A Vulgaridade da Morte na Morte de Herbert Marcuse

[dropcap]C[/dropcap]onheci Marcuse em Junho de 1967 quando ele veio a Berlim para uma curta estadia. Do aeroporto de Tempelhof dirigiu-se de pronto para o edifício da ópera onde, algumas semanas antes, um estudante tinha sido assassinado por um polícia à paisana durante as manifestações contra o Xá do Irão.

Na noite da sua chegada, encontrou-se com um pequeno grupo de pessoas no seu hotel, em Dhalem, para longas discussões. Hans Magnus Enzensberger, Rudi Dutschke e Henri Lefevbre já lá estavam quando entrei na sala. A primeira coisa que ouvi Marcuse dizer foi, “O nosso dilema é que as pessoas que beneficiariam das mudanças que desejamos levar a cabo não desejam essas mudanças em si mesmas.” Não era exactamente isso que queríamos ouvir naquele momento.

Muito depois, disse-me que ter encontrado todos aqueles estudantes alemães, decididos antifascistas, em protesto, significou, para si, uma espécie de reconciliação com a Alemanha.
Meio ano passado sobre aquela noite, encontrámo-nos na mesma universidade da Califórnia. O gabinete de Marcuse ficava dois andares acima do meu, pelo que nos vimos quase diariamente ao longo de mais de doze anos. Ele não tinha “tabus” de Esquerda; por exemplo, condenou o ataque dos Estados Unidos ao Vietname tanto quanto criticou o ataque chinês ao Vietname, e recusou um convite para ir à China com o comentário: “Não passarei por uma porta que tenha sido aberta por Kissinger!”

Quase todos os escritores e filósofos que conheci desenvolveram, no decurso das suas vidas, um hábil sistema de defesas, a fim de protegerem o seu trabalho das indignidades que se repetiam à sua volta. Não Marcuse. O que o caracterizava era uma constante vulnerabilidade, o seu choque, mesmo quando cara a cara com o esperado, e uma quotidiana, dolorosa consciência do contexto em que trabalhava. A frase que possivelmente o ouvi dizer mais vezes foi “Temos de fazer algo sobre isso imediatamente!” Era demasiado sensível aos horrores diários para se proteger do envolvimento neles. Pode dizer-se que o seu trabalho, a sua escrita, teve que ser feito, e defendido, nos breves intervalos de tempo entre cada novo ultraje.

Quando criança, sempre achei que um filósofo era alguém continuamente espantado com tudo, que levava tudo a sério. Marcuse preencheu essa minha noção de infância com a sua atenção não apenas às ideias, mas a tudo o que pudesse ser apreendido sensitivamente: um hipopótamo, uma alface, ou uma colher de chá da casa de seus pais. Estas eram três coisas que ele adorava; ao passo que veículos de recreio, rádios portáteis e motas eram três que ele odiava e queria abolir depois da revolução. Também odiava viajar, porque significava despedida.

Admirava o respeito dele pelos objectos. Ele desculpou a ordem militar na minha cozinha com uma citação de Virgílio, dizendo que “as coisas também têm lágrimas”; e o direito ao seu próprio espaço onde se sentem confortáveis.

Ele odiava a morte com uma intensidade que me surpreendia, até que finalmente entendi que só um ódio tão tremendo poderia sondar a vulgaridade, a gratuitidade da morte. Em Dezembro de 1972, convidei-o e à sua esposa Inge (com quem também muito aprendi) para jantar. Ele ligou-me na noite anterior para dizer que ela tinha uma dor de estômago e não podia vir. Por altura do Natal, na Alemanha, recebi uma carta registada. Marcuse comunicou-me que Inge estava a morrer de cancro e não teria mais que oito meses de vida. Concluiu a sua carta com as seguintes palavras: “‘L’amour est plus fort que la mort’ – que repugnante, desprezível aldrabice!”

Nos últimos doze meses da sua vida, Marcuse estudou minuciosamente A Alternativa de Rudolf Bahro e redigiu uma profunda análise da mesma. Mas as consequências da resposta pública ao “Holocausto” e, relacionada com isto, a célebre questão sobre a possibilidade da “poesia depois de Auschwitz”, ocuparam-no mais, chegando ao ponto de considerar uma revisão da sua estética anterior. Procurou material, instigou debates, correspondeu-se intensamente acerca destas preocupações. Teve grande relutância face a uma literatura que, retratando a violência, foi uma “privatização de Auschwitz”; e também se inquietou com a nova tendência romântica na Europa, na qual não há mais a lembrança do horror.

Os seus escritores contemporâneos favoritos eram Peter Weiss e Samuel Beckett, e ele sentiu-se honrado quando este último lhe dedicou um poema no ano passado, por ocasião do seu octogésimo aniversário. Perguntou-me uma dúzia de vezes se eu achava apropriado que ele escrevesse uma nota de agradecimento a Beckett. Encorajei-o, dizendo que não concebia que um escritor se ofendesse com o facto de Marcuse ter gostado de algo que ele tivesse escrito. Acabou por lhe escrever.

Nunca, durante o tempo em que o conheci, foi ele tão incapaz de esconder a sua emoção como durante o nosso último almoço em La Jolla. Parou de comer e disse-me que Beckett, certa vez, fora desafiado por um crítico para explicar a estrutura da sua escrita. “Eu posso explicar-lhe a estrutura da minha escrita”, respondeu Beckett. “Uma vez estive num hospital e, no quarto ao lado, uma mulher, que estava a morrer de cancro, gritou a noite toda. Este grito é a estrutura da minha escrita!”

 

tradução de:
The Vulgarity of Death. On Herbert Marcuse’s Death
City Lights Review, n.º 1, 1987, San Francisco, pp. 54-55
ed. Lawrence Ferlinghetti e Nancy J. Peters

primeira versão do texto de Reinhard Lettau:
Herbert Marcuse and the Vulgarity of Death
New German Critique, n.º 18, Outono de 1979, pp. 19-20

SMG | Emitem alerta de ciclone tropical e possibilidade de inundações

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau emitiu hoje um alerta devido à aproximação de um ciclone tropical e avisou para a possibilidade de inundações na cidade, aconselhando a população e empresas de construção a tomarem medidas de segurança preventivas. As autoridades içaram o sinal 1, no momento em que o “ciclone tropical ‘Podul’, localizado na parte central do Mar do Sul da China, continua a mover-se para o quadrante oeste, dirigindo-se para a Ilha de Hainan”.
O alerta foi emitido às 15h e existe uma probabilidade moderada de ser elevado para sinal 3 durante a madrugada e manhã de quinta-feira, de acordo com os Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG).
Em comunicado, os SMG indicaram que entre quinta e sexta-feira, “podem ocorrer inundações em zonas baixas no Porto Interior”, uma área da cidade cronicamente afectada pela subida das águas, pelo que lançou também o aviso de ‘storm surge’ (maré de tempestade) azul, quando o Podul se encontra a 640 quilómetros de Macau.
Hoje, também, a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais recomendou que, “como o tufão poderá destruir construções ou estaleiros de construção, os cidadãos e os empreiteiros devem adoptar, com a maior brevidade possível, as respectivas medidas de prevenção, principalmente em relação aos andaimes, aparelhos elevatórios (por exemplo, gruas), janelas de construções e materiais pendurados nas fachadas”.
Por outro lado, acrescenta-se na mesma nota, deve-se “fazer uma inspecção detalhada, tomar medidas para reforçar o equipamento e dar mais atenção aos assuntos relacionados com a segurança (…), a fim de garantir a segurança dos trabalhadores e do público, devendo os cidadãos, por sua vez, evitar aproximar-se de construções durante os tufões”.

Turismo de Macau presente na Festa do Livro de Belém, em Lisboa

O Turismo de Macau vai estar presente na Festa do Livro de Belém, em Lisboa, que começa esta quinta-feira. O evento celebra a língua portuguesa e é promovida por um Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa) atento ao sector, afirmou o secretário-geral da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL).

“É um evento que, comercialmente, não se pode comparar com a Feira do Livro de Lisboa – apesar de ser bastante interessante -, mas é muito importante para que se possa mostrar o que de melhor se faz na edição portuguesa, os melhores autores portugueses”, disse o secretário-geral da APEL, Bruno Pacheco.

A Festa do Livro de Belém, que cumpre a quarta edição entre quinta-feira e domingo nos jardins do Palácio de Belém, é uma ideia do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para divulgar a literatura em língua portuguesa e é organizada pela APEL.

Bruno Pacheco recordou que a actual direcção da APEL, que tomou posse em 2018 e é presidida por João Alvim, esteve reunida com Marcelo Rebelo de Sousa para uma troca de cumprimentos.

“É sabido que o Presidente da República é um bibliófilo e tem um particular interesse por esta área do livro e da edição. Está preocupado com a questão das livrarias, com o desaparecimento de algumas livrarias emblemáticas, está preocupado com várias situações relacionadas com o livro e é alguém que procura estar sempre a par daquilo que se está a passar no setor”, disse o secretário-geral da APEL.

Nesta edição estarão presentes mais de 40 editoras e entidades convidadas, como a Gradiva, a Tinta da China, a Relógio d’Água e a Porto Editora, a Fundação Francisco Manuel dos Santos, o Turismo de Macau e a Federação Espírita Portuguesa.

“É uma celebração da língua portuguesa e dos seus autores. […] Acaba por ser um local privilegiado, mais do que vender, para mostrar o catálogo do que diz respeito à língua portuguesa”, disse o secretário-geral da APEL.

Segundo Bruno Pacheco, este houve um reforço de programação e melhoramentos no espaço para responder ao aumento de público que se tem registado deste a primeira edição.

De acordo com a programação divulgada, estão previstos, por exemplo, debates sobre Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena, no ano em que se assinala o centenário do nascimento de ambos, e concertos dos D.A.M.A. e dos Xutos & Pontapés.

Haverá ainda uma apresentação do espectáculo “A menina do mar”, pela actriz Carla Galvão e pelo pianista Filipe Raposo a partir do texto de Sophia de Mello Breyner Andresen e música de Bernardo Sassetti.

De acordo com o regulamento da associação, no evento podem participar, mediante uma inscrição de cerca de 300 euros, “editores e livreiros associados da APEL que apresentem livros de autores lusófonos de ficção e não ficção. Poderão ser admitidas entidades com relevante produção editorial, que tenham estabelecido parcerias com a APEL”.

Antigo diplomata chinês naturalizado australiano acusado de espionagem

[dropcap]U[/dropcap]m antigo diplomata chinês naturalizado australiano, que foi dado como desaparecido na China no início deste ano, foi formalmente acusado de “espionagem” pelas autoridades chinesas, informou ontem a ministra dos Negócios Estrangeiros australiana, Marise Payne.

Yang Hengjun, antigo funcionário do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, de 53 anos, foi detido, em Janeiro passado, na cidade de Cantão, quando fazia escala a caminho da Austrália, e esteve até à data numa espécie de “prisão domiciliária”, sem que se soubesse o local ou motivo da detenção.

Segundo Payne, Yang foi na semana passada formalmente acusado de “espionagem”. “O estado de saúde de Yang preocupa-nos muito, assim como as condições sob as quais está detido”, disse a ministra australiana, em comunicado. “Se Yang foi detido apenas devido às suas convicções políticas, ele deve ser libertado”, apelou.

A ministra disse esperar que “os padrões fundamentais da justiça e equidade processual sejam respeitados”.

Mau ambiente

O caso surge numa altura de tensões entre Camberra e Pequim, que se deteriorou depois de o Governo australiano ter banido a gigante chinesa das telecomunicações Huawei de fornecer equipamento para a construção da rede de Internet 5G na Austrália, no ano passado.

A influência chinesa nos assuntos internos da Austrália e o aumento da presença militar da China no Oceano Pacífico têm vindo a aumentar a suspeição face a Pequim.

O quase total silêncio da China sobre este caso, apesar dos vários apelos da Austrália, e a recusa em permitir visitas consulares ao detido, serviu para aumentar a tensão.

Na segunda-feira, as autoridades australianas revelaram terem apurado que Huang Xiangmo, um empreendedor imobiliário chinês com ligações ao Partido Comunista da China, doou 100.000 dólares australianos (cerca de 61.000 euros) para a sede do Partido Trabalhista Australiano (Oposição), antes das eleições de 2015. Huang foi proibido de regressar à Austrália em Fevereiro passado.

A Austrália tem tentado evitar disputas com a China, que é o seu principal parceiro comercial, mas o comunicado de Payne foi particularmente forte. “Yang esteve detido em Pequim sob condições duras e sem acusação formal durante mais de sete meses”, escreveu.

“Durante este período, a China não explicou as razões da detenção e não permitiu visitas consulares ou de familiares”, acusou. O regime chinês tem um longo historial de prisão de dissidentes, alguns deles a residir no exterior, para depois acusá-los de crimes como subversão.

Notícias fofas

[dropcap]O[/dropcap]ntem, por volta das 19h, um gatinho persa foi a coisinha mais fofa que já se viu. Segundo fontes conhecedoras da matéria ouvidas pelo HM, a amorosa bola de pêlo espreguiçou-se e emitiu um miado que derreteu 94 por cento corações na zona da Ilha Verde, infectando de ternura incontrolável toda a zona oeste da península de Macau. As autoridades foram chamadas ao local e, em declarações aos órgãos de comunicação social, o comandante da PSP deixou no ar a questão: “Quem tem o focinho mais querido do mundo?! Quem tem? Quem?”

Alarmado pela quantidade de emojis com corações e gatinhos que inundaram as redes sociais, o Gabinete de Ligação do Governo Central alertou para a possibilidade de interferência externa num focinho que dá vontade de comer de tão fofo que é. Por outro lado, o gabinete do secretário para a Segurança advertiu para os níveis perigosos de ternura deste tipo de patinhas que teriam de ser barradas no Terminal Marítimo do Porto Exterior devido a fortes indícios de perturbação da segurança interna de Macau.

Um deputado ligado aos Operários interpelou o Executivo questionando se o felino-não-residente iria roupar o protagonismo e as festas na barriga aos talentos de quatro patas locais e pediu uma quota limite de emojis com gatos estrangeiros. Numa toada mais preventiva, um legislador representante da comunidade de Jiangmen sublinhou que é imperativo reforçar o amor à pátria. Além disso, o legislador mostrou-se preocupado com as fezes e a urina produzidas pelo gatinho, pediu o reforço das caixas de areia públicas e subsídios para a compra de Whiskas e novelos de lã.

Amazónia | Brasil rejeita ajuda do G7 para combater incêndios

[dropcap]O[/dropcap] Brasil recusou esta segunda-feira a ajuda dos países do G7 para combater os incêndios na Amazónia, informou Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, que aconselhou o Presidente francês, Emmanuel Macron, a cuidar da “sua casa e das suas colónias”.

“Agradecemos, mas talvez estes recursos sejam mais relevantes para reflorestar a Europa”, disse Lorenzoni ao portal de notícias G1, em referência ao fundo de 20 milhões de dólares para os países atravessados pela Amazónia anunciado por Macron durante a Cimeira do G7 em Biarritz.

“Macron não consegue sequer evitar um previsível incêndio numa igreja que é património da humanidade e quer ensinar o quê ao nosso país?! Ele tem muito o que cuidar em casa e nas colónias francesas”, disparou Onyx.

“O Brasil é uma nação democrática, livre e nunca teve práticas colonialistas e imperialistas como talvez seja o objectivo do francês Macron, que coincidentemente está com altas taxas internas de rejeição”, declarou o ministro-chefe da Casa Civil.

Onyx Lorenzoni destacou ainda que o Brasil pode ensinar “a qualquer nação” como proteger matas nativas. “Aliás, não existe nenhum país que tenha uma cobertura nativa maior que o nosso”.

Durante o dia, o Presidente Jair Bolsonaro já havia questionado “as intenções” de Macron sobre a Amazónia.

“Não podemos aceitar que um Presidente, Macron, dispare ataques descabidos e gratuitos à Amazónia, nem que disfarce suas intenções atrás da ideia de uma ‘aliança’ dos países do G-7 para ‘salvar’ a Amazónia, como se fôssemos uma colónia ou uma terra de ninguém”, escreveu no twitwer o Presidente.

Em chamas

Pelo menos mil novos focos de incêndio foram declarados nas últimas horas na Amazónia, enquanto os aviões do exército brasileiro atravessaram na segunda-feira as grandes áreas afectadas para tentar conter as chamas que mobilizaram a atenção dos líderes do G7.

Até domingo, 80.626 focos de incêndios foram registrados em todo o Brasil, 1.113 novos focos em relação ao relatório de sábado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O saldo marca um aumento de 78 por cento em relação ao mesmo período do ano passado.
Mas o ministro da Defesa do Brasil, Fernando Azevedo e Silva, garantiu que os incêndios na Amazónia estão sob controle após o envio de mais 2.500 militares e as chuvas que caíram em algumas regiões.

“Tem se alardeado um pouco que a situação está fora de controle, mas não está. Nós tivemos picos de queimadas em outros anos muito maiores do que neste ano aqui e pela primeira vez foi empregada uma rapidez muito boa”.

“É lógico a situação não é simples, mas ela está sob controle e já arrefecendo bem. Aí, em princípio, até a meteorologia ajudou porque numa parte da Amazônia oeste hoje teve uma situação de chuvas e isso ajuda bastante”.

Os incêndios desencadearam um debate de alta tensão entre Bolsonaro e Macron, que levantou a questão da Amazónia à cimeira das maiores potências económicas ocidentais, o G7, em Biarritz (sul da França).

O G7 concordou em oferecer 20 milhões de dólares para o combate ao fogo na Amazónia, a fim de aumentar o número de aviões para controlar o fogo.

O Brasil apenas aceitou até o momento a ajuda de Israel, que ofereceu enviar um avião.

Da derrota

[dropcap]F[/dropcap]oi numa daquelas noites em que a conversa deriva, sem tempo nem mapa. O leitor saberá como é: um copo aqui, bons amigos ali e aquela cumplicidade serena que se desprende das melhores amizades. São em momentos como esses que ganhamos coragem até para fazer perguntas menos convenientes mas interessadas, que não faríamos sem o doce embalo destas horas.

Uma dessas noites, então. Amigo próximo e com senioridade nesta coisa de afectos diz-me à queima-roupa: “Li o que escreveste sobre o David Berman, que não conhecia e fui ouvir. Gostei mas aquela música é mesmo a tua cara. Só gostas de músicas tristes, de perdedores”. Respondi-lhe vagamente que não era bem assim, que também gosto de outras coisas mais alegres e vitoriosas. Mas no regresso a casa vim a pensar no que me disse e que de certa forma tinha razão.

Não concebo a vida sem a derrota. Não quer dizer que esteja obcecado por ela ou não consiga sentir prazer nas minhas insignificantes conquistas ou nas grandes vitórias alheias. Apenas que a minha natureza me aproxima mais dos Píndaros dos perdedores, dos que proclamam a derrota sem auto-piedade: com lucidez, melancolia e se possível um pouco de humor, como de resto é o caso de Berman.

O que seria dos dias sem as quedas que damos? O que seria da arte, do que nos toca? Uma das obras-primas da literatura mundial descreve a mais extraordinária e gloriosa das derrotas: o Dom Quixote, de Cervantes. Sinatra tinha um especial carinho pelos que perdiam, especialmente porque foi um deles: quatro tentativas de suicídio, uma carreira arrasada em 1949 e um relacionamento intenso mas tumultuoso com Ava Gardner permitiram que, entre outras coisas, gravasse No One Cares, uma ode superlativa aos que ficam sozinhos. “Este disco deveria vir com uma pistola”, disse ele, que chamou a este e a dois outros monumentos – Only The Lonely e Where Are You? – “álbuns para o suicídio”.

Sim, gosto dos que perdem. Até porque nesta corrida já partimos derrotados. Mas até lá cada obstáculo, cada sombra, cada dor podem servir de amparo desde que não os evitemos.

Lembro-me, quase de cor e à velocidade com que escrevo, de uma frase de Churchill: “ O sucesso consiste em ir de falhanço em falhanço sem perda de entusiasmo”. É isto. O triunfo fala por si, possui trombetas estridentes e pomposas. Dêem-me a discrição do tipo que não consegue, do atleta que cai em frente à meta. Essa é a minha gente, os que acabam e recomeçam tudo outra vez. Há um pequeno poema de Yeats, What Was Lost, que tem um belíssimo verso inicial que se me cola à pele: « I sing what was lost and dread what was won». E no fundo o que acabei de escrever é a resposta articulada e justa ao que o meu amigo me disse durante um desses belíssimos momentos que parecem ser eternos. O leitor saberá como é.

Protestos de Hong Kong marcam festival de cinema de Taiwan

[dropcap]U[/dropcap]m documentário sobre o movimento pró-democracia em Hong Kong abre no dia 6 de Setembro a edição deste ano do Festival Internacional de Cinema e Direitos Humanos de Taiwan.

Numa altura em que Hong Kong enfrenta protestos regulares desde Junho, a terceira edição do festival arranca com “Umbrella Diaries: The First Umbrela”, do realizador James Leong, de Singapura, que acompanha a “Revolta dos Guarda-Chuvas” em 2014.

Segundo um comunicado do Ministério da Cultura de Taiwan divulgado na segunda-feira, o programa do festival inclui ainda “Last Exit to Kai Tak”, um outro documentário, do britânico Matthew Torne, que segue quatro activistas pró-democracia de Hong Kong.

“Hoje Hong Kong, Amanhã Taiwan” e “Movimentos Juvenis Contemporâneos” são aliás dois dos três temas do festival organizado pelo Museu Nacional dos Direitos Humanos de Taiwan, juntamente com “Destino: Igualdade de Género”.

A actual crise política é o maior desafio que Hong Kong já enfrentou, disse o director do Museu, Chen Jung-hong, durante a apresentação do festival, que vai decorrer entre 6 e 8 de Setembro na capital Taipé e entre 17 e 25 do mesmo mês na cidade de Kaohsiung.

Minas e armadilhas

O programa do festival inclui “Deslembro”, um filme da realizadora brasileira Flávia Castro sobre os desaparecidos políticos durante a ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985, assim como discussões após as sessões e workshops “para explorar os direitos humanos na perspectiva das vítimas políticas”.

A Presidente de Taiwan, Tsai Ing-Wen, recebeu no mês passado cativistas pró-democracia de Hong Kong e referiu que a ilha iria seguir “princípios humanitários” para lidar com eventuais pedidos de asilo dos activistas.

Em resposta na semana passada, Ma Xiaoguang, porta-voz do Gabinete para os Assuntos de Taiwan do Governo chinês, exigiu que o governo de Taiwan “pare de minar o Estado de Direito” e de interferir nos assuntos de Hong Kong.

Hong Kong | Carrie Lam dialogou com jovens, mas recusou exigências

[dropcap]A[/dropcap] líder de Hong Kong disse ontem que se encontrou com um grupo de jovens, depois de na semana passada ter dito estar a criar uma plataforma de diálogo com a sociedade, mas voltou a rejeitar as exigências dos manifestantes.

“Não é uma questão de não responder”, mas de “não aceitar essas exigências”, disse Carrie Lam em conferência de imprensa no Conselho Legislativo, antes da reunião semanal com o seu conselho executivo.

Na segunda-feira, a Chefe do Executivo e os secretários da Educação e Assuntos Internos estiveram reunidos com cerca de 20 pessoas, a maioria entre os 20 e 30 anos, sem ligações partidárias conhecidas, segundo o Jornal South China Morning Post.

Esta reunião, à porta fechada e sem aviso prévio, aconteceu dois meses depois de os sindicatos de estudantes universitários terem rejeitado a oferta de Lam para um diálogo.

De acordo com o mesmo jornal, que cita fontes que estiveram na reunião, alguns participantes disseram a Lam que não era necessário que satisfizesse todas as exigências de uma só vez: a retirada definitiva das emendas à lei da extradição, a libertação dos manifestantes detidos, que as acções dos protestos não sejam identificadas como motins, um inquérito independente à violência policial, a demissão da chefe do Governo, Carrie Lam, e sufrágio universal nas eleições para chefe do Executivo e para o Conselho Legislativo (parlamento local).

De acordo com as mesmas fontes, citadas pelo jornal de Hong Kong, os participantes na reunião disseram a Lam que ela deveria começar por anunciar a retirada definitiva das emendas à lei da extradição e organizar um inquérito independente à violência policial.

A Chefe do Executivo terá respondido que seria difícil retirar completamente a lei, mas não chegou a explicar os motivos.

Esta reunião aconteceu um dia depois de violentos confrontos nos subúrbios de Tsuen Wan, em que a polícia de Hong Kong recorreu ao uso de canhões de água e de um disparo com arma de fogo para o ar.

“Cercados, sob ataque e enfrentando perigo de vida, seis polícias retiraram as suas pistolas (…) A fim de proteger a própria segurança e de outros polícias, um agente disparou um tiro de advertência para o céu”, lê-se num comunicado da polícia.

De acordo com o mesmo comunicado, pelo menos quinze agentes da polícia ficaram feridos durante os confrontos de domingo e dezenas de manifestantes, incluindo um menor de 12 anos, foram detidos por reunião ilegal, posse de armas e agressão.

Preparados para tudo

Os protestos maciços de rua, que traduzem a maior crise política em décadas na cidade, acontecem desde o início de Junho, e alguns deles terminaram em confrontos violentos entre a polícia e manifestantes.

Ainda na conferência de imprensa de ontem, Lam reiterou que quer estabelecer uma plataforma de diálogo com os manifestantes, mas avisou que se os protestos violentos continuarem vai usar todos os meios legais para os enfrentar.

“Devemos estar preparados para comunicar com diferentes pessoas da sociedade”, afirmou Carrie Lam em conferência de imprensa no Conselho Legislativo, o parlamento de Hong Kong.
“Temos de dizer não à violência, queremos pôr um fim a esta situação caótica em Hong Kong”, afirmou, acrescentando que não vai desistir da construção de uma plataforma de diálogo.

A líder do executivo da antiga colónia britânica reiterou, contudo, que começar um diálogo não significa desculpar a violência. “Se a violência continuar, a única coisa que devemos fazer é estancar a violência através de acções que imponham a lei”, sublinhou.

Em preparação
Para sábado está marcado uma nova manifestação, organizada pelo movimento liderado os grandes protestos em Hong Kong, para assinalar os cinco anos do veto de Pequim à possibilidade de sufrágio universal na ex-colónia britânica, apesar da possibilidade do território poder ser atingido por um tufão.
Em declarações ontem à Lusa, a porta-voz da Frente Cívica de Direitos Humanos (FCDH), Bonnie Leung, disse que a convocatória da manifestação se mantém, mas admitiu que o tufão pode ter impacto na capacidade de mobilização do protesto.
Numa nota, à qual Lusa teve acesso, a Frente Cívica de Direitos Humanos (FCDH), convocou uma marcha com início em Chater Garden, no centro da cidade, e que termina em frente ao Gabinete de Ligação de Pequim em Hong Kong, que já foi alvo de anteriores protestos.

Bilhetes para espectáculo “A Haste Dourada” já estão à venda

[dropcap]J[/dropcap]á se encontram à venda os bilhetes para o espectáculo de acrobacias “A Haste Dourada”, organizado pelo Governo de Macau e pelo Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau. A iniciativa conta também com a coordenação do Instituto Cultural e do Departamento de Propaganda e Cultura do Gabinete de Ligação e com o apoio do Instituto do Desporto.

O espectáculo decorre no edifício Fórum de Macau, junto ao Instituto Politécnico, entre os dias 30 de Setembro e 1 de Outubro, pelas 19h30. Os bilhetes, no valor de 100 patacas cada, podem ser adquiridos na Bilheteira Online de Macau.

A ideia por detrás do espectáculo “A Haste Dourada” é recordar os 70 anos da implantação da República Popular da China, tendo sido convidada a Companhia de Artes Acrobáticas de Nanjing.

O espectáculo de acrobacia “A Haste Dourada” é baseado na Jornada ao Oeste, e usa a haste dourada como um indício. Mostra o desenvolvimento da aprendizagem de Sun Wukong, derrota demónios e monstros, solidifica o rio Pei-Ho para sempre, para além de contar muitas outras lendas.

A Haste Dourada é, ao mesmo tempo, um utensílio e uma arma e um símbolo de justiça, sabedoria e força. É o primeiro drama encenado na China a integrar a tecnologia multimédia 3D com acrobacia tradicional e magia, combinando de forma harmoniosa as cenas do Monte Huaguo em Jiangsu, o Palácio do Dragão do Mar Oriental, a eliminação de espíritos malignos, para além de muitos outras cenas fantásticas.

Um comunicado oficial adianta que “a forma inovadora como o espectáculo é apresentado possibilita a utilização de mais meios para mostrar cores mitológicas e qualidades mágicas, podendo o público desfrutar de um espectáculo de acrobacia maravilhoso e incomparável”.

Por todo o mundo

A Companhia de Artes Acrobáticas de Nanjing já deu mais de uma centena de espectáculos por todo o mundo, tendo procurado introduzir várias inovações artísticas em palco.

O espectáculo “A Haste Dourada” foi seleccionado como o primeiro projecto financiado pelo Fundo Nacional de Artes da China, tendo obtido a primeira pontuação em acrobacia, tendo sido também escolhido para integrar o 20.º Festival Internacional de Artes de Xangai, China.

Cinemateca Paixão | Ciclo de novo cinema chinês no início de Setembro

Entre 1 e 19 de Setembro, o ecrã da Cinemateca Paixão será tomado pelo novo cinema chinês. “Chinese camera, here and now” é o nome do ciclo, composto por quatro filmes, com dois retornos à tela da Travessa da Paixão. Os bilhetes já estão à venda

 

[dropcap]Q[/dropcap]uando fizemos a selecção para o Festival de Cinema entre a China e os Países de Língua Portuguesa, reunimos uma lista vasta de filmes, mas não tínhamos tempo para os mostrar todos. Então pensámos que deveríamos mostrar os que ficaram de fora. Foi daí que veio a ideia de exibir um pequeno ciclo dedicado ao novo cinema chinês.” As palavras de Rita Wong, directora da Cinemateca Paixão, revelam a génese do ciclo “Chinese camera, here and now”, que estará em exibição entre os dias 1 e 19 de Setembro.

Ao longo do evento vão ser mostrados quatro filmes. A película que inaugura o ciclo é “An Elephant Sitting Still”, um épico de 2018 com quase quatro horas de duração, realizado por Bo Hu. A narrativa do filme, que estreou no Festival Internacional de Cinema de Berlim, centra-se em torno da ideia de fuga e num ditado popular chinês sobre uma cidade do norte da China, Manzhouli, onde se diz que existir um elefante sentado que ignora, ostensivamente, o mundo.

A lenda do elefante e a vontade de escapar são os pontos unificadores que juntam num improvável grupo quatro personagens.

Visualmente deslumbrante, “An Elephant Sitting Still” desenrola-se ao longo de um só dia convergindo na linha ferroviária que liga a província de Hebei a Manzhouli. O filme será exibido no domingo, dia 1 de Setembro, às 16h e passado uma semana, a 8 de Setembro às 15h.

Película fêmea

“Girls Always Happy” é outro dos destaques no ciclo de novo cinema chinês e uma recomendação pessoal de Rita Wong. “Quando seleccionámos filmes para o Festival de Cinema entre a China e os Países de Língua Portuguesa, eu e a curadora, a crítica de cinema Joyce Yang, uma coisa saltou à vista: tínhamos muitos filmes de autoria de mulheres. Foi muito interessante ver a forma como trazem um ponto de vista interessante para o cinema, com uma boa execução, tecnicamente muito boas”, explica a directora da Cinemateca Paixão. Rita Wong destaca “Girls Always Happy” por considerar que “mostra o poder do cinema chinês no feminino”.

Realizado pela jovem Yang Mingming, “Girls Always Happy” parte do desespero que é ultrapassado pelo poder do amor. A narrativa gira em torno de duas personagens, mãe e filha, que estão em contantes confrontos, num crescendo de repulsa, ódio e dor. O filme será exibido a 3 de Setembro às 19h30, depois no dia 7 às 21h30 e finalmente no dia 11 de Setembro às 19h30.

“Jinpa” é o outro regresso, além de “An Elephant Sitting Still”, à Cinemateca Paixão. Vencedor do Melhor Argumento (Prémio Horizontes Veneza), 75º Festival de Cinema de Veneza, o filme do realizador tibetano Pema Tseden foi produzido por Wong Kar-wai. Baseado no conto “Atropelei Um Carneiro” e na obra “O Carrasco”, do escritor tibetano Tsering Norbu, esta película conta a história de dois homens chamados igualmente Jinpa e do seu destino entrelaçado. O road film explora a redenção de quem assassinou. “Jinpa” será exibido no dia 4 de Setembro às 19h30, dois dias depois no 6 de Setembro às 21h30 e no domingo dia 8 de Setembro às 19h30.

Finalmente, “Meu Bom Amigo” é o filme restante do ciclo dedicado ao novo cinema chinês. Realizado por Yang Pingdao, o filme conta a história do velho Shuimu que vive com a esposa, Fang, numa aldeia do sul da China. O seu maior amigo, Zhongsheng, é mudo e trabalha como guarda de um reservatório. Quando tinham dez anos, os dois juraram viver e morrer juntos. O velho Zhongsheng sabe que têm os dias contados e recorda uma visita a uma aldeia com Shuimu, onde ouviram o rumor acerca do massacre de uma família e de um rapaz arrastado pelo rio. Vendo a crescente ansiedade do amigo, Shuimu decide levá-lo de volta às suas raízes.

Durante a viagem, os dois homens reencontram as suas infâncias e as suas jovens personalidades. “Meu Bom Amigo” será exibido a 5 de Setembro, às 19h30, no dia 7 às 16h30 e no dia 10 de Setembro às 19h30.

Obituário | Alfredo Ritchie deixa saudades entre a comunidade macaense

Alfredo Maria Sales Ritchie faleceu ontem após dura luta contra doença prolongada, deixando enlutada a comunidade macaense e família e amigos com quem partilhou a cultura local e a pronúncia do patuá

 

[dropcap]P[/dropcap]artiu o nosso Fredo” foi a frase com que a comunidade portuguesa local acordou ontem de manhã. A página de Facebook do grupo de teatro macaense Dóci Papiaçám di Macau estava de luto, num texto publicado por Miguel de Senna Fernandes sobre o amigo e colega de palco.

“Durante anos lutou com coragem contra a doença que o flagelou, mas agora foi de vez. Ficou o espírito de um lutador, dos mais duros que tive o privilégio de conhecer”, escreveu. Sobre os anos em que participou na cena teatral local, lê-se na mesma publicação que foi o “actor que mais tempo nos honrou com a sua energia, humor, persistência, sentido de dever e acima de tudo, amizade por todos os membros do grupo, com especial realce para todos os novos”.

Alfredo Maria Sales Ritchie nasceu em 1946 no seio de uma tradicional família macaense, conhecedora da cultura local e da linguagem crioula do território. “Ele era um cultor do patuá, que também falava como língua de casa, além do português, claro. Mas a mãe, Dona Ester, que ainda é viva, fala bem patuá e esta língua era usada na família”, contou ontem Miguel Senna Fernandes ao HM, entre as muitas facetas que lembrou do velho amigo.

Actor e ensaísta

“A sua vida não se limitava à profissão de médico, era uma pessoa com interesses muito variados. Era uma pessoa de cultura e de muita diversão. Foi desportista quando era jovem, praticava hóquei, e participou sempre em inúmeras actividades. Era amante do jogos de bridge e de póquer, coleccionador de carros de miniatura. Foi membro destacado do primeiro Rotary Club de Macau, do qual chegou a ser presidente. Era uma pessoa multifacetada”, destacou.

Mas acima de tudo, Alfredo Ritchie “era um homem culto que gostava muito de ler”, recordou Senna Fernandes, para quem a falta do amigo será sentida de uma forma muito pessoal. “Nós conversávamos bastante, eu privava muito com ele e com a Anabela [Ritchie], e tínhamos conversas mais profundas, que não eram só de teatro. Discutíamos sobre muitas coisas e durante muito tempo. É com muita pena que o perdemos”.

O grupo de teatro também aprendeu a contar com a sua companhia, os ensinamentos, o saber que imprimia nos textos, récitas e monólogos que escrevia para as peças. Entrou no primeiro espectáculo dos Dóçi Papiaçám em 2001, por convite de Miguel Senna Fernandes. “Enderecei o convite para representar um papel, e ele aceitou logo. A peça era a “Siára Zinha” – em patuá siára é mulher já casada, portanto é mulherzinha – e, desde que entrou, nunca mais saiu do grupo. Representou muita coisa, era uma pessoa bastante versátil em palco, fazia desde o herói até ao malvado”.

“Ele tinha uma graça muito natural, era muito divertido. Dizia-me ‘apesar da minha cara de carrancudo, eu faço-te rir!’ e fazia gala disso”, acrescentou. “Portanto, acho que esta perda nos atinge a todos. Pela expressão do que tem sido escrito aqui nas redes sociais, podemos ver o quão querido ele era para todos. E como foi marcante para o grupo e para a comunidade”.

Médico e político

Alfredo Ritchie formou-se em Medicina Geral em Portugal e acabaria por regressar ao território para exercer a profissão, ainda antes do 25 de Abril de 1974, como alferes médico miliciano.

Começou por se fixar na Taipa, onde esteve enquanto clínico destacado para as Ilhas. Mais tarde tiraria no estrangeiro uma especialização em Endoscopia Alta, uma novidade técnica na década de 70, em que foi pioneiro no território e a que se dedicou ao longo da profissão. Depois veio a exercer medicina no Hospital Conde de São Januário e abriu consultório próprio.

Entre as pessoas há mais anos radicadas em Macau, talvez sejam poucos os que não passaram pelo seu antigo consultório, ali na Rua de Pedro Nolasco da Silva. “Trouxe uma grande mais-valia, em termos de saúde, e durante anos até à sua reforma exerceu sempre nessa área”, explicou o médico e colega macaense Fernando Gomes.

“Conheci o Dr. Ritchie sob vários aspectos, mas mais próximo como colega. Eu tinha acabado de regressar em 1991 e ele já trabalhava no hospital. Antes disso, naturalmente conhecia-o e sabia quem era, porque a sua mulher, a Dra. Anabela, foi minha professora de inglês”. Cruzou-se com ele várias vezes, “era uma pessoa afável, dialogante e também apoiava os colegas mais novos”, e voltou a ter a oportunidade de participar com ele numa iniciativa cívica em 1992, “quando fizemos parte da reconstituição de uma lista, encabeçada pelo Miguel Senna Fernandes, para as eleições em Macau. Tinha acabado de falecer o Dr. Carlos Assunção”.

“Nessa altura trabalhámos noite fora na elaboração do programa, na estratégia eleitoral e na campanha. E acabei por conhecer melhor o Dr. Ritchie, nesta faceta que pouca gente conhece, de uma pessoa que colaborou na evolução e no envolvimento político da comunidade macaense, sempre na retaguarda como estratega, porque era muito amigo do Dr. Carlos Assunção, desde a década de 70 e 80. Acompanhou as campanhas eleitorais da ADIM (Associação para a Defesa dos Interesses de Macau), que era a lista do Dr. Assunção, e depois até acabou por ser a Dra. Anabela Ritchie a encabeçar essa lista”, recorda bem Fernando Gomes.

Por tudo isso, “é uma notícia muito triste, perdemos uma pessoa que se diferenciou como uma identidade querida da cultura macaense”, lamentou o colega.

Doce língua

Não foi só a página de Facebook dos Dóçi Papiaçám di Macau que se encheu de frases de condolência e amizade durante todo o dia de ontem. Também a Unchinho di Língu Maquista foi recebendo testemunhos e pêsames ao longo do dia, em resposta à publicação sobre o “mentor de muitos macaense mais jovens que se juntaram ao grupo, passando a essência da pronúncia da lingu maquista para a próxima geração”.

“Ele sabia quando se divertir e quando ficar sério” e “foi a atmosfera central entre o grupo”, já que “era mais como um ancião generoso levando as crianças para o caminho certo”, pode ler-se no mesmo texto em sua memória.

Trabalho | Desemprego cresce ligeiramente entre Maio e Julho

[dropcap]E[/dropcap]ntre Maio e Julho de 2019 as taxas de desemprego (1,8 por cento), de desemprego dos residentes (2,4 por cento) e de subemprego (0,5 por cento) registaram todas acréscimos de 0,1 pontos percentuais, face às do período anterior (Abril a Junho de 2019), informam os Serviços de Estatística e Censos (DSEC).

No período em análise a população activa totalizou 394.100 pessoas e a taxa de actividade foi de 70,3 por cento. A população empregada totalizou 387.100 pessoas e que o número de residentes empregados atingiu 281.700 pessoas, ou seja, menos 100 e 600, respectivamente, em comparação com o período precedente. Destaque para o decréscimo do segmento da população emprego no sector do jogo, enquanto os empregados no comércio por grosso e retalho aumentou.

Durante Maio e Julho deste ano, os dados da DSEC revelam o registo de 7 mil desempregados, o que representou um aumento de 400 pessoas face ao período homólogo de 2018.

O número de desempregados à procura do primeiro emprego foi de 15,2 por cento do total da população desempregada, ou seja, mais 4,1 pontos percentuais, dado que os novos graduados entraram no mercado de trabalho.

Em comparação com o período de Maio a Julho de 2018, a taxa de desemprego permaneceu no mesmo nível, enquanto a taxa de actividade e a taxa de subemprego decresceram 0,8 e 0,1 pontos percentuais, respectivamente.

Porto Interior | Projecto da Barragem de Marés com pouco impacto ambiental

O Governo decidiu colocar em consulta pública, até 10 de Setembro, o relatório de impacto ambiental relativo à construção da Barragem de Marés na zona do Porto Interior. O documento aponta para um impacto pouco significativo da obra ao nível de recursos hídricos e ambiente ecológico, mas deixa algumas recomendações

 

[dropcap]C[/dropcap]omeça hoje, e termina a 10 de Setembro, a segunda fase de consulta pública sobre a avaliação do impacto ambiental da construção da Barragem de Marés do Porto Interior de Macau. O relatório está disponível apenas em língua chinesa mas, de acordo com um comunicado oficial, conclui que o impacto ambiental da obra na zona do Porto Interior será reduzido.

“Em geral, o relatório considera que a construção da Barragem de Marés do Porto Interior é viável, respeita os diplomas legais e o planeamento em matéria de protecção ambiental”, começa por apontar o comunicado.

“Após a construção da Barragem de Marés do Porto Interior de Macau não haverá impactos significativos em termos hidrológicos no curso superior do rio e na área abrangida pela construção. A construção também não irá causar impactos adversos significativos nos sistemas ecológicos aquático e terrestre”, acrescenta o mesmo documento.

Ainda assim, aponta-se para o facto de, durante o período de construção da barragem, poder existir “um certo impacto na área abrangida pela construção, nomeadamente no ambiente ecológico, no meio hídrico e na atmosfera”, podendo existir ruído.

Desta forma, o relatório de impacto ambiental faz algumas recomendações. “Devem tratar-se devidamente as águas residuais geradas no estaleiro da obra antes de serem escoadas e executar a obra de forma faseada para não afectar a reprodução dos peixes e dos camarões.”

Além disso, é importante “controlar a poluição para evitar sedimentos em suspensão devido às escavações, instalar tapumes para as obras e utilizar caminhões de aspersão para reduzir a poeira que se irá fazer sentir na área”.

Ao nível do som, os analistas defendem a instalação de “barreiras acústicas à volta da obra, a limitação da execução da obra apenas ao horário estipulado e um tratamento adequadamente os resíduos de materiais de construção”.

Longo processo

Há muito que a obra que pretende por um travão às cheias que todos os anos se verificam na zona do Porto Interior está a ser alvo de estudos. O processo tem vindo a ser gerido pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), que incumbiu as entidades China Water Resources Pearl River Planning Surveying & Designing Co., Ltd e o Instituto Científico para a Protecção do Delta do Rio das Pérolas para o trabalho de avaliação do impacto ambiental.

Em Abril deste ano realizou-se a primeira fase da consulta pública, tendo a DSSOPT recebido apenas quatro opiniões por escrito relativas ao projecto. Em Julho foi elaborado o relatório que será agora sujeito à segunda fase da consulta pública, que tem como objectivos “a salvaguarda, em termos ambientais, dos direitos e interesses do público da área onde a construção irá decorrer”, além de dar a “conhecer melhor a dimensão do impacto ambiental causada pela construção”.

Chefe do Executivo | Associações anseiam por novas medidas políticas

[dropcap]T[/dropcap]rês associações exigem a Ho Iat Seng, eleito no passado domingo o novo Chefe do Executivo de Macau, que adopte novas medidas nas áreas da renovação urbana, habitação, cheias e transportes públicos.

Em declarações ao Jornal do Cidadão, Ho Ion Sang, deputado e dirigente da União Geral das Associações dos Moradores de Macau (UGAMM), considerou que o próximo Governo deve melhorar as suas capacidades administrativas. O deputado pensa que o próximo Executivo não deve tratar de forma separada os problemas relacionados com as áreas da habitação, serviços sociais e renovação urbana, devendo relacionar a opinião pública com o programa político, para ir de encontro às expectativas dos residentes.

Chan Ka Leong, vice-presidente da UGAMM, pede a apresentação de calendários nas próximas Linhas de Acção Governativas (LAG) sobre as questões mais prementes, pedindo uma nova equipa que realize a simplificação administrativa e delegação de poderes no seio do Governo.

Já a vice-presidente da direcção da Associação Geral das Mulheres de Macau, e membro do Conselho para os Assuntos de Habitação Pública, Ao Ieong Ut Seng espera que o novo Chefe do Executivo venha a introduzir em breve um novo planeamento ao nível da renovação urbana, para que se renovem os bairros antigos e para que existam mais terrenos disponíveis para a construção de casas públicas.

Lei Leong Wong, presidente da direcção da Aliança de Povo de Instituição de Macau, também acredita que devem ser melhoradas as políticas ligadas à habitação pública, com a adopção de calendários. No que diz respeito à classe média, o responsável defende que se de primazia ao arrendamento ao invés da compra de habitações, disse ao jornal Ou Mun.

Sufrágio | Sulu Sou pede a Chui Sai On para ter em conta referendo

Depois do inquérito organizado pela Associação Novo Macau, em que mais de 90 cento dos participantes votaram a favor do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo, Sulu Sou quer saber se Chui Sai On vai ter isso em conta. Em interpelação escrita, o pró-democrata pergunta se o actual líder do Governo vai passar a questão da reforma política para o Executivo de Ho Iat Seng

 

[dropcap]A[/dropcap] questão não se fez esperar. Irá o Governo ter em conta o referendo organizado pela Associação Novo Macau quanto à possibilidade de eleição do Chefe do Executivo por sufrágio universal? A pergunta é o tema da interpelação escrita de Sulu Sou ao Chefe do Executivo ainda em funções, Chui Sai On.

De forma a avançar com a reforma política, o deputado pró-democrata pergunta a Chui Sai On se vai transmitir ao Executivo de Ho Iat Seng o trabalho realizado em prol da reforma política, para que o próximo Governo possa enviar um relatório para Pequim, o mais depressa possível, de forma a calendarizar a implementação do sufrágio universal para escolher o Chefe do Executivo.

O deputado refere que “mais de 90 por cento dos participantes no referendo votaram a favor do sufrágio universal”, o que indica que este seja um tema que deve passar para o próximo Governo.

“Na manhã de 25 de Agosto, apenas 400 privilegiados estiveram envolvidos na eleição do Chefe do Executivo, o que é um insulto aos 310 mil eleitores registados em Macau que foram afastados das urnas”, escreveu Sulu Sou na interpelação. “O pequeno círculo participou num processo que demorou pouco mais de uma hora, com a votação a ocorrer em cerca de 10 minutos, e decidiu o destino dos próximos cinco anos”, acrescenta o pró-democrata.

Pergunta difícil

Recorde-se que a Associação Novo Macau denunciou ataques informáticos à consulta pública sobre o sufrágio universal e ameaças à equipa que promoveu a iniciativa.

A consulta pública, que recolheu um total de 5.698 votos, que deveria decorrer de 11 de Agosto até domingo passado, foi cancelada um dia antes porque os organizadores entenderam que as ameaças iriam piorar e que podiam “representar um risco para a segurança” dos promotores, indicou o movimento pró-democracia em comunicado.

Desde 14 de Agosto, os elementos das equipas de rua que promoviam o inquérito “foram interrompidos, insultados ou até atacados fisicamente por pessoas desconhecidas”, acusou a Associação Novo Macau, acrescentando que comunicou o caso às autoridades. “No dia 22 de Agosto, a Associação Novo Macau recebeu informações específicas indicando que a situação acima (descrita) provavelmente se intensificaria, o que poderia representar um risco para a segurança”

Também a página ‘online’ para a consulta pública foi “alvo de ataques cibernéticos”, provenientes principalmente da China continental. A “votação sobre sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo” organizada pela associação pró-democracia demonstrou que um total de 5.351 participantes votaram a favor, 236 votaram contra (4,1 por cento) e 111 abstiveram-se (2 por cento), anunciou a Associação Novo Macau em comunicado. Embora o resultado da votação “não seja juridicamente vinculativo”, a associação pró-democracia mostrou-se esperançosa que o “resultado sirva como uma importante referência para o próximo Governo de Macau”.

Ho Iat Seng afirmou no início da sua campanha eleitoral que ia promover gradualmente a democracia no território. Contudo, não se comprometeu a pedir ao Governo Central chinês que permita Macau avançar para um sistema político assente no sufrágio universal. “Se for eleito (…) promoverei o desenvolvimento político democrático de forma ordeira”, assegurou, considerando ser esta uma matéria que não se resolve “de um dia para o outro” por estar relacionada “com a reforma política de uma região”.

Resíduos de construção | Obras no aterro de depósitos concluídas 

[dropcap]R[/dropcap]aymond Tam, responsável máximo pela Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), adiantou, em resposta a uma interpelação da deputada Ella Lei, que as obras do aterro que servirá de depósito a resíduos provenientes da construção civil já estão terminadas.

“As obras de melhoria das características geológicas do aterro para resíduos de materiais de construção já foram realizadas, prevendo-se o assentamento dos terrenos após a conclusão destas obras, no sentido de criar mais espaço disponível para o aterro.”

Além disso, “o Governo já transportou uma parte dos materiais inertes resultantes de demolições e construções – após a respectiva triagem – para a zona E1 dos novos aterros urbanos e para as obras de aterro da zona D, onde serão utilizados aqueles que satisfizerem os requisitos”.

Raymond Tam prevê que, a longo prazo, “irão reduzir-se os resíduos de materiais de construção a partir da fonte através da cooperação regional e por meios financeiros”.

Em matéria legislativa, a DSPA está também a “aperfeiçoar, conforme os pareceres dos serviços envolvidos, os articulados do regime de gestão dos resíduos de materiais de construção”.

Contudo, não é apontada nenhuma data para a conclusão do processo. A DSPA promete que “irá concluir, logo que possível, os trabalhos em causa e submeter novamente a respectiva proposta de regulamento administrativo”.

Governo quer concluir este ano investigação sobre microplásticos

Susana Wong, directora dos Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água, adiantou ao deputado Lei Chan U que até Dezembro será concluída a investigação sobre a quantidade de microplásticos que existem nas águas do território. A responsável assegura que o Governo vai estar atento aos estudos internacionais

 

[dropcap]O[/dropcap] deputado à Assembleia Legislativa (AL) Lei Chan U, ligado à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), questionou o Governo sobre a poluição das águas do território. Em resposta, a responsável pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água, Susana Wong, garantiu que até final do ano será concluída a investigação feita ao número de microplásticos que aí habitam. A ideia é analisar a situação de emissão de microplásticos nas saídas de colectores pluviais, para que os resultados possam servir de referência para estudos futuros.

Susana Wong citou também informações providenciadas pela concessionária responsável pelo abastecimento de água no território, a Macau Water, que garantiu que nas instalações de abastecimento de água já é possível remover de forma efectiva microplásticos com mais de 0,9 milímetros de diâmetro, e que através de membranas de ultrafiltração é possível remover matérias maiores de 0,1 mícron de diâmetro, garantindo assim a qualidade da água potável que se consome em Macau.

Faltam estudos

A directora da DSAMA adiantou ainda que a própria Organização Mundial de Saúde não inclui ainda microplásticos e outras substâncias nos parâmetros relacionados com a saúde, os quais precisam ser monitorizados. Neste sentido, a responsável considera que o estudo sobre a toxicidade e o impacto dos microplásticos na água é ainda insuficiente, prometendo o Governo acompanhar o desenvolvimento de pesquisas a nível internacional.

Informações fornecidas pelo Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) à DSAMA garantem que ainda não existe uma vigilância regular quanto à possibilidade de existirem microplásticos nos alimentos consumidos em Macau, uma vez que entidades internacionais, como é o caso da Codex Alimentarius Commission, ainda não têm directrizes ou normas sobre esta matéria.

Um estudo da Universidade de São José, publicado em 2018, concluiu que a zona costeira da marginal da Taipa é a mais poluída com microplásticos, ocupando 41 por cento de todas as zonas analisadas.

Fausto Pinto, director da FMUL: “Sei que há interesse da Universidade de Macau na medicina”

Está tudo a postos para o arranque do curso de medicina da Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau a 6 de Setembro, garante Fausto Pinto. O director da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que vai ser docente neste curso, adiantou ainda que reuniu com dirigentes da Universidade de Macau e que “há interesse em poder haver uma aproximação na área da medicina” por parte da instituição de ensino superior público

 

 

O curso de medicina da Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST, sigla inglesa) arranca a 6 de Setembro. Como está o processo de preparação dos conteúdos pedagógicos?

[dropcap]N[/dropcap]ós, como Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), estamos a colaborar com a MUST para o curso de medicina que vai ser iniciado este ano. Há uns tempos visitei a universidade e a Faculdade de Ciências da Saúde, e desde há algum tempo que eu e outros docentes da universidade, com a professora Madalena Patrício, temos acompanhado este processo e dado o nosso apoio. A responsabilidade de elaboração dos conteúdos programáticos e do curso em si é da responsabilidade da universidade. Tanto quanto tenho percebido, neste momento o projecto está perfeitamente desenhado e em condições de poder começar. Temos as necessárias autorizações em termos locais. Há cerca de um mês estive em Macau e numa reunião com o professor Manson Fok foi-me dado a conhecer o projecto com mais detalhe. Parece-me um projecto muito interessante, muito bem organizado e estruturado e no qual nós, como FMUL, temos todo o gosto em poder colaborar. Sei que há outras universidades que também estão envolvidas nesse tipo de parceria. Assinámos um memorando de entendimento há dois anos e vamos reforçá-lo agora.

Como vai ser feito esse reforço?

Fará parte da cerimónia de abertura do curso (a 6 de Setembro) a assinatura desse complemento ao memorando de entendimento que foi assinado. Iremos reforçar alguns dos objectivos que tínhamos estabelecido, tal como a possibilidade de haver um programa de mobilidade de estudantes de Macau para Lisboa e vice-versa, e de docentes e investigadores também, com o potencial de poderem vir a ser desenvolvidos alguns trabalhos de investigação em conjunto. No fundo, é o que temos feito com várias universidades por esse mundo fora. Nós, como faculdade, reconhecemos o potencial deste curso da MUST, que está muito bem organizado e estruturado. Temos condições para trabalhar em conjunto com o objectivo de colaborar na estruturação e implementação deste novo curso de medicina em Macau.

Em termos práticos como será feita esta colaboração da FMUL?

Estamos ainda a organizar alguns detalhes, mas teremos a colaboração por parte de alguns docentes que vão leccionar em Macau e também por videoconferência. Também iremos promover a possibilidade de alguns alunos poderem estar connosco em fases mais avançadas do curso, na parte clínica, à semelhança do que fazemos com o programa Erasmus, que já está implementado há algum tempo na Europa. Será mais uma mobilidade com períodos de estágios parcelares em determinadas áreas que se entendam relevantes, até porque temos uma grande experiência nessa matéria. Já fazemos esse programa há muitos anos com várias universidades.

É importante para a FMUL esta parceria, ainda que com uma universidade privada, para que comece a criar raízes no sul da China? Pretendem abrir portas para a China?

Um dos objectivos da faculdade e da minha direcção é a internacionalização. Nesse sentido temos estabelecido projectos e protocolos com universidades pelo mundo fora. Na área da ciência e da medicina a globalização é algo que faz parte do nosso código genético. Temos um prazer particular em fazê-lo com determinados países e regiões com os quais temos relações especiais, como é o caso de Macau, Brasil e outros países de língua oficial portuguesa. Posso revelar também que estamos na fase de criação de uma rede de faculdades de medicina de língua portuguesa. Tenho vindo a liderar esse projecto com colegas de outros países de expressão portuguesa, e nos dias 13 e 14 de Novembro iremos promover um encontro para formalizar essa rede, que tem apoios governamentais e da CPLP. Temos várias faculdades do Brasil, Angola e Moçambique, e gostaria que a faculdade de medicina da MUST pudesse fazer parte deste projecto. Aliás, convidei o professor Manson Fok.

A FMUL tem recebido muitos alunos de Macau?

Em termos do ensino pré-graduado tem sido muito residual. No pós-graduado, na formação médica, temos recebido não só para a nossa faculdade, mas também para outras. Um dos aspectos particulares é que o ensino do pré-graduado em Portugal é feito em português. Temos todas as condições para poder dar os cursos em inglês, mas a medicina é a única área do saber em que não é possível ter o estatuto de estudante internacional. É proibido, em medicina, ter cursos feitos para estrangeiros, ao contrário das outras áreas do saber. É uma discriminação que existe na medicina desde há vários anos e contra a qual tenho lutado e manifestado a minha posição junto da tutela.

Quais as razões?

É uma questão política. Temos de acatar a ordem. Actualmente sou coordenador das escolas médicas portuguesas e há uma posição conjunta sobre o desejo do estatuto de estudante internacional se aplicar à medicina. Não entendemos como é que a medicina é a única área do saber em que isso não é possível. Apenas podemos receber os estudantes para estágios parcelares, no programa de Erasmus ou outro de colaboração.

No momento em que todas as universidades portuguesas estão a abrir portas aos alunos chineses, por exemplo, a FMUL não o poder fazer. Seria interessante essa ligação?

Seria muito interessante e estamos muito interessados. E falo não apenas como director da FMUL mas como coordenador da rede de escolas médicas portuguesas. Queríamos ter um curso internacional onde pudéssemos ter estudantes de várias partes do mundo, incluindo da China.

Voltando a Macau. Há uma falta de médicos especialistas e de recursos humanos na saúde em geral, mas há vozes que temem um excesso de formandos num curto espaço de tempo. Concorda com esta posição?

Tenho muito pouco a dizer porque tem a ver com aquilo que as autoridades locais entendem para o território. O que posso dizer é que havendo um novo curso de medicina legalmente reconhecido e sendo um objectivo estratégico da região, temos todo o interesse na colaboração. Os outros aspectos não nos dizem respeito. Estamos disponíveis para colaborar com estas ou com outras universidades, e devo dizer que temos contactos com a Universidade de Macau. Sei que estão a desenvolver potenciais actividades na área da medicina com as quais teremos todo o gosto em participar.

Eventualmente, outra licenciatura?

Tudo o que sejam actividades de formação médica reconhecidas pelas autoridades competentes teremos todo o gosto em poder colaborar, desde que sejam idóneas, como é o caso. Está tudo numa fase muito inicial. Esteve cá o vice-reitor (Ge Wei), estive lá este ano, visitei a UM e sei que há interesse em poder haver uma aproximação na área da medicina.

Macau tem sido um destino de interesse para muitos médicos portugueses, ou dos licenciados?

Sei de alguns casos isolados de médicos que estão em Macau e tem havido sempre algum interesse. Claro que quando falamos de um contingente tão grande, pois formamos à volta de 400 alunos por ano aqui na FMUL, e cerca de 1700 alunos formados em Portugal, presumo que é um número de residual de alunos que mostram interesse em ir para Macau. É uma área interessante de se poder desenvolver.

Macau é um dos territórios chave do projecto político da Grande Baía. Pode ser um território muito procurado na área da saúde, por populações vizinhas?

Em geral tenho acompanhado o desenvolvimento da medicina na China, e acho que tem sido interessante ver o desenvolvimento científico e médico, quer com o aumento da participação da China em vários projectos internacionais, quer com o movimento que se tem visto através de novos hospitais e centros de saúde. De uma forma geral a medicina convencional chinesa tem tido um enorme desenvolvimento. O projecto da Grande Baía, que tenho acompanhado, parece-me muito interessante, e sobretudo penso que há uma vontade de desenvolver estruturas ao nível das faculdades e de estruturas médicas, em Zhuhai, Shenzen e Hong Kong, embora este território já tenha o peso que tem ao nível das estruturas médicas. Penso que Macau terá agora um reforço com esta nova faculdade e eventualmente com outra faculdade, e diria que existe claramente um interesse em poder reforçar a medicina na vertente da formação, existencial e da investigação.

 

Sem resposta

Foram feitos contactos, por telefone e email, junto do gabinete do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, que tem a tutela da saúde, da Universidade de Macau, da Direcção dos Serviços do Ensino Superior e dos Serviços de Saúde. Contudo, até ao fecho desta edição, não foi possível obter mais esclarecimentos.

Hong Kong | Pequim “extremamente descontente” com declaração do G7

[dropcap]O[/dropcap] Governo chinês disse hoje que está “extremamente descontente” com a declaração do G7 sobre Hong Kong a apelar a que se evite a violência no território, depois de três meses de protestos anti-governamentais.

Em conferência de imprensa, o porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros Geng Shuang afirmou que a ex-colónia britânica é uma “assunto interno” da China e que nenhum “Estado, organização ou indivíduo tem o direito de ingerir”.

“Expressamos extrema insatisfação e firme oposição à declaração emitida pelos líderes do G7”, disse Geng. A China apelou ainda aos membros do G7 que “parem de agir com más intenções, meter o nariz em assuntos alheios e preparar secretamente actividades ilegais”, acrescentou.

Hong Kong vive um clima de contestação social desencadeado pela apresentação de uma proposta de alteração à lei da extradição, que permitiria ao Governo e aos tribunais da região administrativa especial a extradição de suspeitos de crimes para jurisdições sem acordos prévios, como é o caso da China continental.

A proposta foi, entretanto, suspensa, mas as manifestações generalizaram-se e denunciam agora aquilo que os manifestantes afirmam ser uma “erosão das liberdades” na antiga colónia britânica, enquanto apelam à demissão de Carrie Lam, a chefe do governo local, pró-Pequim e à eleição de um sucessor por sufrágio universal directo, e não nomeado pelo Governo central.

A declaração emitida após a cimeira do G7 – grupo informal composto por sete países (Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Japão, França, Reino Unido e Itália) que estão entre as maiores e mais industrializadas economias do mundo – “reafirma a existência e importância da Declaração Conjunta Sino-Britânica de 1984” e pede que “seja evitada a violência”.

A polícia de Hong Kong defendeu na segunda-feira o uso de canhões de água e o disparo de um tiro de alerta face a manifestantes “extremamente violentos”. Os confrontos de domingo nos subúrbios de Hong Kong foram dos mais violentos desde o inícios dos protestos.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse após a cimeira do G7 que todos os líderes expressaram a sua “profunda preocupação”. “Todos os países do G7 apoiam uma Hong Kong estável e próspera e estamos comprometidos com o princípio ‘um país, dois sistemas'”, numa referência à autonomia da região em relação à China continental.

Trump acredita que a China acabará por ceder na guerra comercial com os EUA

[dropcap]O[/dropcap] Presidente dos EUA, Donald Trump, defendeu ontem a sua estratégia de avanços e recuos nas negociações comerciais com a China, dizendo que essa é a sua “forma de negociar”, acrescentando que a China acabará por ceder num acordo.

Na conferência de Imprensa no final da cimeira do G7, na cidade francesa de Biarritz, Trump desvalorizou os efeitos na economia mundial da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, dizendo que tem esperança em que se encontre uma solução, atempadamente.

Quando confrontado sobre os avanços e os recuos na negociação com Pequim, Trump defendeu a sua estratégia, dizendo que é a sua “forma de fazer negócios” e dizendo que acredita que se chegará a uma solução, porque a China precisa de um acordo.

“Desculpe, mas é assim, que eu negoceio”, explicou Trump, acrescentando que talvez outros presidentes norte-americanos antes dele devessem ter feito o mesmo.

“O que eu estou a fazer, já outros deviam ter feito, muito antes. Obama, Clinton, os dois Bush. Ninguém fez nada para travar os planos da China”, disse Trump, referindo-se ao desequilíbrio na balança comercial entre os dois países.

“Enquanto não houver maior equilíbrio, os EUA não vão ceder”, disse o Presidente dos EUA, para explicar que a escalada de taxas alfandegárias não levará a nenhum lado, enquanto a China não admitir que está numa situação favorável.

Trump disse que esta escalada provocará muitos danos na economia chinesa, não lhes deixando outra solução que não a de chegar a um acordo. “Eles querem um acordo. Porque eles precisam de um acordo”, referiu Donald Trump.

Na conferência de Imprensa conjunta de Trump e do Presidente Emmanuel Macron, minutos antes, o líder francês disse que a situação de crise comercial entre os EUA e a China está a provocar incerteza económica e pediu para que ambos os lados cheguem rapidamente a um acordo.

“Quanto mais rápido for alcançado um acordo, mais rapidamente a incerteza se dissipará”, explicou Emmanuel Macron, acrescentando que os países do G7 estão empenhados em participar nessa solução.

“Ficou acordado nesta cimeira que devem ser feitas reformas profundas na Organização Mundial do Comércio”, anunciou Macron, sobre as conclusões do encontro do G7, acrescentando que há um compromisso para combater o roubo de propriedade intelectual, uma das queixas dos EUA contra a China.

Todos no mesmo barco (II)

[dropcap]C[/dropcap]omo vimos na semana passada, criou-se um movimento na internet apelando aos cidadãos de Hong Kong que retirassem o dinheiro dos Bancos, para pressionar as instituições, diminuir a confiança que as pessoas nelas depositam, afectando directamente o estatuto de Hong Kong como centro financeiro e, muito provavelmente, prejudicando também outros locais. Além das consequências que se podem constatar directamente, este tipo de comportamento destrói completamente as conquistas consagradas na canção “Under the Lion Rock” que os hongkongers tanto trabalharam para alcançar. Estes comportamentos e a filosofia de “arrasar tudo e morrer unidos”, destruirá completamente o espírito nuclear e os ideais da Hong Kong do passado. Este movimento advoga um ideário divisionista e a divisão empurrará a cidade para um abismo sem retorno. Se assim for, Hong Kong deixará de ter qualquer futuro.

Vai ser impossível preservar a imagem do território, mesmo que seja apenas para manter o status quo. Tudo isto trará danos irreparáveis a Hong Kong.

Xu Guanjie, o deus da música de Hong Kong compôs a canção “Together in the same boat” nos anos 90. A intenção do poema era incentivar as pessoas a não emigrarem e permanecerem na cidade. A letra tem muitos pontos de contacto com a de “Under the Lion Rock”:

“Sigo contigo neste barco, por ondas impiedosas fustigado,
No horizonte, só vento e chuva nunca vistos, tudo se afigura caótico.
Não sei o que nos espera.
Mas decidimos continuar a navegar
e tornar o nosso barco inquebrável,
Luta para enfrentar as dificuldades e os desafios,
Assim o barco nunca se afundará.”

Aqueles que querem recorrer à violência para destruir Hong Kong, ou que incentivam as pessoas a tirar as suas poupanças dos Bancos, para criar o pânico financeiro, deveriam compreender que, enquanto viverem em Hong Kong, precisam de unir esforços para melhorar a cidade, essa é a sua obrigação. Qualquer forma de destruição só fará as coisas irem de mal a pior. Estas acções não irão ter qualquer tipo de reconhecimento. Só quando todos se puderem inter-ajudar e se mantiver acesa a chama e o espírito de Under the Lion Rock, Hong Kong poderá vir a ter um futuro grandioso.

Na situação actual, é impossível solucionar os problemas com uma panaceia. Dado que toda a gente reconhece que esta é uma situação impossível, que caminho seguir? Em resposta, continuo a citar a letra da canção de Xu Guanjie, “Together in the same boat”:

“Sigamos confiantes e reforcemos as fundações.
Se cada um fizer a sua parte, abriremos caminho através da escuridão. ”

“O espelho quebrado amanhã estará intacto e tudo irá melhorar.
Com esperança, comecemos de novo,
Conservemos para sempre o nosso barco aquecido. ”

Desde que os hongkongers estejam confiantes, vão sempre esforçar-se por conseguir o melhor e trabalharão com afinco para criarem segundas oportunidades brilhantes. Juntos, sob o espírito de “Under the Lion Rock” – encorajamento, ajuda e entusiasmo mútuos, a população de Hong Kong vai fazer prevalecer a sua opinião. Os problemas que não puderem ser resolvidos hoje, se-lo-ão amanhã. Se cada facção se agarrar ao seu ponto de vista, excluindo o compromisso, puser de lado a cooperação, ou partir simplesmente para a destruição, o futuro de Hong Kong vai descrever-se apenas numa única palavra – “escuridão”.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

Contradições da Novo Macau

[dropcap]S[/dropcap]ão muitas as vozes que dizem que as sociedades de Macau e de Hong Kong são bastante diferentes. E este domingo foi mais uma prova viva de que em Macau está tudo calmo, tranquilo. De um lado, vota-se no único candidato a Chefe do Executivo, fazem-se os rituais do costume, promessas. Do outro, o território arde, manda-se gás pimenta para cima de multidões, ouvem-se gritos de revolta.

Ao lado, os jovens vão para a rua, organizam-se, criam objectivos de luta. Em Macau, a única associação que poderia dar apoio aos protestos cala-se, alegando falta de meios e de recursos humanos. Então o deputado Sulu Sou, que dá a cara por quase todas as causas, não dá a voz aos líderes pro-democracia do território vizinho? Não há um dia da semana ou três horas para emitir um comunicado, ou realizar uma conferência de imprensa?

Há também a questão do referendo. Em 2014, houve detenções. Desta vez, ninguém foi preso, o que mostra que é pouco provável que o director do Gabinete de Protecção de Dados Pessoais chegue a secretário. Mas depois, eis que o referendo termina antes do tempo, não se divulgam resultados no dia da eleição de Ho Iat Seng, alegadamente por motivos técnicos. Jason Chao diz que está tudo a funcionar e mostra-se “chocado” com a decisão. Em que ficamos, Novo Macau?

Sulu Sou, que foi e continua a ser o mártir da injustiça no hemiciclo e feroz defensor da democracia, continua calado e pouco activo face ao que acontece em Hong Kong? São contradições que não se percebem.

O massacre de Lidice na música de Bohuslav Martinů

[dropcap]N[/dropcap]o dia 28 de Agosto, assinalam-se 60 anos da morte do compositor checo Bohuslav Martinů, um dos gigantes da música checa do séc. XX, a par de Leos Janáček. Martinů é também um dos mais conhecidos compositores da chamada École de Paris, e um compositor com uma voz distintamente individual e uma versatilidade que o levaram a distinguir-se em todos os meios de expressão, de obras para o palco a sinfonias e quartetos de cordas, num total de mais de 400.

Numa noite inesquecível em Junho de 1942, a tranquila aldeia de Lidice, na Checoslováquia, deixou de existir. Não foi nem um terramoto nem uma inundação que varreu esta cidade de colinas verdejantes a oeste de Praga, mas sim a perversidade da natureza do homem. Tropas nazis varreram a aldeia enquanto esta dormia, matando os homens e deportando as mulheres e as crianças. Os edifícios foram totalmente queimados e tudo foi arrasado; nada restou, nem mesmo o cemitério. O massacre foi a forma dos nazis se vingarem da conspiração para assassinar o perverso líder das SS Reinhard Heydrich (“Heydrich, o carrasco”), cujo mandato como governador regional tinha semeado um reino de terror. Pouco depois de Heydrich morrer de ferimentos devidos à tentativa de assassinato que sofreu, a retaliação começou.

Lidice foi apontada como tendo abrigado os soldados que mataram Heydrich e a punição foi concebida pelos próprios Hitler e Himmler. Todos os homens adultos da aldeia foram reunidos e levados para uma quinta nos arredores, onde foram abatidos dez de cada vez. As mulheres e crianças foram então separadas e enviadas para campos de concentração separados. No final, 173 homens foram mortos, 184 mulheres e 105 crianças foram enviadas para campos de concentração. Algumas das crianças pequenas foram consideradas viáveis ​​para a “germanização” e foram enviadas para morar com as famílias de oficiais das SS. Infelizmente as restantes 82 foram consideradas nada mais que um fardo e foram remetidas para o Campo de Concentração de Chełmno, onde foram gaseadas.

Os horrores de Lidice tornaram-se um emblema, um símbolo de como uma aldeia sonolenta e inocente poderia ser varrida pelo terror fascista. A intenção era obliterar a aldeia – mas permaneceu uma memória poderosa. Outras cidades adoptaram o nome e alguns pais deram esse nome a meninas nascidas na época. Lidice emergiu como um símbolo não apenas para os checos, mas também para o mundo. Em 1943, a Liga Americana de Compositores pediu a vários compositores proeminentes para escreverem obras baseadas neste incidente muito falado na época. Em 1957, o governo da Grã-Bretanha plantou um enorme jardim de rosas na aldeia, que foi eventualmente reconstruída por aqueles que sobreviveram, 153 mulheres e 17 crianças.

Várias obras de arte, incluindo várias peças musicais comoventes, comemoraram o momento.
Bohuslav Martinů foi um dos primeiros a reconhecer, na música, aquela noite terrível em Junho de 1942. O seu sombrio Memorial a Lidice, de 8 minutos, continua a ser a declaração mais eficaz sobre o massacre de Lidice. A obra foi escrita em 1943, um ano depois da aldeia checa ser arrasada. À medida que se ouve a obra, desde os envolventes compassos de abertura do Adagio, o Memorial a Lidice cria um surpreendentemente emocional “mundo interior”, com uma bitonalidade saltitante – a sobreposição de duas tonalidades contrárias e destoantes, Dó menor e Dó sustenido menor. Através do desenvolvimento da obra, Martinů cita um hino a S.

Venceslau, o patrono da Boémia. Após uma secção central de acentuada intensidade, o Adagio inicial regressa, trazendo uma citação esperançosa: o “grito de vitória” da abertura da Quinta Sinfonia de Beethoven. A peça termina então em Dó Maior.

Sugestão de audição da obra:
Bohuslav Martinů: Memorial to Lidice
The Philadelphia Orchestra, Christoph Eschenbach – ONDINE, 2005