que a Europa tinha sido sequestrada por uma ideologia, por uma tirania: «César foi substituído pelo Papa.» É, no fundo, um texto de liberdade. Um texto que em certo sentido é fruto do iluminismo europeu. E não deixa de ser um mistério a não referência ao mesmo por parte do seu descendente mais ilustre, Fernando Pessoa. Cabe a nós, leitores, trazer à luz do dia o texto desse antepassado do mais ilustre poeta português. Marco Dante, ainda ano seu prefácio, escreve: «A prosa de Sancho Pessoa é tão vigorosa, contundente e clara, que mesmo hoje as suas palavras não deixam de fazer estremecer o leitor.» E hoje é o tempo em que devemos lê-lo novamente. Ler contra a mortandade, seja ela qual for. Ler contra a ideologia, as ideologias.
“Música que fedia ao ouvido” Michel Reis - 26 Mai 2020 [dropcap]O[/dropcap] Concerto para Violino e Orquestra em Ré Maior, Op. 35 de Pyotr Ilyich Tchaikovsky é um dos concertos para violino mais populares, e também considerado um dos mais difíceis para o instrumento. A obra foi escrita em Março de 1878 em Clarens, um local de férias na margem do Lago Genebra, na Suíça, onde Tchaikovsky foi recuperar-se de uma depressão causada pelo seu desastroso matrimónio de seis semanas com a sua ex-aluna Antonina Miliukova, que inclusive o levou a uma tentativa de suicídio. Aí concluiu a sua Sinfonia nº 4 e a sua ópera Eugene Oneguin. Em Clarens, Tchaikovsky recebeu a visita do seu antigo aluno de composição, violinista e possivelmente amante Iósif Kotek. Os dois tocavam obras para violino e piano juntos, o que pôde ser o catalisador para a composição do concerto. Consta que uma das obras que Kotek lhe levou foi a Sinfonia española de Édouard Lalo, que o inspirou a criá-lo. Tchaikovsky não era violinista e foi assessorado por Kotek na composição da parte solista. Fez rápidos progressos, esboçando a obra em 11 dias e terminando-a ao fim de um mês, embora o andamento central tenha sido completamente revisto, pois Kotek e o irmão mais novo de Tchaikovsky, Modest, consideraram-no fraco. Kotek não tinha ainda prestígio suficiente para estrear a obra, pelo que Tchaikovsky inicialmente ofereceu a estreia ao seu amigo Leopold Auer e concordou dedicá-la ao violinista. No entanto, Auer recusou, argumentando que a obra era intocável, por ser demasiado difícil, o que feriu profundamente o compositor, e a estreia planeada para Março de 1879 foi adiada sine dia. Alguns anos antes, o seu amigo e colega Nikolái Rubinstein tinha também recusado estrear o seu Concerto para Piano n.º 1. Passaram-se dois anos e, um dia, o editor de Tchaikovsky informou-o que um jovem violinista, Adolf Brodsky, tinha aprendido o concerto e persuadido o maestro Hans Richter e a Filarmónica de Viena a tocá-lo em concerto. Tchaikovsky alterou a dedicatória para Auer e o concerto foi estreado no dia 4 de Dezembro de 1881, em Viena, na Áustria, mas pouco ensaiado e pobremente acompanhado. A reacção da crítica foi mista, e a obra certamente não foi recebida como a obra-prima que é considerada hoje. O influente crítico alemão Eduard Hanslick, presente na estreia, considerou-o “longo e pretensioso” e escreveu que não supunha que pudesse haver música que “fedia ao ouvido.” Tchaikovsky nunca ultrapassou esta crítica. O Concerto para Violino e Orquestra em Ré Maior, Op. 35 de Tchaikovsky possui três andamentos. O primeiro (Allegro moderato) inicia-se com uma breve introdução da orquestra, seguida por um pequeno trecho em que o violino toca a solo, preparando a entrada do tema principal (Moderato assai). O violino apresenta os temas em passagens extremamente virtuosísticas, ficando a orquestra encarregada de reapresentá-los logo a seguir. Já para o fim do andamento, o violino inicia uma longa e virtuosa cadência, escrita pelo compositor. Logo a seguir, numa passagem extremamente suave nas cordas, a flauta anuncia o tema principal. Tem início a reexposição temática, que conduz à explosão do tutti final. O segundo andamento, uma Canzonetta (Andante), inicia-se com um belo coral apresentado pelas madeiras. Este coral não apenas prepara a entrada do solista como conclui o andamento criando, assim, uma moldura onde solista e orquestra travam um belíssimo diálogo musical. O finale (Allegro vivacissimo) deve ser atacado logo após o segundo andamento, sem intervalo. Com temas eslavos e um jogo constante de acelerar e desacelerar, o terceiro andamento parece uma festa cigana onde o violino toca como se estivesse a improvisar o tempo todo. Este andamento incomodou profundamente Hanslick. Para ele, a maneira directa com que Tchaikovsky cria a atmosfera festiva cigana era obscena e incivilizada: “quando se escuta esta música é possível ver uma série de rostos selvagens, ouvir o seu linguajar bárbaro e sentir o cheiro de álcool”. Talvez para ele, e para os vienenses da época, isto fizesse sentido. Mas não é mais que uma música divina e encantadora, com um sabor exótico de um mundo distante. Sugestão de audição: Pyotr Ilyich Tchaikovsky: Violin Concerto in D Major, Op. 35 Vadim Repin (violin), Kirov Orchestra, Valery Gergiev – Virgin Classics, 2003
Hush!! | Formato renovado acolhe concertos de Junho a Agosto Pedro Arede - 26 Mai 2020 A edição deste ano do festival Hush!! chega com atraso, mas vai acontecer de Junho a Agosto apesar da pandemia. A praia de Hác Sá vai dar lugar a locais como o largo do Senado ou as Oficinas Navais N.º 2. Estão também previstas oito actuações online e uma feira dedicada às indústrias criativas [dropcap]É[/dropcap] a festa possível. A edição deste ano do Hush!! vai acontecer entre Junho e Agosto em moldes e locais diferentes do que vem sendo habitual. Os artistas que vão marcar presença no cartaz ainda não foram avançados. Organizado pelo Instituto Cultural (IC) em colaboração com o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), a edição de 2020 do Hush!! prevê oito actuações online e ainda concertos em novos locais. Assim, em vez da praia de Hác Sá, será possível assistir a concertos no Centro de Arte Contemporânea de Macau – Oficinas Navais N.º 2, na Praça do Centro de Ciência de Macau e Terraço da Ponte 9 e ainda no largo do Senado. Com o objectivo de proporcionar uma plataforma de exibição de talentos e produtos ligados aos profissionais da área cultural, será realizada a iniciativa “HUSH!! X Feira de Indústrias Criativas”. Assim, entre as 15h00 e as 21h00 horas do fim-de-semana de 18 e 19 de Julho, será possível assistir a uma série de concertos de música jazz, folclórica, electrónica e pop na Praça do Centro de Ciência de Macau. De acordo com o IC, no decorrer da feira serão instalados “cerca de uma centena de expositores de venda de um variado leque de produtos criativos e artesanais locais, bem como bebidas e petiscos”. Candidaturas abertas As candidaturas para os operadores interessados em ter um expositor na Feira das Indústrias Criativas já se encontram abertas, podendo ser efectuadas online até ao próximo dia 5 de Junho. O IC informa ainda que “caso o número de candidatos elegíveis exceda o número máximo, as propostas de expositores serão seleccionadas por sorteio”. O anúncio da lista de propostas seleccionadas está “previsto para meados de Junho”. Recorde-se que em 2019, o Hush!! recebeu quase quatro dezenas de bandas e DJs nos seus três palcos instalados no areal da praia de Hác Sá, de onde se destacaram nomes como o britânico Youngr, o tailandês Phum Viphurit ou o produtor e músico local Jun Kung.
População de golfinhos brancos chineses cai 30 % Andreia Sofia Silva - 26 Mai 202026 Mai 2020 Várias associações ligadas a questões ambientais e à preservação dos golfinhos brancos chineses promovem esta quinta-feira a exibição de um documentário online sobre este tema. Viena Mak, promotora da iniciativa e investigadora em Hong Kong, revela que, no espaço de um ano, a população de golfinhos brancos chineses desceu 30 por cento [dropcap]S[/dropcap]ão recorrentes as notícias de golfinhos brancos chineses que dão à costa em Macau já sem vida. É um sinal claro da necessidade de preservação de uma população que teve uma redução de 30 por cento no espaço de um ano, disse ao HM Viena Mak, investigadora no Hong Kong Dolphin Conservation Society. “Dados de um estudo feito na China mostra que a população destes golfinhos baixou em cerca de 30 por cento em apenas um ano, isto comparando com dados de 2018 e 2019. É uma enorme queda”, alertou. Para chamar a atenção da população sobre este tema, Viena Mak está a promover a exibição online de um documentário sobre os golfinhos brancos chineses esta quinta-feira às 20h30. Os interessados podem ter acesso ao documentário através da página de Facebook Breathing Room Macau. A investigadora denota que, nos últimos tempos, a população de Macau tem revelado mais interesse sobre uma espécie em vias de extinção. “Muitas pessoas perceberam que os golfinhos nadam muito perto dos edifícios e começaram a levantar questões sobre a protecção destes animais e sobre a possibilidade de os ferries poderem magoar estes animais, por exemplo. Com este evento, queremos responder a perguntas e dar sugestões de como podem contribuir mais a sua preservação.” A investigadora, que trabalha em Hong Kong, assegura que o acesso a informações sobre a preservação dos golfinhos chineses brancos é maior. “Há poucas informações sobre os golfinhos em Macau, quer sejam informações públicas ou junto de investigadores. Por isso tentamos promover este documentário e esperamos que os residentes e as entidades governamentais, ou grupos ligados à protecção ambiental, possam aprender mais sobre os desafios existentes quanto à preservação dos golfinhos brancos chineses.” Mais investigação precisa-se Questionada sobre a situação da protecção desta espécie em Hong Kong, Viena Mak assegura que há uma maior consciência cívica sobre o assunto. “O Governo em Hong Kong não está, na verdade, a proteger os golfinhos, mas há mais políticas ou maior consciência da sociedade quanto à necessidade de proteger estes animais. Esta consciência está mais desenvolvida em Hong Kong, o Governo faz mais esforços no sentido de promover uma investigação e uma educação ambiental nas escolas.” Quanto a Macau, a investigadora deixa sugestões. “Espero que o Governo possa fazer mais investigação e estudos sobre estes golfinhos. Também deveria haver um plano mais abrangente para a conservação dos golfinhos, ou o estabelecimento de áreas marítimas protegidas perto dos habitats naturais destes animais.” Um acesso mais facilitado à informação científica é também um pedido deixado por Viena Mak. O evento desta quinta-feira conta ainda com a colaboração da associação Macau for Waste Reduction.
Droga | TSI aumenta penas da primeira instância para traficantes Andreia Sofia Silva - 26 Mai 2020 [dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Segunda Instância (TSI) decidiu a favor do Ministério Público (MP) que pedia penas mais pesadas num caso de tráfico de droga. Segundo o acórdão ontem divulgado, o processo envolve quatro indivíduos, sendo que “A responsabilizava-se pelo controlo da venda de droga e pelo transporte do produto do tráfico de droga para Hong Kong aquando da ausência de Macau de um outro arguido do mesmo caso, C.” No caso de B, este “responsabilizava-se pela prestação de auxílio a C na prática do tráfico de droga em Macau e, quatro vezes, se deslocara, juntamente com C, a vários lugares para a prática do tráfico de droga”. O Tribunal Judicial de Base (TJB) condenou A pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, o que se traduz numa pena de dois anos e nove meses de prisão com pena suspensa por quatro anos, além de ter sido interdita a sua entrada na RAEM durante seis anos. Já B foi condenado por dois crimes e uma pena de prisão de dois anos e dois meses suspensa na sua execução por três anos. O MP não concordou com as penas aplicadas e o TSI decidiu aumentar as penas. Desta forma, A passou a ser condenado a uma pena de seis anos e nove meses de prisão pelo crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, enquanto que B foi condenado a cinco anos e oito meses de prisão. Além disso, fica proibido de entrar em Macau durante seis anos.
Mercado de São Domingos | Deputado da FAOM pede requalificação João Santos Filipe - 26 Mai 2020 A grande procura e a popularidade do espaço no centro de Macau, levou Lam Lon Wai a pedir ao Executivo que permita a oferta mais diversificada a pensar em residentes e turistas. O deputado pede mais um piso no Mercado de São Domingos dedicado ao comércio [dropcap]O[/dropcap] deputado Lam Lon Wai defende que face à grande procura de bancadas e áreas de vendilhões que o Executivo devia requalificar o piso do primeiro andar do Mercado de São Domingos e diversificar a oferta. A ideia do legislador dos Operários foi divulgada ontem, numa interpelação escrita sobre a situação dos mercados locais e a procura por bancadas e zonas de vendilhões. De acordo com dados apresentados por Lam Lon Wai, na última vez que o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) lançou um processo para o aluguer de bancas e espaços dos vendilhões recebeu 1.810 propostas. Entre essas, 295 foram para bancadas nos mercados e 1.498 candidaturas para espaço dos vendilhões, ou seja, na zona exterior. Para o representante dos Operários eleito pela via indirecta, o número de candidaturas prova que este tipo de bancas e zonas de venda são muito populares e que existem mais pessoas interessadas em vender nos mercados. No entanto, a política adoptada pelo Executivo é questionada, pelo facto de haver uma zona de armazenamento no primeiro andar do mercado de São Domingos, que o legislador entende que poderia ser melhor utilizada para abrir mais bancadas. “O Mercado de São Domingos está localizado numa zona qualificada como Património Mundial e de luxo para o comércio. Por isso, o espaço do primeiro andar não deveria ser utilizado como armazém”, escreveu Lam Won Wai. “Face à grande procura pelas bancadas do Mercado de São Domingos, será que o Governo vai redesenhar o mercado para adicionar bancadas, criar mais espaço e permitir a instalação de outro tipo de produtos para que a população e os turistas tenham mais escolha?”, questionou. Projecto antigo A ideia de requalificar o mercado de São Domingos não é nova. O facto de ficar situado numa zona muito popular já antes tinham atraído a atenção de vários sectores, como recordou Lam Lon Wai. “Como se trata de um mercado localizado no centro de Macau, que também é uma área turística, sempre atraiu muitas pessoas, locais e visitantes, antes da pandemia. Por isso, se o primeiro andar for requalificado, certamente que haverá muitos benefícios para Macau”, perspectivou. Depois, o deputado que anteriormente já tinha sugerido que o espaço fosse reutilizado como área de venda de produtos das indústrias criativas ou até estacionamento para os residentes da zona. Todas as sugestões foram recusadas e o IAM acabou por decidir transformar o primeiro andar num armazém. Em relação a este aspecto, o deputado quer saber como está a ser utilizado efectivamente o espaço: “Como é que o armazém do primeiro andar do Mercado de São Domingos está a ser utilizado? Será que o espaço está a ser totalmente ocupado?”, é perguntado.
APN | Ho Iat Seng diz que Hengqin é ponto de paragem para Grande Baía João Luz - 26 Mai 202026 Mai 2020 Ho Iat Seng participou pela primeira vez no congresso anual do Partido Comunista Chinês na qualidade de Chefe do Executivo. Em entrevista à China News Service, Ho destacou o papel de Hengqin no futuro de Macau e a forma bem-sucedida como o território lidou com a pandemia da covid-19 [dropcap]É[/dropcap] a primeira vez que Ho Iat Seng vai às duas sessões do congresso anual chinês na qualidade de “supervisionado”. Em discurso directo ao portal China News Service, o líder do Governo de Macau destacou a forma como o território actuou de forma rápida e decidida na contenção da pandemia do novo tipo de coronavírus e apontou a Hengqin como o futuro do território, no contexto da política de integração da Grande Baía. Depois de uma larga temporada na Assembleia Legislativa, enquanto deputado e presidente do plenário, a participação de Ho Iat Seng na Assembleia Popular Nacional (APN) deste ano foi diferente. “No passado, o meu trabalho era fiscalizar a acção do Executivo, hoje sou Chefe do Executivo e também sou supervisionado pela APN. Estar no outro lado inspira pensamentos diferentes sobre o rumo a tomar no futuro.” Assim sendo, Ho Iat Seng reiterou ao portal noticioso do Estado chinês que se comprometeu a governar e cumprir com a linhas de acção governativa (LAG) de acordo com a lei, uma tarefa para a qual a experiência que adquiriu na AL é fundamental. O cumprimento das LAG e o respeito pela lei serão “a alavanca fundamental para garantir o desenvolvimento sustentado em Macau”. A dependência económica de Macau do turismo, foi outro ponto abordado por Ho Iat Seng, com a admissão de que a pandemia afectou severamente a economia local, facto que leva à “necessidade de apertar o cinto”. “Macau foi a primeira região do país a implementar medidas como a medição de temperatura para todos os voos vindos de Wuhan, desde 1 de Janeiro. Macau é uma área de baixo risco, todos os 45 casos que tivemos já receberam alta hospitalar”, afirmou o Chefe do Executivo. Foi ainda destacada a normalidade actualmente vivida em Macau, com os residentes a regressarem ao trabalho e a retoma das aulas. Amigos do peito Para a retoma económica, Ho apontou ao regresso da normalidade fronteiriça. “Temos esperança que mais amigos da China e do estrangeiro venham a Macau apoiar o nosso sector do turismo.” O rombo orçamental que as medidas de apoio financeiras provocaram e a esperança de um futuro economicamente positivo foram os votos deixados por Ho Iat Seng. A vocação de Hengqin para ser a “segunda Macau” foi outro dos pontos de relevo da entrevista do Chefe do Executivo. Os 106 quilómetros quadrados da Ilha da Montanha, três vezes maior que a área de Macau, transformam-na num inevitável “ponto de paragem” no percurso da Grande Baía. Aí, Ho Iat Seng referiu que a construção da linha de Hengqin do Metro Ligeiro possibilita aos residentes de Macau o acesso à linha ferroviária de alta velocidade chinesa. “Esta ligação pode representar um enorme salto em frente para o Turismo e para os negócios”, realçou.
Hush!! | Autoridades admitem reavaliar festival Pedro Arede - 26 Mai 2020 [dropcap]Q[/dropcap]uestionado sobre a realização do festival Hush!!, anunciado ontem pelo Instituto Cultural (IC), (ver eventos), e a possibilidade de vir a ser um potencial foco de concentração de pessoas por incluir vários concertos e uma feira, Alvis Lo Iek Long apontou que até Julho a situação ainda pode vir a ser reavaliada e que existem orientações claras sobre a higienização dos locais. “Creio que daqui até Julho, e porque ainda faltam dois meses, vamos poder avaliar novamente a realização dessa actividade. Creio que para todas as actividades ou reuniões tem de haver ponderação sobre como evitar a propagação da epidemia ou para garantir a saúde da população. Neste momento, também estamos a fiscalizar diferentes instalações para que possam efectuar melhor o trabalho de limpeza”, afirmou Alvis Lo Iek Long. O festival Hush!! acontece de Junho a Agosto e prevê, além da realização de concertos, uma feira dedicada às indústiras criativas, nos dias 18 e 19 de Julho, na Praça do Centro de Ciência de Macau.
Covid-19 | Despistagem alargada a mais grupos populacionais Pedro Arede - 26 Mai 2020 Além de professores e alunos transfronteiriços, também idosos, alunos do ensino primário e secundário, bebés e portadores de deficiência vão poder realizar o teste de ácido nucleico no hospital Conde de São Januário. Até aqui, a despistagem tinha de ser feita no terminal marítimo do Pac On [dropcap]F[/dropcap]oi alargado o universo de pessoas que podem realizar o teste de ácido nucleico no hospital Conde de São Januário. A partir de agora, além de professores e alunos transfronteiriços, também idosos, alunos do ensino primário e secundário, bebés e portadores de deficiência poderão fazer o teste de despistagem para a covid-19 no Centro de Avaliação Conjunta Pediátrica do Hospital Conde de São Januário. Segundo o médico Alvis Lo Iek Long, o alargamento serve para facilitar a deslocação destes quatro tipos de pessoas que, até aqui, tinham forçosamente de se dirigir ao terminal marítimo do Pac On. “São quatro tipos de pessoas que podem efectuar o teste de ácido nucleico no Centro de Avaliação Conjunta Pediátrica: idosos com idade igual ou superior a 65 anos, alunos do ensino primário e secundário, bebés e crianças e por último, portadores de cartão de deficiência ou portadores de doenças especiais”, começou por esclarecer Alvis Lo Iek Long, por ocasião da conferência de imprensa sobre a covid-19. “Tendo em conta a opinião da população de Macau, estes quatro tipos de pessoas têm dificuldade de se deslocar ao terminal marítimo do Pac On. Portanto, lançámos esta nova medida para facilitar a sua deslocação. Esta não é uma nova medida, mas sim uma medida complementar para facilitar a vida à população”, completou. De acordo com o responsável, outro argumento é o facto de o trabalho regular do Centro de Avaliação Conjunta Pediátrica do São Januário passar pelo internamento hospitalar de doentes que “também têm de fazer o teste de ácido nucleico”, como idosos. Os testes de ácido nucleico vão poder ser feitos entre as 9h00 e as 17h00 através de marcação prévia online. A restante população pode continuar a fazer os testes no terminal do Pac On. Olhos no prémio Também na conferência de imprensa, Alvis Lo Iek Long abordou o alívio das medidas nas fronteiras entre Guangdong, Hong Kong e Macau, referindo-se ao dia em que isso venha a acontecer, como o momento em que se alcança o “objectivo final”. No entanto, para o médico é preciso atender a vários factores, incluindo as medidas a serem tomadas em cada região. “Uma deslocação livre entre Guangdong, Hong Kong e Macau é algo que todos esperam. Na negociação dessas medidas, o mais importante é que cada região possa ter uma decisão própria para a prevenção da epidemia. Para tomar essa decisão precisamos de ponderar vários factores. Claro que se pudéssemos atingir esse objectivo era bom, é a nossa esperança, mas temos de respeitar as medidas das diferentes regiões para podermos cumprir essas medidas e atingir o nosso objectivo final”, explicou Alvis Lo Iek Long.
Ministério Público | Relatório apela a curso de ingresso na magistratura Salomé Fernandes - 26 Mai 2020 Para dar resposta à falta de recursos humanos, o Ministério Público deixa de parte o recrutamento de magistrados portugueses e foca-se na abertura do curso e estágio de formação para acesso à magistratura. O apelo é feito no relatório referente a 2019, que alerta para actividades como a troca não autorizada de dinheiro [dropcap]O[/dropcap]s recursos humanos voltam a estar na mira do Ministério Público (MP). No relatório de trabalho referente a 2019, é reiterado o apelo ao Governo para abrir “em tempo oportuno, o curso e estágio de formação para ingresso na magistratura, de modo a atenuar a grande escassez de recursos humanos de magistrados”, avançou ontem a TDM – Rádio Macau. A intenção é criar “condições objectivas no crescimento e desenvolvimento da equipa dos magistrados locais do Ministério Público”. O total de magistrados em serviço do MP reduziu para 38 e, de acordo com o documento, até Agosto deste ano vão sair mais dois magistrados de nacionalidade portuguesa – um por atingir o limite de idade e outro por motivos funcionais – ficando o número reduzido a 36. “A par disso, nos próximos cinco ou seis anos, vários magistrados locais vão reunir as condições legais para requerer a aposentação ou aposentar-se, obrigatoriamente, por atingir o limite de idade”, observa ainda o Ministério Público. Para assegurar o funcionamento normal de intervenção do MP em actos processuais, está a ser ponderada a “a redução no número de magistrados afectos a alguns serviços, bem como a possibilidade de acumulação de outras tarefas em serviços diferentes”. Situação para a qual o relatório alerta porque, “objectivamente, irá causar maior pressão na equipa dos magistrados”. Neste contexto, é então sugerida a abertura do curso e estágio de formação para ingresso na magistratura. Recorde-se que está em discussão na Assembleia Legislativa uma proposta de alteração ao regime do curso e estágio para ingresso nas magistraturas judicial e do MP. Ao contrário do ano passado, o recrutamento de magistrados portugueses experientes não é apontando como mecanismo para dar resposta à falta de recursos humanos. Motivos de alerta As actividades criminosas transfronteiriças são destacadas no relatório, face aos desafios impostos pelo recurso à internet e produtos de alta tecnologia, bem como o uso de moeda virtual para negócios ilícitos. Ainda que descreva um caso de condenação a pena de prisão efectiva de um arguido que cometeu burlas fora de Macau, o MP descreve dificuldades na recolha de provas associadas a actividades de branqueamento de capitais transfronteiriças: “a cooperação judiciária na área penal é a chave para detectar e sancionar o crime”. Apesar de a troca de dinheiro não autorizada não constituir crime, pode ser uma acção que oculta actividades criminosas – é uma das preocupações expressas pelo MP no relatório. São dados como exemplos o branqueamento de capitais, burla e roubo. “Feita a análise do combate às actividades criminosas levadas a cabo pela polícia, conclui-se que tais actividades de troca de dinheiro entre particulares provocavam frequentemente outros crimes, situações essas que se alargam continuadamente”. Em causa está o desenvolvimento do sector do jogo ao longo dos últimos anos, com estas actividades a acontecerem sem autorização entre particulares nos casinos e nos locais ao seu redor. De acordo com o MP, a Administração e os órgãos judiciários estão a analisar “meios viáveis para a sua repressão”. À falta de uma solução para o combate a estas actividades, o MP defende que a sociedade e os serviços públicos responsáveis devem estudar como se pode legislar sobre elas, levantando até a hipótese de criminalizar a troca de dinheiro, com o objectivo de “encontrar o equilíbrio entre a defesa da liberdade de troca de dinheiro e o combate à troca lucrativa ilegal”. Por outro lado, o Ministério Público considera que o aumento de crimes de droga merece atenção. Nomeadamente, o tráfico cometido “por jovens ou indivíduos com dificuldades económicas, que são utilizados por associações criminosas sediadas no exterior”. Reforço de sensibilização O combate aos crimes sexuais também mereceu atenção no relatório do MP. No ano passado foram abertos 152 inquéritos e deduzidas 57 acusações relativamente a crimes que violam a liberdade e autodeterminação sexuais. Explicando que “provocam lesões não só no corpo físico e mental, mas também no desenvolvimento da personalidade dos ofendidos, que são difíceis de recuperar em toda a vida”, é argumentado que a sociedade deve estar mais atenta à prevenção e às sanções. O Ministério Público sugere o reforço da sensibilização, para que adultos e crianças dominem “os conhecimentos sexuais e valores certos, de forma a filtrar e abandonar informações pornográficas que se encontram cada vez mais popularizadas, bem como intensificar a capacidade de responder a eventuais actos de abuso sexual”. Já no âmbito da violência doméstica, os dados mostram que até ao ano passado houve sete condenações, enquanto outras três foram por ofensa simples à integridade física. Reconhecendo que a sociedade tem dúvidas sobre a eficiência da Lei da Prevenção e Combate à Violência Doméstica, que entrou em vigor apenas em 2016, o MP explica que as características do crime têm influência na condenação. A relação familiar com o agressor e ideia tradicional de que “a roupa suja lava-se em casa” fazem com que a vítima por vezes até recuse prestar declarações em julgamentos. “Daí que a postura da vítima no que diz respeito à decisão de exigir ou não a responsabilidade penal contra o agressor também constitua o factor incerto na condenação do acusado pela prática da conduta de violência doméstica”, explica o documento. Assim, também se pede mais sensibilização, de forma a que as vítimas “conheçam a necessidade de pedir ajuda e denunciar atempadamente”. Terrenos | Indemnizações sobem 444 por cento O MP acompanhou no ano passado 234 acções de indemnização no Tribunal Judicial de Base em que foi provocada a intervenção do Governo por declaração da caducidade de concessões de terrenos. Este número representa uma subida 444,19 por cento, em comparação a 2018. Foram tramitadas 81 acções de indemnização por declaração da caducidade de concessões de terrenos junto do Tribunal Administrativo, bem como três acções de indemnização relativas a obras públicas do Governo da RAEM. Edifício | Tecto novo em Setembro É ainda avançado que se prevê que o Edifício Provisório do MP esteja concluído em Setembro, onde vão passar a funcionar o Gabinete do procurador e o Serviço de Acção Penal. Este último está actualmente no edifício Dynasty Plaza. Algo que levanta “potenciais riscos de segurança para além da inconveniência no funcionamento”. O novo edifício vai ter diferentes zonas, com arguidos, testemunhas e vítimas com sala de esperar em locais distintos. Um funcionamento com o qual se espera reduzir “a eventual possibilidade de fuga de arguidos originada pela insuficiência das instalações”. Acção Penal | Inquéritos arquivados sobem 10% No ano passado, os inquéritos do Serviço de Acção Penal que resultaram em acusação diminuíram 3,19 por cento, enquanto os arquivados aumentaram 10,86 por cento. O relatório explica a variação no arquivamento de inquéritos com a impossibilidade de identificar infractores, com os ofendidos de crimes semi-público ou particulares que não quiseram avançar com processo criminal, e com a insuficiência de provas. Por outro lado, 246 inquéritos que estavam arquivados foram reabertos por surgirem novos elementos probatórios. Note-se que em 2019 este serviço autuou quase 15 mil inquéritos, um aumento de 3,5 por cento em comparação ao ano anterior.
Covid-19 | Japão decide levantar alerta sanitário em todo o país Hoje Macau - 25 Mai 2020 [dropcap]O[/dropcap] Governo do Japão decidiu hoje levantar o estado de alerta sanitário em Tóquio e quatro regiões do país, as últimas em que se mantinham as medidas instauradas para combater a pandemia da covid-19. O levantamento do estado de alerta, aconselhado por um grupo de especialistas que presta apoio ao Governo, deverá ser formalmente aprovado pelo Executivo nipónico ainda hoje, informou o ministro da Revitalização Económica japonês, Yasutoshi Nishimura, também responsável pelo grupo de trabalho que coordena a luta contra o novo coronavírus. Decretado há cerca de um mês, o alerta sanitário permanecia em vigor apenas em Tóquio, nas três províncias vizinhas (Chiba, Kanagawa e Saitama) e na de Hokkaido, a norte. Desde o início da epidemia, o Japão registou mais de 820 mortes e cerca de 16.550 casos de infecção, de acordo com dados divulgados pela Universidade norte-americana Johns Hopkins. A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 343 mil mortos e infetou mais de 5,3 milhões de pessoas em 196 países e territórios. Mais de dois milhões de doentes foram considerados curados.
China planeia lançar sonda para Marte em Julho Hoje Macau - 25 Mai 2020 [dropcap]A[/dropcap] China planeia lançar uma sonda e um pequeno robô de controlo remoto para Marte, em Julho, na sua primeira missão ao planeta vermelho, anunciou hoje a agência responsável pelo projecto. “O nosso objectivo era enviar a sonda para Marte em 2020. Este grande projeto está a progredir conforme o planeado e estamos a apontar para um lançamento em julho”, anunciou em comunicado a China Aerospace Science and Technology Corporation (CASC). O país está a investir o equivalente a milhares de milhões de dólares no seu programa espacial, incluindo na construção de uma estação espacial e no envio de homens para a Lua. A viagem entre a Terra e Marte demora sete meses, pelo que a sonda chinesa não chegará ao seu destino antes de 2021. A distância está constantemente a mudar, à medida que os planetas giram à volta do Sol, mas é de pelo menos 55 milhões de quilómetros. Chamada Tianwen, a missão chinesa tem três objetivos: colocar uma sonda na órbita de Marte, aterrar no planeta vermelho e pôr um robô na superfície para realizar análises. A China já realizou uma operação semelhante na Lua, onde depositou em 2013 um pequeno “rover” de controlo remoto com rodas (batizado de “coelho Jade”) e o seu sucessor, em janeiro de 2019, no lado da Lua não visível a partir da Terra. Os Estados Unidos, que já enviaram quatro veículos exploratórios para Marte, devem lançar entre junho e agosto o quinto, chamado “Perseverança”, que deve chegar por volta de fevereiro de 2021. Os Emirados Árabes Unidos vão lançar a primeira sonda árabe para o planeta vermelho em 15 de julho, no Japão. A missão russo-europeia ExoMars, vítima de dificuldades técnicas agravadas pela epidemia de Covid-19, esperava lançar este verão um robô para Marte, mas foi adiada para 2022.
Hong Kong | Polícia detém 180 manifestantes e elogia lei da segurança nacional Hoje Macau - 25 Mai 2020 [dropcap]A[/dropcap] polícia de Hong Kong elogiou hoje a lei da segurança nacional chinesa, horas depois de ter detido pelo menos 180 manifestantes que protestaram no domingo contra a legislação anunciada por Pequim. O comissário da polícia disse que a decisão ajudará a combater as forças independentistas e a restaurar a ordem social, de acordo com um comunicado. “A polícia apoia por completo e cumprirá as obrigações para manter a segurança nacional e garantir a segurança e a estabilidade de Hong Kong”, afirmou Tang Ping-keung, indicou a mesma nota. As autoridades de segurança salientaram que desde o início dos protestos em Junho do ano passado – contra as emendas legislativas da lei de extradição que permitiria o envio de suspeitos de crimes para a China – registaram-se 14 casos associados ao uso e posse de explosivos e cinco de apreensão de armas de fogo e munições. “Os explosivos apreendidos foram habitualmente usados em ataques terroristas no exterior. Os criminosos até detonaram bombas na casa de banho de um hospital e num transporte público lotado”, referiu a polícia. Ou seja, “ao enfrentar os tumultos e as forças radicais ‘independentistas de Hong Kong’ (…), a polícia percebeu profundamente que Hong Kong está num ponto de risco da segurança nacional e é necessário tomar medidas eficazes para evitar que a situação se deteriore”, defenderam as forças de segurança. No domingo, os protestos voltaram à rua e 180 pessoas foram detidas até às 21:30 “por participarem numa manifestação ilegal e por conduta desordeira num local público”, informaram as autoridades ao final da noite.
Hãos de Macau em 1867 José Simões Morais - 25 Mai 2020 [dropcap]A[/dropcap]s Associações comerciais, denominadas hãos comerciais, em 1867 são 40 e para além destas há 28 casas de penhores, denominadas também hãos de penhores. No Boletim Oficial de 23 de Setembro de 1867 refere-se: “A chave do comércio de Macau está, por assim dizer, nas mãos dos chineses. Activos e inteligentes terão sabido conservar a posse desta fonte de riqueza. Quando Macau era o único ponto intermédio do comércio da China com os outros povos, florescia por isso nesta cidade o comércio dos chineses e o comércio português. Este último, porém, depois do estabelecimento da colónia inglesa do Hongkong e da abertura dos portos do vizinho império, começou a desfalecer, caminhando para a decadência em que hoje se acha. Mas não teve semelhante sorte o comércio dos chineses, porque, com quanto por vários motivos o retirassem temporariamente de Macau para Cantão, eles o restabeleceram depois nesta cidade, e desde então o têm mantido sempre florescente e próspero. Exploradores modestos desta mina, hão com habilidade e subtileza tirado dela valiosos resultados; e o mais é que, longe de enfraquecerem, têm multiplicado as suas casas comerciais, que aqui sustentam com crédito e riqueza. Os chineses, no que toca ao comércio, conduzem-se em geral com honra e probidade, porque, conhecendo o grande alcance destas qualidades quando se trata de tão rico manancial, são admiravelmente circunspectos em todas as suas contas. O espírito de associação existe entre eles em supremo grau; e por isso, salvas raríssimas excepções, não comerceiam senão por meio de associação. Mesmo para empreender qualquer insignificante negócio, não dispensam este meio, porque bem justamente compreendem que é no concurso de inteligências e capitais que se estriba a verdadeira segurança de todos os negócios.” Casas comerciais Os 40 hãos comerciais são outras tantas casas de consignação ou de agência, e as mais importantes do comércio chinês de Macau. Dessas, 34 têm a sede nesta cidade, com ramos em vários pontos da China, na Cochinchina, em Siam, Singapura, Pinang, etc. As outras 6 são casas filiais de hãos estabelecidos em alguns dos pré-citados pontos. Os seus escritórios e armazéns em Macau acham-se no litoral do porto interior, onde há sempre um grande número de empregados e um nunca interrompido movimento. Contabilizam-se 2823 membros das associações e lojistas, havendo 184 correctores de comércio, 893 caixeiros e 567 empregados em diferentes misteres nas casas comerciais. Há ainda casas comerciais que recebem géneros por consignação, mas de um modo diferente dos hãos, porque estes de ordinário satisfazem a pronto pagamento a importância dos géneros que lhes vêm consignados, vendendo-os depois por sua conta. Nessas casas, os géneros são geralmente vendidos por conta dos consignantes, sendo descontada uma percentagem de 8 a 9% e por isso, conhecidas por casas ou Hãos comerciais de oito a nove por cento. Se todos os lojistas são geralmente membros de associações comerciais, nem todos estes últimos são lojistas. Os membros de parte das associações são também membros de outras ao mesmo tempo, e é decerto esta circunstância a que principalmente explica o não se dar senão mui raramente uma falência em qualquer associação, porque, sendo os membros dela, também os de outras associações, estes a salvam logo de qualquer adversidade, que por ventura lhe possa suceder. Tais são as sólidas bases sobre que assentam as associações chinesas, que, estando de semelhante modo ligadas, hão-de necessariamente socorrer umas às outras. Contudo os membros de cada uma delas não são solidários; quem toma a responsabilidade dos negócios é o sócio manejante, que é quem representa a associação, não debaixo de firma alguma, mas sob um título convencionado, como entre nós se costuma dar a qualquer companhia. As associações têm ordinariamente as suas lojas, onde os sócios representantes vendem a retalho, e é por este motivo que aí se encontram a cada passo lojas chinesas, principalmente no Bazar, que é o centro da vida comercial e industriosa dos chineses de Macau. Hãos de penhor Para além dos quarenta hãos, que são os que fazem o comércio mais importante, existem ainda em Macau 28 hãos de penhores. Estas casas de penhores, onde se empresta dinheiro a juro sobre penhores, segundo Leonel Barros supõe-se terem sido durante a dinastia Tang (618-907) as primeiras estabelecidas na China. “Muito procuradas por pessoas que necessitavam repentinamente de dinheiro, bastando, levar para uma dessas casas, qualquer artigo de valor, recebendo na ocasião, em troca, certa quantia que deveria ser paga num determinado prazo, mediante o pagamento de juros de mora. Além dos artigos de valor como, por exemplo, anéis, pulseiras, relógios, ornamentos de jade etc. a ‘casa de penhor’ recebia também artigos de vestuário (casacos de couro seda chinesa e peles), dai que os homens que lá trabalhassem tivessem que estar treinados para o tratamento e conservação de todo esse material, evitando que os mesmos ficassem deteriorados pela humidade, ou pelos insectos que vivem de material orgânico.” E continuando com Leonel Barros, “geralmente no mês de Abril as esposas dos ricaços, conhecidas por tai-tais, lá iam depositar os seus casacos de pele, não porque necessitassem de dinheiro, mas por saberem que os homens que lá estão manteriam o bom estado das coisas ali depositadas. Portanto estas ‘casas de penhor’, eram também armazém de luxuosa indumentária da população mais abastada sendo, por isso, um objectivo principal dos constantes assaltos de piratas. Na sua maioria, a casa de penhor contava com uma Torre Prestamista, cujo formato é de um paralelepípedo quadrangular, possuindo seis ou sete pisos, vendo-se ao longo das três paredes (fachada principal e laterais) a partir do 2.º piso até ao terraço, umas estreitas aberturas que nos fazem lembrar as seteiras dos antigos castelos, que serviam para vigia e para o disparo das armas de guerra contra o inimigo. As portas são do tipo espaldar.” Luís Gonzaga Gomes refere, “Constituem, portanto, as casas de penhores, armazéns de luxuosa indumentária e de custosas alfaias das populações citadinas, sendo por este motivo o objectivo principal dos assaltos das quadrilhas de ladrões. À sua construção não puderam deixar de presidir todas as regras de uma boa defesa, porquanto, em caso de roubos, essas casas são obrigadas a compensar os donos dos objectos extraviados com outros idênticos, ou a indemnizá-los com quantias correspondentes ao seu justo valor.” Estes hãos de penhora dividem-se em duas classes. As de primeira categoria, conhecidas pelo nome de hãos grandes, ‘tóng-p’ou’ em cantonense, só admitem penhores bons, como ouro, prata e outros objectos de valor, podendo o prazo de seus contratos ser até três anos. Destes existem sete em Macau e 21 de segunda categoria, os hãos pequenos chamados ‘siu-át’, que admitem toda a espécie de penhores, mas os seus contratos não excedem um ano.
Rasto de canela Anabela Canas - 25 Mai 2020 [dropcap]S[/dropcap]ó me lembro daquele dia. Chegar a casa e não chegar à fechadura da porta. Com dificuldade conseguir passar por debaixo desta e entrar afogueada a pensar como de repente se pode ser pequena demais para uma coisa e quase grande demais para outra. A casa estranha, então, na desproporção desmesurada e nova, entre tudo o que era confortável e a minha diminuta estatura secreta. A pouca espessura recente. Se os objectos me viam deste tamanho, era a pergunta silenciosa que se insinuava no fundo do meu olhar desconfiado. Pareciam indiferentes, mas é difícil guardar este segredo. Ao fundo, do corredor e depois do cotovelo, a cama exorbitada pareceu-me de repente um lugar de afogamento possível. E do outro ado da casa, a mesa, com tempo, daria se tudo se mantivesse, uma boa cabana de refúgio com amplo jardim, nesta floresta de coisas inúteis subitamente agigantadas. De coisas que já não serviam. Ou então, penso depois, estou-lhes eu curta demais. Olho para o sofá grande e penso para que o quereria eu tão grande. E naquele momento parece-me tão desadequado na casa como um daqueles navios de cruzeiro ridiculamente grandes num porto da cidade. Livros fora das estantes, pesadíssimos e subitamente monumentais. A arrastar pelo chão, a içar uns para cima dos outros e a pensar que se se construíram pirâmides sem guindastes, também alcançaria a poltrona preferida do gato. Uma fibra gigante branca e fina esquecida do tempo em que ali se enroscava a dormir. Uma autêntica obra de engenharia esta escadaria de mansão, feita de livros empilhados. Entendi que tempo era coisa que não me faltava. Só mais um, arrastado a custo na subida, um fininho de poesia – sem força para mais – para o topo das escadas em construção. Até alcançar a almofada de veludo com o enorme pêlo do gato. Era suficiente, mas havia que resolver o jantar antes de desmoronar de cansaço. Percorri o longo caminho para a cozinha e cheguei já passava bem da hora de comer. Na desarrumação providencial e desusada, uma bolacha em cima da mesa, a última de um pacote antigo, esquecido. Lembro-me, porque ficou ali na pressa em que saí, sem assim a deitar fora. Mole e com um ligeiro cheiro envelhecido. Ia dar para cinco dias. A fome a perturbar o sono que rondava. Mas como subir? Quanto tempo levaria a fazer uma outra escadaria de livros e bem maior? Avalio em desespero a distância do chão ao pano da loiça. Do chão ao puxador do armário e deste à ponta do pano. Foi o cesto das cebolas que me salvou. Virado a custo ao contrário, escalado pelas reentrâncias do vime e a partir dali o pano A custo. Não tenho prática. Sento-me finalmente na bancada de pedra e preciso retomar o fôlego. Dali para a mesa um largo abismo a resolver talvez a salto e com risco de uma queda feia e dolorosa. Mas ali mesmo a tábua do pão, repleta de enormes migalhas. Quase chorei. Cortei várias delas ao meio e molhei na colher suja de azeite, retirada com estrondo, como uma alavanca, da saladeira do jantar da véspera. E, já com o alívio na alma, um capricho luxuoso fez-me abrir o contentor pesado do açúcar amarelo e acrescentar uns grãozinhos a cada pedaço de pão. Memória da infância naquela casinha da escola da primeira classe. Coisas do recreio no jardim das traseiras e de meninos mais crescidos a brincar com meninos mais pequenos e todos com um pão para o lanche. O daquele, sempre com açúcar e azeite. Lembro-me tão bem do cheiro, mas eu nunca tinha experimentado e até este momento. Depois, ainda havia que descer, dali. Mas por agora, jantar. Ainda dou umas dentadas numa sultana que achei debaixo do micro-ondas, mas estou cheia e deixo o resto para amanhã. A pensar em Gulliver. Um dia, acontece a todos, talvez. Pano da loiça abaixo, volto a percorrer o caminho da sala. Está frio para dormir destapada. Talvez alguma meia caída no chão lá ao fundo, mas isso nunca acontece. E por milagre ali estava ela, lavada e fresca, caída antes de chegar à gaveta. Enrolei-me nela numa onda de calor e conforto e voltei a percorrer o caminho de volta até à sala. Vencida de cansaço e a pensar como as coisas e a sua pertinência mudam em função de novas circunstâncias. Ainda hesitei entre o esforço de subir a escadaria de livros ou dormir no tapete. Mas depois pensei que mesmo infinitésima merecia uma almofada macia. Por fim cheguei lá acima e enrolei-me sobre mim própria e na meia, quase aniquilada de sono. E então, como tantas vezes, este diluiu-se por artes mágicas, perante o pensamento de que aquela bota enorme poderia voltar. Sonora e cega. Tento encontrar posição, revolvo-me, ajeito a meia em torno do pescoço, mas num gesto mais brusco caiu-me um pedaço de uma perna. Deixando um rasto de migalhas na almofada e esfarelando-se, ante os meus olhos aterrorizados, no chão. A chamar formigas. Nada a fazer. Ficou um cheiro nítido a canela e um toque de gengibre. Levo uma mão assustada à perna, outra ao peito. E percebo que tal como a que está esquecida na mesa da cozinha, também começo a amolecer.