Da derrota

[dropcap]F[/dropcap]oi numa daquelas noites em que a conversa deriva, sem tempo nem mapa. O leitor saberá como é: um copo aqui, bons amigos ali e aquela cumplicidade serena que se desprende das melhores amizades. São em momentos como esses que ganhamos coragem até para fazer perguntas menos convenientes mas interessadas, que não faríamos sem o doce embalo destas horas.

Uma dessas noites, então. Amigo próximo e com senioridade nesta coisa de afectos diz-me à queima-roupa: “Li o que escreveste sobre o David Berman, que não conhecia e fui ouvir. Gostei mas aquela música é mesmo a tua cara. Só gostas de músicas tristes, de perdedores”. Respondi-lhe vagamente que não era bem assim, que também gosto de outras coisas mais alegres e vitoriosas. Mas no regresso a casa vim a pensar no que me disse e que de certa forma tinha razão.

Não concebo a vida sem a derrota. Não quer dizer que esteja obcecado por ela ou não consiga sentir prazer nas minhas insignificantes conquistas ou nas grandes vitórias alheias. Apenas que a minha natureza me aproxima mais dos Píndaros dos perdedores, dos que proclamam a derrota sem auto-piedade: com lucidez, melancolia e se possível um pouco de humor, como de resto é o caso de Berman.

O que seria dos dias sem as quedas que damos? O que seria da arte, do que nos toca? Uma das obras-primas da literatura mundial descreve a mais extraordinária e gloriosa das derrotas: o Dom Quixote, de Cervantes. Sinatra tinha um especial carinho pelos que perdiam, especialmente porque foi um deles: quatro tentativas de suicídio, uma carreira arrasada em 1949 e um relacionamento intenso mas tumultuoso com Ava Gardner permitiram que, entre outras coisas, gravasse No One Cares, uma ode superlativa aos que ficam sozinhos. “Este disco deveria vir com uma pistola”, disse ele, que chamou a este e a dois outros monumentos – Only The Lonely e Where Are You? – “álbuns para o suicídio”.

Sim, gosto dos que perdem. Até porque nesta corrida já partimos derrotados. Mas até lá cada obstáculo, cada sombra, cada dor podem servir de amparo desde que não os evitemos.

Lembro-me, quase de cor e à velocidade com que escrevo, de uma frase de Churchill: “ O sucesso consiste em ir de falhanço em falhanço sem perda de entusiasmo”. É isto. O triunfo fala por si, possui trombetas estridentes e pomposas. Dêem-me a discrição do tipo que não consegue, do atleta que cai em frente à meta. Essa é a minha gente, os que acabam e recomeçam tudo outra vez. Há um pequeno poema de Yeats, What Was Lost, que tem um belíssimo verso inicial que se me cola à pele: « I sing what was lost and dread what was won». E no fundo o que acabei de escrever é a resposta articulada e justa ao que o meu amigo me disse durante um desses belíssimos momentos que parecem ser eternos. O leitor saberá como é.

28 Ago 2019

Melinda Chan, da lista 18, foi a grande derrotada das eleições

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] noite eleitoral começou bem para os lados da Doca dos Pescadores e os primeiros resultados, após a contagem dos votos de Coloane, pareciam indicar a reeleição de Melinda Chan, que concorria como líder da lista 18, a Aliança pr’a Mudança.

Contudo, à medida que as horas passavam, os gritos de euforia e os sorrisos depressa passaram às lágrimas da derrota. Melinda Chan não foi reeleita deputada por uma margem de 160 votos, e cá fora não faltaram rostos tristes e de semblante carregado, incluindo o de David Chow, seu marido e empresário, que esteve sempre ao seu lado à medida que se viam os números no ecrã.

“Estava confiante e estou muito desiludida”, disse aos jornalistas, por volta das 2h00, quando já se conheciam os primeiros vencedores. “Nunca pensei que não ia vencer, mas respeito a decisão dos cidadãos. Não sei o que aconteceu, talvez não tenham gostado do que disse na campanha”, apontou.

A candidata derrotada não sabe o que vai fazer a seguir. Continuar o trabalho na Associação de Beneficência Sin Meng é um dos planos, tal como “tirar umas longas férias”. O desapontamento de Melinda Chan foi tão grande que não sabe sequer se será candidata nas próximas legislativas, daqui a quatro anos. “Não me parece que vá concorrer novamente”, frisou.

O número três da lista, Jorge Valente, também se mostrou francamente desiludido, naquela que foi a sua estreia na política. “Teremos menos uma voz na Assembleia Legislativa que levaria várias ideias, incluindo algumas minhas”, respondeu. “Acho que perdemos alguns votos que viriam dos casinos, das listas que representam os trabalhadores, e os democratas ganharam alguns lugares. Temos de aceitar o resultado”, adiantou.

Apoiantes de Melinda Chan no auditório da Doca dos Pescadores. Foto: HM

Mudança de estratégia

No início da noite, o ambiente era de festa e vários residentes de Macau, a viver no Continente, deslocaram-se de propósito à Doca dos Pescadores para ver Melinda Chan vencer de novo.

Na plateia encontravam-se vários jovens, como foi o caso de Mathew Wong, de 27 anos e trabalhador num banco. “Ela teve um papel importante na discussão sobre a lei de protecção dos animais e lei da violência doméstica. Sinto que ela representa a maioria das pessoas. As gerações mais jovens querem uma mudança na sociedade e acredito que a maioria pensa que o futuro de Macau tem de mudar”, defendeu ao HM.

Mathew Wong não tem dúvidas de que a passagem do tufão Hato por Macau fez despertar consciências. “Muitas pessoas perceberam que algo tem de mudar no Governo e que precisamos de melhores transportes e infra-estruturas, mais transparência e menos burocracia”, apontou.

Foto: HM

Jorge Fão, que foi número dois de David Chow, marido de Melinda Chan, no hemiciclo, disse que a Aliança pr’a Mudança tinha mudado a sua estratégia. Dos assuntos sociais, queria começar a abordar as necessidades dos pequenos empresários e do sector do turismo.

“Mudámos para a classe média, média alta. Mudámos a estratégia, com alguns riscos, mas mudámos. Acho que isto vai dar bons resultados porque, neste momento, vamos contar com uma base de apoio suficiente. Vamos ver se isto vai pegar”, disse ao HM. Horas depois, ficou confirmado que a mudança de estratégia não gerou frutos.

18 Set 2017