Jogo | Grupo Suncity nega congelar levantamentos dos clientes

[dropcap]O[/dropcap] maior angariador do mundo de grandes apostadores, com mais de 40% do mercado das apostas VIP em Macau, disse à agência Lusa que não existe congelamento de levantamento de fundos, após queixas de supostos clientes.

“Não há casos em que os clientes sejam impedidos de efectuar levantamentos devido ao congelamento de fundos”, indicou à Lusa a Suncity.

Nas últimas semanas têm surgido vários queixosos que denunciam, em páginas da internet e de forma anónima, que estão a ser impedidos de retirar os fundos que investiram no grupo, com 17 salas VIP no território e que está presente em todos os grandes operadores na capital mundial do jogo, Melco, MGM, Sociedade de Jogos de Macau (SJM), Galaxy e Wynn.

Numa página da internet, que junta 20 queixosos e que se autodenominam “Aliança dos Direitos do Cliente SunCity”, promete-se que vão tomar as devidas medidas legais para recuperar um soma até mil milhões de dólares de Hong Kong ao grupo que, para além de Macau, tem ainda salas de jogo VIP nas Filipinas, Camboja, Coreia do Sul e acabou a construção de um ‘mega resort’ no Vietname.

“O Grupo reitera que os falsos rumores prejudicaram seriamente os interesses e a reputação do Grupo. O Grupo condena veementemente quaisquer indivíduos que espalhem os rumores com intenção maliciosa, e reserva-se todos os direitos de intentar ações legais contra tais indivíduos”, respondeu a Suncity.

A empresa garante ainda que fornece “aos clientes um serviço de depósito/retirada de fichas de jogo para fins de entretenimento”.

Vários órgãos de comunicação têm noticiado que os operadores de jogo de Macau têm sofrido uma significativa saída de capitais durante este verão, o que tem perturbado os fluxos de capital em caixa.

Vários clientes terão levantado os seus fundos, após a China ter começado uma luta contra o branqueamento de capitais, o jogo ‘online’ ilegal e contra a saída de capitais do país.

“O negócio VIP do Grupo Suncity é financeiramente sólido”, garantiu a empresa à Lusa, negando assim as acusações de falta de dinheiro em caixa.

A Lusa questionou a Direção de Inspeção e Coordenação de Jogos (DICJ) de Macau sobre se tinha recebido queixas contra a Suncity e se existe suficiente dinheiro em caixa nos casinos.

A DICJ respondeu apenas que vai continuar “a monitorizar o funcionamento dos casinos e intermediários de jogos de fortuna e azar em Macau e “acompanhar de perto a situação para assegurar o desenvolvimento saudável da indústria do jogo em Macau.

Quanto aos branqueamentos de capital, a entidade responsável pelo jogo na capital mundial dos casinos apontou à Lusa que “os licenciados e intermediários de jogo têm vindo “a implementar medidas de acordo com a política do Governo de Macau contra o branqueamento de capitais”.

Em finais de agosto, Pequim anunciou criação de uma ‘lista negra’ de destinos turísticos de jogo em casinos por perturbarem a “ordem comercial do mercado de turismo estrangeiro da China” já que “algumas cidades estrangeiras abriram casinos para atrair turistas chineses a jogar”.

Para as autoridades chinesas, tais também põem “em perigo a segurança pessoal e patrimonial dos cidadãos chineses”.

A China prometeu impor “medidas restritivas de viagem contra cidadãos chineses que viajam para cidades estrangeiras e locais”.

Desde que a Suncity anunciou, em entrevista à Lusa em maio de 2019, que pretendia concorrer às novas licenças de jogo em Macau em 2022, tem sido assolado por vários casos tendo sido acusado de promover “jogo online”, “apostas por procuração” e até de ser investigado por parte das autoridades chinesas por dar apoio aos manifestantes pró-democracia em Hong Kong.

O grupo negou sempre estas acusações. “O Suncity Group coopera sempre plenamente com o Governo chinês e com o Governo de Macau para evitar que Macau se torne um centro de branqueamento de capitais, permitindo que a indústria do jogo se desenvolva de forma saudável”, frisou agora à Lusa a empresa.

Já em julho deste ano, o grupo salientou a sua robustez financeira, negando ainda rumores de que a alegada investigação de Pequim tivesse levado a uma corrida dos clientes para levantarem o dinheiro depositado.

Em julho, Alviu Chau afirmou que o Suncity VIP Club tinha uma reserva fiscal de 10,58 mil milhões de dólares de Hong Kong e que o total de activos compensava os depósitos dos clientes, perdas previsíveis e dívidas incobráveis.

Macau, capital mundial do jogo, é o único local em toda a China onde o jogo em casino é legal e obteve em 2019 receitas de 292,4 mil milhões de patacas. Este ano, devido à pandemia da covid-19 as empresas de jogo de Macau têm registado vários milhões de euros de perdas nas receitas devido às restrições fronteiriças no território que em 2019 recebeu quase 40 milhões de visitantes.

Hong Kong | Activista pró-democracia Joshua Wong detido por “reunião ilegal”

[dropcap]O[/dropcap] activista de Hong Kong pró-democracia Joshua Wong foi hoje detido pela polícia, acusado de participar numa “reunião ilegal”, numa manifestação no ano passado, segundo a agência de notícias France-Presse (AFP), que citou o advogado. Wong é ainda acusado de violar uma lei que proibia o uso de máscaras nos protestos pró-democracia que agitaram o território, no ano passado.

Numa mensagem publicada hoje no perfil de Joshua Wong na rede social Twitter, pode ler-se que o activista “foi detido quando se apresentou na Esquadra Central da Polícia, cerca das 13:00 de hoje”.

Na mensagem, acrescenta-se ainda que “a detenção está relacionada com a participação numa assembleia não autorizada em 05 de outubro, no ano passado”, e que Wong é também acusado de “violar a draconiana lei anti-máscara”, cujo texto foi depois considerado inconstitucional.

ONU | Japão, Índia, Alemanha e Brasil exigem lugar permanente no Conselho de Segurança

[dropcap]A[/dropcap] Alemanha, a Índia, o Japão e o Brasil exigiram ontem, à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, um lugar permanente no Conselho de Segurança, um pedido que já é antigo, mas que dificilmente surtirá o efeito pretendido.

“Estamos empenhados em relançar as discussões sobre a reforma do Conselho de Segurança” da Organização das Nações Unidas (ONU), explicitaram, em comunicado conjunto citado pela France-Presse (AFP), os ministros nos Negócios Estrangeiros do Brasil, Ernesto Araújo, do Japão, Motegi Toshimitsu, da índia, Subrahmanyam Jaishankar, e o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Niels Annen.

Estes quatro países consideraram que “o mundo hoje é muito diferente daquele que viu a criação das Nações Unidas há 75 anos”. Há “mais países, mais pessoas, mais desafios, mas também há mais soluções”, acrescentaram os diplomatas.

A ampliação do Conselho de Segurança, com mais elementos permanentes e não permanentes, foi um dos principais tópicos de discussão durante a semana. Actualmente, os Estados-membros permanentes deste organismo são os Estados Unidos da América (EUA), a China, a Rússia, França e o Reino Unido. Há outros dez países que integram o Conselho de Segurança, que são escolhidos para um mandato de dois anos, mas cinco são renovados anualmente.

A Alemanha é um dos países que integra este órgão da ONU até ao final do ano, enquanto a Índia deverá ocupar o seu lugar no início de janeiro, por um período de dois anos.

A reforma exigida no Conselho de Segurança começou a ser discutida em 2005, mas ainda não houve grandes avanços nesse sentido.

Contudo, em 2020, ano em que o mundo foi abalado por uma pandemia, os países signatários consideram necessário ampliar o número de Estados-membros permanentes no Conselho de Segurança, para que seja “mais representativo, mais legítimo e eficaz”.

Caso contrário, este organismo ficará “obsoleto”, alertaram as quatro potências através da nota conjunta. A reforma, sustentam, é a única maneira de “preservar a sua credibilidade e criar o apoio político necessário à resolução pacífica das crises internacionais”.

A semana de alto nível na Assembleia Geral da ONU decorre durante esta semana, num formato sem precedentes nos 75 anos da organização, em que os discursos de chefes de Estado e de Governo serão feitos por vídeos previamente gravados, por causa da pandemia da doença provocada pelo novo coronavírus.

China permite que estrangeiros com autorização de residência válida retornem sem novo visto

[dropcap]A[/dropcap] China anunciou ontem que vai voltar a permitir a entrada no país de estrangeiros que ainda tenham uma autorização de residência válida, sem a necessidade de pedir novo visto. Em comunicado conjunto, os ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Administração Nacional de Imigração detalharam que a eliminação de parte das restrições em vigor vai ser aplicada a partir da próxima segunda-feira, dia 28.

A medida abrange autorizações de residência válida para três categorias: trabalho, assuntos pessoais e re-agrupamento familiar. No entanto, os estrangeiros cuja autorização de residência chinesa expirou durante a sua estada no exterior devem continuar a pedir novo visto nos consulados e embaixadas da República Popular da China.

As demais restrições à entrada de estrangeiros no país – por exemplo turistas – anunciadas em março continuam em vigor. “O Governo chinês vai continuar a retomar o intercâmbio entre pessoas de forma ordenada e passo a passo, ao mesmo tempo que garante o controlo efetivo da pandemia”, acrescentou o documento.

No dia 26 de março, a China praticamente fechou as suas fronteiras e só permitiu a entrada de estrangeiros no país em casos considerados essenciais. As dificuldades continuam para quem ficou “retido” no exterior, devido à escassez de voos.

A Administração de Aviação Civil do país asiático aplica uma política designada “cinco uns”. A medida limita drasticamente o número de passageiros que chegam ao país ao permitir apenas que cada companhia aérea opere uma única rota por semana a partir de cada país, recompensando-os com mais voos semanais ou punindo-os com a suspensão com base no número de passageiros infectados a bordo dos seus aviões.

Governo descarta que saída de Ho Weng Wai seja retaliação da Formosa

[dropcap]O[/dropcap] Governo nega que a saída de Ho Weng Wai da posição de chefe da Delegação Económica e Cultural de Macau em Taiwan esteja relacionada com uma retaliação do Governo da Ilha Formosa.

“Ho Weng Wai cessa, a seu pedido e por motivos pessoais, a comissão de serviço como chefe da Delegação Económica e Cultural de Macau em Taiwan, a partir de 26 de Setembro de 2020; a partir do mesmo dia, Lam Chi I, funcionária da Delegação, é nomeada chefe, substituta”, pode ler-se no comunicado emitido pelo Gabinete de Comunicação Social. “A mudança de pessoal é um procedimento comum e a Delegação Económica e Cultural de Macau em Taiwan continua a funcionar com a devida normalidade”, é acrescentado.

Foi a 16 de Setembro que o processo da saída de Ho Weng Wai começou a gerar controvérsia. Isto porque anteriormente a imprensa de Taiwan havia avançado que o visto de trabalho do dirigente do Escritório Económico e Cultural de Taipei na RAEM tinha sido recusado, por este ter alegadamente afastado qualquer hipótese de assinar um documento a reconhecer o princípio “Uma só China”.

Segundo o consenso de 1992, o Governo da República Popular da China e de Taiwan reconhecem que só há uma única China, mas deixam a interpretação sobre quem tem legitimidade para governar em aberto.

Dúvidas dissipadas

Além do caso de Macau, as autoridades de Hong Kong confirmaram ter recusado dois vistos a representantes de Taiwan na RAEHK, por estes se terem recusado a assinar declarações semelhantes.

Face a estas situações, geraram-se várias dúvidas não só sobre a saída de Ho Weng Wai, mas também da possibilidade da representação de Macau em Taiwan encerrar ou deixar de fornecer alguns dos serviços para os cidadãos da RAEM. Também este cenário foi desmentido pelo Governo de Ho Iat Seng. “A Delegação Económica e Cultural de Macau em Taiwan vai, tal como sempre, permanecer firme na defesa do princípio de “uma só China”.

Continuará a promover activamente e a apoiar as associações de Macau em actividades de intercâmbio e cooperação com a sociedade de Taiwan, nas áreas da economia, cultura, educação, desporto e turismo”, foi escrito. “A Delegação também disponibiliza todos os serviços e apoios necessários aos residentes de Macau que se encontrem em Taiwan”, é concluído.

A economia digital da China (I)

“China’s biggest messaging app WeChat helped create 29 million job opportunities last year and has since helped stabilise the country’s employment situation in the time of the coronavirus pandemic.”
Yujie Xue

[dropcap]Q[/dropcap]uando o WeChat começou a espalhar-se na China com algum espanto, muitos residentes estrangeiros assistiram a um espectáculo nunca antes visto, pois os chineses andavam a falar com os seus smartphones, quase descansando os lábios sobre eles, como se fosse um tiro no queixo.

Enviavam mensagens de voz e corria o ano de 2011. O aparecimento deste hábito poderia marcar simbolicamente o início da era WeChat na China. Como tantas outras coisas que pareciam absurdas e apareceram primeiro na China, as mensagens de voz tornaram-se gradualmente habituais também no Ocidente. Nesse ano começou um período de grandes mudanças no mundo da tecnologia chinesa. Sabemos que as ferramentas tecnológicas que utilizamos mudam os hábitos pessoais, sociais e de trabalho, e no caso dos telemóveis até a nossa postura física (ombros ligeiramente curvados, olhando para baixo).

Na China, a mudança com o advento do WeChat mudou totalmente a abordagem à rede e, consequentemente, pouco a pouco, a vida quotidiana. Por exemplo, as mensagens de correio electrónico desapareceram rapidamente. O Gmail não fazia sentido, não tinha qualquer utilidade, excepto perder tempo à espera que as páginas fossem carregadas tão lentamente que levava à exasperação. Tudo passou para o WeChat, que provou ser rápido, imediato, uma farpa. Substituiu rapidamente até velhos hábitos por novas formas de relacionamento. Um grande clássico na China, por exemplo, eram os cartões-de-visita, mesmo no caso de actividades bastante fantasiosas e improváveis, era bom creditar a sua existência com um cartão-de-visita. E na China pode-se imprimir milhares deles por alguns yuans. Até os estrangeiros aprenderam rapidamente, pois recebiam o cartão com duas mãos e entregavam o seu da mesma forma. O WeChat marcou o fim de um mundo e até os cartões-de-visita desapareceram. Tornou-se habitual digitalizar o Qrcode em vez dos cartões-de-visita.

E começaram a digitalizar o Qrcode em todo o lado e a obter qualquer coisa como benefícios, descontos ou para participar em eventos. Foram inauguradas novas danças sociais como aproximar os telemóveis e digitalizar os Qrcodes uns dos outros, a forma de “conectar”. Novos hábitos e novos dilemas. A pessoa que digitaliza, ou a que é digitalizada é mais importante? Mas depois de tudo, veio a conclusão da mudança em curso. E veio como se fosse natural, como se todo o país estivesse à sua espera. A certa altura foi possível ligar a sua conta a uma conta bancária chinesa (obtida por ocidentais graças a muitos saldos burocráticos na fase inicial do WeChat, enquanto hoje tudo é mais rápido, mesmo que haja muitas mais limitações para os estrangeiros) e finalmente poder comprar qualquer coisa com o seu smartphone. A partir desse dia, até a carteira se tornou inútil. Mesmo os cartões de crédito, para aqueles que os possuíam, tornaram-se desnecessários.

O WeChat lançou o desafio aos chineses sobre dois conceitos, o tempo e a velocidade, transformando uma sociedade clamorosamente dependente do papel, carimbos, passos burocráticos numa sociedade subitamente sem dinheiro e sem a necessidade de imprimir e nada carimbar. Mas o que é exactamente o WeChat? Explicar a um ocidental pode ser complicado. Algumas pessoas tentam descrevê-lo como sendo a “aplicação de aplicações”, ou seja, contém dentro, o que estamos habituados a utilizar separadamente. Se o quisermos descrever através de uma comparação com o nosso mundo tecnológico, podemos dizer que é como um contentor gigante que reúne o Facebook, Instagram, Twitter, Uber, Deliveroo e todas as aplicações que utilizamos. É uma explicação que tem a sua lógica, mas não está completa. Em primeiro lugar porque, cada vez que se utiliza o WeChat, descobre-se novas funções recém-desenvolvidas, novos usos que depois podem transformar-se em novos hábitos.

É habitual, por exemplo, reservar exames médicos, pagar impostos ou contas através do WeChat; ou encontrar-se, andando pelas ruas das metrópoles chinesas, sem-abrigos que mostram aos transeuntes uma placa com um Qrcode para receber esmolas. As esmolas, também na China são feitas através do WeChat.

Além disso, se é verdade que o WeChat também pode ser descrito como uma soma de aplicações que conhecemos e utilizamos, também contém uma característica muito especial em comparação com as nossas aplicações, pois pode ser utilizado para pagar qualquer coisa. Cada conta WeChat está de facto ligada à conta bancária do utilizador e, através da leitura dos vários Qrcode, pode comprar tudo, desde uma viagem de táxi a fruta numa loja na rua, desde livros numa loja online a snacks postados via WeChat por um amigo no chat privado. Com o WeChat pode até fazer todos os cartões para o casamento.

E mesmo o divórcio, pois pressionar o botão do pedido é tudo o que é preciso para começar a papelada. O WeChat sabe tudo sobre quem o utiliza, conhece os movimentos tanto online como offline, graças à possibilidade de pagar qualquer negócio e ser tão “rastreado” mesmo quando pensa que não está no ciberespaço. O super apêndice acabou por criar uma espécie de ecossistema dentro do qual nada mais é necessário, porque é capaz de cuidar de todos os aspectos da vida quotidiana. Em algumas cidades, o perfil WeChat é utilizado como um documento de identidade. Tudo está dentro do WeChat e isto significa que na China, se não tiver “a aplicação de aplicações”, está completamente fora do mundo. Não descarregar o WeChat é uma escolha da vida real. Aqueles que tentam resistir, têm uma existência infernal.

Há quem decida viver sem a aplicação. O que motiva esta escolha é a certeza de que os seus dados serão recolhidos e utilizados, e não empregar a aplicação é uma forma quiça de “dignidade” ou não. Quem decidiu não usar e cada vez que recebe um novo cliente, este deve ser avisado dessa escolha, porque é dado por garantido que todos têm WeChat. Quando se viaja para o estrangeiro com os seus colegas, outros podem facilmente ligar-se ao WeChat utilizando o WiFi disponível, “mas se quiserem falar com quem não usa a aplicação têm de pagar para ligar ou enviar mensagens”. Até os familiares dos poucos que não usam a aplicação tentam que reconstituam os seus passos e descarreguem a aplicação.

Isto acontece porque quando falamos do WeChat não estamos a falar de uma simples aplicação pois dentro do WeChat navegamos, como se a aplicação fosse a própria rede, pois de facto existem “mini-programas” (como por exemplo o de um restaurante mongol ou uma loja de robots), ou seja, mini-sites inseridos dentro da aplicação, onde a vida de todo o sistema de Internet chinês tem lugar. E os serviços continuam a aumentar, tal como as aplicações. Eis um exemplo simples de um mini-programa que é o correspondente Instagram chinês e é uma das muitas aplicações, mas está dentro do WeChat. Parece ser uma coisa pequena, mas não é, numa economia que se baseia agora na exploração de “grandes dados”. O WeChat evoluiu para uma espécie de sistema operativo dentro do qual todos os programas funcionam.

É uma porta de entrada para tudo o que se pode fazer com um smartphone na rede e offline, capaz de canalizar uma enorme quantidade de dados e dinheiro de diferentes formas com publicidade também, mas a maior parte das receitas depende dos gadgets e jogos na aplicação, dos serviços premium para os utilizadores e especialmente da percentagem que assume cada pagamento. Mas não só, pois a quantidade de dados que a empresa possui fornece aos seus clientes comerciais (os produtores de “mini-programas”) uma personalização cada vez mais direccionada dos seus utilizadores. O WeChat tornou-se a memória histórica dos gostos, paixões, ideias, inclinações, potencial de gastos de mais de um milhar de milhão de pessoas e que sabe o que fazer com todos estes dados.

O impacto da “revolução tecnológica” chinesa não é apenas mensurável com a tentativa do Facebook de capturar os segredos comerciais do WeChat. O Ocidente neste momento é confrontado com produtos chineses de alta tecnologia no mercado mundial. A China é um concorrente dos países ocidentais pelo domínio do mercado de Inteligência Artificial, 5G e do mundo dos “grandes dados”. Por esta razão, é importante analisar o nascimento do WeChat, um evento capaz de fornecer chaves para estudar melhor o impacto do desenvolvimento chinês de alta tecnologia em todo o mundo. Para compreender porque é que o Facebook está interessado no WeChat, porque é que o Google teria cooperado com o governo chinês para criar um motor de busca, porque é que o “Great Firewall” (o sistema que bloqueia a visão do conteúdo indesejado) é uma espécie de guia para todos os Estados interessados no controlo da informação (especialmente na Europa Oriental), porque é que o próximo desafio entre a China e o mundo ocidental será o 5G e a Inteligência Artificial e o seu potencial de controlo científico, comercial e social, é necessário olhar cuidadosamente para a história dos actuais líderes do mercado chinês.

A história do WeChat e Tencent, a empresa que “inventou” a famosa aplicação, conta muito sobre o que a China é, o que poderíamos ser amanhã, e também esclarece a forma como as empresas chinesas foram capazes de tornar o seu know-how ocidental próprio para produzir novos produtos capazes de se imporem no mercado global. O universo tecnológico chinês é um território onde as empresas treinadas por uma concorrência muito dura se movem, onde não faltam golpes que são proibidos e onde se sente a presença constante do Estado. Neste sentido deve ser feito um esforço pois a China, para além de ser liderada por um governo forte, tem um mercado interno muito vivo, complicado e em constante mudança. A história do WeChat tem as suas raízes em Shenzhen, uma cidade do sudeste da China. Nos anos 1970, o então líder chinês Deng Xiaoping compreendeu a necessidade do país de entrar no mercado mundial para tirar a sua população da pobreza geral.

E como parte do plano de “aberturas e reformas”, a aldeia piscatória de Shenzhen tornou-se uma “zona económica especial” e, como tal, foi esmagada pelo rápido desenvolvimento. A passagem de centenas de milhões de pessoas acima do limiar da pobreza ao longo de duas décadas é um acontecimento único na história humana e explica em parte porque é que o Partido Comunista Chinês, o criador e líder deste processo, é ainda hoje tão central para a sociedade. Desde o final dos anos 1970, os agricultores ou camponeses tornaram-se progressivamente a força de trabalho especializada na produção manufactureira.

As grandes empresas estatais foram privatizadas, chegaram as primeiras joint-ventures com utilização de capital estrangeiro. Baixos salários, alta intensidade de trabalho, preços baixos nos mercados ocidentais – a “fábrica do mundo” estava em pleno andamento, moendo o PIB, inundando os mercados ocidentais com os seus produtos. Com o tempo, esta riqueza começou a circular e os que tinham melhores ligações puderam aproveitar ao máximo a enorme urbanização do país.

A produção industrial e imobiliária começou a estar cada vez mais ligada e apareceram os primeiros bilionários chineses, os que atraíram a maior atenção dos meios de comunicação ocidentais. Mas não é tudo pois nesses anos, os rebentos de uma classe média amadureceram, o que constitui um motor fundamental do país. As três gerações da família representam esta evolução de uma forma plástica, o avô era agricultor, o pai era comerciante de meias produzidas em Shenzhen, o filho tornou-se um empresário no mundo da tecnologia e produz micro baterias movida a energia solar. À medida que o destino das pessoas mudava, o mesmo acontecia com as cidades. Durante a década de 1970, Shenzhen tinha-se tornado um dos centros de fabrico do mundo a partir de um pequeno porto. Nos anos de 1990, começou a tornar-se uma incubadora de empresas tecnológicas.

Actualmente é considerado o Vale do Silício chinês (em Shenzhen tem os seus escritórios também a Huawei, uma empresa líder na produção de smartphones e infra-estruturas de rede). Em Shenzhen, em 1998, Ma Huateng, de 27 anos de idade, fundou a Tencent, uma empresa tecnológica cujo produto principal era um sistema de mensagens, QQ, inspirado por uma tecnologia israelita (ICQ, produzida pela empresa de arranque Tel Aviv Mirabilis) e muito semelhante ao “Messenger” do Microsoft Windows ou AOL (que no final dos anos de 1990 denunciou a Tencent por ter copiado o seu próprio Messenger). Mas Huateng pressentiu a possibilidade de melhorar a tecnologia israelita, graças à experiência adquirida na sua actividade anterior no negócio “pager”. Pony Ma, como ele próprio se chama e como Ma Huateng é conhecido em todo o mundo, decidiu acrescentar algumas características ao QQ e permitiu primeiro a cada utilizador aceder à sua conta a partir de qualquer computador da rede.

De facto, deve considerar-se que até pouco antes apenas se podia aceder à sua QQ a partir de um local fixo do qual a sementeira foi descarregada. Neste sentido, Pony Ma apenas adaptou a sua criatura ao progresso da rede no país. Até esse momento, de facto, os chineses ligavam-se à Internet principalmente em cibercafés, lugares famosos por serem frequentemente fetiches. Mas Huateng percebeu o potencial da Internet na China, o que resultou na explosão das vendas de computadores pessoais, computadores portáteis e redes privadas de Internet. É de recordar que em 2006, a ligação doméstica estava aliada à rede com um ADSL e custava quase 8 euros por mês e dentro de quatro anos, o WiFi estaria em todo o lado a um custo muito mais baixo.

Pony Ma foi capaz de capturar e explorar esta mudança de época. Em segundo lugar, graças a um acordo inicial com a companhia telefónica estatal da região de Guangdong (em 2001 tinha feito acordos em todo o país), Pony Ma permitiu também conversas entre computadores pessoais e o sistema de mensagens para telemóveis. Finalmente, colocou nos jogos de software, gadgets (os mais populares foram os avatares QQ) que deram vida aos lucros a Ma e aos seus associados que aumentaram ainda mais a partir daí, com a criação de uma plataforma QQ de bloggers. Mais uma vez, os lucros vieram dos gastos dos utilizadores para melhorar e personalizar o seu blogue. O processo de transformação da economia chinesa deu uma viragem fundamental em 2008, quando o contexto mudou completamente. A crise do subprime e, de um modo mais geral, a economia ocidental tinha levado a liderança chinesa a repensar o seu modelo de desenvolvimento baseado nas exportações. Até esse ano, o sucesso e crescimento da China dependiam quase exclusivamente da sua função de “fábrica do mundo”, ou seja, produtora de quantidades gigantescas de bens de baixo custo.

Em 2008, este sistema foi radicalmente alterado pois a queda nas encomendas de produtos chineses dos mercados ocidentais obrigou o governo chinês a alterar o seu sistema de produção económica. O mantra que acompanhou o crescimento da “sociedade harmoniosa” começou a ser “menos quantidade, mais qualidade”.

Também começou a ser concebido um abrandamento económico, a fim de garantir um desenvolvimento mais sustentável e, sobretudo, um maior impacto em termos de rendimentos. Graças aos recursos económicos acumulados nos anos anteriores e ao regresso de muitos chineses que tinham estudado e trabalhado no estrangeiro, o governo decidiu investir fortemente na inovação e nas novas tecnologias. Em 2008 teve início a transformação da China num país impulsionado pela economia digital.

Os líderes no poder tinham insinuado que o futuro do país passaria pelo mercado interno e a capacidade de inovação das empresas nacionais. O sentimento era o de viver num país em grande transformação, com uma energia ilimitada e uma população que começava a perceber que estava em meados do seu “século”. Parecia apto para encerrar o processo que tinha feito da China um lugar onde as competências estrangeiras eram muito procuradas; após a crise de 2008 no Ocidente, depressa se tornou claro que a China estava agora preparada para o fazer sozinha.

O medo do delírio

[dropcap]D[/dropcap]esde os inícios do século XX que se tornou corrente criar um texto literário e, ao mesmo tempo, concebê-lo como um vórtice que se recorta, que se adia e que se procura. Um texto à procura de si mesmo no modo como se organiza, como se desmonta e como se repõe diante dos olhos do leitor. Se as teorias desconstrutoras, como a de Derrida, parecem por vezes muito próximas do delírio, ainda que sejam paradoxalmente realistas (o delírio advém da dificuldade em expor de modo racional o que não cabe na expressão necessariamente lógica), na sua aplicação à leitura literária, contudo, elas reaparecem com alguma nitidez.

Deixo para reflexão um conto de José Cardoso Pires, intitulado ‘Uma Simples Flor nos teus Cabelos Claros’, publicado no ano de 1963 no volume Jogos de Azar*. O conto propõe um esquema de montagem alternada e faz lembrar as aventuras visuais que Jean-Luc Godard estava a experimentar na época. Trata-se de um processo de ‘mise en abyme’ que vai colocando face a face situações diferenciadas, embora surjam sequencialmente entremeadas. Dois casais cruzam as suas histórias: Quim e Lisa estão no mesmo quarto a horas tardias: “[S]ão quase duas horas da manhã…”. Paulo e Maria, por sua vez, são personagens de uma história que Quim está a ler. Deambulam numa praia, em final de Inverno, durante o entardecer: “[…] os dois numa arrancada, correram pelo areal, saltando poças d’água […]”. O contraste entre as duas situações é radical. Lisa e Quim partilham um universo de angústia (percorre-os um ambiente de corte, de alheamento e de acenos rudes), enquanto a poética e uma conjunção quase ideal de afectos dominam o ambiente em que Paulo e Maria se enunciam.

Ao fim e ao cabo, nenhuma das duas histórias se impõe à outra. Antes se misturam e caminham para uma espécie de indefinida fusão em que o sentido se subentende e se interroga mais do que se clarifica. O início da enredo (o único ‘incipit’ que conheço que se inicia com a adversativa “mas”) situa a leitura de Quim e é aí que surge em cena o que, para ele, são personagens que saltitam em modo duplo: Paulo e Maria (ainda que a personagem feminina não apareça com iniciativa própria, mas apenas de uma maneira indirecta). Afinal, temos sobretudo Paulo que se debate com um outro interveniente não menos importante: a natureza abrupta e imprevista do mar.

O texto avança e reflui, tal como as marés, e constrói-se ao mesmo tempo que se cinde consigo mesmo. Para que este objectivo se vá materializando, é de crucial importância a presença de uma poética rica e de uma potente afirmação das ferramentas e dos materiais literários. Ao contrário da teoria (que se enclausura nos seus sintagmas rígidos e que passa o tempo a augurar legitimidades), a autonomia do texto artístico permite diluir identidades, complementar remissões, gerir as mais diversas elipses, jogar com o plano das decisões aparentemente definitivas, flutuar a bordo da instabilidade do discurso e, em primeiro lugar, nunca visar um desígnio ou um final derradeiro.

A grande literatura, no fundo, consegue levar a cabo a orquestração turbulenta da nossa própria consciência. É nesse interface que a denegação, a cesura, a sobreposição súbita e o ‘não dito’ integram a fluência de uma mesma equipa. Por outras palavras: é a flutuar nas águas agitadas da nossa consciência que a mais genuína expressão do delírio leva a cabo as suas travessias naturais, sem que o medo e o preconceito nos agarrem com a mão e nos afoguem em tabus e preconceitos. Leiamos este trecho do conto que serve de clister e de expiação ao mesmo tempo:

“Quim…/  Outra vez?/ Desculpa, era só para baixares o candeeiro. Que maçada, estou a ver que tenho de tomar outro comprimido./  Lê um bocado, experimenta. / Não vale de nada, filho. Tenho a impressão de que estes comprimidos já não fazem efeito. Talvez mudando de droga… É isso, preciso de mudar de droga./ – Tão bom, Paulo. Não está tão bom?/ – Está óptimo. Está um tempo espantoso./ Maria continuava sentada na areia. Com os braços envolvendo as pernas e apertando as faces contra os joelhos, fitava o nada, a brancura que havia entre ela e o mar, e os olhos iam‐se‐lhe carregando de brilho./ – Tão bom – repetia./– Sim, mas temos que ir./ Com o cair da tarde a névoa desmanchava‐se pouco a pouco. Ficava unicamente a cobrir o mar, a separá‐lo de terra como uma muralha apagada, e, de surpresa, as dunas e o pinhal da costa surgiam numa claridade humilde e entristecida.”.

Pires, José Cardoso. ‘Uma Simples Flor nos Teus Cabelos Claros’ em ‘Jogos de Azar’. Lisboa, Dom Quixote, (1963) 1999.

Cadernos de Bernfried Järvi

20/08/20

 

[dropcap]“A[/dropcap]prende como aprendem as folhas a cair/ Fora de perigo, por amor”, escreveu o poeta inglês James Fenton, e disse tudo sobre o que um Estado, em últimas instâncias, deve proporcionar aos seus cidadãos: condições para aceitar a morte, por amor.

Nos antípodas do que aconteceu com aquela mulher em Cabo Delgado, que foi interpelada por soldados e teve o destino lancetado por um ímpeto de crueldade.

É irrelevante saber se os soldados eram do exército regular ou se eram insurgentes camuflados para denegrir os supostos legítimos. Foi um resultado do mesmo clima que fez brotar insurgentes nos ramos de cada cajueiro e transformou o estupro na única regra moral.

Profusos, multiplicam-se e pendem como frutos, depois de se sentirem maltratados, esquecidos, tratados como gado, escarnecidos das suas expectativas e do sonho de serem engenheiros de pontes ou informáticos de ponta. Foram abandonados nas mãos dos radicais islâmicos e de outros recrutadores da rebelião.

Quando não se dá educação, é isto que acontece. Quando não se dá habitação é isto que acontece. Quando não se dá oportunidades iguais, é isto que acontece. Quando se abandona tudo aos encarniçamentos tribais, é isto que acontece. Quando se pensa mais na riqueza das minas do que na saúde das pessoas, é isto que acontece. Quando se pensa na política como um modo de extorsão e não como um Meio para o desenvolvimento sustentável… ei-los que pendem estranhos frutos, tão intragáveis como os da canção de Billie Holliday.

21/08/20

Uma boa malha é este pequeno (grande) livro que agora comecei a ler, uma das minhas compras felizes em Lisboa, Cadernos de Bernfried Järvi, do Rui Manuel Amaral (Livraria Snob). Ainda só li um terço do livro mas é uma delícia. A epígrafe do livro talvez lhe dê uma chave de leitura. É uma frase de Erik Satie: “Chamo-me Bernfried Järvi como toda a gente” (sublinhado meu) e no fundo Rui Manuel Amaral procede a uma imensa paráfrase do enigma que se coloca de imediato: quem é afinal este anónimo Silva?

Numa pulsão diarística, o livro expõe uma sensibilidade que parece nascida de uma liga que fundisse Bernardo Soares, Kafka (o dos Diários), os delírios de Arlt, e os cafés de Cela (o de A Colmeia), com uma especiosa precisão na linguagem e recursos imagéticos tanto mais ricos quando “acontecem” de um modo imanente, “como quem não quer a coisa”. Aliás, de x em x páginas a narrativa é interrompida por uma irónica “manobra de abrandamento das espectativas” que introduz blocos informativos (O que são as nuvens?/ Como se originam as nuvens?/ Qual é a causa da neve?/ Porque não damos pelo movimento de rotação da terra?/ Que efeitos produzem os eclipses nos homens, nos animas e nas plantas; etc.), os quais, à maneira de um flaubertiano dicionário de ideias feitas, nos pretendem advertir sobre a inutilidade de esperar-se demais da narrativa ou do putativo personagem que é o polinizador destes cadernos. Entretanto, degustamos (inúmeros) fragmentos como este:

«Mais uma noite sem dormir. Para não enlouquecer, fecho os olhos e imagino-me a arrancar ervas daninhas num jardim. Imagino os dedos a envolver cada caule e a força exercida pela minha mão para desenterrar os filamentos vivos da terra. O mesmo gesto, uma e outra vez, toda a noite até o pálido rubor da aurora estremecer perto dos subúrbios de Aachen.

O jardim é muito amplo e há uma quantidade infinita de ervas daninhas: cardos, chicória, beldroegas, trevo branco, funcho, dentes-de-leão. De quando em quando, por entre o verde exuberante das folhas, avisto a sombra indolente de um gafanhoto, um escaravelho em fuga, pequenos objectos, abundantes tesouros: pregos, cacos, vidrinhos afiados, uma chave. Mas não me deixo distrair do meu objectivo. Perto das seis da manhã, exausto, emocionado, orgulhoso, contemplo a minha obra.» (pág. 22)

Vou ainda na pág. 45 mas uma coisa me é evidente: se o conseguimento de uma narrativa se afere pela sua capacidade em criar um mundo autónomo, de uma lógica de funcionamento própria, com personagens e figurantes congruentes com a sua refracção do mundo, a aposta de Rui Manuel Amaral está plenamente realizada.

E acaso os meus amigos já deram conta da excelente colecção que o Rui Manuel Amaral dirige na Exclamação, a Colecção Avesso onde já sairam livros do Rubén Dario, do Charles Cros, do Alphonse Allais, do Arlt, de Félix Fénéon, ou de Alexandre Andrade, entre outros?
Um percurso intelectual muito sério que merece ser acompanhado.

22/08/20

Na recta final da tradução de um longo poema de Chantal Maillard, o primeiro passo para a tradução completa do seu livro, que foi prémio nacional em Espanha, Matar Platão. Deste poema de 18 páginas divulgo o seu poderoso desenlace:

«escrever/ como alguém que foge de um hospital e arrasta atrás de si/ o soro, o seu gotejar, a máscara de oxigênio e corre/ sobre agulhas envenenadas // Despertai!/ ninguém pode evitá-lo!/ é só uma questão de tempo/ contai os gritos sonhados/ no fundo da água/ Contai os gritos!// Cada qual com a sua dor a sós/ a mesma dor de todos. // – Alguém dissimula./ Sorri,/ devolvo o sorriso. Sei-o/ já no umbral obscuro./ Também ele sabe./ Mas esforça-se. Todos/ nos esforçamos./ Gritar é esforçar-se./ Gritar é rebelar-se. –// Escrever/ porque alguém se esqueceu de gritar/ e agora ficou um espaço em branco,/ que o habita// escrever porque é a forma/ mais rápida que tenho para me mover// escrever// e não fazer literatura?/ … / e o que mais dá!?// há demasiada dor/ no poço deste corpo/ para que me seja importante/ uma questão deste/ tipo. // Escrevo// para que a água envenenada/ possa beber-se.”

Marika Cukrowski, curadora do World Press Photo: “É importante ter uma presença em Macau”

A exposição das fotografias vencedoras do World Press Photo, promovida pela Casa de Portugal de Macau, é hoje inaugurada na Casa Garden, às 18h30, onde pode ser vista até ao dia 18 de Outubro. Ao HM, Marika Cukrowski, curadora de um dos maiores concursos de fotografia do mundo, falou de uma edição cheia de imagens de esperança e força. As manifestações que decorreram em vários lugares do mundo, incluindo Hong Kong, são um tema central

 

[dropcap]U[/dropcap]m jovem toca no peito, à noite, enquanto grita qualquer coisa, que soa como uma mensagem de esperança. A mensagem é poesia recitada no meio de uma manifestação no Sudão, a 19 de Junho de 2019. Enquanto recita poemas, o jovem é iluminado por telemóveis empunhados por outros jovens.

Esta imagem, captada pelo fotógrafo japonês Yasuyoshi Chiba, da agência France-Press, venceu a edição deste ano do World Press Photo e pode ser vista até ao dia 18 de Outubro na Casa Garden, numa iniciativa que conta mais uma vez com o apoio da Casa de Portugal. O regresso da mostra a Macau deixa Marika Cukrowski, uma das curadoras do World Press Photo, muito satisfeita.

“Estamos muito empolgados com o facto de esta exposição acontecer como habitualmente, mesmo com todas as alterações que decorreram este ano. Podemos não estar presentes na inauguração, mas assegurámos a sua continuação. É importante para nós ter esta presença [em Macau] para diversificar ao máximo o concurso e Macau é sempre um lugar interessante para estarmos, por ser um local onde várias culturas existem”, contou ao HM.

Esta é uma edição muito marcada por protestos em vários pontos do mundo, incluindo Hong Kong. São protestos que se calaram subitamente devido à pandemia da covid-19, mas cujas mensagens e ideias continuam a existir.

“Temos várias histórias e imagens simbólicas de manifestações em vários lugares no mundo. Temos a Foto do Ano, tirada no Sudão, temos os protestos de Hong Kong, uma imagem sobre os protestos no Chile. Mesmo a História do Ano é sobre os protestos na Argélia [Kho, the genesis of a revolt, de Romain Laurendeau]. Não se trata apenas de um lugar, mas é uma espécie de onda que chegou em 2019.”
Marika Cukrowski considera que a Foto do Ano é, sem dúvida, uma das imagens mais impressionantes do concurso. “Esta é uma imagem que sobressai em relação às outras, porque não é gráfica e está cheia de esperança. É muito representativa do tema deste ano. Desde 2018 que temos tido essencialmente temas ligados a manifestações e jovens que protestam sem recorrer a qualquer tipo de violência.”

Batalhas de Hong Kong

Os protestos de Hong Kong que decorreram em força no ano passado são um dos temas dominantes da edição deste ano do World Press Photo. Exemplo disso é o trabalho vencedor na categoria storytelling “Interactive of the Year”, intitulado “Battleground PolyU”. Com produção de DJ Clark e China Daily, trata-se de um trabalho digital de storytelling sobre os intensos protestos que decorreram nas instalações do Instituto Politécnico de Hong Kong.

“Foi sem dúvida um grande acontecimento que decorreu durante muito tempo. Há muitas imagens diferentes, tiradas durante um longo período de tempo, e todas elas são muito poderosas e simbólicas”, disse a curadora do concurso.

O trabalho de Nicolas Asfouri, intitulado “Hong Kong Unrest”, nomeado para a categoria “Story of the Year” é outro exemplo da forte presença das manifestações de 2019 no concurso. “Ele cresceu na Dinamarca e viajou para Hong Kong para cobrir os protestos, embora já tivesse feito a cobertura das manifestações durante o movimento dos guarda-chuvas. Disse estar surpreendido por estar tudo muito bem organizado e por haver muitos jovens desta vez”, contou Marika Cukrowski.

Para a responsável, a fotografia mais importante desta série de 10 imagens é o retrato de várias estudantes, com os seus uniformes escolares, de mãos dadas. “Normalmente associamos esta imagem a estudantes a caminharem nos corredores das escolas, mas aqui estão nas ruas, de mãos dadas, com as máscaras colocadas. É uma imagem muito poderosa e representativa das pessoas que se mantiveram de pé, a lutar pela sua liberdade.”

Ambiente e neonazismo

Além dos protestos, as questões ambientais voltam a marcar presença na edição deste ano, não só numa categoria em nome próprio, mas também na categoria de questões contemporâneas. “Temos imagens sobre os fogos na Austrália e também sobre os incêndios na Califórnia, ou sobre lagos que estão a secar em vários pontos do mundo. Este é sem dúvida um tema que está presente em várias categorias e assim vai continuar.”
Marika Cukrowski destaca também o trabalho do fotógrafo Mark Peterson, e que é o retrato de vários membros do grupo neonazi Shield Wall Network a celebrar o aniversário de Adolf Hitler num barco, no estado de Arkansas, EUA. Esta imagem ficou em terceiro lugar na categoria de questões contemporâneas.

“É uma imagem de confronto. Nem sempre é óbvio que os neonazis existem, mas a verdade é que nos EUA estes grupos estão a crescer. Esta foto é importante porque revela isso mesmo, bem como o facto de as pessoas não terem mais receio de pertencer a grupos neonazis. Esta é uma questão contemporânea preocupante. Parece ser uma minoria, mas a verdade é que está a crescer”, frisou.

Em primeiro lugar na categoria de questões contemporâneas, mas com uma única imagem, ficou o trabalho de Nikita Teryoshin, intitulado “Nothing Personal – The Back Office of the War”, tirada em Abu Dhabi por ocasião do International Defence Exhibition and Conference (IDEX).

“Esta imagem documenta o negócio da venda de armas e é algo muito poderoso. Este ano os protestos estão muito presentes no concurso, mas nos últimos anos a guerra foi um tema dominante. Então é interessante perceber de onde vêm estas armas e esse é um assunto que esta imagem explora, há muito dinheiro envolvido. Ele [Nikita Teryoshin] foi lá fotografar as pessoas sem revelar os seus rostos”, concluiu a curadora.

Covid-19 | Máscaras obrigatórias nos casinos até Março

[dropcap]T[/dropcap]odos os trabalhadores dos casinos de Macau vão continuar a ser obrigados a utilizar máscara até 22 de Março de 2021, segundo um despacho divulgado ontem pelo director dos Serviços de Saúde.

A medida tinha sido imposta a 22 de Janeiro, no mesmo dia em que Macau registou o primeiro caso do novo tipo de coronavírus no território, através de uma mulher de 52 anos, comerciante, oriunda da cidade chinesa de Wuhan, onde a pandemia começou.

“Todos os trabalhadores, sem excepção, que prestam serviço nos casinos, e durante todo o seu horário de trabalho, são obrigados a utilizar máscara de protecção respiratória”, lê-se no despacho que tem sido alargado ao longo do ano e que agora está em vigor até ao dia 22 de Março de 2021.

O director Serviços de Saúde, Lei Chin Ion, justificou que “em função da evolução da doença do novo tipo de coronavírus, se determinou o prolongamento do período de vigência da medida de controlo”.

As autoridades testaram mais de 50 mil trabalhadores nas seis operadoras de jogo e as autoridades garantem a fiscalização rigorosa nos casinos, como o reforço da limpeza e desinfecção das instalações, medição da temperatura à entrada e ainda a obrigatoriedade de os clientes apresentarem certificado de resultado negativo do teste de ácido nucleico para poderem entrar nos espaços de jogo.

Desemprego | Número de pedidos de subsídio quase duplicou face a 2019

Entre Janeiro e Agosto, o Fundo de Segurança Social aprovou mais de 3.400 pedidos de atribuição de subsídio de desemprego. Este aumento fez disparar os custos com o apoio social de 14,4 milhões para 38,6 milhões de patacas

 

[dropcap]N[/dropcap]os primeiros oito meses do ano houve mais de 3.400 pedidos de subsídio de desemprego, o que representa quase o dobro face ao montante total do ano passado, quando 3.511 pessoas requisitaram o apoio. Os valores foram revelados por Iong Kong Io, presidente do Conselho de Administração do Fundo de Segurança Social (FSS), ontem à margem da celebração do 30.º aniversário do organismo que dirige.

“Ao longo dos oitos meses do ano recebemos cerca de 3.400 pedidos de subsídio de desemprego. Este número envolve um pagamento de 38,6 milhões que já é superior ao do ano passado, quando foram pagos 14,4 milhões de patacas”, afirmou Iong Kong Io.

Os números avançados pelo Governo revelam também que desde Março até Agosto houve um aumento de cerca de 2.264 pedidos, uma vez que nos primeiros três meses do ano, segundo as estatísticas do portal do FSS, tinham sido aprovados 1.136 novos pedidos. Segundo a legislação em vigor, o valor do subsídio de desemprego é de 150 patacas por dia e pode estender-se num máximo de 90 dias por ano, o que significa um montante anual máximo de 13.500 patacas por ano. Esgotados os 90 dias, as pessoas precisam de esperar mais 12 meses para poderem voltar a candidatar-se ao apoio.

Os números acompanham assim o crescimento da taxa de desemprego que de Dezembro do ano passado para Julho deste ano saltou de 1,7 por cento para 2,9 por cento.

Em clima de crise económica, ficou por confirmar a injecção por parte do Governo das habituais 7 mil patacas nas contas individuais do regime de previdência central não-obrigatório. A atribuição da verba está dependente dos excedentes orçamentais, mas como o orçamento para este ano deve ser deficitário, existe o risco de não ser distribuído no próximo ano.

“Temos de avaliar a situação financeira para decidir a questão de voltar a atribuir a verba no próximo ano. O problema vai ser avaliado pelo Governo e até Novembro, nas Linhas de Acção Governativa, vai ser falado”, comentou o presidente do FSS. Só neste ano a distribuição das sete mil patacas, que em condições normais só podem ser levantadas depois completados 65 anos, custou aos cofres da RAEM 2,8 mil milhões de patacas.

Resposta à crise

Por outro lado, o responsável sublinhou a importância das medidas adoptadas pelo Governo, numa altura de dificuldades, e diz que poderá haver mais iniciativas no futuro. “Com o surto da epidemia a nível mundial muitos sectores da sociedade estão a ser afectados. Muitas pessoas estão a sofrer dificuldades financeiras e o Governo da RAEM já lançou uma série de políticas para aliviar as dificuldades […] Com base nas nossas receitas vamos ter um plano para continuar a responder à situação”, apontou.

Na cerimónia de celebração de 30 anos do Fundo de Segurança Social foi revelado que, desde 2018, 232 empregadores aderiram ao regime de previdência central não obrigatório. O sistema envolve assim mais de 21.700 trabalhadores e os empregadores foram ontem distinguidos por terem aderido à iniciativa. A Escola Portuguesa de Macau foi uma das instituições louvada pelo Governo por ter aderido ao regime de previdência central não obrigatório.

Plano Director | Especialistas querem visão a longo prazo e mais dados

Especialistas ligados à engenharia e ao planeamento urbanístico esperam que o Executivo possa ser mais transparente em relação ao Plano Director, apresentando os prós e contras de construir a linha Leste do Metro Ligeiro à superfície ou debaixo da terra. Agnes Lam considera faltar coordenação ao Governo

 

[dropcap]“O[/dropcap] que vejo é que não existe coordenação suficiente e é por isso que trouxemos aqui especialistas de diferentes sectores”, afirmou ontem Agnes Lam, à margem de um encontro promovido pela Universidade de Macau (UM) sobre os planos previstos na área dos transportes e da cidade inteligente, que constam no Plano Director.

Numa sessão que juntou, académicos e técnicos ligados à engenharia e ao planeamento urbanístico, foi consensual a ideia de que o Governo deveria partilhar mais informações e dados concretos, que estiveram na base das decisões apresentadas no plano que se encontra em consulta pública até 2 de Novembro.
Lee Hay Ip, presidente honorário da Associação de Engenharia Geotécnica e membro do Conselho de Planeamento Urbanístico (CPU) afirmou estar preocupado com a construção da linha leste do Metro Ligeiro, nomeadamente, com o facto de não existir nenhum estudo comparativo que indique as vantagens e desvantagens de fazer a obra acima do subsolo, recorrendo a uma ponte, ou debaixo da terra, através de um túnel subaquático, sendo esta última, a opção em cima da mesa.

“Devia existir um intervalo de custos de construção, para o público ter noção, de que se trata de uma obra de 50 milhões ou de 500 mil milhões. Deviam listar os prós e os contras e o custo correspondente de cada opção de forma a que a população de Macau tenha dados suficientes. Para já, não temos nada. Além disso, não sabemos quais os custos de operação, a longo prazo, de fazer um túnel”, apontou.

Devido às mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global, Lee Hay Ip apontou ainda que “ir para debaixo da terra” acarreta outros riscos, tal como o aterro da Zona A poder vir a inundar, colocando em causa o projecto, que assegura o transporte de passageiros, mesmo quando é içado o nível 10.

“O nível das inundações que resultam do “storm surge” tem vindo a aumentar desde o Hato. Se demorarmos 10 anos a construir a linha leste, quer dizer que em 2030, quando estiver operacional, e com uma perspectiva de utilização de 20 anos, em 2050, com o nível das inundações a aumentar, o próprio aterro da Zona A pode ficar abaixo do nível da água. Será seguro manter o metro a funcionar nestas condições e com tantas pessoas debaixo da terra?”, sublinhou engenharia geotécnico.

Por seu turno, Sio Chi Veng, Presidente da Associação dos Engenheiros de Macau alertou para a importância de não descurar os interesses de turistas e residentes e os gastos a longo prazo, inerentes à manutenção das infra-estruturas previstas no Plano Director, sobretudo porque “Macau tem muito dinheiro”.

“Não podemos pensar que [o Plano Director] apenas vai afectar os próximos 20 anos, mas talvez os próximos 100. Estas infra-estruturas vão afectar a vida de Macau depois de 2040. Macau (…) não se preocupa com quanto tem de gastar com a manutenção. Mas se compararmos com outras regiões, que têm limitações financeiras, as estações (…) incluem, por exemplo, um centro comercial ou uma área residencial, para a tornar lucrativa e funcional. Acho importante considerar o panorama geral, a longo prazo, e não apenas os custos iniciais”, defendeu

Só para turistas?

Outra das preocupações apontadas prende-se com o facto de o Plano Director não prever a passagem do Metro Ligeiro no centro de Macau. Para Chan Mun Fong, professor adjunto da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UM, a decisão “foi uma grande desilusão”, esperando, pelo menos, que o plano que previa ligar a Barra às Portas do Cerco “não seja esquecido”.

“Não quero continuar a ouvir que o Metro Ligeiro é para os turistas. Esta linha poderia mudar essa concepção, ou seja, que é também capaz de servir uma grande fatia da população de Macau. Por isso, é possível fazer uma obra que sirva a população e que não tem obrigatoriamente de passar no meio da cidade”, referiu o académico.

Também Lee Hay Ip considerou que a passagem pelo centro de Macau “é muito importante para os residentes”, apesar de compreender que “é muito difícil em termos de engenharia”. “Neste caso, fazer o metro passar por baixo da terra pode ser uma boa solução”, acrescentou.

Agnes Lam espera igualmente que o Governo volte a pôr no plano “a intenção de colocar o metro a passar pelo centro de Macau”.

“O traçado actual não está suficientemente focado no dia-a-dia das pessoas e da comunidade. Alguns desses planos já existiam e, se não os podemos concretizá-los, é preciso explicar porque não podem ser feitos”, vincou a deputada.

Ondas de choque

Para Agnes Lam, a falta de coordenação na forma como o Plano Director foi apresentado está relacionada com o facto de o Governo de Ho Iat Seng ser relativamente recente.

“O conflito deve-se também, a meu ver, com o facto de Macau ter mudado de Governo há pouco tempo. Alguns departamentos já tinham feito parte do planeamento, mas, ao mesmo tempo, há indicações em sentido contrário. Acho que o Governo, especialmente o novo Chefe do Executivo, que parece ser mais determinado a tomar decisões, deve dar atenção à forma como os trabalhos estão a ser coordenados”, explicou a deputada ao HM.

De acordo com a deputada, um exemplo disso é a possibilidade de o Executivo deixar cair os planos previstos para a Zona D, para construir o novo aterro que vai ligar a Zona A ao nordeste de Macau, algo que estará a ser negociado com o Governo Central.

“Há uma intenção substancialmente diferente em relação ao que consta no Plano Director e o Governo tem de explicar a razão, fornecendo dados, o que justificou essa decisão. Se consideram que a Zona D não é boa ideia (…) têm de traduzir isso em números, porque, neste momento, não é possível compreender como foi tomada esta decisão”, explicou.

Hac Sá | Agnes Lam questiona projecto do parque de campismo

Agnes Lam tem dúvidas se o novo projecto do parque de campismo de Hac Sá está de acordo com o Plano Director, segundo o Jornal do Cidadão. Segundo a deputada, a zona deve ser preservada e caso o projecto tenha fim turístico, a preservação da montanha pode ficar em risco, defendendo também que a zona da praia não deve ser demasiado desenvolvida.

Lo Chi Kin, vice-presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), disse no programa Fórum Macau, do canal chinês da Rádio Macau, que o projecto de renovação do parque de campismo não deve ser “de nível internacional”, explicando que a intenção do Governo é disponibilizar instalações municipais de boa qualidade aos residentes. Lo Chi Kin disse que o projecto do novo parque de campismo deve estar de acordo com o Plano Director, actualmente em consulta pública, algo que motivou o adiamento dos trabalhos do IAM.

FAOM sem consenso sobre possível apresentação na AL de projecto de lei sindical 

[dropcap]O[/dropcap]s deputados ligados à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) ainda não chegaram a consenso quanto à possibilidade de apresentarem um novo projecto de lei sindical na Assembleia Legislativa (AL). Na conferência de imprensa de ontem, que serviu para fazer um balanço da última sessão legislativa, foram apresentadas posições diferentes sobre o assunto.

Para Lam Lon Wai, eleito pela via indirecta, cabe ao Governo apresentar a proposta, ouvindo as posições do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) e da população. “A lei sindical só tem vantagens para a sociedade e estamos optimistas em relação à legislação”, disse. Ella Lei lembrou que o Governo prometeu avançar para a lei sindical, defendendo uma discussão com a sociedade sobre a elaboração do diploma, a fim de incluir os direitos sindicais e o direito de participação dos trabalhadores.

Já Lei Chan U, frisou que a lei sindical já foi chumbada no hemiciclo mais de dez vezes, mas que o consenso em torno desta questão ainda está a ser construído junto da sociedade. O deputado lembrou que o último relatório do CPCS sobre este assunto revela que há uma maior proporção de pessoas a pedir a lei sindical o quanto antes. Lei Chan U sublinhou que este diploma é necessário, além de já ter sido prometido pelo actual Chefe do Executivo, Ho Iat Seng.

Dúvidas e pandemia

Relativamente ao trabalho desenvolvido na qualidade de deputados, Lei Chan U lembrou que a FAOM recebeu, em contexto de pandemia, muitos pedidos de ajuda da parte de trabalhadores do sector da restauração, construção civil, logística e jogo. O deputado disse que na próxima sessão legislativa é importante melhorar a questão dos salários em atraso e implementar uma maior regulação das licenças sem vencimento, bem como reforçar o combate ao trabalho ilegal.

Além das preocupações relacionadas com a pandemia, a FAOM lidou também com queixas sobre habitação e trânsito. Os deputados, como Ella Lei, expressaram o desejo de que o Governo possa melhorar o planeamento urbanístico e a utilização dos terrenos.

Ella Lei frisou que é necessário estabelecer um calendário na área da habitação pública, a pensar nos candidatos em lista de espera e pede a construção de mais apartamentos T2 ou T3 para os candidatos com famílias maiores, além de dizer ser necessário criar mais políticas de habitação para a chamada classe sanduíche.

O deputado Leong Sun Iok afirmou esperar que o Executivo apresente o projecto completo do metro ligeiro com mais detalhes sobre o orçamento e o segmento da Ilha de Hengqin. Além disso, o tribuno defendeu que o Governo deve recorrer aos terrenos não aproveitados para criar mais parques de estacionamento provisórios. Ainda na área do planeamento urbano, Lam Lon Wai pede o aproveitamento de 40 terrenos que ainda estão por recuperar, como é o caso do terreno à entrada da Taipa destinado ao parque temático Oceanis ou onde está a velha fábrica de panchões Iec Long. O deputado deseja ainda que sejam criadas mais zonas verdes nos novos aterros ou em zonas costeiras na península e ilhas.

Ambiente | DSPA não define metas para reduzir uso de plástico

O Governo não se compromete com metas ou medidas restritivas para prevenir o uso de plástico. A resposta da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, à interpelação de Sulu Sou, esbarra no pedido de acção de activistas de defesa do ambiente e na urgência de travar o poluente que está em todo o lado

 

[dropcap]O[/dropcap] Governo não vai estabelecer metas, nem prazos, para a redução do uso de plástico, é a principal conclusão que se retira da resposta da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSAP) a uma interpelação escrita de Sulu Sou. Posição que esbarra não só no pedido do deputado, mas também na expectativa de activistas ambientais, como Annie Lao da Macau for Waste Reduction.

“Acho que o Governo é muito lento a agir. Para mim, não são sérios em relação ao ambiente, por isso só conseguem dar passinhos pequenos”, reagiu a activista que tem movido uma cruzada contra o plástico de uso único.

A resposta assinada por Raymond Tam refere que está “previsto um novo estudo no 4º trimestre do corrente ano, com vista a comparar a tendência da variação dos sacos de compra abandonados, incluindo os sacos de plástico”. O director da DSAP acrescenta que será feita uma avaliação regular, mas, “por enquanto, não há uma meta de redução”.

Posição que não surpreende Annie Lao, mas que testa a paciência. “Dizem que vão continuar a estudar e estudar. De quantos estudos precisam para perceberem o problema ambiental que existe há tantos anos? O mundo está cheio de plástico, o tempo de fazer estudos acabou, é preciso passar à acção imediata, agir.

Façam algo. Apelo ao Governo para agir com coragem, ambição, para ser ousado”, desabafa a ambientalista.
Ainda no capítulo dos estudos, importa referir que todos os anos, cada pessoa consome, pelo menos, 50 mil partículas de microplásticos e respira a mesma quantidade, indicou um relatório publicado em 2019 na revista científica Environmental Science and Technology. No mês passado, outro estudo científico demonstrou que se pode encontrar plástico em órgãos vitais como pulmões e fígado, mas também nos rins e baço.

Fim da esferovite

A resposta de DSPA refere ainda que “existem diferentes opiniões na sociedade sobre a implementação de medidas restritivas” e que o Governo “deve ponderar a sua operacionalidade” e eficácia.

Entretanto, a entidade liderada por Raymond Tam garante que vai continuar a apostar na sensibilização da sociedade para “promover práticas mais amigas do ambiente”. Uma atitude louvável, na óptica de Annie Lao, que reconhece o papel pedagógico do Executivo. Porém, considera que “sem regulamentação é impossível consciencializar as pessoas.”

Fica o compromisso de restringir, de forma faseada, o uso de utensílios de mesa de plástico descartáveis” e no próximo ano o plano é “proibir a importação de utensílios de mesa de esferovite”. Medida aplaudida pela activista, principalmente porque as embalagens de esferovite não podem ser recicladas em Macau, ao contrário das de plástico. Mas que peca pelo impacto menor, por não ser tão utilizado por restaurantes como o plástico.

Uma outra questão que Annie Lao gostaria de ver respondida é o impacto da pandemia na questão ambiental. “Neste momento, devido à pandemia, as pessoas têm a tendência para pedir mais takeaway. Portanto, presumo que o uso de plástico vai aumentar ainda mais”.

Segurança | Armas e equipamento de vigilância importados por Macau

Em Macau existe tecnologia que permite interceptar dados de telemóveis. Uma entidade pública comprou em 2015 um IMSI catcher através do Governo suíço, e no ano passado foram rejeitadas mais duas encomendas. Além disso, Macau foi destino de armas de pequeno calibre, munições e de um sistema anti-drone, para dar alguns exemplos de equipamentos encomendados nos últimos anos a diversos países

 

[dropcap]N[/dropcap]o céu multiplicam-se os olhos, enquanto a vigilância se estende em terra. Em 2015, as autoridades de Macau importaram um IMSI catcher, um equipamento de vigilância que permite a intercepção de dados de telemóveis. “Podemos confirmar que a 21 de Agosto de 2015, foi aprovada a mediação e exportação de um IMSI catcher para uma agência governamental anti-corrupção”, respondeu ao HM o Consulado Geral da Suíça em Hong Kong.

De resto, a base de dados sobre tecnologia de vigilância “Surveillance Industry Index” mostra que Macau adquiriu tecnologia de intercepção em 2015, através do Governo suíço.

Questionado sobre a tentativa de comprar material militar e de vigilância a outros países, e de que se trata em concreto, o gabinete do secretário para a Segurança respondeu não ter informações a prestar.

O Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) também optou pelo silêncio. “Não temos comentários às suas questões”, foi a resposta dada ao pedido de confirmação do uso de um IMSI-catcher em investigações, quanto tempo os dados são mantidos e se são partilhados com outras entidades.

Um IMSI catcher funciona como uma falsa torre de rede móvel, levando telemóveis que estejam perto a conectar-se. Através deste mecanismo, pode ser partilhada a identidade do cartão SIM e revelada a localização do utilizador. Alguns podem também interceptar mensagens de texto GSM (Sistema Global para Comunicações Móveis) e chamadas. Há relatos de uso de IMSI catchers por forças policiais em vários locais do mundo.

O Consulado explicou que em Maio de 2015 o Governo da Suíça reforçou os critérios de avaliação para exportações e intermediação de mercadorias para vigilância da internet e telemóveis. A licença é negada se houver motivos para acreditar que os bens a ser exportados ou mediados vão ser usados como meio de repressão. A avaliação é feita de acordo com critérios internacionais da legislação de controlo de mercadorias.

Os equipamentos para vigilância da Internet e de telemóveis integram os chamados bens de uso duplo – podem ser utilizados a nível militar e civil. “A exportação de tais bens da Suíça é controlada desde 2012 com base em acordos internacionais. Para exportações da Suíça, a licença deve ser obtida através da Secretaria de Estado para os Assuntos Económicos SECO, com base na legislação de controlo de mercadorias”.

A procura por um IMSI catcher por autoridades da RAEM voltou a acontecer no ano passado, mas a representação consular indica que o licenciamento se tornou mais restritivo ao longo dos anos. “A 1 de Abril de 2019, não foram aprovados pela Secretaria de Estado dos Assuntos Económicos SECO novos pedidos de exportação de dois IMSI catchers adicionais para destinatários governamentais”, disse o Consulado Geral da Suíça, acrescentando que “devido à situação actual, tais mercadorias não seriam autorizadas no presente”.

Atenção à proporcionalidade

A advogada Catarina Guerra Gonçalves considera que a utilização deste tipo de equipamento coloca em risco o direito à privacidade. Em causa está a possibilidade de aceder a dados de tráfego (que permitem identificar para quem se liga, quando, com que duração e frequência), conteúdo e localização celular através do IMSI catcher.

A advogada alerta que a Lei Básica protege especificamente a liberdade e o sigilo dos meios de comunicação dos residentes de Macau e que nenhuma autoridade pública pode violar os mesmos, excepto por razões de segurança pública ou de investigação criminal. “Tanto a obtenção de dados de localização celular como de dados de tráfego afronta o direito fundamental à inviolabilidade das telecomunicações, (…) e só pode ser feito nas situações excepcionais aí previstas e com respeito dos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade”, analisou a especialista da área de protecção de dados pessoais.

A jurista deu como exemplo a impossibilidade de abranger um conjunto de pessoas que tenham telemóveis que não estejam envolvidas na prática de um crime, sendo “erigidas à categoria de suspeitos” pela circunstância de estarem no local e no momento em que ele é cometido.

“Ora, aparentemente, o IMSI catcher permite precisamente abranger todas as pessoas que estejam próximas do mesmo e que não se aperceberão que o seu telemóvel está a ligar-se a uma torre móvel falsa, o que constitui uma clara violação da privacidade”, declarou ao HM. Na óptica de Catarina Guerra Gonçalves, “dificilmente, o IMSI catcher pode ser usado proporcionalmente devido à forma como opera”.

A advogada observou ainda que a intercepção ou gravação de comunicações depende de ordem ou autorização do juiz, e que se os elementos recolhidos não forem relevantes devem ser imediatamente destruídos, com base no Código de Processo Penal.

Num tom mais geral, Julien Chaisse, professor de Direito na City University of Hong Kong e especialista na Plataforma de Política de Dados do Fórum Económico Mundial, comentou que os governos justificam o uso de IMSI catchers “em resposta à ameaça para fins de investigação ou, mais geralmente, para propósitos de segurança interna”, e que se tornaram “uma ferramenta poderosa para exercer vigilância sobre indivíduos seleccionados”.

Ao HM, explicou que, na maioria das jurisdições, são utilizados pela polícia ou serviços de inteligência, mas que o seu uso por vezes é ilegal por razões de liberdade civil ou protecção da privacidade. E aponta que o recurso a esta tecnologia está “bastante difundido”, com governos como o do Reino Unido, China e França a utilizá-la.

O docente considera que a interceptação de comunicações só deve ser feita depois de autorização judicial. “No entanto, parece que as autoridades supervisoras têm meios técnicos para usar IMSI-catchers quando querem e contornar esta limitação real ou potencial. Na verdade, há muito pouco controlo em jurisdições como os Estados Unidos, Inglaterra, França… Portanto, é difícil provar se foram feitas escutas fora da estrutura de controlo judicial”, apontou. Julien Chaisse ressalvou ainda assim que os dados recolhidos ilegalmente podem constituir evidência inadmissível perante um julgamento.

Defesas erguidas

Encontra-se informação dispersa sobre importações de equipamento militar e de uso duplo para a RAEM em documentos de governos que passaram licenças de venda. Um relatório sobre o controlo de exportações do Departamento do Comércio Internacional do Reino Unido de 2015 mostra as licenças autorizadas para bens com destino a Macau. A nível militar foi autorizada uma licença para munição de armas de pequeno calibre para finalidade de treino.

Entre o material não militar foi dada luz verde a câmaras, software e equipamento de segurança de informação, bem como equipamento de intercepção de telecomunicações. O valor total destes bens foi na ordem dos 5,4 milhões de libras. Por outro lado, foi rejeitada a venda de granadas de gás lacrimogéneo.

No relatório da entidade britânica surge uma licença rejeitada no relatório de 2017, referente a equipamento de protecção para substâncias usadas em controlo de motins, como por exemplo gás pimenta ou lacrimogéneo. No entanto, receberam autorização para munições de armas de pequeno calibre, equipamento de segurança de informação, e de identificação/detecção de explosivos civis.

O HM consultou dados do Ministério da Economia, Indústria e Competitividade de Espanha que indicam duas licenças autorizadas de exportação de material de defesa e uso duplo em 2017 para Macau, num valor de 15.246 euros. Os documentos apontam que o usuário final foi um privado.

Céu e inferno

A União Europeia (EU) adoptou em 2008 uma posição comum sobre o controlo da exportação de equipamento e tecnologia militar. “O objectivo da Posição Comum é assegurar a exportação responsável de armas pelos Estados-Membros, nomeadamente de forma a que a mesma não contribua para repressão interna, instabilidade regional ou agressão internacional, graves violações dos direitos humanos ou do direito internacional humanitário”, lê-se num relatório sobre a aplicação das regras de exportação. A União Europeia frisa que “uma política responsável em matéria de comércio de armas contribui para a manutenção da paz e da segurança internacionais”.

O documento mostra a exportação de armas da EU em 2018, por destino, um deles foi Macau. A Áustria emitiu seis licenças numa categoria que abrange armas de calibre inferior a 20mm, armas automáticas com calibre inferior a 12,7mm, assessórios ou componentes deste material, e uma licença para munições. Esta compras tiveram um preço de cerca de 69 mil euros. Da República Checa as licenças atingem 90.863 euros para adquirir munições.

Também Itália emitiu uma licença em 2018, no valor de 17.850 euros. O Consulado Geral de Itália em Hong Kong explicou ao HM que o equipamento em causa é um sistema anti-drone, comprado por uma entidade governamental, e que foi fornecido de acordo com todos os procedimentos internacionais e nacionais.

Mais recentemente, um relatório do Ministério da Economia e Energia alemão de 2019 revela que o país rejeitou exportações para Macau, no valor de 17.680 euros. Quando questionado sobre o produto em causa e se era destinado a uma entidade governamental ou privada, o Consulado Geral alemão em Hong Kong não quis comentar.

Riscos informados

O jurista António Katchi defende que o Governo devia esclarecer a população sobre os equipamentos usados pelas autoridades e entidades públicas em investigações. “As pessoas têm o direito de saber a que riscos estão expostas, quer nas suas comunicações, quer quando participem em manifestações, quer, inclusivamente, quando desobedecem a uma ordem policial”, disse ao HM.

Para além disso, considera que os médicos e enfermeiros devem ser esclarecidos sobre os materiais e equipamentos de que o Governo dispõe para operações repressivas, para poderem explicar os riscos da sua utilização e preparar-se adequadamente “para o tratamento das pessoas que viessem a ser atingidas”.

Sobre a rejeição da venda a Macau de equipamento militar e tecnologia de uso duplo por outros países, António Katchi entende que “poderá – ou deveria – constituir uma reacção à paulatina fascização do regime político de Macau, que tem tido como traço mais saliente o fortalecimento do poder, tanto jurídico como de facto, das autoridades policiais, quer perante os particulares, quer perante os demais poderes públicos”. No seu entender “o cenário está a ser montado para que, quando houver agitação social em Macau, a PSP e a PJ possam impunemente ‘partir a espinha’ aos ‘agitadores’, então convenientemente apodados de ‘terroristas’ ou ‘separatistas’ a soldo de forças estrangeiras”.

Mais câmaras

O secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, autorizou a instalação e utilização de mais 37 câmaras de videovigilância. De acordo com o despacho publicado ontem em Boletim Oficial, 33 destinam-se ao posto de migração do terminal marítimo do Porto Interior e de Iates da Divisão de Controlo Fronteiriço Marítimo e Aéreo do Departamento de Controlo Fronteiriço. A gestão do sistema de videovigilância fica sob a responsabilidade do Corpo de Polícia de Segurança Pública.

ONU | Xi Jinping recusa politização da pandemia

[dropcap]O[/dropcap] Presidente chinês, Xi Jinping, considerou esta terça-feira, na ONU, que se deve recusar a politização da pandemia de covid-19 e garantiu que a China “nunca entrará nem numa guerra fria nem numa guerra quente”.

Xi Jinping falava, num discurso pré-gravado, no debate geral da 75.ª sessão da Assembleia Geral da ONU, que decorre na sede da organização, em Nova Iorque, sem uma referência explícita aos Estados Unidos, cujo Presidente, Donald Trump, exigiu às Nações Unidas, no mesmo fórum, que peçam responsabilidades à China pela actuação de Pequim na fase inicial da expansão da pandemia do novo coronavírus.

“A China é o maior país em vias de desenvolvimento que sempre seguiu um caminho pacífico e de cooperação. Nunca pretendemos lutar pela hegemonia nem pela expansão e nunca procuraremos as supostas tentativas de influência”, afirmou o chefe de Estado chinês.

“Não temos a intenção de entrar numa guerra fria ou numa guerra quente com nenhum país. Pelo contrário, persistimos em ultrapassar as diferenças através do diálogo e solucionar as disputas através de negociações”, acrescentou.

Sem nunca se referir aos Estados Unidos ou ao nome do Presidente norte-americano, Xi Jinping mostrou-se contra o protecionismo e unilateralismo e foi ao encontro das palavras do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, ao defender o multilateralismo e a concertação de posições para ultrapassar as divergências.

“A politização da pandemia deve ser recusada e temos o imperativo de criar uma visão aberta e inclusiva, contra o protecionismo e contra o unilateralismo”, observou, salientando que se deve também “repudiar as disputas ideológicas, ultrapassar as armadilhas do choque das civilizações e respeitar mutuamente o caminho de cada país”.

Garantindo que Pequim está a colaborar com várias instituições científicas para se encontrar uma vacina eficaz para combater a covid-19, Xi Jinping lembrou que a própria China já está na fase final de ensaios clínicos para assegurar esse objetivo.

“Assim que estiverem disponíveis, iremos oferecê-las como bens públicos globais, priorizando os países em vias de desenvolvimento”, afirmou, referindo que Pequim irá também “cumprir o compromisso” de, nos próximos dois anos, oferecer 2.000 milhões de dólares para programas destinados à agricultura, alívio da pobreza, educação, mulheres, crianças e alterações climáticas.

Para o Presidente chinês, a prioridade passa por apoiar os países em desenvolvimento, sobretudo os africanos, e promover o alívio da dívida.

“A covid-19 não será a última crise da humanidade e devemos estar preparados para combatermos juntos os eventuais desafios globais. A pandemia lembra-nos que vivemos numa aldeia global interconectada e interdependente. (…) e mostra-nos que a globalização económica é uma realidade objetiva e uma corrente histórica. Não se pode meter a cabeça na areia, como a avestruz”, sublinhou.

Para Xi Jinping, a covid-19 demonstra que a humanidade “necessita de uma revolução” para propiciar formas ecológicas de promover o desenvolvimento e a construção da civilização ecológica, dando o exemplo chinês, cujas medidas ambientais vão permitir atingir as metas mínimas de dióxido de carbono antes de 2030 e materializar a neutralidade do carbono antes de 2060.

Já a nível internacional, o Presidente chinês anunciou que a China vai oferecer 50 milhões de dólares ao Plano Mundial de Resposta Humanitária ao covid-19 das Nações Unidas, e idêntico montante, a terceira contribuição, ao Fundo Fiduciário de Cooperação Sul/Sul entre a China e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

Anunciou também a expansão, a partir de 2025, e por mais cinco anos, do programa ligado ao Fundo para a Paz e Desenvolvimento China/ONU e que Pequim vai instalar um Centro Global de Conhecimento e Inovação Geoespacial das Nações Unidas e um Centro Internacional de Investigação de Macrodados também na sede da organização.

A semana de alto nível na Assembleia Geral da ONU começou esta terça-feira, num formato sem precedentes nos 75 anos da organização, em que os discursos de chefes de Estado e de Governo será feita por vídeos previamente gravados, devido à pandemia.

Huawei a lutar pela “sobrevivência” face a “incessante agressão” de Washington

[dropcap]O[/dropcap] presidente rotativo da Huawei, Guo Ping, reconheceu hoje que a “incessante agressão” dos EUA colocou o grupo de tecnologia chinês sob “forte pressão” e que o seu objetivo agora é lutar para “sobreviver”.

“A Huawei está numa situação difícil”, disse Guo, na abertura da conferência anual ‘Huawei Connect’, que decorre em Xangai, a “capital” financeira da China. “A agressão implacável exercida pelos Estados Unidos colocou-nos sob pressão significativa”, acrescentou.

Trata-se da primeira declaração pública do presidente do grupo chinês desde a entrada em vigor, na semana passada, das mais recentes medidas de Washington.

O Departamento de Comércio dos EUA anunciou que, a partir de 15 de setembro, os fornecedores globais da Huawei que usam tecnologia norte-americana no desenvolvimento ou produção dos seus produtos devem primeiro obter autorização de Washington para venderem componentes essenciais à empresa chinesa.

A Huawei e os seus fornecedores de ‘chips’ eletrónicos criaram reservas e tentaram concluir as entregas antes da entrada em vigor daquelas medidas.

Guo disse que a empresa continua a “avaliar cuidadosamente os impactos” e sublinhou que a “batalha pela sobrevivência” é agora o seu principal objetivo.

O presidente lembrou que a Huawei vai continuar a investir em conectividade, computadores de alto desempenho ou em Inteligência Artificial (AI).

A “sinergia” entre esses campos é fundamental não só para a Huawei, mas para o setor como um todo, afirmou.

Alguns fabricantes dos EUA, como a Intel ou a AMD, anunciaram que obtiveram a aprovação de Washington para fornecerem alguns produtos à Huawei, embora não tenham detalhado quais.

Outros fornecedores não norte-americanos pediram a licença de Washington para trabalharem com a empresa chinesa, mas ainda não receberam resposta.

A Huawei Technologies Ltd., a primeira marca global de tecnologia da China e líder no fabrico de equipamentos de rede e dispositivos móveis, está no centro de um conflito entre EUA e China motivado pelas ambições tecnológicas de Pequim.

Os Estados Unidos acusam a empresa de estar sujeita a cooperar com os serviços de inteligência chineses e lançaram uma intensa campanha para convencer os países aliados a excluírem-na das suas redes de quinta geração, a Internet do futuro.

Austrália, Estados Unidos, Nova Zelândia, Reino Unido ou Japão baniram já a participação da empresa nos seus mercados. Vários países europeus estão também a limitar a participação da Huawei nas suas infra-estruturas.

Em maio, a administração de Donald Trump estipulou também que os fabricantes estrangeiros de semicondutores que usem tecnologia norte-americana devem obter licença para vender semicondutores fabricados para a Huawei, dificultando ainda mais o acesso da empresa a componentes essenciais.

A Huawei nega as acusações dos Estados Unidos e as autoridades chinesas dizem que o Governo de Donald Trump está a usar leis de segurança nacional para restringir um rival que ameaça o domínio exercido pelas empresas de tecnologia norte-americanas.

O ponto do marido, as episiotomias de rotina e as grávidas que ficam por ouvir

[dropcap]O[/dropcap] ponto do marido é uma prática obstétrica que não consta nos manuais médicos. Há quem diga que é um mito: e de facto há qualquer coisa de misterioso à volta deste ponto. Não há uma narrativa científica de como veio ou de como se propagou, ou se existe exactamente como ‘ponto do marido’ que se insinua. No imaginário e na preocupação das grávidas existe de certeza. No imaginário público existe cada vez mais, já que se torna mais comum discuti-lo e analisá-lo. Antes da peça publicada pelo jornal Público no início do mês de Setembro, eu era uma ignorante do ponto. Mas o ponto precisa de um contexto, e o contexto é o da episiotomia de onde surge, supostamente, como consequência.

No momento de parir, quando os profissionais médicos acham que o canal não está francamente aberto para possibilitar o nascimento, realizam um corte no períneo, que se chama episiotomia. Quando se sutura este corte, com vários pontos, diz-se que o ponto do marido é o ponto que está a mais. As motivações mais pessimistas para este ponto realçam a tendência de ver o corpo gestante ao serviço dos outros. O foco no prazer masculino numa altura como aquela é um claro exemplo. Mas há quem diga que este ponto serve para ajudar a criar mais estrutura no períneo, para que não fique laço e flácido. As boquinhas de que ‘aperta-se mais um bocadinho, porque ele vai gostar’ é, supostamente, gozo. Uma brincadeirinha. Ninguém faz pontos mais apertados a pensar nos homens, fazem-no porque traz vantagens a quem está a parir, supostamente.
Mas ainda há mais conteúdo por digerir. Como qualquer assunto que envolva sexo, genitais, género e bebés.

De acordo com a OMS, recomenda-se que a episiotomia seja feita em 20 por cento dos partos. Em Portugal – dados de Macau não são de fácil acesso – 70 por cento dos partos levam com esta prática. Os dados da China continental também apontam para a regularidade do procedimento. Em vez de usado quando estritamente necessário, é usado como rotina. Já é mau o suficiente que a episiotomia seja tão popular.

Agora, sair disso, ainda, pontos que podem trazer mais complicações – dor na relação sexual, infecções, incontinência e desconforto geral – sinaliza um total desrespeito pelas pessoas que estão a parir. Mito ou não, há coisas que acontecem que não deviam acontecer.

As associações pelos direitos da mulher na gravidez e no parto, como existe em Portugal, ajudam a esclarecer a desarmonia que existe entre o contexto hospitalar e médico e o que acontece no momento de parir. Tudo bem que os partos destes nossos homo sapiens sapiens não são particularmente fáceis. Parece que esta estrutura, ao evoluir para encaixar a nossa capacidade bípede, tornou os partos mais difíceis do que nos outros mamíferos. As ancas estreitaram-se para andarmos erectos e os problemas no parto começaram.

Contudo, esta não deverá servir como desculpa para tornar o parto mais médico e menos natural. Uma coisa são doenças que o nosso corpo não sabe combater, outra coisa é parir, e para isso, o nosso corpo deve ter algum conhecimento.

O suposto ‘ponto do marido’ e as episiotomias de rotina são sintomas da desvalorização da experiência da grávida em detrimento da prática médica. Só que estes domínios não devem ser incompatíveis. As associações, grupos e até partidos políticos andam a dar voz às experiências de parir que não são ouvidas, outras que nem conseguem falar. Pessoas com planos de partos que não os vêm respeitados, mulheres que nem foram avisadas que lhes fizeram uma episiotomia – só se apercebem quando o efeito da epidural passa e as dores dos pontos as ataca. Mulheres que desenvolvem complicações graves, e que poucos lhes dão ouvidos.

O mais surpreendente nisto tudo, é que, na minha pesquisa (pela diagonal, veja-se) em bases de dados científicas, parece que está tudo bastante alinhado. Não há mesmo evidência de que as episiotomias de rotina tragam mais vantagens às mães, aos bebés ou aos pais. Parece ser consensual que a episiotomia, como prática de rotina, é desaconselhada por completo. A forma como este saber científico não chega à sala de partos é que nos deixa confusos. Deixa-nos a ponderar, que forças serão estas, as que moldam e desvalorizam a representação e voz da mulher grávida e parturiente?

Campanha de Pequim contra o jogo faz disparar corrida ao dinheiro dos casinos

[dropcap]O[/dropcap]s receios de uma nova campanha de Pequim contra o jogo fora da jurisdição do Interior, que incluirá Macau, geraram uma corrida aos depósitos nos casinos e nas empresas promotoras de jogo, também conhecidas por junkets.

Segundo um artigo publicado ontem pela agência noticiosa Reuters, tudo começou depois de em Julho o Governo Central ter identificado as transferências de capitais para fora do Interior como um risco para a segurança nacional. Face à posição tomada por Pequim, a agência fala numa corrida “sem precedentes” por parte dos clientes para levantarem dinheiro junto dos junkets em Macau e em especial do Grupo Suncity.

Contudo, a corrida aos depósitos não se ficou apenas pelas empresas responsáveis por trazer os jogadores VIP, também houve uma corrida para trocar as fichas por dinheiro junto das operadoras, que em resposta à situação inesperada estão a limitar a quantia de fichas que pode ser trocada por dinheiro.

“Não estamos a falar do levantamento de milhões, mas antes de milhares de milhões”, reconheceu, à Reuters, um membro da direcção de um casino local, que pediu para não ser identificado. “Nós temos dinheiro no banco, mas com todos os clientes e fazerem levantamentos acabamos por enfrentar um problema”, foi acrescentado.

Efeito dominó

O cenário da corrida ao dinheiro junto dos casinos foi confirmado por vários dirigentes ligados às operadoras de Macau, que falam em levantamento de “milhares de milhões” de dólares de Hong Kong.

No que diz respeito aos junkets, o Grupo Suncity é um dos mais afectado, também pelo facto de os jogadores acreditarem que a empresa liderada por Alvin Chao está na mira do Governo Central. As alegações foram recusadas pela Suncity.

No entanto, segundo a Reuters, foi com a Suncity que a tendência se instalou e espoletou um efeito dominó comum a toda a indústria do jogo. Como os clientes começaram a levantar o dinheiro depositado com os junkets, estes viram-se obrigados a trocar as fichas que utilizam nas salas de jogo VIP por dinheiro. Porém, as operadoras não têm liquidez para trocar todas as fichas e tiveram de colocar um limite na quantidade de dinheiro que pode ser levantado.

Neste cenário, foi inclusive criado um grupo online por parte de clientes da Suncity que não conseguem receber o seu dinheiro e que agendaram um protesto para hoje.

Questionada pela Reuters sobre a corrida ao dinheiro guardado nos casinos e junkets, a Autoridade Monetário de Macau (AMCM) garantiu que está a fazer tudo para manter o abastecimento de dólares de Hong Kong ao mercado estável.

Calendário 2021 da WTCR deverá incluir GP Macau

[dropcap]O[/dropcap] Circuito da Guia deverá figurar no calendário provisório do próximo ano da Taça do Mundo de Carros de Turismo da FIA (WTCR). Todavia, os organizadores da competição estão igualmente a considerar muito seriamente a possibilidade de não realizar qualquer prova na Ásia em 2021, após este ano terem sido obrigados a cancelar os seus quatro eventos previstos para esta região do globo, incluindo a tradicional visita ao Grande Prémio de Macau.

Devido à pandemia da covid-19, que limitou drasticamente a movimentação de pessoas, a competição promovida pela Eurosport Events foi das primeiras a riscar do seu calendário de 2020 as visitas ao continente asiático este ano. Quando já se fazem planos para 2021, a WTCR prepara-se para seguir o mesmo caminho, caso a situação se mantenha. François Ribeiro, o CEO da Eurosport Events, disse ao portal especializado TouringCarTimes.com que planos de contingência estão a ser pensados com vista à próxima temporada, pois ninguém pode garantir hoje que será possível correr fora da Europa em 2021.

“Claro que não é a nossa vontade”, disse François Ribeiro à publicação online. “Temos contratos e aspirações para regressar à Ásia, a Macau, à China, à Coreia do Sul, como estávamos a planear este ano. Mas seremos nós capazes de organizar transportes internacionais? Estarão esses países (e territórios) abertos a estrangeiros? Haverá voos comerciais? Haverá lugar a quarentenas ou não?”

A WTCR, que sucedeu ao defunto WTCC, visitou a RAEM em 2018 e 2019, dando corpo à internacionalmente reputada Corrida da Guia. Aquela que seria a terceira visita ao território foi cancelada em meados de Maio, quando ficou perceptível que a crise sanitária à escala mundial não teria uma resolução rápida.

Oito provas com Macau

Este ano a WTCR introduziu uma série de medidas para reduzir os custos, desde a diminuição dos dias de cada evento, até a limitações no número de staff e pneus a utilizar. Contudo, como a economia mundial passa por um período difícil, mais medidas serão introduzidas a curto prazo, e François Ribeiro confirmou ao TouringCarTimes.com que o calendário de 2021 deverá ser composto por apenas oito provas com duas corridas cada.

“O que foi prometido às equipas e já foi acordado com a FIA é que haverá oito eventos, com um máximo de duas corridas por evento, porque controlar os custos no próximo ano é mais crítico do que nunca”, afirmou o CEO da Taça Mundial. “Temos já cinco eventos na Europa, mais três eventos que estávamos a planear para a Ásia antes do confinamento – Coreia do Sul, China e Macau – mas haverá um plano de reserva (com provas) só na Europa”.

Dada a ausência do pelotão da WTCR no próximo mês de Novembro, de acordo com Comissão Organizadora do Grande Prémio de Macau, este ano a Corrida da Guia “irá adoptar as especificações TCR, e os pilotos serão seleccionados a partir das corridas TCR Asia e Asia Pacific 2.0T, com a participação também de pilotos locais”.

O palco dos olhos

Santa Bárbara, Lisboa, quarta, 26 Agosto

[dropcap]D[/dropcap]escobri há dias carta velhíssima de décadas na qual me apontavam indomável vontade de fazer acontecer. O tom era elogioso, mas esta inclinação parecia também assustar a minha correspondente. Sobressaltado fiquei com a constância da pulsão logo comprovada com uma lista de projectos, ensaiados, começados, participados, abandonados, esquecidos, até cumpridos. Para quê? Para cansar o animal? Qual deles me define? De que fujo? É chegada a altura de arquivar outro. Há catorze anos, não se chamava ainda «Spam Cartoon», mas «Mundo a seus pés». A ideia tida, à mesa, desconfio, com o André [Carrilho], e à qual se somaram depois a Cristina [Sampaio], o João [Fazenda] e o José [Condeixa] era simples, como insistíamos em apresentá-la: «micro-filmes de 30 segundos que comentam temas de actualidade à maneira de um cartoon editorial, em lógica auto-conclusiva de gag.» Sem palavras, acrescento.

Mas com imprescindível sonoridade. «O eixo em torno do qual tudo gira é a síntese, no desenho como no argumento: impacto máximo com meios mínimos.» Conseguimos, nos programas de apoio aos filmes de animação, o impulso inicial para apurar a ideia achando que o resultado bastaria para convencer um canal de televisão, ou que tornaríamos o conceito viral. O desenho de humor tinha que se mexer. Afinal, o comentário político, sobretudo na imprensa, vive uma das piores crises da sua história e corre o sério risco de parar.

Adiante. Depois de promessas não cumpridas e falsas partidas, descobrimos a enérgica confiança do António José Teixeira, primeiro na SIC Notícias, depois na SIC, até que acabámos na RTP3, no lugar que nos parecia o indicado, um telejornal. Na sonoplastia, o Philippe Lenzini substituiu o José e o João precisou do tempo que nisto gastava. Entrou o Tiago [Albuquerque]. De início, a criação era bastante comunitária, mas a dinâmica dos prazos (semanais) e a exiguidade da equipa, foi reduzindo ao mínimo essencial essa partilha.

Cabia-me o papel de produtor, cada vez mais alheado. Discutimos muito e quase nada. Divergimos talvez de menos. Aprendi bastante, sobretudo nas gradações do olhar, na redução dos corpos ao mínimo, de como o movimento nos muda e afecta até a forma de contar. Não vivem nas antípodas, a criação e a produção, mas o «Spam Cartoon» não precisa de mim para acontecer. Devo gastar tempo a pensar nos modos e propósitos de fazer. De me fazer.

Horta Seca, Lisboa, terça, 8 Setembro

Varsóvia continuará na névoa das histórias, não arrisco aceitar o convite para acompanhar a edição polaca de «Salazar – Agora, na hora da sua morte» (ed. Parceria A. M. Pereira), com que enfrentámos há uns bons 15 anos, o Miguel [Rocha] e eu, o sinistro fantasma (algures na página). Gostaria de desvendar as razões do interesse local em personagem tão do fadário nacional, esperando que não resultem do furor autoritário que volta a atravessar o mundo. Estas respostas aos tormentos de qualquer sociedade são maneira desesperada de pôr pensos rápidos em pernas partidas, e à martelada. Revisitei a novela gráfica e não saí desgostado, confirmei mesmo que pede reedição, com ligeiros acrescentos. Em dias de constante avaliação, reconheço neste projecto um dos mais desafiantes e compensadores que me foi dado experimentar. A preparação logo se fez visita guiada, um tudo nada obsessiva, a um painel de personagens complexas e inquietantes, a uma riquíssima floresta de icónicas imagens, portanto, à identidade deste país, desembocando no fecundo diálogo com o Miguel, que obedeceu tão só à mais delirante criatividade, em raro entendimento. Com a condescendência amigável de Antónia Maria Pereira, guardiã de casa editora tão cheia de espectros. Seguiu-se o lançamento, pontuado por episódios de espanto um pouco por todo o país, menos Santa Comba Dão, e apenas por nunca termos sido convidados. A perturbação gerada pelo protagonista-tema, abordado em bd, e longe do libelo panfletário, gerou situações que mereciam ser contadas; como a quente sessão no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, onde uma dúzia de militantes vociferaram a estranha incapacidade em aceitar a inteligência do ditador, ou a comovente de Baleizão, que de súbito se tornou catarse colectiva de período doloroso. Sem esquecer, ainda que tenha perdido para sempre as exactas palavras, a calorosa apresentação do [Manuel António] Pina, em Gaia, para dois ou três gatos pingados. Ou a primeira, dessa em salão nobre à pinha, no Ministério das Finanças, no Terreiro do Paço, lugar para sempre assombrado.

Coelho da Rocha, Lisboa, quarta, 9 Setembro

A casa de Pessoa reabriu toda arrumadinha e fomos visitá-la guiados pela gentileza da sua directora, Clara Riso. Em tempos de tempo estendido, embricado, enlaçado, a exposição do autor que se fechou sobre si para abrir mundos não será permanente, mas de longa duração. Quer isto dizer que este modo de dispor vida e obra terá olhares hóspedes que habitarão, não o quarto interior, mas o das janelas para a rua. Interior e no lugar do coração será sempre a biblioteca, com o seu alinhamento de lombadas mergulhando ramos no oxigénio ou abrindo raízes em térrea profundidade, interrompidas aqui e ali por duplas significativas, a de «Reflexões sobre a Língua Portuguesa», de Francisco José Freire. Ou a da folha de rosto dedicada de «Príncipio», da Esfinge Gorda. Notas a lápis a prolongar leituras até ao corpo do poema. Esta floresta jamais será do esquecimento. Até por estar livre e devidamente na rede (http://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/). Este andar bombeia sangue entre o cima dos heterónimos e o baixo da biografia, se for o caso, nuvens em cima e aquíferos abaixo. Nesta nova maneira de dizer Fernando há um relâmpago chamado Almada. O rosto de Pessoa foi Almada quem o fez. As caras não se lhe fixavam nem no espelho, que ele bem tentava em cartões de visita, em cartas astrológicas, em missivas variadas. Almada foi o único a apanhá-las. Somos recebidos naquele cubo onde a luz obedece a um para desenhar o outro à mesa e chapéu, pose real de caneta e cigarro, tinta e fumo, as muitas dimensões do futuro que era, afinal, a sua casa. Isto se tempo fosse futuro. Há ainda estudos para inscrições dos heterónimos na pele da cidade, mas o que me apanhou foi o retrato a lápis de um primeiro olhar, o de 1913, no exacto ano em que se encontraram. Não se sabe de outro retrato feito em vida do poeta e este terá sido ao vivo, olhos nos olhos. Talvez por isso, Pessoa está vivíssimo e desalinhado, próximo de um real por haver.

De olhar estranhamente sereno. Não distingo o que nasce da vida do que vem da obra. Ao lado, brilha o exemplar de «A Invenção do Dia Claro», relido por acaso durante a travessia do deserto, um dos momentos em que o poeta se fez editor, em que escreveu leituras com o concreto do objecto, ele que era bastante dado ao prático, pelo menos de cabeça. «O preço de uma pessoa», escreve ali aquele que pinta, «vê-se na maneira como gosta de usar as palavras. Lê-se nos olhos das pessoas. As palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco dos olhos de cada um.”

Sambando na lama

«Did you ever get the feeling that the world was a tuxedo and you were a pair of brown shoes?»
George Gobel (comediante americano)

[dropcap]P[/dropcap]ara começar uma confissão breve: muitas vezes – tantas vezes – serve esta vossa casa para me refugiar dos dias, mesmo quando olho para eles e digo o que vejo. Numa declaração de intenções pífia, feita desde o inicio destas crónicas, disse que eram as pequenas coisas que me interessavam para aqui – os olhares, os gestos, os modos, os sentires. Era a rua e não o mundo que me apetecia conversar.

Ainda é verdade. Mas existem alturas em que as pequenas coisas engrandecem, tomam dimensões inimagináveis e atacam os nossos planos de auto-imunidade. Não podemos escapar a este fenómeno que por falta de melhor termo técnico designaria de “vidinha”, assim, à Alexandre O’Neill. Só que esta vidinha que agora me fez refém não deve ser desprezada: existe e sobretudo em alturas mais difíceis. O emprego que escasseia, o dinheiro que não existe, os compromissos que se devem manter e não é possível – tudo redunda em tristeza, angústia e outras emoções mais ou menos desagradáveis. E uma coisa vos garanto: é difícil escrever com distanciamento sobre este assunto porque aqui o distanciamento social não é possível. Os sentimentos ficam exacerbados, os amigos impacientes e nós – ou eu, já que aqui estou – apenas vemos a luz ao fundo do túnel como sendo um comboio que avança na nossa direcção.

São dias de uma impotência triste, viscosa. As pessoas ficam estranhas porque o mundo nos agride no que é mais próximo e rasteiro mas nem por isso menos real. É difícil resistir e cada um terá a sua estratégia de sobrevivência. Mas combater este inimigo torna-se mais complicado porque justamente se confunde com o quotidiano. Não se trata de tragédia, uma perda em que se pode fazer o luto. Trata-se dos dias da semana que de repente ganham dentes e nos atacam sem piedade.

E o que fazer, então? Há algum tempo um enorme amigo dizia para deixar de pertencer aos que acham que o mundo já não nos quer. Desta vez, enganou-se: sou eu que não quero este mundo e mais ainda nestas alturas. Parafraseando o enorme João César Monteiro, não é o mundo que me expulsa: sou eu que o condeno a ficar. E assim concluo que a única e pobre resistência é não desistir. Sair da trincheira com medo das balas, mas sair. Só que não assim, resignado e cabisbaixo. Não: a atitude também pode salvar. E outra vez recebo consolo nas canções – esta, Cantando No Toró, do grande Chico Buarque: «Sambando na lama de sapato branco, glorioso/ Um grande artista tem que estar feliz/ Sambando na lama e salvando o verniz». Contra a lama, o sapato branco da nossa existência e que se lixe. Se alguém morrer, pelo menos será a morte do artista.

Rota das Letras | Festival em formato concentrado aposta em autores locais

Numa versão altamente marcada pela pandemia, o festival literário vira-se para dentro e aposta nos autores de Macau. Além da homenagem a Henrique de Senna Fernandes, será celebrado o centenário da publicação de “Clepsydra” de Camilo Pessanha e discutido o impacto do confinamento nos autores locais

[dropcap]A[/dropcap] homenagem ao escritor macaense Henrique de Senna Fernandes vai ser um dos pontos altos da edição deste ano do Festival Literário Rota das Letras, que decorre entre 2 e 4 de Outubro. O programa, que inclui também a celebração dos 100 anos da publicação de “Clepsydra”, de Camilo Pessanha, foi apresentado ontem e vai ter uma sessão dedicada à pandemia da covid-19 e aos efeitos do confinamento na criação literária.

A cerimónia que vai celebrar o escritor macaense está agendada para 4 de Outubro, o mesmo dia em que morreu em 2010. Para assinalar a memória de Henrique de Senna Fernandes serão apresentadas as primeiras traduções em chinês e inglês do livro de estreia do autor macaense, “Nam Van – Contos de Macau”. A obra foi publicada pela primeira vez em 1978, em português.

“Uma das principais razões de ser do Festival Literário é a aproximação, através da literatura, das diferentes comunidades de Macau”, justificou Ricardo Pinto, director-geral do Rota das Letras, sobre a escolha.

“Fazemo-lo desta vez dando pela primeira vez a conhecer aos públicos de língua chinesa e inglesa, a obra que revelou Henrique de Senna Fernandes como um exímio contador de histórias”, realçou.

A sessão agendada para as 17h nas Oficinas Navais conta com a participação do filho do escritor, Miguel de Senna Fernandes, que vai publicar o seu primeiro livro de contos.

Ao contrário das edições anteriores do festival, que se prolongavam por mais de uma semana, a pandemia levou a que a organização optasse por uma edição em moldes diferentes. Também o facto de as fronteiras de Macau estarem encerradas a pessoas com nacionalidade estrangeira levou a organização a focar mais a atenção nos autores locais.

“A crise devastadora que se abateu sobre o mundo obrigou-nos a repensar a edição deste ano do Festival, numa perspectiva realista de contenção de custos e de aposta nos talentos locais”, explicou Ricardo Pinto.

“Esta mesma crise, enquanto tema de reflexão para todos nós, não podia obviamente estar ausente da programação do Festival”, acrescentou.

Reflexões sobre a pandemia

Com a aposta a passar pela “prata da casa”, Eric Chau, Wang Feng, Jenny Lao-Phillips e Konstantin Bessmertny são os autores presentes na sessão de abertura, marcada para as 14h30 de 2 de Outubro, na Oficinas Navais. Os autores vão reflectir sobre os efeitos da pandemia para a sociedade, para o futuro e o impacto para as suas futuras obras. “Numa época de crise em que o mundo está dividido em diferentes zonas de bloqueio, a ideologia de ‘Think Global Act Local’ parece ser especialmente relevante”, comentou Alice Kok, directora executiva do Rota das Letras. “Agora é tempo de reforçar a nossa energia criativa e trazê-la para a boca de cena”, considerou.

Depois da sessão de abertura do festival, serão anunciados os vencedores do Concurso de Contos, além do lançamento do livro de poemas “Sétimo Céu”, que conta com a participação de escritores como Jidi Majia, José Luís Peixoto, Gisela Casimiro e Hirondina Joshua.

Na manhã do primeiro dia do evento decorre também a abertura da Exposição de Fotografia ‘Macau, 2020: Tempo de Introspecção’ e o lançamento da revista Zine Photo, da autoria de João Miguel Barros.

A agenda de um primeiro dia muito preenchido termina com uma peça de teatro intitulada “O Momento”, a cargo da Associação de Teatro de Macau Comuna de Pedra, inspirada no romance 1984, de George Orwell.

Sábado foi o dia escolhido para celebrar os 100 anos da publicação de “Clepsydra”, livro que agrega os poemas dispersos do autor que passou a maior parte da sua vida em Macau, onde está sepultado. Os poemas de Pessanha vão ser ditos e cantados num recital dirigido pelo maestro Simão Barreto, numa sessão agendada para as 18h30 nas Oficinas Navais.

Cultura | Pandemia motiva descida de participação em actividades

No segundo trimestre do ano o número de pessoas a participar em actividades culturais desceu 24,7 por cento, fruto da pandemia. As ocupações mais populares entre os residentes foram a ida à biblioteca e ao cinema

 

[dropcap]E[/dropcap]ntre Abril e Junho deste ano, o número de pessoas que participou em actividades culturais desceu significativamente, tendência mais visível nas idas ao cinema e espetáculos. É o que indica um inquérito sobre a participação dos cidadãos em actividades culturais divulgado ontem pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC). O objectivo do inquérito foi conhecer a participação de indivíduos, com idade igual ou superior a 16 anos.

Os dados da DSEC mostram que 229.100 indivíduos participaram em actividades culturais no segundo trimestre deste ano, representando uma descida de 24,7 por cento em termos anuais, e que a taxa de participação foi de 39,4 por cento. Uma quebra que a DSEC atribui a “alguns espectáculos, exposições e filmes terem sido cancelados ou adiados, aliado ao facto de a intenção dos cidadãos saírem de casa se ter reduzido, como consequência da pandemia da pneumonia causada pelo novo tipo de coronavírus”.
Ir à biblioteca e ao cinema foram as actividades mais populares, mas com diferenças de 6,7 e 15,9 por cento, respectivamente.

Preferência por bibliotecas

No caso dos residentes, 196.900 participaram em actividades culturais. A taxa de participação foi de 43,3 por cento, diminuindo 13,7 pontos percentuais, a nível anual. A ocupação que teve mais participação foi a ida à biblioteca. Um total de 108.200 residentes frequentou estes espaços, representando ainda assim menos 21,4 por cento em termos anuais.

A taxa de estudantes que foram às bibliotecas fixou-se em 66,1 por cento, mais do dobro do que a adesão dos não estudantes, que foi de 20,1 por cento. O ramo profissional também teve influência: a participação dos residentes empregados no sector da educação foi a mais alta, atingindo 46,8 por cento. Foi seguida por quem trabalha na administração pública e segurança social.

De entre todas as actividades, “assistir a espectáculos” foi a que teve maior decréscimo de residentes (-47,9 por cento), num total de 40.700 pessoas. Os mais populares foram musicais e espetáculos de dança. A opção pelo teatro foi feita por 22.900 residentes.

A sétima arte atraiu menos 42,4 por cento dos locais, comparativamente ao segundo trimestre do ano passado. Foram ao cinema 96 mil residentes, e a taxa de participação de 21,1 por cento. Destaca-se que dos filmes escolhidos, 38.700 residentes assistiram a filmes/vídeos produzidos em Macau, número que cresceu 20 por cento. De acordo com a DSEC, participaram mais os indivíduos com idade entre os 16 e 24 anos.

O número de residentes que assistiu a exposições de arte diminuiu quase 30 por cento para 23.900. No entanto, destaca-se que 90,2 por cento destes residentes também marcaram presença noutras actividades culturais e 75,3 por cento participaram em três ou mais tipos de manifestações culturais.