IPM | Macau comemora 60 anos de ensino de português na China

O Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa do IPM organiza até 3 de Dezembro o congresso “Português na China: seis décadas no Ensino Superior”. Segundo Zhang Yunfeng, responsável pelo evento, a língua portuguesa está “de boa saúde” e a procura de cursos está a crescer

 

[dropcap]O[/dropcap] ensino universitário de português na China começou em 1960, em Pequim, e seis décadas depois está “de boa saúde”, sendo ensinado em 50 instituições, disse à agência Lusa o responsável pelo congresso “Português na China: seis décadas no Ensino Superior”, organizado para assinalar a efeméride.

O congresso é organizado pelo Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa (CPCLP), do Instituto Politécnico de Macau (IPM) e decorre até ao próximo dia 3 de Dezembro, incluindo uma série de quatro mesas-redondas sobre temas “de reconhecida relevância para o universo da difusão da lusofonia em território chinês”, segundo um comunicado do IPM.

Para o professor Zhang Yunfeng, coordenador do CPCLP, o interesse pelo português, não só não diminuiu desde a devolução de Macau à China, em 1999, como registou mesmo um crescimento “enorme” nos últimos anos.

Segundo o professor, no ano 2000 havia apenas “três instituições de ensino superior” a ensinar português na China continental, apontando que “muitos cursos foram criados em anos recentes”, desde 2010.

“Há cada vez mais alunos, mais professores, mais manuais, e o português da China também está a atrair cada vez mais a atenção do mundo”, garantiu Zhang, recordando o lançamento, no ano passado, da “primeira revista académica na área do português na Ásia, ‘Orientes de Português'”, criada pelo CPCLP, em colaboração com a Universidade do Porto.

“O português está de boa saúde e está mesmo a crescer em vez de descer, não apenas nas actividades pedagógicas, mas também nas actividades científicas”, sublinhou.

Natural do Interior da China, o professor, que trabalha há seis anos em Macau, depois de dar aulas em Pequim, fala fluentemente português, e é ele próprio um produto do sistema de ensino universitário da língua portuguesa no país.

Hoje em dia, a procura de cursos de português na China “é grande”, e a razão, garantiu, é “simples”: “Há mercado”.

“Neste momento, há muitas colaborações entre a China e os países de língua portuguesa, a vários níveis: economia, comercial, educação e cultura. Por isso, muitas universidades e instituições de ensino superior na China abriram cursos de português, e os alunos também querem conhecer melhor o mundo lusófono, a língua e a cultura”, afirmou.

Para estes alunos, há muitas saídas profissionais, nomeadamente “em empresas chinesas que tenham uma grande colaboração com os países de língua portuguesa”.

Oportunidades e desafios

O IPM tem várias licenciaturas dedicadas ao português, tanto na área da formação de professores, como na tradução e interpretação de português-chinês.

Para Zhang, que adoptou o nome português Gaspar, um dos desafios actuais do ensino da língua portuguesa é a diversificação dos manuais e materiais pedagógicos. A formação de professores na China é outro dos desafios.

“Já produzimos manuais de fonética, fonologia, léxico, vocabulário, gramática, história e literatura, mas há sempre áreas em que há lacunas. Muitos chineses que ensinam português na China são muito jovens, ainda estão a fazer mestrado e doutoramento, mas daqui a cinco ou dez anos o número de professores doutorados vai aumentar muito”, antecipou.

O congresso, que se realiza de forma virtual, conta com 12 oradores de instituições de ensino superior da China, Portugal, Estados Unidos e Brasil e arrancou ontem com uma mesa-redonda sobre intercâmbios universitários, havendo mais três conferências agendadas.

GPDP | Multas por telemarketing superam 12 milhões

O Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais aplicou multas superiores a 12 milhões de patacas nos onze primeiros meses do ano. O organismo censurou publicamente duas empresas envolvidas em telemarketing e alertou contra promoções comerciais ilegais de fracções

 

[dropcap]E[/dropcap]statísticas preliminares mostram que até Novembro o valor total das multas aplicadas devido a actividades ilegais de telemarketing foi superior a 12 milhões de patacas. A informação foi divulgada pelo Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais (GPDP), que acrescentou que “alguns casos encontram-se ainda em investigação, não se excluindo a possibilidade de serem posteriormente aplicadas sanções”.

Em anúncios publicados, o GPDP emitiu censuras públicas a duas empresas em Hong Kong: a HSL Mangement Consultants Limited e a Best Allied International Limited. O GPDP aplicou às duas empresas uma pena assessória de proibição de tratamento de dados, bem como o seu bloqueio ou destruição.

A HSL Mangement Consultants esteve envolvida em 28 processos de infracção administrativa, cujas multas ascenderam a 3,24 milhões de patacas.

As sanções resultaram de telemarketing a promover artigos e serviços de beleza que violaram as condições de legitimidade para tratamento de dados pessoais. Infracções administrativas da mesma natureza motivaram sanções na ordem de 681 mil patacas à Best Allied International, que abrangeram oito processos.

O gabinete liderado por Yang Chongwei alertou ainda que dados pessoais que as empresas obtenham de forma ilegal devem ser apagados e destruídos no prazo de 15 dias, sob pena de incorrerem no crime de desobediência qualificada.

Venda de fracções

Em comunicado, o GPDP indica que há diferentes sectores a recorrer a práticas ilegais para promoções comerciais por via telefónica. Note-se que um anúncio assinado pelo coordenador do GPDP, Yang Chongwei, aponta que o organismo fez uma investigação preliminar sobre chamadas relativas à venda de fracções autónomas de edifícios, explicando que o número de telemóvel é considerado um dado pessoal cuja utilização para marketing implica o consentimento explícito do titular dos dados.

O GPDP apela aos “agentes e instituições da promoção de venda de imóveis para que façam negócios de acordo com a lei”, cumpram a Lei da Protecção de Dados Pessoais e “suspendam imediatamente as actividades de telemarketing sem condições de legitimidade”. Yang Chongwei deixou ainda outro alerta: quem não notificar o GPDP sobre o uso de dados pessoais para fins promocionais pode ser punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias.

ONU | Rita Santos nomeada para vice-presidente de ONG sediada em França 

Rita Santos é a nova vice-presidente da ONG “Favoriser Les Échanges Culturels entre La France et La Chine”, sediada em França e presidida por Bernard Sok. Esta entidade está ligada ao Conselho Económico e Social do Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais da Organização das Nações Unidas. Ao lado de Rita Santos vão trabalhar outras personalidades de Macau, como Ting Sio Hong, Ng Man Ho e Wong Yuk Sze

 

[dropcap]Q[/dropcap]uando recebeu o telefonema de Bernard Sok, presidente da ONG francesa “Favoriser Les Échanges Culturels entre la France et la Chine” [Centro de Promoção do Intercâmbio Cultural França-China], ligada ao Conselho Económico e Social do Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais da Organização das Nações Unidas (ONU), Rita Santos não queria acreditar, pois acabara de ser nomeada para a vice-presidência dessa ONG.

Ao HM, a responsável, que é membro da direcção da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), e ex-secretária-geral adjunta do Fórum Macau, disse que nunca conheceu pessoalmente Bernard Sok, mas que, quando foi contactada, este tinha muitas informações sobre o seu percurso profissional. “Estranhei quando me contactaram. Tentaram saber mais sobre mim, mas não sei que canais utilizaram. Disseram-me que conheciam o meu currículo, que eu estava sempre disposta a ajudar as pessoas e que queriam contar com o meu apoio”, disse.

Foram também nomeados Ting Sio Hong para o cargo de secretário-geral da ONG, alguém “com uma vasta experiência, pois trabalhou no banco Tai Fung e é auditor, pelo que pode dar apoio na nossa área de controlo financeiro”. Ng Man Ho foi escolhido para secretário-geral adjunto, enquanto que Wong Yuk Sze será directora-executiva.

Rita Santos não tem dúvidas de que o trabalho que desenvolveu no Fórum Macau foi importante para esta escolha. “Esta nomeação está mais ligada ao Fórum Macau e às acções sociais de apoio. Disseram-me que apreciam muito o trabalho que fiz nos últimos 30 anos. Sabem até que estou aposentada e que continuo a ser activa. Disseram que precisavam de mim para utilizar Macau como plataforma.”

Incentivar os jovens

O primeiro acto de Rita Santos com estas novas funções aconteceu no passado dia 18 com a assinatura de um protocolo entre a ONG e uma câmara de comércio de Guangdong [Guangdong Chamber of Commerce of Importers and Exporters]. A agenda de trabalhos passa por incentivar o intercâmbio de jovens e empresários, bem como ajudar outras ONG ou associações, sobretudo no que diz respeito à pandemia da covid-19.

“Vamos ver como podemos incentivar os jovens de Macau no intercâmbio económico e cultural com o Interior da China e com os países da ONU. No próximo ano vamos organizar um grupo de jovens para visitar a ONU, alguns países da Europa e o Japão, para vermos quais as oportunidades que eles podem ter em termos de parcerias para a integração no Delta do Rio das Pérolas e na Grande Baía.” Relativamente a Macau, Rita Santos promete analisar “quais as organizações mais necessitadas que estão a apoiar os pobres”.

Para 2021, Rita Santos espera ter “muitos encontros com o Interior da China”, uma vez que “há muitas câmaras de comércio e importantes organizações de empresários que querem assinar protocolo connosco e com o departamento [da ONU]”, frisou.

O Centro de Promoção do Intercâmbio Cultural França-China foi instituído pelo falecido Presidente francês Jacques Chirac em 1979, e desde esse ano que é presidido por Bernard Sok. O HM contactou o Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais da ONU, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta.

Covid-19 | Mais de 70 estrangeiros pedem para entrar em Macau

Os Serviços de Saúde receberam 76 pedidos de entrada em Macau de estrangeiros do Interior da China, alegando motivos de reunião familiar e de estudos. Quanto à compra de vacinas, Alvis Lo Iek Long disse que há dever de sigilo

 

[dropcap]O[/dropcap]s Serviços de Saúde receberam pedidos para a entrada de 76 pessoas estrangeiras em Macau, ao abrigo da nova medida de isenção de restrições fronteiriças em casos excepcionais. Os pedidos estão ainda a ser analisados.

De acordo com Leong Iek Hou, coordenadora do Núcleo de Prevenção e Doenças Infecciosas e Vigilância da Doença, “são 60 casos no total e envolvem 76 pessoas”. Os pedidos abrangem 21 indivíduos que são cônjuges de residentes ou seus filhos, 44 familiares de portadores de ‘bluecard’ e 11 com título para estudar em Macau. “São pessoas estrangeiras mas já permaneceram muito tempo no Interior da China”, descreveu.

Há cerca de duas semanas foi anunciado que a partir de Dezembro os estrangeiros que tenham estado no Interior da China nos 14 dias antes de entrarem em Macau podem entrar no território. A medida implica uma aprovação prévia do Governo que é cedida em situações excepcionais, como reunião familiar, actividades profissionais ou educacionais.

Recentemente, o cônsul-geral de Portugal em Macau disse que esta medida é uma oportunidade para o regresso de portugueses não residentes da RAEM que ficaram retidos no estrangeiro, informando os cidadãos para contactarem as embaixadas da República Popular da China no país em que se encontram.

Note-se que continuam em vigor restrições para a entrada de estrangeiros na China, à excepção de, por exemplo, quem tem autorização de residência no país por motivos de trabalho.

Questionado se já foram contactados por pessoas que não estão na China, mas querem regressar a Macau fazendo quarentena lá, o médico Alvis Lo Iek Long reiterou que a medida é para quem já estava na China “mas tem necessidade de vir para Macau”. “Não devemos incentivar as pessoas a irem à China fazer quarentena, e se [estiverem] sãs e salvas, virem para Macau”, descreveu.

Regras comerciais

Alvis Lo Iek Long reiterou que o Governo está atento à questão das vacinas. “Através de diferentes meios tentamos adquirir vacinas do Interior da China e também do mercado externo”, disse, frisando que “por enquanto ainda não sabemos qual é a melhor vacina”. O médico indicou que só depois do último relatório dos testes dos fabricantes é que será decidido qual a vacina a adquirir. “De acordo com as regras comerciais temos de cumprir este dever de sigilo”, acrescentou, apontando que a compra será feita quando os produtos estiverem preparados.

Foi ontem anunciado o arranque de uma nova ronda de fornecimento de máscaras no sábado, que se mantém até dia 27 de Dezembro. O preço permanece nas 24 patacas por 30 máscaras. Alvis Lo Iek Long indicou que desde a primeira ronda foram vendidas 160 milhões de máscaras. O médico comentou que a procura diminui, apontando como possibilidade os cidadãos terem outros meios para a sua compra.

Maratona | Testes obrigatórios

Os participantes na Maratona Internacional de Macau vão ter de fazer teste de ácido nucleico, anunciou ontem a coordenadora do Núcleo de Prevenção e Doenças Infecciosas e Vigilância da Doença. Leong Iek Hou explicou que todos os participantes em actividades ou espectáculos desportivos têm de fazer o despiste do novo tipo de coronavírus antes dos eventos. A Maratona Internacional realiza-se no dia 6 de Dezembro, e todas as vagas foram preenchidas: estão previstos 12 mil participantes. Uma vez que existe uma capacidade diária de 30 mil testes, Leong Iek Hou defendeu que há “tempo suficiente para a realização dos testes”.

Wan Kuok Koi e Charles Heung apoiam recompensa de 10 milhões por criminosos que atacaram amigo de Jack Ma

Tido como homem próximo de Jack Ma, Chin Fong Loi foi atacado à facada a 14 de Novembro, em Hong Kong. Agora oferece uma recompensa de 10 milhões de dólares para levar os agressores à justiça e conta com o apoio Wan Kuok Koi e Charles Heung, amigos e ex-parceiros de negócios em Macau

 

[dropcap]W[/dropcap]an Kuok Koi e Charles Heung estão a apoiar uma recompensa de 10 milhões de dólares de Hong Kong para encontrar os agressores do empresário Chin Fong Loi. A informação sobre o ataque e a recompensa foi avançada pelos media de Hong Kong e pelas redes sociais, sobretudo nas versões em chinês, e o objectivo é levar os criminosos à justiça.

O caso terá começado com um ataque à faca ao empresário Chin Fong Loi, natural de Ningbo, com ligações a Macau e ao empresário Jack Ma, de quem é tido como homem de confiança, principalmente no que diz respeito a participações no Grupo Alibaba e da empresa Ant. O ataque aconteceu na madrugada do dia 14 deste mês, quando o empresário estava a sair de um clube nocturno, o Dinasty Club, na zona de Wan Chai.

Apesar do lugar ser considerado de alta segurança, uma vez que é frequentado por altos membros do governo, nada impediu que Chin Fong Loi fosse agredido por três indivíduos com facas. A investida aconteceu quando Chin, também conhecido como “Com Muito Dinheiro”, em cantonense Chin Tô Tô, se preparava para entrar numa carrinha de sete lugares. Nesse momento, é possível ver pelas imagens de CCTV que circularam nas redes sociais do continente, três homens a aproximarem-se a desferirem golpes com facas.

Três segundos, muito sangue

As agressões duraram pouco mais de três segundos, mas foram suficientes para levarem Chin para o hospital, com ferimentos numa anca. Um dos assistentes do empresário também terá ficado ferido, neste caso com maior gravidade.

Os motivos por trás das agressões a Chin Tô Tô não são conhecidas publicamente, mas podem estar relacionados com a entrada na bolsa do Grupo Ant, que foi bloqueada pelo Governo Central e resultou em avultadas perdas para vários investidores. O empresário é amigo do fundador do grupo Alibaba, com quem foi visto várias vezes em público e que se crê ser um dos anteriores accionistas, ainda que de forma indirecta, através de outras empresas.

Também estas ligações fazem de Chin uma figura mediática entre o mundo dos negócios no continente, o que explica que nas horas seguintes ao ataque tenham sido colocadas a circular imagens de CCTV nas redes sociais.

Caça ao homem

Como reacção às agressões, Chin Tô Tô publicou um comentário nas redes sociais a prometendo pagar 10 milhões de dólares de Hong Kong por informações que levassem à identificação dos agressores, para serem levadas à polícia e à justiça. Entre as informações consideradas valiosas constavam a matrícula do carro, dados sobre a faca utilizada e os envolvidos.

O Apple Daily entrou em contacto com o representante legal de Chin para perceber se já tinham sido recebidas informações, mas o assunto foi remetido para o atacado. Por sua vez, Chin não respondeu aos contactos da publicação de Hong Kong.

No entanto, a recompensa contou com o apoio de duas personalidades de Macau, com ligações ao mundo da promoção do jogo e alegadamente da criminalidade organizada. Segundo a imprensa, Wan Kuok Koi, também conhecido como Pang Nga Koi, que significa Dente Partido, em cantonês, ofereceu-se para pagar parte da recompensa. Wan foi durante anos o homem forte da tríade 14 quilates em Macau.

A outra personalidade envolvida e que terá apoiado a recompensa é Charles Heung Wah Keung, ex-proprietário do Hotel Lan Kwai Fong, que vendeu, em 2017, a Chan Meng Kam, através da empresa China Star Entertainment.

Charles Heung é filho de Heung Chin, um dos homens tido como um dos fundadores da tríade Sun Yee On, em 1918. Além disso, o irmão mais velho de Charles, com o nome Heung Wah Yim, foi considerado pelos tribunais de Hong Kong, em 1988, como o principal cabecilha desta mesma tríade. A decisão seria posteriormente revogada devido a uma tecnicidade, que não colocou em causa o conteúdo da decisão.

Amizade de Macau

Segundo a imprensa, as posições de Wan Kuok Koi e Charles Heung a Chin Tô Tô são compreensíveis por duas razões: primeiro, porque procuram distanciar-se de uma eventual ligação aos ataques; em segundo lugar, os dois homens que actualmente são empresários estão ligados por laços de amizade a Chin, devido ao velhos tempos de Macau.

Natural de Ningbo, na província de Zhejiang, Chin Tô Tô terá nascido pobre e antes de ainda ser conhecido nos meios da promoção de jogo de Macau, terá tido como actividades profissionais a venda de gelados, melancias, e posteriormente, a entrada no sector da decoração e do imobiliário.

É por volta de 2006 que Chin Fong Loi surge em Macau como milionário e começa a dedicar-se à promoção do jogo, principalmente com a reserva de salas altamente exclusivas para servir clientes influentes e muito ricos do continente.

Terá sido devido a estas ligações, e apesar de Wan estar preso, que os dois terão desenvolvido uma relação de parceiros de negócios e de amizade. Quanto a Charles Heung, o cruzamento com Chin terá acontecido devido ao facto de ambos frequentarem meios próximos do multimilionário Jack Ma, de quem Chin foi companheiro de escola. Diz-se também que o seu súbito enriquecimento se deve a essa amizade, baseada em grande confiança.

Uma formiga sem bolsa

Apesar dos motivos do ataque não serem públicos, os meios de comunicação social que relataram o caso avançaram com várias hipóteses. Uma das explicações seria o facto de alguém pretender enviar um aviso a Jack Ma, após o empresário ter saído das boas graças de Pequim, devido às críticas que fez sobre regulação do sector financeiro no Interior.

Terá sido esta a razão que levou o Governo Central a bloquear a entrada na Bolsa de Hong Kong e Xangai da empresa de créditos Ant. O bloqueio aconteceu um dia antes da operação que se esperava que fosse a entrada na bolsa mais valiosa de sempre e que ia gerar 34 mil milhões de dólares norte-americanos ao grupo.

Contudo, a principal hipótese prende-se com motivações financeiras. Homemd e confiança de Jack Ma, Chin Tô Tô terá prometido ganhos a vários investidores, que se endividaram para comprar os títulos do Grupo Ant, numa operação comum e denominada “margin”, em inglês. Estas pessoas esperavam comprar acções e vendê-las depois com ganhos avultados. Antes da entrada em bolsa, previa-se que as acções da Ant poderiam disparar rapidamente, fazendo com que o grupo chegam a um valor total de 310 mil milhões de dólares americanos.

No entanto, a acção do Governo Central fez com que estes investidores perdessem uma parte muito significativa do investimento. E, apesar da promessa de Jack Ma de compensar os investidores mais afectados, o ataque a Chin Tô Tô poderá ter sido uma forma para pressionar aquele que é um dos homens mais ricos da China.

Embaixador português em Pequim elogia nova obra de Siza Vieira e Carlos Castanheira na China

[dropcap]O[/dropcap] embaixador português em Pequim considerou hoje que a inauguração da nova obra dos arquitectos Álvaro Siza Vieira e Carlos Castanheira na China dá prestígio a Portugal e abre portas aos profissionais do sector.

Erguido na cidade de Ningbo, na costa leste da China, o MoAE – Museu de Arte e Educação é a quarta obra de Álvaro Siza Vieira na China, nos últimos seis anos. “É um indicador do reconhecimento e apreço deste mercado pelo trabalho do arquiteto”, apontou José Augusto Duarte.

O embaixador comparou a projeção do arquitecto português, vencedor de um prémio Pritzker, ao sucesso de Cristiano Ronaldo no futebol ou de Saramago na literatura.

“Entreabre portas à curiosidade por outros profissionais do mesmo ramo e da mesma nacionalidade, beneficia indubitavelmente o prestígio do próprio e do país, mas também põe o patamar de exigência mais elevado aos demais”, notou.

O museu, situado junto ao Lago Dongqian, tem cerca de seis mil metros quadrados. Em vez de escadas, o edifício, com uma altura de 25 metros, tem uma rampa sem barreiras a ligar os cinco andares e é iluminado apenas por janelas situadas no rés-do-chão e no topo do museu.

O edifício é um projecto do grupo privado chinês Huamao Group, cujo presidente, Xu Wanmao, decidiu convidar Siza Vieira a liderar o projecto após visitar o Museu de Arte Contemporânea, que o arquitecto desenhou para a Fundação Serralves, no Porto.

A primeira obra de Siza Vieira na China – um edifício de escritórios, desenhado também em parceria com o arquiteto Carlos Castanheira – foi inaugurado em agosto de 2014, no leste do país. Na Ásia, a dupla portuguesa tem também vindo a assinar projectos em Taiwan e na Coreia do Sul.

Hong Kong | Activistas Joshua Wong, Agnes Chow e Ivan Lam detidos a aguardar sentença

[dropcap]O[/dropcap]s activistas de Hong Kong Joshua Wong, Agnes Chow e Ivan Lam vão ficar detidos enquanto aguardam pela sentença de um tribunal por terem organizado uma manifestação não autorizada em Junho de 2019.

A informação foi avançada à agência de noticias espanhola EFE por fontes do extinto partido Demosisto, ao qual pertenciam os três jovens activistas. Os três arguidos, que testemunharam perante o tribunal, estão agora detidos no centro Lai Chi Kok, à espera que os juízes pronunciem a sentença, que poderá ir até cinco anos de prisão. A leitura da sentença deverá ser feita a 2 de Dezembro, indicou Agnes Chow na rede social Facebook.

Horas antes, Joshua Wong anunciou que os três activistas iam declarar-se culpados no julgamento, pela organização e participação numa manifestação não autorizada. “Não ficaria surpreendido se fosse detido ainda hoje”, disse Wong aos jornalistas ao chegar ao tribunal, esta manhã. “Continuaremos a lutar pela liberdade, e este não é o momento de nos achatarmos perante Pequim ou de nos rendermos”, disse o rosto do movimento dos ‘guarda-chuvas amarelos’ em 2014.

Joshua Wong denunciou a detenção de 23 activistas, jornalistas e conselheiros, nas últimas três semanas. “Todos os dias temos activistas em julgamento, manifestantes enviados para a prisão”, de acordo com uma nota enviada aos jornalistas e a que Lusa teve acesso.

“Sob as contínuas investidas contra os dissidentes da cidade, gerações de jovens vão de protestos a prisões. Para salvaguardar a liberdade do lugar onde nascemos, todos eles fizeram um sacrifício silencioso, mas sem arrependimento. Alguns deles foram torturados, forçados ao exílio”, frisou.

A mobilização pró-democracia no território foi muito forte até ao final do ano passado com manifestações que chegaram a ter dois milhões de pessoas, segundo os organizadores dos protestos.

Em junho, a resposta de Pequim aos protestos em Hong Kong surgiu com a imposição da lei da segurança na região administrativa especial chinesa, o que levou activistas a refugiarem-se no Reino Unido e em Taiwan.

Hospitais pelas costuras

[dropcap]N[/dropcap]as redes sociais corre um vídeo que se tornou rapidamente viral. Num encontro de técnicos e responsáveis pela Saúde, uma enfermeira com mais de vinte anos de carreira, levantou-se e usou da palavra. Foi o fim do mundo. A senhora trabalha há quatro anos nas urgências de uma unidade hospitalar e disse aquilo que o povo tem ouvido pela calada. A enfermeira falou alto, bem alto e desancou em todos os que têm tido responsabilidade pelo sector da saúde pública. Ouvimos pormenores de comover um elefante: que as macas enchem os corredores; doentes que morrem sem qualquer assistência nesses corredores porque as enfermeiras nem conseguem chegar às macas com o material adequado para salvar uma vida; que há cantos de salas que são para aqueles que os profissionais de saúde entendem não haver nada a fazer, ou seja, morrerem virados para as paredes do canto; que o pessoal médico e de enfermagem bem como os auxiliares estão exaustos, não têm um salário decente e ainda por cima agora proibiram-lhe quaisquer dias de férias até ao fim do ano. A enfermeira corajosa sintonizou que a situação acontece há anos e que por não aguentar mais psicológica e fisicamente já pediu para mudar de local de trabalho.

Passam décadas, a aflição continua, as horas, dias ou meses para uma consulta, a incapacidade de encontrar soluções estruturais, não apenas a prazo, são algumas das razões do caos na Saúde. O problema não é dos últimos governos. Tudo tem a ver em grande parte com o intuito de alguns “tubarões” desejarem que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) – que em boa hora o saudoso António Arnaut fundou – possa chegar ao fim para que os hospitais privados e os seguros de saúde tomem o seu reinado. Todos aqueles que nunca concordaram com a existência do SNS, hoje, hipocritamente, dizem defendê-lo mas boicotam-no sistematicamente e, tantas vezes, das maneiras mais vis preocupando-se apenas em informarem os hospitais públicos que os materiais necessários estão esgotados…

Lamento que a generalidade das reais denúncias sobre o que se passa no SNS venha de organizações partidárias quando lhes convém, e com a lenga-lenga do costume: falta pessoal especializado, faltam camas, faltam meios. Pois faltam. E faltam faculdades de medicina, médicos novos que em princípio são chumbados para não irem ocupar o lugar dos “cotas”. E quais outras razões de tanta carência? A Ordem dos Médicos, comandada por um imitador de sindicalista, nem pode ouvir falar em médicos vindos do exterior ou em construir-se um hospital novo que não seja em Lisboa. Outra razão prende-se, sem dúvida, com os salários miseráveis que são pagos aos profissionais de saúde. E há discriminação entre as classes. Imaginem, por exemplo, que no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, os médicos podem estacionar os seus carros gratuitamente, mas se for um enfermeiro, uma terapeuta doutorada ou outro técnico terão de pagar todas aquelas horas de trabalho. Horas? Ui, nem falemos de horários. É uma tristeza. Especialmente sobre os enfermeiros que chegam a trabalhar o dia todo e no dia de folga, muitas vezes, são chamados para as 24 horas de um banco de urgência. Centenas de enfermeiros já debandaram para Inglaterra e para outros países onde são tratados como gente: bom salário, horas extraordinárias bem pagas, cedência de residência, alimentação gratuita nos hospitais, subsídio para transporte e férias pagas sem qualquer desconto. Com estas condições de trabalho, quem é que não quer deixar os hospitais portugueses? Os médicos pretendem deixar o SNS para ingressar nos privados, mas há dias o governo proibiu a saída do SNS a qualquer profissional.

A tradição da falta de coragem política em dar saúde ao povo mantém-se. Temos uma ministra e uma directora-geral na tutela da Saúde que já levaram portugueses ao desespero por não as poder diariamente ouvir a palrarem, em todos os canais de televisão, apenas sobre o número de mortos e de infectados pela covid-19. Mas nunca se pronunciaram sobre os milhares que morrem diariamente com ataques cardíacos, diabetes, AVC’s, infecções renais ou pulmonares, muito menos referiram-se ao cancro que afecta milhares de doentes, alguns que já nem são atendidos. Muito menos falam de se construir novos hospitais, de aumentarem os salários dos profissionais de saúde e de oficializarem as suas carreiras para que os mesmos não deixem o país. E a situação está cada vez mais grave, ao ponto do Presidente da República decidir a continuação do estado de emergência. Ainda na semana que findou chegou-se ao ponto de os hospitais Santa Maria e Pulido Valente terem suspendido as cirurgias que não sejam urgentes durante três semanas, dependendo da evolução da situação pandémica. Mas as queixas sobre hospitais sobrelotados chegam de todo o país. A ruptura é uma realidade e em certas unidades hospitalares as camas já são no interior das ambulâncias estacionadas à porta das urgências porque os hospitais estão a rebentar pelas costuras…

*Texto escrito com a antiga grafia

Antigas viagens marítimas

[dropcap]O[/dropcap] Oceano Pacífico dá o mote aos próximos artigos, pois estão a comemorar-se os 500 anos da viagem de Fernão de Magalhães. Mas para os europeus começarem a navegar no mais vasto dos oceanos, tiveram no Atlântico os espanhóis de o atravessar e procurar ao longo da costa americana uma passagem e os portugueses, usando os ventos e correntes, de conseguir entrar no Índico e pelo Estreito de Malaca chegar ao Pacífico. Este Oceano, se na parte Oriental era um Grande Mar, a Ocidente, sem essa dimensão de único, estava dividido em muitas ilhas e vários mares, navegados milénios atrás por polinésios e chineses. Fora atravessado da Ásia para a costa americana por volta do ano 2500 a.n.E., quando algumas embarcações se perderem no nevoeiro na batalha naval entre os exércitos do Imperador Amarelo (Huangdi) e dos rebeldes comandados por Chiyou, no período da reunião das tribos chinesas num único povo.

No Pacífico Ocidental estão os mares do Sul e do Leste da China, o Mar Amarelo junto à península da Coreia e a Nordeste, o Mar do Japão, o de Okhotsk e o de Bering. A Sudoeste, o Mar de Banda e o das Celebes a banhar as Molucas, o Mar de Java, das Flores e de Timor a envolver o arquipélago da Indonésia. Mares navegados à muito por barcos chineses, como refere a História da dinastia Qin (221-206 a.n.E.), pois o Pacífico banha toda a orla marítima da China. Daí partiu durante a dinastia Han do Leste (25-220) uma armada comandada por Gan Ying que, chegando a um porto do Golfo Pérsico no ano de 97, demandou o caminho para o Mediterrâneo. Mas os partos dissuadiram-no, pois não queriam perder o controlo do negócio da seda com os Romanos. Cinquenta anos depois, faziam trato entre si no Sri Lanka. Já durante a dinastia Song, no século XI os chineses atravessavam directamente o Oceano Índico até África orientados pela agulha de marear, criada a partir da bússola, invenção também sua do século IV a.n.E.. A agulha de marear viajou para os países muçulmanos no século XII e daí para a Europa um século depois, quando aí apareceu o cadaste do leme, outro dos contributos chineses.

Após as sete viagens do Almirante Zheng He, ocorridas entre 1405 e 1433, os chineses fecharam o ciclo marítimo, tendo navegado os seus juncos no Pacífico e Índico. Faltava o Atlântico, por onde então os portugueses se iniciavam: em 1418 João Gonçalves Zarco chegara a Porto Santo e Tristão Vaz Teixeira no ano seguinte à Madeira. Os portugueses em 1427 andavam já nos Açores, mas ainda não atingiam o Cabo Bojador.

O Rei de Portugal D. João I faleceu em 1433 e na Índia, o Almirante chinês Zheng He morria no seu barco, o baochuan, em frente a Calecute, 65 anos antes de Vasco da Gama aí chegar. Fechava-se o primeiro ciclo da navegação marítima portuguesa, iniciado por o Rei D. Dinis quando fundou a Universidade, mandou plantar extensos pinhais de verde pinho e em 1317 contratou o genovês Manuel Pessanha (Pezagno) como Almirante mor para organizar uma frota de galés e formar marinheiros.

Em 1434, Gil Eanes dobrava o Cabo Bojador numa barca de 30 toneladas, com remos e apenas uma vela triangular, sem qualquer coberta. A caravela usada em 1436, com menos de 20 metros era um barquinho comparado com o baochuan, de cento e vinte metros de comprimento e cinquenta de largura.

A chegada de Dinis Dias em 1445 a Cabo Verde permitiu encontrar o vento alísio de Sueste, importante para fugir à vasta zona das calmarias equatoriais junto à costa ocidental africana e fazendo no Atlântico a volta para Oeste, atingir o Sul de África. Daí o evoluir da caravela para um porte de 50 a 80 toneladas, e de dois ou três mastros com vela latina a permitir navegar contra o vento, o bolinar, legado dos polinésios com dois mil anos.

VIAJANTES NO PACÍFICO

Zheng He elegera como portos estratégicos, Malaca, Ormuz e Adém, os mesmos que cem anos mais tarde Afonso de Albuquerque planeou para controlar o comércio no Índico.

Os mares chineses e do Sudeste Asiático foram visitados por o mercador veneziano Marco Polo (1254-1324), que passou dezassete anos na China e em 1292 embarcou no porto de Quanzhou (em Fujian) a escoltar, ao serviço do Imperador Kublai Khan (1260-79) da dinastia mongol Yuan, uma princesa chinesa que ia casar na Pérsia. Após uma viagem de vinte e quatro anos, Marco Polo regressou a Veneza em 1295. No século seguinte, o viajante berbere de Tanger, Mohamed Bid Abdullah Ibn Batoutha (1304-77), mais conhecido por Ibn Battuta, entre 1325 e 1349 percorreu quase todo o mundo conhecido. Saíra de Tanger a 14 de Junho de 1325 e entre 1331 e 1332 viajou pelo Norte da costa oriental africana (Mogadíscio e Mombaça), visitando no ano seguinte a Índia. Estava na China em 1346, onde ficou um ano e no porto de Zaitun (Quanzhou, Fujian) refere ter visto três tipos de embarcações chinesas: os juncos de grande porte, que conseguiam transportar mais de mil pessoas, os zao de médio porte e aos mais pequenos chamou-lhes kakam.

Os portugueses só chegariam em 1511 ao Pacífico e os espanhóis em 1513.
Com uma ancestralidade nas viagens marítimas, os chineses legaram muitas das suas invenções náuticas aos muçulmanos do Mar Arábico, para onde Pêro da Covilhã foi enviado em 1487, afim de saber como aí se navegava e quais os principais portos de comércio. Andava já Bartolomeu Dias com três caravelas a caminho do Índico, para desfazer “as ideias de Ptolomeu, que concebia o Atlântico e o Índico como mares interiores e sem qualquer comunicação entre si”, segundo Luís de Albuquerque. Com o problema dos ventos alísios contrários de Sudeste ao descer a costa ocidental de África, Bartolomeu Dias chegava à confluência do Atlântico com o Índico e após dobrar o Cabo das Tormentas, no início de Fevereiro de 1488 atingiu o Rio do Infante, na costa Oriental africana. Regressou a Lisboa com a missão cumprida em Dezembro de 1488.

Por outro lado, Pêro da Covilhã, com todas as informações registadas, entregava-as em 1490 no Cairo ao mercador José de Lamego, que logo as levou em carta ao Rei D. João II. Relatava, os portos das especiarias por ele visitados, as técnicas de navegação no Oceano Índico e as rotas dos barcos comerciais muçulmanos com quem seguiu até Sofala. Ligando a navegação de Pêro da Covilhã, do porto de Sofala à Índia, com a viagem de Bartolomeu Dias, faltava aos portugueses, na rota para a Índia, apenas navegar no Mar Arábico entre o Rio do Infante e Sofala. Confirmava-se, ao contornar a África poder-se chegar à Índia e haver passagem do Atlântico para o Índico; logo eram mares abertos, ao contrário do que em 150 Ptolomeu desenhara no seu mapa.

No Atlântico restava explorar dos Açores para Ocidente, pois guardado em segredo ficara a chegada às Antilhas, sigilo quebrado num mapa feito em 1424 por genoveses ao serviço de D. João I, que logo despediu os que ainda trabalhavam para o Almirantado.

Em 1484 Cristóvão Colon pretendia atingir a Índia navegando para Ocidente, mas só a 3 de Agosto de 1492 partiu em três pequenas e já maltratadas caravelas.

Dating the city

[dropcap]N[/dropcap]a verdade o espaço de todos os dias sob o olhar do outro que invade o quarto. As roupas, como se delas se fizesse a clareza com que a vida flui em visibilidade no outro. O que somos do outro. As roupas. As peças desmembradas e amorfas num curto espaço de quinze minutos de pressa para sair como se de tudo isso dependesse o sentido da vida a revelar ao outro olhar e àquele olhar que se enviesa desconfiado e acutilante na indecisão ou no desafio a rasar o espelho, também ele falível. Os espelhos antigos são deformadores por excelência. Há que procurar a zona de clareza por oposição à zona de deformação. Das proporções. Mas para o corpo, esquecendo o rosto, passa discreta a deformação e o que sobra é a ideia geral. Sai. Detrás do espelho. Que já não é tempo de confundir a estética com o amor. A questão das roupas passa também pela evidência da cor. Como tudo.

As roupas, como animais abandonados sem dono sobre a cama. Outras vezes sobre o chão sem tempo para mais esmero. Despir rápido ou lento, ritual. Às vezes de desejo. As roupas esvaziadas porque neste dia não servem nem se lhes reconhece alguém. Estranheza em cada peça descartada. Esta não. Não hoje. Não ontem mas sim num dia outro qualquer. A identificação. Ali sim, pareço ser. As que ficam coladas e ancoradas ao corpo até ao fim do dia. Provamos como se roupas e máscaras inteiramente desconhecidas.

Esta roupa ontem servia e hoje não serve. Não se reconhece. E os sapatos fazem as pernas curtas onde ontem se dispunham generosos e repunham as proporções. O arquivador doméstico como se do seio familiar. Esta tia hoje não me responde, esta não me reconhece e esta outra é como se eu não a conhecesse.

Não me conhecesse – digo – E assim. O tempo a escoar-se no limbo da roupa interior já ultrapassada como etapa. No provador. Doméstico. Revestido de um olhar como se do outro. Um curto momento de visita entalado entre o passado e o nada que antecederia o futuro indiferente.

Entro e subo escadas entupidas de restos e poeiras e escuridão. Um primeiro andar adivinhado na entrada do prédio com pequenas montras esguias ao logo do átrio de entrada. As montras do que é mais acima adivinhando o tema íntimo da roupa a experimentar. Noutros tempos. Antes do pó e da derrocada de tudo. Materiais em desvario e fechaduras de exígua privacidade ou segurança, agora. Entra-se nos restos de um passado mais lento. De uma atenção mais cúmplice. Afinal falamos de roupa interior, a derradeira fronteira da intimidade. Se esquecermos a pele e tudo o mais de misterioso. Tudo devoluto, hoje. As noções e os espaços.

Anúncios de colorido vintage. Um charme estilizado. Uma pose para o olhar do outro Para a sedução. Ali ao Chiado. A derrocada completa no interior prestes a requalificar. Um provador íntimo e recatado e dois espelhos de moldura metálica naquele ângulo específico para ver e ao mesmo tempo ver.

Haveria um balcão de madeira nobre e quente com espaço para desvendar caixas de cartão baixas e quadrangulares, de onde se desnudavam gradações de rendas e tonalidades. Das mais finas às mais barrocas e das mais suaves às mais intensas. Em papel de seda. Com gestos delicados a acumulá-las umas sobre as outras em escadinha. Para escolher calmamente.

Uma porta, um espaço silencioso, uma banqueta para sentar o corpo em exposição dupla. Roupa interior e um olhar de si e de outro. Como se as duas coisas pudessem ser simultâneas. E não alternadas. Ainda ali está o prédio. Na esquina como uma esquina teria sido cada corpo que ali se interrogou. Entre um olhar de si e um olhar exterior a si. A ver se ficava bem. No quase somente corpo, a pele fina de rendas delicadas. Era uma divisão, anteriormente assoalhada, talvez, pequena e aconchegante, um provador de espelhos posicionados como na vida, com um ângulo particular. Molduras em metal de perfil fino. O olhar não carece de moldura, já é. É em si suficientemente abrangente. Esse olhar do outro. Mesmo ali. Sento-me calmamente em roupa interior. Como se fosse. Outro tempo. Observo e relembro como se tivesse olhado com esse olhar de ali estar pousando sobre a banqueta e de olhar no espelho sobre um corpo em roupa interior. Interior é mais ainda para dentro mas não para além desse olhar no momento, sobre o olhar do outro. Visto-me, ponho a máscara, por cima da roupa interior. Essa fica. Como nos filmes.

Quando é que alguém deixa de escolher, com essa duplicidade no olhar e dois espelhos em ângulo? Quando é que se abandona um sorriso secreto? Talvez voltando a Schopenhauer, e como sempre a propósito de uma outra coisa, revirar a frase sobre si própria a ver se serve. Como roupa interior. “Sentimos a dor mas não a sua ausência”. Quando deixa de existir a hipótese de ausência da dor, de intimidade? Esse nada. Que é desinteresse. Ou indiferença ou esquecimento ou abandono ou idade. Sento-me sentindo-me no provador, ante espelhos. Que fazer na ausência desse olhar? Que vem depois de antes. Quando ainda “todo o fruto delicioso amadurece lentamente”. Como a intimidade.

Fórmula 4 | Charles Leong venceu duelo de pilotos locais e levantou o troféu

O piloto de 19 anos foi o grande vencedor do Grande Prémio de Macau ao levar a melhor perante Andy Chang, numa edição marcada pelo “duelo de residentes” e pelas limitações causadas pela pandemia

 

[dropcap]A[/dropcap]os 19 anos, Charles Leong tornou-se o vencedor do Grande Prémio, que este ano teve como categoria principal a Fórmula 4. O jovem que se apaixonou por este desporto a assistir aos desenhos animados “Initial D” concretizou um sonho de criança, numa edição marcada pelas medidas de controlo da pandemia.

“Alcancei um dos meus sonhos de infância e, para ser sincero, não consigo contar o que estou a sentir. São demasiadas sensações ao mesmo tempo e ainda acho que estou a sonhar”, afirmou Charles, momentos depois de passar pela linha de meta. “Foi um bom fim-de-semana em que contei com apoio dos meus amigos. E apesar de ter algumas dificuldades no início, consegui encontrar um bom ritmo. Só no final é que voltei a ter dificuldades, porque o Andy estava a aproximar-se e eu tinha os pneus muito desgastados”, explicou.

Por sua vez, Andy Chang reconheceu ter ficado satisfeito com o lugar intermédio do pódio e admitiu que o resultado foi justo. “No início ainda tentei encurtar a distância, mas o Charles estava demasiado rápido. Senti que não ia conseguir apanhá-lo”, apontou o piloto, de 26 anos. “Na última volta ainda me aproximei bastante, mas até à última curva não tive qualquer hipótese para tentar uma manobra de ultrapassagem. Fiquei satisfeito com o segundo lugar”, acrescentou.

No terceiro lugar terminou Li Si Cheng, um piloto que com 26 anos fez a estreia em Macau e que rodou sempre entre os mais rápidos, no grupo de participantes do Interior. Com um pódio no bolso, e também um pouco como reflexo da falta de experiência nestas lides do pelotão de pilotos da Fórmula 4 da China, Li afirmou estar satisfeito por ter participado pela primeira vez numa corrida tão mediática.

“Gostei muito de poder participar no Grande Prémio de Macau e num evento tão mediático. Chegar aqui e ver tantas câmaras e jornalistas… Admito que até me deixa um pouco nervoso”, reconheceu, no final, um bem divertido Li. “Foi uma excelente primeira experiência”, concluiu.

Corrida morna

A corrida de qualificação de sábado tinha deixado boas indicações para o duelo entre Charles e Andy. Apesar dos vários incidentes, Andy mostrou-se a Charles na única oportunidade que teve, mais concretamente na curva do Lisboa. Além disso, o residente de 26 anos deixou ainda uma mensagem para o vencedor do primeiro duelo: a vitória não seria alcançada sem luta.

O aviso foi levado a sério e no domingo, Charles saiu da pole e impôs desde cedo um ritmo muito elevado. Nem a entrada do safety car, devido a um acidente com Liu Yang e Yu Song Tao, afectou o piloto de 19 anos.

Mal recomeçou a corrida, o jovem focou-se em abrir uma vantagem e começou a registar voltas mais rápidas.
Andy Chang não deixou o conterrâneo sem resposta, mas Leong reagia prontamente com tempos mais rápidos, mostrando a razão de ter sido campeão de Fórmula 4 da China em 2017. E esta foi a história da prova até à última volta, quando Andy se conseguiu finalmente aproximar do rival, mas sem ter tido uma verdadeira oportunidade de ultrapassagem.

Sem grande motivo de interesse na frente, foi a luta pela quinta posição que fez aquecer a pista. Num duelo com várias trocas de posições e tentativas de ultrapassagem, ao nível do que mais emocionante se vê no automobilismo, Hong Shi Jie levou a melhor face a Li Kang.

David Pun venceu Taça da Grande Baía

Num fim-de-semana que dominou por completo, David Pun (Mercedes AMG GT4) venceu a Taça GT da Grande Baía, numa corrida que ficou marcada por uma longa suspensão, por, alegadamente, a organização ter considerado que os pilotos não tinham feito de forma apropriada a partida lançada. No segundo lugar, terminou Chang Chien Shang (KTM X Bow) e o último lugar do pódio foi ocupado pelo local Lei Kit Meng (Ginetta G55).

Ye Hongli venceu Taça GT de Macau

Ye Hongli (Mercedes AMG-GT3) foi o vencedor da corrida de GT de Macau, ao aproveitar da melhor maneira a pole conquistada na corrida de qualificação. Inicialmente o favorito Darryl O’Young (Mercedes AMG-GT3) tinha vencido a corrida de qualificação, mas a organização penalizou o piloto de Hong Kong, por não ter mantido a distância de um carro na partida lançada. Mais tarde, o piloto queixou-se nas redes sociais. Polémicas à parte, David Chen (Audi R8 LMS) foi o segundo e Marchy Lee (Audi R8 LMS) terceiro. Quanto a O’Young ainda chegou a recuperar até terceiro na prova principal, mas o fim prematuro da corrida, devido a acidente, fez com só fosse contada a volta em que estava em quarto.

Organização: cerca de 50 mil pessoas presentes

Segundo Pun Weng Kun, coordenador da Comissão Organizadora do Grande Prémio de Macau, estiverem ao longo dos três dias de provas cerca de 50 mil espectadores. O responsável elogiou os resultados obtidos para o turismo local e sobre as dúvidas levantadas pelo Chefe do Executivo, em relação à edição do evento no próximo ano, Pun afirmou que vai ser enviado um dossier com a informação deste ano para ser tomada uma decisão.

Corrida da Guia | Huff tirou Ma de prova, foi penalizado e entregou a vitória a Jason Zhang

Ma foi campeão do TCR China em Macau, mas deixou o Circuito da Guia frustrado, após ter sido atirado contra as barreiras por Rob Huff. A manobra teve tanto de polémica como de perigosa e custou a 10.ª vitória ao britânico

 

[dropcap]J[/dropcap]ason Zhang (Lynk & Co) foi o grande vencedor da Corrida da Guia, que ficou marcada pelo acidente na Curva do Mandarim Oriental entre os favoritos Rob Huff (MG Xpower) e Ma Qing Hua (Lynk & Co). O britânico ainda subiu ao pódio e celebrou a “décima”, mas a organização acabou por aceitar o protesto da equipa Lynk & Co, que resultou numa penalização de 30 segundos a Huff, uma queda para a 23.ª posição, e a atribuição da vitória a Zhang.

A decisão sobre a penalização de Huff só foi conhecida três horas após a corrida, mas antes já tinha sido o principal assunto da conferência de imprensa. O britânico recusou haver qualquer intenção no toque: “Ele reduziu bastante a velocidade. Eu também tentei reduzir, mas a 250 km/h é complicado, porque também é preciso manter a estabilidade do carro”, explicou Huff, que na altura desvalorizou uma eventual penalização. “Não queria atingi-lo”, acrescentou.

Ma Qing Hua contou uma versão diferente sobre o embate que considerou o mais assustador da carreira. “Não sei o que se passou com Huff, mas este não é o seu comportamento normal […] Eu tinha hipóteses de vencer, tantas quanto ele e considero que esta não é a melhor forma de ganhar. Temos de nos respeitar dentro de pista”, disse Ma. “Claro que nas corridas temos sempre espaço para sermos agressivos, porém não se corre este tipo de riscos com uma manobra destas em Macau, e particularmente na Curva Mandarim Oriental, que é feita a velocidades superiores a 230 km/h. Ele fez uma manobra com um risco que não é normal em Macau, nem em provas do mundial”, opinou.

O chinês apontou também não acreditar que o toque na traseira se tenha tratado de um erro: “Se fosse um piloto estreante, até poderia considerar essa hipótese plausível. Só que estamos a falar de um piloto muito experiente, que sabe bem as velocidades a que circulamos naquela zona”, justificou.

Ma admitiu ainda ter temido os resultados do acidente: “sabemos que estamos num meio perigoso, mas, pela primeira vez, durante um acidente dei por mim a pensar se ia magoar-me”, confessou.

Após a penalização, o vencedor, Jason Zhang, considerou a vitória foi “estranha”, mas um prémio merecido para a equipa pelo trabalho feito nos testes das semanas anteriores à prova. “É uma sensação estranha, mas depois do que se passou com o Ma, acho que é inteiramente merecida”, afirmou. O piloto confessou também que no início do ano não tinha planos para estar em Macau: “Na verdade nem era para estar na prova, mas a equipa ligou-me a perguntar-me se queria participar… E eu respondi: porque não?”, revelou.

Campeonato para Ma

Um dos grandes aliciantes da Corrida da Guia este ano era o facto de ser pontuável para o Campeonato TCR China. Ma Qing Hua era o favorito à vitória e tinha uma vantagem de oito pontos face a Rodolfo Ávila (MG). A questão ficou logo decidida com a corrida de qualificação, que atribuía pontos.

Enquanto Ma conseguiu um segundo lugar, atrás de Huff, Rodolfo Ávila viu-se envolvido em dois toques e foi forçado a abandonar, o que fez com que hipotecasse automaticamente o campeonato.

No segundo dia, o piloto ainda fez uma excelente corrida, de trás para a frente, e apesar de ter arrancado de 29.º chegou a 7.º. Contudo, a prova foi interrompida mais cedo devido aos vários acidentes, o que impediu um resultado melhor.

Apesar da excelente prestação no dia de ontem, e da felicidade com o regresso a “casa”, o piloto mostrou-se desiludido com o resultado. “Estar de volta a Macau é sempre bom. Consegui qualificar-me em quinto para a primeira corrida, quando tudo estava em jogo, mas depois do primeiro recomeço tentei ultrapassar um concorrente, e ele fechou-me a porta. Como resultado fiquei com a direcção partida”, lamentou. “Foi uma pena, porque pelo que vimos hoje (domingo), se não tivesse desistido no sábado tinha conseguido vencer o campeonato porque o Ma desistiu… Mesmo assim, ser vice-campeão não é mau”, atirou.

Filipe de Souza o melhor de Macau

Com um quarto lugar à geral, após a penalização a Huff, Filipe de Souza (Audi R3 LMS) foi o melhor piloto de Macau na Corrida da Guia. No entanto, o piloto mostrou-se desiludido, por não ter sido capaz de repetir o pódio da prova de qualificação. “Tinha andamento para mais e o objectivo era o pódio. Por isso, não posso estar satisfeito com o resultado. Foi uma desilusão”, afirmou Souza. “Comecei muito mal, depois perdi a concentração e ainda bati numa das barreiras. Fico triste com a prestação”, completou. Apesar dos percalços, Souza levou para casa três taças, a de terceiro classificado na corrida de qualificação e de melhor piloto de Macau nas duas corridas.

Grande Prémio | Rui Valente regressou ao pódio no Circuito da Guia 32 anos depois

[dropcap]F[/dropcap]oram precisos 32 anos, mas Rui Valente (Mini Cooper) quebrou o enguiço do Grande Prémio de Macau, na Corrida de Carros de Turismo de Macau. O macaense regressou ao pódio naquela que considera ser a corrida mais especial, com dois terceiros lugares na classe para carros 1600CC.

O momento mais feliz chegou no sábado, na corrida de qualificação, que começou em 3.º na classe. Aproveitando as várias lutas e percalços manteve a posição. A partir desse momento, com o enguiço quebrado, tudo ficou mais fácil: “Fiquei muito emocionado quando percebi que tinha terminado no pódio. Foram 32 anos à espera… Foi tanto tempo… É uma vida”, afirmou Valente, ao HM.

“Durante todos estes anos nunca senti que tivesse falhado o pódio por falta de andamento, mas houve sempre alguma coisa. Por um motivo ou outro, as coisas foram sempre falhando e sentia-me agourado. Felizmente a vontade de fazer venceu”, acrescentou.

A última vez de Rui Valente num pódio em Macau aconteceu em 1988, na altura com um Toyota AE86 Corolla, na corrida de iniciados. Este é um carro que se tornou muito popular nos dias de hoje, entre os mais novos, devido aos desenhos animados Initial D e serviu de inspiração a pilotos como Charles Leong.

Sem pressão, ontem, Rui Valente pode encarar a corrida principal, de forma mais relaxada. E o início esteve longe de ser fácil, quando o macaense se viu abalroado por outros dois participantes e ainda teve de lutar por uma posição com Célio Dias. “O pódio deu-me muita força para a corrida, por isso quando enfrentei maiores dificuldades, como quando fui abalroado no início e sofri danos muito ligeiros, não deixei de acreditar que era possível chegar a um bom resultado”, partilhou.

Por sua vez, imune a problemas, Jerónimo Badaraco (Chevrolet Cruze) foi o vencedor da classe 1600T, nas duas corridas. “É um circuito onde me sinto sempre bem, no início achava que não ia ter ritmo. Mas depois da primeira corrida habituei-me bem e o ritmo surgiu. Estava muito confiante”, afirmou o piloto macaense.

Destino fatal

A vitória à geral foi de Wong Wan Long (Mitsubishi EVO X). Contudo, o piloto mais rápido foi Kelvin Leong, assim como o mais azarado. Ao volante de um Mitsubishi EVO IX, Leong desistiu com problemas mecânicos, quando liderava, na corrida de qualificação. Mas, como um azar nunca vem só, Kelvin voltou a repetir a “proeza” de desistir na última volta também na corrida principal. A desfeita de ontem teve um impacto maior, porque Leong tinha arrancado de 19.º e feito uma recuperação notável.

Wong aproveitou assim os azares e somou um triunfo na Guia: “O meu início foi sem incidentes e estava tudo bem. Só que a partir do meio da corrida comecei a ter problemas com os pneus e deixei o Kelvin Leong ultrapassar-me”, disse Wong. “Eu achava que ia acompanhá-lo, só que depois percebi que ele estava mesmo muito rápido. Se não fosse o problema que o Kelvin Leong teve, acho que não teria tido andamento para mais do que o segundo lugar”, admitiu.

 

Célio Alves Dias com pneu rebentado

Na luta pelo pódio na Classe 1600CC, Rui Valente chegou a ter como adversário Célio Alves Dias (Mini Cooper). Contudo, o também macaense viu um pneu rebentar à quinta volta, logo na primeira curva do circuito, que o atirou contra a barreira, sem ferimentos. “Não esperava terminar a corrida desta forma, até porque o desgaste dos pneus era um problema que tínhamos identificado. Mas, nunca me senti verdadeiramente confiante no fim-de-semana”, desabafou Célio, no final.

The House of Dancing Water | Suspensão prolongada afecta TNR

Em vez de regressar em Janeiro, o espectáculo “The House of Dancing Water” vai continuar suspenso, resultando na saída de vários portadores de “bluecard”. Os profissionais residentes vão continuar a trabalhar em actividades realizadas no teatro

 

[dropcap]O[/dropcap] espectáculo “The House of Dancing Water” vai continuar suspenso por vários meses e não regressa em Janeiro, como anteriormente se esperava, avançou a Macau News Agency. A situação implica a dispensa de trabalhadores não residentes. Em comunicado, a Melco explica que os TNR, cujo visto de trabalho acaba durante a suspensão, vão sair. O HM tentou esclarecer se os trabalhadores vão ser despedidos ou se a empresa não lhes vai renovar o contrato, mas a Melco disse não ter nada a acrescentar ao comunicado emitido.

A suspensão foi inicialmente dada a conhecer em Junho, quando a Melco Resorts comunicou que o espectáculo ia ser repensado e voltava em Janeiro de 2021, a tempo do Ano Novo Chinês. Na altura foram despedidas dezenas de trabalhadores não residentes.

No comunicado, David Sisk, Director de Operações da Melco, diz que “é de coração pesado que vemos a saída destes talentos”, agradecendo o esforço contínuo dos colegas por terem estado dispostos “a permanecer com o espectáculo durante estes tempos difíceis”. Além disso, esclarece que os trabalhadores que são residentes “vão continuar a apoiar as actividades realizadas no teatro do The House of Dancing Water”.

A operadora de jogo sublinhou o impacto da pandemia no mundo e como as restrições de viagens afectam “negativamente” o ambiente de negócios dos sectores do turismo e entretenimento. No entanto, o motivo apontado pela Melco Resorts para a suspensão indefinida do espetáculo foi a incapacidade de o director criativo vir ao território.

“Em Junho esperávamos que o novo espetáculo re-imaginado voltasse em Janeiro de 2021 com uma experiência de entretenimento sem precedentes, depois do encerramento temporário. No entanto, devido à situação actual, o seu lendário director criativo, Franco Dragone, não conseguiu vir para Macau. Como tal, o espectáculo vai continuar suspenso nos próximos meses”, diz a nota.

Movimento limitado

No comunicado, Franco Dragone descreve que o trabalho para reimaginar o espectáculo dura há algum tempo, mas que nem ele nem ninguém da equipa consegue viajar para Macau. Descrevendo que “a pandemia global criou uma situação muito difícil para todos nós”, o director criativo lamentou a saída de talentos. “Não há palavras que expressem o quanto estou grato a todas as pessoas que fizeram parte do espectáculo”, disse, acrescentando ter esperança que a nova versão seja apresentada em Macau.

De acordo com a Melco, desde que o “The House of Dancing Water” estreou, em 2010, foi visto por mais de seis milhões de espectadores.

Covid-19 | Portugueses não residentes podem voltar cumprindo quarentena na China 

A partir do dia 1 de Dezembro os portugueses não residentes que estejam no estrangeiro podem voltar à RAEM depois de cumprirem quarentena na China e de receberem autorização de entrada dos Serviços de Saúde de Macau. No entanto, é necessário visto para entrar no país. Paulo Cunha Alves, cônsul-geral de Portugal em Macau, diz tratar-se de uma “janela de oportunidade”

 

[dropcap]F[/dropcap]oi encontrada uma solução parcial para os portugueses não residentes de Macau que estão no estrangeiro e que não conseguem voltar ao território devido às medidas restritivas de circulação impostas devido à covid-19.

Segundo disse Paulo Cunha Alves, cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, à TDM – Canal Macau, existe a possibilidade de os portugueses poderem regressar a Macau após cumprirem quarentena na China.

Além deste requisito, é necessária autorização de entrada por parte dos Serviços de Saúde de Macau (SSM). A medida entra em vigor no dia 1 de Dezembro.

“Estas novas medidas que foram anunciadas há alguns dias abrem, pelo menos, uma janela de oportunidade para permitir que algumas pessoas, com a devida autorização dos serviços de saúde da RAEM, possam viajar para a China, e de Portugal não é complicado porque há voos directos, para Xi’an. A partir daí, [podem] cumprir a quarentena e, uma vez obtida a autorização das autoridades de saúde, entrar na RAEM.”

No entanto, há mais um entrave burocrático, pois porque é necessário visto concedido pelas autoridades chinesas, o que nem sempre é fácil. Segundo Paulo Cunha Alves, não está previsto o apoio das autoridades portuguesas nesta matéria.

“Os contactos são feitos pelos próprios, não é o consulado-geral que está a tratar do assunto. As orientações que temos é para informar os cidadãos portugueses que estão no estrangeiro para contactarem as embaixadas na República Popular da China no país onde estejam. Temos casos na Tailândia, África do Sul e em Portugal, de portugueses que querem vir para a RAEM”, frisou.

Os casos complicados

Paulo Cunha Alves destacou o facto de as medidas restritivas de circulação terem causado vários casos complicados de separação de famílias. “É difícil dar um número concreto, mas entre uma dúzia e 20 casos de pessoas que nos pediram auxílio. Esses são, no meu entender, os mais complicados. Do ponto de vista humano, para mim, é impensável uma mãe dar à luz e não ter o apoio do pai para cuidar do bebé. Há também outros casos de empresários, mas, obviamente, que os mais importantes são de reunificação familiar.”

O cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong assegurou que têm sido tentadas “muitas vias” para se chegar a uma solução para os portugueses não residentes regressarem a Macau, mas que a via “recomendada é esta”. “Em Roma sê romano. Temos de seguir as orientações dadas pela RAEM”, adiantou.

Após a ocorrência de alguns casos importados de covid-19, a China proibiu a entrada de estrangeiros no país. Até à data, apenas estrangeiros de dez países, como a França, Reino Unido ou Bélgica, entre outros, não podem entrar. A medida inclui pessoas com autorizações de residência válida para trabalho, assuntos pessoais e reagrupamento familiar.

Para já, Portugal não se encontra nesta lista. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da China defendeu decisões “razoáveis e justas”, que “se inspiram nas práticas vigentes em muitos países”, para implementar esta proibição.

Número de visitantes recorde no primeiro dia do Grande Prémio

Macau registou o maior número de visitantes dos últimos nove meses, traduzindo-se na entrada de 28 mil turistas num só dia. O marco coincidiu com o primeiro dia do Grande Prémio na passada sexta-feira, integrado no evento “Carnaval para Desfrutar Macau”

 

[dropcap]N[/dropcap]a passada sexta-feira, entraram em Macau mais de 28 mil visitantes, o maior número de pessoas a vir ao território num só dia, ao longo dos últimos nove meses, fortemente marcados pelos efeitos da pandemia.

Desde a retoma da emissão de vistos a 23 de Setembro, a melhor média diária foi registada no dia 6 de Novembro, altura em que Macau recebeu 25.444 visitantes, tendo ficado inclusivamente à frente do número de turistas durante a semana dourada, onde não chegaram a entrar 20 mil pessoas por dia.

O aumento do número de turistas para o patamar inédito nos últimos nove meses coincidiu com o primeiro dia do Grande Prémio, que arrancou com um dia de treinos.

Numa nota divulgada no sábado pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST), o Grande Prémio de Macau faz parte de uma “nova ronda de actividades para promover a confiança em viajar para Macau”, materializada no evento “Carnaval para Desfrutar de Macau” que inclui, entre outros, o Festival de Gastronomia de Macau, cinco eventos de promoção do Grande Prémio, a 3ª edição do Carnaval de Inverno e as festas da Taipa e de Coloane.

De acordo com o canal chinês da TDM-Rádio Macau, o presidente da Associação de Indústria Turística de Macau, Andy Wu mostrou-se satisfeito com o facto de o número de visitantes estar gradualmente a aumentar devido à organização conjunta de eventos como o Grande Prémio e o Festival de gastronomia, e confia que o número possa chegar aos 30 mil visitantes já em Dezembro.

O mesmo responsável espera ainda que, dada a ausência de data para a retoma das excursões do Interior da China para Macau e o aproximar das celebrações do ano novo chinês, as agências de viagens possam adaptar os seus serviços para os visitantes individuais.

A duas velocidades

Se por um lado, o aumento do número de visitantes desde a retoma da emissão de vistos turísticos a residentes de todo o Interior da China, tem dado esperança à retoma das actividades económicas e turísticas do território, a vinda de grupos excursionistas para o território continua a ser uma pedra no sapato, que tem impedido um crescimento ainda maior de visitantes.

Recorde-se que na semana passada, por ocasião de uma reunião plenária do Conselho para Desenvolvimento Turístico (CDT), a directora da DST, Maria Helena de Senna Fernandes, revelou que o Ministério da Cultura e Turismo da República Popular da China não está a ponderar a retoma das excursões transfronteiriças para Macau devido “ao mecanismo de prevenção e controlo conjunto por parte do País”.

Na mesma ocasião, a DST apontou que deste a retoma da emissão de vistos turísticos aos residentes do Interior da China a 23 de Setembro, “verificou-se uma tendência contínua de aumento do número de visitantes a Macau”, registando-se em Outubro um aumento de 26 por cento da média diária de turistas (19.000), relativamente a Setembro. Em Novembro, a tendência continuou a crescer tendo ultrapassado os 20.600 visitantes de média diária.

PIB regista queda de 63,8 por cento no terceiro trimestre

Em termos anuais o Produto Interno Bruto (PIB) de Macau registou uma queda de 63,8 por cento no terceiro trimestre de 2020. Ainda assim, o valor traduz uma melhoria relativamente ao trimestre anterior, em que o PIB registou uma queda anual de 68 por cento

 

[dropcap]O[/dropcap] Produto Interno Bruto (PIB) de Macau registou uma queda anual, em termos reais, de 63,8 por cento, no terceiro trimestre de 2020, resultado que reflecte uma melhoria em relação ao trimestre anterior, altura que o PIB sofreu uma queda anual de 68 por cento.

Os dados foram divulgados na passada sexta-feira pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC), que atribui o alívio ao “afrouxamento da política de restrições de viagens turísticas do Interior da China para Macau”. Isto, apesar das quedas avultadas, registadas ao nível das exportações de serviços.

“Com o afrouxamento da política de restrições de viagens turísticas do Interior da China para Macau, o número de visitantes (…) aumentou 14 vezes no 3.º trimestre face ao 2.º trimestre, apesar das quedas anuais de 93,6 por cento das exportações de serviços do jogo e de 87,9 por cento das exportações de outros serviços turísticos”, pode ler-se no comunicado.

Quanto às importações de serviços, a queda foi de 44,1 por cento, devido à “redução das viagens dos residentes” e ao “abrandamento de outras actividades económicas”. Queda essa, registada também ao nível da procura interna, recuando 6,1 por cento devido “à suavização da curva de queda da despesa do consumo privado”.

Segundo a DSEC, entre Julho e Setembro, a despesa de consumo privado sofreu uma queda anual de 16,7 por cento, apesar do “efeito impulsionador” do plano de subsídio ao consumo, que resultou no atenuar para 8,4 por cento da curva descendente da despesa de consumo final das famílias do mercado local.

Também quanto ao nível do investimento em activos fixos por parte do Governo, registou-se um decréscimo anual de 5,6 por cento, com destaque para a quebra de 10,3 por cento no investimento no sector da construção. O investimento em obras públicas caiu 18,7, ao passo que o investimento em construção privada baixou 7,2 por cento.

Gastos necessários

Em sentido contrário, devido às despesas relacionadas com a prevenção da pandemia e as medidas de apoio financeiro à população, a despesa de consumo final do Governo cresceu, de 16,3 por cento no 2º trimestre para 18,6 por cento no 3º trimestre.

Também em direcção ascendente, o comércio de mercadorias apresentou uma melhoria de comportamento, com aumentos anuais de 17,6 por cento nas importações e de 252,2 por cento nas exportações.
Contas feitas, ao fim dos primeiros nove meses do ano, a economia de Macau assinalou um decréscimo anual de 59,8 por cento em termos reais. Comparando com o período homólogo, a despesa de consumo final do Governo e as exportações de bens aumentaram 13,4 por cento e 75,4 por cento, respectivamente, ao passo que se observaram descidas de 18,1 por cento na despesa de consumo privado e de 15,5 por cento no investimento.

Ao nível das importações de bens e de serviços a queda anual entre Janeiro e Setembro de 2020 foi, respectivamente de 12,6 e 41,3 por cento.

Novo reforço orçamental retira 8,1 mil milhões à reserva financeira

Em vez de 20 mil milhões, o Governo vai propor à Assembleia um reforço de 8,1 mil milhões de patacas ao orçamento para suportar as despesas diárias até ao final do ano. O secretário para a Economia e Finanças indicou que não haverá cortes salariais na função pública

 

[dropcap]O[/dropcap] Governo vai propor à Assembleia Legislativa (AL) um reforço de 8,157 mil milhões de patacas do orçamento de 2020, com carácter de urgência. O montante, que vai sair da reserva financeira da RAEM, tem como objectivo colmatar despesas diárias do Governo que já estavam previstas e ser usado junto da população, explicou o secretário para a Economia e Finanças, de acordo com um comunicado do Gabinete de Comunicação Social. Esta é a terceira alteração ao orçamento deste ano.

O montante divulgado na sexta-feira é inferior ao previsto. Em Outubro, o Chefe do Executivo anunciou que planeava injectar mais 20 mil milhões de patacas da reserva financeira. Na nota, indica-se que o secretário Lei Wai Nong explicou que com a retoma dos vistos de entrada em Macau para visitantes do Interior da China, os primeiros sinais de recuperação das receitas do jogo, bem como uma redução das despesas dos serviços públicos, levaram o Governo a “ajustar adequadamente o equilíbrio da balança entre despesas e receitas”.

O montante de 8,157 mil milhões “será suficiente para suportar todas as despesas”, e o Governo está confiante de que não será necessário recorrer a mais reforços. Em 2020, as alterações ao orçamento levaram o Governo a ir buscar cerca de 42,5 mil milhões de patacas à reserva. Já a proposta de lei do Orçamento para o próximo ano, retira à reserva financeira da RAEM cerca de 26,5 mil milhões de patacas para equilíbrio das contas.

Afastadas reduções salariais

A proposta de alteração à Lei do Orçamento de 2020 já foi discutida em Conselho Executivo. Além do reforço orçamental, uma nota do organismo revela que há uma redução superior a 20 mil milhões de patacas de outras receitas. No entanto, regista-se também uma descida de 12,4 mil milhões com as despesas do orçamento ordinário. Com a alteração proposta, o saldo do orçamento para este ano fixa-se em cerca de mil milhões de patacas.

Lei Wai Nong reiterou que não há intenções de cortes salariais na função pública, e explicou que a contenção nos serviços públicos está relacionada com despesas como impressão em papel e obras que não foram iniciadas.

G20| Líderes defendem acesso universal a vacinas e ajuda à OMS

Vários líderes mundiais reiteraram neste fim-de-semana a defesa de um sistema que garanta o acesso universal às vacinas contra a covid-19, durante a cimeira do G20. Além disso, foi pedido a atribuição, pelas principais 20 economias mundiais, de uma ajuda de 4,5 mil milhões de dólares à Organização Mundial de Saúde, de forma a reforçar a resposta à pandemia

 

[dropcap]R[/dropcap]ealizou-se este fim-de-semana a cimeira anual de 2020 do G20, que reuniu líderes de 19 países que representam cerca de 90 por cento do PIB mundial, a União Europeia e governadores de bancos centrais. A Arábia Saudita foi a anfitriã da cimeira deste ano, que decorreu por videoconferência, formato que se tornou norma desde a explosão global da pandemia da covid-19, que foi, como seria de esperar, o principal foco das conversações.

Um dos assuntos que dominou as conversações no sábado foi o acesso global à, muito aguardada, vacina para o novo tipo de coronavírus.

“Temos de garantir o acesso à escala planetária e evitar a todo o custo o cenário de um mundo a duas velocidades”, afirmou o Presidente francês, Emmanuel Macron, numa intervenção pré-gravada num evento paralelo da primeira reunião dos chefes de Estado e de Governo do G20.

Apesar de enaltecer o COVAX, o instrumento internacional lançado para assegurar o acesso justo e equitativo às vacinas em desenvolvimento para a covid-19, Macron vincou que “são necessárias mais contribuições” e propôs a criação de um mecanismo para doações destes fármacos dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento.

Por sua vez, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, considerou que, “para superar a pandemia, cada país tem de ter acesso à vacina”, alertando que os fundos angariados até agora no âmbito do sistema COVAX “não são suficientes para alcançar este objectivo” e apelando ao apoio dos restantes líderes dos países presentes na cimeira.

Também o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, defendeu que o acesso aos tratamentos e às vacinas deve ser um direito de todas as populações. “Para Itália, estes são bens públicos para todos e não o privilégio de uns poucos”, disse, sendo secundado pelo chefe de Governo do Reino Unido, Boris Johnson, que sublinhou o compromisso do país no acesso universal às vacinas e no apoio ao sistema COVAX.

Já o Presidente argentino, Alberto Fernández, afirmou que “a cooperação e a solidariedade são os dois elementos-chave na luta contra a pandemia” e que a distribuição equitativa das vacinas “é uma tarefa colectiva para a comunidade internacional que exige a assinatura de um grande pacto de solidariedade global”.

De Madrid, a convite

Na mesma linha, o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, enviou uma mensagem gravada para o evento, na qual referiu que “a cooperação no seio do G20 é fundamental para ultrapassar a pandemia e regressar ao caminho da recuperação social e económica”. Acto contínuo, fez questão de dizer que o tempo lhe deu razão, quando afirmou que era preciso “cuidar da saúde do povo e da economia ao mesmo tempo” face à emergência do novo coronavírus.

“Devemos oferecer as vacinas que estão a ser desenvolvidas como património comum da humanidade, em vez de aprofundar as injustiças existentes”, declarou o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, durante o seu discurso na reunião virtual de líderes, em que advogou a urgência de mecanismos de garantia de “equidade e preços adequados” para as vacinas.

Com estatuto de convidada permanente, Espanha fez-se representar pelo presidente do Governo, Pedro Sánchez, que lembrou aos outros chefes de Estado e de Governo que “não estaremos a salvo até que todos estejam a salvo”.

Por outro lado, não foi possível ouvir o Presidente cessante dos Estados Unidos, Donald Trump, uma vez que o discurso não foi aberto à comunicação social. Segundo a EFE, Trump fez uma breve aparição no início da cimeira virtual do G20 e depois foi jogar golfe, enquanto os seus homólogos de outros países discutiram medidas contra a pandemia.

Abrir cordões à bolsa

Foi igualmente debatida a hipótese de atribuir uma ajuda de 4,5 mil milhões de dólares à Organização Mundial de Saúde (OMS), de forma a reforçar a resposta à pandemia.

O apelo consta numa carta, a que a agência France-Presse (AFP) teve acesso, assinada pela primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, pelo Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, pelo director da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, e pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

A missiva foca em particular a lacuna de 4,5 mil milhões de dólares que existe actualmente nos fundos da OMS, nomeadamente para responder às necessidades associadas à distribuição das futuras vacinas contra a doença covid-19. “Um compromisso dos líderes do G20 de financiar de forma substancial o défice actual de 4,5 mil milhões de dólares do (mecanismo) ‘ACT-Accelerator’ salvará vidas instantaneamente”, referiu a missiva.

O “ACT Accelerator” é uma aliança global liderada pela OMS e parceiros para a produção de forma global e equitativa de diagnósticos, terapêuticas e vacinas. O objectivo passa por assegurar que os países mais desenvolvidos não monopolizem estas vertentes. A rede COVAX é o pilar destinado a garantir o acesso universal a uma vacina contra a covid-19.

Tal compromisso do G20 “permitirá uma estratégia para sair da crise”, acrescentaram os signatários da carta dirigida ao anfitrião da cimeira do G20, o rei saudita Salman bin Abdulaziz Al Saud.

Corrida contra-relógio

“Os recentes avanços nas vacinas contra a covid-19 oferecem esperança”, mas estas devem “chegar a todos”, “o que significa que as vacinas devem ser tratadas como um bem público”, “acessível a todos”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, em declarações aos ‘media’ em Nova Iorque.

“Esta é a única maneira de travar a pandemia” e “a solidariedade é sobrevivência”, reforçou.
Durante sete meses, foram investidos 10 mil milhões de dólares no desenvolvimento de vacinas, diagnósticos e terapêuticas. “Mas há um défice de 28 mil milhões de dólares, dos quais 4,2 mil milhões de dólares serão necessário antes do final do ano”, enumerou Guterres.

“Estes fundos são fundamentais para a industrialização, o transporte e o fornecimento de vacinas contra a covid-19″ e os “países do G20 têm os meios” para os financiar, argumentou o secretário-geral da ONU.

Na terça-feira passada foi igualmente divulgada uma carta assinada por Guterres dirigida aos líderes do G20.
Na missiva, o secretário-geral da ONU apelava aos dirigentes do G20 para demonstrarem audácia e ambição nas medidas relacionadas com a pandemia. “O G20 sabe que será necessária uma nova redução da dívida. O grupo deve agora demonstrar uma maior ambição e propor medidas mais audaciosas para permitir aos países em desenvolvimento enfrentarem a crise de forma eficaz e evitar que a recessão mundial se transforme em depressão mundial”, sublinhou na missiva.

Noutro planeta

A participação de Donald Trump na cimeira do G20 limitou-se a um discurso gravado, antes de se retirar para mais um dia de golfe. Ao contrário de ter aproveitado a ocasião para se despedir dos seus congéneres, na sequência da derrota nas eleições presidenciais, Trump insistiu que vai manter a Casa Branca. De acordo com o Observer, que teve acesso ao áudio da intervenção, Donald Trump afirmou: “Tem sido uma grande honra trabalhar convosco, estou ansioso para continuar durante muito tempo”.

De seguida, o ainda Presidente norte-americano passou a gabar a economia e o poder militar dos Estados Unidos, repetindo a teoria falsa de que a sua Administração seria responsável pelas duas primeiras vacinas contra a covid-19, quando a vacina que está a ser desenvolvida pela Pfizer não foi subsidiada pelo Governo.

Num claro contraste com os discursos dos restantes líderes, focados na resposta global à pandemia, Donald Trump mostrou-se desinteressado da cimeira, aliás, não participou no evento “Pandemic Preparedness”, no dia em que os Estados Unidos baterem o recorde de infecções diárias, com 195.500 novos diagnósticos.

Aliás, depois de gravar o discurso, marcado pela tónica unilateral, o Presidente publicou no Twitter mensagens sobre as eleições presidenciais e abandonou a Casa Branca para ir jogar golfe.

Tailândia | Milhares de estudantes pedem reforma escolar e mais democracia

[dropcap]M[/dropcap]ilhares de estudantes do ensino secundário reuniram-se este sábado no centro de Banguecoque para exigir uma reforma do sistema escolar e apoiar os mais velhos que reclamam a demissão do primeiro-ministro e a reforma da monarquia.

Encorajados pelo movimento pró-democracia que abala a Tailândia desde o verão, os jovens organizaram o seu próprio protesto, intitulado “Maus Alunos”, para pedir mudanças em todos os pilares da educação, como programas renovados, flexibilização de regras, igualdade e direito à palavra.

Na escola, “dizem-nos o que devemos aprender, como nos vestir e nunca fazer perguntas”, conta Pung, de 15 anos.

Na Tailândia, os livros didáticos encobrem muitas das turbulências políticas das últimas décadas, focando a vida dos monarcas, e os estabelecimentos de ensino seguem normas de vestir muito rígidas, com rabo de cavalo e fita no cabelo obrigatório para as meninas e corte militar para os meninos.

Na manifestação, muitos jovens falaram da importância da igualdade de género.

“A escola não é um lugar seguro” para as meninas, escreveu uma estudante do ensino secundário num cartaz, com a boca amordaçada com fita adesiva, em sinal de protesto.

Eles riem-se de mim, “os professores dizem que pareço muito feminino”, revelou Tian, de 16 anos, que quer ser capaz de reivindicar livremente a sua homossexualidade.

Entre os adereços dos estudantes, havia pessoas em trajes de dinossauros e bolas de praia grandes a simular asteroides para dizer que, da mesma forma que se acredita que um asteróide atingiu a Terra e levou à extinção dos dinossauros, também os membros antiquados da Tailândia que impedem a mudança enfrentarão uma colisão com o movimento pró democracia do país.

Os manifestantes também exigiram, como os estudantes mais velhos, uma reforma da poderosa monarquia e a demissão do primeiro ministro, Prayut Chan-O-Cha, na sequência do golpe de Estado de 2014.

Na sexta-feira, o primeiro-ministro endureceu o tom de voz ao avisar que “o governo iria fazer cumprir todas as leis”, mesmo potencialmente a de lesa majestade, que pune com até 15 anos de prisão qualquer difamação contra o rei, e que não tem sido usada desde há alguns anos.

“Os limites foram ultrapassados”, acrescentou.

Na quarta-feira, milhares de manifestantes reuniram-se na capital, alguns a expressar slogans muito duros contra a monarquia.

No dia anterior, seis pessoas foram baleadas e feridas durante confrontos entre manifestantes, forças da ordem e ultrarrealistas, numa escalada de violência sem precedentes desde o início das contestações.

O rei Maha Vajiralongkorn ascendeu ao trono em 2016 e é uma figura controversa que reside frequentemente na Alemanha.

Rir para existir

[dropcap]O[/dropcap] Arthur começou a rir-se aos três meses. Foi uma das suas primeiras formas de comunicação. Nessa altura, ainda não conseguia coordenar movimentos, não tinha força nas pernas, não percebia que tinha de fechar as mãos para agarrar coisas. Começava há pouco tempo a virar-se para olhar em direção às vozes que o rodeavam. O seu riso precoce derretia o coração dos seus cuidadores. Era quase interpretado como um sinal de gratidão perante o nosso esforço. O riso, perguntava-me, seria uma ferramenta genética de sobrevivência que fazia com que quem cuidava, tivesse mais prazer no processo, tivesse mais paciência?

Um riso é uma forma de despontar ligações, é um sinal de paz. É das ferramentas mais eficazes que possuímos na nossa expressão corporal para criar empatia. Mas o riso é também a compreensão de que, em determinado contexto, algo não bate certo, é absurdo e por isso é engraçado. Para filósofos como Platão, Aristóteles, Hobbes ou Descartes, o riso é essencialmente uma forma de superioridade. Rimo-nos de situações ridículas porque nos sentimos superiores a elas. Rimo-nos de pessoas que consideramos inferiores. Por vezes, rimo-nos até dos nossos líderes políticos ou ícones populares porque o humor é também uma forma de colocar em causa todos os que possuem alguma forma de poder. Freud, por sua vez, dizia que rimos para nos libertarmos do stress. Uma anedota costuma começar com uma situação de tensão que depois se resolve: “O que acontecerá se o Pai Natal morrer?”, “– Ele não estará mais em trenós.” As nossas expectativas fomentam tensão – porque o Pai Natal pode eventualmente morrer – mas logo de seguida percebemos que a situação apresentada não é válida porque, reduzindo-se a uma piada, não há nada a temer. É nesse momento que, segundo Freud, libertamos tensão acumulada. Henri Bergson vai mais longe na sua interpretação da função do riso. Para este, o riso é uma forma de manter a sociedade funcional. Bergson declara que qualquer tipo de mecanização do ser humano é uma forma de ameaça à existência.

Defende a durabilidade de um impulso vital baseado na fluidez das pessoas. Sem o humor, que coloca todas as formas de poder vigente em causa, não teríamos flexibilidade suficiente para questionar as narrativas vigentes. Para além disso, o humor absurdo, baseado em situações imaginárias extremadas, é também essencial para se compreender o que é estar à margem de qualquer contributo para o desenvolvimento social. Estes dois tipos de humor podem corrigir aquilo a que o filósofo chamou de “automatismo fácil dos hábitos adquiridos”, ou seja, seguir um hábito de forma automática, sem o questionar. Conduzir a existência através de tarefas que não requerem o pensamento, é mais característico das máquinas do que das pessoas.

Por exemplo, quando alguém age sempre da mesma forma, ou repete sistematicamente as mesmas frases, é fácil imitar essa pessoa. Quando outra pessoa imita essa, vai procurar o riso na audiência que conhece a pessoa imitada. A pessoa, ao repetir-se, tornou-se mecânica e o instinto humano é o de corrigir esse aspeto mecânico do nosso comportamento. Neste caso, segundo Bergson, através do riso.

Mas será essa a função do riso do meu bebé? Dificilmente ele se conseguirá sentir superior a algo. Muito menos poderá satirizar alguma figura do poder para a colocar em causa. No entanto, a teoria de Bergson pode ser aplicada a um bebé. O bebé consegue já reconhecer situações absurdas como caras estranhas e barulhos esquisitos. Também consegue libertar tensão através do riso quando eu finjo desaparecer atrás de um pano para logo reaparecer – afinal não desapareci, ainda estou ali e, tal como o problema criado pela possibilidade do Pai Natal morrer, a criança também se apercebe que eu não desapareci realmente. Um adulto que se aproxima muito do seu frágil corpo pode constituir uma ameaça – mas não quando ele percebe que ele só está muito próximo para lhe dar beijos na barriga ou fazer-lhe cócegas e, por isso, ele ri – libertando tensão.

Quando ele vê a mãe demasiado séria, durante demasiado tempo, decide sorrir e isso faz-me sorrir também. Com esse sorriso, o bebé está já a demonstrar a sua existência neste mundo irremediavelmente integrada numa comunidade, está a dizer-me “mãe, não estejas tão séria a trabalhar ou a pensar em algo, não caias na repetição desses hábitos mecanizados. Sê humana. Sorri para mim”.

Eu já suspeitava que o Arthur fosse um bebé erudito mas nunca pensei que andasse por aí a citar Bergson ainda sem falar! (Estão a ver o que eu fiz aqui?

“Não vos inquieteis é a realidade que se engana”

[dropcap]A[/dropcap] frase estava escrita nos muros da NOVA FCSH na primeira metade dos anos 80. Antes de lá ter estudado, fazia de autocarro a Av. de Berna. Não havia hipótese dos 15 aos 17 de saber que ia passar lá as décadas seguintes até hoje, como estudante, primeiro, e, agora, como docente. A frase prendia a atenção para quem era sensível à metafísica. Como é que a realidade se pode enganar. A realidade é a realidade. As pessoas é que se enganam. E, no entanto, aquela Avenida metamorfoseia-se ao longo do tempo: antes de ter ido para a Faculdade, durante o meu tempo de estudante – com várias épocas – e a partir de 1990, quando comecei a dar aulas. E durante estes últimos 30 anos foi sem dúvida diferente, sofreu várias transfigurações e metamorfoses. A própria frase tem sentidos diferentes. A realidade da Avenida é diferente e é a mesma, como a cidade de Lisboa e os seus bairros, como Portugal e a Europa. Todo o mundo se alterou. Ou terá sido a vida que muda? No GPS é no mesmo sítio. E, ainda assim, é completamente diferente.

E o que engana? A aparência de ser o mesmo, quando muda? E como é possível mudar a matéria da realidade. O envolvimento perceptivo, a percepção com que percebemos o que se passa tem em si implicadas diferentes realidades. A avenida percorrida é diferente consoante o local para onde vamos.

Depende de estados de espírito, do que sentimos, da atenção que prestamos às coisas ou não. Quando olho através da janela do autocarro para o muro sou eu no passado lá sentado quem vê. E quem olha através desse olhar de então agora aqui sentado a olhar para o ecrã? Só coincide no olhar exterior e nem isso. O que eu via através da janela em percepção é o que vejo na lembrança, mas a fase da vida é inteiramente diferente. Tudo mudou. Pessoas que não havia na minha vida, há agora e as que havia já não moram cá. A mudança não está atestada objectivamente ou então muito pouco.

Para mim é sempre enigmático como por um lado há uma “substituição” do “valor” do passado pelo “valor” do presente, a que chamamos actualidade. Portanto a realidade é a actualidade do presente, presente que empurra continuamente para o passado a sua própria actualidade. Converte-a sempre em in-actualidade ou, pelo menos, assim percebemos a tendência da vida para o fazer. Por outro, parece que é a eficácia do passado que se sobrepõe à ineficácia do presente. Pensemos no impacto das primeiras impressões nas nossas vidas, sobretudo na “importância” da infância, da juventude, do tempo em que era tempo. Vi isso nos mais seniores. Vejo isso em mim. Como se o passado não fossem ruinas nem se tivesse desmoronado e a mansão do presente fosse composta de adereços postiços ou adornos cinematográficos. A vida resiste em ir-se.

A realidade é o quê, então? É a realidade que se engana. Achamos que está sempre presente. Mas o rosto da cidade muda em décadas. E não é como quando vemos filmes do passado e comparamos uma zona que frequentamos, por exemplo, as Avenidas Novas, com o presente dessa localidade. O filme antigo dá a sensação do tempo passado pela qualidade da imagem, do preto e branco ou então das cores do cinema scope. A substituição de edifícios por outros, o surgimento de espaços verdes ou a destruição deles, a reabilitação do tecido urbano ou a sua destruição, tudo isso é feito a um ritmo vital que não nos deixa perceber para onde foi o passado obliterado, bloqueado, inacessível pela percepção do presente, sem termos nenhuma sensação dele. A vida faz-nos crer que só há presente, actualidade, quando está ensanduichada entre um passado e um futuro, inactualidades, não presenças. O passado que se foi e o futuro que virá ou não.

E a inquietação? Quer queiramos ou não é inexorável a passagem do tempo e parece que é só o presente que existe. A humanidade sempre foi enfeitiçada pelo presente. Tanto que a eternidade é um presente que existe para sempre, sem passado nem futuro. Ou então é esse o desejo. No fundo sabemos que o tempo verdadeiro, o tempo na sua autenticidade, o tempo da vida não é esse. É outro, completamente diferente.

“Não vos inquieteis. É a realidade que se engana”. Esteve durante décadas nas paredes da NOVA FCSH. No princípio dos anos 80, quando fazia de autocarro a Avenida de Berna para ir treinar, estava longe de ir estudar filosofia para a Nova. Mais longe ainda de lá ter ficado e agora já dar aulas há 30 anos. É difícil de reconstituir esse passado. Não sei bem quem era eu aos 15 anos, quando começava a treinar artes marciais, tocava baixo, ia estudar engenharia. Os dados objectivos têm e não têm nada que ver comigo. Por outro lado, essa subjectividade e a realidade desse tempo não desapareceram ou então são meras curiosidades. Agora, porém, o sentido da Av. de Berna, Faculdade, é diferente, ainda que o referente seja o mesmo, como diz o lógico Frege. Chegou até mim. As duas realidades entram em conflito. Não sei se é porque me surgiu uma memória dessa frase, se rebentou em mim uma certa nostalgia por um qualquer motivo desconhecido. O que me deixa perplexo é que também a realidade que eu agora acho actual de 2020 vai com o meu eu de agora e o plano de fundo que lhe dá sentido para o ralo do passado, está a escoar-se. A actualidade está a desaparecer.

Mas há uma avalanche de tempo que se aproxima sempre e é de onde vem o tempo, em ondas num afluxo maciço. E chega para ficar presente durante algum tempo ou instantes ou até décadas. E a Av. de Berna há-de perder a sua significância actual e eu agora com essa importância, o que eu cá faço transformar-se no que eu lá fazia, eu agora passo a ser quem eu fui outrora. Ou então, não. Persiste tudo algures, mas sem mim cá.

Não vos inquieteis. É a realidade que se engana.

O gato desejável

[dropcap]H[/dropcap]á quem os deteste e a quem não possa passar sem eles. Há quem lhes seja alérgico e quem os ache a melhor companhia do mundo. Há quem assegure que são demoníacos. Há quem os acuse de serem falsos deuses; falsos, mas ainda assim, deuses. São capazes de provocar todo o tipo de reacções, excepto a indiferença. São, ao mesmo tempo, simples e imprevisíveis. São o exemplo mais cabal de que duas teses contraditórias podem ocupar o mesmo espaço e tempo. São gatos.

Quem nunca teve um gato ainda é capaz de ir ao engano e pensar que ao adoptar um gatinho está na verdade a escolher uma espécie de cão menos dependente. Nada pode estar mais longe da verdade. Um gato não é um cão com casa de banho própria; não é uma versão um pouco mais moderada do amor infinito canino. É outra coisa, tão radicalmente diferente do cão que nem deviam estar ambos incluídos na mesma categoria de «animal de estimação».

Em termos de comportamento, talvez a criatura mais parecida com o gato seja o adolescente humano. Ambos têm uma capacidade estratosférica para a indiferença. Não reagem quando se chama por eles; fazem ouvidos moucos a qualquer reprimenda e são capazes de nos ignorar tão perfeitamente que nem aparecendo em chamas na sua presença conseguiríamos que eles levantassem os olhos do chão ou do ecrã do telemóvel. O seu desinteresse por tudo quanto não lhe diga imediatamente respeito está ao nível de um funcionário das finanças.

É claro que, tal como o adolescente, são capazes de generosidade. Melhor: são capazes de nos manipular ao ponto de nos fazer sentir gratidão pelo afecto que nos dispensam a troco daquilo que querem de nós. Nada no gato – ou no adolescente – acontece sem um propósito. Ao contrário do cão, que esbanja amor como um chinês em véspera de ano novo num casino, o gato e o adolescente são extremamente parcimoniosos na distribuição do afecto. Nunca o dão; trocam-no. Uma pessoa que tenha um gato ou um adolescente sabe sempre que por detrás do ronrom ou do carinho filial se encontra a perspectiva de uma latinha de whiskas ou de uns fones Bluetooth. Durante os poucos minutos que temos o bichano aparentemente desinteressado, no colo, expondo a barriga à mão gulosa de festas, ainda conseguimos ser enganados (ou enganarmo-nos a nós próprios), mas mal passa a névoa da surpresa, damos por nós a pensar: «será que tens água? Será que tens comida? O que terás escavacado agora?»

Tal como um adolescente, um gato não serve para nada. Ainda assim, tem algumas vantagens sobre o adolescente. Come menos, suja menos, ocupa menos espaço e tem uma manutenção muito mais barata. O gato, por outra parte, tem o defeito de ser adolescente enquanto dura, i.e., de nunca ultrapassar o estado em que indiferença e manipulação convivem no mesmo bicho em todos os momentos da sua vida. Alguns adolescentes ultrapassam essa fase e tornam-se criaturas remotamente suportáveis (têm ainda a grande vantagem de, acaso terem cursado outra coisa que não humanidades, acabarem por sair de casa lá pelos vinte e nove, trinta anos). Alguns gatos, já velhinhos, ficam mais permissivos na gestão do espaço próprio e são mais facilmente convocáveis ao carinho. Não se pense, no entanto, que ficam mais generosos ou pacientes com a idade. Na verdade, falta-lhes apenas a pachorra e a força para nos porem no nosso lugar com uma garfada de unhas precisa.

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Turismo na economia (III): nem inovação, nem inteligência

[dropcap]N[/dropcap]ão se pode dizer que seja magnífico, o desempenho económico das zonas mais desenvolvidas do planeta, desde os finais do século XX, tempo de consensos mais ou menos alargados, académicos e políticos, em torno de agendas neo-liberais que foram promovendo sucessivas ondas internacionais de privatização de serviços públicos, desregulamentação do comércio internacional, flexibilização da mobilidade de capitais e outras artimanhas que enfraqueceram o valor do trabalho, reduziram o papel dos Estados sociais, fomentaram desigualdades e promoveram a concentração da riqueza global numa parte cada vez menor da população. A crise internacional de 2008 ou a pandemia que vivemos hoje apenas aceleraram e intensificaram características da economia da aldeia global em que vivemos que se têm vindo a consolidar ao longo das últimas três ou quatro décadas, que esta cronologia é sensível a variações geográficas e ciclos políticos nem sempre completamente sincronizados.

À falta de soluções para uma população cada vez mais descrente dos sistemas económicos e dos processos democráticos, não têm faltado novos conceitos, ou pelo menos palavreado, com que se animam discussões e se desenham planos com aparente novidade, criatividade e mestria técnica – e que se vão sucedendo, cada vez mais magníficos, mas mantendo a mediocridade dos desempenhos das economias: não é por se falar em inovação se geram, de facto, novas tecnologias, processos produtivos, ideias, produtos, ou formas de organização social; nem é por se falar em desenvolvimento sustentável que se deixa de delapidar alarvemente os recursos do planeta ou de promover a aceleração da sua destruição. Já a coesão, a equidade ou a integração social – palavras caras ao jargão económico nos tempos em que se promoviam estados-providência – abandonaram o palco das conversas sobre economia política para dar lugar a outras, mais valorizadoras da eficiência do empreendedorismo, que afinal não se nota grande coisa, a não ser para uma muito ínfima minoria dos habitantes deste precário planeta.

Nos últimos anos foi o termo “smart” que fez fulgurante aparição na linguagem dos economistas e das políticas económicas: “smart city”, “smart region” ou “smart specialization” são exemplos que esta novel literatura técnica, sempre em inglês, nos foi oferecendo. Nas suas versões portuguesas, estas expressões foram adaptadas como “cidade inteligente”, “região inteligente” ou “especialização inteligente”, que é para eles verem o que é meterem-se com uma nação de poetas. Também ao turismo chegou este palavreado, o do “smart tourism”, com a sua correspondência lusa no “turismo inteligente”, que por aqui não se faz a coisa por menos. Tal como nos outros casos, a expressão designa em geral a potencial utilização intensiva de tecnologias digitais de comunicação para gerar, acumular e analisar grandes quantidades de informação (“big data”, no dominante linguajar anglo-saxónico) para se tomarem decisões melhor informadas, mais participadas e tecnicamente mais fundamentadas, quer ser trate da gestão de negócios privados, que se trate da implementação de políticas públicas.

Não se pode dizer ser que sejam pequenos os impactos da digitalização das economias sobre os serviços turísticos: na realidade, foi dos sectores que mais se transformou durante as últimas três décadas: muito distantes já parecem esses tempos em que viajar nos parecia chegar a um lugar estranho, com a ajuda indispensável de profissionais especializados que nos atendiam em balcões decorados com fotografias de magníficas imagens de paraísos diversos. Hoje preparamos tudo sem sair do sofá ou da secretária e viajamos a lugares que nos parecem familiares antes de lá chegar, já sabemos da reputação dos restaurantes, onde ficam os museus, quanto custam os transportes públicos, chegámos até a percorrer virtualmente algumas ruas, enfim, sabemos que não nos vamos perder, e fizemos tudo sem ajuda de profissionais, temos as ferramentas, escolhemos alojamentos e transportes, fazemos reservas e pagamentos.

São ferramentas globais: sistemas internacionais para reservas e transações financeiras, iniciados e controladas pelas grandes operadores turísticos ou empresas internacionais de hotelaria e transportes aéreos, a que ocasionalmente se juntam novas plataformas. Na realidade, as inovações de sucesso nesta economia que tanto apela ao empreendedorismo são a excepção em relação à dominação e ao controle dos mercados e da informação por um grupo muito reduzido de empresas. Sendo verdade que há também algum espaço para o desenvolvimento de ferramentas digitais de apoio ao turismo a nível local – na realidade, continua a precisar-se de informação após chegar aos destinos, desde logo sobre alimentação, mobilidade e serviços de transporte, mas também sobre eventos vários, locais de interesse, contextualização e novos conteúdos informativos em suporte diverso que possam ajudar à interpretação e ao conhecimento dos lugares que se visitam ou se vão encontrando. Ainda assim, mesmo olhando para o singular caso de turismo bem sucedido que parece ser o português, há poucos sinais de que esse dinamismo turístico tenha contribuído significativamente para o desenvolvimento das tecnologias digitais.

Apesar da retórica sistemática – e eventualmente das potencialidades concretas – o turismo que se faz em cada território (e respectivo sistema económico) pouco tem revelado dessa capacidade de inovação e de potencial “inteligência” associada à produção e utilização massiva de informação, com a inerente interação regular, sistemática e permanente que os dispositivos digitais móveis permitem. Os benefícios económicos do turismo continuam largamente concentrados nas empresas de hotelaria e transporte e, da mesma forma, também as plataformas digitais de apoio ao turismo são largamente dominadas por grandes empresas internacionais. Está por demonstrar como o turismo pode ter um papel relevante como catalisador de novas formas de desenvolvimento tecnológico suportadas por recursos endógenos e promovida por um suposto empreendedorismo da juventude local. Por enquanto, tem sido sobretudo depredação violenta e sistemática dos territórios (e respectiva mão-de-obra), assunto que rematarei na próxima crónica, com que irá terminar este conjunto de quatro textos dedicados à economia do turismo. Em todo o caso, é a estes temas que vou continuar a dedicar o meu trabalho de ensino e investigação e não é impossível que cá volte num futuro breve.