Um Mundo em Queda, ou a curiosa figura de Ramiro, o alfarrabista

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]osse mais comprido e poderia ser este o nome do mais recente filme de Manuel Mozos, com estreia comercial no dia 1 de Março em nove ecrãs na área metropolitana de Lisboa e Porto.

O filme viu iniciada a sua carreira internacional na Bienal de Veneza, no festival de Sevilha, no Festival Mar del Plata, em São Paulo, e foi o filme de abertura do Doc.Lisboa 2017.

RAMIRO, é este o nome do filme, inscreve-se na tradição do cinema europeu pós-II guerra mundial que trabalha as pequenas narrativas, histórias de livros de bolso de gare de estação, movimento iniciado com o grupo de cineastas da revista “Cahiers do Cinéma” fundada em 1951. Um cinema que abandona as grandes obras literárias para se focar em histórias de pequenos heróis, do herói relutante, um cinema de pessoas e quotidianos que se advinham possíveis e palpáveis em singulares realidades quotidianas.

RAMIRO é a história de um alfarrabista em Lisboa, poeta em bloqueio criativo, que vive um desconforto almofadado entre a loja e a tasca, acompanhado pelo cão, pelos companheiros de copos e modos de sentir, em que a vizinha adolescente e grávida e a avó, esta a recuperar de um AVC, tem um lugar particular na sua constelação de afectos. Há aqui um universo que se aproxima de uma certa Lisboa do fado, no entanto não há guitarras nem a fatalidade ou o destino e a desgraça são exatamente o campo onde o filme se move. O cartaz que apresenta o filme assinala-o como pertencendo ao género comédia delicada, estamos no terreno onde o irónico é dominante.

Aristóteles, na sua Poética, diz-nos que na comédia é o território do homem comum. RAMIRO é um autor que não publica e nem ele sabe se vai ou não escrever. É autor de um livro de que tem uns tantos exemplares numa gaveta na loja que não expõe nem vende. A ideia de escrever é uma pequena tortura. Vive os dias na loja e as noites nos copos. É amigo e o encarregado de educação de Daniela, a jovem adolescente grávida, cujo pai está na prisão a cumprir pena de homicídio por esfaqueamento da mulher.

Com este alinhamento narrativo o filme podia ser tudo, uma cavalgada emocional com picos e arcos narrativos bem definidos, misturando géneros, o drama e a comédia, não o faz. É um filme de emoções contidas, de coabitação sensata em bairro de gente remediada.

Ao realizador parece interessar estes mundos quase quietos em desfasamento com a velocidade, a hibridez e a necessidade multi-skills do contemporâneo. A vida acontece e é aceite sem interrogações, não se interroga como cresce um filho sem pai e de mãe ainda adolescente. Os laços de vida bairro são suficientes para o amparo à chegada de um novo ser, sem dramas ou outros entusiasmos que não os previsíveis. As vidas são o que são e quando acontecem, mas também não parece ser uma abordagem fenomenológica o que o filme procura.

Há citações, como sempre, a primeira e mais permanente, materializada numa fotografia de considerável dimensão com o retrato do personagem Jaime França, que é na realidade uma fotografia com o notável produtor de cinema Henrique Espírito Santo, da Prole Filme, ou o incontornável Godard, com uma citação ao filme Band à Part (1964).

 

Dizia o Manuel Mozos, três horas antes da ante-estreia na sala 6 dos cinemas no El Corte Inglês, no pátio da esplanada da Cinemateca, esse lugar santuário do cinema, em breve conversa acompanhada por uma leve chuva, em resposta a três perguntas.

— O que é este filme?

— É sobretudo um filme sobre um personagem com as suas motivações e desmotivações. O que me interessa e, mais do que o desenvolvimento de uma narrativa, é um olhar centrado nas peripécias do personagem e à sua volta. Os meus outros filmes também são centrados numa personagem. O que sucede ao longo do filme é sobretudo um acompanhar com a camera o conforto e desconforto do personagem na sua vida banal, quotidiana . O foco é a personagem, o RAMIRO, é ele o objecto da atenção da câmara. Ele vive desfasado da realidade contemporânea, não sabe conduzir, não sabe fazer o IRS, é um alfarrabista, um métier em desaparecimento no tecido urbano da cidade contemporânea que é Lisboa. O negócio das primeiras edições e edições de luxo vai continuar, mas isso é outra realidade.

Ao longo do filme vemos a materialidade dos espaços, interessa-me um cinema em que o décor é também uma fala. Neste mundo em transformação acelerada o Raimundo é um personagem parado no tempo, que embora não sendo saudosista tem no entanto uma relação nostálgica. Vive numa espécie de bolha na qual está confortável.

Interessou-me filmar Lisboa em planos não muito abertos, mesmo os planos de conjunto são fechados, pareceu-me que dessa forma conseguia filmar melhor o misterioso, as camadas de pele que se agarram nas pedras.

Estou mais preocupado com uma certa fidelidade a uma ideia, ao simbólico, do que a veracidade do raccord. Em Ramiro há um outro tempo, o tempo passado, estamos próximos da resistência, voltamos a olhar para o que já fomos, voltamos a ser outra vez: a uma existência para além dos aparelhos, é um pequeno elogio a um quotidiano perdido, talvez na subtil na esperança da permanência de um tempo que se esvai, e que o cinema permite resgatar interrogando a cidade que queremos.

— Filmaste uma Lisboa que já não existe?

— Ainda existe, só que cada vez é mais reduzida e em alguns aspectos corre o risco de desaparecimento. Sempre me interessou a relação do cinema com o arquivo, como se pode confirmar com o meu filme documentário Ruínas, e outros filmes em que trabalho com próprio arquivo. Aliás eu trabalho, sou funcionário do ANIM ( Arquivo Nacional Imagens em Movimento) .

— Como vês os próximos tempos do cinema Português?

— Parece-me que essa espécie de guerra entre uma ideia de cinema comercial e de autor está ultrapassada ou em vias disso, até porque os cineastas mais novos, os vão chegando, se os deixarem à profissão, já não alimentam essa discussão. O cinema é, como sempre foi, cinemas. As questões mais complexas tem a ver com as condições de produção dado sermos um país com muitas dificuldades de financiamento e onde o cinema é visto de forma periférica, para Portugal e para os portugueses o cinema não tem nem expressão nem manifesto interesse. É verdade que o circuito de festivais e até alguns festivais classe A estão com com o cinema Português, mas essa visibilidade internacional não é, ou não tem sido capitalizada. Para além da questão do financiamento da produção há a questão central que é a distribuição comercial; por um lado internamente, o mercado interno é ingrato para os filmes portugueses, muitas vezes os filmes são trucidados logo no lançamento, nós não temos verbas para campanhas de marketing e publicidade e coisa anda aos solavancos, quando anda. No mercado internacional a distribuição é ainda mais complicada, aí ou se está de forma inteiramente profissionalizada, o que obriga a custos e estruturas que ainda não temos, ou temos as alegrias e tristezas da corrente que os ventos sopram. A questão é que não há ainda uma política consistente da parte do Estado sobre o cinema quanto à produção nem quanto à distribuição e provavelmente – quanto ao interesse do próprio Estado quanto ao cinema. Ou seja, o cinema é uma porta, uma enorme possibilidade e talvez até uma enorme necessidade para Portugal, mas que continua fechada.

Em Ramiro há um outro tempo, estamos num plano de resistência, voltamos a olhar para o que já fomos, voltamos a ser outra vez: existimos para além dos aparelhos do universo da sociedade tecnológica.

Mozos faz com Ramiro um elogio de um quotidiano em queda, talvez na subtil na esperança da permanência de um tempo que se esvai, mas que o cinema permite viver e interrogar: como e que cidade queremos?

 

Realização

MANUEL MOZOS

argumento

MARIANA RICARDO, TELMO CHURRO

fotografia

JOÃO RIBEIRO

assistente de realização

BRUNO LOURENÇO

anotação

TELMO CHURRO

som

MIGUEL MARTINS

direcção artística

ARTUR PINHEIRO

guarda-roupa

LUCHA D’OREY

caracterização

RITA CASTRO

montagem

PEDRO FILIPE MARQUES

direcção de produção

EMÍDIO MIGUEL

produtores

LUÍS URBANO, SANDRO AGUILAR

Cor | 104’ | DCP

© O SOM E A FÚRIA 2017

1 Mar 2018

Aparelhado para gostar de passarinhos

Metro, Lisboa, 21 Fevereiro

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ue imagens nos podem ainda chocar se a cada segundo o horror sobe e desce nos ecrãs que se fizeram pele do mundo? Da Síria chega-nos a conta-gotas cada um dos sinais da catástrofe, mas a nossa indiferença responde como tão bem sabe: quieta. Habituámo-nos à guerra, na lonjura ou no íntimo. Há 60 anos, lembro-me como ontem, em manifestada marcha contra o armamento nuclear, nascia um símbolo que me está algures tatuado.

O designer e objector de consciência à II Guerra Mundial, insisto, na segunda das grandes, Gerald Holtom (1914-1985) achou que a Campaign for Nuclear Disarmament (CND) precisava de um sinal gráfico que dissesse não. Começou por pensar na omnipresente cruz, mas afastou a ideia por cheirar a cruzadas. O desânimo que experimentava trouxe-lhe Goya e o desespero do camponês enfrentando o pelotão de fuzilamento, braços no ar e, com eles, o grito suspenso, juntou-lhe a sinalética das bandeiras dos navios para dizer o N e D, para Nuclear Disarmament, logo a antena ganhou raízes no globo, e assim concebeu forma universal de dizer paz. Os hippies tomaram-no de empréstimo para assinalar o coração e não mais deixou de vociferar esperança. Pode um símbolo vencer a realidade?

Correntes d’Escritas, Vermar, Póvoa, 21 Fevereiro

Entrada a pés juntos no festival deste ano, com tripla função logo à chegada: entalada entre a gravação do Obra Aberta, com a Manuela Ribeiro trazendo infâncias e o Afonso Cruz nomadismos, e a esforçada tentativa de conversa, sob o mote «as palavras são música de ninguém», com o Valério [Romão] e Valter Lobo, intérprete à guitarra de virtual Mediterrâneo, deu-se o lançamento do muito esperado fecho da trilogia Paternidades Falhadas, do Valério, de par com Rua Antes do Céu, do José Luiz [Tavares]. Arménio Vieira concentrou o seu olhar no percurso do conterrâneo, pouco entrando em obra, que resulta, afinal e ironicamente, da leitura autor sobre o seu próprio amadurecimento. Eric Nepomuceno, do seu lado, compôs calorosa canção em torno do romance. No meio da confusão habitual de bar subindo a noite, rasgaram-se relâmpagos que revelaram carne e ossatura de duas vozes únicas, irmanadas na invencionática.

Correntes, Garrett, Póvoa, 22 Fevereiro

Nunca havia atravessado a fronteira de vidro, subido as escadinhas do palco, escuro nas costas, a luz de frente, também ela quase fronteira, a tombar negro sobre os rostos em face. Desta vez, o reóstato modulou a visão da sala e a temperatura do orador, tornando aquela mais visível, e outra mais quente. A organização conhecia-me e reescreveu o nome no verso da minha legenda, assim diminuindo o risco de me esquecer de quem era, no momento de falar precisamente do que nada sei: «Escrevo para dizer aquilo que não sei». Ao meu lado, as ondas dos parceiros fizeram-se e desfizeram-se em curiosos murmúrios de m, de mar, de moçambique, de memória, de música. Geometricamente, agora que a minha escrita vai sendo sobretudo texto de outrem, falei das linhas onde me lêem, do campónio labor semanal desta hesitante escritura, caminho de mãos na terra, fiel companhia nas eróticas solidões, modos de reescrever sentidos em terreno onde talvez não se dêem. (Veja-se a foto assinada pelo arquivo da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, embora me tivesse parecido ver fotógrafo.) Ainda me despi, para a câmara do mano Luís [Gouveia Monteiro], em pequeno filme no qual vou retirando de um saco a colheita de minutos breves incarnando à minha volta o respigador cansado de simbólicos desperdícios.

Queria que servisse de pano de fundo a exercício de improvisação sobre o suposto tema, tornado prática habitual no miradouro de autores em que me encontro, embora nublado nos últimos meses. Falhou-me a coragem ou o contexto para o usar. Adiante veremos. Limitei-me a desferir o ar com golpes de verbo que só disseram de faces da letra e da vida desarrumada. Nada que não estivesse de maneira melhor nesta pedra que é O apanhador de desperdícios, de Manoel de Barros, lido com sotaque de quem se deixa afundar no céu pelo peso da voz. «Uso a palavra para compor meus silêncios./ Não gosto das palavras/ fatigadas de informar./ Dou mais respeito/ às que vivem de barriga no chão/ tipo água pedra sapo./ Entendo bem o sotaque das águas/ Dou respeito às coisas desimportantes/ e aos seres desimportantes./ Prezo insetos mais que aviões./ Prezo a velocidade/ das tartarugas mais que a dos mísseis./ Tenho em mim um atraso de nascença./ Eu fui aparelhado/ para gostar de passarinhos./ Tenho abundância de ser feliz por isso./ Meu quintal é maior do que o mundo./ Sou um apanhador de desperdícios:/ Amo os restos/ como as boas moscas./ Queria que a minha voz tivesse um formato/ de canto./ Porque eu não sou da informática:/ eu sou da invencionática./ Só uso a palavra para compor meus silêncios.»

Correntes, Garrett, Póvoa, 23 Fevereiro

Podem os dias ser raio deste calibre, deslize que nos livra das amarras da realidade feita cais de sal. Ver a Isabela Figueiredo tornar revolução visceral, portanto ao pé de casa, o alegre resgate por cactos de floreira pública e abandonada. Tocar o encantamento na voz de Mû Mbana desfiando as canções da sua Guiné natal, acerca do peso da beleza ou da língua estrangeira da infância, sem conseguir evitar cantá-las. Ouvir o Valério contar de encontro «verdadeiro» com personagem sua, alguém que pressentia na esquizofrenia um acto de Deus e que capturou com a pele o insuportável escaravelho da existência. Saborear o Jorge de Sousa Braga a falar de versos e estranhezas das bocas do corpo. E por junto sentir perfumes. O cacto exala?

Coquelicot, Póvoa, 23 Fevereiro

Que enormes! são os braços da Carla [Craveiro], pois se neles cabem as múltiplas e abysmadas vozes da Inês [Fonseca Santos], do Carlos [Quiroga], do Renato [Filipe Cardoso], e do João [Rios], e do Luís [Carmelo], ou do José Luiz ou do Valério, estrumando poemas seus, ou mais que seus, em meio de delicatessen, como sendo-o, que são, autores e poemas. E que bem se aconchegam os livros naquela ameaçadora! floresta de sentidos e sabores! Não esquecerei, por escrevê-lo, nem os mimos nem o saboroso que resultou de assistir à surpresa do Arménio [Vieira] vendo a Filipa [Leal] atirar-lhe de cor um dos seus, que o próprio temeu ser dos piores: «Menos que a chama de um fósforo/ é quanto dura o teu orgasmo/ À tua colecção de vidas breves/ acrescenta o amor/e a borboleta». O contexto em perfume afirmava-o: impossível ser dos piores.

28 Fev 2018

Poesia de Georg Trakl

Ao anoitecer meu coração

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]o anoitecer ouvem-se os morcegos trissar.

Dois cavalos pretos saltam sobre o prado

O ácer vermelho rumoreja.

Ao viandante aparece a pequena taberna à beira da estrada.

Delícia saborear vinho novo e nozes.

Delícia vacilar bêbedo na floresta ao crepúsculo.

Através da ramagem negra tinem aflitos os sinos.

Sobre o rosto goteja o orvalho.

 

Zu Abend mein Herz[1]

 

Am Abend hört man den Schrei der Fledermäuse.

Zwei Rappen springen auf der Wiese.

Der rote Ahorn rauscht.

Dem Wanderer erscheint die kleine Schenke am Weg.

Herrlich schmecken junger Wein und Nüsse.

Herrlich: betrunken zu taumeln in dämmernden Wald.

Durch schwarzes Geäst tönen schmerzliche Glocken.

Auf das Gesicht tropft Tau.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 20.

 

Dia de Todos os Santos
a Karl Hauer

Triste aliança, homenzinhos, mulherinhas,

Espalham hoje flores azuis e encarnadas

Sobre as suas sepulturas, que timidamente se aclararam.

Agem como pobres marionetas perante a morte.

 

Oh! Como parecem existir aqui cheios de angústia e humildade,

Como sombras de pé atrás de negros arbustos.

No vento de outono, lamenta-se o choro das crianças não nascidas,

Também se vêem luzes perderem-se na loucura.

 

Os suspiros dos amantes sopram nos ramos

E lá apodrece a mãe com a sua criança.

Irreal parece a dança dos seres vivos

E admiravelmente espalha-se no vento nocturno.

 

Tão confusa a vida deles, tão cheia de lúgubres tormentos.

Tem piedade, Deus, do inferno e do martírio das mulheres,

E do seu lamento mortal, desesperançado.

Sozinhas, em silêncio, vagueiam na sala das estrelas.

 

Allerseelen[1]
An Karl Hauer

Die Männlein, Weiblein, traurige Gesellen,

Sie streuen heute Blumen blau und rot

Auf ihre Grüfte, die sich zag erhellen.

Sie tun wie arme Puppen vor dem Tod.

 

O! wie sie hier voll Angst und Demut scheinen,

Wie Schatten hinter schwarzen Büschen stehn.

Im Herbstwind klagt der Ungebornen Weinen,

Auch sieht man Lichter in der Irre gehn.

 

Das Seufzen Liebender haucht in Gezweigen

Und dort verwest die Mutter mit dem Kind.

Unwirklich scheinet der Lebendigen Reigen

Und wunderlich zerstreut im Abendwind.

 

Ihr Leben ist so wirr, voll trüber Plagen.

Erbarm’ dich Gott der Frauen Höll’ und Qual,

Und dieser hoffnungslosen Todesklagen.

Einsame wandeln still im Sternensaal.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 21.

 

Os camponeses

 

À frente da janela, ressoam o verde e vermelho.

E na sala baixa enegrecida pelo fumo,

Sentam-se os criados e as criadas à refeição;

Servem o vinho e partem o pão.

 

No silêncio profundo do meio-dia,

Uma escassa palavra, por vezes, cai.

Os campos, sem cessar, cintilam

E o céu é de chumbo e vasto.

 

Grotesca a brasa cintila no fogão,

E um enxame de moscas zumbe.

As criadas estão à escuta, tontas e caladas,

E o sangue martela as suas frontes.

 

E às vezes cruzam-se olhares cobiçosos,

Quando um odor animal enche todo o quarto.

Monocórdico um criado faz as suas orações,

E debaixo da porta, um galo canta.

 

E de novo no campo. Um horror frequente apodera-se

Deles no fragor das espigas frementes,

E, tinindo, baloiçam, indo e vindo,

Numa cadência fantasmagórica, as foices.

 

Die Bauern[1]

 

Vorm Fenster tönendes Grün und Rot.

Im schwarzverräucherten, niederen Saal

Sitzen die Knechte und Mägde beim Mahl;

Und sie schenken den Wein und sie brechen das Brot.

Im tiefen Schweigen der Mittagszeit

Fällt bisweilen ein karges Wort.

Die Äcker flimmern in einem fort

Und der Himmel bleiern und weit.

Fratzenhaft flackert im Herd die Glut

Und ein Schwarm von Fliegen summt.

Die Mägde lauschen blöd und verstummt

Und ihre Schläfen hämmert das Blut.

Und manchmal treffen sich Blicke voll Gier,

Wenn tierischer Dunst die Stube durchweht.

Eintönig spricht ein Knecht das Gebet

Und ein Hahn kräht unter der Tür.

Und wieder ins Feld. Ein Grauen packt

Sie oft im tosenden Ährengebraus

Und klirrend schwingen ein und aus

Die Sensen geisterhaft im Takt.

 

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 20-21.

27 Fev 2018

O espanto do corpo

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]latão, em Teeteto, escreve que o início da filosofia dá-se com o espanto ou a admiração (thaumazein, em grego). É esse sentimento (pathos) que espoleta o filosofar. Nesse diálogo, Platão descreve uma cena em que o jovem Teeteto fica admirado ou espantado quando compreende um dos argumentos apresentado por Sócrates sobre a sensibilidade, isto é, sobre a apreensão que fazemos de nós e do mundo através dos sentidos. A fim de explicar o sentimento de Teeteto, Sócrates diz que o princípio da filosofia é a experiência do espanto, de se ficar espantado.

E, concordando com isto, Aristóteles escreve na Metafísica, A, II, 9-15: “É através do espanto que, tanto hoje como no passado, os homens começam a filosofar; o espanto é o primeiro patamar de acesso às perplexidades, posteriormente vão-se erguendo paulatinamente as grandes questões (…)” Mas o espanto a que tanto Platão quanto Aristóteles se referem não é um espanto qualquer, mas aquele que advém de uma perplexidade, de um ficar face a face com uma aporia.

De repente, damo-nos conta de que algo não é como deveria ser ou julgávamos ser. E em o Sofista, Platão fala desse espanto máximo que é darmo-nos conta de que as palavras, que dizem a verdade, também dizem a mentira. Dar-nos conta de, não é o mesmo que “saber” que é assim. Aliás, este “saber” é o contrário de espantar-se, de admirar-se. Dar-me conta da minha finitude não é o mesmo que saber que vou morrer. Dar-me conta da minha finitude implica um arrepio existencial.

Em O Olho e o Espírito, de Merleau-Ponty, há uma passagem que nos deixa espantados: “Se os nossos olhos fossem feitos de tal maneira que nenhuma parte do nosso corpo fosse abrangida pelo nosso olhar, ou se qualquer dispositivo maligno, deixando-nos livres de passear as mãos sobre as coisas, nos impedisse de tocar o nosso corpo – ou simplesmente se, como certos animais, nós tivéssemos olhos laterais, sem cortes dos campos visuais –, esse corpo que não se reflectiria, não se sentiria, esse corpo quase adamantino, que não seria já carne, não seria tão-pouco um corpo de homem, e não haveria humanidade.”

O espanto advém de nos fazer ver que sem visão do próprio corpo, não seríamos humanos. É o corpo a ver-se a si mesmo que nos confere humanidade. Escândalo, porque a humanidade não vem do corpo, mas da auto-visão do corpo. Ou seja, a humanidade começa em cada um de nós como objecto de nós mesmos ou, melhor, como outro de nós mesmos.

E isto é-nos dado a ver por redução ao absurdo. Merleau-Ponty leva-nos a imaginar o que seria ser de um modo completamente radical daquele que somos. Leva-nos a imaginar o que não somos de todo em todo, corpos sem consciência de si, para depois nos dizer que sem esta consciência do corpo, esta visão do corpo por parte de cada um de nós, não existiria humanidade. A humanidade está assente sobre o olhar que lançamos ao nosso próprio corpo.

A consciência de que eu sou algo como aquilo ali diante de mim. Pois um olhar sem consciência do seu corpo, só teria a consciência das coisas, sendo que ele não seria essa coisa, mas “apenas” aquilo ou aquele que via. Não seria sequer um olho, mas um ver, um acto de ver puro, como uma câmara. Sem consciência do corpo, nesse exemplo radical de Merlau-Ponty, nunca seríamos parte do mundo, parte do lá fora, parte das coisas. Para ele, a humanidade tem, por conseguinte, raiz na identificação que fazemos com as coisas, com o que se vê fora de nós ou fora do olhar, mais do que uma identificação com o espírito.

Não se trata de um qualquer primado do real sobre o ideal, nem o seu contrário, evidentemente, mas darmo-nos conta de que sem consciência do corpo, qualquer consciência fica fora da ideia de humanidade. Esta consciência do corpo ganha uma dimensão particular e especial através do ver, do ver-se a si mesmo. E é espantoso este darmo-nos conta, ainda que possa não ser assim, de que a humanidade não é uma ideia, não é um fruto do espírito, mas do corpo tendo consciência de si. Pensar esta possibilidade é espantoso.

Curiosamente, esta reflexão vai ao encontro de uma outra, ainda mais estranha, ainda mais espantosa, feita pelo escritor japonês Yukio Mishima, em Sol e Aço: “Coisa curiosa, minha teimosa recusa em me dar conta do corpo, devia-se a um belo equívoco, latente na minha concepção de corpo. Eu não sabia [no tempo da infância] que o corpo de um homem nunca se apresenta como ‘existência’.

Para mim, ele tinha de se tornar visível, claro e certo, como existência. Natural que quando ele se mostrou, claramente, como um apavorante paradoxo da existência – como uma forma de existência que rejeitava a existência – eu tenha entrado em pânico como se tivesse encontrado algum monstro. [tradução de Paulo Leminski, Editora Brasiliense, 1985]” Esta estranha noção de Mishima acerca do corpo como paradoxo da existência não entra em contradição com a passagem de Merlau-Ponty, pelo contrário.

Este paradoxo da existência, que é o corpo em Mishima, acontece numa existência que se relaciona consigo apenas através da palavra, colocando um fosso entre ele mesmo e a realidade, quer seja o corpo quer seja a acção. Escreve Mishima, nesse livro: “Num primeiro estágio, óbvio que eu estava identificando, a mim mesmo, com as palavras, e estabelecendo a realidade, a carne e a ação do outro lado.

Nenhuma dúvida que meu preconceito em relação às palavras era alimentado por este contraste criado de propósito, e que a minha profunda incompreensão da natureza da realidade, da carne e da ação também nasciam da mesma fonte.” O que impressiona nestas palavras de Mishima é o quanto a descrição que ele faz se assemelha ao exemplo dado por Merlau-Ponty, na sua redução ao absurdo, como vimos anteriormente.

27 Fev 2018

Amor, Amor – O mais recente filme de Jorge Cramez

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]iz o cineasta Jorge Cramez que este seu filme de 2017, com fotografia de João Ribeiro e argumento do próprio e de Edmundo Cordeiro, adapta ao grande ecrã “La Place Royale” do dramaturgo Pierre Corneille (1606 -1684). É possível, é sempre possível ver num filme até o que lá não está. Mas este texto não é, nem se propõe a ser, um exercício do imaginário, mas um discurso a propósito da materialidade filmada, o que vi e ouvi na sessão de domingo na excelente sala 7 dos cinemas El Corte Inglês em Lisboa.

Se do Corneille pouca conta dei, já de Zygmunt Bauman e a sua teorização sobre as relações afectivas nas sociedades contemporâneas no seu texto publicado em 2000 pela Polity Press/Oxford “Modernidade Líquida”, ou desse ensaio que tem a caracterização da pós-modernidade como objecto, com o tão apropriado título a “Era do Vazio” desse outro sociólogo Gilles Lipovestky, editado em 1989, onde este escreve sobre o Narciso ou a estratégia do vazio e a sedução non stop, caracterizadoras deste tempo de individualismo, consumo e estética capitalista, muito pode ser lido.

O filme, ele mesmo, é um processo de mastigação continuada, de cenas que continuamente anunciam as seguintes e onde, como nas anteriores, nada acontece, o que está de acordo com o que é conceptualmente esperado, mas onde é notoriamente excessivo o contínuo anunciar da cena seguinte e a nulidade do exercício da fala. O filme é uma encenação do vazio, sem densidade nem tensão, com falas tão desinteressantes como a deambulação narcísica dos personagens, que se presume imaginarem-se a si próprios interessantes, e artistas num quotidiano sem sangue, nervo, tensão do real.

“Amor, Amor” repete, sessenta anos depois, o cinema da nouvelle vague – mas sem a frescura e com o cansaço de todo o tempo entretanto vivido.

É um cinema de adolescentes velhos que deambulam entre referencias estetizantes de um ecletismo pop com sonhos de vanguarda triturada a pastilha elástica gorila e universos da ficção científica dos grandes estúdios, em que alguém assume, uma personagem mulher interpretada pela Margarida Vila-Nova, o exercício do amor descartável como teorema da libertação feminina. Um exercício da banalidade.

O filme traça um dia no quotidiano de pequeno grupo de amigos sobre os quais pouco ou nada se chega a saber, a não ser que há um irmão e uma irmã, um pequeno grupo de homens e mulheres, casais com vontades cruzadas e, que um desses homens é um artista pintor que vive uma relação em que se sente constrangido na sua liberdade criativa. Ele, o artista, vive com a única personagem que consegue imprimir no ecrã tridimensionalidade, alguém capaz de amar e sofrer. “Amor, Amor”, é a vida num dia deste pequeno grupo, dia que como sempre termina em noite e nesta noite, em particular, é noite de fim de ano.

Resta o rosto da Ana Moreira, actriz que se nascida num litoral banhado por outro oceano há muito teria maravilhado telas do mundo inteiro como essa sua colega, talvez gémea, com nome de Uma Thurman (actriz que Tarantino não dispensa).

Há duas cenas com forte interesse cinematográfico, a da Museu de Arte Antiga onde se jogam elipses de corpos e necessariamente de tempo, ou do final onde queríamos permanecer com a Anabela Moreira a dançar no ecrã, infelizmente a mise en scène decidida pelo realizador faz com que demasiado cedo um outro corpo “anunciado” surja, e perturbe a dádiva total da atriz ao ecrã.

Particularmente interessante é a música escolhida que vai pontuado alguns momentos ao longo do filme. Até ao momento, nas 198 sessões em todos os ecrãs, fez 1115 espectadores (dados contabilizados até 14 de fevereiro).

 

Amor, Amor

De:

Jorge Cramez

Com:

Ana MoreiraJaime FreitasMargarida Vila-NovaJoana de VeronaEduardo FrazãoGuilherme MouraMaya Booth

Género:

Romance

Classificação:

M/14

Outros dados:

POR, 2017, Cores, 107 min

 

26 Fev 2018

Cérbero

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omeça hoje a primeira Lua-Nova de Fevereiro do Ano do Cão. O Oriente engalanado e festivo acolhe assim no seu calendário lunar mais um período de ritos que tem o encanto dos ciclos inaugurais.

Depois do ardente e inflamável Galo de Fogo, esse ser da aurora, Endovélico lusitano zangado com a Nação e com ímpeto destruidor que fez da terra um braseiro e a coloriu com as chamas da sua impaciência, dizemos-lhe adeus, com as imagens gravadas do seu anátema. Foi, no entanto, gentil em muitos instantes e talvez nos tenha acordado de um longo sono e generosamente distribuído oferendas que nos mantiveram activos e lúcidos na jornada.

E este é o primeiro dia do ciclo que assim vamos iniciar no Ano de 2018 que pressagia efeitos luarentos, talvez mesmo o tempo da feiticeira Hécate que ensombra as encruzilhadas com seus cães latindo… dezoito é número de Lua, cão é ser lunar… e Cérbero, o cão tricéfalo, vigia as portas dos Infernos, que devem ser vários a ver pelo plural da descrição olímpica, que tal como a Lua multiplica os seus efeitos. Esta descida, que tem como fronteira o interdito, “o melhor amigo do Homem” a ladrar à Lua, por muitas delas no ano que se segue – que é um amigo: sabemo-lo ao tempo da Odisseia quando Ulisses voltou para casa disfarçado e como ele foi o único a reconhecê-lo com seu instinto farejador.

Entramos aqui na «Noite Negra da Alma», expressão alquímica, mas eu prefiro «La noche Oscura» de S. João de La Cruz, um cântico litúrgico e um dos mais belos poemas da língua castelhana. Veremos sempre que o que nos cega não se encerra no breu, pois dele nasce por vezes uma incrível libertação. Cegamos por excesso de imagens e vemos o que do negro destila na proporção exacta. Hoje, por exemplo, não há estrelas no céu, o Cão que está de vigia pode ser agora um nosso aliado, pois sabemos que o abismo não tem fundo e melhor será escutar os seus latidos dado que aquilo que nos assusta muitas vezes nos protege.

Se a nossa impaciente curiosidade ou o imperativo que dita salvar alguém nos fizer aplicar o método de Ulisses, tangendo a lira, ou a receita da Sibila, com o bolo de papoulas e mel para que adormeça, sejamos cautelosos, pois que os encantamentos e as doses têm tempo curto e não demoremos mais que o instante dos seus efeitos, resgatemos o que nos levou até aí, enquanto não desperta. É um Ano que requer cautelas. Que um certo terror dê lugar ao assombro e dele se destilem os bons medos. O Oriente será sempre a nossa Artemis, a nossa deusa dos sonhos e das visões irreais que guardará irrevelados segredos prosseguindo a dinâmica face de um mundo que a Ocidente se desfaz.

Parece então que na ronda do tempo sempre cíclico há muitas maneiras de o festejar, contar, ritualizar, andamos no Roda como na beberagem dele, mas descontamos sempre a última passagem aos dias que nos foram dados viver e não por acaso eles se contam em Primaveras, todos desejando voltar a vê-la uma última vez. Este é o Cão de Terra que parece menos Cérbero, por ser assim, caseiro, doméstico, terreno… não sabendo das fortes correntes que ameaçam os viajantes do Portal. Este Cão far-nos-á companhia enquanto humanos naturais e talvez não como a uma Hécate, em alcateia, num interdito círculo de proscrições, talvez até seja comido por alguns dos seus adoradores, pois que estranhas formas de consubstanciação existem entre os povos que agora o festeja.

Altura exacta para voltar a Céline, « O Cão de Deus», e à sua obra para o momento «Voyage au bout de la nuit». Este sim, é o Cérebro que esperamos voltar a ver nesta passagem. Há momentos que pedem certas vozes e instantes que calam outras, tudo tem no tempo a obra certa que a referência. Nós ainda somos a matilha. O Médio Oriente não gosta de cães, e talvez veja no símbolo um mau agouro: há guerras surdas, mais químicas que físicas em marcha nos seus planos, e se os gatos existem por lá aos milhares é só porque impedem o fim do mundo. No meio da tormenta alimentam-nos e eles permanecem no enclave dos seus dias.

Ainda temos a bela viagem de Tobias que tem o seu cão como amante da jornada e lá seguem, homem, anjo e cão, como a forma mais conseguida de protecção e camaradagem: o cão de Tobias pode bem ser um disfarce de anjo enquanto o tempo decorre e sempre atrás e lealmente o acompanha. Os cães também podem pescar e alimentarem-se de peixes em caso de necessidade. A tribo dos pastores gosta deles e as ovelhas são-lhes simpáticas. Se houver dezoito ovelhas e o cão for no deserto um salvador, talvez tenhamos aí uma encoberta manobra de delação. Pode, no entanto, Cérbero ter dezoito cabeças quando olharmos para a Porta à luz da Lua Gigante que por razões de escala tendemos a sentir que aumenta… desdobra-se perante o nosso olhar como os espelhos, aí, a nossa sagacidade olhará o instante como um desafio irrecusável.

Cérbero diz-se até não ser tão assustador assim: era afável para quem quisesse entrar e não deixava sair. Os únicos a fazê-lo foram Héracles, Orpheu, Eneias, Psique e Ulisses. Dante recupera-o no Canto VI do Inferno e de lá nos narra a insaciável fome dos gulosos: “presos por Cérbero latia-lhes com três faces tenebrosas o cão multiface e furente/ contra as turbas submersas, criminosos/ Tu – disse – que és guiado pela estrada do Inferno vê se acaso me conheces: nasceste antes de mim nesta morada.”

Um Bom Ano para todos.

26 Fev 2018

Ao domingo, ao fim da manhã

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]iver com ruínas humanas afastam-nos de pessoas cheias de futuro, mesmo que saibamos o que a vida é. Mais tarde ou mais cedo, ninguém terá futuro. Os sítios que revisitamos tanto em recordação, imaginação ou na realidade são “vistos” através de um ecrã. Há camadas. A da realidade ou como julgamos sem suspeita foi a realidade do lugar e do nosso estar por lá. A do sentido que dá a compreender que foi e não é já. Mas a significação compara sempre, de forma imediata ainda que oculta, a realidade pura com a realidade simbólica.

O que chamamos realidade é um horizonte completamente esfolado de todos os sentidos subjectivos, privados, únicos, resultantes da vida que acontece a cada pessoa. Se habitássemos sem cessar no cosmos projectado pela inteligibilidade astronómica, não era por muito tempo. Ainda assim, também a realidade depurada de toda a subjectividade não é tão reduzida que não ache estranheza à entidade que é o mundo e a nossa vida metida dentro da ciência.

Acreditar que a ciência é última realidade é uma superstição. Não que se saiba qual é verdadeiramente “a” realidade, e por comparação se pudesse dizer que a realidade do mundo astrofísico não é a realidade. O que sucede é que se cada pessoa vivesse no mundo com entidades científicas, estranharia, depois de se ter espantado por ter acordado nele. Acabando por chegar à beira da loucura.

Agora, pode pensar-se, então, que a realidade, contrariamente à tese objectiva, materialista, reducionista, descascada de toda a subjectividade, resulta de uma projecção subjectiva, privada, idiossincrática. Que há tantas realidades quantas as pessoas, que há tantos mundos quantas as pessoas que neles vivem, do mesmo modo que há tantas vidas para além da vida conforme as pessoas que as delimitam pelas suas próprias configurações.
Vivemos com a crença de que estamos metidos no meio da mesma realidade e que todos vemos exactamente o que os outros vêm.

Sem dúvida, há pessoas que vêm o que outros não vêm, mas, no fundo e na essência de cada percepção, todos temos um mundo em nosso redor que é o mesmo. E, contudo, o mundo em nosso redor é sempre parte tanto do mundo em si, vasto, extenso, infinito, quanto faz parte do “nosso pequeno mundo”, no limite do meu mundo interior. Um local onde estejamos, sei cá, numa esplanada a tomar o que for, a ver pessoas estarem ou passarem, a ler um livro, a ouvir música, a ver o Tejo confundir-se com o Atlântico,— pensamos que cada pessoa tem o seu conteúdo específico que a ocupa, mas, no fundo, todas estão grosso modo naquele sítio, aí. Ora o que distingue os diferentes aspectos de uma esplanada para as pessoas que lá se encontram a dada altura ou para cada uma delas de cada vez que lá vai não é apenas o sítio em que estão sentadas, nem a hora do dia, nem o tempo que lá estão. Todos os outros que lá se encontram são conteúdos objectivos para mim e escapam mentalmente ao que sei deles. Também eu sou um conteúdo objectivo, mesmo até só como quem faz parte da lotação do local. Todos somos reduzidos a uma anatomia, ao sítio onde estamos sentados, pelo menos.

Mas aquele tempo específico das nossas vidas não é o domingo de manhã. Cada domingo é diferente, como sabemos. Mas o que constitui a sua diferença é o estádio da vida em que cada um se encontra. Os domingos que eu tenho para viver são muito menos dos que eu vivi. Mesmo que a “esperança de vida” seja apenas reguladora, os domingos dos últimos quatro anos da vida de alguém são diferentes dos domingos da infância e da juventude, até mesmo para criaturas com vidas ceifadas cedo de mais. E há o estado de espírito específico da pessoa nesse momento da sua vida, e o modo de saber estar numa esplanada, de se alhear de si ou de estar ensimesmada com os seus pensamentos mortais de tédio e angústia.

Não sabemos, contudo, nenhuma dessas determinações: quantos domingos temos, quantas vezes nos sentaremos num local, qual é o estado de espírito dos outros, definido pelas suas vidas pessoais naquele preciso instante, como fazem a experiência do fim da manhã de domingo num sítio.

As determinações subjectivas são mais objectivas do que o Tejo ir fundir-se com o Atlântico, como é bela a rapariga que está sentada lá ao fundo, com a cabeça mergulhada na sua leitura, como são irritantes as crianças que guincham, como a manhã vai chegar ao fim, como é hora e ir almoçar com a minha mãe.

23 Fev 2018

Os derradeiros momentos de Pessanha

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m Macau os relógios eléctricos estão parados desde 27 de Fevereiro devido à necessidade de proceder à limpeza dos instrumentos, quando, às 8 horas da manhã de 1 de Março de 1926 o autor da Clepsidra, Dr. Camilo de Almeida Pessanha faleceu na sua casa situada no número 75 da Rua da Praia Grande.

A poucos metros de distância, nesse dia ia ser inaugurado o novo edifício do Banco Nacional Ultramarino, na Avenida Almeida Ribeiro, fazendo o edifício esquina com a Rua da Praia Grande.

Professor liceal, distinto advogado e admirável poeta, o Dr. Camilo de Almeida Pessanha residira em Macau durante aproximadamente 25 anos, tendo feito quatro viagens a Portugal, algumas por motivos de doença. Se o normal era em Macau se quedar entre oito a dez meses, já na penúltima, a temporada foi mais longa, acima dos cinco anos. Nascera em Coimbra a 7 de Setembro de 1867 e chegara a Macau na primeira vez em 10 de Abril de 1894, sendo a última a 21 de Maio de 1916, de onde não mais saiu.

Viera como professor de Filosofia para o Liceu que iria ser inaugurado e como bacharel, muitos outros cargos aqui desempenhou, como refere sintetizando-os Beatriz Basto da Silva: “Camilo Pessanha veio a ser Conservador da Comarca (posse a 23 de Junho de 1900), Juiz Substituto do Tribunal Judicial (1904), Conservador servindo de Juiz e Presidente do Tribunal do Comércio (1911), Conservador do Registo Predial (1913), 1.º Substituto do Juiz de Direito da Comarca (1919), Auditor do Tribunal Militar, Professor do 4.º Grupo, efectivo no Liceu Central, sendo ali nomeado com Manuel da Silva Mendes como Director de Classe (1919). Foi ainda Juiz do Tribunal Privativo dos Chinas, como substituto (1919); juntamente com Fernando de Lara Reis e por desistência de Humberto Severino de Avelar, foi eleito Vogal do Conselho Administrativo do Liceu Central e, em 1920, Director da área de Geografia no mesmo Liceu, para onde foi nomeado Reitor Interino em 1925. Foi substituto do Juiz de Direito da Comarca (1920).”

Nos últimos tempos de existência, Camilo Pessanha fora nomeado por despacho de 17 de Setembro de 1924 para exercer o cargo de Director das classes 3.ª, 6.ª e 7.ª (letras) do Liceu Central de Macau e como Reitor a 15 de Julho de 1925. No dia seguinte saiu a sua nomeação como director da quarta e sétima classes do Liceu para o próximo ano lectivo. Em 11 de Agosto de 1925 requereu como professor efectivo do quarto grupo do liceu que lhe fosse aumentado o vencimento de categoria por diuturnidade de serviço a contar de 16 de Julho de 1924, nos termos do disposto no artigo 217 do Regulamento da Instrução Secundária de 18 de Junho de 1921. Segundo Daniel Pires, a 4 de Setembro de 1925 Camilo Pessanha pede a exoneração do cargo de Reitor e a partir de 28 desse mês, está de licença por motivos de doença. A 10 de Fevereiro de 1926 solicitava como professor do 4.º grupo do Liceu Central uma licença de trinta dias, que ainda não tivera despacho quando faleceu.

Os últimos desejos

“Há longo tempo que a doença lhe vinha minando o corpo deixando-lhe, todavia, em plena vitalidade aquela sua prodigiosa inteligência que todos lhe reconheciam e que até aos seus últimos momentos de existência na vida o não abandonou. Espírito altamente filosófico e amplamente liberal, alma aberta a todas as dores e infortúnios, encarava a vida desprendidamente, sem os preconceitos vãos e mentirosos que por aí pululam a contaminar tudo e todos. Alma sempre propensa ao Bem, praticava-o sem ostentação, gozando o prazer da sua consciência satisfeita – e por isso lhe bastava – ao saber que a sua benéfica acção, singelamente praticada, ia concorrer para a debelação de uma angústia ou de um infortúnio”, como escreve o jornal O Combate a 4 de Março de 1926, que finaliza dizendo, “Advogado de rara envergadura, perdeu o foro um dos seus mais inteligentes ornamentos; professor distintíssimo, perderam os seus alunos um bom, devotado e carinhoso mestre; e maçon por convicção, sofreu a Maçonaria e os ideais de liberdade que defende, e sofremos todos nós, a perda de um dedicado irmão e fervoroso defensor dos humildes e desprotegidos”.

“Os últimos momentos passou-os falando do enterro. Não queria ser transportado no carro funerário de Macau: embirrava com essa carripana. Desejava ser conduzido num armão de artilharia e por soldados, o que dizia, talvez não fosse difícil de conseguir visto ter sido frequentemente auditor no Tribunal Militar de Macau. Pobre Camilo Pessanha, bem fácil foi dar satisfação ao seu desejo! E sobre dois pequenos armões, de peças japonesas, assim se efectuou a última jornada de um dos mais curiosos espíritos, de um dos maiores e mais preciosos poetas portugueses”, segundo refere A. de Albuquerque. Já João Gaspar Simões complementa, “Certo de que teria um enterro oficial, professor do liceu que fora e seu reitor, juiz de Direito, advogado no foro local, prestigioso sinólogo e habituado a assistir ao saimento pomposo das outras personalidades locais, quis precaver-se pelo menos contra um dos números obrigatórios do programa. Eis porque, depois de consignar no testamento que pretendia que o seu enterro fosse o menos dispendioso e aparatoso possível, exige que não seja acompanhado de música.

Porquê tal recomendação? Porque fazia parte de todos os funerais solenes de Macau a banda dos alunos do colégio católico da província. Ora o poeta, fina sensibilidade musical, preferia o silêncio ao fungagá dos metais soprados pelos meninos chinas. Obrigado a ouvir ainda, nessa pátria ideal onde o melhor enfim é não ouvir nem ver, os discursos oficiais, pelo menos não ouviu a desafinação agressiva da charanga implacável”.

O Padre António Maria de Morais Sarmento assistiu ao último sopro de vida de Camilo Pessanha, que antes de finar pronunciou calmamente “está tudo a acabar… tudo podridão… tudo matéria…”, e referiu mais tarde, “tê-lo encontrado num estado de espírito que jamais verificara em qualquer moribundo.”

23 Fev 2018

As Ilhas do Ouro Branco

A arte que o açúcar da Madeira comprou em exposição no Museu Nacional de Arte Antiga

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] antecipar o arranque do programa de Comemorações dos 600 anos do Descobrimento da Madeira e do Porto Santo, que se assinalará em 2019 de forma intensa, o Governo Regional da Madeira, em conjunto com o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) de Portugal, apresenta a excepcional exposição “As Ilhas do Ouro Branco – Encomenda Artística na Madeira (séculos XV-XVI)”, inaugurada no passado dia 15 de Novembro. Em Lisboa, estão reunidas 86 peças provenientes do Museu de Arte Sacra da Diocese do Funchal, de colecções privadas e um retábulo do espólio do Museu.

Se a importância desta exposição é inegável no âmbito da história da arte, não é menos relevante no que concerne à museografia. Comissariada por Fernando António Baptista Pereira e Francisco Clode de Sousa, historiadores de arte e museólogos, com reconhecida investigação no âmbito do património madeirense, a narrativa expositiva flui numa lógica coerente e articulada, facilmente perceptível pelo visitante.

A abrir a exposição, que apresenta obras de pintura, escultura e ourivesaria, algumas delas restauradas para a ocasião, está um grande ecrã onde é projectado um filme que mostra a Madeira e a sua natureza em bruto, tal como terá sido encontrada pelos primeiros navegadores, e “que estão na base do encantamento que a ilha da Madeira provocou”, salientou Francisco Clode de Sousa na apresentação à imprensa, para quem esta mostra revela também a história da Madeira, a ilha “onde Portugal se ensaiou fora de si próprio”, referiu.

Sublinhou ainda que “a Madeira é uma espécie de balão de ensaio do que viria a ser o Portugal da expansão, primeiro atlântica e depois no Índico.” Ao longo de uma narrativa que parte do espanto dos primeiros navegadores perante o novo território e prossegue com a evocação do esforço do povoamento e da implantação de estruturas económicas e administrativas no arquipélago, esta exposição dá a conhecer as elites comitentes locais através das suas encomendas – obras de pintura, escultura e ourivesaria – provenientes da Flandres, do continente ou até do Oriente. A narrativa expositiva constrói-se em quatro núcleos: “O açúcar no paraíso”; “Organizando a terra virgem”; “A arte que o açúcar comprou”; “Um reino dentro do reino” Numa última sala, expõem-se as mais destacadas obras-primas encomendadas, sintetizando, com particular brilho, a riqueza do património madeirense dos séculos XV e XVI, resultante do esplendor cultural proporcionado pelo ciclo económico do “ouro branco”.

Proveniente da Ásia, a cana-de-açúcar terá começado a ser importada da Sicília pelo Infante D. Henrique, que introduziu o seu cultivo na Madeira nos finais da primeira metade do século XV, um projecto de rápida expansão. O desenvolvimento da produção de açúcar em larga escala permitiram a sua exportação para os portos da Flandres, primeiro através de Lisboa, e depois directamente. O consumo do “ouro branco” aumentou, assim, por toda a Europa, alterando hábitos alimentares e algumas práticas medicinais no mundo.

Em paralelo, os mercadores que levavam o açúcar para Bruges e Antuérpia, entre outras cidades da Flandres, regressavam regularmente à Madeira com bens, nomeadamente obras de arte, sobretudo de carácter religioso, destinadas a satisfazer as devoções e a definir o estatuto social dos novos grupos populacionais constituídos à sombra dos canaviais e da economia açucareira, nomeadamente de pinturas das oficinas de Gérard David, Dick Bouts, Joos Van Cleve e Jean Gossaert, de escultura das oficinas de Malines, Antuérpia e Bruxelas, artes decorativas e ainda ourivesaria, também provenientes do continente e até do Oriente. A maioria das igrejas matrizes fundadas ou reformuladas durante o reinado manuelino foi dotada de imagens e retábulos flamengos, entre os quais se destaca o magnífico retábulo da Sé do Funchal, único no mundo, inspirando a encomenda de peças idênticas por particulares.

Com um pé na economia açucareira, eram feitas encomendas artísticas que geraram “uma economia da salvação”, explicou Fernando António Baptista Pereira na apresentação à imprensa. Nas palavras deste historiador de arte, as peças expostas resultavam “da oferta à igreja de obras de arte que eram compradas com os excedentes económicos para remissão dos pecados”. Recordou ainda que foram os cereais o primeiro ciclo económico do arquipélago, só depois substituídos pelo açúcar. Foi este “ouro branco” escoado para os mercados europeus, numa altura em que o açúcar ainda era raro e caro, que proporcionou um enorme desenvolvimento local na Madeira. É perceptível o gosto dos senhores locais pela arte flamenga, onde frequentemente se faziam representar e cuja posse lhes sublinhava o prestígio. Tal como se regista a mudança de gosto que, a partir de meados do século XVI, passa a privilegiar as oficinas de Lisboa, nas expressões da Renascença ao Maneirismo.

Muita da “arte que o açúcar comprou” pode ser vista nesta exposição que constitui, seguramente, uma oportunidade de excepção para ver em Lisboa algumas das obras mais notáveis de pintura, escultura e ourivesaria do património artístico português, incluindo: Santiago Maior, de finais do século XV e atribuído a Dieric Bouts; a Virgem com o Menino, São Bento e São Bernardo, de c. 1515 e atribuído a Francisco Henriques; o Retábulo dos Reis Magos, com o corpo central relevado em madeira dourada e policromada e volantes laterais pintados com a representação dos doadores, de oficina de Antuérpia, datado de c. de 1530; o Tríptico da Descida da Cruz, de cerca de 1518-1527 e atribuído a Gérard David (Bruges); o Tríptico de Santiago Menor e de S. Filipe, datado de c.1527-1531 e atribuído a Pieter Coecke van Aelst (Antuérpia); o Tríptico da Virgem da Misericórdia, de Jan Provoost (Bruges e Antuérpia), datado de 1529, com Nossa Senhora da Misericórdia ao centro, ladeada pelos santos Cristóvão, Paulo, Pedro e Sebastião; duas pinturas (Apresentação do Menino no Templo e Ressurreição) do retábulo da igreja de São Brás, no Arco da Calheta, de c. 1550-1560 e atribuído ao Mestre de Abrantes; quatro pinturas (Anunciação, Adoração dos Pastores, Adoração dos Magos e Ressurreição, de oficina portuguesa e datadas de c. 1550-1560; ou as extraordinárias esculturas de S. Sebastião, fragmento, de oficina coimbrã, atribuída a Diogo Pires, o Moço, e da Imaculada Conceição, dita Virgem de D. Manuel, trabalho flamengo, possível oficina de Malines, ambas datadas do início do século XVI; a imponente cruz processional, com iconografia da Paixão e a representação, no reverso, da figura em vulto de Cristo Redentor Mundi, e com decoração e heráldica manuelina, em prata dourada, do primeiro quartel do século XVI, para além de obras do anónimo conhecido como “Mestre da Lourinhã”, de Michiel Coxcie (Malines), e Joos van Cleve (Antuérpia). E estas são apenas algumas de entre as 86 peças que se encontram expostas e que podem ser vistas no MNAA, de terça a domingo das 10h00 às 18h00, até 18 de Março de 2018.

22 Fev 2018

Curar & Curare

19/02/2018

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] tapeçaria dos povos apresenta amiúde histórias medonhas, intrincadas, implacáveis. Pior quando se eximem da responsabilidade sobre o bem comum e acabam como vítimas desgraciosas do próprio desleixo acumulado.

Nesta última semana choveu a potes. Daria para transformar um estádio nacional em barragem, em não havendo drenagem. Desconheço em que estado ficou o Estádio Nacional de Maputo. Entretanto, não longe dali, no Hulene, acumulavam-se há anos monturos de lixo que cresceram, até à “sã” altura de um prédio de três andares, colinas de miasmas circundadas por casas de cimento ou madeira e zinco. Sofrivelmente cristãos, esses monturos resistiram à chuva, ao vento, à sua fúria e gosma. Até que ontem desmoronou sobre as casas, num tsunami.

Foi um regabofe. Ficaram soterradas cinco casas. Dezassete mortos, fora os que ainda não vieram à tona e estão a ser pasto dos ratos.

Que quarenta anos depois da independência uma comunidade morra enterrada pelo lixo que produz não deixa de ser tristemente metafórico. É a condição mais habitual em países que escolheram como prioridades as armas e a “política do ventre”.

Situando-nos agora no norte, contaram-me a seguinte história: um amigo precisava de uma certidão de nascimento. Por acaso é do Mossuril, no distrito da Ilha de Moçambique. Ora, os livros de assento dessa zona foram enviados para a Conservatória da Ilha e foi aí que um amigo deste meu amigo foi requerer uma certidão de nascimento. Porém, a seguir todos os prazos razoáveis foram ultrapassados, até que chegou finalmente o documento e a explicação. Os livros de assento de antigamente eram grandes e as suas páginas desbordam da única e pequena máquina de fotocópias que existe na Conservatória. E então a opção é acumular os casos por resolver a fim de que se justifique enviar dois ou três livros de assentos atravessar o istmo que separa a ilha da costa numa balsa, com um funcionário, para, no outro lado, se tirar as fotocópias necessárias. E sob risco de que um aguaceiro, uma trovoada repentina, desabe sobre a balsa e os livros, debotando o milhar de assentos de que dependem muitas vidas. Por que não se digitaliza? Porque não há orçamento.

O episódio da ilha chega a ser risonho, não fora essa quase doce irresponsabilidade – uma verdadeira cocada mole – ser outra face da mesma realidade que desaba na triste tragédia ocorrida esta noite.

E não há orçamento quer para a digitalização dos arquivos, quer para o tratamento do lixo, porque se tem preferido a guerra ao diálogo, com todos os custos que tal acarreta.

Deve ser horrível ser enterrado vivo por uma tonelada de lixo, a não ser que encaremos a tragédia como uma vacinação garantida contra os maus odores do inferno.

20/02/2018

Numa atoarda infeliz, a Ordem dos Médicos em Portugal posicionou-se contra as licenciaturas no ramo da Medicina Tradicional Chinesa, vulgo Acupunctura. Foi com assombro que li que «A OM acusou o Governo de ameaçar a saúde dos portugueses validando cientificamente práticas tradicionais chinesas através de uma licenciatura e admite avançar para “formas inéditas” de mostrar o descontentamento dos médicos. Para o bastonário, Miguel Guimarães, a criação de um ciclo de estudos com formação de quatro anos “em práticas que não têm base científica constitui um perigo para a saúde e para as finanças dos portugueses!”».

Ora, a minha experiência leva-me a dizer o contrário, quiseram os médicos da “medicina científica” espoliar-me enquanto na acupunctura encontrei um modo alternativo de com eficácia resolver os meus problemas. Passo a contar.

Em 2008, depois de uma gravidez, a minha mulher ficou com o “ombro congelado”, havia perdido a mobilidade por calcificação. A única solução dos médicos convencionais era levá-la à serra, operação invasiva e de resultados incertos, para além do preço bruto da intervenção. Optámos pela acupunctura. Em doze sessões a calcificação “liquidificou”. Cem por cento de eficácia para um terço do custo.

Resolvi fazer doze sessões, para regulação. Só fiz oito porque fui orientar um curso em Madagáscar, mas assisti ao seguinte: a minha parceira de quarto nas sessões era uma garota de doze anos que experimentou a acupunctura por desespero: tinha um cancro numa víscera, não lembro onde. Na última sessão a que fui, havia festa e corria o champanhe. Os pais e a terapeuta comemoravam que o cancro da miúda tinha reduzido em dois terços. Se não tivesse visto não teria acreditado, mas fui testemunha. E bebi o champanhe.

Há três anos uma filha minha fracturou num treino de ginástica um ossinho do joelho. Fomos à clínica privada melhor equipada em Maputo. Fez uma radiografia e o médico não detectou nada, disse que era uma inflamação e enviou-a para casa com umas pomadas e uns comprimidos para as dores. Dois dias depois eu tinha de descer com a miúda ao colo os nove andares do meu prédio (o elevador estava avariado) e voltámos lá. O médico voltou a não encontrar nada na radiografia, e sentenciou, Ela tem de fazer um TAC. Ok, quanto custa? Mil dólares. Arregalei os olhos e perguntei: O dr. tem consciência de que com esse dinheiro vou fazer um TAC a Lisboa? Lamento, mas é o preço. Passou-me pela cabeça ir consultar primeiro um acupunctor.

Meia hora depois o terapeuta chinês segurava a radiografia e diagnosticava, apontando, Tem uma fractura, aqui… E, agora, precisa de gesso? Nada. Como vamos então fazer? Traz a menina duas vezes por semana, e faremos doze sessões. E depois não vai precisar de fisioterapia? Nada. Havia um precedente, confiámos. E um mês e meio depois a miúda andava, dois meses e meio depois voltou para a ginástica. E em vez de dois mil dólares no total gastámos duzentos dólares por tudo.

O ano passado a minha mulher escapou de ir à faca, para tirar a vesícula, usando de novo a acupunctura.

O ideal será cruzar as duas medicinas. A acupunctura não faz milagres, não é panaceia para tudo mas funciona – e ao nível preventivo aí será imbatível.

22 Fev 2018

Previsões para o ano do Cão

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]no instável, de grandes mudanças a variar entre extremos, o que coloca as pessoas nervosas. A felicidade encontra-se no lugar muito baixo e para este ano, os nativos de Coelho, Búfalo e Serpente estarão bafejados, ficando os de Dragão com as piores expectativas.

O Deus do Ano (Tai Sui) é Jiang Wu, um general que procura resolver os conflitos e evitar as guerras entre países.

 

Previsões por signos e por anos

O artigo que se segue foi construído a partir do que entendemos das previsões feitas por Lei Koi Meng (Edward Li) e, se muitas das ideias poderão assemelhar-se com as deste geomante, na tradução bastante ficou transfigurado e fora do que ele transmite.

 

Cão

Os nativos deste signo encontram-se em Zhi Tai Sui, o mais forte Fan Tai Sui a significar ter o Deus do Ano (Tai Sui) sentado no topo da cabeça. Se não houver Fu (Felicidade) terá o oposto Huo (desastre); não há meio-termo, apenas extremos, o que significa grandes mudanças. Não se esqueça de a 23 de Fevereiro (oitavo dia do primeiro mês lunar do ano) ir ao templo oferecer sacrifícios ao Deus do Ano, para ficar protegido pelas suas boas graças.

Carreira: Tem três estrelas da sorte que o apoiam: Hua Gai, a representar talento e habilidade, torna-o criativo com muito boas ideias, a trazer-lhe a atenção dos outros; Tai Ji Gui Ren, significa ter alguém a ajudá-lo e Tian Guan, melhoria na carreia. Assim, apenas precisa de trabalhar arduamente para conseguir colocar-se numa boa posição e daí alcançar o posto de comando.

Amor: Para o nativo feminino de Cão, cuidado com a influência da estrela Hua Gai que pode levar a criar conflitos com o seu marido, pois o seu talento e criatividade fazem-na poderosa e, por isso, tentada a impor-se ao companheiro, e, devido à má estrela Jian Feng (Fio da lâmina da Espada), originam-se discussões conflituosas. Terá de ser paciente e agir com calma na sua relação conjugal ou rapidamente ocorrerá o divórcio. Para os não casados, não é ano de encontrar a sua cara-metade.

Saúde: Conta com duas más estrelas, Jian Feng (Fio da lâmina da Espada), operação clínica e Fu Shi (Corpo Morto), representa morte que poderá correr por desastre. Os nativos nascidos no Verão serão os que podem ter mais problemas, pois estão mais propensos a ataques de coração e AVC (Acidente Vascular Cerebral), assim como problemas respiratórios. Por isso, evite fazer exercícios físicos fora de portas e conduza menos o seu veículo motorizado. Emocionalmente refresque-se com banhos de água e coma gelados.

Dinheiro: Conforme a sua relação com o Deus do Ano, também assim irá ser a quantidade de dinheiro a receber.

Entre os nativos de Cão, os que nasceram em 1970 terão as melhores oportunidades de progredir na carreira e por isso, maiores rendimentos do que todos os outros.

1958 – Deverá ter cuidado especialmente com a saúde. É bom fazer uma festa de aniversário. A carreira contará com ajuda.

1982 – Encontrará espaço na carreira para se revelar, mas mesmo trabalhando muito, pouco será o que recebe e por isso, deverá ser paciente.

1994 – Terá ajudas e dinheiro extra. Bom ano para prosseguir com as suas ideias.

Os nativos de Coelho são os melhores para o acompanhar, devendo evitar as pessoas do signo Dragão.

 

Porco

Parece-lhe que este ano vai tudo na boa direcção mas, de facto, o desenvolvimento não será muito, pois não terá fortes estrelas da sorte a suportá-lo na carreira. Procure dar o seu melhor e o resto aparecerá por que tem de ser. Tal é devido à auspiciosa estrela da sorte Tian Xi (Virtude Celeste), que transforma pequenos infortúnios em felizes e harmoniosos acontecimentos, sendo propícia para o casamento e boas relações com todas as pessoas. Através desta estrela vai conseguir um ano mais fácil do que o anterior e fazer mais amigos, do que inimigos. Precisa é de sair mais, participar em mais festas e construir novas amizades. Não terá melhorias na carreira, mas o dinheiro surpreendentemente aparecerá. Se não houver grandes expectativas é um ano em que poderá manter sempre um sorriso na face. Mas terá duas más estrelas, a Bing Fu, a sinalizar doença, coloca os nativos cansados e sem vontade de nada fazer, e a Gua Su, da arrogância, levando-o a viver sozinho, pois sem dar atenção ao que os outros fazem, desconsidera-os. Os seus bons trabalhos levam-no a tornar-se picuinhas perante tudo. Para mudar essa má energia terá de limpar o lixo no seu coração e da sua casa. Deve começar por pensar nas boas razões e não pelo seu negativo. Dê o seu melhor e goze a vida, investindo no convívio com os outros.

Carreira: Crie boas relações sociais para fazer uma base forte de relacionamentos, pois em 2019 será o seu ano de Fan Tai Sui, logo de grandes mudanças. Em convívio, não queira mostrar-se pelo que sabe, mas pelo seu simples estar.

Amor: A estrela da sorte Tian Xi (Virtude Celeste) coloca os nativos atractivos e por isso, se ainda não está casada/o pode ser mais activa/o para encontrar a/o sua/seu companheira/o e mesmo casar-se. O único problema reside em si, pois a má estrela Gua Shu coloca os nativos muito sensíveis e mesmo não havendo vento, ocorrem ondas. Tenha cuidado com a sua disposição e na relação conjugação não seja ranzinza, criando problemas onde eles não existem.

Saúde: A má estrela Bing Fu alerta os nativos a terem muito cuidado com a saúde, sobretudo com o coração e os canais de irrigação do sangue. Aos nativos nascidos no Verão, aconselha-se usar a água como balança ao fogo e por isso, tome duches e faça natação. Com tal ano de fogo, deve reter na mente, manter o coração em paz, sem discussões, nem zangas.

Dinheiro: Terá dinheiro da sorte, podendo ser tão grande, que o vai surpreender. Normalmente não pensa em dinheiro; chegou a boa altura para o usufruir, usando-o para gozar um pouco a vida e viajar.

Para os nativos nascidos em 1971, há a forte hipótese de se tornar rico e essa encontra-se espelhada na face pelo arredondado da zona à entrada das narinas. Ano de grande confiança na sua promissora carreira, a poder desenvolver em diferentes áreas o que pretende fazer. Poderá contar este ano com dinheiro proveniente da sorte.

1983 – Terá fartas oportunidades para se revelar. Receberá boas notícias e a sua posição subirá um degrau.

1959 – Terá amigos a ajudá-lo, assim como de alguém qualificado, encontrando espaço para continuar a desenvolver a carreira. Saia e converse para conseguir ficar informado, o que lhe permite evoluir. Faça uma festa de aniversário para elevar as suas energias.

1995 – Trabalhará bem e o ordenado razoável permite-lhe uma activa vida social, por isso, não gaste tempo em jogos na máquina.

Os melhores parceiros serão os dos signos de Coelho e Tigre.

 

Rato

Os nativos tiveram no ano anterior cinco estrelas da sorte a ajudá-los, o que lhes deu oportunidade para passá-lo sempre com um sorriso na face. Este ano continua a ter uma muito poderosa estrela da sorte, Ba Zuo, relacionada com a carreira, representando ser promovido e ficar na posição de comando. Outras duas estrelas da sorte, Tian Jie (solucionar os problemas) e Jie Shen (resolver a crise), ajudam-no e se tiver planos, ou sonhos, deverá realizá-los neste ano de sorte. Mas terá também sete más estrelas: Tian Gou, fácil criar conflitos, representa acidentes, gastos monetários imprevistos, alguém o engana ou, casa assaltada; Diao Ke relaciona-se com a morte de um familiar; Gua Su, leva-o a viver sozinho pois, arrogante, desconsidera os outros. Outras duas más estrelas são, Xue Ren (Fio da lâmina com sangue), a significar ter que passar por uma cirurgia e Fey Ren (lâmina voadora) com a possibilidade de sofrer um acidente.

Não importa como, com o seu inigualável valor pessoal deverá aproveitar completamente este ano para se expressar e atingir o que pretende. Um caminho cheio de desafios e quantos mais problemas se depara, mais sucesso conseguirá. Aja este ano como um tigre e não como um rato.

Carreira: Sobre o domínio da poderosa estrela da sorte Ba Zuo, os nativos de Rato, sobretudo os nascidos em 1960, têm facilitado o campo profissional e podem contar com uma promoção na carreira, ficando na posição de comando.

Amor: Em oposição à carreira, no amor este ano não será fácil para si. Não importa se é solteira/o ou casada/o, deverá ser paciente, sem discussões, talvez consiga manter o que tem, senão enfrentará grandes problemas. Apenas os nascidos em 1960 terão um harmonioso e grande amor, o que poderá levar ao nascimento de uma criança.

Saúde: A má estrela Xue Ren traz problemas com a saúde, devendo ter cuidado com os olhos, o coração e o pulmões e as mulheres com o útero. Deve controlar a sua maneira de comer, não abusar dos fritos e de alimentos pouco saudáveis. Já para Fevereiro e Junho, devido à estrela Fey Ren, deve tomar muito cuidado com os acidentes.

Dinheiro: Ano em que o uso do dinheiro irá aumentar, tanto no que recebe, como no que irá gastar. Se profissionalmente ganhará mais, também terá imprevistos que levam a despender mais.

1960 – É o melhor de todos os nativos de Rato e não lhe faltará dinheiro. Pode desenvolver os seus projectos, a colocá-la/o numa posição mais firme.

1972 – Terá uma aceitação muito facilitada na sua carreira, que progride bem e leva-a/o a torna-se famosa/o e popular na vida social.

1984 – Consegue, com ajuda, um bom trabalho e receberá dinheiro da sorte. Se trabalhar arduamente este ano, terá um promissor futuro.

1996 – Não precisa de se preocupar com a vida; mostre a sua criatividade e crie uma boa base. Ano para trabalhar, sem questionar quanto vai receber e poderá usufruir de novos paladares.

Combinam bem com os nativos de Búfalo, Dragão e Macaco.

 

Búfalo

Este ano está colocado em segundo lugar, a seguir ao Coelho. No ano do Cão, o búfalo está em Fan Tai Sui, denominado Xing Tai Sui, mas protegido com sete estrelas da sorte a ajudar. As estrelas da sorte, Tian De e Fu Xing, que limpam o caminho e Fu De, a trazer riqueza material e protecção, dar-lhe-ão grande confiança e criatividade. Por isso, tudo o que desejar fazer realizar-se-á sem dificuldades.

A estrela da sorte Ban An representa boas novas vindas do exterior, podendo abrir a sua marca, estender o seu mercado e desenvolver novas áreas. Pelas outras três estrelas, Tian Yi Gui Ren, ligada à criatividade, Tai Ji Gui Ren, a significar ter alguém a ajudá-lo e Guo Yin Gui Ren, ser elevado por uma pessoa poderosa, pois tem o carimbo do país, permitem-lhe contar com enormes ajudas, tanto profissionais como financeiras, e elevam-no à fama internacional.

Sendo um ano em que os nativos de Búfalo estão em Fan Tai Sui, no caso Xing Tai Sui, significando Xing responsabilidade criminal, quando assinar um contrato, ou der garantias por escrito com a sua assinatura, deverá prestar o máximo de atenção e ter muito cuidado. Também ao ver a grande e futura fortuna que está perante si, não deverá correr precipitadamente para ela, sem primeiro pensar bem. Quanto mais rápido chegar, pior.

Contará com três más estrelas, apesar de ser fraco o poder destas. Juan Tun e Jiao Sha trazem aos que a/o rodeiam a inveja, a poder-lhe causar pequenos problemas. Como pessoa que facilmente confia, poderá ter problemas com os parceiros e amigos e por tal, não se desligue totalmente da parte dos negócios ou tarefas que lhes legar, mantendo-se atento, sem facilitar no controlo dessa empresa. A má estrela Gua Su leva-o a viver sozinho, pois crê-se melhor e desconsidera os outros.

Carreira: Desenvolva ou crie uma nova carreira, já que se encontra favorecido, sobretudo para os nativos nascidos em 1985.

Amor: Devido má estrela Gua Su, cuide dos outros e não espere que estes tratem de si. Os nascidos em 1985 têm grandes oportunidades em fazer novos amigos, mas não os confunda com amantes. A harmonia é o mote e para o ser feminino, ao querer agarrar, mais facilmente perde o controlo.

Saúde: Cuidado e previna-se de ataques de coração e AVC, devendo fazer um exame médico. Sugere-se, no início do ano ir ao templo prestar homenagem ao Deus do Ano. A boa saúde torna a sua carreira mais brilhante.

Dinheiro: Ano bom para investir, mas conte que está sobre as más estrelas Juan Tun e Jiao Sha e lembre-se que deve ter cuidado ao assinar os contratos e papéis, pois está num ano de Xing Tai Sui.

1985 – É o melhor ano dos nativos de Búfalo, com grandes oportunidades na carreira e de fazer novos amigos.

1961 – Ano propício para trabalhar e cheio de habilidade e súper confiança atingirá um novo patamar.

1973 – Após uma série de anos a trabalhar arduamente, chegou a hora de receber e começa a conquistar fama. Boa oportunidade para lançar as redes e encontrar novas oportunidades.

1997 – Pense mais detalhadamente no seu projecto criativo. Ano para semear e por isso, não se foque no que poderá agora receber. A sua festa de aniversário fortalecerá amizades.

1949 – Com uma vida social activa, continue a estudar e aprenda novas matérias, como ajuda a enfrentar os novos tempos e esses estudos melhorarão o seu estar.

Conviva com os nativos de Rato e evite os da Cabra.

 

Tigre

A boa combinação com os nativos de Cão e de Cavalo leva os de Tigre a facilmente criar relações e conhecer novas pessoas. Este ano apenas conta com uma estrela da sorte, Hua Gai, ligada ao talento e habilidade, mas, sem ajudas, terá um trabalhar árduo, levando a ficar muito cansada/o. Gostando de planear a longo termo, sem colaboração exterior, coloca uma grande distância entre o que pensa e os factos. Deve evitar expandir os negócios até estes ficarem fora do seu controlo. Terá a má estrela Bai Hu (Tigre Branco), a significar haver pessoas nas costas a dizer mal de si e outras três, Huang Fan, Fei Lian e Da Sha a representar acidentes. Por isso, cuidado com o fogo, na condução, ou nas viagens. Não provoque discussões e lembre-se que pequenas discussões podem evoluir até se transformarem num tornado.

Carreira: Trabalhe calada/o e não se vanglorie, para não recaírem sobre si as atenções, o que pode atrair problemas.

Amor: A boa combinação com o Tai Sui do ano permite uma agradável vida social. Já o seu fogoso temperamento, num ímpeto furor inflamado, cria tempestades nas relações com a sua família e amigos. Também a influência da má estrela Bai Hu (Tigre Branco) pode colocá-la/o em relações duvidosas. O ser nativo feminino deve evitar a guerra fria com o seu parceiro.

Saúde: Os nativos de Tigre e de Cão combinam-se bem, mas entre eles também provocam fogo e assim, se nasceu no Verão, facilmente poderá ter um ataque de coração ou um AVC. Para prevenir, é melhor fazer um exame clínico. Coma mais fruta e vegetais e menos carne. Pratique mais natação. Evite vestir-se de vermelho, sobretudo no Verão e use menos o telemóvel, que também é fogo.

Dinheiro: Não será fácil conseguir dinheiro e se o mantiver, não estará mal.

Os nativos nascidos em 1950 são este ano os mais favorecidos deste signo, tanto na carreira, como no dinheiro. Encontrar-se-á cheia/o de energia e consegue ajuda em diferentes áreas. A sua posição está firme.

1962 – Pode conseguir uma promoção e ficar em lugar de chefia, conquistando o respeito de todos.

1974 – Os seus rendimentos provêm de diferentes fontes e terá oportunidade de conhecer alguém influente, a abrir-lhe a oportunidade para desenvolver a carreira. Necessário fazer a festa de aniversário.

1986 – Precisa de trabalhar muito, sem caminhos fáceis por onde atalhar. As mudanças, para o ser feminino serão maiores. Cuide da sua saúde mental e controle as emoções.

1998 – Estudará bem e atingirá altas notas. Parece que a cabeça se abre, tal é a qualidade com que entende o que lhe ensinam. Cuidado com o estar emocional e não o coloque sobre pressão.

Terá como bom amigo os nativos de Porco, mas evite os do Macaco.

 

Coelho

É o número um dos animais. Comparado com o ano anterior, que era Fan Tai Sui, este é o que melhor combina com o Deus do Ano (Tai Sui). Haverá grandes mudanças e das melhores. Duas poderosas e grandes estrelas da sorte, Zi Wei e Long De, representam conquistar poder e ser promovido, sendo excelentes para a carreira. Terá muita gente a ajudar e o controlo nas suas mãos. Conta com três más estrelas: a Bao Bai (falhar, perdedor) leva a ocorrer algumas mudanças, que não consegue controlar, e Tian E (catástrofes provenientes do Céu) poderá colocar os seus planos ou projectos com problemas fora dos expectáveis, a advertir que deve ser minucioso quando os preparar. A sensibilidade dos nativos de Coelho, traz-lhes a dificuldade de tomar uma decisão peremptória e com a má estrela Huang Fan a criar ondas, tal levará a ficar triste. Neste caso é melhor falar com os seus amigos e pedir-lhes ajuda.

Carreira: O signo do Coelho é o que melhor combina com o do Cão, o que representa ter boas relações com as pessoas e comparado com o ano anterior, em que estava em Fan Tai Sui, este combina-se bem com o Tai Sui. Tal faz com que haja uma total mudança e a/o torna numa nova pessoas, ganhando dos outros mais respeito, torna-se o foco principal. Se trabalhar arduamente e tiver cuidado, a sua carreira poderá atingir o grau mais alto que até agora conseguiu, sendo os nascidos em 1975 os mais bafejados.

Amor: Este ano será bem recebido por todos e carinhosamente tratado, tendo por isso muito por onde escolher. Os solteiros terão grandes hipóteses de se casar. Os casados deverão levar essas amizades para o campo da carreira, o que lhes trará ainda mais melhorias.

Saúde: A combinação dos nativos de Coelho com os de Cão cria fogo e isto é mau para a saúde, especialmente para os nascidos no Verão, trazendo problemas de fígado, de mãos e pés, assim como no respirar. Como sugestão, não coma tanta carne e troque-a por queijo, soja e vegetais regados com vinagre. Sobretudo para os nascidos no Verão, quando este chegar, viaje para um local onde esteja Inverno.

Dinheiro: Um bom ano de colheita, que tanto provêm da boa carreira, como no agarrar das oportunidades, assim como do dinheiro da sorte que lhe virá parar às mãos.

1975 – Com uma boa carreira e o dinheiro do ordenado e o da sorte, é o mais bafejado entre todos os nativos de Coelho. Fará facilmente novos amigos, mas não os misture com a sua vida amorosa, pois muitos momentâneos amantes só complicam a vida.

1963 – Conseguirá ser promovido e obter mais posições de chefia. Há a possibilidade de mudanças e poderá tornar-se dono da sua própria casa.

1951 – Mantenha-se em forma e a trabalhar, pois encontrará tempo para desenvolver os seus pessoais interesses e actividades, que há muito aguardavam por ser realizados.

1987 – Ano para poder expressar-se completamente e progredir na carreira, mas descanse mais, com menos noitadas.

1999 – Será ano cheio de felicidade. Terá uma vida social activa e os estudos correrão bem, devido à sua grande inteligência.

Os nativos de Cão, Cabra e Porco são os seus bons companheiros para cooperar, mas evite os de Galo.

 

Dragão

Lembre-se da palavra: Paciente. Não avance pelo caminho se não o percebe ainda, dê um passo atrás, onde o espaço do Céu e dos oceanos é maior. Não é um bom ano para os nativos deste signo, pois o Fan Tai Sui está em Chong Tai Sui, em oposição e a colidir com o Deus do Ano. Para os nativos nascidos no Outono e Inverno será menor esse efeito de mudança, do que para os nascidos na Primavera e Verão. As pessoas idosas deverão ter ainda mais cuidado com a saúde. Para os jovens, essas novas e enormes ondas servem de aprendizagem e pela riqueza com que as grandes mudanças alimentam a consciência da essência, mais substancial se torna a matéria.

O poder da estrela da sorte é tão fraca, que pode considerar não ter para este ano essa ajuda. Conta com quatro más estrelas: Da Hao, gastar uma fortuna; Lan Gan, haver grades/vedações; Bao Wei, cauda do leopardo; e Po Sui a referir uma separação. Significa que algo fora do espectável poderá acontecer e a/o levará a gastar muito dinheiro, complicando as suas finanças. Pelo caminho apresentam-se diferentes problemas a terem de ser resolvidos e poderá haver amigos contra si, levando a parar com os seus projectos.

Carreira: Bom ano para estudar, pois não receberá nenhuma ajuda e, por isso, nada melhor que aprender.

Amor: Ano de Fan Tai Sui, a significar grandes ondas, podendo levar os casais à separação, devido à má estrela Po Sui. Deverá manter a calma e tratar bem o que tem.

Saúde: Duas coisas são importantes. Se possível, a 23 de Fevereiro (dia 8 do primeiro mês lunar) deverá ir ao Templo oferecer sacrifícios e pedir protecção ao Tai Sui do ano. Faça um exame clínico ao corpo e previna-se de ataques de coração e AVC.

Fevereiro, Junho e Outubro são três meses em que deve tomar especial atenção e cuidado. Se ficar seriamente doente, pode ajudar colocar junto de si uma estátua de cobre a representar um macaco.

Dinheiro: Estude e trabalhe e não questione o quanto poderá receber. Um ano de paz é o que necessita.

1964 – Encontra-se na melhor posição entre os nativos de Dragão e traz a criatividade para a sua carreira; no entanto tal irá atrair os seus inimigos.

1952 – Continue com os negócios, mas cuidado no assinar papéis, a poder trazer responsabilidades criminais.

1976 – Muito criativo, bom será trabalhar só, mas primeiro estude e aprenda mais, tornando os seus conhecimentos fortes.

1928 – Respeitado pelos outros, mantém uma mente ainda clara e continua a gostar de dar passeios.

1988 – Bom ano para estudar e investir nas suas relações públicas. Poderá ter ajuda na sua carreira, mas deve ser modesto durante a aprendizagem.

O seu bom amigo é do signo do Galo e deve evitar os do Cão.

 

Serpente

Está nos três animais bafejados do ano. Consegue o que quer, pois é um ano de sorte para os nativos deste signo. Mantenha-se em harmonia com as pessoas e será sempre um/a vencedor/a.

Conta com poderosas estrelas da sorte, como a Hong Luan, sorte no Amor, a Lu Shen, bom rendimento e excelentes relações públicas, relacionada também com a Yue De e a Ban An, a representar boas novas vindas do exterior. Mas terá duas más estrelas: Shi Fu (sinal de morte) e Xiao Hao (esbanjar dinheiro). Com um sinal proveniente da saúde, lembre-se que deve evitar colocar a vida em risco, por brincadeiras em perigosos exercícios a poder causar acidentes e nos desportos radicais, não tente ultrapassar os limites. Controle os seus desejos e não gaste dinheiro no que não precisa.

Carreira: Com as estrelas da sorte Ban An e Yue De, verá os seus negócios crescerem e num novo patamar, pode-os expandir para o exterior. Abra um novo interesse. Impulsionado por Lu Shen, o incremento das relações públicas, trazem-lhe bons rendimentos. Diversifique e desenvolva uma nova área.

Amor: Pela estrela Hong Luan, é a oportunidade de investir no seu casamento, o que significa os solteiros encontrarem o parceiro para se casar e os casados terem filhos. Faça uma nova Lua-de-Mel e não procure fora o que tem em casa. Não se esqueça que no casal, a esposa é a riqueza e o marido, o poder. É um muito bom ano para o amor e o relacionamento com outras pessoas. Realize festas para tornar os que estão à sua volta mais felizes.

Saúde: Cuidado com a saúde, sobretudo o sistema respiratório e a gordura no sangue, pois está sobre a influência da má estrela Shi Fu, que traz problemas. Se é gordo, emagreça, evitando de uma vez só comer por dois dias. Não participe em exercícios arriscados, sobretudo quando viaja. Conduza com extrema segurança. Faça exercícios, mas no Verão evite realizá-los ao ar livre.

Dinheiro: Não haverá problemas e o pouco dinheiro que esbanja não vai contar nas suas finanças. É um ano de colectar o que plantou e o dinheiro entrará no seu bolso. Ano relaxante, bom para viajar e usufruir o dinheiro que tem.

O melhor ano para os nativos de Serpente é o de 1965, pois correr-lhe-á bem e terá grandes lucros. Com carreira e dinheiro no topo, procure desenvolver novas áreas.

1953 – Terá uma grande promoção e o bom relacionamento com os outros levará a alcançar o respeito das pessoas. Continue a desenvolver os seus interesses, ou negócios, pois terá suporte de muita gente.

1977 – Criativo, agarre esta oportunidade para formar uma boa base. Deverá realizar a festa de aniversário.

1989 – Ano para investir em relações públicas. Estude mais e crie mais oportunidades para os seus trabalhos.

Compartilhe o seu tempo com os nativos de Galo e Búfalo.

 

Cavalo

Combinando bem com os nativos de Tigre e de Cão, os nativos de Cavalo conseguirão fazer muitos amigos, a ajudar neste ano. Terá duas boas estrelas da sorte: a poderosa San Tai (Quem tem o Carimbo) e Hua Gai (talento e habilidade). No entanto, não lhe faltam estrelas de má influência como: Wu Gui (Cinco fantasmas), a lembrar que tem pelas costas quem lhe quer faz mal; Guan Fu, poder ser responsabilizado criminalmente nos tribunais e por isso, deve tomar muito cuidado e não colocar como garantia a sua palavra; Fei Fu (propenso a ter problemas de foro criminal); Yang Ren (ser operado); Huang Fan (bandeira amarela) a transmitir tristes novas, incómodas e desgostosas a causar dano; Pi Tou (deixar solto o cabelo), significa algo incómodo ocorrerá e lhe provocará mágoa.

Sendo de elemento fogo o signo de Cavalo, para balançar coloque um aquário na parte Norte da casa e alimente os peixes. Mantenha-se longe de gatos e cães.

Carreira: Com duas poderosas estrelas da sorte, San Tai, que lhe proporciona ser promovido e tomar o lugar de chefia num projecto importante, e Hua Gai, a salientar o seu talento e habilidade, perante tal prever-se-ia ser um bom ano. No entanto, as três estrelas de má influência, Wu Gui (Cinco fantasmas), a representar ser apanhado distraído e fazerem-lhe mal pelas costas; Guan Fu, a ter que tomar muito cuidado e não colocar como garantia a sua palavra, pois tal o pode levar a ser responsabilizado criminalmente nos tribunais; Fei Fu (propenso a ter problemas de foro criminal), todas elas avisam que terá problemas nos seus projectos pois, haverá sempre alguém a criá-los. Pode ser levado à barra criminal e ser responsabilizado, muito devido à tomada de decisões por impulso. Pesquise detalhadamente antes de planear.

Amor: Os solteiros encontrarão muitas pessoas para se tornarem amigas/os mas, ainda não achará a pessoa certa para casar. Entre os casais, a esposa deve ser paciente e manter a calma, senão facilmente se desenrolam discussões entre o casal e não pode pensar só em trabalho, devendo dar tempo para a família.

Saúde: Devido à estrela Yang Ren, a representar uma operação clínica, facilmente pode ter problemas de coração, de sangue e fígado, assim como no útero, para as nativas. De Abril a Junho são os meses mais perigosos. Deverá beber mais água e realizar mais desportos dentro d’ água, evitando ainda a cor vermelha.

Dinheiro: Ano de plantação. Proteja-se e isso será o mais importante, melhor que dinheiro.

1990 – Com inúmeras oportunidades na sua carreira, consegue o melhor retorno de todos os nativos de Cavalo. Não as deixe fugir, deixando para amanhã o que tem de fazer hoje.

1966 – Trabalhará mais, pois aparecerão mais oportunidades para mostrar a sua criatividade e talento.

1954 – Será suportado por pessoas qualificadas, que lhe trarão uma boa carreira. Investir dá-lhe mais dinheiro do que ganhará a trabalhar. Continue a gozar a vida, pois é um ano cheio de riqueza.

1978 – A sua mente está clara e o quer aprender mais leva a encontrar mais amigos. Celebre o seu aniversário com uma festa.

Os melhores parceiros para cooperar são as pessoas do signo da Cabra

 

Cabra

Ano fácil e alegre, já que conta com cinco estrelas da sorte: Jie Shen ajuda a resolver os problemas causados por desastres, sem haver crise; Tai Yin, a Lua, representa boas relações sociais e transforma o negativo em situações positivas, Tai Ji Gui Ren, (a significar ter alguém a ajudá-lo) e Tian Yi Gui Ren, ligada à criatividade, promovem-no na carreira e elevam-na a um novo nível, permitindo mudar o antigo por um novo sistema. Conta ainda com Jin Yu Lu (grande fortuna).

A má estrela Huang Fan (黄幡, bandeira amarela) representa alguma coisa que causa mágoa, tristeza, que é incómoda. Já outras duas, Guan Suo (armadilha) e Gou Jiao, representam mudanças que aparecem de repente, sem serem esperadas, assim como cair, sofrer uma queda, ter um acidente.

Carreira: Não encontrará ajuda pelos que estão ao seu lado, mas pode contar com pessoas em posições superiores, sendo ainda um ano para fazer dos inimigos, seus amigos.

Amor: Para as/os solteiras/os é uma boa altura de se enamorar, mas cuidado, não se magoe, pois, podem os outros estar a mentir.

Saúde: Facilmente lhe ocorrerá acidentes, por isso cuidado para não tropeçar e cair. Atenção aos pulmões, fígado e vesícula biliar, já que facilmente lhe pode aparecer problemas. Controle a qualidade da comida que ingere.

Dinheiro: Sem dúvida, com tantas estrelas da sorte, o dinheiro não faltará e por isso, não pense como o vai ganhar, mas como o vai despender.

1955 – É o melhor ano para a carreira dos nativos de Cabra e não só consegue dinheiro pelo seu trabalho, mas também proveniente da sua sorte.

1967 – Cheio de criatividade deve aproveitar a oportunidade e usufruir o que com ela pode ter e entrar numa nova carreira, cortando com a antiga forma e criar um novo estar.

1979 – Siga os seus interesses para desenvolver a carreira.

Bons amigos serão os do signo do Cavalo.

1991 – Terá suporte de pessoas idosas e confiante poderá expressar bem a sua criatividade. Deverá realizar a sua festa de aniversário.

 

Macaco

Os nativos de Macaco deverão preparar-se, pois não irá ser um ano fácil. Sem poderosas estrelas da sorte, conta no entanto com cinco: An Lu (Dinheiro da Sorte, ou de Sombra) a significar conseguir muito dinheiro fora das suas expectativas; Fu Xing, estrela protectora a limpar o caminho; Ci Guan (perfeitas palavras); e Wen Chang, o Deus dos Letrados e da Literatura, a conferir dignidade, poder e posicionamento social. Já a estrela da sorte Tian Chu (Cozinha do Céu), permite saborear boa comida, mas só encontrará os ingredientes para alcançar esses paladares ao socializar, em reuniões ou festas.

No ano de Cão, os nativos de Macaco trazem um dom da palavra que leva a captar a atenção dos outros e apenas pelo falar, já as pessoas lhe ganham respeito. Os estudos correrão muito bem, pois facilmente capta o ponto e as suas reflexões são mais rápidas que a dos outros.

Quanto às más estrelas, deve contar com a Tian Ku (Chora o Céu), Bao Wei (cauda do leopardo), Di Sang (perder terra) e Sang Men (alguém que traz má sorte). Significa poder ocorrer algo mau, perdas, que a/o levará a chorar. Evite as discussões com amigos por questões de dinheiro. Este ano é de perda de algo, ou de alguém, e só entenderá o valor da vida na sua relação com a Felicidade, que nada tem a ver com o material do quanto tem, sendo pelo coração que se a alcança. Cuidado com cada degrau e evite importantes e grandes investimentos. Com tão fracas estrelas da sorte, menos é mais. Por isso, deve trabalhar arduamente e resolver por si mesmo os problemas.

Carreira: Sem ajudas, sozinho, terá um árduo ano e por isso, empreenda-o pelos estudos, preparando-se para o advir.

Amor: Para os solteiros, é um ano sem relações estáveis, crendo por vezes encontrar-se numa, logo perceberá que afinal ainda não é, trazendo-lhe a insegurança de não estar a controlar. Com menos expectativas, poderá encontrar boas surpresas. Para os casados, ambos sentem-se aborrecidos e por isso, procure encontrar algo de novo para fazer em conjunto. Vá dançar, invista na cozinha com a confecção de um novo prato, ou viaje.

Saúde: Envolvido pelas más estrelas, não apenas terá que tomar conta da sua saúde, como também a da sua família. Cuide das enormes vagas emocionais ocorridas pelas mudanças. Só com elas controladas, será boa a sua saúde. Procure estudar e esteja aberta/o às medicinais alternativas, como uma nova maneira de se prevenir e para isso, tente saber mais sobre as Tradicionais.

Dinheiro: Na sua normal maneira de o ganhar, não há surpresas. Ele pode também aparecer fora das suas expectativas, através do Dinheiro de Sombra ou da Sorte, e ninguém vai saber que o tem. Jogue nas lotarias, mas com moderação, sem colocar grandes somas, pois se for conduzido pela descontrolada emoção, tal o levará à ruína.

1980 – É o melhor ano, para os nativos de Macaco, sendo fácil desenvolver a carreira, deve manter-se paciente e focado nela, sem alaridos e resguardado do exterior.

1968 – Com uma boa vida social, terá ajuda para desenvolver a carreira e logo mais hipóteses para mostrar as suas ideias. Haverá uma grande mudança na sua vida e por isso, deve tomar cuidado para a ter segura. Comemore o seu aniversário, pois a festa dar-lhe-á boas energias.

1956 – Cheio de trabalha árduo, deverá dar tempo para relaxar e não se coloque sobre pressão.

1992 – Devido ao seu bom desempenho, terá hipóteses de ser promovido mas, deve ir com cuidado, passo a passo, pois a muita velocidade, pode atrasá-lo a chegar. Cuide o seu falar.

Tem o melhor amigo nos nativos de Serpente e deve evitar os de Tigre.

 

Galo

Os nativos de Galo esperam sempre tudo perfeito e por isso, falam mais do que agem. Bom ano para desenvolver a carreira. Com a confiança que traz, conseguirá colocar os seus sonhos a realizarem-se.

A super-estrela da sorte Tai Yang (太阳), o Sol, traz-lhe grandes e brilhantes energias, atingindo a sua Luz todas as direcções. No trabalho e na carreira estará colocado na varanda a olhar para baixo.

A estrela da sorte Ban An representa boas novas vindas do exterior e torna-o famoso fora da sua terra. Com grandes hipóteses para a internacionalização, crie um novo mercado, uma companhia…

Mas o Galo, no ano do Cão, está em Fan Tai Sui, conhecido por Hai Tai Sui, significa magoado pelo Deus do Ano. Simboliza alguém que lhe quer fazer mal e por isso, na sua vida social deverá ter cuidado na escolha dos amigos e sócios.

Tem três más estrelas: Tian Kong (Vazio Céu) e Hui Qi (Energia Suja) colocam-no a não conseguir tomar uma decisão, pois não alcança ainda onde está a verdade. Pi Tou (披头, deixar solto o cabelo). pode levar a que de repente surjam problemas de difícil resolução, a atirá-lo emocionalmente para baixo.

Carreira: Com a ajuda de Tai Yang, o Sol, deve lembrar-se em colocar os olhos nos mercados internacionais, mais do que no doméstico. Deve deixar as antigas formas e empreender pelas novas maneiras de fazer.

Amor: Vai ser um ano activo. Para os solteiros, com tantas escolhas será difícil tomar uma decisão. Os casados devem planear uma viagem longa e usar a criatividade para cativar o parceiro.

Saúde: Mais do que tudo, deverá ir ao templo pedir ajuda ao Deus do Ano. Cuidados com os seus ossos e não se magoe, sobretudo nas mãos e pés, assim como esteja atento para evitar AVC’s. Sentindo-se triste, adorne-se com ouro.

Dinheiro: O muito trabalho traz-lhe bom retorno. Se não conseguir encontrar a solução para um problema, viaje e verá que ela virá ter consigo.

1969 – Serão os mais bem colocados entre os nativos para desenvolver a carreira e avançar em novas ideias. Com uma vida social activa, contará com ajuda e sucesso.

1957 – Não pode imaginar quanto trabalho terá; deve aprender a pedir ajuda e não tentar fazer tudo sozinho. Cuidado com a saúde e não trabalhe em demasia.

1981 – Terá suporte de pessoas mais velhas, com mais experiência que o ajudarão e espaço para expressar completamente o seu talento.

1993 – Com um salto, aparecerá de repente e toda a gente lhe presta atenção.

Os melhores parceiros serão os nativos de Búfalo e Serpente e evite os de Cão.

21 Fev 2018

Barajas em modo de espera

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] espera é milimétrica. Crónica. Escadas volantes sem apoio. Tractores que puxam carris. Mercadoria e malas de viagem. Passageiros a partir sem malas. E chegam ainda sem elas.

Alguém varre o chão. Há décadas a ver gente partir e chegar sem poder adivinhar a não ser o serem gente.

As mesmas horas da madrugada podem ser o princípio ou o fim do dia. Ou a continuação.

Várias línguas imperceptíveis à distância.

Tanto barulho para tirar um café espresso. O empregado bate com o manípulo para sacudir as borras do café. A máquina do café é accionada de novo.

Passageiros puxam ou empurram malas.

Mini-saias com pernas e calções bem moldados. Há mini saias que ficam tão bem em quem as traz vestidas.

DEVANEIO E FUGA: “Tenho de pagar o telefone. Não tenho ligação à internet. O céu “é” azul. Ser céu não é ser azul (sintético a posteriori). Não ecoa nenhuma música.

A realidade não mexe uma palha.”

Não sei como hei-de estar sentado.

DEVANEIO E FUGA: “As hospedeiras levitam. Umas pernas com vergão, por terem estado sentadas em cadeiras de vime, erguem-se de trás triunfantes. Ah! a glória daquelas pernas!

As sanduíches entram pela boca de pessoas empenhadas em fazer desaparecer tudo para o lado de dentro delas!”

A fila inteira à espera e a empregada diz num Castelhano franquista: “tienen” não sei o quê “esperar”.

Há 20 minutos que esta mesa espera comigo. Estou de viagem. Mas estou e não estou a ir. Estou a viajar enquanto espero pela ligação aérea? Parado, vou no tempo até daqui às 15h45. É uma crença, uma fé ou uma superstição? Com o tempo vem o avião e o momento para entrar para dentro do avião. Mas eu não estou a andar.

Deveria fazer-me ao caminho? Sentado, estou de viagem entre destinos. Não me entra dentro da cabeça, mas sei que é o tempo para chegar do destino de origem ao destino final.

DEVANEIO: “Nove minutos.”

Onde estive? Caio outra vez na realidade e ouço alguém perguntar a outrem: “O que bebes?” – “Uma coca cola zero.” Uma francesa diz ao namorado atrás de mim: “Je suis choisie?” – “qu’ est-ce que ça veut dire?”.

Faltam 4 horas e 15 minutos para o embarque. Estou em viagem?

Agora, 4 horas e 12 minutos.

Vou ser deslocado. De resto, vou a pé daqui até ao “Gate”, palavra internacional. Depois sento-me dentro do avião. Deslocam-me.

Agora, faltam 4 horas e 10 minutos. 250 minutos. Mas falta mais para chegar.

INTERPRETAÇÃO: “Este tem mesmo cara de português.”

Japoneses com máscaras na boca. SINISTROS.

Vou estar assim nos próximos 248 minutos. Não dormi nada.

DEVANEIO E FUGA: “a miniatura do carro dos bombeiros é aqui real e está lá fora.”

DEVANEIO E FUGA: “Família simpática troca de lugar com uma anciã. A velha não fica e vocifera não sei o quê. É contra o marido que não está nada bem. Péssimo aspecto. As muletas apoiam-se nele e a mesa dá-lhe com a aresta na barriga.”

Falho um letra no teclado.

 

Adormeci por um lapso de tempo.

São 10h41m no AIR.

Estou a ir para Lisboa e ainda não saí daqui.

DEVANEIRO E FUGA: “Percorro o teclado com os dedos e bato nas mesmas letras em tempos sempre diferentes. Palavras diferentes integram as mesmas letras. A mesma letra tem posições diferentes para poder intervir elementarmente em palavras diferentes.

Nunca se bate uma letra da mesma maneira, nem no mesmo tempo. Por exemplo, a letra “o” em “P-o-r” e em “exempl-o” e em “o”. 1, 2, 3, 4, 5, 6. Seis vezes bati na palavra “o” e, agora, mais duas.”

Afinal…

Enganei-me. Falta mais tempo do que eu pensava. “Que contas faço?”. Acho que vou adormecendo e acordando. Só não adormeço por completo, para estar alerta. Está aqui muita gente. Não gosto de dormir ao pé de gente. É íntimo.

Faltam afinal 5 horas. São 300 minutos.

Recontagem. Começa do princípio e com mais tempo por decorrer.

Faltam 4 horas e 35 minutos. 25 minutos desde que não olho para as horas.

As casas de banho estão todas em serviço ao mesmo tempo. Nunca percebi por quê. Ou então estão ocupadas. Andei de um lado para o outro. O aeroporto nunca mais acaba. Andei muito. 25 minutos, mas não foi para ir para casa. Vou de avião. Por isso andar por andar e andar para ir têm sentidos diferentes. Só um me leva. O outro fixa-me.

Qual o sentido desta circunstância? Eu sabia que isto ia ser assim. Não pude evitar.

Faltam 4 horas e meia para as 15h45m. Agora, agora, agora, agora, agora, agora, agora, agora. Tantos “o’s” em h-o-ras e em ag-o-ra. A: [A superfície das coisas é insuportável]. Nem um pensamento ocorre. Pessoas, empregada de mesa, a miúda ali à frente.

Um tipo deixa cair o casaco e segue em frente. “Perdoname”, grita um tipo atrás de mim. O estrangeiro não o ouve. Tenho de gritar: “HEY!”. -“Thank you”, responde. – “You’re welcome.” Este foi o momento alto da manhã. Fez afluir sangue ao cérebro.

Ia dizer que B: [A: [a superfície das coisas é insuportável]]. Só quando estão estagnadas. O casaco que caiu desequilibrou o universo. Foi “interessante”. O enfoque estava na película entre mim e a totalidade da apresentação, do lado de dentro de cá, silencioso, não interventivo. O casaco que cai mudou o enfoque. Anulou-se a minha absorção ainda do lado de cá do ecrã: “HEY!” (Gritei mesmo!). Mas o tipo olhou. Seria uma maçada ter de me levantar para o fazer ir buscar o casaco.

Bons cinco minutos os que entretanto passaram.

Qualidade de tempo???????????????????

Parou.

Altifalantes. Castelhano. Copos de plástico.

Há quanto tempo estou nisto?

São 11h27. Assinalei 10h41m.

O que sucedeu das 10h41m e às 11h28, agora?

Nada de interessante.

11:30

Please pay attention…diz o speaker.

Que mulher tão disformemente GRANDE.

11:32.

11:33.

11:34.

Vou para outro sítio.

11:56

Minutos divertidos. Fui buscar um carro para a mala. Depois, fui andar nos tapetes rolantes. Espectáculo! Só um grupo de três criaturas me iam estragando a brincadeira. Mas assinalei pesado a minha presença. Um desviou-se e os outros queriam brincadeira. Começaram a andar depressa também. Nada como acelerar. Deram passagem. Chato são os que se deixam ultrapassar e depois ultrapassam. Mas pronto também se divertem.

Vi duas louras espampanantes.

O melhor de tudo foi ver o voo anunciado no ecrã. 3 horas e 45 minutos para a partida. Mas 3 horas e 15 minutos para o embarque. A contar com o facto de que a expectativa de primeira ordem altera a percepção. Estimula-a intrinsecamente.

12:03

Sono. Muito sono. Não dormi nada esta noite.

12:52

Passou-me pela cabeça andar nos tapetes rolantes ao contrário. Mas não tive coragem. Houve muitos mais “cortados”.

Reparei que as pessoas ao fundo do corredor parecem ser mínimas. À medida que se aproximam parecem aumentar de tamanho. Será que quando passam por mim e ficam atrás das minhas costas continuam a aumentar de tamanho? Olho para trás. Não. Diminuem de tamanho. As coisas só têm o mesmo tamanho se não se mexerem.

1:04 pm

Dói-me tudo.

Nada de glorioso nem nobre, nem estético. Nada.

A seca. A seca de uma outra forma de vazio que não a que provoca a sede. A seca total.

2:20 pm

It moved.

2:21 pm

A expectativa altera a apresentação intransitiva do mesmo.

O tédio frita todo o desespero, toda a melancolia. A não ser que seja o tédio a melancolia sem apelo nem agravo.

6:29 hora local. Passaram mais de cinco horas.

21 Fev 2018

A última morada

[dropcap style≠‘circle’]E[/dropcap]u não quis dizer nada, mas achei a cova pequena. Tal como percebemos, a olho, que o espaço entre dois carros não vai ser suficiente para conseguirmos estacionar, a cova, assim que me acerquei dela, pareceu-me estreita para receber o caixão do avô Malaquias. Mas não disse nada. Afinal, tenho a certeza de que não é o primeiro buraco que os coveiros abrem, e não me apetecia de todo encetar conversa sobre um assunto tão melindroso quanto este e poder estar equivocado.

Enquanto o padre dizia as coisas que sói dizer-se nestas ocasiões, eu fazia contas de cabeça. O avô Malaquias tinha à vontade mais de metro e setenta. Um palmo aberto da minha mão tem cerca de vinte centímetros. Tendo em conta de que o caixão não pode ser exactamente do tamanho da criatura que recebe, e dando pelo menos quinze centímetros de desconto para a parte dianteira e para a traseira, cheguei à conclusão que a cova, no mínimo, teria de medir dois metros e dez. Ou, em contas de mão, dez palmos e meio. E por mais que me esforçasse em ver ali dez palmos bem medidos, ficava sempre aquém.

O pouco interesse que poderia ter pelas palavras do padre não sobreviveu a curiosidade que tinha em ver o avô Malaquias, esticadinho e sossegado como nunca o fora em vida, descer para dentro daquela cova sem precisar de flectir os joelhos. As restantes pessoas alheavam-se como podiam: uns compilavam listas de supermercado imaginárias, outros pensavam em como iriam chegar ao final do mês, outros ainda passavam em revista as resoluções de ano novo que haviam sido tão lestamente adoptadas como abandonadas. Ninguém, num funeral, quer estar atento ao que se passa no funeral. A convivência com a morte no outro não é salutar. A não ser por cauterização afectiva decorrente da profissão que se escolheu, a caixa-de-ressonância que é o humano não lida confortavelmente com a presença da morte.

Mal começaram a baixá-lo disse: “não vai caber”. O tio João, normalmente reservado, não se coibiu em corrigir os coveiros: “rapazes, isso vai muito torto”. E ia. Como de facto o caixão era ligeiramente maior do que a cova e não cabia na horizontal, os coveiros (na minha cabeça subitamente tão experientes a abrir buracos como a enchê-los de forma pouco ortodoxa) baixavam a cabeça do avô Malaquias primeiro, fazendo fé de que na diagonal aquele tetris inusitado encontrasse uma solução elegante. O tio João, embora ciente das dificuldades encontradas, estava pouco convencido da bondade da manobra. “Vão dar cabo da cabeça ao homem”, dizia, “pelo menos orientem os pés para baixo”, e os coveiros, ainda assim atentos à civilidade das observações do tio João, lá se esforçaram por inverter a posição do caixão, e o avô Malaquias lá entrou de pés para a cova.

Mesmo assim, e porque a geometria não se compadece do esforço dos homens, o caixão, apesar de inclinado – uma posição que me parecia assaz desconfortável para o tempo que o avô Malaquias ia passar naquele buraco – teimava em não caber totalmente. Uma pequena parte dele ficava de fora, malgrado o esforço dos coveiros em empurrá-lo para baixo. “Não é muito”, dizia um dos presentes; “mas não pode ficar assim”, ripostava outro. “Se cavarem um bocadinho mais no fundo, já não fica com nada de fora”, aconselhava um rapaz, visivelmente orgulhoso pela simplicidade e economia de esforço com as quais pretendia resolver o problema.

Quando voltaram, os coveiros vinham com marretas. À vez, como os trabalhadores dos caminhos-de-ferro enfiando tachas no solo, batiam com as marretas no caixão. “Vão parti-lo”, receava uma velhota. “Eles têm que resolver isto”, confidenciava o meu pai ao meu tio. Aos poucos, a terra cedia e o caixão, às sacudidelas, ia desaparecendo na cova. O tio João, à saída do cemitério, confidenciava-me, visivelmente perturbado: “não devia ter insistido em que o virassem”.

21 Fev 2018

O assentar dos tijolos

CCB, Lisboa, 8 Fevereiro

Convém ouvir, orelha no chão, o pulsar da botânica, que soa hoje como cavalo-de-ferro. Antes entrar sussurrante por este Obra Aberta – que viu o Tónan Quito ser substituído à última hora pelo Miguel Castro Caldas, a pretexto dos clássicos e da Oresteia em cena – a solidão do Sandro William Junqueira acompanhou a minha por estes dias. Quero dizer: habitei os não-lugares comuns de «Quando as Girafas Baixam o Pescoço» (ed. Caminho). No coração do betão que construiu pulsa um sangue de personagens cujo nome resulta ser característica-ferramenta, com que faz e desfaz o entorno, com a qual se auto-desmontam para nos dar a ver o dentro, em bricolage de largo espectro. Parecem pequenos contos, de título pesado, significativo («Um pai atravessado na garganta»), tendo apenas a partilha do síto como fio de ligação. Parecem pequenos contos, mas são pinceladas de uma tela maior e caleidoscópica, de um romance que parece temer sê-lo, que se aproxima do real pelo avesso. Será este o mais estranhamente neorrealista dos romances contemporâneos? As personagens ganham a carne da proximidade e a narrativa enche-se de episódios e momentos, embrulha-se em novelo, ora de lã, ora de arame farpado. A prosa apresenta-se terreno húmido de subtilezas, de observações incandescentes, de atenção à natureza das coisas, à Natureza, de uma poética que nos explode algures (nas mãos?, nos olhos?): «A rosa é um fio de terra que se levanta». O Sandro trouxe o Manoel de Barros, esse «aparelhado para gostar de passarinhos», com interesse em falar da sua Poesia Toda (ed. Caminho) e acabou fazendo dele chave-de-fendas para o seu próprio texto, para o seu olhar sobre as palavras. E a leitura. Sandro calcorreia escolas e bibliotecas e outros lugares, talvez de betão, a dizer das vidas que se ganham e perdem no jogo da leitura. Da planta que se folheia, que se rega, que cresce. Uma inutilidade, sabemo-lo bem: «o que nos fode é a inteligência.» (Quem nos manda aceitar a utilidade para governo das nossas vidas?) Sobra por aqui muita melancolia. No finzinho do conto final, o Velho deita-se no canteiro de arma na mão e diz à laia de tenho dito: «Seja como for, estamos sempre sós./ Já ninguém ouve as rosas.» Não preciso comprar arma, tenho livro. Velho que sou, procuro canteiro.

 

Horta Seca, Lisboa, 11 Fevereiro

Tão pouco nos conhecemos que só posso rasgar aqui lamento. Culpa minha. Falámos de Stuart, longamente, de livros, por causa de bibliotecas, umas feitas, mudadas, vividas, mexidas, outras por fazer. Nunca falámos do José Gomes Ferreira, que iluminou e continua cada uma das minhas infâncias-lego. Perdeu-se inocências na tradução das gerações. Perde-se tanto no não falarmos. Partilhámos amigos, amigos queridos, gostos, batalhas, dores, lugares. Falámos tão pouco, por exemplo de. Arquitectura, sim, talvez possa ser, fio-de-prumo, o primevo contorno no mundo, bater de asas na neve, maceta e escopro na pedra bem escolhida, assentar do tijolo ainda que burro, cálculo do arco, leitura do espaço e aconchego. Não conheço mais humana casa da cultura do que a de Beja, desenhada nos múltiplos cruzamentos da tradição e da engenharia, ao gosto popular e com as visões do pensamento, seios que se amamentam da via láctea. Raul Hestnes Ferreira, discreto escultor do betão, deixou hoje de desenhar.

 

Instituto Industrial, Lisboa, 14 Fevereiro

Livrerso: o Pedro [Proença], aranhiço dos múltiplos sentidos, tem travestido como ninguém a rede em teia. Quantos dias passaram sem que produzisse projecto, exposição, palavra que me escapa, conceito que já foi, além daquele que mais interessa agora: livro no lugar nenhum e todos do em linha? Um dos seres ali nados e criados, John Rindpest (acessível no issuu), ganhou as dimensões do passeável em versão livro expandido e lá fomos ouvir a versão amiga do artista a dissertar acerca do vinil sobre parede, meia dúzia de pontos de não retorno a responder ao eterno Kafka e um mala de couro, chamada «Fuga», pronta a partir («poetry as art as poetry» na  Fundação Portuguesa das Comunicações, em parceria com a Galeria Bessa Pereira, até dia 23). O Pedro mastiga as artes (e o mundo) à velocidade do pensamento, pelo que não será de fácil digestão esta sua arte combinatória. Custa aceitar que o kairos pode acontecer em versão Ikea, pendurada em frases, armadas em inteligentes. «O que nos fode é a inteligência.» A ideia de livro que o Pedro tem abordado em cruzamento de espeleólogo e neurocirurgião merecia o exagero de uma Cordoaria para que também a sua mão talentosa pudesse servir a três dimensões esta visão crítica do universo das artes plásticas, desenvolvesse até ao máximo a contaminação entre texto e imagem, e mais entusiasmante, prolongasse o jogo que cria universos a partir do objecto-livro, respectiva gramática, pensadores ou artesãos.

 

Horta Seca, Lisboa, 15 Fevereiro

«Azul em jaguar turquesa», o Daniel [Lima] apareceu meio de surpresa para me trazer os papéis que resultaram das exposições perdidas por estes olhos que a terra há-de comer. «Figurasavulsas», na biblioteca de Viana [do Castelo], e a de Guimarães, da qual usei nome em abertura de parágrafo. A tarde desfez-se em camadas, planos, figuras, modos de representar na nossa conversa os assuntos. Montaram-se projectos, pedi empurrões em amigos, recolhi informações de nada sobre as experiências vividas a Norte. A visão e o modo de operar do Daniel, de tão literários, perturbam as nossas monotonias, insistem em parar a corrida para que possamos absorver, interpretar, deixar assentar. Na televisiva feérica pele do mundo, as suas composições rasgam um palco no qual o teatro é apenas uma das personagens (o cinema outra), mas tudo cosido pelo desejo de ficção (veja-se nesta página exemplo para «Por Mão Própria», de Luís Carmelo, ed. Abysmo). Nem todas as ilustrações são lanterna, algumas rasgam janelas.

 

Horta Seca, Lisboa, 17 Fevereiro

O Mário [Reis] mãos-de-barro reduziu, assim tornando pessoal e portátil, a banheira termal das Caldas da Rainha, um formato de ressonâncias romanas ou apenas romanescas. Pediu-me texto para inscrição na peça, desconhecendo o fascínio que dedico às águas. O desafio tocou na pele com estilete, suscitando com singular rapidez palavras de pó: «as nuvens pousam na quietude/ sob tal superfície perco corpo/ o banho tomou-me e o navio quedo se vai// verso ou sarcófago?»

 

CCB, Lisboa, 18 Fevereiro

O jeito que me dava acabar assim, na entrada anterior. Contudo, experimentei em palco a Isabel [Abreu] no palco da Oresteia a fazer-se o mais carnal dos insectos, corpo esticado ao limite da plasticina, voz de barro no coro do bom senso (não são todos?), ser transcendido a fio de palavra, a estender-se ao sopro dos elementos, mulher esquecida e amante, mãe assassina por mor de uma dor, mãe vítima de vingança óbvia (não são todas?), carne das trevas no plástico do negro. Actriz, que modo mais visceral há de dizer mulher?

21 Fev 2018

Mau tempo no canil

12/02/2018

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]uma entrevista televisiva vi o Júlio Pomar e o Jorge Palma, lado a lado, divagando sobre a vida e a arte. E às tantas o Jorge Palma fala da criação de uma composição qualquer e abriu-se um fosso entre os dois, advertindo o pintor: «Meu caro, nós não criamos nada, nós recebemos…».
Lendo o Da Cegueira dos Pintores (Documenta, 2014), de Pomar, cujo título armadilha de imediato a hipótese da sua ser uma arte retiniana, compreende-se porquê:
«Dotado de pouca vontade, deixo-me fazer pelo quadro, e sofro frequentemente as exigências das pequenas coisas insidiosas que procuram impor-se a todo o custo.
Deixar fazer, trabalho invisível. Mas a obra, por natureza, dá ao visível o que lhe pertence. Na fruição desse visível, o pôr a nu, tornado utilização, torna-se também ele, obra. Obra que vive da tensão entre o que é conhecido e o que acaba de ser realizado e lhe escapa».
Assim, quando se abandona à lavra da matéria, embora o que seja próprio do pintor seja ver, acontece-lhe que acaba por restituir ao visível mais do que foi perdido – afinal, uma das condições da arte.
O espantoso é que as frases pulsem e se enfeixem neste livro como «uma energia em expansão», dotadas duma clareza, de um ritmo e riqueza imagética superiores à de muitos escritores. No livro demonstra-se que é Júlio Pomar um dos melhores aparos em Portugal, não há nele palavreado mas polpa, sangue, caroço e morfologia, e a ductilidade de espírito do pintor encarna as palavras no fito de as desviar de qualquer talhe frívolo. Exactamente porque o autor se abandonou à “lavra da matéria” (neste caso verbal), a palavra é «um utensílio que faz corpo com ele».
Admira que a dado momento escreva «Quando uma forma nos surpreende como se acabasse de surgir, não é a forma da forma que está na origem desse brilho, é o seu movimento, e este também não saiu, salvo em parte muito pequena, do movimento que é descrito, mas do gesto que acaba de o inscrever», para precisar duas páginas a seguir «Bacon esvazia o acto de pintar, como quem esvazia um peixe ou uma peça de caça. A sua violência amarra-o ao presente, a sua rejeição do narrativo, da discursividade literária, esvazia imediatamente qualquer ilusão de fazer da travessia dos espelhos, uma manobra de diversão»?
Também para Bacon o que importava não era o deleite mas sim o sentido da finalidade, a que ele chamava a bruta realidade dos factos e por isso nele não se interpunha um centímetro entre o que ele era e a sua obra.
Dois pintores que buscam uma imagem verdadeira que não ceda às “heteronomias” do real, a um tal ponto que Pomar cita Picasso: «Se te acontecer fazeres alguma coisa que te agrade logo, apaga».

(13/01/2018)

As democracias apresentam-se de saúde depauperada. Numa época frenética, em que o fb e o twitter substituíram a opinião pública, neste cenário em que já nada se projecta nem se imagina – destituídos de novas configurações (políticas, mitológicas) -, apenas se reage. Ou seja, o espaço vital contrai-se.
Natural que à medida que o homem se sinta acossado, controlado, domesticado, tenda a buscar situações de conflito e a guerra porque esta, intuiu bem Caillois, eclode como uma ruptura dos tabus. A guerra é a face negra da festa, a sua forma sinistra – porém aviva a ilusão de que se dilatou o espaço vital.
Cumpriu-se, de novo, o Carnaval do Brasil. A direita e a esquerda fizeram uma trégua e rebolaram em comunhão as “bundas”. Veja-se: eles não perdem a primeira oportunidade para fazerem uma coisa que lhes agrada. A Veja desta semana chamava-lhe: A Ciência da Felicidade. Ou da avestruz?
Num país de ilícitos e de esquemas, no qual é difícil achar a quem não enodoe a malha da corrupção, o evitamento do conflito aberto será mais prolongado, embora como dura há demasiado tempo a ruptura dos tabus (o Brasil será hoje o exemplo duma sociedade sem vergonha) uma tensão lateje. Qual será a gota de água para uma guerra declarada, a Grande Purga?
Que eu não seja profeta, mas entretanto pode a língua enlouquecer de todo porque os idiomas também apodrecem e enlouquecem quando se instala a disjunção entre a realidade e o que elas denominam.
O peixe já está estripado mas ninguém quer ver o fedor, antes a mentira que tal sorte, ou seja, a língua já começou a enlouquecer. Um famigerado “Bloco Porão do DOPS” – numa referência às salas onde milhares de brasileiros foram torturados durante a ditadura militar – queria sambar celebrando a ditadura e a censura. A justiça é que os travou. E explica-se uma das responsáveis pelo Bloco, Stefanny Papaiano: «A gente reconhece que houve uma repressão, mas a gente não reconhece a ditadura.» Eis a semântica atirada às urtigas.
Um exemplo da loucura instalada é o esquema de cooperação que me contaram esta semana, o qual envolveria artistas plásticos moçambicanos e poetas/escritores brasileiros.
Pediram a um amigo meu que ilustrasse um poema e pagaram-lhe cem dólares. Era o soneto de um amador. Telefonou-me a perguntar quem seria o ilustre poeta. Eu desconhecia, investigámos. Era um poeta ceguinho (ah Homero, tens culpa de tudo!), falecido há um lustro, xadrezista e campeão distrital, e que em anos bissextos escrevia sonetos nado-mortos que lia nas sociedades recreativas da sua rua. Para ilustrar “a sumidade” chamaram um dos melhores artistas moçambicanos.
Faz sentido? Faz se suspeitarmos que o morto não reivindicará a sua parte dos direitos, a qual reverterá para alguém da organização. Pois, incautamente, uma instituição patrocinou o projecto e a sua inexistência de critérios é afinal uma adição irrelevante ao magma de heteronomias em que a cultura naufraga, exactamente porque a palavra já não faz corpo com quem a profere.
Imposturas em flor.

20 Fev 2018

Ponto Preciso

[dropcap style≠‘circle’]H[/dropcap]á um ponto. Não sei se é no tempo no espaço ou em mim e de que maneira. Olho pela janela com a memória do bicho no colo e a cortina invisível adejando subtil e sensível às brisas secretas, é uma inquietação sem limite. Foi talvez um comboio que partiu e agitou o universo. Um pensamento fugaz. Uma lembrança. Ou o peso incerto deste outro bicho. Sempre que me sento, com o bicho pendurado num ramo, penso nele e há talvez uma viagem que não faço. O ponto alto da estimativa dos dias corridos demais a imprecisão, a indecisão nos gestos. Que se geram e interrompem sem sentido nem vontade. O que não tem estimativa possível. O que pára. O que trunca o destino. O que não se estima. O que se estima e mede na falta da autoestima. E das árvores, dessas, não reza a história, ficam para sempre paradas no chão, no respeito pelo sono do bicho bom, branquinho, que já não está, que foi para o céu. Resta o outro, de sempre.

Penso nele como num dos pecados capitais. E não consigo deixar de pensar neste pequeno fragmento de Kant, que há tanto, tanto tempo disse o que continua tão actual: “A preguiça e a cobardia são as causas porque os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio (…) / continuem, no entanto, de boa vontade menores durante toda a vida(…).”.Menores nos passos a cobrir caminho. Menor o caminho. E tanto mundo a fazer… olho para o espelho como se as árvores se vissem ao espelho. Tenho um bicho encavalitado no ramo da esquerda a pesar-me.

Não devia fazer parte da natureza humana, contornar os assuntos difíceis da psique. Tendo uma só oportunidade de lidar com a vida nas suas complexidades, tenho a ilusão de que se avança com mais descanso olhando de frente, espreitando-lhe os cantos antes de dormir, e atrás das portas, e com ela nas pontas dos dedos, nas palmas das mãos. Como folhas a recolher em grandes haustos o ar necessário e a expelir delicadamente o que sobra. Enfim. Esta proliferação de bichos a circular pela casa para que nem tudo se encerre nos eternos e nunca silenciados diálogos interiores que se desenrolam nestes corredores dia após dia após dia e após. Bichos domésticos e monstros fantasmagóricos a subir pelas paredes. Coisas domésticas, como o nome indica e íntimas de portas a dentro, a distrair uma unidade consistente e solitária que não gosta de se ver ao espelho. Nem seria preciso. Sentem-se por aí como um peso, uma obrigação a cuidar. A esconder das visitas não vão morder ou afiar as garras onde não devem. Da preguiça, esse bicho que cuidadosamente cuidamos na nossa casa, no colo, no ombro e na cama, com aquele sentimento misto de rejeição e inevitabilidade. De quase afecto. Porque nos acompanha e protege. Da destruição, de nós mesmos, talvez. Ou desamor, porque nos protege de voar. Com as dificuldades técnicas em que a alma emperra de súbito. Aquele peso no ombro esquerdo, que deixa mesmo assim liberdade ao outro braço. Ramo. Como um saco de dúvidas, que ultrapassam a margem do conforto doméstico em que convivemos, vivemos e fazemos viver, esse animal manso, profundamente íntimo e caseiro, pequeno no porte mas denso de presença e pleno de interrogações. Como uma marca profundamente gravada na pele por garras que foram concebidas, no acto de criação do mundo, para outros efeitos.

Bicho peludo e pacato, entre os cinzas e umas texturas riscadas a confundir com os galhos onde vive bem alto. Longe de terra e escondido do céu. Bem longe de tudo afinal. A dormir catorze horas por dia. Que sorte a do bicho. De metabolismo lento e pouca actividade. Há subespécies de dois e três dedos. Não sei agora, assim de repente, qual é que exprime a aversão ao trabalho. A mais conhecida, vinda como as outras das matas e florestas da américa central ou do sul, assombrar um mundo inteiro. Não é essa a que me importa. Que viva com as pessoas que não gostam do que fazem. É aquela outra. Num ramo diferente na evolução da espécie, mas aparentada, insegura e tendo como ramificação, um outro bicho, em tudo semelhante à preguiça comum. O mesmo pêlo a confundir-se com a casca das árvores, a mesma inactividade estrutural, a mesma lentidão e inocência. Camuflada de contornos inseguros, meio desfocada entre papel e estatuto, vocação teatral, sempre escondida atrás da sua personagem. A que vive por aqui e se dedica ao teatro fervorosamente. A um teatro de que é preciso descobrir segredos camarins e bastidores. Destapar frascos de maquilhagem, cheirar os cremes e perfumes e tocar os trajes de cena. Os limites. Que aparece sempre mal disfarçada da sua personagem preguiça favorita. A insegurança. Em todas as peças, uma, fundamental a desempenhar a preguiça. Essencial como um ponto. Ali para lembrar o esquecimento súbito. E tem todos os sinais de entender bem por dentro o que a move em cena.

Vem disfarçada de sono, de cansaço, insegurança, indecisão. Não – espera – quem é quem, afinal? Quem é quem o bicho actor e quem é quem a personagem bicho. Não confundir as coisas e trocar o mestre pelo aprendiz. Pobre personagem bicho. Não caça, não faz mal a ninguém. Não tem alma de predador. Trepa à árvore e ali fica pendurada num braço esperando que este não se me mova ao vento, nem este a disfarçada pelagem que cresce em contracorrente no ruído das folhas e texturas do corpo. Da árvore. Num todo vegetal de aparência. Mas enquanto dorme custa à arvore deixar-se levar a dançar com as correntes de aragem mansa para não lhe incomodar o sono o silêncio o modo. Como um gato no colo. Se fosse pessoa. Mas árvore em que se dependura no ombro e no desconforto de o não poder fazer de costas viradas para baixo. Olho-a e sinto-lhe o peso no ombro esquerdo e, por respeito ao sono do bicho, estendo o ramo para lhe dar espaço e sinto-o acomodar-se dependurado como é seu hábito, mais pesado ainda, mas confortável nesta posição. Confortável para ele. Para mim, não. E ali fico de bicho encavalitado no ramo em riscos de se partir, e a avaliar-lhe as qualidades e razões. Porque veio. Porque habita comigo há tantos anos se tantas vezes não o deixo dormir a horas. A espiar a mansidão do bicho, a lentidão da vida. Não porque queira – pobre animal – mas porque a biologia o fez lento das células e mecanismos fabris para dentro. O criou vagaroso no metabolismo. Tão lento em tudo, porque tudo lhe requer uma reserva extra de energia para viver. Somente isso. E que precisa de poupar não se dando a muitos esforços.

Mesmo as necessidades fisiológicas de limpeza, uma só vez na semana. Uma só. Descendo da árvore e ali mesmo aos pés desta. Alimentando-a com os próprios nutrientes das matérias que desta ingeriu. Diz a enciclopédia. Ali em baixo para não ir mais longe. A contornar a linha circular da sua existência sedentária em circuito fechado. Um ciclo que se alimenta a si próprio. Circular. Bicho preguiça a alimentar-se da árvore em que habita uma vida inteira, e a alimentar as defesas da vida face a si própria. A defender o que o defende. A economizar energia vital. Então porque veio? Por isso mesmo. Para defender de cada batalha incontornável escondida em cada esquina incontornável sem ela. De cada decisão difícil e que se teme congenitamente poder abalar toda a árvore. De cada confronto e avaliação a que cada troço da floresta traz ou leva e no qual incorpora todo o saber, todas as possibilidades de equação, de questão, de interrogação. De validade, dúvida, qualidade. Um esforço imenso em que tudo se pode perder, de si, do caminho, do sentido, da orientação. Dúvidas. Esse animal de que falei. Insegurança de seu nome secreto. Sempre disfarçado em trajes de carnaval no teatro da vida, da vida de uma árvore. Com o bicho encavalitado num braço. Lá bem em cima. Longe do chão e escondido do céu pela folhagem. Longe do olhar, longe do coração. De predadores.

De aparência inocente. Mas aquela atitude dúbia de certas pessoas que nos entram pela vida adentro e não sabemos bem se nos fazem bem ou mal. Um bicho de pelo sedosos e quente. Que nos impede de levantar de uma cadeira para não o fazer despertar e desmoronar em questões. Quezilentas e difíceis questões que temos naquele nível subliminar, em cada patamar de escada a subir. Mas sempre à espreita. Ou que temos sempre na frente mas a que podemos voltar a cara como sem reparar. Há pessoas que têm livros completos possíveis e caminhos. Só de voltar o olhar para si e teclar um pouco. Músicas sem retorno. As do fazer. Desperdício de melodias por tocar. Temor do embate face a uma face que vinda a lume se revela com qualidades e defeitos. E um olhar que vêm muitos, e às vezes poucas. Mas o bicho doméstico não gosta de ver a casa desarrumada com outras presenças desconfortáveis, ruído nítido e diálogos imprescindíveis quando se tem visitas. Bicho ciumento da etérea atmosfera da casa arrumada, que tudo permite imaginar, mas nunca avança para fora dessa cortina de porvir e possibilidade. Satisfaz-se assim. Sem visitas indesejadas. Inconformismos, trabalhos difíceis. Coisas que obrigam a pensar. Que ficam serenamente mentirosamente adiadas para um dia mais tarde. Só um dia. Logo ali. E que às vezes nunca chega. Mas que fazer se temos que amar o que temos. O que nos protege. E uma casa feita de discussões e fantasias é uma batalha contínua numa guerra nunca vencida. É uma forma, a sua forma de armazenar, preservar energia por longos períodos. E como sempre na coabitação, passa a ver-se a vida com dois pares de olhos. E os deste animal a colorir de inevitabilidade a luminosidade de alguns sonhos. O que é o sonho, um conjunto de possibilidades remotas ambições uma térmica memória em desejo, mas que previamente se antevê como remota fantasmagórica pretensão a excluir do mundo dos vivos. Na alma pequenina do animal. A preguiça. Bicho felpudo que se instala no ombro esquerdo. De pêlo macio e quente. Ao qual se encosta carinhosamente o rosto, em sereno e triste desalento, a fazê-lo sentir-se bem.

Esse – outro – bicho encavalitado no galho ressequido da direita sempre em riscos de se quebrar. São dois ou a dissociação vítima da desfocagem que os separa meio tremidos em dois. Dois que são personagem e actor. E a sobrepor-se rapidamente e no mesmo movimento em que voltam a dissociar, e a coincidir e a separar, e a confundir. Se. E são duas e já uma só e de novo. Nunca estática, em estonteante movimento de… pára. Pára tudo. Um estonteante e alternado estado de dupla imagem ou de imagem desfocada e tremida nos limites, e por aí fora num caleidoscópio linear como carris de uma câmara de cinema, sintético cansativo e desesperante. Ou já um vinho a mais, a fazer efeito. E quanto fica por habitar, por experimentar por desvendar, por descobrir por representar e escrever e tentar e falhar. E falhar melhor. Sabe-se. Como se se soubesse. O ponto preciso. Onde colocar o dedo e doer. Digo. Digo num daqueles meus diálogos interiores. Senta-te. Vê como somos ao espelho. Dizem que dorme catorze horas sem se cansar. Não sei. A minha, não. Passa muitas das horas que lhe sobram ao sono, de alma túrgida de ideias e emoções e definições para dali a pouco. Muito pouco. Já ali. No ponto preciso. Em que lhe perco um pouco a amizade e a espanto. Aquela espécie de distracção mágica e inesperada. Aquele ponto de que preciso. Definido, preciso e precioso.

20 Fev 2018

A Sul de nenhum Norte

Almodôvar, 6 Fevereiro 2018

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m habitual mastigação de projectos, atravesso o Alentejo com o Bruno [Portela], riscando o frio que mal se nota com um sol olímpico como só por aqui acontece, definindo o contorno de cada folha nos ramos, despertando a orquestra de cores, erguendo-se cenário para o fausto da terra. As más notícias parecem sinos a ressoar por mais tempo em dias destes, dos que fazem sentir o vento do juízo nos ossos. Saciada a fome com pão, azeitonas mal talhadas e outros frutos do lugar cumprimos a função nem sei se bem ou mal. Sabia-o de outras viagens, mas o Rui Cortes disse-mo com livro, parte de exposição vagabunda, agora no Museu Regional de Beja: a mais antiga escrita da Hispânia riscou a pedra neste Sudoeste há 2550 anos para esconjurar a morte. «Escrita no Baixo Alentejo – das origens aos nossos dias» apresenta o lavrar do caracter nos mais distintos suportes, xisto, mármore, cobre, pergaminho, papel, ecrã, fixando assuntos de administração, de direito, um pouco de vida, além da morte omnipresente. Brilha a grande altura a Estela do Guerreiro, oriunda de uma necrópole da Idade do Ferro, ma qual um homem em armas se mostra encerrado em quadrado de signos. Mantém-se fechada em enigma a escrita tartéssica, ao contrário das notas de Fialho de Almeida correndo linhas de agenda para médicos, na página que sugere píxides de caoutchouc endurecido para pulverizações à garganta. Ou do latim da lápide, de 663 d.C. que chora em mármore o passamento de uma «flor rara que mal fizera quinze anos»: «Aproximai-vos vós todos, igualmente lamentai comigo, porque morrer não é coisa nova! Chorai comigo todos quantos a causa da dor e a aflição da morte profundamente atingem!»

Mymosa, 8 Fevereiro 2018

Anseio, é sabido, por vida de gato, passear em dorso insinuante a enorme vantagem de apenas ser, com pelo e garras e susto e curiosidade. Respiro projectos, demasiados não ganharão corpo fora da nuvem que rego à grande távola dos encontros. Antes assim, a carne do real perde sempre um degrau na subida que imaginamos juntos. Uma nuvem-gato, fixo agora mesmo a figura do meu poder vir a querer ser. Falhado que foi o astronauta. Apesar da sombra de um desencontro maior, os dias da miséria não deixam de me oferecer encontros, que me enchem as mãos de raro. Rui [Cascais], já nos tínhamos sentado à mesa do tempo com tempo? Personagem de muita aventura por escrever, que não por contar, o Rui deposita-me, após viagem aos orientes e às etimologias, às traduções e aos corpos, às temperaturas e às interpretações, ao verbo ser nas múltiplas cores da geografia, deposita-me, na única forma bancária do termo que me interessa: nas mãos, o seu livro. Flâneur das línguas, em «Returning Home Dirty With The Light» (ed. COD, portanto, macaense) o Rui recolhe poemas em língua inglesa e portuguesa, estes mais enraizados no músculo do pensamento, os outros na observação dos movimentos do quotidiano ( …Could it all be about this/drop of sweat picking up… ), como copas de árvores ao vento, unidos todos, línguas e versos, na estrelar inscrição de estelas. O livro desfaz-se pérola a cada releitura, e regresso a casa sujo de luz. Pérolas de Não Saber: «De onde vem esta carne, que desconhecemos mal/ entre rápidos bons-dias? Como trazê-la para a mesa/ ou mostrar-lhe pela primeira vez lençóis brancos?/ Na noite, pedimos à carne que fale connosco/ enquanto a morte a cozinha sobre ossos e/ experimentamos com a consciência/ (a câmara em circuito fechado)/ o seu crescimento, o mistério das nascentes/ a sua queda. / Que privilégio este encontro. Como remunerá-lo/ encher suas mãos de raro?»

Horta Seca, 9 Fevereiro 2018

Um fio, isso nos liga, pouco mais nos sustenta. Os últimos anos, e no que ao estado cabia, riscaram no território inúmeras redes, as que nos sustentam, na única forma económica do termo que me interessa: bibliotecas, museus. A Câmara de Famalicão desfiar a sociedade civil a inventar maneiras de gastar bem orçamentos participativos. O olhar estratégico do António [Gonçalves] convidou-nos a convidar ilustradores que abrissem montras nas paredes dos lugares de memória da cidade. O livro que editámos, desenvolvido pela Cristina Lamego, logo se fez eixo colorido, de modo a fazer rodar ideias e potencialidades e reflexões e o mais que possa ainda vir a ser. Na contracapa, a mão da Bárbara R. puxa o fio que mexe, sem querer, com o íntimo dos que procuram, sem descanso, ligações. E a exposição extraída de «Ligados em Rede» visita por instantes Lisboa, que a vai ignorar com a devida sobranceria. Nada aqui excita os jornalismos, não possui sexydade suficiente, não verte sangue, a não ser o deste pulsar de olhares sobre património que, embora a Norte, pertence à comunidade rectangular. Ou assim não será com a Guerra Colonial, o automóvel, o surrealismo ou Camilo Castelo Branco? O André [Carrilho], com o seu fulgor habitual, fez do cachecol do escritor um esvoaçante palimpsesto, fio que nos agasalha. Um museu não tem que ser frigorífico, pode bem produzir máquinas de desejo, como as inventadas pela Marta [Madureira] (nesta página). Sociedade incapaz de criar e de preservar o criado acabará estéril. Um museu dá tesão. Imagem se ligados à corrente, em rede…

Barraca, 9 Fevereiro 2018

As circunstâncias são seres indomáveis. Para o autor, o editor tem, ainda assim, a obrigação de fazer o contorcionista operar, o cirurgião correr, o leão voar e a cobra contar. Não consegui nem metade para «Ninguém Sabe Onde Está», do Luís [Maio], livro de que gosto tanto por ser a bagagem sobrante das suas viagens, posta em prosa apuradíssima, inteligente, perfumada e riquíssima de detalhe. Faz-se ainda, belo ensaio sobre a literatura de viagens, esse ramo mastigado pela «exigência de instruir o leitor de malas aviadas e a sedução do passageiro dos sonhos». Fomos lançá-lo a Óbidos, no novel festival Latitudes, em sessão na qual os turistas nos atravessavam como projecções holográficas. A distribuidora começou então a falhar ainda mais e a bela capa do Rui [Garrido] não brilhava com a intensidade devida nas livrarias. As leituras supostamente críticas ignoraram o veterano do bom jornalismo e nem as revistas onde colabora habitualmente lhe deram a esmola de uma atenção. E nisto andámos até este tardio atiramento que se quis festa. Dançou-se, claro, logo depois do Jorge Lima Alves anunciar o que estas (quase) canções do Luís entoam: «viajar é ler o mundo e prestar tanta atenção aos outros como a nós próprios, o que nem sempre acontece no nosso dia-a-dia. Confessional, autobiográfico, o livro está-se nas tintas para a linearidade cronológica, preferindo transportar-nos através de múltiplos territórios e emoções, num encadeamento fluido de associações de temas muito caros ao seu autor. (…) Nem toda a gente tem um ponto de vista singular. Aliás, muito poucos o têm. Uma das qualidades do Luís, a par da sua insaciável curiosidade, é o facto de ter um ponto de vista que é só seu. Dele podemos dizer, com propriedade, que vê mundo como mais ninguém.» O resultado deste seu Para Cá e Para Lá não merecia perder-se, a não ser, talvez, nas idas e voltas daquele que toca o mundo com os pés: «Para lá metade das conversas são invenções e exageros. Para cá é (quase) tudo verdade. Para lá decido que quando voltar hei-de mudar de vida e talvez mudar o mundo. Para cá faço figas para voltar a encontrar tudo na mesma.”

14 Fev 2018

Poesia de Georg Trakl

A musa da noite

 

[dropcap style≠’circle’]À[/dropcap] janela, em flores, regressam as sombras do campanário

E do ouro. A testa quente abrasa em repouso e silêncio.

Do ramo do castanheiro, uma fonte cai na escuridão-

E então tu sentes: É bom!, no esgotamento doloroso.

 

O mercado está vazio de fruta de verão e de grinaldas.

Em uníssono concorda a pompa negra dos portões.

Num jardim, ecoam os sons de um suave jogo,

onde amigos se encontram depois de uma refeição.

 

Os contos do mágico branco escuta com enlevo a alma.

Em redor, escuta-se o barulho do vento no trigo que o ceifeiro colheu à tarde.

Paciente calam-se duras as vidas em cabanas;

ilumina o suave sono das vacas a lanterna do estábulo.

 

Inebriadas pelos ares logo cerram as pálpebras

E abrem-se, sem barulho, para os sinais estranhos das estrelas.

Endimião emerge da escuridão entre carvalhos velhos

E curva-se sobre a tristeza profunda da águas.

 

Abendmuse[1]

 

Ans Blumenfenster wieder kehrt des Kirchturms Schatten

Und Goldnes. Die heiße Stirn verglüht in Ruh und Schweigen.

Ein Brunnen fällt im Dunkel von Kastanienzweigen –

Da fühlst du: es ist gut! in schmerzlichem Ermatten.

 

Der Markt ist leer von Sommerfrüchten und Gewinden.

Einträchtig stimmt der Tore schwärzliches Gepränge.

In einem Garten tönen sanften Spieles Klänge,

Wo Freunde nach dem Mahle sich zusammenfinden.

 

Des weißen Magiers Märchen lauscht die Seele gerne.

Rund saust das Korn, das Mäher nachmittags geschnitten.

Geduldig schweigt das harte Leben in den Hütten;

Der Kühe linden Schlaf bescheint die Stallaterne.

 

Von Lüften trunken sinken balde ein die Lider

Und öffnen leise sich zu fremden Sternenzeichen.

Endymion taucht aus dem Dunkel alter Eichen

Und beugt sich über trauervolle Wasser nieder.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 18.

 

Gospel

 

Sinais, um raro bordado,

Pinta um ondulante canteiro de flores.

Sopra a brisa dourada de Deus

Para dentro da sala no jardim

Serena.

Ergue-se uma cruz na vinha selvagem.

 

Escuta na aldeia como tantos se alegram,

O jardineiro apara a relva junto ao muro.

Suave o órgão soa.

Mistura som e aparição dourada,

Som e aparição.

O amor abençoa o pão e o vinho.

 

Meninas pequeninas entram também,

E, por fim, o galo canta.

Devagar abre-se uma cerca podre.

E nas coroas de rosas e fileiras,

Nas fileiras de rosas,

Descansa Maria, branca e fina.

 

O mendigo, ali na pedra antiga,

Parece ter morrido em oração.

Suave desce a colina o pastor,

E um anjo canta no bosque,

Próximo do bosque,

Onde crianças adormecem.

 

Geistliches Lied[1]

 

Zeichen, seltne Stickerein

Malt ein flatternd Blumenbeet.

Gottes blauer Odem weht

In den Gartensaal herein,

Heiter ein.

Ragt ein Kreuz im wilden Wein.

Hör’ im Dorf sich viele freun,

Gärtner an der Mauer mäht,

Leise eine Orgel geht,

Mischet Klang und goldenen Schein,

Klang und Schein.

Liebe segnet Brot und Wein.

Mädchen kommen auch herein

Und der Hahn zum letzten kräht.

Sacht ein morsches Gitter geht

Und in Rosen Kranz und Reihn,

Rosenreihn

Ruht Maria weiß und fein.

Bettler dort am alten Stein

Scheint verstorben im Gebet,

Sanft ein Hirt vom Hügel geht

Und ein Engel singt im Hain,

Nah im Hain

Kinder in den Schlaf hinein.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 19.

No outono
Im Herbst

Os girassóis luzem junto à cerca,

Em silêncio, doentes sentam-se ao sol.

No campo, afadigam-se mulheres cantando.

Os sinos dobram no mosteiro.

 

As aves contam-te lendas distantes.

Os sinos dobram no mosteiro.

Do pátio, ouvem-se suaves os violinos.

Hoje, pisam o vinho castanho.

 

O homem mostra-se contente e terno.

Hoje, pisam o vinho castanho.

De par em par, abertos estão os jazigos

E bem pintados a raios de sol.

 

IM HERBST[1]

 

Die Sonnenblumen leuchten am Zaun,

Still sitzen Kranke im Sonnenschein.

Im Acker mühn sich singend die Frau’n,

Die Klosterglocken läuten darein.

 

Die Vögel sagen dir ferne Mär’,

Die Klosterglocken läuten darein.

Vom Hof tönt sanft die Geige her.

Heut keltern sie den braunen Wein.

 

Da zeigt der Mensch sich froh und lind.

Heut keltern sie den braunen Wein.

Weit offen die Totenkammern sind

Und schön bemalt vom Sonnenschein.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 20.

 

Sonho do mau
1ª versão

 

Desvanecendo os sons castanho dourados de um gongo –

Um amante acorda em quartos negros,

A cara junto às chamas que cintilam na janela

Na tempestade reluzem velas, mastros, cordas.

 

Um monge, uma mulher grávida ali na multidão.

Tinem guitarras, batas vermelhas cintilam.

Castanheiros sufocados no esplendor dourado definham;

Negra sobressai a pompa triste das igrejas.

 

Através de máscaras brancas olha o espírito do mal.

Uma praça, ao crepúsculo, horrível e lúgubre;

Ao anoitecer, agitam-se, nas ilhas, sussurros.

 

Do voo das aves os sinais confusos lêm

Leprosos, que, de noite, talvez, apodreçam.

No parque, os irmãos, tremendo, olham um para o outro.

 

Traum des Bösen

  1. Fassung[1]

 

Verhallend eines Gongs braungoldne Klänge –

Ein Liebender erwacht in schwarzen Zimmern

Die Wang’ an Flammen, die im Fenster flimmern.

Am Strome blitzen Segel, Masten, Stränge.

Ein Mönch, ein schwangres Weib dort im Gedränge.

Guitarren klimpern, rote Kittel schimmern.

Kastanien schwül in goldnem Glanz verkümmern;

Schwarz ragt der Kirchen trauriges Gepränge.

Aus bleichen Masken schaut der Geist des Bösen.

Ein Platz verdämmert grauenvoll und düster;

Am Abend regt auf Inseln sich Geflüster.

Des Vogelfluges wirre Zeichen lesen

Aussätzige, die zur Nacht vielleicht verwesen.

Im Park erblicken zitternd sich Geschwister.

 

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 18-19.

 

14 Fev 2018

Heráclito responde a Parménides

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] pensamento ontológico de Parménides mostra-nos a radical diferença entre a verdade e a opinião. A primeira alcança-se através do espírito, da consciência, e a segunda através dos sentidos. Por outro lado, o ser é uno, indivisível, imóvel, verdadeiro, ao passo que as coisas advindas dos sentidos são múltiplas e sempre numa relação com outras coisas. Parménides descobriu as coisas como entes, como algo que é; e, em consequência disso, teve de atribuir ao ente uma série de predicados que são contraditórios. E isto apresentava um problema.

Reveja-se o exemplo clássico da vara nas águas do rio: a vara introduzida na água dobra, segundo a vista, segundo os sentidos, embora na realidade continue recta. Por conseguinte, fica-se perante uma situação embaraçosa, em que temos de dizer que há o ser e o há não-ser.  Ainda que ele dissesse que esta era a via da opinião, que segundo os sentidos os entes poderiam ser e não-ser, acrescentando que só a via da verdade, da razão pode dizer o real, a verdade é que estávamos diante de um problema. A multiplicidade, que é onde os corpos vivem, que é onde a nossa vida acontece, está condenada a uma infinita aparência, uma infinita falsidade. O mesmo problema acontece com o movimento.

O ser é imóvel, todos os entes na sua essência, isto é, todos os entes na sua verdade não mudam, aquilo que é, é de modo permanente. Parménides parecia ter aberto a porta para o interior das coisas, para o interior da essências das coisas, mas fora impotente para resolver a relação entre a essência das coisas e o modo como elas nos aparecem. No fundo, incapaz de ligar o mundo do que é verdadeiro, essencial, e o mundo onde nos movemos, o mundo das aparências. Será Heráclito que, primeiramente, irá tentar resolver esta aporia em que Parménides caíra.

Vejamos então como Heráclito pensava. Heráclito nasceu em Éfeso, na Ásia menor, foi chamado a governar a cidade, mas não aceitou o cargo, de modo a poder dedicar-se por inteiro à filosofia. Xenófanes, Parménides e Heráclito eram contemporâneos, mas o primeiro era o mais velho de todos e o último o mais novo. Heráclito conhecia bem o pensamento de Parménides. Heráclito desprezava a multidão e condenava os cultos e ritos da religião popular. Os gregos deram-lhe o cognome de “o Obscuro”. Diz-se do oráculo de Delfos, que não manifesta, nem oculta o seu pensamento, indicando-o apenas por sinais, e isto poder-se-ia aplicar ao pensamento de Heráclito.

Como grande conhecedor de Parménides, Heráclito identificara bem o problema da via da opinião e irá fundar o seu pensamento ontológico ou metafísico num conceito a que dará o nome, que importámos do latim Devenire, para o português Devir. Mas o conceito usado em grego por Heráclito é menos abstracto: panta rhei, tudo flui. Tudo flui, isto é, fluência é o conceito chave do filósofo de Éfeso.

Veja-se alguns fragmentos de Heráclito:

“Para aquele que entra no rio, é sempre outra e outra a água que flui.”

“Tudo o que está a ser, move-se, nada permanece parado.”

“Tudo muda, nada permanece igual”

“Não se pode pisar duas vezes as águas do rio.”

“A um mesmo tempo, pisamos e não pisamos o mesmo rio; somos e não somos.”

Heráclito parece fazer dos sentidos o centro do seu pensamento, pois afirma repetidamente a impossibilidade da permanência e do não movimento do ser; afirma ainda que nós somos e não somos, ao mesmo tempo. Tudo é e não é, a um mesmo tempo, tudo é fluência. Estamos perante uma inversão completa do pensamento de Parménides. Mas para além da fluência, há mais dois conceitos fundamentais no pensamento de Heráclito: polemos (guerra) e logos (sentido). Afirma também que o fogo é o elemento primordial. Por conseguinte, dirá: “O mundo é um fogo sempre vivo; partes desse fogo são sempre extintas para formar as duas outras principais massas do mundo, o mar e a terra. As mudanças entre o fogo, o mar e a terra equilibram-se mutuamente; o fogo puro, ou etéreo, tem capacidade directiva.” (…) “Esta ordem do mundo, não a criou nenhum dos deuses, nem dos homens, mas sempre foi e é e será: um fogo sempre vivo, que se acende com medida e com medida se apaga.”

A esta noção de medida viremos mais tarde, quando tratarmos do logos, vejamos agora como se acende e apaga o mundo, isto é, como se explica o movimento, que não existia para Parménides, se não como ilusão. Heráclito explica o movimento através da discórdia ou guerra, cuja palavra em grego épolemos. Chega mesmo a dizer que a guerra é a dikê, isto é, o caminho certo, a justiça. Esta guerra outra coisa não é senão a expressão da luta de contrários, existente em tudo o que é. A mudança do mundo é uma guerra. O mundo, tudo o que é, tudo o que há, está em constante guerra. A mudança é uma guerra. As coisas a mudarem é a face da guerra, da guerra a acontecer, não só no interior de todas as coisas, mas na própria essência de todas as coisas. Ser é ser em mudança. Dirá mais tarde Camões, “todo o mundo é composto de mudança / tomando sempre novas qualidades”. Poderíamos substituir mundo por ser, em Camões, que as contas batiam certas. Este poema de Camões, provavelmente o poema mais heracliteano que conheço, expressa bem a consciência da mudança, que tudo governa, como dizia Heráclito. Veja-se o poema de Camões, antes de avançarmos para uma análise do sentido da fluência em Heráclito.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança:

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

 

Continuamente vemos novidades,

Diferentes em tudo da esperança:

Do mal ficam as mágoas na lembrança,

E do bem (se algum houve) as saudades.

 

O tempo cobre o chão de verde manto,

Que já coberto foi de neve fria,

E em mim converte em choro o doce canto.

 

E afora este mudar-se cada dia,

Outra mudança faz de mor espanto,

Que não se muda já como soía.

 

Mas vejamos a mudança em Camões à luz da guerra em Heráclito, pois no fundo não é outra coisa o que Camões canta. Assim, quando cada um de nós engorda, envelhece, fica careca, ou definha, tudo não passa de expressões da guerra que acontece em nós mesmos, a guerra a destruir-nos e a construir-nos, a mudar-nos. Quando nos tornamos mais inteligentes ou mais experientes, é a guerra, que aconteceu, que nos transformou. Quando tudo deixa de ser o que é para ser uma outra coisa, é a guerra ou, se preferirem, a discórdia a acontecer ou o resultado da mesma, o já ter acontecido.

Nada pode ser permanente, se tudo está em mudança. Por conseguinte, tal como nós, que somos e não somos, também tudo o que é, é e não é. Ser e não ser, ao mesmo tempo, é a dikê, a justiça, o caminho recto de tudo o que há. Para termos uma noção mais precisa de sermos e não sermos ao mesmo tempo, basta mostrar um foto nossa, quando éramos criança, a uma criança. Ela não consegue entender, não consegue ver que nós fomos aqueles que estamos agora a mostrar como tendo sido. Para a criança nós somos o que somos e não o que não somos, que é o tempo de criança. Na verdade, esta experiência de mostrar uma foto nossa de criança, a uma criança, mostra claramente que somos e não somos ao mesmo tempo. Nós somos aqui e agora a mostrar a foto, mas também não somos aqui e agora naquele que fomos. A criança não consegue entender esse não ser, a criança não entende que não somos, pois é isso mesmo que o nosso passado é para a criança; passado, esse, sem o qual nós não seríamos aqui e agora.

Ainda ontem, uma jovem mulher que cresceu comigo como se fosse minha filha, ao longo de quase dez anos, escrevia-me acerca do fim de semana dela, em família, aquela que também foi um dia a minha, dizendo: “Como é engraçado ver o quanto as coisas mudam. E o quanto elas não mudam também.” Esta condição, esta tomada de consciência levada a cabo por essa jovem, bem poderia ter sido um fragmento de Heráclito: tudo muda, mas nada muda também; embora neste não mudar haja mudança. É uma complexa dialéctica, onde Heráclito tenta dar conta do que nos acontece. Mas o mesmo acontece com a natureza. Veja-se o caso da borboleta. Ela é e não é. Quem ao olhar uma borboleta, sem que o saiba, consegue imaginar o casulo e a larva que ela também é? Tudo está em constante mutação, em constante mudança.

E, contrariamente a Parménides, que reconhecia a existência de tudo isto, mas remetia tudo para a doxa, a opinião, a via da falsidade, pois todo este falso conhecimento chegava-nos através dos sentidos, que não são de fiar, Heráclito vai dizer antes que esta é que é a via da verdade, esta é que é a verdade do mundo, a verdade de tudo o que é. Tudo muda, tudo flui, tudo está numa contínua guerra. Mas, contrariamente ao que se possa pensar, não se trata de afirmar os sentidos acima do nous, do espírito, da consciência. Não é através dos sentidos que acedemos à guerra que acontece no mundo, a cada momento e em todo o lado, mas através do logos.

O Logos, que podemos traduzir por sentido, embora seja comummente traduzido por palavra ou discurso, é aquilo que faz com que se entenda o que se entende. Aqui, tanto Parménides quanto Heráclito concordam, o ser do homem reside na palavra, isto é, na compreensão daquilo que é a sua situação no mundo. Em Heráclito, a palavra pode nem ser a palavra em sentido literal, isto é, a palavra escrita, a palavra falada, mas uma consciência particular, uma linguagem outra, mas que de algum modo entre em contacto com outros. Parménides pretende que a compreensão dessa situação seja toda ela espiritual, da razão, ao passo que Heráclito pretende que o sentido da situação do homem seja compreendido na mente e no tempo, isto é, na situação particular do homem de saber que tem de cuidar de si mesmo.

Em Heráclito logos é simultaneamente palavra (discurso, como em todos os gregos), proporção e sentido. Mas o que entendemos por sentido? Usualmente, quando alguém faz uso da palavra, sentido quer dizer que algo é inteligível, isto é, que algo está a acontecer de tal modo que ele o consegue compreender. Aqui, sentido diz tão somente que alguém está a compreender o que se passa; aquilo que lhe está a ser dito, aquilo que está a ver, ou aquilo que está a pensar. Um texto em ideogramas chineses é incompreensível para a grande maioria dos ocidentais, esse texto não fará para nós qualquer sentido, assim como para a maioria das pessoas o verem uma fotografia da configuração electrónica de um átomo. De facto todos nós estamos a ver, mas o que vimos não nos é compreensível, não produz sentido. Mas sentido quer também dizer direcção, isto é, o caminho ou o percurso que se toma.

Quando alguém, junto ao Largo de Camões, me pergunta onde é que fica o Teatro São Luís, eu indico-lhe (mostro-lhe) o sentido que ele quer: “O senhor segue sempre em frente, sempre por esta rua…” Em suma, eu dou-lhe a direcção, dou-lhe o sentido que ele procura. Por outro lado, ele ao não saber o sentido (direcção) que deveria tomar para chegar ao teatro São Luís, está deposto numa não inteligibilidade do caminho, isto é, ele não compreende a rua que tem diante dos olhos. Aquilo que para mim e para vós é mais do que evidente – ou seja, quando queremos ir ao teatro São Luís nem sequer pensamos nisso, quer dizer, não precisamos de nos pôr a pensar “ora, o que é que tenho que fazer para ir ao teatro São Luís?”, ou “e ainda fica longe?” –, para aquele senhor que me interpela pode ser tudo evidente, tudo menos isso. Porque aquilo que faz sentido é aquilo que sabemos.

Este saber não é algo de erudito ou teórico, é algo que faz parte da vida a cada momento, como por exemplo cortar o pão ou saber a direcção do que se procura. E aquele que pergunta já sabe alguma coisa, pois por isso pergunta. A pergunta é um modo de saber em estado de nevoeiro, que no fundo é o nosso estado em relação à nossa vida. Mas quando alguém pergunta pelo teatro São Luís, ele sabe várias coisas: o que é um teatro, que ele fica em Lisboa, que fica próximo do Largo de Camões, onde ele pergunta pela direcção, etc.. Ele sabe várias coisas, mas não por aquilo que pergunta, não sabe como lá chegar. A este saber em forma de pergunta, esta consciência do que se quer saber, que se quer saber mais, é comum a todos e chama-se Logos. O Logos é comum a todos.

Tentemos ligar então dois poderosos fragmentos de Heraclito, 89 e 45. No fragmento 45, Heráclito escreve: “Não é possível descobrir os limites da alma, mesmo percorrendo todos os caminhos: tão profunda medida ela tem.” No fragmento 89, escreve: “Os despertos (acordados) têm um mundo único e comum, e cada um dos adormecidos se vira para si mesmo.”

Para Heráclito, a alma humana não se conhece a si mesma, pelo menos não no mesmo sentido que podemos conhecer as leis matemáticas. Por outro lado, ele traça uma linha fundamental, e original, entre os estados de vigília e de sono. Na vigília há um só mundo para todos, um mundo que é comum, mas quando se cai no sono ficamos enclausurados num outro mundo, que nos é próprio, que é de cada um de nós; no sono mantemo-nos desligados dos outros e do mundo, fechados em nós mesmos. O homem adormecido está preso em si mesmo, numa imaginação desenfreada, desligado da realidade comum. Aquele que dorme não conhece o outro. Mas ele não está somente longe da alteridade, está também longe da sua própria alma. Como uma criança, que passa a maior parte do tempo a dormir, a sonhar, desligado do pensar. A alma humana está ligada ao Logos comum, ao pensar. Quem dorme não pensa.

Este sublinhar a necessidade do estado de vigília, é também o sublinhado, não só do ponto de vista ontológico, pois só acordados podemos pensar, como também o sublinhar de um ponto de vista ético, pois é no comum, na alteridade que o humano cresce, e não no próprio do sono, do sonho, da imaginação sem correspondência real. Não podemos esquecer que aquele que dorme, em sentido literal, não toma conta de si. No sono estamos entregues aos cuidados da sorte, e não aos nossos cuidados.

É aqui que podemos dizer que o humano é aquele que sabe que tem de se cuidar, tem que velar pela sua própria vida. Há, evidentemente, uma primazia do saber em Heráclito, de tal modo que criticou Pitágoras, acusando-o de polimata, alguém que sabe muitas coisas, mas não aquilo que verdadeiramente importa. Por conseguinte, este saber que Heráclito privilegia, é o saber que não contraia o Logos, o saber que nos faça ver aquilo que somos e o que é o mundo. E não há nós sem mundo. Não há nós sem Logos. Enquanto Parménides traça uma ontologia centrada na razão, Heráclito irá traçar uma ontologia centrada no humano e, neste sentido, um pouco à imagem do que dois milénios e meio mais tarde Heidegger irá traçar no seu Ser e Tempo.

Não se pode pensar, segundo Heráclito, partindo do pressuposto de que a nossa vida é falsa, que os nossos sentidos nos enganam. Nós somos, à imagem do mundo, fluência. Tudo é fluência, devir. Não se pode querer pensar como se nós fôssemos permanência absoluta, ainda que racionalmente possamos pensar essa hipótese. Para Heráclito, mais importante do que a distinção entre sentidos e razão é a distinção radical entre vigília e sono, que mostra claramente que o filósofo de Éfeso compreendeu a essência humana, isto é, a necessidade de ter de cuidar de si e a consciência dessa situação.

Por outro lado, a compreensão de que é na vigília e na compreensão da situação humana, que podemos também traçar uma ética, porque na vigília participamos do Logos, do que é comum. Mais tarde, na sua derradeira crítica, a estética, Kant irá retomar este conceito de comum de modo a explicar os juízos estéticos. Também ele entenderá, como o filósofo de Éfeso, o arrazoado dos juízos fora da comunidade. Sem sensus communis, dirá Kant, não há juízos estéticos ou quaisquer outros. Sem sensus communis não há juízos, ponto final. É também assim que Heráclito entende o sentido da vida humana: sem comum não há verdadeiramente humanos, mas gente que dorme ou bêbados, expressões adormecidas da vida humana.

13 Fev 2018

Ano do Galo

Já canta o galo.

E fá-lo longo, no risco da aurora.

Algo chora… febril ou flauta,

ou será pauta de um juvenil destino?

 

Já canta o galo.

Ralo o canto por rala a voz.

É atroz o universo: quando nasce…

quando se reduz a um verso.

O mundo escouceia, mal o galo,

com o tal verso, o incendeia.

 

Estremunha a aldeia, o fel desliza.

É dia de santo, não muge brisa.

Súbitos, após a missa, revibram os sinos.

Numa panela, um padre guisa dois assassinos.

 

Cristo, sempre alado, prevê a estação,

talvez o herdeiro: lá p’ra Fevereiro emergirá.

Será gentil, será dotado e de bom grado nos salvará.

 

………….

 

Calou-se o galo.

É um regalo flutuar neste intenso silêncio.

A chuva e o suão, os néons e o pó esmoreceram.

Faz no entanto dó testemunhar um mundo assim.

Ofegante no jardim, madrugada por raiar

e o galo por cantar. Para onde irás se não há mar?

 

Calou-se o galo.

Incertas, as coisas adquirem o seu valor seminal.

Nenhum animal as demora nem ilusões as detêm.

Lêem o jornal na luz da noite.

Freme o açoite, algo crava a jugular.

Não ligues, rapaz: foi ilusão… fora… um ar…

dois coriscos que passeiem na veia da avenida.

Faz o pino e lambe a ferida. Tudo se evaporou…

 

O ano fina-se em amáveis cacarejos.

O galo ainda não cantou.

 

12 Fev 2018

Colagens

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m texto sobre partes da carne e fragmentos. É do “corpo-aos-pedaços” de que se trata. “Este texto é feito de impressões, sobretudo visuais, que resultaram [da] infância”.

[…] “O texto tenta fixar algumas interrogações para tratar um assunto concreto: a representação dos fragmentos.” […] [É] tentar pensar essas imagens ‘aos bocados’. O fragmento, […] miniatura, isolado … e …inteiro em si mesmo (Schlegel). “São Vicente é o paradigma do corpo fragmentado, a sua expressão extrema”. [N]ão era senão aos pedaços”. […] “queimado, rasgado e despedaçado. […] [L]ançado às feras para estas o devorarem. [M]as são impedidas de o fazer. [I]ntervenção de um corvo. […] “[S]éculos mais tarde, [dá]-se um naufrágio e toda a tripulação soçobra.”[…] “[E]stratégias de recuperação das relíquias de um mesmo santo espalhadas pelo mundo. Com vista [à] reconstituição coesa.” “Mas [a]s nossas experiências da dor e, consequentemente, as representações do corpo a ela associadas, alteraram-se radicalmente.” […] “Hoje, [há] químicos.” […] “O contrário de uma imagem fragmentada do corpo [pode] ser simplesmente a parte da representação (da parte) do corpo que falta para investir de significado, […] complemento simétrico dessa parte no contexto do corpo, geralmente estruturado por dualidades simples (diretas: mão esquerda/mão direita, ou indiretas: peito/costas; ou , ao nível da linguagem, uma parte que se lhe oponha (cabeça/pés); ou sujeito a uma dimensão performativa do corpo (boca/ ânus ou boca/orelha); ou social, ou moral). Ou, ainda, em última instância, o salto que vai do fragmento do corpo biológico ao corpo cósmico ou divino.” (PHILIP CABAU)

“A paisagem é a natureza? Se a paisagem for o que o meu olhar abarca, que papel desempenha o meu corpo na apreciação de uma paisagem? São Vicente a caminho de Lisboa teria tido uma experiência da paisagem?” […] “A visão terá porventura primazia, mas a paisagem não é apenas o visível, ela reclama […] cheiros, sabores, sons, a sensação de frio, calor, humidade ou secura do ar, ao vento ou sua ausência, a percepção táctil da suavidade ou firmeza do solo e dos elementos que a compõem.” A experiência é “a reunião de todos os elementos percepcionados “existencial[mente]”: “[o] ciclo das estações do ano […] vegetal, mineral, animal, vital” (MOIRIKA REKER).

“A nau é um símbolo da segurança possível na travessia perigosa que é tanto a vida quanto a morte, remetendo no Antigo Testamento para a Arca da Aliança e no Novo Testamento para a Igreja. Muito profunda é a observação de Bachelard de que a barca simboliza simultaneamente um berço redescoberto, o seio ou a matriz e o caixão, que considera ter sido porventura a primeira barca (além de ser a última). Seja como for, quem embarca não desembarca igual. A barca é símbolo da mais profunda e constante viagem, a do espírito ou da consciência, aquela “na qual nasce o próprio viajante”, como escreveu José Marinho. A barca é símbolo de transição e passagem, de metamorfose, de conversão de um limite em limiar.” (PAULO BORGES)

“À flor da pele, bem te quero” (NELSON GUERREIRO)

“[N]os alvores do cristianismo, as relíquias de partes dos corpos de mártires eram importantes, pois considerava-se que seriam estes os primeiros a levantar-se no momento da ressurreição, liderando os fiéis a caminho da vida eterna.” É, pois, por isso, que “[n]a génese da visão de todo este Projecto está o cartografar dos farrapos de um mito que sobrevivem na memória colectiva (pavimentos em calçada portuguesa, candeeiros urbanos), mas igualmente a promoção de uma sensibilidade sempre emergente.” (MÁRIO CAEIRO)

“A referida proliferação de escritos íntimos e memórias, e não questionação do significado disso, vão contribuindo para reduzir a realidade a um conjunto de aparências nas quais nenhum objeto se inscreve, na medida em que o objeto é justamente o-de-fora-de-aparência, o seu vazio, aquilo que se inscreve nela como a sua eternidade, ou a sua desaparição.” […]“É na desaparição — dos objetos, que estão aí diante de nós carregados da morte com que os fixamos — que se guardam os vestígios da aparição do Outro, daquilo que no objecto é sem medida comum” (Mallarmé).” (NELSON GUERREIRO)

9 Fev 2018

Direcções das Estrelas Voadores para 2018

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s geomantes do Feng Shui prevêem para 2018 um ano de Extremos.

O Caule Celeste Wu, associado ao elemento terra yang, conjugado com a Terra do Ramo Terrestre Xu, dá para este ano, terra dentro de Terra, encerrando no seu interior o fogo. Este, ao criar ainda mais terra, fará transbordar a água, cortada pela terra. Como se tal não bastasse, encontra-se a direcção Centro, Terra, o yin yang do ser humano, enclausurado dentro de si, sem poder harmonizar as quatro estações do ano.

Encontradas as direcções do posicionamento das nove Estrelas Voadoras para 2018, aqui se deixam as previsões, por nós entendidas das feitas por Lei Koi Meng (Edward Li), sobre o que ocorrerá no mundo.

Referindo as características e localizações das Estrelas Voadoras, primeiro trataremos das quatro de malévolas energias, seguindo depois nas boas vibrações das outras cinco. No entanto, para este ano, a bafejante estrela voadora 9 Roxo (Jiu Zi, fogo) estará localizada ao centro (terra) do Tai Ji (quadrado mágico de nove Palácios, fazendo o do meio de espelho, linha reflectora entre a materialidade da Terra e o espírito do Céu, a essência que dá à substância o significado das realidades) e por isso se refere estar aprisionada. Estrela a representar harmonia e paz, cooperação e o visionar do que está para vir, enclausurada, não permite encontrarem-se esses atributos. Deixa as gerações jovens sem esperança, pois não conseguem vislumbrar o que virá. Tal leva-as a encerrar-se em casa e isoladas, ficam os exteriores contactos feitos apenas pelo telemóvel e internet no computador.

Ligando com o corpo humano, a 9 Roxo representa os olhos que, aprisionados ao ecrã, lhes provoca inúmeros problemas devido à luz vir contra eles, aprisionando-os à projecção, mas sem criar reflexão. Energias interiores condensadas, sem vivos interlocutores para serem trocadas, descarregam-nas pelas ainda mortas máquinas. Essa falta de comunicação com o espaço exterior leva, perante as realidades, a transformarem-se em agitados maníacos. Tal continuará a ocorrer até ao fim de 2019.

Para analisar um país, uma coisa se sabe, é necessário conhecer quem o dirige. Em 2018 serão raros os países que contam com governantes conscientes da consciência, e a conseguir pelos 5 Elementos entender as acções a tomar. O fogo e a terra poderosíssimos, sem a água para lhes fazer balança! Representando a água, sabedoria e mente limpa, pode-se assim imaginar um dirigente sem tal, o que ele poderá fazer!?

Para este ano, desastres provocados pela Natureza, como tsunamis, erupções vulcânicas e tremores de terra, tufões, inundações devido a fortes chuvadas e grandes nevões, tal como as catástrofes criadas pelos humanos, como ataques terroristas e grandes flutuações nos mercados bolsistas, causarão um grande desgaste aos dirigentes. Assim, ficam em intenções todos os internacionais projectos de cooperação, pois não haverá energia para os levar por diante. Cada país apenas terá tempo para se proteger e pensar em si.

A estrela voadora 5 Amarelo (Wu Huang, terra), instável, causadora de obstáculos e problemas, tem em 2018 a sua maligna influência perturbada colocada a Norte (água), localizada na Rússia, onde se prevê ocorrer perdas, também de saúde, doenças e tragédias. Já para a Europa, a 2 Preto (Er Hei, metal), localizada a Oeste (metal), trará doenças longas e incuráveis se os seus habitantes este ano não tratarem com cuidado esta direcção. A beligerante estrela voadora 3 Jade (San Bi, madeira), que traz conflitos, disputas e caos, encontra-se a Nordeste (terra), localizada na Península da Coreia. Se não colocarem mais fogo, poderá continuar em Paz. A 7 Vermelho (Qi Chi, metal), estrela voadora violenta que traz injúrias, roubo, fogo e acção nos tribunais, leva a perdas financeiras e muitas disputas tanto em casa como no emprego, localiza-se a Leste (madeira), na América e Japão. Terra é o elemento do nascimento dos EUA e o do seu actual presidente, que, ampliando-se com mais a tripla terra deste ano, dá para imaginar o que pode ocorrer! Edward Li faz fervorosos votos para que reine a Paz e não haja guerra. Refere que, para resolver os problemas causados só grandes chuvadas e nevões, o que parece já ter começado a acontecer, qual ajuda celeste a refrear os ânimos.

Tratando agora a localização nas direcções das auspiciosas estrelas voadoras: a 1 Branco (Yi Bai, água) estrela da prosperidade para o que virá, traz sucesso na carreira, boas relações de amizade e reputação, assim como a fama e promoção na carreira. Localiza-se este ano a Noroeste, (metal) e encontra-se nos países da Europa do Leste. Já a 6 Branco (Liu Bai, metal), agora enfraquecido o seu celeste abençoar, traz potencial de inesperadas vantagens e riquezas, estando colocada a Sudoeste (terra), localiza-se sobre a Índia e ajuda a emigrar e a trabalhar fora do país.

A estrela voadora 8 Branco (Ba Bai, terra), da Prosperidade e Saúde, a melhor entre todas as nove estrelas, traz riqueza, fortuna, nobreza e boa saúde, favorece promoções, incrementa o salário e leva ao sucesso na carreira. Localizada a Sudeste (madeira), apresenta-se nos países do Sudeste Asiático. Por fim a 4 Verde (Si Lü, madeira) que, apesar de ser benéfica, no actual período 8 dos ciclos do Feng Shui contém aspectos positivos e negativos. Por estar a Sul (fogo), regerá Macau, Hong Kong, Austrália, assim como os países de África.

Previsões para alguns meses

Neste início da Primavera, entre 4 de Fevereiro a 5 de Março, o yang menor do elemento madeira, direcção Leste, tem a complementar o yin maior do Inverno, a água do Norte, e assim, a dupla terra deste ano encarcera o fogo alimentado pela madeira e cria mais terra, levando a erupções vulcânicas, tremores de terra, acções terroristas e ainda um apagão eléctrico. As pessoas deverão ter muito cuidado e prevenir-se de ataques de coração e AVC’s. No mês seguinte, a juntar a tudo isso, epidemias e algo a sair da nossa capacidade de controlo.

Em geral, pode-se dizer que as pessoas nascidas entre 7 de Novembro e 3 de Fevereiro, isto é, no Inverno, terão um ano mais vantajoso, pois necessitam de fogo e ele não faltará. Por oposição, quem nasceu no Verão, entre 5 de Junho e 7 de Agosto, deverá tomar maiores precauções, pois ao seu fogo juntar-se-á ainda mais fogo e ficará ON FIRE. Cuidado com o fogo dentro de casa.

Já no nono mês, sob o signo de Cão, tal como o ano, de 8 de Outubro a 6 de Novembro, o elemento é terra yang e aliada com o ano de terra yang dentro de Terra, cria a tripla terra, significando túmulo, que apaga o fogo e origina problemas como a interrupção de energia eléctrica. Assim confrontados, iremos ser obrigados a repensar o uso de aparelhos como telemóveis e computadores no nosso quotidiano. Será que não ocuparão um espaço demasiado grande nas nossas vidas? Faltando a electricidade…

Uma calamitosa desordem, a poder definir-se como caos do primaveril estado. E tudo se inicia pelo Vazio.

9 Fev 2018

Suspiro

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi depois da partida daquele amor que ela deu início ao seu jardim interior, que contemplava em momentos de maior aflição. Tornou-se vital criar raízes suplementares que a agarrassem ao chão sempre que este ameaçasse fugir-lhe debaixo dos pés. Acontecia a todo o momento. Ponderou, todavia, que não podia dar-se ao luxo de abrigar árvores de corpo inteiro, copas gigantes e ramos entroncados – teria de começar por plantas de pequeno porte e arbustos miúdos, raízes-penugem, de outra forma, como sustentar no tempo por vir o peso tomado entretanto para si? Além disso, as árvores acabariam por lhe exigir anos de pensamentos concêntricos antes que pudesse deixá-los fluir, e aos fragmentos dolorosos de si, através das ramadas finíssimas e das folhas quando chegasse a altura de se desprenderem, cansadas de se suportar, à medida das estações do ano.

Sentada no sofá da sala, o olhar preso do filme interior que discorria em câmara lenta para trás e para diante, sem nunca se cansar de o ver, balouçava o corpo num ritmo de quem queria só ir. Felizmente as raízes entretanto nascidas nas plantas dos pés puxavam-na de volta ao lugar em que, apesar de tudo, se obrigava a habitar. Pegava, assim, na chávena de porcelana, e sorvia um sopro de vida no chá quente.

O filme: certa vez tinham os dois viajado para um país de bosques e casas de madeira. Ansiavam por passear de mãos dadas, atentos aos sons e aos cheiros locais, por vogar nas águas do grande lago nas proximidades e, à noite, por assomar à vila, procurar os seus habitantes e talvez rir com eles. Inventaram tudo isso ao longo de três dias deliciosos, em que não abandonaram o quarto. No dia de regresso despediram-se do bosque encantado, do lago misterioso e das pessoas que tanto lhes haviam dado. Germinavam felicidade.

Àquelas lembranças o estômago contraía-se-lhe num aperto indizível. Dobrava-se então sobre as raízes ainda tenras e incapazes de sustentar tamanha perdição. Houve que lançar novas sementes dentro de si e conceder que botões de rosa minúsculos lhe despontassem no estômago. Suaves como a suavidade de que precisava para acalentar aquele lugar de dor recorrente. As rosas elevá-la-iam na justa medida das suas hastes trepadoras. Ténue, mas inexoravelmente, haviam de subir pelo avesso de si, redefinindo-lhe uma ossatura fibrosa sem a sobrecarregarem – e isso era importante. Os botõezinhos acomodaram-se, pois, àquele caramanchão quente e floresceram em rosas-púrpura. O seu estômago exalava um perfume maravilhoso e ela deu por si a ensaiar movimentos que não comandava, passos de dança inesperados e absurdos; estava longe dela pensar sequer em dançar. E ainda sem que conseguisse explicar porquê, sentiu que devia soltar o cabelo que trazia arranjado numa trança em redor da cabeça. E foi o que fez.

À medida dos dias, o espelho grande à entrada da casa devolvia-lhe a imagem de uma mulher a caminho de jardim. Nos cabelos dela despontavam brincos de princesa e lírios do campo e uma ou outra papoila bela como só as papoilas o sabem ser. Apeteceu-lhe tornar-se tão pequena que lhe fosse possível correr naquele abismo campestre que lhe tomara a cabeça, com a vantagem de o saber infinito, já que era redondo, como a Terra. Certo dia concentrou-se, olhos fechados, pensamento suspendido: começou por ouvir um zumbido de abelha, depois um bater de asas de cigarra nos dias em que o sol parece brotar directo do chão. Num sonho só de serenidade deixou-se ir através de um campo de espigas e, assim que viu uma papoila, correu a abraçá-la. A papoila também a apertou nos braços e depois estendeu-lhe um cestinho merendeiro, cheio de bolos de canela. Aquela proximidade revelou-lhe não ser a flor uma verdadeira papoila, mas a própria Capuchinho Vermelho. Então ela admirou os pézinhos leves daquela menina corada, um pouco parecidos com os seus, rodeados de uma penugem fina feita de raízes dançarinas. Deram-se as mãos e correram e saltaram pelo prado a imitar gazelas, rãs e andorinhas. E estavam entretidas nisto quando deram com um lobo cinzento a experimentar brincos de princesa nas orelhas felpudas. Convidaram-no logo a correr com elas e acabaram os três a saltar à corda. Passaram uma tarde deliciosa e foi só quando o sol mergulhou naquele mar doirado pontuado de flores, que ela viu os amigos desvanecerem-se a seu lado enquanto riam alto e lhe enviavam beijos de despedida ternurentos. A um tremor do corpo reencontrou-se na sua sala, ao lusco-fusco, o chá frio incapaz de lhe instilar vida. Levou as mãos à cabeça pensando que talvez recuperasse as criaturas sublimes para jantarem consigo. Mas nas mãos só grãos de terra, algumas sementes e sim, um pequeno caracol tão enfiado dentro de si que ou partira de vez ou se escondera como se para sempre.

Todavia, o encontro com o caracol deu-lhe o alento de que precisava para se levantar e caminhar até à cozinha obscurecida. Pousou o bichinho numa mesa junto à janela e dispôs-se a viver mais um pouco. E se preparasse um jantar para o caracol? Era uma ideia tão boa como outra qualquer. Prontificou-se a retirar de um louceiro de mogno polido um prato do serviço das visitas que não tinha, debruado a fio de ouro. Sorriu levemente ao pato real que voava no rebordo a que nunca escaparia. Tomou o peso ao prato e ocorreu-lhe que era pouco mais pesado que a casca do caracol. De uma gaveta do mesmo móvel escolheu um garfo, uma faca e uma colher de prata que não serviriam para nada, mas ajudariam a compôr a mesa que ela queria oferecer à sua visita. Noutra gaveta procurou um guardanapo de linho com rosas bordadas por ela num tempo de que não se lembrava. Finalmente, um copo de cristal onde habitavam veados minuciosamente cinzelados. Depois encaminhou-se para o quintal da casa.

O quintal era maior do que a sua casa de três divisões. Selvagem, verde, inebriante. Estava escuro e, assim que ultrapassou a porta de sacada da sala para o passeio de tijoleira, deu consigo a chapinhar. Apercebeu-se de que caía uma chuva miúda pelo que se apressou a enterrar-se na terra molhada e a deixar que as finas raízes nas plantas dos pés absorvessem a humidade que, pouco depois, lhe corria nas veias. A mistura de sangue e seiva conferiam-lhe um brilho especial à pele e ela sentiu-se crescer. Elevou os braços e tocou os ramos da magnólia a que normalmente não chegava. Depois lembrou-se de que ali fora em busca de tomilho fresco, que tencionava servir ao caracol. Isto se o caracol sempre existisse para além da casca.

Colheu algumas hastes da erva e logo lamentou estarem molhadas – não era natural que o seu visitante as fosse apreciar, imaginava-o a preferir iguarias transportadas em caravanas coloridas através de desertos inóspitos, em que tudo sabia garantidamente a seco. Pousou as hastes sobre o oleado de xadrez da mesa de cozinha e surpreendeu-se por distinguir tudo à volta como se tivesse acendido a luz. Que permanecia apagada. No entanto, ela via e deixava de entrever o vulto do caracol uma e outra vez – acabando por perceber ser ela própria a fonte de luz cadenciada, a partir do alto da sua cabeça-prado. Procurou o espelho à entrada de casa e fascinada, descobriu um rosto ainda de mulher mas em cujo cabelo, para além das flores, da erva, das espigas e lírios-violeta, cintilavam agora pequeninas estrelas: pirilampos. Eram eles quem desenhava os caminhos de intermitência que ora abriam ora fechavam círculos de luz à sua frente. Voltou à cozinha e sentou-se à mesa num banco de madeira, de frente para o caracol. Os pirilampos piscavam a sua coreografia natalícia e, a determinado momento, ela notou que a casca de caracol continha de facto um corpo minúsculo encolhido. Parecia um embrião. Chamou-o devagarinho, caracol caracolinho, muitas vezes, muitas vezes mesmo, experimentando tons de voz diferentes e até línguas desconhecidas. Deu por si a ensaiar uma cantiga de embalar a um embrião por nascer; então o seu corpo escolheu acompanhar o ritmo de vaivém da melodia e as raízes nas plantas dos pés flutuaram ligeiramente acima do soalho, as mais frágeis de entre elas feitas uma penugem que esvoaçava ao sabor de correntes de ar imperceptíveis. Finalmente, caiu num sono profundo.

O sonho: uma infinidade de beijos, a soma de todos os que haviam dado com a dos que não tinham chegado a dar. Ela procurava reter o cheiro da pele dele e cumprir o número infinito de vezes com que prometera saudá-la, docemente. Ele ria: de felicidade, das cócegas, do mundo lá fora tão sério quando tudo era tão engraçado. A caminho do infinito ela adormeceu de bruços para um sonho dentro do sonho e foi a vez dele pousar os lábios sobre o corpo dela, professando o desejo dos dois rumo ao número impossível. Ao longo do dia chegaram a ser um único beijo planetário, capaz de encher a casa onde moravam e até de tocar cada erva do jardim que a abraçava. Foram dormindo e acordando, observando-se num silêncio cúmplice. No único momento em que ela desviou o olhar para o ramo de flores silvestres à cabeceira da cama surpreendeu um pequeno caracol sobre um galho seco. Pensou que havia de levá-lo para junto do tanque no jardim, antes que a noite caísse.

Acordou anos depois, curvada sobre a mesa da cozinha, desperta pelo frenesim matinal dos pássaros excitados com o festival de orvalho que sucedia à chuva da noite anterior.  Deveriam estar a tomar banho, a beber e a tratar de dar de beber água aos filhos. Era uma situação que noutro tempo lhe teria dado vontade de rir e apreciar ao vivo: os pássaros pareciam perder o juízo, atropelavam-se, chamavam-se nomes, namoriscavam as penas lavadas machas e fêmeas, nada no mundo seria capaz de os desiludir em tais alturas. Mas agora a sua gritaria alegre era-lhe quase insuportável aos ouvidos. Desviou a atenção para as próprias mãos e julgou ver raízes – mas ainda não, era só impressão, as suas veias é que palpitavam animadas com a seiva fecundada pela chuva. Quando levantou a cabeça deparou com o caracol à sua frente, no exacto sítio onde o tinha deixado. Olhava para ela e, no cimo dos pauzinhos, os seus olhos sorriam.

Ela procurou as hastes de tomilho, que encontrou intocadas. Perguntou ao caracol se queria que ela o servisse, mas ele disse que não apreciava tomilho fresco, preferia de longe bolinhos de canela. Ela ficou logo angustiada, há meses que não fazia bolinhos de canela, a Capuchinho Vermelho é que agora andava com eles no cesto merendeiro, mas sabia lá quando a ia encontrar de novo. Levou as mãos à cabeça mas só conseguiu despentear-se muito, tanto que o caracol se encolheu para a casca um tanto perplexo – afinal só queria bolinhos de canela. Ele não sabia que ela deixara de fazer compras. Há muito tempo que a sua despensa não tinha canela ou tão-pouco farinha, muito menos manteiga fresca… a ideia de sair de casa apavorava-a embora parecesse quase boa quando comparada à de ter que entrar na mercearia. Talvez pudesse encomendar os bolinhos de canela? Como, se não tinha telefone e não comunicava com ninguém desde não se lembrava quando? Ela e o caracol trocaram um olhar prolongado e face ao óbvio desespero estampado no rosto dela, ele acabou por anuir que talvez um chá de tomilho…

Aliviada ela pegou nas hastes e preparou-as para uma infusão. Deixou a água ferver, mergulhou o tomilho dentro do tacho a tremer sobre o lume forte e aguardou por que o líquido ganhasse cor. Não cheirava a chá que ela pudesse gostar de beber mas faria companhia ao simpático caracol. Entretanto meditava que não estava a ser uma boa anfitriã, e isso afligia-a, na verdade era tão raro ter visitas… acabou por se dirigir ao roupeiro do quarto e de lá puxou um capote. Vestiu-o de frente para o espelho, à entrada de casa. Puxou o capuz sobre os olhos. Teria de servir. Preocupavam-na mais os pés. Era preciso encontrar as suas velhas socas de jardinagem. Desapareceu para a arrecadação no exterior e veio de lá com um par de socas vermelhas e tachas de latão, cobertas de teias de aranha. Lamentou destruir assim o maravilhoso trabalho de uma tecedeira mas livrou as socas das teias e conseguiu enfiá-las nos pés com as raízes aconchegadas entre a sua pele e a pele do calçado. O caracol estava animado e agradeceu a chávena de chá comentando que era uma bebida muito agradável. Ela sorveu uns goles fugidios da sua própria chávena e, muitíssimo inquieta, desapareceu para a rua atirando com a porta de casa.

Seguiu pela calçada empedrada rente ao muro exterior da casa, depois da casa seguinte, e da seguinte, e da seguinte ainda. Não se cruzou com ninguém excepto duas borboletas que passaram a segui-la numa alegria inexplicável. Pareceu-lhe distinguir muito ao fundo, sob o capuz, uma vozinha conhecida. A Capuchinho Vermelho?! Pois claro, ela adorava borboletas, pela certa estaria a tentar convencê-las a saltar à corda… que pena, que pena tremenda faltar a tal encontro. Teve de atravessar uma rua e fugir apressada de um cão que felizmente caminhava com o dono pela trela, de contrário teria vindo a correr ter com ela. Olhava-a com o maior espanto, o focinhito no ar, baralhado com a mulher-jardim. Se o cão alimentava um sonho, era o de ter uma dona assim. A certa altura, dois pardalitos pousaram-lhe no ombro, depois foi a vez de joaninhas e de uma abelha a adoptarem; a todos estes pequenos seres fascinava o jardim com pernas – felizmente a mercearia era ao virar da esquina. Farinha, ovos, manteiga e canela. Pagou e saiu tão depressa quanto entrara, ouvindo ainda o comentário a respeito do maravilhoso perfume a rosas daquela senhora estranha.

Que prova, caracol caracolinho. Que desconcerto íntimo, que avalanche de emoções. Era como se caminhasse sobre arame. Se alguma vantagem havia a retirar daquela saída sofrida era a de esclarecê-la definitivamente sobre o futuro próximo. Claramente, o seu lugar já não era ali. De resto, se quisesse ser honesta consigo própria, sabia-se agora mais jardim que mulher. Estava na altura de partir, partir apenas. Escreveu mentalmente o anúncio que haveria de afixar na montra da mercearia por causa da sua casa: oferece-se bom jardim com casa, seguindo-se uma descrição minuciosa das árvores de fruto e das floribundas, da horta e ervas de cheiro e dos canteiros carregados de bolbos, roseiras bravas, malmequeres, cravinhos, sardinheiras, alecrim e alfazema. A propósito da casa indicaria as três pequenas divisões: a sala e o quarto aconchegados, a cozinha minúscula e a casa de banho exígua, alertando para o facto do telhado deixar entrar água, o que tornava a cultura de cogumelos profícua e especialmente bela de apreciar no outono – ainda que o seu consumo fosse desadequado ela decidiu que era uma mais-valia a enumerar. Podia ainda referir a arrecadação exterior e oferecer todo o recheio da casa. Com certeza alguém se interessaria.

Mas ninguém se interessou. Volvidas duas semanas não houvera quem tivesse manifestado estar disposto a aceitar a sua oferta generosa. Talvez achassem que o anúncio era uma brincadeira? Entendeu que não valia a pena pensar muito no assunto e que tudo se resolveria por si só, num acordo tácito superior aos desejos banais dos homens, das mulheres e até dos animais. Passou a fazer bolos de canela dia sim, dia não. Partilhava-os com o caracol e os pássaros, desde que acordassem em silenciar o turbilhão de pius que se gritavam a toda a hora, como se o cansaço não existisse. Um casal de pombas brancas habituou-se também a lanchar com ela e a partilhar daquele silêncio comovido. Dentro de si o jardim crescia e, à flor da pele, ela passou a trazer o perfume das ervas de cheiro que rodeavam o tanque de água: manjerico, hortelã, coentros, salsa e rosmaninho. Sentia agora uma hera tenra envolver-lhe os ossos dos braços e só podia estar agradecida aos seus caules maleáveis mas firmes, que embora a afastassem sempre mais do mundo de pessoas que um dia fora o seu, lhe amparavam os gestos a que emprestavam graciosidade e onirismo. Passava a maior parte das horas no jardim da casa, prolongando-se pela terra em que se enterrava, bebendo a água da chuva e da atmosfera, acolhendo o sol, o vento, a geada. De vez em quando procurava a Capuchinho Vermelho para um passeio campestre e esses eram os momentos em que deixava de se preocupar porque se esquecia. Andavam tanto, tanto que era o lobo quem acabava por carregá-las às costas, geralmente ao pôr do sol. Despediam-se uns dos outros a cantar, trocando abraços carinhosos e recordações gulosas para o caracol – que preferia recordar a esquecer e dispensava acompanhar aquelas excursões que só adiavam o inevitável. As horas seguintes eram sempre extraordinariamente difíceis para ela porque já não podia esquecer o esquecimento e era então tolhida por uma mágoa que parecia abrir buracos dentro de si, nomeadamente por não ter como partilhar e usufruir mais da felicidade que a preenchera até há menos de nada. O caracol fazia os possíveis por lhe dar alento, nunca se cansando de lhe fazer festas com os pauzinhos – de resto, remetia-se ao silêncio. Pouco a pouco ela acabava por dar de si, pouco a pouco ela era outra vez um pouco, mesmo que um pouco menos. O caracol só não queria que ela deixasse de ser ao menos um pouco.

E isso não aconteceu. Quando estava prestes a abismar-se no vácuo do esquecimento, quando se contavam já três dias desde que ela se pegara à terra, decidida a ser só mais uma planta no seu jardim, os poros perfumados da sua pele gotejaram algum orvalho ao raiar da madrugada e depois germinaram em nada de concreto e em tudo o que se possa imaginar. Fragilizada, incapaz de concentração e até de entender o que poderia estar a acontecer-lhe começou, através deles, a dar à luz uma e outra vez. Num ciclo de gestações curtíssimas, ela fazia nascer filhos e filhas de cores, texturas e formas variadas, alimentados da sua seiva e do seu sangue e, felizmente, ao contrário dela, vigorosos e dispostos a uma vida longa. Horas mais tarde ela acabaria por ceder ao cansaço, exausta mas também muito feliz por ser uma mãe-natureza, perplexa com a beleza das plantas, flores e até dos pequenos arbustos que se lhe colavam ao corpo, como que a pedir-lhe colo e amor. E ela sim, sempre que despertava do seu torpor abraçava-os e transbordava a seiva que alimentava aqueles filhos que a preenchiam como a um duplo que ganhava forma e corpo a seu lado. A noite chegou e ela não resistiu ao sono mais profundo. O caracol velava por ela, só mais um pouco.

A verdade: Na manhã seguinte os pássaros respeitaram o silêncio do jardim. Quem quis desdizer piares e coisas do dia-a-dia foi mandado para outras paragens, com patos e flamingos em debandada. As pombas anicharam-se sob as flores das ervilhas de cheiro ao redor do tanque e o caracolinho preparou-se para saudar a sua amiga. A mulher-jardim demorou a acordar. Sentia-se bem, mas deu por si deitada sobre a erva húmida, até um bocadinho fria. À medida que tomava consciência do corpo, entrou inicialmente em pânico… estava deitada no solo porque as plantas se tinham ido de dentro de si e não tinha mais como contrabalançar o peso do mundo à sua volta – caíra desamparada. Os seus filhos! Apalpou em volta e procurou a medo pelos recém-nascidos formosos. Ao seu olhar revelou-se, no entanto, colada ao seu corpo muito esguio, uma forma dupla de si. Tocou-a e entrelaçou os dedos por ela, o coração a bater acelerado, a respiração primeiro ofegante, depois desaustinada: filhos e filhas eram agora um só, um pouco maior que ela, esguio também, nu. Quem era? Ela olhou em volta e deu com o caracol assente num raminho seco ao pé de si. E então lembrou-se do sonho: da aragem levíssima, dos corpos quentes, do beijo cósmico… e desenhou um sorriso interior. Compreendeu que lhe cumpria uma tarefa infinita: tantos beijos por dar… o seu duplo adormecido não tardaria a abrir os olhos. Foi assim que apertou num abraço o seu amor maior e pousou os lábios sobre a sua pele docemente perfumada, tal como a recordava desde sempre.

8 Fev 2018

Duas fábulas sobre lembrar e esquecer

03/02/2018

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] calor vara o corpo, goteja pelas costas. Bebo uma caneca em dois tragos e peço outra.

Na mesa em frente à minha uma ruiva magra como um galgo sofre a fustigação de uma negra de grande envergadura, que lhe quer mostrar como fala bem o inglês e lhe despeja à fraca figura parágrafos sobre parágrafos, sem tomar o fôlego. Para a outra aquele ímpeto é um verdadeiro apedrejamento e equilibra-se como pode, cilindrada. Conheceram-se pela Net e é a primeira vez que se encontram. A ruiva chegou de Joanesburgo, veio visitar a amiga. A moçambicana decidiu-se a tomar a ruiva como cunhada e martela-a com o extenso rol das qualidades dos irmãos. Numa pressão que a paralisa. Ao fim de quarenta minutos a negra, faz-lhe um reparo: Mas estamos aqui há uma hora e ainda não sei nada de ti.

A ruiva balbucia qualquer coisa, timidamente. Antes de acabar a terceira frase a outra atalha: Deixa lá, o melhor é irmos para casa, temos de preparar o teu quarto. Mas primeiro deixa-me fazer uma oração pela nossa amizade. Uma oração? – pergunta a pobre, desconcertada. Uma oração. Nós somos muito religiosos. Não te importas? Não… – gagueja a ruiva. Óptimo…

Mete as mãos em prece e abre a torneira: Oh Lord, agradeço-te por nos teres trazido esta irmã, por nos brindares com a sua amizade como o maná no deserto, e que, oh Lord, ela encontre no nosso lar o seu refúgio e a inspiração para superar as provações que a vida lhe dará, mas, Oh Lord, sê suave e benevolente com ela, e com o meu irmão Jacques que alimenta muitas esperanças nesta amizade, e Oh Lord, não tragas tormentas onde os caminhos são de flores para colher… Oh Lord faz com que a Jessica nunca mais se esqueça de nós…

A oração prossegue infindável, por dez, quinze minutos. A Jessica está um feixe de vergonha, quer já esquecer os «oh Lord» que a amiga percute, a triste ideia de ter vindo. Quando a amiga acaba, salta da cadeira no mesmo lance e arrasta-a. Só lhe falta pôr a coleira.

Uma das empregadas está siderada. Uma miúda dos seus vinte anos, com tudo intacto. Entreolhamo-nos, ela ri-se: Que bom, ainda haver pessoas assim. Bom, teríamos de saber mais qualquer coisinha, pode ser muito boa na oração e ser uma grande, grande, pecadora…- minimizo. Não… brinca, vê-se que é uma cristã… E isso tem uma grande importância? Para mim, sim – diz. Então qual é a sua igreja… A Igreja Universal – responde-me. Ah, uma vez assisti a um dos vossos cultos… Onde? No Cinema África, está a ver ao tempo… Então está cá há muito tempo. Eu, vivo cá há treze anos… Não me diga que agora vou ver sempre esta cara-linda… A cara-linda é comigo? – insisto, surpreso. Claro. Sai-me de jacto: Mas você julga que não sei o que é uma ruína? Retorque: Cada idade tem a sua beleza…

Já sabe tudo sobre o comércio de Deus. Não me hei-de esquecer de voltar.

05/02/2018

Um fox terrier com três patas. O Tripé. Mordeu-me duas vezes na bochecha esquerda. A de baixo, entenda-se. Lembro-me porque era o cão do Spencer, um cabo-verdiano que era um diabrete com a bola. O talhante Dias vaticinou, Este rapaz está destinado ao Benfica.

Aos catorze redobrou-se a aliança: o Spencer entrou no Benfica. Foi uma festa no bairro e abriu-se o champanhe.

Lembro-me que o pai do Adriano era embarcadiço e a mãe – uma mulata com dengue – começou a ter uns casos. Constava. Tudo se abafava, à mãe da futura estrela do Benfica perdoava-se tudo.

Lembro-me da primeira vez que nos zangámos. O Victor Hugo, my best friend, desentendeu-se com ele e o Spencer deu-lhe um empurrão que o fez cair desamparado, partindo o braço.

Lembro-me que no instante em que o reencontrámos, no bar do cinema, há sete anos que não falávamos.

O Victor Hugo cochilava ao meu lado com os diálogos rebarbativos do Ingmar Bergman. Ao intervalo quis dar de frosque. Fomos ao bar esgrimir argumentos. Foi aí que o encontrámos.

Jogava no Braga, no Benfica fora barrado pelo Chalana e mudara-se para o norte. Tivera duas épocas de vulto, mas agora estava lesionado. Tornou-se evidente que teria de rever o filme noutra ocasião.

Arrastou-nos para uma discoteca, em frente à Lisnave. Aí passámos a pente fino as recordações comuns, decilitro a decilitro. Com um senão que foi espalhando as metástases: as pequenas incidências, os ângulos de vista sobre os episódios vividos em comum dividiam-nos em tudo. Enfim, tudo quanto marcara o Spencer, não nos causara mossa, impressão, não recordávamos, e vice-versa. Vivêramos duas vidas paralelas e instalava-se o nevoeiro. Ele, pelo seu lado, não se lembrava do “acidente” em que partira o braço ao Victor Hugo, «não me lembro, juro…», e emborcava o seu quinto whisky. Tínhamo-nos afastado tanto? E estávamos a caminho da segunda garrafa de whisky.

O Adriano, mandou vir outra a garrafa, que ele pagaria, pois estávamos tesos. Eram os 500 contos que ele se gabara de ganhar contra os 10 do Victor Hugo na Lisnave salvaguardavam-nos de quaisquer hesitações. Só que ele insistiu em continuar a desfilar as suas lembranças e nós a disfarçarmos as lacunas com um olho na miúda da pista.

De repente levantou-se um burburinho na porta e o Spencer julga reconhecer a voz de um patrício e foi espreitar a confusão. Nós, aliviados, comentávamos o desacerto do reencontro. Bebemos mais meia garrafa, antes de começarmos a suspeitar que ele não voltava. Mais tesos que o Tripé, e com oito contos de despesas.

Um ano depois, a sair de casa, reencontro-o a estacionar o Mustang à entrada do prédio da mãe. Dou-lhe um abraço, chamo-lhe sacaninha e pico-o pela «banhada». Ele ouve a queixa, mede a situação, saboreia os pormenores e sentencia, secamente, Oh, pá, não me lembro de nada, juro!

8 Fev 2018