Barajas em modo de espera

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] espera é milimétrica. Crónica. Escadas volantes sem apoio. Tractores que puxam carris. Mercadoria e malas de viagem. Passageiros a partir sem malas. E chegam ainda sem elas.

Alguém varre o chão. Há décadas a ver gente partir e chegar sem poder adivinhar a não ser o serem gente.

As mesmas horas da madrugada podem ser o princípio ou o fim do dia. Ou a continuação.

Várias línguas imperceptíveis à distância.

Tanto barulho para tirar um café espresso. O empregado bate com o manípulo para sacudir as borras do café. A máquina do café é accionada de novo.

Passageiros puxam ou empurram malas.

Mini-saias com pernas e calções bem moldados. Há mini saias que ficam tão bem em quem as traz vestidas.

DEVANEIO E FUGA: “Tenho de pagar o telefone. Não tenho ligação à internet. O céu “é” azul. Ser céu não é ser azul (sintético a posteriori). Não ecoa nenhuma música.

A realidade não mexe uma palha.”

Não sei como hei-de estar sentado.

DEVANEIO E FUGA: “As hospedeiras levitam. Umas pernas com vergão, por terem estado sentadas em cadeiras de vime, erguem-se de trás triunfantes. Ah! a glória daquelas pernas!

As sanduíches entram pela boca de pessoas empenhadas em fazer desaparecer tudo para o lado de dentro delas!”

A fila inteira à espera e a empregada diz num Castelhano franquista: “tienen” não sei o quê “esperar”.

Há 20 minutos que esta mesa espera comigo. Estou de viagem. Mas estou e não estou a ir. Estou a viajar enquanto espero pela ligação aérea? Parado, vou no tempo até daqui às 15h45. É uma crença, uma fé ou uma superstição? Com o tempo vem o avião e o momento para entrar para dentro do avião. Mas eu não estou a andar.

Deveria fazer-me ao caminho? Sentado, estou de viagem entre destinos. Não me entra dentro da cabeça, mas sei que é o tempo para chegar do destino de origem ao destino final.

DEVANEIO: “Nove minutos.”

Onde estive? Caio outra vez na realidade e ouço alguém perguntar a outrem: “O que bebes?” – “Uma coca cola zero.” Uma francesa diz ao namorado atrás de mim: “Je suis choisie?” – “qu’ est-ce que ça veut dire?”.

Faltam 4 horas e 15 minutos para o embarque. Estou em viagem?

Agora, 4 horas e 12 minutos.

Vou ser deslocado. De resto, vou a pé daqui até ao “Gate”, palavra internacional. Depois sento-me dentro do avião. Deslocam-me.

Agora, faltam 4 horas e 10 minutos. 250 minutos. Mas falta mais para chegar.

INTERPRETAÇÃO: “Este tem mesmo cara de português.”

Japoneses com máscaras na boca. SINISTROS.

Vou estar assim nos próximos 248 minutos. Não dormi nada.

DEVANEIO E FUGA: “a miniatura do carro dos bombeiros é aqui real e está lá fora.”

DEVANEIO E FUGA: “Família simpática troca de lugar com uma anciã. A velha não fica e vocifera não sei o quê. É contra o marido que não está nada bem. Péssimo aspecto. As muletas apoiam-se nele e a mesa dá-lhe com a aresta na barriga.”

Falho um letra no teclado.

 

Adormeci por um lapso de tempo.

São 10h41m no AIR.

Estou a ir para Lisboa e ainda não saí daqui.

DEVANEIRO E FUGA: “Percorro o teclado com os dedos e bato nas mesmas letras em tempos sempre diferentes. Palavras diferentes integram as mesmas letras. A mesma letra tem posições diferentes para poder intervir elementarmente em palavras diferentes.

Nunca se bate uma letra da mesma maneira, nem no mesmo tempo. Por exemplo, a letra “o” em “P-o-r” e em “exempl-o” e em “o”. 1, 2, 3, 4, 5, 6. Seis vezes bati na palavra “o” e, agora, mais duas.”

Afinal…

Enganei-me. Falta mais tempo do que eu pensava. “Que contas faço?”. Acho que vou adormecendo e acordando. Só não adormeço por completo, para estar alerta. Está aqui muita gente. Não gosto de dormir ao pé de gente. É íntimo.

Faltam afinal 5 horas. São 300 minutos.

Recontagem. Começa do princípio e com mais tempo por decorrer.

Faltam 4 horas e 35 minutos. 25 minutos desde que não olho para as horas.

As casas de banho estão todas em serviço ao mesmo tempo. Nunca percebi por quê. Ou então estão ocupadas. Andei de um lado para o outro. O aeroporto nunca mais acaba. Andei muito. 25 minutos, mas não foi para ir para casa. Vou de avião. Por isso andar por andar e andar para ir têm sentidos diferentes. Só um me leva. O outro fixa-me.

Qual o sentido desta circunstância? Eu sabia que isto ia ser assim. Não pude evitar.

Faltam 4 horas e meia para as 15h45m. Agora, agora, agora, agora, agora, agora, agora, agora. Tantos “o’s” em h-o-ras e em ag-o-ra. A: [A superfície das coisas é insuportável]. Nem um pensamento ocorre. Pessoas, empregada de mesa, a miúda ali à frente.

Um tipo deixa cair o casaco e segue em frente. “Perdoname”, grita um tipo atrás de mim. O estrangeiro não o ouve. Tenho de gritar: “HEY!”. -“Thank you”, responde. – “You’re welcome.” Este foi o momento alto da manhã. Fez afluir sangue ao cérebro.

Ia dizer que B: [A: [a superfície das coisas é insuportável]]. Só quando estão estagnadas. O casaco que caiu desequilibrou o universo. Foi “interessante”. O enfoque estava na película entre mim e a totalidade da apresentação, do lado de dentro de cá, silencioso, não interventivo. O casaco que cai mudou o enfoque. Anulou-se a minha absorção ainda do lado de cá do ecrã: “HEY!” (Gritei mesmo!). Mas o tipo olhou. Seria uma maçada ter de me levantar para o fazer ir buscar o casaco.

Bons cinco minutos os que entretanto passaram.

Qualidade de tempo???????????????????

Parou.

Altifalantes. Castelhano. Copos de plástico.

Há quanto tempo estou nisto?

São 11h27. Assinalei 10h41m.

O que sucedeu das 10h41m e às 11h28, agora?

Nada de interessante.

11:30

Please pay attention…diz o speaker.

Que mulher tão disformemente GRANDE.

11:32.

11:33.

11:34.

Vou para outro sítio.

11:56

Minutos divertidos. Fui buscar um carro para a mala. Depois, fui andar nos tapetes rolantes. Espectáculo! Só um grupo de três criaturas me iam estragando a brincadeira. Mas assinalei pesado a minha presença. Um desviou-se e os outros queriam brincadeira. Começaram a andar depressa também. Nada como acelerar. Deram passagem. Chato são os que se deixam ultrapassar e depois ultrapassam. Mas pronto também se divertem.

Vi duas louras espampanantes.

O melhor de tudo foi ver o voo anunciado no ecrã. 3 horas e 45 minutos para a partida. Mas 3 horas e 15 minutos para o embarque. A contar com o facto de que a expectativa de primeira ordem altera a percepção. Estimula-a intrinsecamente.

12:03

Sono. Muito sono. Não dormi nada esta noite.

12:52

Passou-me pela cabeça andar nos tapetes rolantes ao contrário. Mas não tive coragem. Houve muitos mais “cortados”.

Reparei que as pessoas ao fundo do corredor parecem ser mínimas. À medida que se aproximam parecem aumentar de tamanho. Será que quando passam por mim e ficam atrás das minhas costas continuam a aumentar de tamanho? Olho para trás. Não. Diminuem de tamanho. As coisas só têm o mesmo tamanho se não se mexerem.

1:04 pm

Dói-me tudo.

Nada de glorioso nem nobre, nem estético. Nada.

A seca. A seca de uma outra forma de vazio que não a que provoca a sede. A seca total.

2:20 pm

It moved.

2:21 pm

A expectativa altera a apresentação intransitiva do mesmo.

O tédio frita todo o desespero, toda a melancolia. A não ser que seja o tédio a melancolia sem apelo nem agravo.

6:29 hora local. Passaram mais de cinco horas.

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