Pais abandonam bebé após discussão e arriscam pena de prisão de cinco anos

O Ministério Publico está a investigar um casal que terá abandonado um bebé com 5 meses em casa, depois de discutir. A investigação foi revelada ontem, através de um comunicado, em que é sublinhada a necessidade de “prestar atenção e tomar conta de menores face à sua imaturidade física e mental”.

O caso terá acontecido “há dias”, depois de uma participação que alertava para um bebé que teria sido deixado sozinho em casa.

Ao HM, a Polícia Judiciária explicou que foi chamada ao local por um segurança, que estava a par da discussão entre os pais. “O segurança tinha ido apartamento do casal, a pedido da mulher, porque estava a haver uma discussão.

Como o homem acabou por deixar o apartamento, o segurança também foi para seu posto”, foi contado. “Alguns minutos depois, o segurança viu que a mulher também saiu do edifício. Como sabia que havia uma criança, preocupou-se e foi ao apartamento, onde encontrou a porta aberta e o bebé sozinho em cima do sofá. Por isso, chamou a polícia”, foi acrescentado.

“Feita a investigação preliminar, o Ministério Público autuou o inquérito contra os pais do bebé por terem cometido o crime de abandono […] punido […] com pena de prisão de 1 a 5 anos, que pode ser agravada nos termos da lei caso exista relação de parentesco em linha recta entre o agente e o ofendido”, foi revelado sobre o andamento do processo.

Apelo à sociedade

Segundo o MP, foram ainda aplicadas medidas de coacção, que não foram reveladas, enquanto prossegue a investigação.

Neste contexto foi deixado o apelo para que a sociedade preste atenção aos menores, “nomeadamente dos bebés e crianças ou aqueles que não sejam capazes de cuidar de si próprios, cabendo aos pais ou àqueles que tenham o dever de auxílio legalmente previsto pela lei cumprir o dever de os guardar, vigiar ou assistir”. O MP recorda ainda que caso a negligência resulte em lesões tal implica responsabilidade criminal.

Três meses que abalaram o mundo

O catastrófico balanço dos impactos da pandemia de covid-19 no planeta estará sempre por completar mas uma boa síntese provisória é apresentada em relatório recentemente publicado por um painel independente criado pela Organização Mundial de Saúde (OMS): 148 milhões de pessoas infectadas e mais de 3 milhões de mortes, incluindo pelo menos 17.000 profissionais de saúde, com prejuízos económicos globais na ordem dos 10 triliões de dólares em 2021 e 22 triliões entre 2020 e 2025, naquele que é o maior choque na economia mundial desde a segunda guerra mundial. No momento mais crítico da pandemia, 90% das crianças do planeta não puderam ir à escola, multiplicaram por 5 os casos de violência doméstica e entre 120 milhões de pessoas ficaram em situação de pobreza extrema.

Este dramático retrato também serve para revelar a dimensão da irresponsabilidade das respostas políticas aos sinais da emergência da pandemia – e da urgência dessas respostas. O mesmo relatório afirma que durante os três meses que decorreram entre o aparecimento dos primeiros casos em Wuhan e a generalização global da pandemia houve informação partilhada e pareceres técnicos de alto nível em variadas instituições que teriam sido mais que suficientes para despoletar respostas urgentes e sólidas para antecipar e prevenir os problemas que haviam de chegar em breve. Pelo contrário, apesar da quantidade, clareza e credibilidade das informações que se foram acumulando durante três meses, o mundo acabou por reagir como se tratasse de uma surpresa (“rigorosamente nada foi antecipado, preparado ou planeado nos 3 ou 4 meses que passaram entre a identificação do vírus na China e a sua chegada à Europa”, escrevia eu na crónica “Um ano em covid”, aqui publicada em 22 de Janeiro de 2021).

São certamente mais sérias e credíveis que as minhas, as observações deste painel independente para a preparação e resposta às pandemias que a OMS criou com o objetivo de recolher o máximo de evidências técnicas e científicas para enfrentar possíveis casos semelhantes no futuro. O painel inclui especialistas com reconhecimento em várias áreas com relevo para o estudo das pandemias e está a analisar com o detalhe possível (que não é pouco) a propagação da doença e respectivas respostas, com vista a fazer do covid-19 “a última pandemia”. Independentemente da qualidade, celeridade e clareza dos trabalhos que vier a produzir, não será tarefa fácil, tendo em conta a irresponsabilidade generalizada com que se lidou com o problema na maior parte do mundo.

Não se sabendo se esta vai ou não ser a última pandemia, certo é que não se trata da primeira: uma pandemia associada a síndromes respiratórios (SARS) já tinha afectado o mundo há quase 20 anos, durante 6 meses de 2003, com mais 8000 casos e quase 800 mortes em 29 países. Pela primeira vez se tornou evidente a possibilidade de transmissão rápida e fácil de doenças, mesmo na ausência de sintomas. Depois deste caso houve outras propagações internacionais com repercussões significativas, como as associadas ao vírus H1N1 (em 2009) ou aos vírus Ébola e Zika (entre 2014 e 2016). O estudo que suporta esta crónica identifica pelo menos 16 relatórios e 11 painéis e comissões de alto nível que desde 2009 apresentaram detalhadas recomendações para melhorar a preparação dos sistemas de saúde para enfrentar situações semelhantes de pandemia. Apesar disto, a chegada do covid-19 encontrou sistemas de saúde completamente desprevenidos, impreparados e frequentemente com severas limitações financeiras. O resultado foi inviabilizar as medidas preventivas que teriam tido custos muitíssimo menores que as que tiveram que se assumir quando a pandemia ocorreu – e continuarão a ter que ser assumidas no futuro.

Ao contrário do que se tem frequentemente afirmado, a identificação do vírus pelas entidades de saúde da China até foi relativamente rápida: em Dezembro de 2019 apareceu um pequeno grupo de pacientes com problemas respiratórios severos, em diferentes hospitais da cidade de Wuhan, que não reagiu como esperado a tratamento para uma aparente pneumonia. No início de Janeiro já se tinha identificado um padrão comum para estes problemas, o que levaria à rápida identificação da sua origem, do vírus causador e até ao confinamento total da população ainda em 23 de Janeiro de 2020. A 30 de Janeiro, a Organização Mundial de Saúde declarava uma “situação de emergência internacional de saúde pública” relacionada com o vírus, incluindo recomendações detalhadas sobre como conter a sua propagação, como lidar com as infecções ou como tratar e isolar os casos que se viessem a identificar.

Nesse final de Janeiro, já o vírus tinha sido identificado em 19 países, também não houve uma resposta generalizada pelos diversos serviços nacionais de saúde à já mais que previsível difusão global da pandemia. O problema havia de se generalizar em Março de 2020, 3 meses depois da sua origem em Wuhan, perante total impreparação, ausência de planeamento, escassez do mais elementar equipamento de prevenção, falta de meios e infra-estruturas para isolamento e tratamento de pessoas infectadas, ausência de planos e mecanismos para identificar e monitorizar contactos e possíveis focus de infecção, regras possíveis para reduzir os contactos e aumentar a chamada “distância social”. Foram três meses de negligência que abalaram o mundo tal como o conhecemos: tudo podia ter sido de outra forma, mais tranquila, com menos dor, menos mortes e menos custos económicos e sociais. Na realidade, por mais dramáticos que sejam, os problemas não se limitam às infecções por covid-19, sabemos hoje bem: a enorme pressão sobre profissionais e serviços de saúde levou também a negligenciar, degradar ou mesmo interromper a prestação de outros cuidados, subitamente menos urgentes e menos críticos, mas nem por isso menos problemáticos para quem os sofre.

Hoje vivemos tempos já diferentes, com algum horizonte de que o problema se ultrapasse relativamente depressa, graças à imunidade que a vacinação em larga escala possa proporcionar. Mas o acesso às vacinas constitui outro problema político e económico, lembra também o tal relatório do painel independente: enquanto alguns dos países mais desenvolvidos do mundo (Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia) dispõem a curto prazo de vacinas suficientes para 200% da sua população, os países asiáticos, africanos ou da América Latina continuam bastante longe de um nível de imunidade suficiente para garantir a segurança comunitária. Aliás, não deixa de ser curioso que tenha sido a Ásia o primeiro continente a reagir e a conter a propagação do vírus, mas que possa ser o último a reabrir as fronteiras ao tráfego e ao turismo internacionais.

Fazer ou não fazer

“Não se pode descer duas vezes o mesmo rio, e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado, pois por causa da impetuosidade e da velocidade da mudança, ela dispersa-se e reúne-se, vem e vai. (…) Nós descemos e não descemos pelo mesmo rio, nós próprios somos e não somos.”
Heráclito de Éfeso

Na minha infância comia amanteigados neste café. Ia buscar tripas de ovos moles a esta barraca. O meu pai estacionava o carro em frente ao mar, precisamente aqui, e passávamos tardes inteiras no carro a olhar para o mar. Ficava no banco de trás às cabeçadas com a minha irmã. Certas coisas mudaram. Puseram outro tipo de corrimãos marítimos para acalmar a violência das ondas. Havia mais dunas e havia mais pinheiros no parque de campismo. A essência é a mesma e eu nunca gostei de fazer só o mesmo. Sempre tive uma tendência natural para o contraditório.

Sempre me pareceu uma das formas mais eficazes de estar na vida: questionar em permanência. Suspeitar de tudo em que toda a gente parece concordar. Se me diziam que as flores eram bonitas, eu ia tentar perceber de que forma não eram bonitas. Se tínhamos que acreditar em Jesus eu ia tentar falar com o padre sobre rituais wicans. Quando me diziam que a paisagem altamente urbanizada não era tão agradável como viver à beira-mar, eu fiz questão de me pôr a trabalhar para transmitir um tipo de beleza menos familiar aos meus conterrâneos. O caos enquanto beleza.

Em Pequim, os meus sentidos colavam-se aos arranha-céus, sobretudo na sua visão noturna. Um céu cinzento, um calor abafado ou um frio seco e, claro, um emaranhado de pessoas, identidades e propósitos. O caos enquanto beleza.

Com o tempo, passei a rodear-me de pessoas que pensavam da mesma maneira que eu. Que sim, que as flores não tinham que ser necessariamente bonitas, que Deus podia ser uma deusa, que a visão mais distópica do mundo pode ser um parque de diversões. Só que chegada a esse ponto em que toda a gente batia palmas ao meu questionamento permanente da realidade, comecei a parar de o fazer. É certo que é para isso que serve a inteligência – colocar-se em infindáveis pontos de vista. Se por um lado, questionar tudo é um bom exercício mental, por outro aceitar que as coisas são como a maior parte das pessoas as vê, é também uma forma de exercer inteligência. Para que conste, não estou a fazer referência a nenhum tipo de relativismo ético. Proponho apenas um lugar de observação em que tudo pode ser o que quiser e eu não tenho necessariamente que me apropriar disso. Aceito sem julgamento todos os atletas de maratonas permanentes em direção ao significado das coisas. Não deixo de me identificar com eles mas passei a aceitar melhor quem decide parar como forma de estar. É falsa essa dicotomia entre fazer ou não fazer. É apenas uma forma de simplificar a realidade mas nada que é simplificado é completamente verdadeiro. Posso sair à rua e cumprimentar os meus vizinhos, mesmo aqueles que parecem relutantes em me cumprimentar de volta. Ter cafés de preferência e outros de que não gosto, como tinham os meus pais e os meus avós antes de mim, aqui, no mesmo sítio. O caos continua a ser belo dentro de mim. A casa pode ser a mesma e o mar o mesmo e as árvores as mesmas mas como diria Heráclito, qualquer tipo de existência é fluida. A casa, o mar e as árvores não são as mesmas todos os dias porque eu não sou a mesma todos os dias.

Arte contemporânea | Exposição de Judy Lei até 27 de Maio no espaço 10 Fantasia

Da confusão e perdas provocadas pela pandemia surgiu a procura e reflexão por um caminho de vida. O ideal de busca é o conceito que está no centro da mais recente exposição a solo de Judy Lei, intitulada “O que queres agarrar?”, onde são apresentados trabalhos de fotografia e vídeo

 

A pandemia como perda e tempo para reflexão é a ideia subjacente à exposição da artista Judy Lei Iok Kuan que decorre no Espaço 10 Fantasia, até 27 de Maio, com o nome “O que queres agarrar?”. Ao contrário do habitual, a artista trocou a arte performativa pela fotografia, vídeo e texto e apresenta várias obras para promover o tipo de arte em que tem focado a carreira.

“A ideia para o tema ‘O que queres agarrar?’ nasceu nos últimos dois anos. Acho que neste período, fiquei mais confusa, mas também o mundo ficou mais confuso, devido à pandemia e a outros factores”, começou por explicar Judy Lei, ao HM. “As pessoas estão mais confusas, houve um momento de reflexão motivado por sentimentos de perda, com a pandemia, que levou a que as pessoas voltassem a ponderar de novo nos seus objectivo”, acrescentou.

Contudo, para Judy Lei esta é igualmente uma oportunidade para promover as partes performativas, foi por isso que o material em exposição reflecte o processo por trás dos trabalhos antigos e também os resultados.

“O objectivo da exposição também é divulgar a arte performativa, porque em Macau não há muitas pessoas a trabalhar nesta área. O objectivo é mostrar o meu conceito criativo, que foca a relação entre indivíduos e a sociedade”, indicou.

Regresso ao passado

Este conceito transparece igualmente nos trabalhos passados da artista. “A mostra tem fotografias, textos e vídeos. As fotografias surgiram do processo de criação dos trabalhos de performance arte. Os vídeos são fragmentos da gravação da arte performativa e os textos descrevem o conceito dos processos de concepção”, afirmou.

Numa exposição que foca perdas provocadas pela pandemia, também o sector da arte foi afectado, com as limitações e menos participações em eventos internacionais. “Todos os anos antes da covid-19, realizava-se em Macau o festival de artes performativas, e os artistas estrangeiros eram convidados para participar, de onde nascia intercâmbio com os artistas locais”, explicou. “Nestes dois anos durante a pandemia, só os artistas do Interior da China podem ser convidados, porque a circulação de pessoas no mundo está limitada. E claro isso teve um impacto”, adicionou.

Judy Lei é uma artista local, que se licenciou no Instituto de Artes Plásticas da Universidade Nacional de Artes de Tainan e na Academia de Cantão de Belas Artes, em Design de Exposições. Além de ter exposto em Macau, já participou em exposições em Taiwan e em Zhuhai.

Museu do Grande Prémio | Entradas à venda a partir de hoje

Os bilhetes para o Museu do Grande Prémio estão à venda a partir de hoje, uma vez que o espaço abre oficialmente portas em Junho. O sistema de venda antecipada de bilhetes online foi optimizado, para facilitar as visitas de residentes e visitantes.

Os bilhetes podem ser adquiridos para o dia seguinte ou até 30 dias antes da visita. A partir de 2 de Junho deixa de haver interrupção à hora de almoço, sendo acrescentada a venda de bilhetes para o dia no local do museu. A partir do próximo mês as entradas serão vendidas ao preço original, deixando de haver divisão de sessões de entrada, e será acrescentada a venda para o dia no local, excepto terça-feira, dia de encerramento do museu.

No dia 1 de Junho, o horário de abertura ao público será excepcionalmente das 14h às 18h, sendo que, a partir do dia 2 de Junho o museu abre das 10h às 18h, sem interrupção à hora de almoço.

Morreu Coimbra Martins, antigo embaixador ligado à questão de Macau

António Coimbra Martins era embaixador de Portugal em Paris quando, a 8 de Fevereiro de 1979, assinou a “acta das conversações sobre a questão de Macau” com o seu homólogo chinês, Han Kehua, que daria origem à Declaração Conjunta. Coimbra Martins foi um histórico do Partido Socialista e faleceu com 94 anos
Com Lusa

 

Foi do seu punho que saiu um dos mais importantes documentos para Macau e que ajudou a definir o que o território é hoje. António Coimbra Martins, histórico do Partido Socialista (PS) e diplomata, morreu esta quarta-feira à noite com 94 anos. Há mais de 40 anos, em 1979, assinou a “acta das conversações sobre a questão de Macau” quando era embaixador português em Paris. Nessa data foram também restabelecidas as relações diplomáticas entre Portugal e a China.

Em declarações à Lusa proferidas em 2019, a propósito do aniversário da transição, Coimbra Martins lembrou como a superstição foi importante para a escolha da data de assinatura destes documentos, dada a importância que os chineses dão ao número 8, associado à boa sorte e fortuna. Foi Han Kehua, embaixador chinês, que abordou Coimbra Martins, ainda em Janeiro de 1978, propondo que os dois “fossem habilitados a convir nos termos do protocolo oficial que precederia e determinaria a troca de embaixadores, sendo aplanadas as divergências que pudessem surgir.”

Depois do sim de Lisboa, o Conselho de Ministros define, em Junho de 1978, Macau como território chinês sob administração portuguesa. A 10 de Junho o embaixador chinês apareceria, pela primeira vez, na recepção organizada pela embaixada de Portugal para assinalar a festa nacional. Só então “começam as negociações”, contou António Coimbra Martins, destacando que Macau era “uma questão prévia”.

Segundo o embaixador, este “problema legado pela História (…) deveria ter uma solução apropriada” que passaria por um acordo entre ambas as partes quanto ao princípio da retrocessão ao estabelecerem-se as relações diplomáticas.

“Com estes princípios elaborou-se um apontamento que, em redacção definitiva, devia ser assinado pelos dois negociadores… documento que veio a ser denominado ‘acta secreta’, ou acta das conversações havidas em Paris”, relata o antigo diplomata.

Depois de vários percalços, os documentos são, finalmente, assinados. “No teor do comunicado publicado em Portugal, figurava o nome do embaixador Han Kehua, mas não o meu. A acta, que se dizia dever ser secreta, fora publicada mais ou menos. Tornara-se a ‘acta de Polichinelo’. Em compensação transferia-se o secretismo para o nome de um dos signatários”, lembrou Coimbra Martins.

Palavras do Presidente

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República portuguesa, lamentou a morte de Coimbra Martins, destacando o seu papel em negociações político-diplomáticas após o 25 de Abril de 1974. “Devemos-lhe diversas negociações muito relevantes do Portugal pós-revolucionário, como a reinserção de Portugal na UNESCO, a abertura de relações diplomáticas com a China e as políticas integradoras das comunidades portuguesas emigradas.”

O Presidente da República referiu que Coimbra Martins foi “ensaísta, académico, fundador do PS, deputado, eurodeputado e ministro da Cultura do IX Governo Constitucional”.

Nascido em Lisboa, em Janeiro de 1927, António Coimbra Martins era formado em Filologia Românica, pela Universidade de Lisboa, e foi professor do ensino secundário e leitor de português nas universidades de Montpellier, Aix-Marselha e Paris, tendo depois ingressado como assistente na Faculdade de Letras de Lisboa, onde regeu a cadeira de literatura francesa.

Corrupção | Pandemia aumenta queixas ligadas a “segurança no emprego”

O Comissário Contra a Corrupção divulgou ontem o relatório de 2020, que reflecte impacto da pandemia também nas queixas de corrupção. O organismo liderado por Chan Tsz King está ainda preocupado com os subsídios públicos e pede ao Governo mais acção na hora de fiscalizar

 

O impacto económico da pandemia resultou no aumento de queixas relacionadas com segurança no emprego junto do Comissariado Contra a Corrupção. A informação foi revelada ontem no relatório anual de 2020 do órgão que tem como missão combater a corrupção.

Apesar de não revelar o número de queixas relacionadas com emprego no sector privado, o relatório adianta que visam a “procura de emprego”, “renovação de contratos ou a promoção profissional” e que envolvem práticas de corrupção activa e passiva.

Face ao desenvolvimento, o CCAC garante que “irá acompanhar de perto a situação de integridade nos sectores público e privado e investigar, com toda a firmeza, quaisquer eventuais indícios de corrupção”.

Os sectores mencionados são as concessionárias do jogo, empresas de segurança, construção civil e envolvem trabalhadores locais, do Interior da China e ainda do Sudeste Asiático.

Entre as 497 queixas, 101 levaram à abertura de instrução de processos de combate à corrupção, e 282 a processo entregues à área da provedoria da justiça. Além disso, 100 queixas e denúncias foram arquivadas directamente, o que foi explicado por ter sido considerado que os factos não eram “claros” e a informação apresentada ser “claramente insuficiente”.

Entre os casos instruídos, a que se juntaram os transitados de 2019, 387 foram concluídos no ano passado. Entre estes, 18 foram reencaminhados para o Ministério Público.

Atenção aos subsídios

Outra área que mereceu atenção do CCAC foi a burla através da atribuição de subsídios públicos a associação. O relatório menciona o caso em que um sócio de uma associação denunciou o presidente, por ter exagerado as despesas com uma refeição e ter feito um relatório falso de actividades, para conseguir um subsídio maior à Direcção dos Serviços para os Assuntos laborais.

A investigação foi concluída em Março do ano passado e reencaminhada para o MP. O presidente da associação foi indiciado da prática dos crimes de burla e de falsificação de documento.

O relatório aborda ainda outras duas burlas com subsídios, que causaram perdas de 2 milhões de patacas ao Instituto de Acção Social e perdas superiores a 1 milhão de patacas à Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ) no âmbito do aperfeiçoamento contínuo.

O CCAC aponta que as burlas com associações “continuam a registar-se em número elevado” e que entre os 18 casos reencaminhados para o MP, oito envolveram “burla ao erário público ou crimes de falsificação de documento conexos ao crime de burla”.

Neste sentido, o CCAC aponta que “a ideia de reforço da fiscalização dos subsídios atribuídos pelo Governo” se tornou em “um chavão”. Contudo, elogia os esforços mais recentes da DSEDJ na fiscalização aos apoios para os cursos de aperfeiçoamento contínuo.

Todavia, o CCAC deixa ainda um recado ao Governo: “Espera-se que os serviços públicos e os diversos tipos de fundos públicos passem das palavras à prática, promovendo efectivamente a implementação de mecanismos para a prevenção da corrupção no âmbito dos financiamentos pelo erário público”, pode ler-se.

Activismo | Grupo sugere roupas pretas no dia 4 de Junho

O grupo “Macau Student’s Concern Groups Alliance” sugeriu que quem queira homenagear as vítimas do Massacre de Tiananmen se vista de preto e use uma máscara da mesma cor no dia 4 de Junho. A iniciativa com o nome “Uma cidade toda vestida de preto a 4 de Julho” está a ser divulgada através de uma página do Facebook.

Ao jornal All About Macau, o organizador da associação, Lireo, justificou a iniciativa com a obrigação moral de recordar o movimento de 4 de Junho, que considera um símbolo de liberdade. Quanto à tradicional vigília para recordar as vítimas, que foi proibida pela primeira vez no ano passado, Lireo admitiu acreditar na repetição da proibição. O organizador afirmou que como o Governo proibiu a vigília no ano passado, a manifestação contra os cupões electrónicos de consumo e a exposição fotográfica sobre o Massacre de Tiananmen, que o mais provável é que a vigília não seja autorizada.

Em relação ao Macau Student’s Concern Groups Alliance, Lireo revelou que foi criado em Fevereiro deste ano por alunos do ensino secundário e universidades, que prestam atenção a assuntos como os direitos dos estudantes, democracia, direitos humanos, cultura e questões identitárias e sexuais.

Ella Lei pede maior protecção para trabalhadores em “lay-off”

Perante o aumento de casos de trabalhadores em licenças sem vencimento de longa duração, Ella Lei quer que o Governo dê “uma resposta sobre a sua posição em relação à revisão do regime de compensação e ao reforço das respectivas normas”. A deputada submeteu uma interpelação oral à Assembleia Legislativa em que pergunta de que mecanismos dispõe o Executivo para “salvaguardar os legítimos direitos dos trabalhadores”.

Ella Lei esteve entre os oito deputados que se mostraram contra a revogação do decreto de lei que regulava o “lay-off”, durante a votação na especialidade da Lei do Salário Mínimo, que decorreu no ano passado já em contexto de epidemia, e considera que a protecção oferecida pela legislação em vigor não é suficiente.

“O Governo deve aperfeiçoar a lei, para evitar que os trabalhadores fiquem em licença sem vencimento por longos períodos de tempo”, defende a deputada. Depois de mais de um ano a lidar o contexto da epidemia, Ella Lei refere que muitos trabalhadores “enfrentam dificuldades para sustentar a família”, e que “o Governo não pode ignorar” a situação.

Além de trabalhadores obrigados a tirar férias sem vencimento durante meses, a deputada indica que a epidemia levou também a atrasos no pagamento de salários e desemprego. Assim, defende que os trabalhadores “sentem-se desapoiados e esperam que o Governo lance medidas de apoio económico para fazer face às necessidades urgentes e aliviar a pressão”.

Subir a moral

Recordando que em resposta a interpelação oral no ano passado os dirigentes afirmaram apenas que na primeira metade de 2020 as queixas sobre salários em dívida e despedimentos tinham diminuído, não estando a agravar-se, Ella Lei descreve que os trabalhadores ficaram “muito desiludidos”. “A redução não significa que o problema não seja grave ou que não haja necessidade de aperfeiçoar o mecanismo, por isso, o Governo não deve menosprezar esta situação”, aponta. Nesse seguimento, pede também dados sobre os últimos seis meses.

O pessoal da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) também está entre as preocupações da deputada ligada à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), que descreve como o aumento do volume de trabalho decorrente dos pedidos de apoio e das reclamações ligadas a direitos laborais fez “aumentar a pressão” do pessoal da linha da frente da DSAL. “O referido pessoal fica atarefado e cansado, uma situação que acaba por ser desmoralizante”, observou. Por isso, pergunta se o número de trabalhadores e a organização de trabalhos da DSAL são suficientes.

Coutinho sugere mecanismo de entrega de medicamentos a doentes crónicos

Em vez de os medicamentos de pacientes crónicos serem distribuídos pelas farmácias dos hospitais, Pereira Coutinho quer um novo sistema que permita o levantamento em locais mais próximos dos utentes. Paralelamente, quer saber se o Governo está aberto a consultas farmacêuticas por telefone ou videoconferência

 

Pereira Coutinho sugeriu ao Governo a adopção de um programa de acesso a medicamentos em proximidade, que permita a doentes crónicos receber os fármacos prescritos em casa, na farmácia mais próxima ou em instituições protocoladas. O objectivo é evitar idas dos pacientes ou cuidadores às farmácias dos hospitais “com riscos de infecção para estes pacientes e consequentes prejuízos para o erário público”.

“A cedência da medicação hospitalar em proximidade tem, em determinados casos, o potencial de permitir minimizar os constrangimentos económicos e de mobilidade dos pacientes, que podem condicionar a acessibilidade e a adesão à terapêutica e, consequentemente, os resultados em saúde”, argumenta o deputado em interpelação escrita.

Pereira Coutinho descreve o actual processo de prescrição a pacientes crónicos e idosos acamados como dispensa “a conta-gotas”, alertando que a necessidade de irem às unidades hospitalares pode acrescentar custos e pôr em causa a adesão dos doentes à terapia. Nesse sentido, o deputado quer saber a avaliação feita pelo Governo das “dificuldades de dispensa de medicamentos aos doentes crónicos” e formas para ultrapassar possíveis constrangimentos.

Consulta à distância

Além da maior proximidade na entrega de fármacos, Pereira Coutinho sugere consultas farmacêuticas por telefone ou videoconferência para avaliar o cumprimento do plano de tratamento. Na interpelação indica que a consulta pode ser feita por um farmacêutico, para avaliar os efeitos da medicação, a necessidade de ajustes ou a existência de sintomas a comunicar ao médico assistente.

Para Pereira Coutinho, se o pessoal das farmácias hospitalares ficar liberto do tempo para a entrega de medicamentos pode “aferir com maior rigor sobre se o que é prescrito aos pacientes é adequado à sua condição, designadamente em relação a pacientes com artrite reumatóide, psoríase, espondilite anquilosante, fibrose quística, hepatites, esclerose múltipla, doentes hematológicos e oncológicos, com hipertensão pulmonar e até de alguns doentes pediátricos”.

Associação dos Advogados de Macau | 30 anos de adaptação a novos tempos

A Associação dos Advogados de Macau foi criada em 1991 para garantir a manutenção da classe e a autorregulação após a transferência de soberania do território. Advogados e antigos dirigentes falam de um projecto bem-sucedido, da importância de manter o Direito de matriz portuguesa e lamentam que não surjam nomes para substituir Jorge Neto Valente na presidência da associação

 

A advocacia é hoje a única profissão liberal em Macau com autorregulação e isso deve-se à visão dos advogados que, ainda na década de 90, ainda durante a Administração portuguesa, pensaram no futuro. Em 1991 seria oficialmente criada a Associação dos Advogados de Macau (AAM), provando-se que uma mera extensão da Ordem dos Advogados (OA) não iria funcionar.

Eram os tempos em que a “ideia de associação era uma coisa peregrina”, conforme lembrou o advogado Miguel de Senna Fernandes. Isto porque “o tradicional advogado sempre foi independente, um profissional liberal”. “Não havia muito a tradição dos escritórios de advogados”, lembrou.

“Os advogados começaram a ter a percepção da necessidade de se organizarem (…) para que a transição fosse harmoniosa. A base de autonomia, independência e autorregulação é a coisa mais preciosa que os advogados têm”, destacou Frederico Rato, sócio e fundador do escritório Lektou.

Para o causídico, o percurso da AAM, nos últimos 30 anos, “não tem tido grandes solavancos, mas não é fácil”. “Tem sido um percurso com coerência, homogeneidade e dignidade, respeitando o carácter técnico e ético da nossa actividade”, frisou.

Amélia António, advogada e presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), esteve ligada à criação do primeiro escritório de advogados no território. ao HM, faz um “balanço bastante positivo” do trabalho da AAM. “Se esse passo não tivesse sido dado [a criação da associação] os advogados não tinham hoje o estatuto que têm, não tinham um órgão autorregulador.”

Para Amélia António a associação foi sabendo viver com condicionantes momentâneas e conseguiu “pôr acima de tudo a defesa das condições do exercício da profissão, que continua a ser um ponto extremamente importante para todos os advogados”, acrescentou.

Miguel de Senna Fernandes também destaca a importância da associação “que foi um marco fundamental e estrutural da ideia e prática do Direito em Macau”. “Sem a associação, a prática do Direito estaria muito desorganizada. Está mais consolidada, é uma associação que se adaptou aos novos tempos. O universo dos colegas é radicalmente diferente daquele que era no início e ainda bem que assim é”, adiantou o advogado macaense.

João Miguel Barros, que foi secretário-geral da AAM, recorda o facto de a associação ter começado “de forma mais cautelosa, ganhando depois credibilidade”. “É a única associação pública profissional que existe na RAEM. Nem tudo é perfeito, mas é importante que se mantenha assim. Acima de tudo é importante ter presente o que é ser advogado e o papel da advocacia em qualquer sociedade”, adiantou.

Olhando para estes 30 anos, Barros destaca a criação dos centros de arbitragem e mediação, um processo que começou “tarde”. “Uma das últimas coisas em que me empenhei foi na criação de um centro de arbitragem, mas só agora é que se começam a dar passos mais seguros no sentido de desenvolver a arbitragem e a mediação”, frisou.

Neto Valente, o rosto de sempre

Jorge Neto Valente tem sido o presidente da AAM nos últimos anos e, à excepção de uma tentativa de candidatura de Sérgio de Almeida Correia, que acabou por não avançar, mais ninguém tem dado esse passo. João Miguel Barros lamenta que “a associação não tenha tido capacidade de renovação”.

“Sou a favor da limitação de mandatos, embora isto não tenha uma crítica implícita a ninguém. Vale tanto para este presidente como para qualquer outro, é uma questão de princípio. Não é saudável para a associação que sejam sempre os mesmos rostos que estejam a exercer o poder.”

Para Amélia António, não basta apontar o dedo a quem assume estes cargos. “As pessoas não estão impedidas de concorrer e de manifestar as suas posições. Se a associação mantém uma determinada gestão ao longo dos anos é porque as condicionantes apontaram para aí, porque não se colocam alternativas, as pessoas não aparecem. Com associações de peso, com impacto social, não é fácil que surjam alternativas credíveis assim de repente.”
Miguel de Senna Fernandes considera que Jorge Neto Valente tem sido um presidente “consensual”. “Naturalmente, há sempre vozes contra e respeita-se isso, mas neste momento não vejo outra pessoa com perfil para presidir à AAM. Obviamente que haverá e terá de haver, caso contrário a associação morre numa pessoa”, frisou.

A manutenção do Direito

Numa altura em que a integração regional do território, no contexto da Grande Baía, é palavra de ordem, já existem alguns escritórios de advogados do lado de lá da fronteira. Cabe então à AAM assegurar a manutenção do Direito local, de matriz portuguesa, e da língua portuguesa.

“É fundamental que se defenda a matriz própria de Macau, que assenta na igualdade de línguas. Oxalá que os futuros dirigentes da associação defendam esta matriz específica. Apesar de os colegas chineses estarem em maioria, não se esqueceu da matriz muito própria de Macau que passa pelo uso da língua portuguesa.”

Para Amélia António, “o Direito não é estático e tem de acompanhar a evolução” da sociedade. Ainda assim, “há princípios basilares em que assenta toda a estrutura que têm de ser defendidos e preservados”.

Hoje há cada vez mais advogados formados em Macau e que dominam o português e o chinês, o que faz com que o cenário da prática do Direito tenha mudado em relação aos primeiros tempos da AAM. “É inevitável que isto aconteça [mais advogados bilingues]. Mas o não domínio da língua chinesa não pode significar redução de direitos para os advogados de língua portuguesa em Macau. Não podemos abdicar da língua portuguesa e esse problema vem sempre ao de cima na abertura do Ano Judiciário. O bilinguismo é um facto, e é por aí que se deve caminhar”, disse João Miguel Barros.

O advogado não está contra a entrada de escritórios locais na Grande Baía, mas pede a manutenção dos princípios já consagrados nas leis. “Temos uma Lei Básica e uma configuração judiciária que está garantida por um período de 50 anos. A AAM tem o dever de zelar para que se cumpram os princípios orientadores que são próprios da RAEM. Mas outra coisa é manter o isolamento, e a AAM tem anunciado um conjunto vasto de acções para promover o intercâmbio com outras associações do continente. Acho que é importante que esse caminho seja prosseguido.”
Miguel de Senna Fernandes considera que é cedo para ver a ligação do sector ao projecto da Grande Baía, mas a integração é, sem dúvida, um passo. “É fundamental que em Macau haja respeito pelas especificidades do Direito local. Se no futuro tende a misturar-se e a diluir, não tenho dúvidas. A tendência natural é da uniformização, mas Macau continua a ter essa especificidade. Há escritórios que já estão na Grande Baía porque têm condições para o fazer. Mas é necessário ver o que isto significa para escritórios de menor dimensão e projecção e ainda não há nada visível que possa atrair isso de forma generalizada. Mas é uma questão de tempo.”

Criticar ou não criticar?

Nos últimos anos Jorge Neto Valente tem feito intervenções públicas pontuais, mas é no habitual discurso de abertura do Ano Judiciário que o presidente da AAM aproveita para fazer os devidos reparos ao estado da justiça.

Nos últimos anos, as suas bandeiras têm sido, por exemplo, o aumento do número de magistrados no Tribunal de Última Instância (TUI) e a valorização do papel dos tribunais. Além disso, não têm faltado reparos quanto à necessidade de apostar mais no sistema de arbitragem e mediação, à qualidade dos cursos de Direito no território ou às falhas de interpretação da lei em muitos serviços públicos. No discurso de 2019, Jorge Neto Valente falou também da “preocupação” sobre a situação que se vivia em Hong Kong, com protestos nas ruas. “O nosso quotidiano depende, em muitos aspectos, da normalidade da vida em Hong Kong. As imagens que a toda a hora nos chegam pelos noticiários e redes sociais revelam a destruição criminosa de propriedades públicas e privadas sem qualquer razão, agressões a residentes pacíficos só porque não apoiam os manifestantes e, sobre tudo, ataques armados aos agentes policiais que tentam fazer cumprir a Lei e proteger os cidadãos. É sabido que a violência gera violência; mas há que escolher entre restabelecer a ordem nas ruas e regressar à paz social, ou permitir que os motins se arrastem até situações caóticas de que será muito difícil recuperar.”

Para Frederico Rato, “a associação tem tido uma voz activa e participante”. “Há associados que defendem que a AAM deveria ter uma voz ainda mais crítica para determinadas situações, e há outros que dizem que exagera nas suas posições, mas as coisas são assim. A AAM tem de ter uma actuação que seja, de algum modo, coadunada com a realidade em que vai actuando, que tem alterações às quais é necessário estar atento e tomar medidas”, apontou.

João Miguel Barros é uma das vozes que pede maior intervenção. “Noto uma grande diferença de posicionamento entre a direcção da AAM e a associação de advogados de Hong Kong, que tem um papel mais interveniente na defesa de princípios e de valores fundamentais. A AAM é muito silenciosa relativamente a esse aspecto e isso é uma coisa que me custa, porque faz parte do código genético dos advogados defender direitos e as liberdades das pessoas. A AAM tem de começar a ter uma intervenção pública mais acutilante sempre que estejam em causa certas situações.”
João Miguel Barros considera “inaceitável que não exista um impedimento ou incompatibilidade para o exercício de cargo na AAM em relação aos advogados que exerçam actividades comerciais e empresarias executivas em empresas”. “Não vejo inconveniente em pertencer a mesas de assembleias-gerais ou a conselhos consultivos, mas vejo potenciais conflitos de interesses quando em simultâneo se exerçam actividades em conselhos de administração ou de direcção de empresas. E esta exigência de transparência deve ser reforçada em relação a todos aqueles que se proponham exercer cargos socais na AAM”, adiantou o advogado.

O HM tentou chegar à fala com Jorge Neto Valente, mas até ao fecho desta edição não foi possível estabelecer contacto. Também não foi possível obter um esclarecimento sobre em que fase está o processo de negociações com a OA para um novo protocolo relativo à vinda de advogados portugueses para o território.

Hoje a AAM tem 446 advogados inscritos e 133 advogados estagiários, segundo dados do ano passado. Estes agrupam-se em 100 escritórios independentes. De entre os advogados, há 91 notários privados.

Neto Valente, presidente da AAM: “Há alguns constrangimentos, as pessoas evitam dizer coisas”

Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), comentou, à agência Lusa, o panorama político e social do território a propósito do 30º aniversário da Associação dos Advogados de Macau (AAM), que se celebra esta sexta-feira. Ao contrário do que aconteceu em Hong Kong, “onde havia muita gente a querer a independência” e “a hostilizar o Governo” chinês, recordou Neto Valente, Macau já tinha uma lei da segurança desde 2009, mas a situação na ex-colónia britânica levou à multiplicação de apelos ao patriotismo no antigo território sob administração portuguesa. “Hoje é difícil encontrar alguém que não se declare patriota convicto e extremo, toda a gente quer ser patriota”, ironizou Neto Valente.

“Não tem a ver com a justiça, mas de facto, há alguns constrangimentos, e as pessoas evitam dizer coisas e falar de coisas que possam ser interpretadas contra elas”, apontou, negando, no entanto, a existência de “repressão pública contra pensamentos que não sejam ortodoxos”.

“Na justiça não se vê isso. Não foi levado ninguém a tribunal por violação da lei da segurança nacional”, frisou.
Em relação à advocacia, Neto Valente lembrou que a proporção de advogados de língua materna portuguesa em Macau diminuiu drasticamente, passando de 70% há 30 anos, quando a associação que regula a profissão foi criada, para menos de 30%. Em 1999 “havia 87 advogados de pleno direito e 13 estagiários, e a esmagadora maioria, seguramente 70%, eram de língua materna portuguesa”, recordou. “Neste momento, eu diria que 70% [dos inscritos] são de língua materna chinesa”, num universo de “436 advogados e 127 estagiários”, apontou o presidente da AAM.

Menos português

Nos últimos anos, o número de advogados de Portugal que vão para Macau para exercer a profissão tem vindo a diminuir, apontou.

“Há muito poucos, porque, além da questão da pandemia, os advogados de Portugal não podem chegar aqui, bater à porta e dizer ‘estou cá'”, disse.

Antes de poderem exercer no território, têm de obter autorização de residência e de trabalho, “o que não é fácil”, e “fazer um curso de adaptação ao Direito de Macau”. “Ou então têm de começar pelo estágio, e a maior parte dos advogados não quer ter de fazer estágio outra vez”, explicou.

Neto Valente, que foi presidente da AAM em 1996, ainda antes da cessão de Macau à China, e voltou a assumir o cargo alguns anos após a transição, considerou que a língua portuguesa está em recuo também nos tribunais.

“Os tribunais têm caminhado no sentido de privilegiar o uso da língua chinesa, embora os magistrados de Macau tenham de ser bilingues”, sublinhou. “Chinês todos sabem, e depois, português, uns sabem mais, outros menos, mas há magistrados que são muito bons, são bilingues perfeitos”, acrescentou.

Segundo Neto Valente, “nos casos cíveis, há mais produção em língua portuguesa, nos criminais, há mais produção em língua chinesa, por uma razão de facto (…): os suspeitos são, na esmagadora maioria, chineses”.

“Quando chega aos magistrados, muitos deles preferem escrever em chinês, porque o processo está todo em chinês”, explicou o advogado, frisando que o português continua a ter estatuto de língua oficial, consagrado na Lei Básica. “Está lá escrito”, sublinhou.

O facto de algumas decisões serem escritas em chinês “cria algumas dificuldades, porque há muitos advogados, mesmo de língua chinesa e locais, sobretudo os que estudaram em Portugal, que ainda pensam o Direito em português”, disse.

Índia ameaçada por outro ciclone após tempestade Tauktae fazer 110 mortos

Um ciclone está a formar-se na baía de Bengala, no leste da Índia, alertaram hoje meteorologistas indianos, depois da passagem pelo país da tempestade tropical Tauktae, que deixou pelo menos 110 mortos.

De acordo com o departamento meteorológico da Índia, a zona de depressão deve formar-se no sábado na costa leste da Índia. É “muito provável” que o sistema gradualmente se transforme numa tempestade ciclónica que poderá atingir os estados de Bengala Ocidental e Odisha por volta de 26 de maio.

O ciclone Tauktae atingiu fortemente os estados costeiros do oeste da Índia na segunda-feira, num momento em que o país está a enfrentar uma segunda onda da pandemia do novo coronavírus de grandes proporções desde o final de março.

Mesmo antes de o sistema de furacões atingir a costa do Estado de Gujarat, rajadas de até 185 quilómetros por hora e chuvas torrenciais mataram cerca de 20 pessoas no oeste e no sul da Índia. Só neste estado registaram-se pelo menos 53 mortos, disseram autoridades na noite de quarta-feira.

Mas o número de mortos pode aumentar, de acordo com a imprensa local, que relatou a morte de cerca de 80 pessoas em desabamentos de casas e paredes.

A marinha indiana encontrou 37 corpos após o naufrágio de um navio de apoio a instalações petrolíferas e 40 pessoas ainda estão desaparecidas.

O navio, que naufragou ao largo de Mumbai, capital do Estado de Maharashtra, tinha 273 pessoas a bordo e ficou à deriva devido aos fortes ventos que se abateram na costa ocidental da Índia.

Em maio do ano passado, mais de 110 pessoas morreram depois de o ciclone Amphan ter devastado o leste da Índia e Bangladesh na baía de Bengala.

Especialistas dizem que o Mar da Arábia, onde Tauktae teve a sua origem, está a proporcionar ciclones mais fortes do que no passado, devido ao aquecimento global. “O Mar da Arábia é uma das bacias de aquecimento mais rápido entre os oceanos do mundo”, disse à AFP Roxy Mathew Koll, do Instituto Indiano de Meteorologia Tropical.

Covid-19 | Residente com recaída, mas não é considerado caso importado

Uma mulher de 24 anos, residente de Macau, teve uma recaída da covid-19 depois de ter estado infectada em Janeiro, informou ontem o Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus. A doente entrou ontem em Macau, tendo o teste de ácido nucleico de despistagem da covid-19 dado “francamente positivo”. Além disso, “os testes de anticorpos realizados foram positivos, tendo esta mulher sido encaminhada para o Centro Clínico da Saúde Pública de Alto de Coloane para observação”. Neste momento a mulher não apresenta quaisquer sintomas.

O Centro denota que “esta mulher já tinha sido confirmada como tendo sido infectada no exterior”, tendo o caso sido classificado como “de recaída da infecção no exterior, mas não contabilizado como caso importado em Macau”.

O primeiro diagnóstico da residente foi feito a 15 de Janeiro deste ano, tendo a mulher sentido dores de cabeça e de garganta. Realizou o isolamento na sua casa. Nos dias 30 de Abril e 17 de Maio, os testes de ácido nucleico deram negativo. A residente partiu de Londres na terça-feira com destino a Paris, tendo efectuado trânsito com destino ao Aeroporto Internacional Taoyuan de Taiwan. Ontem, num novo voo em trânsito, viajou para Macau no voo BR801 da EVA Air de Taiwain para Macau, no assento 47C.

O Centro de Coordenação alerta para o facto de existirem “muitos casos em que o diagnóstico foi confirmado após terem sido realizados vários testes de ácido nucleico negativos”.

Foi decretada a obrigatoriedade de, à chegada ao território, a realização, por parte de “todos os indivíduos que regressam de países estrangeiros, além do teste de ácido nucleico, o teste de anticorpos contra a covid-19”. O Centro alerta que esta medida pretende evitar “a ocorrência de um foco infeccioso quando deixem o hotel de observação médica”.

Ásia regressa a confinamentos com aumento de novos casos de covid-19

Uma nova vaga da pandemia de covid-19 está a obrigar partes da Ásia a introduzir intensivas medidas de confinamento, perante o aumento de número de contágios e de mortes.

A escassa população da Mongólia viu o número de mortos subir de 15 para 239, enquanto Taiwan, que foi considerado um caso de sucesso na luta contra o novo coronavírus, registou mais de 1.200 casos desde a semana passada e colocou mais de 600.000 pessoas em isolamento por duas semanas.

Hong Kong e Singapura adiaram pela segunda vez a possibilidade de retomar viagens entre si sem quarentena, após um surto de origem incerta em Singapura.

A China, que praticamente tinha eliminado os casos de infeções, viu novos casos de covid-19, aparentemente devidos ao contacto com pessoas que chegam do exterior. A situação está a prejudicar os esforços para o regresso ao normal da vida social e económica na Ásia, especialmente em escolas e setores como o turismo, que depende do contacto pessoal.

Em Taiwan, o aumento de novos casos de contágio está a ser impulsionado pela variante mais facilmente transmissível identificada pela primeira vez no Reino Unido, de acordo com Chen Chien-jen, epidemiologista e ex-vice-Presidente da ilha, que liderou a muito elogiada resposta à pandemia no ano passado.

Em Wanhua, normalmente uma área movimentada de Taiwan com barracas de comida, lojas e locais de entretenimento, o mercado noturno de Huaxi e o templo budista Longshan estão encerrados.

A ilha fechou todas as escolas e as restrições foram ampliadas a todo o território: restaurantes, ginásios e outros locais públicos foram encerrados e reuniões de mais de cinco pessoas em ambientes fechados e mais de 10 pessoas ao ar livre foram proibidas.

A Presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, procurou tranquilizar as pessoas que procuravam voltar a circular livremente, mas foram confrontadas com novas medidas de confinamento. “Continuaremos a fortalecer a nossa capacidade médica”, disse Tsai, acrescentando que as vacinas devem chegar em breve.

A Malásia impôs inesperadamente um confinamento de um mês, até 07 de junho, depois de as autoridades terem registado aumentos acentuados no número de novas contaminações e o aparecimento de novas variantes do vírus.

Este é o segundo confinamento geral em pouco mais de um ano e ocorre depois de os casos terem quadruplicado desde janeiro no país, sendo agora mais de 485.000, incluindo 2.040 mortes.

As viagens entre os estados da Malásia, bem como as atividades sociais, estão proibidas, as escolas estão fechadas e os restaurantes podem fornecer apenas serviço de entrega, quando os hospitais estão quase a esgotar a sua capacidade de atender mais doentes com covid-19.

Singapura impôs severas medidas de distanciamento social até 13 de junho, restringindo as reuniões públicas a duas pessoas e proibindo o serviço de jantar em restaurantes, depois de um significativo aumento no número de novas infeções com o novo coronavírus.

As escolas voltaram ao regime de ensino à distância, após os alunos de várias instituições de ensino terem sido contaminados.

Hong Kong respondeu a novos surtos aumentando a exigência de quarentena de 14 para 21 dias para viajantes não vacinados que chegam de países de “alto risco”, incluindo Singapura, Malásia e Japão, bem como da Argentina, Itália, Holanda e Quénia.

A China montou postos de controle em aeroportos e estações ferroviárias na província de Liaoning, onde novos casos foram registados esta semana.

Os viajantes devem ter prova de um recente teste de vírus negativo e os testes em massa foram exigidos em Yingkou, uma cidade portuária com conexões marítimas para mais de 40 países.

A Tailândia registou 35 mortes na terça-feira e 29 ontem, os mais elevados números desde o início da crise sanitária, elevando o número total de óbitos para 678.

Nas Filipinas, o Presidente Rodrigo Duterte suavizou as medidas de combate à pandemia, procurando combater a crise económica e a fome, mas continua a impedir reuniões públicas, numa época de festividades religiosas no país.

As infeções de covid-19 nas Filipinas aumentaram em março para os piores níveis da Ásia, ultrapassando 10.000 novos casos por dia e levando Duterte a impor confinamento em Manila, em abril.

O secretário de Saúde filipino, Francisco Duque, disse que a retoma parcial das atividades económicas, o aumento do não cumprimento das restrições e o rastreio inadequado das pessoas expostas ao vírus combinaram-se para desencadear o aumento acentuado das infeções.

Covid-19 | Voos para a China aceitam certificado de vacinação como alternativa ao teste IgG

A companhia aérea Beijing Capital Airlines, que opera o voo entre Portugal e China, anunciou ontem que passa a permitir aos passageiros que apresentem um certificado de vacinação, como alternativa ao teste de anticorpos IgG.

Em comunicado enviado à agência Lusa, a companhia esclarece que passa, desde ontem, a permitir que os passageiros que viajam para a China apresentem o certificado de vacinação ou o certificado negativo IgG. Para além de um daqueles dois certificados, o passageiro deve apresentar os resultados negativos dos testes de ácido nucleico PCR e de anticorpos IgM.

A companhia aérea chinesa opera atualmente uma ligação entre Lisboa e Xi’an, cidade no centro da China, com a frequência de um voo por semana.

Os certificados devem ser emitidos por um laboratório de análises português até 48 horas antes da partida, lê-se na mesma nota. Fonte da companhia aérea esclareceu à Lusa que qualquer vacina contra a covid-19 serve para o efeito.

As autoridades chinesas reduziram as ligações aéreas com o exterior, no final de março do ano passado, à medida que o novo coronavírus se alastrou pelo mundo.

A Beijing Capital Airlines retomou, no final de agosto passado, o voo entre Portugal e a China. O país, onde a covid-19 surgiu em dezembro, foi o primeiro a conter o surto, pelo que passou a temer uma ressurgência devido aos casos oriundos do exterior, sobretudo chineses que tentam regressar ao país.

Hidrogénio verde | Portugal quer cooperar com a China

O Secretário de Estado Adjunto e da Energia, João Galamba, disse que Portugal quer cooperar com a China no hidrogénio verde, avançou a Embaixada chinesa em Lisboa. Segundo um comunicado, João Galamba disse que Portugal gostaria de receber mais investimento chinês e alargar a cooperação com a China no sector da energia aos veículos eléctricos e ao hidrogénio verde.

O dirigente falava durante uma videoconferência com o novo Embaixador da China em Portugal, Zhao Bentang, na semana passada. O diplomata disse que a China está disposta a trabalhar com Portugal para reforçar a cooperação na área das energias renováveis. Zhao Bentang sublinhou ainda que a cooperação bilateral tem beneficiado não apenas os dois países, “mas tem também dado frutos” em outros mercados como a América Latina e a África.

Portugal pode atingir a neutralidade carbónica antes de 2050, segundo um estudo, em que se preconiza um investimento inicial recuperável a longo prazo. No estudo, elaborado pela consultora McKinsey&Company, defende-se que Portugal precisa de estimular a adopção de veículos eléctricos e o desenvolvimento de novas cadeias de valor, incluindo o hidrogénio verde.

A REN, gestora das redes energéticas em Portugal, anunciou na sexta-feira que prevê investir 40 milhões de euros até 2024 para a compatibilização da rede de gás com a injecção de hidrogénio, que faz parte da estratégia nacional de acelerar a transição energética.

A REN tem como principal acionista a eléctrica estatal chinesa State Grid of China, com 25 por cento do capital social. Outro grupo estatal chinês, a China Three Gorges Corporation, é o maior accionista da elétrica portuguesa EDP – Energias de Portugal, com uma participação de 19,03 per cento.

No Brasil, as duas empresas construíram em conjunto os projetos hidroeléctricos de Santo Antônio do Jari, de Cachoeira Caldeirão e de São Manuel e 11 parque eólicos.

Nuclear | Críticas americanas, cooperação com Moscovo

O embaixador americano na Conferência sobre o Desarmamento acusou a China de se opor a uma negociação bilateral para reduzir o arsenal nuclear dos dois países e expressou esperança de que Pequim mude de atitude. “Até agora, Pequim não quis ter discussões significativas, semelhantes às que temos com a Rússia, e esperamos sinceramente que isso mude”, afirmou Robert Wood, em Genebra.

Organizações internacionais estimam que a China tem mais de 300 ogivas nucleares, número superior ao da França ou do Reino Unido, mas bem abaixo das 5.800 ainda activas nos Estados Unidos e das mais de 6.300 na Rússia.

O diplomata mencionou o “crescimento dramático do arsenal atómico chinês” e afirmou que os Estados Unidos vão continuar a procurar dialogar com a China em “doutrinas nucleares, acordos de notificação de lançamento de mísseis e melhores canais de comunicação de crises”.

Moscovo e Washington concordaram este ano em prorrogar o novo acordo de controlo de armas START por mais cinco anos. O tratado é o último acordo remanescente que limita as armas nucleares dos EUA e da Rússia, depois de ter sido assinado, em 2010, pelo Presidente norte-americano, Barack Obama, e pelo Presidente russo, Dmitri Medvedev, para limitar cada país a instalar um máximo de 1.550 ogivas nucleares e restringir a 800 o número de aviões bombardeiros com capacidade de lançar mísseis nucleares.

Ano de cooperar

Entretanto, Moscovo e Pequim iniciaram ontem um projecto de cooperação energética nuclear. “O início do projecto de cooperação energética nuclear China-Rússia promoverá a actualização dos laços bilaterais”, disse um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês nesta terça-feira. O presidente chinês, Xi Jinping, e o presidente russo, Vladimir Putin, testemunharam conjuntamente a cerimónia de abertura do projecto por videoconferência na quarta-feira.

O porta-voz Zhao Lijian disse que “este ano marca o 20º aniversário da assinatura do Tratado China-Rússia de Boa Vizinhança e Cooperação Amigável, e o evento de quarta-feira será o primeiro intercâmbio online bilateral entre o presidente Xi e o presidente Putin este ano, o que é de grande importância para liderar a parceria estratégica abrangente China-Rússia de coordenação para uma nova era e para manter um alto nível de desenvolvimento”.
Zhao disse que a energia nuclear é uma área tradicional de “cooperação prioritária” entre os dois países, e que se desenvolveu rapidamente nos últimos anos, atraindo muita atenção dos dois chefes de Estado.

Observando que a energia nuclear é “limpa e eficiente”, Zhao disse ainda que as emissões de dióxido de carbono serão reduzidas, reflectindo a firme determinação da China em alcançar o objetivo de “pico de carbono” e “neutralidade de carbono” e demonstrando “o seu forte senso de responsabilidade como um grande país”.

Macau impõe quarentena a viajantes de duas províncias chinesas

Macau impõe desde ontem, quarta-feira, uma quarentena de 14 dias aos viajantes provenientes de várias localidades das províncias chinesas de An Hui e Liaoning, devido à situação epidemiológica de covid-19, anunciaram as autoridades de saúde.

A medida aplica-se a quem nos 14 dias anteriores tenha estado na província de Liaoning, incluindo na vila de Chentun, cidade de Yingkou, comunidade de Honghai, vila de Xiongyue, distrito de Bayuquan, cidade de Yingkou, comunidade de Yiyuan, distrito de Heping e cidade de Shenyang, informou o Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus.

O período de 14 dias de observação médica obrigatória aplica-se igualmente a quem venha de algumas zonas da província de An Hui, incluindo os distritos de Jin An e Yu An, cidade de Lu An, vila de Shangpai, condado de Feixi e cidade de Hefei, acrescenta-se na nota.

Desde terça-feira, as pessoas que regressem da Índia, Paquistão, Filipinas, Nepal e do Brasil são obrigadas a cumprir 28 dias de quarentena, período que será alargado para 35 dias caso seja detetada a presença de anticorpos do novo coronavírus, devido ao risco de re-infecção.

Taiwan | Governo alerta para situação dos estudantes de Macau

O Governo da RAEM indicou estar atento aos estudantes de Macau que estão em Taiwan. “A Delegação Económica e Cultural de Macau em Taiwan, enviou, ontem (17 de Maio), uma carta à Comissão para os Assuntos da China Continental, na qual menciona que o recente aumento de intensidade da epidemia na Ilha trouxe incerteza e ansiedade aos milhares de estudantes de Macau e aos encarregados de educação”, diz um comunicado do Gabinete de Comunicação Social.

A nota indica que a carta também foca a preocupação de alguns alunos com os estudos, condições de vida e assistência médica. É dada a indicação que os estudantes de Macau em Taiwan e os encarregados de educação podem contactar a Delegação Económica e Cultural de Macau em Taiwan ou a linha de informações do Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus .

De acordo com o jornal Exmoo, o subdirector dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSDEJ), indicou que 807 alunos de Macau que estudam em Taiwan planeiam regressar à RAEM entre Maio e Agosto, 300 deles nos meses de Junho e Julho. Teng Sio Hong, confirmou com a Direcção dos Serviços de Turismo que há dois a três voos diários entre Macau e Taiwan, garantindo que a DSDEJ vai manter contacto próximo com as autoridades de Taiwan para dar apoio aos estudantes. Há cerca de 3.000 a 4.000 estudantes locais a estudar na Formosa.

A covid-19 e as falhas globais de saúde pública

“Unpurified drinking water. Improper use of antibiotics. Local warfare. Massive refugee migration. Changing social and environmental conditions around the world have fostered the spread of new and potentially devastating viruses and diseases-HIV, Lassa, Ebola, and others.”
Laurie Garrett
The Coming Plague: Newly Emerging Diseases in a World Out of Balance

 

 

A crise do coronavírus foi um choque, mas não deveria ter sido uma surpresa. Há anos que os peritos em saúde pública vinham alertando para os perigos das pandemias virais. A SRA, H1N1, Ebola, e MERS tinham destacado os riscos de doenças que atravessavam fronteiras e a necessidade de respostas nacionais e globais eficazes. Não muito antes dos primeiros casos notificados de COVID-19 em Wuhan, China, tanto o Johns Hopkins Center for Health Security como o Kissinger Center for Global Affairs Senior Fellow Dr. Kathleen Hicks tinham organizado exercícios separados que realçaram o quão profundamente um vírus em movimento rápido poderia pôr em perigo o sistema internacional e a segurança nacional dos Estados Unidos. No entanto, estes alertas não foram em grande parte seguidos e o mundo não estava preparado para reagir eficazmente quando a crise começou.

A COVID-19 sobrecarregou os esforços nacionais e internacionais para conter a pandemia, expondo ao mesmo tempo falhas profundas nas infraestruturas globais de saúde pública. As instituições mais responsáveis pela saúde pública, a Organização Mundial de Saúde (OMS) para o mundo, os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) para os Estados Unidos não tiveram um bom desempenho. O mundo vê diariamente a aumentar o número de casos confirmados de COVID-19. A Índia, os Estados Unidos e o Brasil têm sido os mais duramente atingidos. A ciência e os conhecimentos epidemiológicos em torno do vírus estão a evoluir, novas terapias estão a ser desenvolvidas, e os esforços intensivos que culminaram em várias vacinas proporcionam alguma esperança.

A COVID-19 irá dominar o panorama internacional. Mesmo depois de o vírus ser contido, as consequências estarão connosco durante algum tempo. Isto porque a pandemia chegou a um momento especialmente preocupante para o mundo. Nos últimos anos, muitos comentaram o desgaste dos acordos internacionais para proporcionar uma ordem mundial estável, pacífica e próspera. O que se temia há algum tempo era agora visto como uma dura realidade pois muitas das normas, instituições e práticas que sustentavam a ordem internacional liberal e marcaram a liderança americana desde o fim da Guerra Fria e, em alguns casos, o fim da II Guerra Mundial, estavam sob enorme tensão.

As causas são muitas e interligado dado o ressurgimento da rivalidade política de grandes potências, marcada pelo agravamento e crescente toxicidade da relação entre as duas maiores potências, os Estados Unidos e a China; o aumento do populismo e do nacionalismo, bem como uma aparente perda de fé na democracia à medida que o autoritarismo aumenta o seu domínio em muitas partes do mundo; os efeitos vertiginosos e desorientadores das novas tecnologias; e numerosas outras causas.

Estes desafios têm-se manifestado à medida que os Estados Unidos polarizados se tornam cada vez mais incertos sobre o seu papel no mundo, à medida que muitos perdem a fé nos benefícios da globalização e da interdependência, e como um conjunto de novas preocupações transnacionais, que vão desde as alterações climáticas à desinformação, revelam as deficiências das instituições internacionais existentes. No entanto, a crise constitui uma oportunidade.

Há que fazer um esforço multidisciplinar para avaliar o estado actual da ordem mundial, analisar os efeitos da crise da COVID-19, e oferecer perspectivas e ideias para o futuro. A crise tornou claro que muito trabalho precisa de ser feito para melhorar as nossas capacidades e instituições nacionais e globais de saúde pública, e para elevar a ameaça de doença e pandemia a uma prioridade mais elevada nos nossos quadros de segurança nacional e internacional.

Todavia, existe uma premissa maior que é a ideia de que a crise destaca uma série de outros desafios nacionais e globais prementes, em áreas que vão desde as alterações climáticas às relações com a China.

Acreditamos que esta crise é potencialmente um ponto pivô crucial, proporcionando uma oportunidade para repensar e talvez revitalizar o nosso actual sistema internacional. Historicamente, os esforços para construir acordos internacionais eficazes emergem após períodos de guerra, crise e tumulto. A Paz de Vestefália pôs fim às guerras viciosas da religião que tinham assolado a Europa e construiu um sistema comparativamente estável baseado no equilíbrio de poder entre os Estados-nação. O Congresso de Viena de 1814-1815 foi marcado pela diplomacia magistral do Conde Metternich da Áustria e Lord Castlereagh da Grã-Bretanha, que trabalhou com outros líderes europeus para dominar as guerras e o fervor ideológico desencadeado pela Revolução Francesa. Estes esforços mantiveram a paz na Europa até à Guerra da Crimeia e impediram qualquer potência europeia de dominar o continente até ao início do século XX.

O que restava do sistema do Concerto entrou em colapso com a I Guerra Mundial, levando a uma série de esforços ao longo das décadas seguintes para reconstruir a ordem mundial. A conferência de Versalhes após a I Guerra Mundial foi inspirada pelo desejo do Presidente americano Woodrow Wilson de construir uma paz baseada na autodeterminação nacional, na diplomacia aberta, no fim das corridas ao armamento e na segurança colectiva através de uma Liga das Nações, as curas, acreditava ele, às patologias do imperialismo, do militarismo e da diplomacia feroz que tinham provocado o conflito. Esta visão falhou quando os Estados Unidos se retiraram do sistema proposto por Wilson enquanto as queixas persistentes e não resolvidas da guerra envenenavam o clima internacional. Uma depressão global, a ascensão de regimes violentos e revolucionários, e o início da II Guerra Mundial destruíram o sistema criado em Versalhes e revelaram a necessidade desesperada de mecanismos eficazes para gerar a ordem mundial.

Aprendendo com este fracasso, os planificadores americanos trabalharam com os seus aliados para começar a construir a ordem do pós-guerra antes mesmo de a guerra terminar. Conferências entre os três principais actores, os Estados Unidos, a União Soviética e a Grã-Bretanha em Teerão, Yalta e Potsdam misturaram planos para ganhar a guerra com esforços para coordenar a paz do pós-guerra. Reuniões internacionais em Bretton Woods e Dumbarton Oaks conceberam instituições globais tais como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, e as Nações Unidas. Os americanos esperavam uma ordem mundial integrada e sem descontinuidades que reunisse as nações líderes para evitar a guerra e manter uma paz segura e próspera. No entanto, a Guerra Fria estragou esta visão de “Um Mundo” só, e o que emergiu nos anos seguintes não foi uma ordem, mas várias. No domínio económico, a tão chamada ordem de Bretton Woods, centrada no mundo capitalista, criou um sistema que encorajou a revitalização do comércio global mas deu prioridade à reconstrução interna, integração regional, e estabilidade. Este sistema desgastou-se nas décadas de 1960 e 1970, e após um tempo marcado por alguma desordem, foi substituído pelo sistema mais aberto e globalizado que temos agora, baseado em moedas flexíveis e determinadas pelo mercado, investimento e comércio global em larga escala, e o domínio da banca e finanças denominadas em dólares.

A segurança internacional evoluiu também em direcções inesperadas. O sistema das Nações Unidas, baseado na soberania dos Estados e em princípios universais, foi ofuscado por um sistema bipolar que assistiu a uma intensa rivalidade ideológica e geopolítica entre dois blocos de superpotência rivais liderados pela União Soviética e pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos acabaram por liderar uma ordem internacional segura e próspera, mas que se limitou ao “mundo livre” e não ao mundo inteiro. No entanto, as superpotências cooperaram para criar uma terceira ordem; uma ordem nuclear muito bem-sucedida, baseada no seu interesse comum em limitar os perigos colocados pela “arma absoluta”. Esta ordem foi construída em torno de uma série de tratados bilaterais e globais de controlo de armas incluindo o Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares de 1963, o Tratado de Não Proliferação Nuclear de 1968, e os Tratados de Mísseis Antibalísticos e de Limitação Estratégica de Armas de 1972, bem como normas e práticas menos formalizadas, desde a tolerância ao sobrevoo de satélites pelo inimigo (necessário para reduzir o perigo de ataque surpresa) e um entendimento implícito, que evoluiu ao longo do tempo, de que as armas nucleares não eram meras bombas poderosas, mas que se encontravam numa categoria própria.

Apesar de estar sob pressão constante, este elemento de ordem rivais que trabalham para gerir e limitar os perigos das novas tecnologias, foi mais bem-sucedido do que qualquer um esperava e talvez forneça um modelo para os desafios temporários. O inesperado fim da Guerra Fria e o rápido desaparecimento da União Soviética realçaram tanto o sucesso destes acordos pós-guerra como a necessidade de repensar a ordem mundial para uma nova era. Foi também uma época de grande criatividade intelectual, pois estudiosos como John Mearsheimer, Francis Fukuyama, John Ikenberry, Charles Krauthammer, e Samuel Huntington ofereceram molduras conceptuais inovadoras para compreender um mundo em rápida mudança. Os eventos moveram-se rapidamente. A Alemanha foi reunificada pacificamente e o projecto da União Europeia floresceu; democracias surgiram em todo o mundo, e alguns conflitos e guerras civis em ebulição prolongada foram resolvidos pacificamente. Os Estados Unidos, trabalhando através das Nações Unidas, construíram uma coligação impressionante para impor a segurança colectiva e expulsar o Iraque do Kuwait. Para surpresa de muitos, alguns elementos da era pós-guerra, tais como a Organização do Tratado do Atlântico Norte, não só foram mantidos como alargados. Outras instituições, tais como o Fundo Monetário Internacional, foram novamente imaginadas. Com o tempo, ainda outras instituições, tais como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Grupo dos Vinte (G20) foram inauguradas.

A era pós Guerra Fria foi marcada por uma combinação de multilateralismo e ideais e poder americanos, uma vez que os Estados Unidos se encontravam numa posição de comando nos assuntos mundiais. Na medida em que havia uma ordem mundial única, foi em grande parte uma expansão e modificação do sistema liberal que se tinha enraizado no mundo não comunista após a II Guerra Mundial. Como este sistema assumiu dimensões cada vez mais globais, foi um tempo de esperança e promessa. Esse período de optimismo parece agora uma memória distante. Os ataques de 11 de Setembro aos Estados Unidos, seguidos de guerras difíceis e controversas no Iraque e no Afeganistão, expuseram novas fontes de insegurança. A guerra no Iraque, em particular, esgotou as energias dos Estados Unidos e abalou o apoio internacional ao poder americano. A crise financeira de 2007-2009 estremeceu a economia global e minou a confiança no mercado. O populismo aumentou e o movimento em direcção à democracia enfraqueceu.

À medida que a economia da China floresceu, este país não abraçou, como muitos esperavam, os princípios liberais, mas em vez disso desafiou tanto as normas e instituições regionais como globais, ao mesmo tempo que aprofundou o estatismo. A tecnologia da informação, outrora vista como uma força libertadora, mostrou o seu lado mais sombrio através de ciberataques e campanhas de desinformação; as alterações climáticas pareciam ser um desafio potencialmente existencial. Tanto a votação do Reino Unido para deixar a União Europeia (Brexit) como a inesperada eleição de Donald J. Trump como presidente dos Estados Unidos numa campanha da “América Primeiro” fez de 2016 o ano em que ficou claro que a ordem mundial existente era imperiosa. Os princípios e valores que muitos acreditavam ser a pedra angular desta ordem com abertura e inovação, prática democrática e tolerância, interdependência e globalização foram vistos com desconfiança por grandes faixas da América e do mundo.

A COVID-19 destacou e exacerbou muitas das tensões que já estavam a testar o sistema pós Guerra Fria. A pandemia tem sido tão perturbadora porque explodiu num mundo que já estava cada vez mais desordenado. A questão de como reconstruir a ordem mundial após a COVID-19 envolve lidar não só com a doença, mas também com os problemas de mentira que ela revelou. Como devemos diagnosticar e compreender estes desafios à ordem mundial, e que princípios e políticas devem moldar os nossos esforços para avançar? É inegável que a COVID-19 está a abanar o mundo e a pôr a nu as fraquezas dos acordos e instituições existentes. Mas será que a COVID-19 marcará o fim de uma ordem mundial e a emergência de outra? A resposta acreditamos, não é assim tão simples. Não é uma coincidência que as maiores e mais epocais mudanças na ordem mundial ocorram frequentemente no rescaldo de grandes guerras. Tais cataclismos rompem fatalmente as relações e instituições existentes; reiniciam a distribuição global do poder. Ao nivelar a arquitectura de uma ordem mundial, eles criam novas possibilidades de construção. Que a COVID-19 terá um efeito igualmente transformador parece improvável.

A pandemia tem sido monumentalmente traumática, é claro, e todas as apostas estão erradas se o mundo enfrentar múltiplos e cada vez mais letais surtos mesmo depois da cada vez maior evolução das vacinas existentes. Mas, a menos que isso aconteça, a COVID-19 não irá provavelmente alterar dramaticamente a distribuição do poder material. Com toda a certeza, os Estados Unidos saíram-se mal de uma perspectiva de saúde pública e sofreram uma grave diminuição a curto prazo, pelo menos da sua credibilidade e reputação de competência apesar das grandes decisões nesta matéria tomadas pelo presidente Joe Biden. No entanto, vários aspectos da crise, o papel da Reserva Federal dos Estados Unidos na estabilização da economia mundial, a fuga para o dólar, e outros testemunham efectivamente o imenso poder estrutural da América. Além disso, está longe de ser claro que o principal desafio da América, a China, verá a sua própria posição a longo prazo reforçada, em parte devido à forma como a crise sublinhou as patologias estatistas do país e em parte porque um dos resultados da pandemia pode ser um esforço de contrapeso mais concertado das democracias do mundo.

Quando se trata de instituições, a pandemia tem sem dúvida revelado fraquezas profundas no seio de muitos organismos internacionais proeminentes, desde a OMS e OMC até ao G7. A necessidade de reforma tornou-se clara para todos; o mesmo aconteceu com a ausência de estruturas institucionais bem desenvolvidas para lidar com uma variedade de desafios emergentes. Isto não nos deve surpreender pois grande parte da nossa arquitectura de governação global foi criada numa altura diferente, num mundo distinto, para lidar com diferentes desafios. Alguns deles estão agora desactualizados ou mal adaptados às novas ameaças globais. Aqueles com memórias longas compreendem que houve períodos anteriores de subdesempenho institucional, fracasso e adaptação no contexto de ordens particulares. Os papéis e responsabilidades do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial mudaram consideravelmente desde a sua criação; o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio deu lugar à Organização Mundial do Comércio após a Guerra Fria; acordos ad hoc surgiram frequentemente para complementar, em vez de substituir, os organismos existentes em questões como a proliferação nuclear. Visto contra este precedente, a COVID-19 pode simplesmente estimular um período de reforma e evolução institucional muito necessário, em vez de um novo começo. De facto, longe de destruir a ordem existente, a COVID-19 poderia impulsionar a sua reforma e renovação.

Talvez essa ordem seja um pouco mais restrita do que era após a Guerra Fria, pois argumenta-se que a chave é diminuir a dependência da China enquanto se aprofunda a cooperação entre as democracias, um regresso a algo como a abordagem de “dois mundos” da era pós-guerra. Embora essa mudança fosse um afastamento significativo da era pós-guerra fria de integração global, levaria de facto os Estados Unidos de volta às suas raízes de construção de ordem, por assim dizer. Poderia a crise forçar uma mudança significativa da ordem mundial, alterando fundamentalmente a forma como os Estados Unidos e outros países vêem e dão prioridade às principais ameaças internacionais? Se a COVID-19 acabar por matar, apenas dentro dos Estados Unidos, um número de pessoas que é em ordem de magnitude muitas vezes superior ao número de pessoas que morreram em 11 de Setembro, então certamente que as ameaças de segurança “suaves” aumentarão de importância em relação aos desafios de segurança “duros” como o terrorismo e a rivalidade geopolítica. Talvez o equilíbrio militar do poder esteja a tornar-se passado, talvez simplesmente não seja tão relevante num mundo em que os pequenos Estados têm frequentemente feito melhor do que os grandes Estados na supressão da pandemia e onde as graves ameaças à prosperidade humana e ao florescimento não respeitam as divisões geopolíticas. Também aqui, porém, a história não é tão simples.

A COVID-19 pode ter elevado a ameaça representada pelas pandemias e outras ameaças não tradicionais. Mas a ameaça colocada por perigos mais tradicionais permanece. A COVID-19 criou novas tentações para os actores autoritários minarem a política e a coesão das sociedades democráticas; poderia muito bem exacerbar o fracasso e a instabilidade do Estado em regiões frágeis em todo o mundo, incluindo o sempre volátil Grande Médio Oriente. A verdadeira retirada da COVID-19 pode ser que as ameaças duras e suaves trabalhem frequentemente em conjunto, potencialmente misturando-se e combinando-se de formas poderosas. A rivalidade geopolítica pode tornar as ameaças transnacionais mais difíceis de combater; as ameaças transnacionais podem acentuar as rivalidades geopolíticas e a instabilidade. A América e outros países não poderão ignorar as ameaças duras ou suaves num mundo pós-COVID-19, porque esses desafios estão profundamente inter-relacionados.

Portos interiores

Santa Bárbara, Lisboa, sábado, 1 Maio

Mês morto, mês posto. Neste reino nem distingo o suserano, presto vassalagem apressada e às cegas sem tempo nem para contar as baixas. A vibração do telefone no seu silêncio canta um desespero que rima com a incapacidade para atender. Nisto de desconseguir devo ser dos melhores.

Amigo dos antigos, senhor de brilhante curiosidade e sempre atento às respirações do mundo, descobriu a ligeireza da impressão digital. Tenho algures cartas oriundas da Macau de há trinta anos, lugar de onde o Ricardo [Salomão] mas reenvia agora em formato de livro, ainda que viva e faça viver ali na Costa de Caparica. «Mágica Macau» (ed. Gandaia Edições) contém, diz logo com pressa adolescente na capa, «comoções, emoções e outros sentimemas», essa unidade mínima de sentimento. Mas a meia centena de poemas em prosa vão muito além e colhem frutos de observação madura e acutilante «Dos Sítios», «Das Pessoas» e «Das Outras Coisas», sendo que pessoas, sítios e coisas se encontram e desencontram para além da arrumação. «As árvores crescem com as raízes que caem das folhas que caem no chão onde as árvores crescem.» Macau cresce muito no que de cidade vai caindo no peito dos visitantes. Acontecerá assim em cada ponto do mapa, mas acreditemos ainda no espírito dos lugares, no único que cada soma proporciona. Os portos são cruzamentos de lugares, pessoas e outras coisas e nenhum será igual a outro.

«Nós ficamos a ver, do lado de fora./ Olhamos milénios de gestos, mas só vemos paisagens.» Enganadoramente, não tem a ver nem com magia nem com sentimento. O viajante que saiba ficar aprenderá pelo amor a ler. Ou vice-versa.

Com muita dificuldade se descobrirá, mas este falso e brevíssimo guia da Cidade do Santo Nome de Deus será das mais fulgurantes introduções ao enigma. Macau a única foi apenas pretexto, ponte de papel, pequeno balão iluminado. «Numa rua que é porto interior atrás dos prédios com cais à beira mar. Avenida de carros e camionetas, serralharias e velhas estâncias de madeiras perfumadas jazendo na penumbra funda de armazéns de poeiras suspensas. Cais e mar nas janelas rasgadas das entranhas dos edifícios. Numa rua que é porto interior, os carpinteiros constroem caixões com formas de nenúfar.» Fico sentido que não mo tenhas dado para editar, Ricardo, mas isso é sentimema que se resolve à mesa e com um abraço.

Horta Seca, Lisboa, quinta, 6 Maio

Morreu o Cândido Ferreira. Conservo uma das mais emocionantes interpretações que me foi dado ver, para mais temperado com acesso aos bastidores, aos ensaios, meu velho fascínio pelo inacabado, pelo imperfeito, pelo espontâneo. O verbo fez-se carne e o tempo parou para que acontecesse teatro, esse cruzamento quântico das coisas.

Foi em «Comunidade», do Luiz Pacheco, com encenação do Antonino Solmer, sendo o chão e céu uma das máquinas de cena do João Brites, cruzamento de barco e gavetão. Mas o Cândido absorveu tudo e da massa fez totalidade. E o espectador siderado. A cada leitura do Pacheco lá me vem, lá me virá sempre o Cândido. Sem querer e por coincidência descobri o parvo texto que escrevi para a ocasião.

«Na tal noite estava marcada viagem no interior da cidade, ao interior do teatro. Inesperadamente vejo-me bater hesitante numa porta grande, fazendo ladrar um cão chamado “actor” e interromper movimentos de personagens em estado de orquestração. O frio tinha-se sentado na plateia. O tabuado era de madeira, assente sobre bancos, esperando uma geografia final de sinais incrustados. Tratava-se de um bastidor. Os gestos estavam incompletos, em construção. O cenário era sugerido pela voz, pelas vozes. Aqui escuro. Além uma máquina. Repete assim. Não, o sapato não. Entras daqui. Há qualquer coisa de ritual, de caboco em obra esboçada. Cheira à pólvora do demiurgo que molda gestos, olhares. Cheira ao hálito dos projectos trazidos aos tombos. São passos em volta.»
Saravá, Cândido.

Casa do Alentejo, Lisboa, sábado, 8 Maio

Lisboa não deu pelo novel festival literário 5 L (de língua, literatura, livros, livrarias, leitura). A cidade ansiava por regressar a si, portanto a espreguiçar-se ao Sol, explodindo em milhentos regressos, peças, concertos, gritos e assim.

Mas não aconteceu comunicação e a que existia era de uma dolorosa infantilidade («Ler é fixe», com a mãozinha armada em roqueanrole, a sério?). Alinhámos por razões de amizade e outras estratégicas, contribuindo com Pessoa em cabo-verdiano para deitar a língua de fora ao Dia da Língua; com o nonsense do mano Luis [Manuel Gaspar] para celebrar aquela ideia de cidade que se esvai entre os dedos, como as ruínas da Solmar; com os muitos recomeços que a Ana [Freitas Reis] injecta no sangue dos seus versos. Não consegui deixar de me sentir estrangeiro, ainda que na mesa das funções. Os gestos de encontro saem-nos desajeitados e hesitantes, não nos foi permitida ainda a festa que deve acontecer em cada arremesso, tudo me surgiu deslassado apesar do esforço e alegria dos autores e dos apresentadores, a Inês [Fonseca Santos] e o João [Soares], e até o vírus deu ar de graça ao projectar-se na Linha de Sombra impedindo a Odi Marítimu de levantar âncora.

Lisboa, terça, 11 Maio

O Sporting ganhou. Não foi apenas o futebol, o futsal, o hóquei em patins, o ténis de mesa: venceu as probabilidades, o dinheiro, a má vontade, a descrença, a batota, o anti-jogo, a arrogância, a piadola, o mau perder, as faltas e as faltas de jeito, os velhos do Restelo e de Alvalade. Contra tudo e contra todos, por saber fazer com inteligência e coração, em cada um dos que vestem a camisola, treinador que pensa e sorri, capitão que corta e marca com peito e alegria, no guarda-redes que defende como quem ataca, no sangue e fresco do meio campo, centro da inteligência e do coração, por saber correr e sofrer nas laterais, por se transcender enquanto equipa dentro e fora de campo, por cruzar inteligência e coração. Por ser o clube de Peyroteo e Yazalde, que jogavam com y (na foto da infância), além dos tantos queridos, aparecidos e desaparecidos. E por ser redonda a bola.

Lembrar Edward Said

Olho para estes dias a ferro e fogo no Médio Oriente e imagino como o Edward Said viveria a irracionalidade que nessas terras se compraz.

Said, mais conhecido pelo célebre “Orientalismo”, era um intelectual para quem entender o mundo pressupunha – anota David Barsamian no prefácio ao livro de entrevistas que saiu no mesmo ano da sua morte, em 2003 e que conheço na edição brasileira, intitulada “A Pena e a Espada” – encontrar «um equilíbrio entre dissonância, consonância e discordância» e que «por esse prisma complicado» se via não como «uma única pessoa corente, mas como várias coisas diversas».

A sua disposição é ainda mais suspeita, este intelectual palestino, professor de Literatura Comparada na Universidade Columbia, que fez livros que desmantelaram arreigados mitos ocidentais sobre o (médio) oriente e foi um defensor abnegado da causa palestina mas, ao mesmo tempo, o primeiro a dizer que não reconhecer Israel era um disparate, gostava de se definir como um ser marginal e atreito a uma completa ausência de centro, declarando que se sentia como «um feixe de correntezas fluidas»: «Prefiro isso à ideia de um eu sólido, à identidade à qual atribuem tanto significado; (…) os seres humanos não são recipientes fechados, mas intrumentos pelos quais outras coisas fluem».

“A Pena e a Espada” é um livro de uma lucidez mordaz (não porque ele seja ácido, simplesmente nunca se evade de pensar para além das evidências), que se hoje fosse lido pelos seus compatriotas e pelos israelistas talvez servisse de travão ao fanatismo que os encarniça: «Na minha infância, era possível mudar de um país – Líbia, Jordânia, Síria, Egipto – e cruzá-los por terra. Era possível fazer isso. Todas as escolas que frequentei quando garoto eram cheias de gente de raças diferentes. Era completamente natural para mim frequentar uma escola com arménios, muçulmanos, italianos, judeus e gregos, porque aquele era o Levante e essa foi a maneira como cresci. O divisionismo e o etnocentrismo que encontramos agora são um fenómeno relativamente recente que me é absolutamente estranho. E eu o odeio. (…)Em muitos dos meus textos recentes oponho-me à ideia, presente em muitas das agendas intelectuais e políticas dos oprimidos, de que quando chegassem ao poder iriam descontar tudo nos outros. Isso é absolutamente contrário à ideia de libertação. É como se parte do privilégio de vencer fosse o direito de descontar nos outros. Vai directamente contra a razão da própria luta; não posso dizer que concordo com isso. Essa é a outra armedilha do nacionalismo, ou do Fanon chamava a “armadilha da consciência nacional”. Quando esta se torna um fim em si mesma, quando uma particularidade étnica ou racial ou a “essência” nacional, em grande medida inventada, vira a meta de um civilização, cultura, ou partido político, você sabe que esse é o fim da comunidade humana e que estamos diante de outra coisa».

Essa outra coisa é o coração das trevas que por aquelas bandas lateja, até se reduzirem mutuamente a pó – pois que retaliação caberá a um fantasma?

Saliente-se que Said fundou em 1999 com o seu amigo Daniel Barenboim, maestro argentino-israelita, uma orquestra de  jovens  do Egipto, Síria, Líbano, Tunísia e Israel, a “Diwan Oriente-Ocidente” (Barenboim, que ofendeu judeus quando, em Israel, ousou tocar Wagner – o “compositor de Hitler” – e que emocionou palestinianos ao doar o seu Steinway ao Conservatório de Ramallah [que agora tem o nome de Edward Said], destruído pelo Exército israelita, tinha uma admiração profunda pelo amigo com quem partilhou concertos de Mozart, Beethoven, Schubert e Rossini.).

Vale muita a pena ler este “A Pena e a Espada”, bem como o seu livro magnífico sobre os intelectuais, “Representações do Intelectual” ou o seu último ensaio, aliás póstumo, “Sobre o Estilo Tardio”, reflexões na arte e na literatura.

No livro de entrevista, às vezes somos nocauteados com evidências que deixámos escapar, por “erros de simpatia”, como esta, sobre Camus:

«Não menosprezo o seu talento como escritor; Camus é um excelente estilista, certamente um romancista exemplar em muitos aspectos. (…) Mas o que me incomoda é ser lido fora de seu contexto, da sua história. A história de Camus é a de um “colon”, um “pied noir” (…) Os seus romances, na minha opinião, são verdadeiras expressões da situação colonial. Mersault, em “O Estrangeiro”, mata um árabe, a quem Camus não dá nome nem história. Toda a ideia do final do romance, segundo o qual Mersault vai a julgamente é uma ficção ideológica. Nenhum francês jamais foi julgado por matar um árabe, na Argélia colonial. Isso é mentira, é algo que ele inventou. Em segundo lugar, no seu romance, “A Peste”, as pessoas que morrem na cidade são árabes, mas não são mencionadas. As únicas pessoas que importavam para Camus e para o leitor europeu da época, e até de hoje, são os europeus.»

É duro, mas faz pensar. Como na generalidade tudo o que escreveu este homem de uma profunda racionalidade e cultura múltipla, que sabia amar o diferente e ser equidistante, embora nunca tivesse perdido de vista as causas.

Aprender a andar na minha Holanda

A minha primeira perdição foi a fotografia aérea que dava a ver um dique com mais de trinta quilómetros no meio do mar. Constava de um dos livros de geografia que guardo ainda do liceu.

O dique, de nome Afsluitdijk, liga ainda hoje o norte da Holanda à Frísia e divide em dois o antigo Mar do Sul (Zuiderzee) que, há dois mil anos, era uma espécie de lago com origem num braço do rio Reno. A construção teve lugar entre 1920 e 1933 e passou a separar o novo mar interior, o Mar de IJssel, do Mar frísio (Waddenzee) que flanqueia as ilhas de Texel a Ameland. 

A palavra “perdição” é ambígua por natureza. Tanto se refere a uma pessoa ou coisa que desperta uma paixão irresistível por outrem como se refere a vício e até a condenação eterna. Por outro lado, designa ainda a figura da errância (uma pessoa perde-se, um pensamento perde-se, um mar perde-se, etc.). A palavra “perdição” ensina de facto a andar em muitas direcções. Por vezes ensina mesmo a voar.

E foi a voar muitas vezes sobre a Holanda que revisitei o abstracionismo geométrico de Piet Mondrian e as suas teosofias coloridas. Os campos, desenhados por polders de cromatismo sempre diferenciado e recortados por moinhos e canais, ilustram com concreta nitidez aquilo que é o neoplasticismo assim como o rasgo dos artistas que, a par de Mondrian, souberam cativar esta arte das raras proporções, casos de Theo Van Doesburg, Vilmos Huszar, Gerrit Rietveld, Georges Vantongerloo ou de Jan Wils. A paisagem é, de facto, uma enciclopédia de grande limpidez – que alimenta a errância, o vício e a própria paixão – e que sabe transformar o que parece abstracto em tangível, quase palpável.

Foi então que percebi que a minha Holanda é uma ilha. Incorporei-a, tal como a floresta incorpora a sua água, muito antes de ter conhecido o país com o mesmo nome. A minha Holanda é um conceito para a vida, um segundo perfil ou mesmo um contorno que me acompanha. Tudo começou no meu livro de geografia na pré-adolescência e, mais tarde, quando os aviões me levaram a sobrevoar (em ponte aérea de vários anos) o pequeno país onde haveria de viver durante uma década. O acaso e o fascínio atraem o nomadismo interior (a errância) e sabem convertê-lo em sedentarismo. 

O acaso tem o vigor das eclusas. São elas que permitem à água movimentar-se entre os diques sem que expluda para fora das margens. Pelo seu lado, o acaso permite que certas vivências aparentemente secundárias se esqueçam para que, depois, uma delas emerja e nos dê a sensação de uma coincidência ou até de uma surpresa. A minha Holanda começou por ser um puro acaso e, depois, porque nunca dele me esqueci, cresceu até se transformar num modo de me sentir em casa.

Sentir-me em casa foi-se tornando, ao longo dos anos, numa forma de realização que, hoje em dia, nada tem que ver com a geografia. Trata-se sobretudo de um território interior que foge aos encargos da confissão (malabarismo da cultura católica que transforma as pessoas em ecos palavrosos) e que desenha – com a geometria fina de um Mondrian amestrado – uma fronteira entre as correrias e as agendas correntes do mundo e o lugar onde eu sou.

Esta forma de liberdade é a minha Holanda. Ela advém de uma ideia de espaço que equilibra a água e a terra com as suas eclusas existenciais e que faz do tempo o sentimento misto próprio de uma perdição. Bem sei que o tempo é a passagem que funda o existir dos humanos no seu estado de devir e de transformação, mas o espaço, esse, é o esteio essencial que permite ao corpo sentir o seu peso sobre a superfície do planeta. 

Sentir a solidez do próprio corpo a vincar a terra é a comoção mais importante de uma vivência privada. Cada passo dado é sempre a metáfora da respiração toda de uma vida. E foi precisamente nesta minha Holanda interior que eu aprendi – e que ainda hoje aprendo – a andar.