Hong Kong | AIPIM preocupada com novas regras para jornalistas

A AIPIM espera que os jornalistas de Macau não sintam na pele os efeitos da medida anunciada pela polícia de Hong Kong, não sendo expectável uma alteração na forma como os profissionais locais são vistos pelas autoridades da RAEM

 

[dropcap]O[/dropcap] presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM), José Carlos Matias, afirmou ontem estar preocupado com as novas regras anunciadas pela polícia de Hong Kong destinadas a jornalistas, esperando ainda que os profissionais de Macau continuem a ser reconhecidos pelas autoridades da região vizinha.

“Esperamos que, com esta medida, o trabalho dos jornalistas de órgãos de comunicação social de Macau em trabalho em Hong Kong não seja afectado e que estes continuem a ser reconhecidos pelas autoridades da região vizinha. Iremos acompanhar a situação. Os acontecimentos recentes em Hong Kong geram-nos preocupação e apreensão”, disse ao HM o presidente da AIPIM.

Já sobre o impacto que a medida pode vir a ter em Macau, José Carlos Matias acredita que “não há motivos para alterar a forma como os jornalistas em Macau têm sido reconhecidos pelas entidades locais”.

Recorde-se que as novas regras, divulgadas pela polícia de Hong Kong na terça-feira, prevêem que, apenas jornalistas registados no Serviço de Notícias e Informação dos Media do Governo ou membros de órgãos de comunicação social estrangeiros “reconhecidos e reputados”, sejam reconhecidos como jornalistas durante conferências de imprensa e áreas reservadas.

Segundo a polícia, o objectivo da medida passa também por afastar desordeiros que se façam passar por jornalistas, afirmando que houve casos de perturbação da acção policial durante os protestos que agitaram o território no ano passado.

De acordo com uma fonte da polícia de Hong Kong, citada pelo o South China morning Post (SCMP), e que esteve envolvida na criação da nova medida, esta regra “fornece uma definição clara e transparente, que facilita a forma como os verdadeiros membros da classe jornalística fazem o seu trabalho”.

A mesma fonte avançou ainda que, nos últimos anos, tem vindo a assistir ao aparecimento de “vários tipos de jornalistas”, como repórteres universitários, civis ou em nome individual, sem ligação a qualquer meio de comunicação social.

“Se alguém alegar ser um repórter sem que nós saibamos qual a sua experiência ou se está a fazer um trabalho genuíno, isso não constitui um perigo para os nossos agentes ou uma possível obstrução ao nosso trabalho?”, referiu ao SCMP.

Dedos apontados

O mesmo agente citado pelo SCMP recorda ainda um protesto que ocorreu num centro comercial onde, para cinco manifestantes, estavam no local 150 jornalistas, lembrando ainda que, só no ano passado, foram apreendidos pelo menos 13 cartões de imprensa falsificados.

Sobre os cartões falsos, recorde-se que a Associação de Jornalistas de Hong Kong (HKJA) fez queixa junto das autoridades de Hong Kong de que algumas destas identidades falsas teriam sido emitidas em nome de orgãos de comunicação social de Macau.

Recorde-se que, tal como noticiado pelo HM em Agosto de 2019, o jornalista Lo Wing-ying fez-se passar por um profissional do Jornal Tribuna de Macau (JTM) para fazer a cobertura dos incidentes em Hong Kong. O caso foi revelado na altura pela Campus TV, canal da Associação de Estudantes da Universidade de Hong Kong, tendo sido apresentadas, inclusivamente, imagens do cartão falsificado.

Em reacção à nova medida, a Associação de Jornalistas de Hong Kong emitiu um comunicado, citado pela agência Lusa, onde afirma que o Governo não tem o direito de determinar quem é ou não repórter .

“A polícia não pode ser autorizada a utilizar meios administrativos para seleccionar apenas meios de comunicação oficialmente reconhecidos, prejudicando assim os direitos fundamentais da população de Hong Kong”, defendeu a HKJA.

A organização, responsável por emitir a carteira profissional de jornalista no território, criticou ainda a possibilidade de essa prerrogativa passar a estar nas mãos de funcionários governamentais, como acontece no Interior da China.

DSEJ | Grupos sobre a Grande Baía nas redes sociais quase “vazios”

A Direcção dos Serviços de Educação e Juventude lançou uma plataforma de informação para dar a conhecer aos jovens de Macau a Grande Baía. No Facebook, a página tinha ontem 20 “gostos” e no Instagram os seguidores totalizam uma dúzia. Em relação à covid-19, está a ser ponderada a obrigatoriedade de teste de ácido nucleico para alunos que participem em competições escolares

 

[dropcap]O[/dropcap]ntem, após a terceira sessão plenária deste ano do Conselho de Juventude, foi feito o ponto de situação sobre a “Plataforma de Informação para Jovens da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, que entrou, oficialmente, em funcionamento a 26 de Dezembro de 2019. Em conferência de imprensa, onde não foram dadas respostas às perguntas dos jornalistas, Luís Gomes, chefe Divisão de Formação e Apoio ao Associativismo Juvenil, revelou que a plataforma recebeu mais de 3000 visualizações.

O sítio em questão, que pretende dar a conhecer as oportunidades da Grande Baía aos jovens de Macau, é constituído por um website que não tem contador de visitas e contas no Facebook e Instagram.

Ontem, o grupo de Facebook “Falar detalhadamente a Grande Baía” somava 20 “gostos” e 21 seguidores. As cinco publicações na página inicial não tinham qualquer “gosto” ou comentário.

O panorama no Instagram ainda é pior. A conta “Bay Chit Chat” tem apenas 12 seguidores, com três “gostos” atribuídos pela mesma pessoa.

Segundo a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) o objectivo da plataforma é dar a conhecer “a vida quotidiana, emprego, empreendedorismo e políticas importantes, entre outros conteúdos, de modo a promover, ainda mais, o conhecimento e a integração dos jovens na Grande Baía”.

Atletas testados

Durante a sessão do Conselho de Juventude foi ainda feito, com a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), o balanço da “Feira do Emprego para Jovens 2020”, que ofereceu mais de 3000 postos de trabalho nos passados 29 e 30 de Agosto. Apesar de não terem sido divulgados dados de empregabilidade, a DSEJ informou que só poderia facultar informação hoje. Porém, o canal chinês da Rádio Macau, citando a DSAL, revelou ontem que dos 1350 candidatos, 722 conseguiram estágios e cinco foram contratados, directamente na feira, para estagiar. Em relação a postos de emprego, entre 3.339 candidaturas, até sexta-feira da semana passada, 193 foram entrevistados na feira e 61 conseguiram contrato de trabalho.

Outro tema abordado, após a sessão do Conselho de Juventude, foi a ponderação que a DSEJ está a fazer de obrigar os alunos que vão participar em competições de desporto escolar a realizar o teste de ácido nucleico. É estimado que participem nestas actividades cerca de 12 mil alunos.

Acidente | Agnes Lam exige que Governo assuma responsabilidade por obras mal feitas

A deputada exige que o Governo faça um relatório sobre a qualidade dos trabalhos feitos em 92 casas-de-banho públicas e que podem colocar em causa a segurança pública

 

[dropcap]O[/dropcap] caso do homem que ficou com os pés partidos após ter sido atingido por um pedaço de mármore que se soltou de um lavatório público levou a Agnes Lam a exigir ao Governo que assuma mais responsabilidades pelos contratos por si atribuídos. A ideia foi deixada ontem, durante uma conferência de imprensa organizada pela deputada e que contou com a presença da vítima, Choi Chi Wai.

“O mármore utilizado nas casas-de-banho não foi instalado correctamente. Parece que o construtor ou não teve competência suficiente para fazer aquele trabalho ou optou por usar materiais baratos, para reduzir os custos da obra. Estamos a falar de um risco que não pode ser negligenciado”, afirmou Agnes Lam, sobre o incidente.

A casa-de-banho em causa fica situada na Barragem de Hác-Sá e as obras, encomendadas pelo Instituto para os Assuntos Cívicos (IAM) tinham sido concluídas em Janeiro deste ano, ou seja há pouco mais de nove meses. “A responsabilidade é do Governo e em particular do IAM. São eles que têm a responsabilidade de garantir que os contratos são cumpridos e que as obras recebidas têm todas as condições de segurança”, acusou. “Como é possível que um problema tão significante como a queda de mármore de uma parede aconteça num lavatório público, após ter havido um processo de entrega de obra, que implica avaliações e inspecções?”, questionou.

Problemas profundos

Segundo as leis em vigor, quando uma obra tem um custo inferior a 2,5 milhões de patacas o Executivo não precisa de realizar um concurso público, limitando-se a contactar três companhias para que apresentem um orçamento. É entre as propostas recebidas que o empreiteiro é escolhido. Sobre este procedimento, Agnes Lam defende que é necessário haver maior transparência, porque o preço acaba por ser sempre o factor determinante (com um peso de 70 por cento), o que coloca em causa a segurança das pessoas.

“Falámos com pessoas no sector da construção que nos explicaram que o modelo do Governo dá tanta importância ao preço que faz com que não seja possível apresentar propostas com qualidade. Por isso, as construtoras usam materiais mais baratos para reduzirem os preços”, explicou.

Por outro lado, Agnes Lam apontou também o dedo ao Executivo por dualidade de critérios quando trabalha para si ou para a população. “Quando se tratam de serviços para o Governo os critérios sublinham sempre a necessidade de haver qualidades nos serviços fornecidos. Mas, quando são serviços para a população o foco principal é sempre fazer com um preço reduzido”, acusou.

Neste cenário, Agnes Lam pediu também uma investigação ao projecto de renovar 92 casas-de-banho levado a cabo pelo IAM, que visou assegurar os empregos do sector durante a pandemia.

Sai batalha judicial

Por sua vez, Choi Chi Wai prepara-se para uma batalha judicial com o Governo em que vai pedir uma indemnização pelos danos causados com o acidente, mas também com os três meses que perspectiva vir a perder de trabalho.

Choi é camionista de profissão, no sector da construção civil, e actualmente só consegue deslocar-se de cadeira de rodas ou com canadianas, o que o impede de conduzir.

Face às perdas, e numa altura em que o emprego dos residentes é mais instável do que nos anos anteriores, o residente vai levar o IAM a tribunal. Choi pretende que o Governo assuma as despesas médicas causadas pelo acidente, que por agora são de 6.000 patacas, mas devem subir até ao final dos três meses de recuperação. A perda de rendimentos com o trabalho vai ser outra das exigências.

Quanto aos procedimentos legais para exigir indemnizações ao Executivo, Agnes Lam também defendeu alterações legislativas, e considerou que o modelo em vigor exige demasiado tempo e custos, o que leva a que as pessoas desistam de reivindicar os seus direitos, quando são prejudicadas com a utilização de serviços públicos.

“Altamente atento”

Em resposta à conferência de imprensa organizada por Agnes Lam, o IAM afirmou que está “altamente atento” ao acidente nas instalações para lavagem de mãos. Ao mesmo tempo, prometeu reforçar “a vistoria das obras e a monitorização respeitante à qualidade das mesmas”. A resposta revela ainda que até à ocorrência deste caso o IAM não fazia vistoria da fixação de mármores antes da entrega de obras, o que vai agora mudar. Quanto ao caso em particular, o IAM promete suspender a adjudicação de obras a empresa envolvida, que não identifica, caso se prove a “insuficiente qualidade da obra executada pelo empreiteiro”.

Por outro lado, até ao final da semana o IAM promete terminar uma acção de fiscalização de todos os lavatórios nos espaços públicos.

Semana Dourada | Medidas reforçadas a pensar no aumento de visitantes

Apesar de não avançar previsões sobre o número de visitantes esperados em Macau durante a Semana Dourada, o Governo vai reforçar as medidas de segurança, especialmente nas fronteiras e locais turísticos. Os parques de merendas têm luz verde dos Serviços de Saúde para reabrir e continua a não haver data para permitir entrada de bluecards

 

[dropcap]A[/dropcap] Semana Dourada promete, mas ainda não se sabe exactamente o seu alcance. Apesar de não arriscar uma estimativa quanto ao número de turistas que virão a Macau durante a Semana Dourada, o Governo assegurou que vai reforçar as medidas de segurança durante as comemorações, sobretudo nas fronteiras e nos pontos onde se prevê maior acumulação de turistas. Isto porque, de acordo com a Leong Iek Hou, coordenadora do Centro de Doenças Infecciosas, não há dúvidas de que o número de visitantes vai aumentar.

“Estamos a prever o aumento de turistas a chegar a Macau e a pensar reforçar o número de trabalhadores a trabalhar nas fronteiras para fazer as análises e a inspecção dos códigos de saúde e os (…) testes de ácido nucleico”, explicou ontem Leong Iek Hou, por ocasião da conferência de actualização do novo tipo de coronavírus.

Um dia depois de ter sido retomada a emissão de vistos turísticos a partir de toda a China, a Chefe de Divisão de Relações Públicas da Direcção dos Serviços de Turismo (DST), não arriscou avançar uma estimativa de visitantes para a primeira semana de Outubro. Contudo, diz que o Governo “está atento ao número de vistos que estão a ser emitidos”.

“As fronteiras abriram recentemente a nível nacional, pelo que a Semana Dourada servirá de referência em relação às nossas perspectivas sobre o número de turistas”, apontou a responsável da DST.

Quanto às medidas a cargo da Polícia de Segurança Pública (PSP), Ma Chio Hong, Chefe da Divisão de Operações e Comunicações do organismo, avançou que durante a Semana Dourada, “o dispositivo de agentes será reforçado nos locais turísticos para ajudar a população a circular”, especialmente em parques e jardins como em Hac-Sá e na Torre de Macau, local onde será possível assistir a um espectáculo de fogo de artifício.

Na conferência de imprensa foi ainda avançado que as zonas de churrasco dos parques de merendas receberam luz verde por parte dos Serviços de Saúde (SS) para reabrir ao público. O tema surgiu após os SS terem sido questionados sobre a razão que justifica a decisão de permitir, por exemplo, o funcionamento de piscinas públicas e não destes espaços.

“Temos estado em contacto com o IAM [Instituto para os Assuntos Municipais] e os SS já deram orientações favoráveis quanto à abertura desses parques. No entanto, as pessoas têm de respeitar rigorosamente as regras de prevenção (…) e o IAM está a considerar todas as questões para poder anunciar [a reabertura] em breve”, sublinhou Leong Iek Hou.

Sem previsões

Durante a conferência de ontem, o Governo reiterou ainda que continua sem data para voltar a permitir a entrada de trabalhadores não residentes, detentores de bluecard, em Macau. Segundo Alvis Lo Iek Long, da direcção do Centro Hospitalar Conde de São Januário, para que essa seja uma realidade é preciso garantir que existe equilíbrio entre as diferentes necessidades da população e a estabilização da situação epidémica.

“Há uma parte da população que quer medidas mais aliviadas e outra que quer medidas mais rigorosas. Quando decidimos levantar medidas temos de o fazer de forma progressiva e considerando todos os factores, como a Semana Dourada, onde podemos vir a ter um grande número de turistas (…) ou outras actividades que estão a ser planeadas. Vamos ter que equacionar tudo numa conjuntura mais fiável e racional. Quando a situação estiver controlada é que podemos avançar novidades”, explicou o responsável.

Turismo | Expectativas dos hotéis revistas em baixa

É uma “projecção realista” esperar uma taxa de ocupação hoteleira entre 10 a 20 por cento durante os feriados da Semana Dourada, disse à TDM Rádio Macau o presidente da Associação de Hotéis de Macau. Rutger Verschuren descreveu que semanas atrás as expectativas eram altas, mas se espera agora um cenário calmo.

“À medida que nos aproximamos do dia D, vemos uma recuperação muito lenta. Apesar de haver muito interesse – percebemos, pelo tráfego no nosso site, que muitas pessoas estão a ver a oferta de quartos e as taxas – mas, infelizmente, o padrão de reservas está a ser muito lento”, explicou.

O presidente da Associação de Hotéis apontou como entraves a possibilidade de turistas não saberem que podem pedir vistos para Macau, e trabalhadores cujos patrões lhes estão a pedir para não viajarem para fora. Para além disso, frisou que a indústria dá total apoio às medidas de prevenção da covid-19, apontando que um surto na comunidade “seria desastroso”.

Por outro lado, as promoções para residentes geraram negócio, mas Rutger Verschuren apontou que os quartos não estão a render o mesmo por causa da redução das tarifas, e que as aparências podem induzir em erro. “Vemos muitos clientes nos restaurantes ou na piscina. São provavelmente residentes e os nossos quartos continuam vazios. Os restaurantes, na nossa indústria, não dão assim tanto lucro”, disse à Rádio Macau.

Assim, estima que a indústria precise entre dois a três anos para recuperar, apesar de esperar que se sintam melhorias no final deste ano.

CCAC | Coutinho estranha investigação à Viva Macau

[dropcap]O[/dropcap] deputado Pereira Coutinho estranha o tempo levado pelo Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) a investigar os apoios de 212 milhões de patacas do Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização (FDIC) à Viva Macau. Os empréstimos foram cedidos em 2009 à operadora e acabaram por nunca ser devolvidos, com as perdas a serem assumidas totalmente pelo erário público. No entanto, a investigação do CCAC só foi concluída na semana passada, mais de 11 anos depois.

Nas conclusões, o órgão de investigação recusou ter havido crimes por parte dos governantes, e disse que em relação aos gestores da empresa não se podiam apurar responsabilidades criminais, já tinham prescrito.
José Pereira Coutinho, deputado ligado à Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), vem agora apontar que a actuação do CCAC foi estranha.

“O CCAC exerce as suas funções por iniciativa própria relativamente a factos que, por qualquer modo, cheguem ao seu conhecimento, ou seja, inclusive através das interpelações escritas e orais dos deputados, normalmente amplamente publicitadas nos meios de comunicação social, pelo que se estranha que o CCAC não tivesse actuado anos antes, no sentido de apuramento de eventuais responsabilidades”, consta no documento escrito por Coutinho.

Por outro lado, Coutinho recorda uma resposta do Governo de Chui Sai On a uma interpelação sobre o tema, datada de 2013, em que lhe tinha sido assegurado que os empréstimos de 212 milhões de patacas tinham sido cedidos “com rigor” e “com prudência”. Nesse sentido, o legislador quer saber quais as razões que levaram a “falhas de supervisão”.

Por outro lado, Coutinho quer também saber quem do Executivo vai assumir a responsabilidade de todo o caso.

AL | Vitor Cheung Lup Kwan faltou a 18 de 35 sessões plenárias

Vitor Cheung Lup Kwan foi o deputado que menos apareceu no hemiciclo, marcando presença em apenas 48,57 por cento das sessões plenárias ao longo da última sessão legislativa. No relatório de actividades da Assembleia Legislativa, Kou Hoi In destaca o impacto da epidemia nos trabalhos do organismo e antevê tarefas “duras” para o próximo ano

 

[dropcap]A[/dropcap]o longo da última sessão legislativa, Vitor Cheung Lup Kwan não compareceu a mais de metade dos plenários da Assembleia Legislativa. A “lista de faltas” é revelada no relatório de actividades da AL, onde se constata que o deputado eleito por sufrágio indirecto pelos sectores culturais e desportivo marcou presença no hemiciclo em apenas 17 das 35 sessões, ou seja, 48,57 por cento.

O documento faz um balanço da 3ª sessão legislativa da VI legislatura até ao dia 15 de Setembro, apesar da sessão terminar a 15 de Outubro. Segundo o relatório assinado pelo presidente da AL, Kou Hoi In, até às férias realizaram-se 35 plenários, com uma taxa média de assiduidade de 96 por cento. Nestes encontros foram aprovadas 25 leis, uma resolução e 13 simples deliberações.

Entre os 33 deputados, 18 marcaram presença em todas as sessões plenárias. Para além de Vitor Cheung Lup Kwan, os deputados que mais faltaram no período em apreço foram Angela Leong e Wang Sai Man. Mas vale a pena recordar que Wang Sai Man apenas tomou posse como deputado a 16 de Dezembro de 2019, ocupando a vaga deixada no hemiciclo depois da saída de Ho Iat Seng para se candidatar a Chefe do Executivo.

Directrizes para o futuro

Na nota final do relatório de actividades da AL, o presidente do organismo deixou uma mensagem sobre os pontos a cumprir na próxima sessão legislativa. Para além dos trabalhos de apreciação das propostas de lei, refere a necessidade de “continuar a aproveitar o mecanismo de fiscalização assumindo uma atitude pragmática, a dar prioridade ao interesse geral”, empenho em prol da “harmonia e a estabilidade da sociedade”, e ainda de “melhorar o bem-estar da população”. “No próximo ano, as nossas tarefas serão muito duras”, declarou Kou Hoi In.

O presidente destacou o impacto da epidemia, que motivou a suspensão temporária da casa das leis e posteriormente a prorrogação do prazo de funcionamento da AL por um mês, comentando que “não foi fácil alcançar o progresso dos trabalhos”. Reconheceu o esforço das partes envolvidas, bem como a “colaboração sinérgica entre o órgão legislativo e executivo”.

No campo laboral, destaque para a aprovação de propostas como a alteração à Lei das relações de trabalho (que aumentou a licença de maternidade e criou a de paternidade) e a Lei do salário mínimo para os trabalhadores. Durante o ano foi admitido apenas um projecto de lei, relativo a legislação sindical, que não foi aprovado na votação na generalidade. Além disso, não foi aprovado nenhum dos dois pedidos de debate apresentados por deputados.

Por outro lado, alguns cidadãos procuraram ter um papel mais activo no processo legislativo. O mecanismo não é novo: a AL disponibiliza um serviço de atendimento ao público em que os cidadãos podem ser recebidos por deputados, com vista a recolher opiniões, sugestões ou críticas. Nesta sessão, foram atendidos presencialmente seis residentes. “Houve ainda residentes que fizeram chegar, presencialmente, por telefone ou por correio electrónico, as suas opiniões e sugestões à Assembleia Legislativa, o que somou um total de 74 atendimentos”, indica o relatório. Para além disso, foram submetidas duas petições por cidadãos e associações.

Sobre a abertura de vias para a participação da sociedade nos trabalhos legislativos, é apresentado como exemplo o período de apreciação na especialidade da proposta sobre a Lei da actividade das agências de emprego, em que a comissão recebeu representantes dos interessados e associações do sector. Recorde-se que, na altura, três representantes de associações que defendem os direitos dos trabalhadores migrantes lamentaram que uma reunião com a comissão tivesse demorado menos tempo do que o previsto, por causa de o tradutor ter de sair.

Reuniões de Comissões

Os trabalhos de fiscalização motivaram 159 reuniões de comissões ao longo desta sessão legislativa, com uma taxa média de assiduidade de 94 por cento. As comissões de acompanhamento de assuntos específicos convocaram 34 reuniões, metade das quais sobre finanças públicas.

As três comissões permanentes, que apreciam projectos e propostas de lei na especialidade, reuniram 124 vezes. Neste capítulo, a 2.ª Comissão Permanente, presidida pelo deputado Chan Chak Mo, destacou-se como a que teve mais actividade, com 54 reuniões. Quando se observa quem faltou mais às reuniões das comissões permanentes dois nomes voltam a ganhar destaque. No total de 21 reuniões da 3ª Comissão Permanente, que ambos integram, Vitor Cheung Lup Kwan compareceu apenas uma vez e Angela Leong esteve presente em onze ocasiões.

Entre os outros mecanismos que os deputados dispõem para fiscalizar o trabalho do Governo estão as interpelações e intervenções no período antes da ordem do dia. No geral, foram apresentadas 325 intervenções antes da ordem do dia sobre assuntos diversos, como a política de habitação, transportes públicos, serviços de saúde, educação e administração pública. E até ao dia 15 de Setembro foram submetidas ao Governo 649 interpelações escritas.

É de destacar que, para além do presidente da AL, Chui Sai Cheong, Vitor Cheung Lup Kwan, Chan Chak Mo e Vong Hin Fai não assinaram interpelações ou apresentaram intervenções antes da ordem do dia.
Outros seis deputados intervieram no período antes da ordem do dia, mas não submeteram ou subscreveram quaisquer interpelações. Foi o caso de Ma Chi Seng, Iau Teng Pio, Wu Chou Kit, Fong Ka Chio, Lao Chi Ngai e Chan Wa Keong.

Olhando para as interpelações escritas, os quatro deputados mais activos – com 45 subscritas – foram todos eleitos por sufrágio directo. No âmbito da via indirecta, os deputados mais activos foram os eleitos através do sector dos serviços sociais e educacional, e do sector do trabalho, embora se possa verificar na página online da AL que os temas submetidos nem sempre estivessem relacionados com a área que representam. Nenhum dos deputados eleitos por via dos sectores culturais e educacional participou neste mecanismo.

Jogo | Grupo Suncity nega congelar levantamentos dos clientes

[dropcap]O[/dropcap] maior angariador do mundo de grandes apostadores, com mais de 40% do mercado das apostas VIP em Macau, disse à agência Lusa que não existe congelamento de levantamento de fundos, após queixas de supostos clientes.

“Não há casos em que os clientes sejam impedidos de efectuar levantamentos devido ao congelamento de fundos”, indicou à Lusa a Suncity.

Nas últimas semanas têm surgido vários queixosos que denunciam, em páginas da internet e de forma anónima, que estão a ser impedidos de retirar os fundos que investiram no grupo, com 17 salas VIP no território e que está presente em todos os grandes operadores na capital mundial do jogo, Melco, MGM, Sociedade de Jogos de Macau (SJM), Galaxy e Wynn.

Numa página da internet, que junta 20 queixosos e que se autodenominam “Aliança dos Direitos do Cliente SunCity”, promete-se que vão tomar as devidas medidas legais para recuperar um soma até mil milhões de dólares de Hong Kong ao grupo que, para além de Macau, tem ainda salas de jogo VIP nas Filipinas, Camboja, Coreia do Sul e acabou a construção de um ‘mega resort’ no Vietname.

“O Grupo reitera que os falsos rumores prejudicaram seriamente os interesses e a reputação do Grupo. O Grupo condena veementemente quaisquer indivíduos que espalhem os rumores com intenção maliciosa, e reserva-se todos os direitos de intentar ações legais contra tais indivíduos”, respondeu a Suncity.

A empresa garante ainda que fornece “aos clientes um serviço de depósito/retirada de fichas de jogo para fins de entretenimento”.

Vários órgãos de comunicação têm noticiado que os operadores de jogo de Macau têm sofrido uma significativa saída de capitais durante este verão, o que tem perturbado os fluxos de capital em caixa.

Vários clientes terão levantado os seus fundos, após a China ter começado uma luta contra o branqueamento de capitais, o jogo ‘online’ ilegal e contra a saída de capitais do país.

“O negócio VIP do Grupo Suncity é financeiramente sólido”, garantiu a empresa à Lusa, negando assim as acusações de falta de dinheiro em caixa.

A Lusa questionou a Direção de Inspeção e Coordenação de Jogos (DICJ) de Macau sobre se tinha recebido queixas contra a Suncity e se existe suficiente dinheiro em caixa nos casinos.

A DICJ respondeu apenas que vai continuar “a monitorizar o funcionamento dos casinos e intermediários de jogos de fortuna e azar em Macau e “acompanhar de perto a situação para assegurar o desenvolvimento saudável da indústria do jogo em Macau.

Quanto aos branqueamentos de capital, a entidade responsável pelo jogo na capital mundial dos casinos apontou à Lusa que “os licenciados e intermediários de jogo têm vindo “a implementar medidas de acordo com a política do Governo de Macau contra o branqueamento de capitais”.

Em finais de agosto, Pequim anunciou criação de uma ‘lista negra’ de destinos turísticos de jogo em casinos por perturbarem a “ordem comercial do mercado de turismo estrangeiro da China” já que “algumas cidades estrangeiras abriram casinos para atrair turistas chineses a jogar”.

Para as autoridades chinesas, tais também põem “em perigo a segurança pessoal e patrimonial dos cidadãos chineses”.

A China prometeu impor “medidas restritivas de viagem contra cidadãos chineses que viajam para cidades estrangeiras e locais”.

Desde que a Suncity anunciou, em entrevista à Lusa em maio de 2019, que pretendia concorrer às novas licenças de jogo em Macau em 2022, tem sido assolado por vários casos tendo sido acusado de promover “jogo online”, “apostas por procuração” e até de ser investigado por parte das autoridades chinesas por dar apoio aos manifestantes pró-democracia em Hong Kong.

O grupo negou sempre estas acusações. “O Suncity Group coopera sempre plenamente com o Governo chinês e com o Governo de Macau para evitar que Macau se torne um centro de branqueamento de capitais, permitindo que a indústria do jogo se desenvolva de forma saudável”, frisou agora à Lusa a empresa.

Já em julho deste ano, o grupo salientou a sua robustez financeira, negando ainda rumores de que a alegada investigação de Pequim tivesse levado a uma corrida dos clientes para levantarem o dinheiro depositado.

Em julho, Alviu Chau afirmou que o Suncity VIP Club tinha uma reserva fiscal de 10,58 mil milhões de dólares de Hong Kong e que o total de activos compensava os depósitos dos clientes, perdas previsíveis e dívidas incobráveis.

Macau, capital mundial do jogo, é o único local em toda a China onde o jogo em casino é legal e obteve em 2019 receitas de 292,4 mil milhões de patacas. Este ano, devido à pandemia da covid-19 as empresas de jogo de Macau têm registado vários milhões de euros de perdas nas receitas devido às restrições fronteiriças no território que em 2019 recebeu quase 40 milhões de visitantes.

Hong Kong | Activista pró-democracia Joshua Wong detido por “reunião ilegal”

[dropcap]O[/dropcap] activista de Hong Kong pró-democracia Joshua Wong foi hoje detido pela polícia, acusado de participar numa “reunião ilegal”, numa manifestação no ano passado, segundo a agência de notícias France-Presse (AFP), que citou o advogado. Wong é ainda acusado de violar uma lei que proibia o uso de máscaras nos protestos pró-democracia que agitaram o território, no ano passado.

Numa mensagem publicada hoje no perfil de Joshua Wong na rede social Twitter, pode ler-se que o activista “foi detido quando se apresentou na Esquadra Central da Polícia, cerca das 13:00 de hoje”.

Na mensagem, acrescenta-se ainda que “a detenção está relacionada com a participação numa assembleia não autorizada em 05 de outubro, no ano passado”, e que Wong é também acusado de “violar a draconiana lei anti-máscara”, cujo texto foi depois considerado inconstitucional.

ONU | Japão, Índia, Alemanha e Brasil exigem lugar permanente no Conselho de Segurança

[dropcap]A[/dropcap] Alemanha, a Índia, o Japão e o Brasil exigiram ontem, à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, um lugar permanente no Conselho de Segurança, um pedido que já é antigo, mas que dificilmente surtirá o efeito pretendido.

“Estamos empenhados em relançar as discussões sobre a reforma do Conselho de Segurança” da Organização das Nações Unidas (ONU), explicitaram, em comunicado conjunto citado pela France-Presse (AFP), os ministros nos Negócios Estrangeiros do Brasil, Ernesto Araújo, do Japão, Motegi Toshimitsu, da índia, Subrahmanyam Jaishankar, e o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Niels Annen.

Estes quatro países consideraram que “o mundo hoje é muito diferente daquele que viu a criação das Nações Unidas há 75 anos”. Há “mais países, mais pessoas, mais desafios, mas também há mais soluções”, acrescentaram os diplomatas.

A ampliação do Conselho de Segurança, com mais elementos permanentes e não permanentes, foi um dos principais tópicos de discussão durante a semana. Actualmente, os Estados-membros permanentes deste organismo são os Estados Unidos da América (EUA), a China, a Rússia, França e o Reino Unido. Há outros dez países que integram o Conselho de Segurança, que são escolhidos para um mandato de dois anos, mas cinco são renovados anualmente.

A Alemanha é um dos países que integra este órgão da ONU até ao final do ano, enquanto a Índia deverá ocupar o seu lugar no início de janeiro, por um período de dois anos.

A reforma exigida no Conselho de Segurança começou a ser discutida em 2005, mas ainda não houve grandes avanços nesse sentido.

Contudo, em 2020, ano em que o mundo foi abalado por uma pandemia, os países signatários consideram necessário ampliar o número de Estados-membros permanentes no Conselho de Segurança, para que seja “mais representativo, mais legítimo e eficaz”.

Caso contrário, este organismo ficará “obsoleto”, alertaram as quatro potências através da nota conjunta. A reforma, sustentam, é a única maneira de “preservar a sua credibilidade e criar o apoio político necessário à resolução pacífica das crises internacionais”.

A semana de alto nível na Assembleia Geral da ONU decorre durante esta semana, num formato sem precedentes nos 75 anos da organização, em que os discursos de chefes de Estado e de Governo serão feitos por vídeos previamente gravados, por causa da pandemia da doença provocada pelo novo coronavírus.

China permite que estrangeiros com autorização de residência válida retornem sem novo visto

[dropcap]A[/dropcap] China anunciou ontem que vai voltar a permitir a entrada no país de estrangeiros que ainda tenham uma autorização de residência válida, sem a necessidade de pedir novo visto. Em comunicado conjunto, os ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Administração Nacional de Imigração detalharam que a eliminação de parte das restrições em vigor vai ser aplicada a partir da próxima segunda-feira, dia 28.

A medida abrange autorizações de residência válida para três categorias: trabalho, assuntos pessoais e re-agrupamento familiar. No entanto, os estrangeiros cuja autorização de residência chinesa expirou durante a sua estada no exterior devem continuar a pedir novo visto nos consulados e embaixadas da República Popular da China.

As demais restrições à entrada de estrangeiros no país – por exemplo turistas – anunciadas em março continuam em vigor. “O Governo chinês vai continuar a retomar o intercâmbio entre pessoas de forma ordenada e passo a passo, ao mesmo tempo que garante o controlo efetivo da pandemia”, acrescentou o documento.

No dia 26 de março, a China praticamente fechou as suas fronteiras e só permitiu a entrada de estrangeiros no país em casos considerados essenciais. As dificuldades continuam para quem ficou “retido” no exterior, devido à escassez de voos.

A Administração de Aviação Civil do país asiático aplica uma política designada “cinco uns”. A medida limita drasticamente o número de passageiros que chegam ao país ao permitir apenas que cada companhia aérea opere uma única rota por semana a partir de cada país, recompensando-os com mais voos semanais ou punindo-os com a suspensão com base no número de passageiros infectados a bordo dos seus aviões.

Governo descarta que saída de Ho Weng Wai seja retaliação da Formosa

[dropcap]O[/dropcap] Governo nega que a saída de Ho Weng Wai da posição de chefe da Delegação Económica e Cultural de Macau em Taiwan esteja relacionada com uma retaliação do Governo da Ilha Formosa.

“Ho Weng Wai cessa, a seu pedido e por motivos pessoais, a comissão de serviço como chefe da Delegação Económica e Cultural de Macau em Taiwan, a partir de 26 de Setembro de 2020; a partir do mesmo dia, Lam Chi I, funcionária da Delegação, é nomeada chefe, substituta”, pode ler-se no comunicado emitido pelo Gabinete de Comunicação Social. “A mudança de pessoal é um procedimento comum e a Delegação Económica e Cultural de Macau em Taiwan continua a funcionar com a devida normalidade”, é acrescentado.

Foi a 16 de Setembro que o processo da saída de Ho Weng Wai começou a gerar controvérsia. Isto porque anteriormente a imprensa de Taiwan havia avançado que o visto de trabalho do dirigente do Escritório Económico e Cultural de Taipei na RAEM tinha sido recusado, por este ter alegadamente afastado qualquer hipótese de assinar um documento a reconhecer o princípio “Uma só China”.

Segundo o consenso de 1992, o Governo da República Popular da China e de Taiwan reconhecem que só há uma única China, mas deixam a interpretação sobre quem tem legitimidade para governar em aberto.

Dúvidas dissipadas

Além do caso de Macau, as autoridades de Hong Kong confirmaram ter recusado dois vistos a representantes de Taiwan na RAEHK, por estes se terem recusado a assinar declarações semelhantes.

Face a estas situações, geraram-se várias dúvidas não só sobre a saída de Ho Weng Wai, mas também da possibilidade da representação de Macau em Taiwan encerrar ou deixar de fornecer alguns dos serviços para os cidadãos da RAEM. Também este cenário foi desmentido pelo Governo de Ho Iat Seng. “A Delegação Económica e Cultural de Macau em Taiwan vai, tal como sempre, permanecer firme na defesa do princípio de “uma só China”.

Continuará a promover activamente e a apoiar as associações de Macau em actividades de intercâmbio e cooperação com a sociedade de Taiwan, nas áreas da economia, cultura, educação, desporto e turismo”, foi escrito. “A Delegação também disponibiliza todos os serviços e apoios necessários aos residentes de Macau que se encontrem em Taiwan”, é concluído.

A economia digital da China (I)

“China’s biggest messaging app WeChat helped create 29 million job opportunities last year and has since helped stabilise the country’s employment situation in the time of the coronavirus pandemic.”
Yujie Xue

[dropcap]Q[/dropcap]uando o WeChat começou a espalhar-se na China com algum espanto, muitos residentes estrangeiros assistiram a um espectáculo nunca antes visto, pois os chineses andavam a falar com os seus smartphones, quase descansando os lábios sobre eles, como se fosse um tiro no queixo.

Enviavam mensagens de voz e corria o ano de 2011. O aparecimento deste hábito poderia marcar simbolicamente o início da era WeChat na China. Como tantas outras coisas que pareciam absurdas e apareceram primeiro na China, as mensagens de voz tornaram-se gradualmente habituais também no Ocidente. Nesse ano começou um período de grandes mudanças no mundo da tecnologia chinesa. Sabemos que as ferramentas tecnológicas que utilizamos mudam os hábitos pessoais, sociais e de trabalho, e no caso dos telemóveis até a nossa postura física (ombros ligeiramente curvados, olhando para baixo).

Na China, a mudança com o advento do WeChat mudou totalmente a abordagem à rede e, consequentemente, pouco a pouco, a vida quotidiana. Por exemplo, as mensagens de correio electrónico desapareceram rapidamente. O Gmail não fazia sentido, não tinha qualquer utilidade, excepto perder tempo à espera que as páginas fossem carregadas tão lentamente que levava à exasperação. Tudo passou para o WeChat, que provou ser rápido, imediato, uma farpa. Substituiu rapidamente até velhos hábitos por novas formas de relacionamento. Um grande clássico na China, por exemplo, eram os cartões-de-visita, mesmo no caso de actividades bastante fantasiosas e improváveis, era bom creditar a sua existência com um cartão-de-visita. E na China pode-se imprimir milhares deles por alguns yuans. Até os estrangeiros aprenderam rapidamente, pois recebiam o cartão com duas mãos e entregavam o seu da mesma forma. O WeChat marcou o fim de um mundo e até os cartões-de-visita desapareceram. Tornou-se habitual digitalizar o Qrcode em vez dos cartões-de-visita.

E começaram a digitalizar o Qrcode em todo o lado e a obter qualquer coisa como benefícios, descontos ou para participar em eventos. Foram inauguradas novas danças sociais como aproximar os telemóveis e digitalizar os Qrcodes uns dos outros, a forma de “conectar”. Novos hábitos e novos dilemas. A pessoa que digitaliza, ou a que é digitalizada é mais importante? Mas depois de tudo, veio a conclusão da mudança em curso. E veio como se fosse natural, como se todo o país estivesse à sua espera. A certa altura foi possível ligar a sua conta a uma conta bancária chinesa (obtida por ocidentais graças a muitos saldos burocráticos na fase inicial do WeChat, enquanto hoje tudo é mais rápido, mesmo que haja muitas mais limitações para os estrangeiros) e finalmente poder comprar qualquer coisa com o seu smartphone. A partir desse dia, até a carteira se tornou inútil. Mesmo os cartões de crédito, para aqueles que os possuíam, tornaram-se desnecessários.

O WeChat lançou o desafio aos chineses sobre dois conceitos, o tempo e a velocidade, transformando uma sociedade clamorosamente dependente do papel, carimbos, passos burocráticos numa sociedade subitamente sem dinheiro e sem a necessidade de imprimir e nada carimbar. Mas o que é exactamente o WeChat? Explicar a um ocidental pode ser complicado. Algumas pessoas tentam descrevê-lo como sendo a “aplicação de aplicações”, ou seja, contém dentro, o que estamos habituados a utilizar separadamente. Se o quisermos descrever através de uma comparação com o nosso mundo tecnológico, podemos dizer que é como um contentor gigante que reúne o Facebook, Instagram, Twitter, Uber, Deliveroo e todas as aplicações que utilizamos. É uma explicação que tem a sua lógica, mas não está completa. Em primeiro lugar porque, cada vez que se utiliza o WeChat, descobre-se novas funções recém-desenvolvidas, novos usos que depois podem transformar-se em novos hábitos.

É habitual, por exemplo, reservar exames médicos, pagar impostos ou contas através do WeChat; ou encontrar-se, andando pelas ruas das metrópoles chinesas, sem-abrigos que mostram aos transeuntes uma placa com um Qrcode para receber esmolas. As esmolas, também na China são feitas através do WeChat.

Além disso, se é verdade que o WeChat também pode ser descrito como uma soma de aplicações que conhecemos e utilizamos, também contém uma característica muito especial em comparação com as nossas aplicações, pois pode ser utilizado para pagar qualquer coisa. Cada conta WeChat está de facto ligada à conta bancária do utilizador e, através da leitura dos vários Qrcode, pode comprar tudo, desde uma viagem de táxi a fruta numa loja na rua, desde livros numa loja online a snacks postados via WeChat por um amigo no chat privado. Com o WeChat pode até fazer todos os cartões para o casamento.

E mesmo o divórcio, pois pressionar o botão do pedido é tudo o que é preciso para começar a papelada. O WeChat sabe tudo sobre quem o utiliza, conhece os movimentos tanto online como offline, graças à possibilidade de pagar qualquer negócio e ser tão “rastreado” mesmo quando pensa que não está no ciberespaço. O super apêndice acabou por criar uma espécie de ecossistema dentro do qual nada mais é necessário, porque é capaz de cuidar de todos os aspectos da vida quotidiana. Em algumas cidades, o perfil WeChat é utilizado como um documento de identidade. Tudo está dentro do WeChat e isto significa que na China, se não tiver “a aplicação de aplicações”, está completamente fora do mundo. Não descarregar o WeChat é uma escolha da vida real. Aqueles que tentam resistir, têm uma existência infernal.

Há quem decida viver sem a aplicação. O que motiva esta escolha é a certeza de que os seus dados serão recolhidos e utilizados, e não empregar a aplicação é uma forma quiça de “dignidade” ou não. Quem decidiu não usar e cada vez que recebe um novo cliente, este deve ser avisado dessa escolha, porque é dado por garantido que todos têm WeChat. Quando se viaja para o estrangeiro com os seus colegas, outros podem facilmente ligar-se ao WeChat utilizando o WiFi disponível, “mas se quiserem falar com quem não usa a aplicação têm de pagar para ligar ou enviar mensagens”. Até os familiares dos poucos que não usam a aplicação tentam que reconstituam os seus passos e descarreguem a aplicação.

Isto acontece porque quando falamos do WeChat não estamos a falar de uma simples aplicação pois dentro do WeChat navegamos, como se a aplicação fosse a própria rede, pois de facto existem “mini-programas” (como por exemplo o de um restaurante mongol ou uma loja de robots), ou seja, mini-sites inseridos dentro da aplicação, onde a vida de todo o sistema de Internet chinês tem lugar. E os serviços continuam a aumentar, tal como as aplicações. Eis um exemplo simples de um mini-programa que é o correspondente Instagram chinês e é uma das muitas aplicações, mas está dentro do WeChat. Parece ser uma coisa pequena, mas não é, numa economia que se baseia agora na exploração de “grandes dados”. O WeChat evoluiu para uma espécie de sistema operativo dentro do qual todos os programas funcionam.

É uma porta de entrada para tudo o que se pode fazer com um smartphone na rede e offline, capaz de canalizar uma enorme quantidade de dados e dinheiro de diferentes formas com publicidade também, mas a maior parte das receitas depende dos gadgets e jogos na aplicação, dos serviços premium para os utilizadores e especialmente da percentagem que assume cada pagamento. Mas não só, pois a quantidade de dados que a empresa possui fornece aos seus clientes comerciais (os produtores de “mini-programas”) uma personalização cada vez mais direccionada dos seus utilizadores. O WeChat tornou-se a memória histórica dos gostos, paixões, ideias, inclinações, potencial de gastos de mais de um milhar de milhão de pessoas e que sabe o que fazer com todos estes dados.

O impacto da “revolução tecnológica” chinesa não é apenas mensurável com a tentativa do Facebook de capturar os segredos comerciais do WeChat. O Ocidente neste momento é confrontado com produtos chineses de alta tecnologia no mercado mundial. A China é um concorrente dos países ocidentais pelo domínio do mercado de Inteligência Artificial, 5G e do mundo dos “grandes dados”. Por esta razão, é importante analisar o nascimento do WeChat, um evento capaz de fornecer chaves para estudar melhor o impacto do desenvolvimento chinês de alta tecnologia em todo o mundo. Para compreender porque é que o Facebook está interessado no WeChat, porque é que o Google teria cooperado com o governo chinês para criar um motor de busca, porque é que o “Great Firewall” (o sistema que bloqueia a visão do conteúdo indesejado) é uma espécie de guia para todos os Estados interessados no controlo da informação (especialmente na Europa Oriental), porque é que o próximo desafio entre a China e o mundo ocidental será o 5G e a Inteligência Artificial e o seu potencial de controlo científico, comercial e social, é necessário olhar cuidadosamente para a história dos actuais líderes do mercado chinês.

A história do WeChat e Tencent, a empresa que “inventou” a famosa aplicação, conta muito sobre o que a China é, o que poderíamos ser amanhã, e também esclarece a forma como as empresas chinesas foram capazes de tornar o seu know-how ocidental próprio para produzir novos produtos capazes de se imporem no mercado global. O universo tecnológico chinês é um território onde as empresas treinadas por uma concorrência muito dura se movem, onde não faltam golpes que são proibidos e onde se sente a presença constante do Estado. Neste sentido deve ser feito um esforço pois a China, para além de ser liderada por um governo forte, tem um mercado interno muito vivo, complicado e em constante mudança. A história do WeChat tem as suas raízes em Shenzhen, uma cidade do sudeste da China. Nos anos 1970, o então líder chinês Deng Xiaoping compreendeu a necessidade do país de entrar no mercado mundial para tirar a sua população da pobreza geral.

E como parte do plano de “aberturas e reformas”, a aldeia piscatória de Shenzhen tornou-se uma “zona económica especial” e, como tal, foi esmagada pelo rápido desenvolvimento. A passagem de centenas de milhões de pessoas acima do limiar da pobreza ao longo de duas décadas é um acontecimento único na história humana e explica em parte porque é que o Partido Comunista Chinês, o criador e líder deste processo, é ainda hoje tão central para a sociedade. Desde o final dos anos 1970, os agricultores ou camponeses tornaram-se progressivamente a força de trabalho especializada na produção manufactureira.

As grandes empresas estatais foram privatizadas, chegaram as primeiras joint-ventures com utilização de capital estrangeiro. Baixos salários, alta intensidade de trabalho, preços baixos nos mercados ocidentais – a “fábrica do mundo” estava em pleno andamento, moendo o PIB, inundando os mercados ocidentais com os seus produtos. Com o tempo, esta riqueza começou a circular e os que tinham melhores ligações puderam aproveitar ao máximo a enorme urbanização do país.

A produção industrial e imobiliária começou a estar cada vez mais ligada e apareceram os primeiros bilionários chineses, os que atraíram a maior atenção dos meios de comunicação ocidentais. Mas não é tudo pois nesses anos, os rebentos de uma classe média amadureceram, o que constitui um motor fundamental do país. As três gerações da família representam esta evolução de uma forma plástica, o avô era agricultor, o pai era comerciante de meias produzidas em Shenzhen, o filho tornou-se um empresário no mundo da tecnologia e produz micro baterias movida a energia solar. À medida que o destino das pessoas mudava, o mesmo acontecia com as cidades. Durante a década de 1970, Shenzhen tinha-se tornado um dos centros de fabrico do mundo a partir de um pequeno porto. Nos anos de 1990, começou a tornar-se uma incubadora de empresas tecnológicas.

Actualmente é considerado o Vale do Silício chinês (em Shenzhen tem os seus escritórios também a Huawei, uma empresa líder na produção de smartphones e infra-estruturas de rede). Em Shenzhen, em 1998, Ma Huateng, de 27 anos de idade, fundou a Tencent, uma empresa tecnológica cujo produto principal era um sistema de mensagens, QQ, inspirado por uma tecnologia israelita (ICQ, produzida pela empresa de arranque Tel Aviv Mirabilis) e muito semelhante ao “Messenger” do Microsoft Windows ou AOL (que no final dos anos de 1990 denunciou a Tencent por ter copiado o seu próprio Messenger). Mas Huateng pressentiu a possibilidade de melhorar a tecnologia israelita, graças à experiência adquirida na sua actividade anterior no negócio “pager”. Pony Ma, como ele próprio se chama e como Ma Huateng é conhecido em todo o mundo, decidiu acrescentar algumas características ao QQ e permitiu primeiro a cada utilizador aceder à sua conta a partir de qualquer computador da rede.

De facto, deve considerar-se que até pouco antes apenas se podia aceder à sua QQ a partir de um local fixo do qual a sementeira foi descarregada. Neste sentido, Pony Ma apenas adaptou a sua criatura ao progresso da rede no país. Até esse momento, de facto, os chineses ligavam-se à Internet principalmente em cibercafés, lugares famosos por serem frequentemente fetiches. Mas Huateng percebeu o potencial da Internet na China, o que resultou na explosão das vendas de computadores pessoais, computadores portáteis e redes privadas de Internet. É de recordar que em 2006, a ligação doméstica estava aliada à rede com um ADSL e custava quase 8 euros por mês e dentro de quatro anos, o WiFi estaria em todo o lado a um custo muito mais baixo.

Pony Ma foi capaz de capturar e explorar esta mudança de época. Em segundo lugar, graças a um acordo inicial com a companhia telefónica estatal da região de Guangdong (em 2001 tinha feito acordos em todo o país), Pony Ma permitiu também conversas entre computadores pessoais e o sistema de mensagens para telemóveis. Finalmente, colocou nos jogos de software, gadgets (os mais populares foram os avatares QQ) que deram vida aos lucros a Ma e aos seus associados que aumentaram ainda mais a partir daí, com a criação de uma plataforma QQ de bloggers. Mais uma vez, os lucros vieram dos gastos dos utilizadores para melhorar e personalizar o seu blogue. O processo de transformação da economia chinesa deu uma viragem fundamental em 2008, quando o contexto mudou completamente. A crise do subprime e, de um modo mais geral, a economia ocidental tinha levado a liderança chinesa a repensar o seu modelo de desenvolvimento baseado nas exportações. Até esse ano, o sucesso e crescimento da China dependiam quase exclusivamente da sua função de “fábrica do mundo”, ou seja, produtora de quantidades gigantescas de bens de baixo custo.

Em 2008, este sistema foi radicalmente alterado pois a queda nas encomendas de produtos chineses dos mercados ocidentais obrigou o governo chinês a alterar o seu sistema de produção económica. O mantra que acompanhou o crescimento da “sociedade harmoniosa” começou a ser “menos quantidade, mais qualidade”.

Também começou a ser concebido um abrandamento económico, a fim de garantir um desenvolvimento mais sustentável e, sobretudo, um maior impacto em termos de rendimentos. Graças aos recursos económicos acumulados nos anos anteriores e ao regresso de muitos chineses que tinham estudado e trabalhado no estrangeiro, o governo decidiu investir fortemente na inovação e nas novas tecnologias. Em 2008 teve início a transformação da China num país impulsionado pela economia digital.

Os líderes no poder tinham insinuado que o futuro do país passaria pelo mercado interno e a capacidade de inovação das empresas nacionais. O sentimento era o de viver num país em grande transformação, com uma energia ilimitada e uma população que começava a perceber que estava em meados do seu “século”. Parecia apto para encerrar o processo que tinha feito da China um lugar onde as competências estrangeiras eram muito procuradas; após a crise de 2008 no Ocidente, depressa se tornou claro que a China estava agora preparada para o fazer sozinha.

O medo do delírio

[dropcap]D[/dropcap]esde os inícios do século XX que se tornou corrente criar um texto literário e, ao mesmo tempo, concebê-lo como um vórtice que se recorta, que se adia e que se procura. Um texto à procura de si mesmo no modo como se organiza, como se desmonta e como se repõe diante dos olhos do leitor. Se as teorias desconstrutoras, como a de Derrida, parecem por vezes muito próximas do delírio, ainda que sejam paradoxalmente realistas (o delírio advém da dificuldade em expor de modo racional o que não cabe na expressão necessariamente lógica), na sua aplicação à leitura literária, contudo, elas reaparecem com alguma nitidez.

Deixo para reflexão um conto de José Cardoso Pires, intitulado ‘Uma Simples Flor nos teus Cabelos Claros’, publicado no ano de 1963 no volume Jogos de Azar*. O conto propõe um esquema de montagem alternada e faz lembrar as aventuras visuais que Jean-Luc Godard estava a experimentar na época. Trata-se de um processo de ‘mise en abyme’ que vai colocando face a face situações diferenciadas, embora surjam sequencialmente entremeadas. Dois casais cruzam as suas histórias: Quim e Lisa estão no mesmo quarto a horas tardias: “[S]ão quase duas horas da manhã…”. Paulo e Maria, por sua vez, são personagens de uma história que Quim está a ler. Deambulam numa praia, em final de Inverno, durante o entardecer: “[…] os dois numa arrancada, correram pelo areal, saltando poças d’água […]”. O contraste entre as duas situações é radical. Lisa e Quim partilham um universo de angústia (percorre-os um ambiente de corte, de alheamento e de acenos rudes), enquanto a poética e uma conjunção quase ideal de afectos dominam o ambiente em que Paulo e Maria se enunciam.

Ao fim e ao cabo, nenhuma das duas histórias se impõe à outra. Antes se misturam e caminham para uma espécie de indefinida fusão em que o sentido se subentende e se interroga mais do que se clarifica. O início da enredo (o único ‘incipit’ que conheço que se inicia com a adversativa “mas”) situa a leitura de Quim e é aí que surge em cena o que, para ele, são personagens que saltitam em modo duplo: Paulo e Maria (ainda que a personagem feminina não apareça com iniciativa própria, mas apenas de uma maneira indirecta). Afinal, temos sobretudo Paulo que se debate com um outro interveniente não menos importante: a natureza abrupta e imprevista do mar.

O texto avança e reflui, tal como as marés, e constrói-se ao mesmo tempo que se cinde consigo mesmo. Para que este objectivo se vá materializando, é de crucial importância a presença de uma poética rica e de uma potente afirmação das ferramentas e dos materiais literários. Ao contrário da teoria (que se enclausura nos seus sintagmas rígidos e que passa o tempo a augurar legitimidades), a autonomia do texto artístico permite diluir identidades, complementar remissões, gerir as mais diversas elipses, jogar com o plano das decisões aparentemente definitivas, flutuar a bordo da instabilidade do discurso e, em primeiro lugar, nunca visar um desígnio ou um final derradeiro.

A grande literatura, no fundo, consegue levar a cabo a orquestração turbulenta da nossa própria consciência. É nesse interface que a denegação, a cesura, a sobreposição súbita e o ‘não dito’ integram a fluência de uma mesma equipa. Por outras palavras: é a flutuar nas águas agitadas da nossa consciência que a mais genuína expressão do delírio leva a cabo as suas travessias naturais, sem que o medo e o preconceito nos agarrem com a mão e nos afoguem em tabus e preconceitos. Leiamos este trecho do conto que serve de clister e de expiação ao mesmo tempo:

“Quim…/  Outra vez?/ Desculpa, era só para baixares o candeeiro. Que maçada, estou a ver que tenho de tomar outro comprimido./  Lê um bocado, experimenta. / Não vale de nada, filho. Tenho a impressão de que estes comprimidos já não fazem efeito. Talvez mudando de droga… É isso, preciso de mudar de droga./ – Tão bom, Paulo. Não está tão bom?/ – Está óptimo. Está um tempo espantoso./ Maria continuava sentada na areia. Com os braços envolvendo as pernas e apertando as faces contra os joelhos, fitava o nada, a brancura que havia entre ela e o mar, e os olhos iam‐se‐lhe carregando de brilho./ – Tão bom – repetia./– Sim, mas temos que ir./ Com o cair da tarde a névoa desmanchava‐se pouco a pouco. Ficava unicamente a cobrir o mar, a separá‐lo de terra como uma muralha apagada, e, de surpresa, as dunas e o pinhal da costa surgiam numa claridade humilde e entristecida.”.

Pires, José Cardoso. ‘Uma Simples Flor nos Teus Cabelos Claros’ em ‘Jogos de Azar’. Lisboa, Dom Quixote, (1963) 1999.

Cadernos de Bernfried Järvi

20/08/20

 

[dropcap]“A[/dropcap]prende como aprendem as folhas a cair/ Fora de perigo, por amor”, escreveu o poeta inglês James Fenton, e disse tudo sobre o que um Estado, em últimas instâncias, deve proporcionar aos seus cidadãos: condições para aceitar a morte, por amor.

Nos antípodas do que aconteceu com aquela mulher em Cabo Delgado, que foi interpelada por soldados e teve o destino lancetado por um ímpeto de crueldade.

É irrelevante saber se os soldados eram do exército regular ou se eram insurgentes camuflados para denegrir os supostos legítimos. Foi um resultado do mesmo clima que fez brotar insurgentes nos ramos de cada cajueiro e transformou o estupro na única regra moral.

Profusos, multiplicam-se e pendem como frutos, depois de se sentirem maltratados, esquecidos, tratados como gado, escarnecidos das suas expectativas e do sonho de serem engenheiros de pontes ou informáticos de ponta. Foram abandonados nas mãos dos radicais islâmicos e de outros recrutadores da rebelião.

Quando não se dá educação, é isto que acontece. Quando não se dá habitação é isto que acontece. Quando não se dá oportunidades iguais, é isto que acontece. Quando se abandona tudo aos encarniçamentos tribais, é isto que acontece. Quando se pensa mais na riqueza das minas do que na saúde das pessoas, é isto que acontece. Quando se pensa na política como um modo de extorsão e não como um Meio para o desenvolvimento sustentável… ei-los que pendem estranhos frutos, tão intragáveis como os da canção de Billie Holliday.

21/08/20

Uma boa malha é este pequeno (grande) livro que agora comecei a ler, uma das minhas compras felizes em Lisboa, Cadernos de Bernfried Järvi, do Rui Manuel Amaral (Livraria Snob). Ainda só li um terço do livro mas é uma delícia. A epígrafe do livro talvez lhe dê uma chave de leitura. É uma frase de Erik Satie: “Chamo-me Bernfried Järvi como toda a gente” (sublinhado meu) e no fundo Rui Manuel Amaral procede a uma imensa paráfrase do enigma que se coloca de imediato: quem é afinal este anónimo Silva?

Numa pulsão diarística, o livro expõe uma sensibilidade que parece nascida de uma liga que fundisse Bernardo Soares, Kafka (o dos Diários), os delírios de Arlt, e os cafés de Cela (o de A Colmeia), com uma especiosa precisão na linguagem e recursos imagéticos tanto mais ricos quando “acontecem” de um modo imanente, “como quem não quer a coisa”. Aliás, de x em x páginas a narrativa é interrompida por uma irónica “manobra de abrandamento das espectativas” que introduz blocos informativos (O que são as nuvens?/ Como se originam as nuvens?/ Qual é a causa da neve?/ Porque não damos pelo movimento de rotação da terra?/ Que efeitos produzem os eclipses nos homens, nos animas e nas plantas; etc.), os quais, à maneira de um flaubertiano dicionário de ideias feitas, nos pretendem advertir sobre a inutilidade de esperar-se demais da narrativa ou do putativo personagem que é o polinizador destes cadernos. Entretanto, degustamos (inúmeros) fragmentos como este:

«Mais uma noite sem dormir. Para não enlouquecer, fecho os olhos e imagino-me a arrancar ervas daninhas num jardim. Imagino os dedos a envolver cada caule e a força exercida pela minha mão para desenterrar os filamentos vivos da terra. O mesmo gesto, uma e outra vez, toda a noite até o pálido rubor da aurora estremecer perto dos subúrbios de Aachen.

O jardim é muito amplo e há uma quantidade infinita de ervas daninhas: cardos, chicória, beldroegas, trevo branco, funcho, dentes-de-leão. De quando em quando, por entre o verde exuberante das folhas, avisto a sombra indolente de um gafanhoto, um escaravelho em fuga, pequenos objectos, abundantes tesouros: pregos, cacos, vidrinhos afiados, uma chave. Mas não me deixo distrair do meu objectivo. Perto das seis da manhã, exausto, emocionado, orgulhoso, contemplo a minha obra.» (pág. 22)

Vou ainda na pág. 45 mas uma coisa me é evidente: se o conseguimento de uma narrativa se afere pela sua capacidade em criar um mundo autónomo, de uma lógica de funcionamento própria, com personagens e figurantes congruentes com a sua refracção do mundo, a aposta de Rui Manuel Amaral está plenamente realizada.

E acaso os meus amigos já deram conta da excelente colecção que o Rui Manuel Amaral dirige na Exclamação, a Colecção Avesso onde já sairam livros do Rubén Dario, do Charles Cros, do Alphonse Allais, do Arlt, de Félix Fénéon, ou de Alexandre Andrade, entre outros?
Um percurso intelectual muito sério que merece ser acompanhado.

22/08/20

Na recta final da tradução de um longo poema de Chantal Maillard, o primeiro passo para a tradução completa do seu livro, que foi prémio nacional em Espanha, Matar Platão. Deste poema de 18 páginas divulgo o seu poderoso desenlace:

«escrever/ como alguém que foge de um hospital e arrasta atrás de si/ o soro, o seu gotejar, a máscara de oxigênio e corre/ sobre agulhas envenenadas // Despertai!/ ninguém pode evitá-lo!/ é só uma questão de tempo/ contai os gritos sonhados/ no fundo da água/ Contai os gritos!// Cada qual com a sua dor a sós/ a mesma dor de todos. // – Alguém dissimula./ Sorri,/ devolvo o sorriso. Sei-o/ já no umbral obscuro./ Também ele sabe./ Mas esforça-se. Todos/ nos esforçamos./ Gritar é esforçar-se./ Gritar é rebelar-se. –// Escrever/ porque alguém se esqueceu de gritar/ e agora ficou um espaço em branco,/ que o habita// escrever porque é a forma/ mais rápida que tenho para me mover// escrever// e não fazer literatura?/ … / e o que mais dá!?// há demasiada dor/ no poço deste corpo/ para que me seja importante/ uma questão deste/ tipo. // Escrevo// para que a água envenenada/ possa beber-se.”

Marika Cukrowski, curadora do World Press Photo: “É importante ter uma presença em Macau”

A exposição das fotografias vencedoras do World Press Photo, promovida pela Casa de Portugal de Macau, é hoje inaugurada na Casa Garden, às 18h30, onde pode ser vista até ao dia 18 de Outubro. Ao HM, Marika Cukrowski, curadora de um dos maiores concursos de fotografia do mundo, falou de uma edição cheia de imagens de esperança e força. As manifestações que decorreram em vários lugares do mundo, incluindo Hong Kong, são um tema central

 

[dropcap]U[/dropcap]m jovem toca no peito, à noite, enquanto grita qualquer coisa, que soa como uma mensagem de esperança. A mensagem é poesia recitada no meio de uma manifestação no Sudão, a 19 de Junho de 2019. Enquanto recita poemas, o jovem é iluminado por telemóveis empunhados por outros jovens.

Esta imagem, captada pelo fotógrafo japonês Yasuyoshi Chiba, da agência France-Press, venceu a edição deste ano do World Press Photo e pode ser vista até ao dia 18 de Outubro na Casa Garden, numa iniciativa que conta mais uma vez com o apoio da Casa de Portugal. O regresso da mostra a Macau deixa Marika Cukrowski, uma das curadoras do World Press Photo, muito satisfeita.

“Estamos muito empolgados com o facto de esta exposição acontecer como habitualmente, mesmo com todas as alterações que decorreram este ano. Podemos não estar presentes na inauguração, mas assegurámos a sua continuação. É importante para nós ter esta presença [em Macau] para diversificar ao máximo o concurso e Macau é sempre um lugar interessante para estarmos, por ser um local onde várias culturas existem”, contou ao HM.

Esta é uma edição muito marcada por protestos em vários pontos do mundo, incluindo Hong Kong. São protestos que se calaram subitamente devido à pandemia da covid-19, mas cujas mensagens e ideias continuam a existir.

“Temos várias histórias e imagens simbólicas de manifestações em vários lugares no mundo. Temos a Foto do Ano, tirada no Sudão, temos os protestos de Hong Kong, uma imagem sobre os protestos no Chile. Mesmo a História do Ano é sobre os protestos na Argélia [Kho, the genesis of a revolt, de Romain Laurendeau]. Não se trata apenas de um lugar, mas é uma espécie de onda que chegou em 2019.”
Marika Cukrowski considera que a Foto do Ano é, sem dúvida, uma das imagens mais impressionantes do concurso. “Esta é uma imagem que sobressai em relação às outras, porque não é gráfica e está cheia de esperança. É muito representativa do tema deste ano. Desde 2018 que temos tido essencialmente temas ligados a manifestações e jovens que protestam sem recorrer a qualquer tipo de violência.”

Batalhas de Hong Kong

Os protestos de Hong Kong que decorreram em força no ano passado são um dos temas dominantes da edição deste ano do World Press Photo. Exemplo disso é o trabalho vencedor na categoria storytelling “Interactive of the Year”, intitulado “Battleground PolyU”. Com produção de DJ Clark e China Daily, trata-se de um trabalho digital de storytelling sobre os intensos protestos que decorreram nas instalações do Instituto Politécnico de Hong Kong.

“Foi sem dúvida um grande acontecimento que decorreu durante muito tempo. Há muitas imagens diferentes, tiradas durante um longo período de tempo, e todas elas são muito poderosas e simbólicas”, disse a curadora do concurso.

O trabalho de Nicolas Asfouri, intitulado “Hong Kong Unrest”, nomeado para a categoria “Story of the Year” é outro exemplo da forte presença das manifestações de 2019 no concurso. “Ele cresceu na Dinamarca e viajou para Hong Kong para cobrir os protestos, embora já tivesse feito a cobertura das manifestações durante o movimento dos guarda-chuvas. Disse estar surpreendido por estar tudo muito bem organizado e por haver muitos jovens desta vez”, contou Marika Cukrowski.

Para a responsável, a fotografia mais importante desta série de 10 imagens é o retrato de várias estudantes, com os seus uniformes escolares, de mãos dadas. “Normalmente associamos esta imagem a estudantes a caminharem nos corredores das escolas, mas aqui estão nas ruas, de mãos dadas, com as máscaras colocadas. É uma imagem muito poderosa e representativa das pessoas que se mantiveram de pé, a lutar pela sua liberdade.”

Ambiente e neonazismo

Além dos protestos, as questões ambientais voltam a marcar presença na edição deste ano, não só numa categoria em nome próprio, mas também na categoria de questões contemporâneas. “Temos imagens sobre os fogos na Austrália e também sobre os incêndios na Califórnia, ou sobre lagos que estão a secar em vários pontos do mundo. Este é sem dúvida um tema que está presente em várias categorias e assim vai continuar.”
Marika Cukrowski destaca também o trabalho do fotógrafo Mark Peterson, e que é o retrato de vários membros do grupo neonazi Shield Wall Network a celebrar o aniversário de Adolf Hitler num barco, no estado de Arkansas, EUA. Esta imagem ficou em terceiro lugar na categoria de questões contemporâneas.

“É uma imagem de confronto. Nem sempre é óbvio que os neonazis existem, mas a verdade é que nos EUA estes grupos estão a crescer. Esta foto é importante porque revela isso mesmo, bem como o facto de as pessoas não terem mais receio de pertencer a grupos neonazis. Esta é uma questão contemporânea preocupante. Parece ser uma minoria, mas a verdade é que está a crescer”, frisou.

Em primeiro lugar na categoria de questões contemporâneas, mas com uma única imagem, ficou o trabalho de Nikita Teryoshin, intitulado “Nothing Personal – The Back Office of the War”, tirada em Abu Dhabi por ocasião do International Defence Exhibition and Conference (IDEX).

“Esta imagem documenta o negócio da venda de armas e é algo muito poderoso. Este ano os protestos estão muito presentes no concurso, mas nos últimos anos a guerra foi um tema dominante. Então é interessante perceber de onde vêm estas armas e esse é um assunto que esta imagem explora, há muito dinheiro envolvido. Ele [Nikita Teryoshin] foi lá fotografar as pessoas sem revelar os seus rostos”, concluiu a curadora.

Covid-19 | Máscaras obrigatórias nos casinos até Março

[dropcap]T[/dropcap]odos os trabalhadores dos casinos de Macau vão continuar a ser obrigados a utilizar máscara até 22 de Março de 2021, segundo um despacho divulgado ontem pelo director dos Serviços de Saúde.

A medida tinha sido imposta a 22 de Janeiro, no mesmo dia em que Macau registou o primeiro caso do novo tipo de coronavírus no território, através de uma mulher de 52 anos, comerciante, oriunda da cidade chinesa de Wuhan, onde a pandemia começou.

“Todos os trabalhadores, sem excepção, que prestam serviço nos casinos, e durante todo o seu horário de trabalho, são obrigados a utilizar máscara de protecção respiratória”, lê-se no despacho que tem sido alargado ao longo do ano e que agora está em vigor até ao dia 22 de Março de 2021.

O director Serviços de Saúde, Lei Chin Ion, justificou que “em função da evolução da doença do novo tipo de coronavírus, se determinou o prolongamento do período de vigência da medida de controlo”.

As autoridades testaram mais de 50 mil trabalhadores nas seis operadoras de jogo e as autoridades garantem a fiscalização rigorosa nos casinos, como o reforço da limpeza e desinfecção das instalações, medição da temperatura à entrada e ainda a obrigatoriedade de os clientes apresentarem certificado de resultado negativo do teste de ácido nucleico para poderem entrar nos espaços de jogo.

Desemprego | Número de pedidos de subsídio quase duplicou face a 2019

Entre Janeiro e Agosto, o Fundo de Segurança Social aprovou mais de 3.400 pedidos de atribuição de subsídio de desemprego. Este aumento fez disparar os custos com o apoio social de 14,4 milhões para 38,6 milhões de patacas

 

[dropcap]N[/dropcap]os primeiros oito meses do ano houve mais de 3.400 pedidos de subsídio de desemprego, o que representa quase o dobro face ao montante total do ano passado, quando 3.511 pessoas requisitaram o apoio. Os valores foram revelados por Iong Kong Io, presidente do Conselho de Administração do Fundo de Segurança Social (FSS), ontem à margem da celebração do 30.º aniversário do organismo que dirige.

“Ao longo dos oitos meses do ano recebemos cerca de 3.400 pedidos de subsídio de desemprego. Este número envolve um pagamento de 38,6 milhões que já é superior ao do ano passado, quando foram pagos 14,4 milhões de patacas”, afirmou Iong Kong Io.

Os números avançados pelo Governo revelam também que desde Março até Agosto houve um aumento de cerca de 2.264 pedidos, uma vez que nos primeiros três meses do ano, segundo as estatísticas do portal do FSS, tinham sido aprovados 1.136 novos pedidos. Segundo a legislação em vigor, o valor do subsídio de desemprego é de 150 patacas por dia e pode estender-se num máximo de 90 dias por ano, o que significa um montante anual máximo de 13.500 patacas por ano. Esgotados os 90 dias, as pessoas precisam de esperar mais 12 meses para poderem voltar a candidatar-se ao apoio.

Os números acompanham assim o crescimento da taxa de desemprego que de Dezembro do ano passado para Julho deste ano saltou de 1,7 por cento para 2,9 por cento.

Em clima de crise económica, ficou por confirmar a injecção por parte do Governo das habituais 7 mil patacas nas contas individuais do regime de previdência central não-obrigatório. A atribuição da verba está dependente dos excedentes orçamentais, mas como o orçamento para este ano deve ser deficitário, existe o risco de não ser distribuído no próximo ano.

“Temos de avaliar a situação financeira para decidir a questão de voltar a atribuir a verba no próximo ano. O problema vai ser avaliado pelo Governo e até Novembro, nas Linhas de Acção Governativa, vai ser falado”, comentou o presidente do FSS. Só neste ano a distribuição das sete mil patacas, que em condições normais só podem ser levantadas depois completados 65 anos, custou aos cofres da RAEM 2,8 mil milhões de patacas.

Resposta à crise

Por outro lado, o responsável sublinhou a importância das medidas adoptadas pelo Governo, numa altura de dificuldades, e diz que poderá haver mais iniciativas no futuro. “Com o surto da epidemia a nível mundial muitos sectores da sociedade estão a ser afectados. Muitas pessoas estão a sofrer dificuldades financeiras e o Governo da RAEM já lançou uma série de políticas para aliviar as dificuldades […] Com base nas nossas receitas vamos ter um plano para continuar a responder à situação”, apontou.

Na cerimónia de celebração de 30 anos do Fundo de Segurança Social foi revelado que, desde 2018, 232 empregadores aderiram ao regime de previdência central não obrigatório. O sistema envolve assim mais de 21.700 trabalhadores e os empregadores foram ontem distinguidos por terem aderido à iniciativa. A Escola Portuguesa de Macau foi uma das instituições louvada pelo Governo por ter aderido ao regime de previdência central não obrigatório.

Plano Director | Especialistas querem visão a longo prazo e mais dados

Especialistas ligados à engenharia e ao planeamento urbanístico esperam que o Executivo possa ser mais transparente em relação ao Plano Director, apresentando os prós e contras de construir a linha Leste do Metro Ligeiro à superfície ou debaixo da terra. Agnes Lam considera faltar coordenação ao Governo

 

[dropcap]“O[/dropcap] que vejo é que não existe coordenação suficiente e é por isso que trouxemos aqui especialistas de diferentes sectores”, afirmou ontem Agnes Lam, à margem de um encontro promovido pela Universidade de Macau (UM) sobre os planos previstos na área dos transportes e da cidade inteligente, que constam no Plano Director.

Numa sessão que juntou, académicos e técnicos ligados à engenharia e ao planeamento urbanístico, foi consensual a ideia de que o Governo deveria partilhar mais informações e dados concretos, que estiveram na base das decisões apresentadas no plano que se encontra em consulta pública até 2 de Novembro.
Lee Hay Ip, presidente honorário da Associação de Engenharia Geotécnica e membro do Conselho de Planeamento Urbanístico (CPU) afirmou estar preocupado com a construção da linha leste do Metro Ligeiro, nomeadamente, com o facto de não existir nenhum estudo comparativo que indique as vantagens e desvantagens de fazer a obra acima do subsolo, recorrendo a uma ponte, ou debaixo da terra, através de um túnel subaquático, sendo esta última, a opção em cima da mesa.

“Devia existir um intervalo de custos de construção, para o público ter noção, de que se trata de uma obra de 50 milhões ou de 500 mil milhões. Deviam listar os prós e os contras e o custo correspondente de cada opção de forma a que a população de Macau tenha dados suficientes. Para já, não temos nada. Além disso, não sabemos quais os custos de operação, a longo prazo, de fazer um túnel”, apontou.

Devido às mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global, Lee Hay Ip apontou ainda que “ir para debaixo da terra” acarreta outros riscos, tal como o aterro da Zona A poder vir a inundar, colocando em causa o projecto, que assegura o transporte de passageiros, mesmo quando é içado o nível 10.

“O nível das inundações que resultam do “storm surge” tem vindo a aumentar desde o Hato. Se demorarmos 10 anos a construir a linha leste, quer dizer que em 2030, quando estiver operacional, e com uma perspectiva de utilização de 20 anos, em 2050, com o nível das inundações a aumentar, o próprio aterro da Zona A pode ficar abaixo do nível da água. Será seguro manter o metro a funcionar nestas condições e com tantas pessoas debaixo da terra?”, sublinhou engenharia geotécnico.

Por seu turno, Sio Chi Veng, Presidente da Associação dos Engenheiros de Macau alertou para a importância de não descurar os interesses de turistas e residentes e os gastos a longo prazo, inerentes à manutenção das infra-estruturas previstas no Plano Director, sobretudo porque “Macau tem muito dinheiro”.

“Não podemos pensar que [o Plano Director] apenas vai afectar os próximos 20 anos, mas talvez os próximos 100. Estas infra-estruturas vão afectar a vida de Macau depois de 2040. Macau (…) não se preocupa com quanto tem de gastar com a manutenção. Mas se compararmos com outras regiões, que têm limitações financeiras, as estações (…) incluem, por exemplo, um centro comercial ou uma área residencial, para a tornar lucrativa e funcional. Acho importante considerar o panorama geral, a longo prazo, e não apenas os custos iniciais”, defendeu

Só para turistas?

Outra das preocupações apontadas prende-se com o facto de o Plano Director não prever a passagem do Metro Ligeiro no centro de Macau. Para Chan Mun Fong, professor adjunto da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UM, a decisão “foi uma grande desilusão”, esperando, pelo menos, que o plano que previa ligar a Barra às Portas do Cerco “não seja esquecido”.

“Não quero continuar a ouvir que o Metro Ligeiro é para os turistas. Esta linha poderia mudar essa concepção, ou seja, que é também capaz de servir uma grande fatia da população de Macau. Por isso, é possível fazer uma obra que sirva a população e que não tem obrigatoriamente de passar no meio da cidade”, referiu o académico.

Também Lee Hay Ip considerou que a passagem pelo centro de Macau “é muito importante para os residentes”, apesar de compreender que “é muito difícil em termos de engenharia”. “Neste caso, fazer o metro passar por baixo da terra pode ser uma boa solução”, acrescentou.

Agnes Lam espera igualmente que o Governo volte a pôr no plano “a intenção de colocar o metro a passar pelo centro de Macau”.

“O traçado actual não está suficientemente focado no dia-a-dia das pessoas e da comunidade. Alguns desses planos já existiam e, se não os podemos concretizá-los, é preciso explicar porque não podem ser feitos”, vincou a deputada.

Ondas de choque

Para Agnes Lam, a falta de coordenação na forma como o Plano Director foi apresentado está relacionada com o facto de o Governo de Ho Iat Seng ser relativamente recente.

“O conflito deve-se também, a meu ver, com o facto de Macau ter mudado de Governo há pouco tempo. Alguns departamentos já tinham feito parte do planeamento, mas, ao mesmo tempo, há indicações em sentido contrário. Acho que o Governo, especialmente o novo Chefe do Executivo, que parece ser mais determinado a tomar decisões, deve dar atenção à forma como os trabalhos estão a ser coordenados”, explicou a deputada ao HM.

De acordo com a deputada, um exemplo disso é a possibilidade de o Executivo deixar cair os planos previstos para a Zona D, para construir o novo aterro que vai ligar a Zona A ao nordeste de Macau, algo que estará a ser negociado com o Governo Central.

“Há uma intenção substancialmente diferente em relação ao que consta no Plano Director e o Governo tem de explicar a razão, fornecendo dados, o que justificou essa decisão. Se consideram que a Zona D não é boa ideia (…) têm de traduzir isso em números, porque, neste momento, não é possível compreender como foi tomada esta decisão”, explicou.

Hac Sá | Agnes Lam questiona projecto do parque de campismo

Agnes Lam tem dúvidas se o novo projecto do parque de campismo de Hac Sá está de acordo com o Plano Director, segundo o Jornal do Cidadão. Segundo a deputada, a zona deve ser preservada e caso o projecto tenha fim turístico, a preservação da montanha pode ficar em risco, defendendo também que a zona da praia não deve ser demasiado desenvolvida.

Lo Chi Kin, vice-presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), disse no programa Fórum Macau, do canal chinês da Rádio Macau, que o projecto de renovação do parque de campismo não deve ser “de nível internacional”, explicando que a intenção do Governo é disponibilizar instalações municipais de boa qualidade aos residentes. Lo Chi Kin disse que o projecto do novo parque de campismo deve estar de acordo com o Plano Director, actualmente em consulta pública, algo que motivou o adiamento dos trabalhos do IAM.

FAOM sem consenso sobre possível apresentação na AL de projecto de lei sindical 

[dropcap]O[/dropcap]s deputados ligados à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) ainda não chegaram a consenso quanto à possibilidade de apresentarem um novo projecto de lei sindical na Assembleia Legislativa (AL). Na conferência de imprensa de ontem, que serviu para fazer um balanço da última sessão legislativa, foram apresentadas posições diferentes sobre o assunto.

Para Lam Lon Wai, eleito pela via indirecta, cabe ao Governo apresentar a proposta, ouvindo as posições do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) e da população. “A lei sindical só tem vantagens para a sociedade e estamos optimistas em relação à legislação”, disse. Ella Lei lembrou que o Governo prometeu avançar para a lei sindical, defendendo uma discussão com a sociedade sobre a elaboração do diploma, a fim de incluir os direitos sindicais e o direito de participação dos trabalhadores.

Já Lei Chan U, frisou que a lei sindical já foi chumbada no hemiciclo mais de dez vezes, mas que o consenso em torno desta questão ainda está a ser construído junto da sociedade. O deputado lembrou que o último relatório do CPCS sobre este assunto revela que há uma maior proporção de pessoas a pedir a lei sindical o quanto antes. Lei Chan U sublinhou que este diploma é necessário, além de já ter sido prometido pelo actual Chefe do Executivo, Ho Iat Seng.

Dúvidas e pandemia

Relativamente ao trabalho desenvolvido na qualidade de deputados, Lei Chan U lembrou que a FAOM recebeu, em contexto de pandemia, muitos pedidos de ajuda da parte de trabalhadores do sector da restauração, construção civil, logística e jogo. O deputado disse que na próxima sessão legislativa é importante melhorar a questão dos salários em atraso e implementar uma maior regulação das licenças sem vencimento, bem como reforçar o combate ao trabalho ilegal.

Além das preocupações relacionadas com a pandemia, a FAOM lidou também com queixas sobre habitação e trânsito. Os deputados, como Ella Lei, expressaram o desejo de que o Governo possa melhorar o planeamento urbanístico e a utilização dos terrenos.

Ella Lei frisou que é necessário estabelecer um calendário na área da habitação pública, a pensar nos candidatos em lista de espera e pede a construção de mais apartamentos T2 ou T3 para os candidatos com famílias maiores, além de dizer ser necessário criar mais políticas de habitação para a chamada classe sanduíche.

O deputado Leong Sun Iok afirmou esperar que o Executivo apresente o projecto completo do metro ligeiro com mais detalhes sobre o orçamento e o segmento da Ilha de Hengqin. Além disso, o tribuno defendeu que o Governo deve recorrer aos terrenos não aproveitados para criar mais parques de estacionamento provisórios. Ainda na área do planeamento urbano, Lam Lon Wai pede o aproveitamento de 40 terrenos que ainda estão por recuperar, como é o caso do terreno à entrada da Taipa destinado ao parque temático Oceanis ou onde está a velha fábrica de panchões Iec Long. O deputado deseja ainda que sejam criadas mais zonas verdes nos novos aterros ou em zonas costeiras na península e ilhas.

Ambiente | DSPA não define metas para reduzir uso de plástico

O Governo não se compromete com metas ou medidas restritivas para prevenir o uso de plástico. A resposta da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, à interpelação de Sulu Sou, esbarra no pedido de acção de activistas de defesa do ambiente e na urgência de travar o poluente que está em todo o lado

 

[dropcap]O[/dropcap] Governo não vai estabelecer metas, nem prazos, para a redução do uso de plástico, é a principal conclusão que se retira da resposta da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSAP) a uma interpelação escrita de Sulu Sou. Posição que esbarra não só no pedido do deputado, mas também na expectativa de activistas ambientais, como Annie Lao da Macau for Waste Reduction.

“Acho que o Governo é muito lento a agir. Para mim, não são sérios em relação ao ambiente, por isso só conseguem dar passinhos pequenos”, reagiu a activista que tem movido uma cruzada contra o plástico de uso único.

A resposta assinada por Raymond Tam refere que está “previsto um novo estudo no 4º trimestre do corrente ano, com vista a comparar a tendência da variação dos sacos de compra abandonados, incluindo os sacos de plástico”. O director da DSAP acrescenta que será feita uma avaliação regular, mas, “por enquanto, não há uma meta de redução”.

Posição que não surpreende Annie Lao, mas que testa a paciência. “Dizem que vão continuar a estudar e estudar. De quantos estudos precisam para perceberem o problema ambiental que existe há tantos anos? O mundo está cheio de plástico, o tempo de fazer estudos acabou, é preciso passar à acção imediata, agir.

Façam algo. Apelo ao Governo para agir com coragem, ambição, para ser ousado”, desabafa a ambientalista.
Ainda no capítulo dos estudos, importa referir que todos os anos, cada pessoa consome, pelo menos, 50 mil partículas de microplásticos e respira a mesma quantidade, indicou um relatório publicado em 2019 na revista científica Environmental Science and Technology. No mês passado, outro estudo científico demonstrou que se pode encontrar plástico em órgãos vitais como pulmões e fígado, mas também nos rins e baço.

Fim da esferovite

A resposta de DSPA refere ainda que “existem diferentes opiniões na sociedade sobre a implementação de medidas restritivas” e que o Governo “deve ponderar a sua operacionalidade” e eficácia.

Entretanto, a entidade liderada por Raymond Tam garante que vai continuar a apostar na sensibilização da sociedade para “promover práticas mais amigas do ambiente”. Uma atitude louvável, na óptica de Annie Lao, que reconhece o papel pedagógico do Executivo. Porém, considera que “sem regulamentação é impossível consciencializar as pessoas.”

Fica o compromisso de restringir, de forma faseada, o uso de utensílios de mesa de plástico descartáveis” e no próximo ano o plano é “proibir a importação de utensílios de mesa de esferovite”. Medida aplaudida pela activista, principalmente porque as embalagens de esferovite não podem ser recicladas em Macau, ao contrário das de plástico. Mas que peca pelo impacto menor, por não ser tão utilizado por restaurantes como o plástico.

Uma outra questão que Annie Lao gostaria de ver respondida é o impacto da pandemia na questão ambiental. “Neste momento, devido à pandemia, as pessoas têm a tendência para pedir mais takeaway. Portanto, presumo que o uso de plástico vai aumentar ainda mais”.

Segurança | Armas e equipamento de vigilância importados por Macau

Em Macau existe tecnologia que permite interceptar dados de telemóveis. Uma entidade pública comprou em 2015 um IMSI catcher através do Governo suíço, e no ano passado foram rejeitadas mais duas encomendas. Além disso, Macau foi destino de armas de pequeno calibre, munições e de um sistema anti-drone, para dar alguns exemplos de equipamentos encomendados nos últimos anos a diversos países

 

[dropcap]N[/dropcap]o céu multiplicam-se os olhos, enquanto a vigilância se estende em terra. Em 2015, as autoridades de Macau importaram um IMSI catcher, um equipamento de vigilância que permite a intercepção de dados de telemóveis. “Podemos confirmar que a 21 de Agosto de 2015, foi aprovada a mediação e exportação de um IMSI catcher para uma agência governamental anti-corrupção”, respondeu ao HM o Consulado Geral da Suíça em Hong Kong.

De resto, a base de dados sobre tecnologia de vigilância “Surveillance Industry Index” mostra que Macau adquiriu tecnologia de intercepção em 2015, através do Governo suíço.

Questionado sobre a tentativa de comprar material militar e de vigilância a outros países, e de que se trata em concreto, o gabinete do secretário para a Segurança respondeu não ter informações a prestar.

O Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) também optou pelo silêncio. “Não temos comentários às suas questões”, foi a resposta dada ao pedido de confirmação do uso de um IMSI-catcher em investigações, quanto tempo os dados são mantidos e se são partilhados com outras entidades.

Um IMSI catcher funciona como uma falsa torre de rede móvel, levando telemóveis que estejam perto a conectar-se. Através deste mecanismo, pode ser partilhada a identidade do cartão SIM e revelada a localização do utilizador. Alguns podem também interceptar mensagens de texto GSM (Sistema Global para Comunicações Móveis) e chamadas. Há relatos de uso de IMSI catchers por forças policiais em vários locais do mundo.

O Consulado explicou que em Maio de 2015 o Governo da Suíça reforçou os critérios de avaliação para exportações e intermediação de mercadorias para vigilância da internet e telemóveis. A licença é negada se houver motivos para acreditar que os bens a ser exportados ou mediados vão ser usados como meio de repressão. A avaliação é feita de acordo com critérios internacionais da legislação de controlo de mercadorias.

Os equipamentos para vigilância da Internet e de telemóveis integram os chamados bens de uso duplo – podem ser utilizados a nível militar e civil. “A exportação de tais bens da Suíça é controlada desde 2012 com base em acordos internacionais. Para exportações da Suíça, a licença deve ser obtida através da Secretaria de Estado para os Assuntos Económicos SECO, com base na legislação de controlo de mercadorias”.

A procura por um IMSI catcher por autoridades da RAEM voltou a acontecer no ano passado, mas a representação consular indica que o licenciamento se tornou mais restritivo ao longo dos anos. “A 1 de Abril de 2019, não foram aprovados pela Secretaria de Estado dos Assuntos Económicos SECO novos pedidos de exportação de dois IMSI catchers adicionais para destinatários governamentais”, disse o Consulado Geral da Suíça, acrescentando que “devido à situação actual, tais mercadorias não seriam autorizadas no presente”.

Atenção à proporcionalidade

A advogada Catarina Guerra Gonçalves considera que a utilização deste tipo de equipamento coloca em risco o direito à privacidade. Em causa está a possibilidade de aceder a dados de tráfego (que permitem identificar para quem se liga, quando, com que duração e frequência), conteúdo e localização celular através do IMSI catcher.

A advogada alerta que a Lei Básica protege especificamente a liberdade e o sigilo dos meios de comunicação dos residentes de Macau e que nenhuma autoridade pública pode violar os mesmos, excepto por razões de segurança pública ou de investigação criminal. “Tanto a obtenção de dados de localização celular como de dados de tráfego afronta o direito fundamental à inviolabilidade das telecomunicações, (…) e só pode ser feito nas situações excepcionais aí previstas e com respeito dos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade”, analisou a especialista da área de protecção de dados pessoais.

A jurista deu como exemplo a impossibilidade de abranger um conjunto de pessoas que tenham telemóveis que não estejam envolvidas na prática de um crime, sendo “erigidas à categoria de suspeitos” pela circunstância de estarem no local e no momento em que ele é cometido.

“Ora, aparentemente, o IMSI catcher permite precisamente abranger todas as pessoas que estejam próximas do mesmo e que não se aperceberão que o seu telemóvel está a ligar-se a uma torre móvel falsa, o que constitui uma clara violação da privacidade”, declarou ao HM. Na óptica de Catarina Guerra Gonçalves, “dificilmente, o IMSI catcher pode ser usado proporcionalmente devido à forma como opera”.

A advogada observou ainda que a intercepção ou gravação de comunicações depende de ordem ou autorização do juiz, e que se os elementos recolhidos não forem relevantes devem ser imediatamente destruídos, com base no Código de Processo Penal.

Num tom mais geral, Julien Chaisse, professor de Direito na City University of Hong Kong e especialista na Plataforma de Política de Dados do Fórum Económico Mundial, comentou que os governos justificam o uso de IMSI catchers “em resposta à ameaça para fins de investigação ou, mais geralmente, para propósitos de segurança interna”, e que se tornaram “uma ferramenta poderosa para exercer vigilância sobre indivíduos seleccionados”.

Ao HM, explicou que, na maioria das jurisdições, são utilizados pela polícia ou serviços de inteligência, mas que o seu uso por vezes é ilegal por razões de liberdade civil ou protecção da privacidade. E aponta que o recurso a esta tecnologia está “bastante difundido”, com governos como o do Reino Unido, China e França a utilizá-la.

O docente considera que a interceptação de comunicações só deve ser feita depois de autorização judicial. “No entanto, parece que as autoridades supervisoras têm meios técnicos para usar IMSI-catchers quando querem e contornar esta limitação real ou potencial. Na verdade, há muito pouco controlo em jurisdições como os Estados Unidos, Inglaterra, França… Portanto, é difícil provar se foram feitas escutas fora da estrutura de controlo judicial”, apontou. Julien Chaisse ressalvou ainda assim que os dados recolhidos ilegalmente podem constituir evidência inadmissível perante um julgamento.

Defesas erguidas

Encontra-se informação dispersa sobre importações de equipamento militar e de uso duplo para a RAEM em documentos de governos que passaram licenças de venda. Um relatório sobre o controlo de exportações do Departamento do Comércio Internacional do Reino Unido de 2015 mostra as licenças autorizadas para bens com destino a Macau. A nível militar foi autorizada uma licença para munição de armas de pequeno calibre para finalidade de treino.

Entre o material não militar foi dada luz verde a câmaras, software e equipamento de segurança de informação, bem como equipamento de intercepção de telecomunicações. O valor total destes bens foi na ordem dos 5,4 milhões de libras. Por outro lado, foi rejeitada a venda de granadas de gás lacrimogéneo.

No relatório da entidade britânica surge uma licença rejeitada no relatório de 2017, referente a equipamento de protecção para substâncias usadas em controlo de motins, como por exemplo gás pimenta ou lacrimogéneo. No entanto, receberam autorização para munições de armas de pequeno calibre, equipamento de segurança de informação, e de identificação/detecção de explosivos civis.

O HM consultou dados do Ministério da Economia, Indústria e Competitividade de Espanha que indicam duas licenças autorizadas de exportação de material de defesa e uso duplo em 2017 para Macau, num valor de 15.246 euros. Os documentos apontam que o usuário final foi um privado.

Céu e inferno

A União Europeia (EU) adoptou em 2008 uma posição comum sobre o controlo da exportação de equipamento e tecnologia militar. “O objectivo da Posição Comum é assegurar a exportação responsável de armas pelos Estados-Membros, nomeadamente de forma a que a mesma não contribua para repressão interna, instabilidade regional ou agressão internacional, graves violações dos direitos humanos ou do direito internacional humanitário”, lê-se num relatório sobre a aplicação das regras de exportação. A União Europeia frisa que “uma política responsável em matéria de comércio de armas contribui para a manutenção da paz e da segurança internacionais”.

O documento mostra a exportação de armas da EU em 2018, por destino, um deles foi Macau. A Áustria emitiu seis licenças numa categoria que abrange armas de calibre inferior a 20mm, armas automáticas com calibre inferior a 12,7mm, assessórios ou componentes deste material, e uma licença para munições. Esta compras tiveram um preço de cerca de 69 mil euros. Da República Checa as licenças atingem 90.863 euros para adquirir munições.

Também Itália emitiu uma licença em 2018, no valor de 17.850 euros. O Consulado Geral de Itália em Hong Kong explicou ao HM que o equipamento em causa é um sistema anti-drone, comprado por uma entidade governamental, e que foi fornecido de acordo com todos os procedimentos internacionais e nacionais.

Mais recentemente, um relatório do Ministério da Economia e Energia alemão de 2019 revela que o país rejeitou exportações para Macau, no valor de 17.680 euros. Quando questionado sobre o produto em causa e se era destinado a uma entidade governamental ou privada, o Consulado Geral alemão em Hong Kong não quis comentar.

Riscos informados

O jurista António Katchi defende que o Governo devia esclarecer a população sobre os equipamentos usados pelas autoridades e entidades públicas em investigações. “As pessoas têm o direito de saber a que riscos estão expostas, quer nas suas comunicações, quer quando participem em manifestações, quer, inclusivamente, quando desobedecem a uma ordem policial”, disse ao HM.

Para além disso, considera que os médicos e enfermeiros devem ser esclarecidos sobre os materiais e equipamentos de que o Governo dispõe para operações repressivas, para poderem explicar os riscos da sua utilização e preparar-se adequadamente “para o tratamento das pessoas que viessem a ser atingidas”.

Sobre a rejeição da venda a Macau de equipamento militar e tecnologia de uso duplo por outros países, António Katchi entende que “poderá – ou deveria – constituir uma reacção à paulatina fascização do regime político de Macau, que tem tido como traço mais saliente o fortalecimento do poder, tanto jurídico como de facto, das autoridades policiais, quer perante os particulares, quer perante os demais poderes públicos”. No seu entender “o cenário está a ser montado para que, quando houver agitação social em Macau, a PSP e a PJ possam impunemente ‘partir a espinha’ aos ‘agitadores’, então convenientemente apodados de ‘terroristas’ ou ‘separatistas’ a soldo de forças estrangeiras”.

Mais câmaras

O secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, autorizou a instalação e utilização de mais 37 câmaras de videovigilância. De acordo com o despacho publicado ontem em Boletim Oficial, 33 destinam-se ao posto de migração do terminal marítimo do Porto Interior e de Iates da Divisão de Controlo Fronteiriço Marítimo e Aéreo do Departamento de Controlo Fronteiriço. A gestão do sistema de videovigilância fica sob a responsabilidade do Corpo de Polícia de Segurança Pública.

ONU | Xi Jinping recusa politização da pandemia

[dropcap]O[/dropcap] Presidente chinês, Xi Jinping, considerou esta terça-feira, na ONU, que se deve recusar a politização da pandemia de covid-19 e garantiu que a China “nunca entrará nem numa guerra fria nem numa guerra quente”.

Xi Jinping falava, num discurso pré-gravado, no debate geral da 75.ª sessão da Assembleia Geral da ONU, que decorre na sede da organização, em Nova Iorque, sem uma referência explícita aos Estados Unidos, cujo Presidente, Donald Trump, exigiu às Nações Unidas, no mesmo fórum, que peçam responsabilidades à China pela actuação de Pequim na fase inicial da expansão da pandemia do novo coronavírus.

“A China é o maior país em vias de desenvolvimento que sempre seguiu um caminho pacífico e de cooperação. Nunca pretendemos lutar pela hegemonia nem pela expansão e nunca procuraremos as supostas tentativas de influência”, afirmou o chefe de Estado chinês.

“Não temos a intenção de entrar numa guerra fria ou numa guerra quente com nenhum país. Pelo contrário, persistimos em ultrapassar as diferenças através do diálogo e solucionar as disputas através de negociações”, acrescentou.

Sem nunca se referir aos Estados Unidos ou ao nome do Presidente norte-americano, Xi Jinping mostrou-se contra o protecionismo e unilateralismo e foi ao encontro das palavras do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, ao defender o multilateralismo e a concertação de posições para ultrapassar as divergências.

“A politização da pandemia deve ser recusada e temos o imperativo de criar uma visão aberta e inclusiva, contra o protecionismo e contra o unilateralismo”, observou, salientando que se deve também “repudiar as disputas ideológicas, ultrapassar as armadilhas do choque das civilizações e respeitar mutuamente o caminho de cada país”.

Garantindo que Pequim está a colaborar com várias instituições científicas para se encontrar uma vacina eficaz para combater a covid-19, Xi Jinping lembrou que a própria China já está na fase final de ensaios clínicos para assegurar esse objetivo.

“Assim que estiverem disponíveis, iremos oferecê-las como bens públicos globais, priorizando os países em vias de desenvolvimento”, afirmou, referindo que Pequim irá também “cumprir o compromisso” de, nos próximos dois anos, oferecer 2.000 milhões de dólares para programas destinados à agricultura, alívio da pobreza, educação, mulheres, crianças e alterações climáticas.

Para o Presidente chinês, a prioridade passa por apoiar os países em desenvolvimento, sobretudo os africanos, e promover o alívio da dívida.

“A covid-19 não será a última crise da humanidade e devemos estar preparados para combatermos juntos os eventuais desafios globais. A pandemia lembra-nos que vivemos numa aldeia global interconectada e interdependente. (…) e mostra-nos que a globalização económica é uma realidade objetiva e uma corrente histórica. Não se pode meter a cabeça na areia, como a avestruz”, sublinhou.

Para Xi Jinping, a covid-19 demonstra que a humanidade “necessita de uma revolução” para propiciar formas ecológicas de promover o desenvolvimento e a construção da civilização ecológica, dando o exemplo chinês, cujas medidas ambientais vão permitir atingir as metas mínimas de dióxido de carbono antes de 2030 e materializar a neutralidade do carbono antes de 2060.

Já a nível internacional, o Presidente chinês anunciou que a China vai oferecer 50 milhões de dólares ao Plano Mundial de Resposta Humanitária ao covid-19 das Nações Unidas, e idêntico montante, a terceira contribuição, ao Fundo Fiduciário de Cooperação Sul/Sul entre a China e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

Anunciou também a expansão, a partir de 2025, e por mais cinco anos, do programa ligado ao Fundo para a Paz e Desenvolvimento China/ONU e que Pequim vai instalar um Centro Global de Conhecimento e Inovação Geoespacial das Nações Unidas e um Centro Internacional de Investigação de Macrodados também na sede da organização.

A semana de alto nível na Assembleia Geral da ONU começou esta terça-feira, num formato sem precedentes nos 75 anos da organização, em que os discursos de chefes de Estado e de Governo será feita por vídeos previamente gravados, devido à pandemia.

Huawei a lutar pela “sobrevivência” face a “incessante agressão” de Washington

[dropcap]O[/dropcap] presidente rotativo da Huawei, Guo Ping, reconheceu hoje que a “incessante agressão” dos EUA colocou o grupo de tecnologia chinês sob “forte pressão” e que o seu objetivo agora é lutar para “sobreviver”.

“A Huawei está numa situação difícil”, disse Guo, na abertura da conferência anual ‘Huawei Connect’, que decorre em Xangai, a “capital” financeira da China. “A agressão implacável exercida pelos Estados Unidos colocou-nos sob pressão significativa”, acrescentou.

Trata-se da primeira declaração pública do presidente do grupo chinês desde a entrada em vigor, na semana passada, das mais recentes medidas de Washington.

O Departamento de Comércio dos EUA anunciou que, a partir de 15 de setembro, os fornecedores globais da Huawei que usam tecnologia norte-americana no desenvolvimento ou produção dos seus produtos devem primeiro obter autorização de Washington para venderem componentes essenciais à empresa chinesa.

A Huawei e os seus fornecedores de ‘chips’ eletrónicos criaram reservas e tentaram concluir as entregas antes da entrada em vigor daquelas medidas.

Guo disse que a empresa continua a “avaliar cuidadosamente os impactos” e sublinhou que a “batalha pela sobrevivência” é agora o seu principal objetivo.

O presidente lembrou que a Huawei vai continuar a investir em conectividade, computadores de alto desempenho ou em Inteligência Artificial (AI).

A “sinergia” entre esses campos é fundamental não só para a Huawei, mas para o setor como um todo, afirmou.

Alguns fabricantes dos EUA, como a Intel ou a AMD, anunciaram que obtiveram a aprovação de Washington para fornecerem alguns produtos à Huawei, embora não tenham detalhado quais.

Outros fornecedores não norte-americanos pediram a licença de Washington para trabalharem com a empresa chinesa, mas ainda não receberam resposta.

A Huawei Technologies Ltd., a primeira marca global de tecnologia da China e líder no fabrico de equipamentos de rede e dispositivos móveis, está no centro de um conflito entre EUA e China motivado pelas ambições tecnológicas de Pequim.

Os Estados Unidos acusam a empresa de estar sujeita a cooperar com os serviços de inteligência chineses e lançaram uma intensa campanha para convencer os países aliados a excluírem-na das suas redes de quinta geração, a Internet do futuro.

Austrália, Estados Unidos, Nova Zelândia, Reino Unido ou Japão baniram já a participação da empresa nos seus mercados. Vários países europeus estão também a limitar a participação da Huawei nas suas infra-estruturas.

Em maio, a administração de Donald Trump estipulou também que os fabricantes estrangeiros de semicondutores que usem tecnologia norte-americana devem obter licença para vender semicondutores fabricados para a Huawei, dificultando ainda mais o acesso da empresa a componentes essenciais.

A Huawei nega as acusações dos Estados Unidos e as autoridades chinesas dizem que o Governo de Donald Trump está a usar leis de segurança nacional para restringir um rival que ameaça o domínio exercido pelas empresas de tecnologia norte-americanas.

O ponto do marido, as episiotomias de rotina e as grávidas que ficam por ouvir

[dropcap]O[/dropcap] ponto do marido é uma prática obstétrica que não consta nos manuais médicos. Há quem diga que é um mito: e de facto há qualquer coisa de misterioso à volta deste ponto. Não há uma narrativa científica de como veio ou de como se propagou, ou se existe exactamente como ‘ponto do marido’ que se insinua. No imaginário e na preocupação das grávidas existe de certeza. No imaginário público existe cada vez mais, já que se torna mais comum discuti-lo e analisá-lo. Antes da peça publicada pelo jornal Público no início do mês de Setembro, eu era uma ignorante do ponto. Mas o ponto precisa de um contexto, e o contexto é o da episiotomia de onde surge, supostamente, como consequência.

No momento de parir, quando os profissionais médicos acham que o canal não está francamente aberto para possibilitar o nascimento, realizam um corte no períneo, que se chama episiotomia. Quando se sutura este corte, com vários pontos, diz-se que o ponto do marido é o ponto que está a mais. As motivações mais pessimistas para este ponto realçam a tendência de ver o corpo gestante ao serviço dos outros. O foco no prazer masculino numa altura como aquela é um claro exemplo. Mas há quem diga que este ponto serve para ajudar a criar mais estrutura no períneo, para que não fique laço e flácido. As boquinhas de que ‘aperta-se mais um bocadinho, porque ele vai gostar’ é, supostamente, gozo. Uma brincadeirinha. Ninguém faz pontos mais apertados a pensar nos homens, fazem-no porque traz vantagens a quem está a parir, supostamente.
Mas ainda há mais conteúdo por digerir. Como qualquer assunto que envolva sexo, genitais, género e bebés.

De acordo com a OMS, recomenda-se que a episiotomia seja feita em 20 por cento dos partos. Em Portugal – dados de Macau não são de fácil acesso – 70 por cento dos partos levam com esta prática. Os dados da China continental também apontam para a regularidade do procedimento. Em vez de usado quando estritamente necessário, é usado como rotina. Já é mau o suficiente que a episiotomia seja tão popular.

Agora, sair disso, ainda, pontos que podem trazer mais complicações – dor na relação sexual, infecções, incontinência e desconforto geral – sinaliza um total desrespeito pelas pessoas que estão a parir. Mito ou não, há coisas que acontecem que não deviam acontecer.

As associações pelos direitos da mulher na gravidez e no parto, como existe em Portugal, ajudam a esclarecer a desarmonia que existe entre o contexto hospitalar e médico e o que acontece no momento de parir. Tudo bem que os partos destes nossos homo sapiens sapiens não são particularmente fáceis. Parece que esta estrutura, ao evoluir para encaixar a nossa capacidade bípede, tornou os partos mais difíceis do que nos outros mamíferos. As ancas estreitaram-se para andarmos erectos e os problemas no parto começaram.

Contudo, esta não deverá servir como desculpa para tornar o parto mais médico e menos natural. Uma coisa são doenças que o nosso corpo não sabe combater, outra coisa é parir, e para isso, o nosso corpo deve ter algum conhecimento.

O suposto ‘ponto do marido’ e as episiotomias de rotina são sintomas da desvalorização da experiência da grávida em detrimento da prática médica. Só que estes domínios não devem ser incompatíveis. As associações, grupos e até partidos políticos andam a dar voz às experiências de parir que não são ouvidas, outras que nem conseguem falar. Pessoas com planos de partos que não os vêm respeitados, mulheres que nem foram avisadas que lhes fizeram uma episiotomia – só se apercebem quando o efeito da epidural passa e as dores dos pontos as ataca. Mulheres que desenvolvem complicações graves, e que poucos lhes dão ouvidos.

O mais surpreendente nisto tudo, é que, na minha pesquisa (pela diagonal, veja-se) em bases de dados científicas, parece que está tudo bastante alinhado. Não há mesmo evidência de que as episiotomias de rotina tragam mais vantagens às mães, aos bebés ou aos pais. Parece ser consensual que a episiotomia, como prática de rotina, é desaconselhada por completo. A forma como este saber científico não chega à sala de partos é que nos deixa confusos. Deixa-nos a ponderar, que forças serão estas, as que moldam e desvalorizam a representação e voz da mulher grávida e parturiente?