O Gato de Schrodinger

Seis e trinta da manhã. Acordo e testemunho pela nonagésima terceira vez a caricata celebração das nossas gatas à minha mulher, que dorme. São duas, absolutamente idênticas, distingue-as uma pequena mancha preta que a filha tem nas narinas. Felizmente, a minha mulher dorme quase sempre de barriga para baixo.

Quando se apaga de barriga para cima uma delas vai anichar-se-lhe no peito e vela. E, se acordo, dou um pulo – é invariável.

A minha mulher tem sinais no rosto (como a Bambu de Gainsbourg), vivêssemos na Idade Média e há muito que tinha ido para a fogueira: a absoluta comunhão com os gatos e os sinais, provas suficientes quanto ao seu comércio com o Diabo. Vale sermos de outro tempo. Ou ser eu o Diabo, num formato pachola.

E as duas gatas, dada a dificuldade em distingui-las na maior parte dos ângulos, evocam-me o gato de Schrödinger e o poema com que o Dinis H. Machado fecha o seu Eliot, É assim que o mundo termina, um lance onde se medita sobre o tempo e a sua face ondulatória e que para mim fecha o livro esplendidamente.
Dinis funde a caixa de Schrödinger no corpo do poema e faz dela dispositivo para sondar a ambivalência do tempo e a sua pulsação contra o senso comum, no intervalo das difrações e da ferida que as bordas de qualquer decisão impõe sempre ao rasto dos existentes. O gato (sugere-se) metamorfoseia-se num homem, numa mulher, em dois amantes na lâmina do instante que separa ou vincula, numa criança que ainda vacila no primeiro passo, a única constante que o gato ilumina é que o tempo é uma parede de ladrilhos a que a varredura ocasional de luzes oblíquas muda os padrões.

É um belíssimo poema de quatro páginas, uma digressão em torno da nossa fatuidade e da impossibilidade de não nos evadirmos pelo desforço de sermos múltiplos, ainda que retardados pelo erro, mas sem nunca se colocar na ponta dos pés, sem nostalgia nem pathos, e que termina assim:

«Aqui estamos, novamente, junto ao promontório./ Falamos com as ondas que se atiram contra o rochedo teimoso./ Não é a primeira vez e, decerto, não será a última e derradeira./ Nós estamos aqui porque somos incapazes de aprender./ Para nós, apenas existe o que podia ter acontecido,/ o que podíamos ser e nunca o que somos ou fazemos./ Nós estamos fora do tempo. A nossa presença é insignificante./ Nada do que fazemos altera o que o destino nos reserva./ Vemos o nosso rosto debaixo de uma luz defunta,/ extinta num momento em que ainda não éramos./ Tudo o que vemos está morto e deixou de existir./ Esta é a terra morta. A terra que aguarda o decair da estrela./ Nascemos com os mortos e vivemos sob o branco/ nevoeiro que nos cega e encanta com uma canção de embalar./ No final, iremos morrer com o morrer da luz,/ como um sonho que nos abraça e seduz./ Esta é a forma como o mundo acaba./ Esta é a forma como o mundo acaba./ Esta é a forma como o mundo acaba./ Não com um estrondo, mas com um gemido./ O resto é silêncio./ Um silêncio profundo que antecede um novo início.»

Uma primeira nota sobre a inteligência com que o verso repetido três vezes dá ênfase ao fecho do poema, pois se este é percorrido por um sentimento do “fatum”, o seu desfecho, num felino golpe de rins, renova os votos, relembra-nos que a decisão de considerar se o gato na caixa está morto ou vivo só depende de nós; sendo que mesmo a morte que nos atinge no singular não é afinal universal, como anuncia a coda de um poema anterior, A era das máquinas: «Esta impressão (o que o tempo nos faz sentir) é como um fantasma/ que nos persegue e assume a nossa forma quando o sono nos distrai./ Não há uma só morte que nos acompanha no fim,/ mas uma que é só nossa e nos acompanha desde o início.» Pertinente ainda que o verso que instala o silêncio restante seja o mais curto, o que interrompe a métrica, mas o que importa realçar é que se em Dinis H. Machado desponta, unha com carne, o acidental e o trágico que atravessam as estações da vida, o poeta sobrevoa, insurrecto («com uma subtil teimosia»), quaisquer tentações de cair na litania desairosa que antecipa o cinismo e sacode os mantos duma cristalização que de desconforto em desconforto nos alastre a impotência.

Lembremo-nos que, como é dito no prefácio, este livro foi escrito numa dupla injunção, para celebrar e esconjurar o poeta de A Terra Devastada. E lendo este Eliot, só me acode um verso espantoso que Nâzim Hikmet escreveu na prisão: «sou feliz, sou feliz a toda a brida». E diante desta força da afirmação só podemos agradecer. A bruxa acordou, ao meu lado. Embruxemo-nos, que bruxuleantes ficaram as gatas e a manhã.

8 Set 2022

Polícia resgata quase 150 gatos destinados ao consumo humano na China

Quase 150 gatos destinados ao consumo humano foram resgatados pela polícia no leste da China, disse ontem a organização de defesa dos direitos dos animais Humane Society International (HSI).

Os felinos estavam presos em jaulas enferrujadas, quando foram descobertos pela polícia da cidade de Jinan, na província de Shandong, disse a HSI, que tem sede nos Estados Unidos, em comunicado.

Pardais foram colocados em gaiolas para servirem como isco e foi utilizado um controlo remoto para fechar a porta, revelou um ativista local. “Foi chocante ver o estado em que [os gatos] estavam. Muitos deles estavam extremamente magros”, disse Huang, outro ativista, citado no comunicado do HSI.

“A descoberta de dezenas de pardais vivos que foram usados como isco para atrair os gatos também foi um grande choque”, apontou.

Os gatos foram enviados para abrigos após o resgate, disse o comunicado. Os ativistas também encontraram 31 pardais – uma espécie protegida no país – e soltaram-nos na natureza.

A China não tem uma lei específica para punir a crueldade animal, mas os suspeitos podem ser processados por caçar pássaros, roubar gatos ou quebrar as regras de prevenção de doenças animais.

Segundo o HSI, cerca de 10 milhões de cães e quatro milhões de gatos são mortos para consumo humano todos os anos no país.

A cidade de Yulin, na região de Guangxi, sul da China, organiza anualmente um festival de carne de cão, por ocasião do solstício de verão. Os gatos também são vendidos para serem comidos.

No entanto, estas carnes são muito pouco consumidas na China. O consumo está concentrado em certas áreas de Guangdong e Guangxi. O consumo está em constante declínio com o aumento do número de animais de estimação.

A China proibiu o consumo e o comércio de animais selvagens em 2020. Shenzhen e Zhuhai (sul), em Guangdong, tornaram-se em abril as primeiras cidades a proibir o consumo de cães e gatos.

1 Set 2022

O gato desejável

[dropcap]H[/dropcap]á quem os deteste e a quem não possa passar sem eles. Há quem lhes seja alérgico e quem os ache a melhor companhia do mundo. Há quem assegure que são demoníacos. Há quem os acuse de serem falsos deuses; falsos, mas ainda assim, deuses. São capazes de provocar todo o tipo de reacções, excepto a indiferença. São, ao mesmo tempo, simples e imprevisíveis. São o exemplo mais cabal de que duas teses contraditórias podem ocupar o mesmo espaço e tempo. São gatos.

Quem nunca teve um gato ainda é capaz de ir ao engano e pensar que ao adoptar um gatinho está na verdade a escolher uma espécie de cão menos dependente. Nada pode estar mais longe da verdade. Um gato não é um cão com casa de banho própria; não é uma versão um pouco mais moderada do amor infinito canino. É outra coisa, tão radicalmente diferente do cão que nem deviam estar ambos incluídos na mesma categoria de «animal de estimação».

Em termos de comportamento, talvez a criatura mais parecida com o gato seja o adolescente humano. Ambos têm uma capacidade estratosférica para a indiferença. Não reagem quando se chama por eles; fazem ouvidos moucos a qualquer reprimenda e são capazes de nos ignorar tão perfeitamente que nem aparecendo em chamas na sua presença conseguiríamos que eles levantassem os olhos do chão ou do ecrã do telemóvel. O seu desinteresse por tudo quanto não lhe diga imediatamente respeito está ao nível de um funcionário das finanças.

É claro que, tal como o adolescente, são capazes de generosidade. Melhor: são capazes de nos manipular ao ponto de nos fazer sentir gratidão pelo afecto que nos dispensam a troco daquilo que querem de nós. Nada no gato – ou no adolescente – acontece sem um propósito. Ao contrário do cão, que esbanja amor como um chinês em véspera de ano novo num casino, o gato e o adolescente são extremamente parcimoniosos na distribuição do afecto. Nunca o dão; trocam-no. Uma pessoa que tenha um gato ou um adolescente sabe sempre que por detrás do ronrom ou do carinho filial se encontra a perspectiva de uma latinha de whiskas ou de uns fones Bluetooth. Durante os poucos minutos que temos o bichano aparentemente desinteressado, no colo, expondo a barriga à mão gulosa de festas, ainda conseguimos ser enganados (ou enganarmo-nos a nós próprios), mas mal passa a névoa da surpresa, damos por nós a pensar: «será que tens água? Será que tens comida? O que terás escavacado agora?»

Tal como um adolescente, um gato não serve para nada. Ainda assim, tem algumas vantagens sobre o adolescente. Come menos, suja menos, ocupa menos espaço e tem uma manutenção muito mais barata. O gato, por outra parte, tem o defeito de ser adolescente enquanto dura, i.e., de nunca ultrapassar o estado em que indiferença e manipulação convivem no mesmo bicho em todos os momentos da sua vida. Alguns adolescentes ultrapassam essa fase e tornam-se criaturas remotamente suportáveis (têm ainda a grande vantagem de, acaso terem cursado outra coisa que não humanidades, acabarem por sair de casa lá pelos vinte e nove, trinta anos). Alguns gatos, já velhinhos, ficam mais permissivos na gestão do espaço próprio e são mais facilmente convocáveis ao carinho. Não se pense, no entanto, que ficam mais generosos ou pacientes com a idade. Na verdade, falta-lhes apenas a pachorra e a força para nos porem no nosso lugar com uma garfada de unhas precisa.

Sigam-me para mais receitas.

19 Nov 2020

A Joana

[dropcap]T[/dropcap]irando os obscenamente ricos cujos investimentos e negócios os impossibilitam de não fazer dinheiro, mesmo que amarrados a uma cadeira até ao final das suas vidas, muito pouca gente ficou melhor do que estava com a pandemia e respectivo confinamento. Uma das raras excepções terão sido os animais de estimação. Estes, habituados a estar em casa à espera de que o dono regresse do trabalho, viram-se subitamente brindados com a presença ininterrupta dos seus cuidadores. Em boa verdade, estando juntos fizemos caminhos opostos: quanto mais confinámos, mais eles desconfinaram.

Eu tenho bichos desde que me lembro. O meu pai era caçador e sempre tivemos cães. Recordo-me com especial carinho de um casal de Épagneul Breton a que o meu pai chamou Tarzan e Chita. A fêmea ficava em casa durante o dia e o macho ia com ele para o trabalho. O meu pai foi telhador durante algum tempo, em França. O cão subia as escadas e andaimes para estar perto dele enquanto este trabalhava. Mas não conseguia descer. O meu pai tinha de o trazer às costas. Lembro-me de uma fotografia documentando esse pequeno número de circo amador. Ter-se-á perdido numa das muitas mudanças de casa.

Para infelicidade e incompreensão do meu pai, que fora educado para ver nos bichos um valor equivalente ao seu uso, eu queria um gato. Os cães eram muito grandes para mim; muito apegadiços, muito desprovidos da noção de espaço pessoal. E, muito especialmente depois de lhes chover em cima, cheiravam mal. Os gatos pareciam-me mais simpáticos do ponto de vista social, na medida em que porventura eram mais parecidos comigo nesse aspecto: prezavam e exigiam algum distanciamento e, ao contrário dos cães, eram parcimoniosos na distribuição do amor. O meu pai acedeu. A contragosto, deu-me um gato. O Sr. Sardinha.

Quando entrei no curso de filosofia, bastos anos mais tarde, uma colega de casa reuniu-nos para nos perguntar se nos importávamos que ela adoptasse uma gatinha. Que seria ela a cuidar da comida, da areia e de toda as coisas práticas relativas ao bicho, que a educaria tanto quanto possível para não destruir a pouca mobília que tínhamos; que não nos preocupássemos: os gatos passam praticamente desapercebidos, dizia-nos. Eu disse logo que sim. Desde que regressara de França com dez anos que não tinha um gato (o meu pai teve paciência para uma excepção, o Sr. Sardinha, e durou até numa viagem para Portugal ele mijar o carro todo e o meu pai amaldiçoá-lo até à quinta geração de descendentes).

Recebemos a pequena bichana com o entusiasmo da novidade. A Inês, consciente da diplomacia necessária para dirimir os pequenos conflitos capazes de surgir numa casa na qual as pessoas não estão ligadas por laços familiares, insistia noite após noite para que a gatinha dormisse no quarto dela. Mas esta miava e miava e passado algum tempo a Inês tinha de lhe abrir a porta. A gata vinha ter comigo e dormia na minha cama.

Uma semana volvida sobre este ritual diário, a Inês confidenciou-me: eu acho que ela te adoptou. Eu acenei silenciosamente que sim com a cabeça e o assunto da paternidade ficou encerrado ali. A gata mudara de mãos sem mudar de casa.

Chamei-lhe Joana e viveu comigo dezasseis anos mais. A única ninhada que teve, de um gato mais afoito que conseguiu entrar em casa pela janela, teve-a em cima de mim, estando eu a dormir. Viu-me acabar o curso de Filosofia. Viu nascer o meu filho Guilherme, de quem cuidava como se fosse filho dela: quando este acordava choramingando vinha-nos chamar. Dormia ao lado do berço dele. Dediquei-lhe um livro – Dez razões para aspirar a ser gato. Foi o bicho mais extraordinário que tive oportunidade de conhecer. Salvou-me mais de um milhão de vezes. É para ela que escrevo hoje.

17 Jul 2020

Tufão Hato: Desaparecidos 40 gatos da ANIMA

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uarenta gatos desapareceram das instalações da Sociedade Protetora dos Animais de Macau (Anima) na sequência da passagem do tufão Hato, que fez oito mortos, disse à Lusa o presidente da organização.

Segundo as estimativas da Anima, aproximadamente 80 gatos tinham fugido das instalações, na ilha de Coloane, na quarta-feira, na sequência da passagem do tufão, o mais forte em 50 anos, calculando-se agora que cerca de 40 continuavam desaparecidos.

“O número total é 290 e temos 250” agora, disse à Lusa o presidente da Anima, Albano Martins, a partir de Portugal, por volta das 09:00.

A queda de árvores de grande porte nas instalações da Anima colocou os animais “em risco”, mas não houve qualquer acidente, disse Albano Martins, dando conta de que também houve cães que escaparam, depois de uma vedação se ter partido, mas que regressaram.

24 Ago 2017

Cat Cave Cafe | Bebe um chá, leva um gato

Há um espaço comercial em Macau que pretende ser mais do que um negócio. De portas abertas há dois anos, o Cat Cave Cafe recebe gatos abandonados e tenta encontrar-lhes um novo dono

 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão é um café temático, que tenha apostado em felinos como elemento decorativo ou de atracção. Os gatos estiveram na origem do café e Ivy Lei, proprietária do espaço, reconhece que os animais até podem funcionar como um chamariz, mas a ideia é bem diferente. “O meu objectivo era fazer com que as pessoas percebessem que é fácil conviver com gatos. O café funciona como um canal para a adopção”, conta ao HM.

Foi a pensar nos animais abandonados – sobretudo nas crias que andam pelas ruas – que Ivy Lei abriu, em 2015, o Cat Cave Cafe, na zona do Lilau. A maioria dos gatos chega ao espaço com poucos dias de vida. “São trazidos por clientes e por pessoas que sabem que nós os acolhemos. Pedem-nos ajuda. E aqui ficam até serem adoptados.”

A dona do estabelecimento não entra em números, mas acredita que, por causa do seu projecto, há hoje menos felinos nas ruas de Macau. E porque proporcionou um espaço onde humanos e gatos podem ter contacto, acabou com mitos e receios.

“Há clientes que não tinham experiência com gatos em casa e, depois de terem passado pelo café, decidiram adoptar um”, conta. “Depois, tenho também clientes que perderam o medo. Foram lá com amigos e ficaram a gostar deles de gatos.”

Os animais que não são adoptados recebem dos clientes festas e uma atenção que não teriam se estivessem na rua. O espaço, composto por duas salas diferentes, convida a estar – não é um local para um café ou um chá a correr. A maioria dos clientes gosta de gatos, claro está. “Vêm aqui sobretudo famílias com crianças, idosos e casais”, descreve a proprietária.

A jovem empresária garante que o facto de haver felinos que se espreguiçam em sofás e pedem mimos aos clientes não é um problema. Ainda assim, já presenciou um ou outro episódio menos agradável. “De vez em quando, acontece haver pessoas que se assustam e gritam, o que é desconfortável para os outros clientes”, diz.

Pouca gente, pouco dinheiro

Além de bebidas, o Cat Cave Cafe serve refeições: do menu fazem parte pizzas, pastas, saladas e sobremesas. Ivy Lei assume que não há um prato especial – os clientes que lá vão com frequência, “duas ou três vezes por semana”, gostam sobretudo de brincar com os animais que dão vida ao espaço.

Agora com 31 anos, a empresária decidiu abrir o café depois de ter levado um gato para casa. Os cafés com felinos entraram na moda nas cidades e o Cat Cave Cafe veio provar que, nalguns aspectos, Macau não foge à regra.

Com dois anos de trabalho, Ivy Lei confessa que é mais difícil cuidar dos animais do que tratar do funcionamento normal de um café. A principal dificuldade vem do custo que os gatos implicam: além da alimentação e dos brinquedos, há as vacinas e a medicação. “As despesas podem chegar às 800 patacas por gato”, contabiliza.

Apesar de o Cat Cave Cafe ser um sucesso no que diz respeito aos gatos que já saíram das ruas, as finanças ditam outra realidade. Ivy Lei explica que, ao fim-de-semana, o estabelecimento tem bastante movimento mas, durante a semana, “está mais vazio”.

Os gatos são um motivo de atracção para quem gosta de felinos mas, continua a proprietária, “há muita concorrência entre cafés em Macau”. De cada vez que abre um espaço novo, o facto reflecte-se no dinheiro que entra em caixa. O Festival de Gastronomia, organizado anualmente na rotunda junto à Torre de Macau, também significa uma quebra no negócio.

Ivy Lei depara-se ainda com outra dificuldade, partilhada pela grande maioria dos pequenos e médios empresários do território: a falta de recursos humanos. “É muito difícil recrutar pessoal por causa das quotas”, desabafa. O sistema de protecção à mão-de-obra local limita a importação de trabalhadores e não é fácil encontrar, entre os residentes de Macau, quem queira um emprego num café. “Estabelecimentos como este não conseguem garantir o número suficiente de trabalhadores. Por isso, é difícil manter as portas abertas.”

Os problemas que vão surgindo não fazem com que Ivy Lei pense em desistir. “Vou lutar para continuar a ter o café, não tenho qualquer outro projecto em mente”, explica. Feitas as contas, o balanço é positivo: “Tudo isto contribui para que haja cada vez mais pessoas a adoptar animais”. Mais gatos em casa, menos gatos abandonados.

 

 

Cat Cave Cafe

Rua de Inácio Baptista

Edifício Hou King (bloco I), r/c A

Macau

10 Mai 2017

ANIMA | Carta entregue à AL e IACM apelando ao registo de gatos

Não faz sentido não licenciar gatos em Macau. É o que defende a ANIMA, que entregou uma carta à AL e ao IACM apelando ao registo: não só poderá prevenir o problema da raiva, mais facilmente transmitida pelos felinos devido ao seu grande número, mas também para que quem maltrate ou abandone o seu gato seja punido. Mais ainda: a licença deve ser “gratuita”. A organização mostra-se também contra o açaime nos cães

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]e Macau licencia cães devido ao problema da raiva, devia, então, licenciar também os gatos. É o que defende a ANIMA – Sociedade Protectora dos Animais que, em duas cartas enviadas aos deputados da Assembleia Legislativa (AL) que discutem na especialidade a Lei de Protecção dos Animais, dá muitas outras justificações contra a ideia de não se licenciarem gatos.
“Primeiro, é absolutamente falso que os gatos apenas existam dentro de casa. A maioria dos gatos recolhidos pela ANIMA e que estavam na rua são gatos que escaparam de casa e que são de cidade”, começa por indicar Albano Martins, presidente da organização.
A contestação chega face à ideia defendida pelo Governo: segundo os deputados, após uma reunião, não vai ser implementado o registo de gatos. O motivo? “O gato tem uma reacção muito diferente do cão” e o processo de registo não costuma “correr bem”. “A maioria dos gatos está em casa e há uma grande dificuldade das autoridades poderem [fazer] esses tais registos, para meter os chips dentro dos animais. O gato tem uma reacção muito diferente da do cão. Apanhar um gato, levá-lo a um veterinário e meter um chip dá muito trabalho”, adiantou José Tavares, presidente do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), na altura. O responsável dizia ainda que havia mais casos de cães na rua do que gatos, algo que é contrariado por números da ANIMA.
“Resgatámos nos últimos dois anos 442 gatos e 334 cães, pelo que não é correcto dizer-se que há menos gatos na rua do que cães. E quase todos esses gatos foram facilmente apanhados à mão, o que nem sempre acontece com os cães, o que prova que a maior parte deles já viveu em família e/ou foram abandonados ou perdidos”, pode ler-se na carta enviada a Kwan Tsui Hang, presidente da Comissão, e analisada pelo HM.
Os deputados tinham-se mostrado contra a ideia do Governo, mas disseram apenas que iriam ceder e colocar essa oposição no parecer entregue à AL. Para a ANIMA há duas razões primordiais para o registo dos felinos: uma delas é o controlo da raiva. A outra é poder punir quem abandona o seu animal ou devolver ao dono quem o perde.

Segurança geral

“Se Macau está sob o perigo iminente da raiva, por esta ser endémica na China continental, então parece-me pouco inteligente, até por motivos de saúde pública, que os gatos não sejam vacinados contra a raiva e, nesse acto, não levarem microchip”, defende Albano Martins. “Do ponto de vista de saúde animal é também um risco desnecessário para esses pequenos animais, até porque há mais gatos do que cães a viver em casas, segundo acreditamos”.
A ANIMA sugere que, uma vez que está em causa a saúde pública – algo sempre defendido pelo Governo como o mais importante no licenciamento dos cães – e este processo é barato, “tanto o licenciamento como a vacinação deveriam ser gratuitas” para os donos destes animais.
Outro dos problemas, indica Albano Martins ao HM, é o facto de não vir a ser possível – sem os gatos estarem licenciados – perceber se o animal foi abandonado, e devolvê-lo ao dono caso este se perca.
“A questão não é sequer os cães e gatos estarem equiparados. É porque as nossas estatísticas apontam que há muitos animais que são abandonados e, face à nova lei, quem abandona um gato não vai ser punido, porque ninguém vai saber [a quem pertence o animal]”, defende Albano Martins ao HM.
O HM questionou ainda o presidente da ANIMA sobre as recentes defesas que têm vindo a ser tornadas públicas pela Associação de Protecção aos Animais Abandonados de Macau (APAAM), que já se manifestou contra o licenciamento de gatos porque “o chip pode afectar a saúde do animal”. Albano Martins discorda: “Eu tenho vinte e tal gatos e todos eles têm microchip. São todos saudáveis. E faz mal ao gato e não faz ao cão? Não tem sentido.”
Em posts nas redes sociais, apelava-se ainda ao apoio contra o registo de gatos mostrando uma imagem de um felino com uma coleira e uma chapa metálica, como o IACM atribui aos cães, algo que não é exactamente o que “registo com microchip” significa.
A ANIMA diz ainda que deveria ser ouvida pela 1.ª Comissão Permanente da AL por ser “a única associação de utilidade pública”, grau reconhecido pelo Executivo, e por ter continuamente contribuído desde longa data com sugestões sobre a lei. A carta foi aceite pela AL em Março.

Açaimes para todos não

Nas cartas a que o HM teve acesso, enviadas pela ANIMA – Sociedade Protectora dos Animais à Assembleia Legislativa (AL) e ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), é ainda criticada a ideia do Governo em açaimar cães com mais de 23 quilos.
“Somos contra o uso de açaimes. Nenhum animal deve ser açaimado”, diz a ANIMA, que indica que deve ser da responsabilidade do dono o uso deste objecto que, assegura, pode até criar problemas ao cão e que depende da educação das pessoas perceber se um cão tem mesmo de utilizar o açaime.
“O tamanho nada tem a ver. Os animais não podem estar sujeitos à ignorância das pessoas. Há animais de grande porte que são extraordinariamente dóceis e quase todos eles excedem os 23 quilos como adultos. Do ponto de vista médico-veterinário açaimar cria sérios problemas de saúde para os animais”, defende Albano Martins, que assina a carta. animais
Em casos excepcionais sim, diz, mas a lei não pode “descer ao nível dos iletrados” e a função da AL é preparar “leis que nos deixem bem colocados no mapa da civilização”. “Não façam leis que nos façam ir parar ao Guiness Book do atraso, por favor ponham de lado as questões de política e de captação de votos e dêem o exemplo como humanos.”
O exemplo do Golden Retriever é o mais utilizado pela ANIMA, para mostrar como um cão com mais de 23 quilos pode ser dócil. Apenas em caso de agressões já registadas é que deveria ser passível a utilização do açaime, diz a ANIMA que, numa outra carta (ver texto página 7), contesta novamente declarações da Associação de Protecção aos Animais Abandonados de Macau, que concordou com os deputados.
“Não conseguimos acreditar que a vice-presidente da APAAM disse isso. Açaimar um animal, especialmente em Macau, é terrível por causa do tempo. Por favor reconsiderem a vossa posição.”

13 Abr 2016