Wong Sio Chak diz que rumores são mais perigosos que catástrofes naturais

Wong Sio Chak reitera a necessidade de criminalizar os efeitos de rumores e que o Código Penal não oferece as garantias para este “crime”. O secretário defende ainda que a lei respeita a liberdade de expressão e imprensa

 

[dropcap]W[/dropcap]ong Sio Chak acredita que o pânico causado por rumores durante grandes catástrofes é mais grave que as consequências materiais desses acidentes. A ideia foi defendida, ontem, pelo secretário para a Segurança, durante o 31.º aniversário da Escola Superior das Forças de Segurança de Macau e surge depois de várias críticas à proposta de lei de Protecção Civil, que criminaliza a criação e partilha de notícias falsas ou tendenciosas, mesmo que a divulgação seja feita por parte de leitores.

“O pânico e os consequentes prejuízos na sociedade causados pelos rumores durante grandes catástrofes são mais graves do que as influências geradas por incidentes súbitos”, afirmou Wong Sio Chak, de acordo com o comunicado de imprensa.

O secretário para a Segurança voltou a insistir na ideia de que no Código Penal não existem normas para penalizar a difusão de rumores, que “agravam o pânico e os consequentes prejuízos na sociedade”. Esta foi uma situação que não impediu que duas pessoas fossem detidas após a passagem do Tufão Hato, alegadamente por criarem rumores sobre o número de vítimas. Contudo, o secretário continua a insistir que, “em nome do interesse público”, o Governo tem de preencher a lacuna legal.

A lei de Protecção Civil está agora a ser discutida na especialidade na Assembleia Legislativa, depois de ter sido aprovada na generalidade. Sobre o artigo 25.º, o que criminaliza as “notícias tendenciosas”, assim como a suar partilha, o deputado Sulu Sou revelou anteriormente que o presidente da AL, Ho Iat Seng, tinha pedido alterações ao diploma e que fossem ouvidas opiniões de todos os sectores.

Ontem, Wong Sio Chak mostrou-se aberto a discutir o diploma, a analisar as diferentes críticas e frisou que está focado “em regular este tipo de crime de forma legal, clara e cautelosa, tendo por base a protecção do interesse público, da liberdade de expressão e de imprensa”.

Mente aberta

Segundo o polémico artigo 25.º da proposta de Lei “quem, após a declaração do estado de prevenção imediata […], em benefício próprio ou de terceiro, ou por quaisquer outros motivos que possam perturbar a cessação ou o alívio do estado declarado ou a tranquilidade pública, elaborar, difundir ou transmitir notícias falas, infundadas ou tendenciosas relativas a riscos, ameaças e vulnerabilidades […] é punido com pena de prisão até 2 anos”.

O secretário para a Segurança voltou ainda a comentar o facto dos serviços que dirige terem tido como referência legislação indiana que foi considerada inconstitucional. Apesar da decisão ter sido tomada em 2015, o documento da consulta pública apresentava a referência como legal.

Foi a Associação Novo Macau que alertou para a inconstitucionalidade da norma indiana e os serviços sob tutela de Wong Sio Chak defenderam-se afirmando que desconheciam a inconstitucionalidade da mesma. Em relação a este capítulo, Wong diz que os serviços estão a analisar a norma indiana, mas pediu às pessoas que estudem bem a lei local, antes de recusarem a proposta do Governo.

Agnes Lam acusa DSSOPT de não ter respondido a dúvidas sobre Ilha Verde

[dropcap]A[/dropcap] deputada Agnes Lam quer que a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) explique a razão que levou a que a Planta de Condições Urbanísticas para o sopé da Ilha Verde tivesse sido discutida à luz do Plano de Ordenamento de 2010, quando este já não estava em vigor. É este o conteúdo da última interpelação escrita da deputada, que procura as respostas que considera que a DSSOPT não deu face ao mais recente relatório do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC).

Quando foi, recentemente, discutida a área de construção para o terreno da Ilha Verde foi tida em conta a versão de 2010 do Plano de Ordenamento. Aconteceu que a revisão de 2017 reduzia a área de construção. Ainda assim, a DSSOPT utilizou a versão antiga. A planta acabaria por ser anulada, segundo a deputada. “Porque é que a DSSOPT utilizou o plano antigo de 2010, quando discutiu a Planta de Condições Urbanísticas?”, questiona.

Segundo Agnes Lam, a DSSOPT tem ainda culpas porque na resposta que emitiu ao CCAC apenas promete rever os procedimentos internos, sem explicar o que permitiu este erro. “O incidente mostra que há problemas sérios na aplicação da lei. Mas na resposta ao CCAC, a DSSOPT só disse que dava grande atenção ao relatório e que ia fazer uma revisão”, apontou.

“No entanto, não explicou a prática administrativa errada nem sobre se ia fazer uma investigação interna ao incidente”, acrescentou.

Plano Director

Outro assunto focado pela legisladora é o Plano Director de Macau, que se encontra em elaboração. Contudo, a deputada queixa-se da falta de informação sobre os trabalhos e quando vão ser concluídos.

Por esta razão, Agnes Lam pede ao Governo que avance com a actualização sobre um eventual calendário para terminar a elaboração do plano.

A investigação do CCAC sobre o terreno da Ilha Verde foi publicada na segunda-feira da semana passada e legitimou a Companhia de Desenvolvimento Wui San como proprietária legal daquela parcela. Além da DSSOPT, também o Instituto Cultural recebeu críticas pela forma como lidou com este processo, principalmente pelo facto de não ter forçado o proprietário a fazer obras de conservação no mosteiro que se encontra no local.

CE | Novo candidato quer dar dinheiro a residentes que invistam na Grande Baía

Chan Weng Fu apresentou-se ontem como o novo candidato ao cargo de Chefe do Executivo com uma promessa digna de nota: atribuir 200 mil patacas a cada residente que invista no sector imobiliário na área da Grande Baía. O dinheiro sairia dos cofres da Reserva Financeira de Macau

 

[dropcap]C[/dropcap]hui Sai On deu cheques pecuniários à população, mas o homem que lhe quer suceder deseja ir mais além, em nome dos novos tempos da integração regional. Chan Weng Fu, de 68 anos de idade, director de uma empresa ligada ao ramo da electricidade, apresentou-se ontem como o novo candidato ao cargo de Chefe do Executivo e assegura que a falta de experiência na política não é impeditivo para concorrer.

O candidato vive em Macau há mais de 40 anos e acredita que, depois de divulgar o seu programa político, terá apoio dos membros que integram a Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo, que irá eleger, a 25 de Agosto, o próximo líder da RAEM.

Um dos principais pontos do seu programa é a concessão de 200 mil patacas a cada residente que deseje investir no sector imobiliário em qualquer uma das cidades que integram o projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Esse dinheiro seria retirado da Reserva Financeira de Macau.

“Não é um plano de comparticipação pecuniária, mas tem como objectivo levar a que os cidadãos invistam em imóveis na Grande Baía”, frisou. O candidato ainda disse que “como o Continente está a desenvolver-se rapidamente, dar dinheiro para o público é uma forma de diversificar o investimento pois, no futuro, deve haver dinheiro para ganhar”.

Mais lugares subterrâneos

Chan Weng Fu deseja também resolver o problema do trânsito e da falta de estacionamento em Macau, defendendo, para o efeito, a construção de parques de estacionamento subterrâneos. Na visão do candidato, esta medida iria resolver os problemas de estacionamento no prazo de dois a três anos.

No que diz respeito ao sistema judicial, o candidato defende maior integração na sociedade de ex-condenados, e argumenta que pessoas que tenham cometido pequenos delitos, mas que tenham contribuído para o desenvolvimento económico de Macau, não devem ir para a prisão.

Contudo, o candidato não especificou o tipo de mudanças que deseja fazer a este nível, nomeadamente se defende, ou não, uma alteração legislativa.

Ao nível da corrupção, Chan Weng Fu também prometeu novas medidas de combate a este crime, garantindo que a sua meta é proteger os cidadãos.

Licenciado em engenharia electrotécnica numa universidade da China, com formação superior também na área educativa, o candidato começou a carreira profissional como técnico de reparação de equipamentos eléctricos.

Concursos por sorteio | Presidente do IC quer evitar “muitos” concursos públicos

Mok Ian Ian aguarda oportunidade para realizar um concurso público geral para contratar serviços de segurança para todas as instalações do Instituto Cultural, para evitar que cada serviço o faça de forma independente. Esta é a justificação de Mok Ian Ian para os concursos por sorteio promovidos pelo IC para contratos que chegam aos 10 milhões de patacas

 

[dropcap]A[/dropcap] presidente do Instituto Cultural (IC), Mok Ian Ian justificou ontem a contratação por sorteio de serviços de segurança para algumas das instalações do organismo como uma forma de dar tempo para que se possa realizar um concurso público geral para a adjudicação de um contrato que abranja a totalidade dos serviços.

“Na segunda metade deste ano vamos continuar a fazer as adjudicações por sorteio para que depois, quando todos os contratos tiverem terminados, se fazer apenas um concurso público geral para todos os serviços”, disse ontem Mok Ian Ian aos jornalistas, à margem da cerimónia da abertura da Feira Internacional do Livro de Macau.

De acordo com a responsável, “não é preciso estar sempre a abrir concursos para a prestação de serviços para cada um dos organismos”, disse, acrescentando que o IC “tem várias instalações como o conservatório, bibliotecas salas de exposições, etc., em que cada uma tem a suas necessidades”.

Por outro lado, o IC tutela agora mais serviços, desde a integração de algumas das valências do extinto Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. “Depois da integração de alguns departamentos do antigo IACM, o IC, em conformidade com o princípio de facilitação do trabalho administrativo, pretende trabalhar no sentido da integração administrativa”, apontou Mok.

Uma questão de sorte

As justificações de Mok Ian Ian surgem um dia depois da divulgação por parte do deputado Au Kam San de que o IC tem estado a fazer a adjudicação de contratos para prestação de serviços de segurança, avaliados em mais de 10 milhões de patacas, através de sorteio electrónico. De acordo com Au, o organismo liderado por Mok Ian Ian evitou realizar concursos públicos, como acontecia nos anos anteriores, o que contraria o regime das despesas com obras e aquisições de bens e serviços. “Segundo o IC, este ano houve uma reforma interna e o contrato dos serviços de segurança não vão ser distribuídos por concurso público. Em vez disso, o IC vai utilizar um sistema de distribuição electrónica, em que convidou várias empresas para participar”, referiu o pró democrata.

Segundo o regime das despesas com obras e aquisições de bens e serviços, as obras com valor superior a 2,5 milhões de patacas ou os bens e serviços adquiridos com valor acima de 750 mil patacas têm de ser adjudicados por concurso público. Só em casos de excepção, por conveniência, o concurso pode ser dispensado.

Mok Ian Ian fez ainda questão de sublinhar que, relativamente ao projecto da Biblioteca Central que vai ter lugar no edifício do antigo tribunal, toda a estrutura e elementos arquitectónicos vão ser preservados. “O IC já transmitiu às Obras Públicas a necessidade da preservação completa do edifício do antigo tribunal, incluindo todos os elementos e características arquitectónicas que compõe o estilo único e o valor cultural do edifício”, disse.

Deputados visitaram construção do novo posto fronteiriço na Ilha Verde

[dropcap]O[/dropcap]s deputados da Comissão de Acompanhamento para os Assuntos de Terras e Concessões Públicas visitaram ontem de manhã o estaleiro das obras do novo posto fronteiriço de Qingmao, na Ilha Verde, antes de reunirem para um ponto da situação com o secretário para os Transportes e Obras Públicas na Assembleia Legislativa.

Raimundo do Rosário afirmou ter havido um atraso com a colocação das fundações, naquela zona de fronteira, por causa da confluência de condutas subterrâneas de abastecimento de água e energia eléctrica do continente para o território. “Estamos à espera que essas infra-estruturas sejam desviadas, para podermos concluir essa parte do acesso. Mas temos tempo”, referiu.

Entretanto, as autoridades chinesas só entregaram o projecto para o edifício Norte (fronteira de Zhuhai) no passado dia 28 de Junho, o que não deverá atrasar a conclusão global da obra, informou o secretário para os Transportes e Obras Públicas, por ser mais pequeno do que o edifício Sul (fronteira de Macau). O projecto, adjudicado à Guangdong Nam Yue Group Corporation e previsto para o final de 2020, tem praticamente concluídas as fundações dos dois edifícios e do corredor de ligação entre eles.

A construção do edifício Sul, que deverá ter 22 andares, foi iniciada em Abril passado e conta já com dois pisos colocados. O edifício Norte tem previstos 12 andares de altura e deverá levar cerca de dois meses a ser analisado e adjudicado, antes do início da construção. O orçamento é de 1500 milhões de patacas para a construção do edifício Sul e de 900 milhões para a construção do corredor de ligação ao edifício Norte, este da responsabilidade de Zhuhai.

Lugar para transportes

Os deputados sugeriram também ao Governo a cedência de terrenos contíguos aos postos fronteiriços terrestres, para resolver a questão da mobilidade e dos transportes em relação ao excessivo fluxo de visitantes. A presidente da Comissão, Ella Lei, informou no final da reunião que os deputados apontaram o terreno triangular onde funcionava o centro de inspecções de automóveis, ainda desaproveitado, entre a Av. General Castelo Branco e o Posto de Qingmao, para garantir espaço para a tomada e largada de passageiros, bem como o estacionamento de autocarros de turismo e shuttles dos casinos.

A Comissão insistiu na utilização deste terreno, mesmo que a título provisório, para desviar a concentração de visitantes e grupos de turistas das Portas do Cerco. Outros terrenos sugeridos foram o do aquartelamento da Unidade Táctica de Intervenção da Polícia (UTIP), que passou para Coloane, e o da Rua dos Currais, perto do Canal dos Patos, para reorganizar o trânsito rodoviário naquela zona de grande densidade populacional.

O Governo anunciou ainda que vai abrir concurso público no próximo dia 8 de Agosto para a concepção e construção de uma passagem superior para peões, que permita o acesso por ponte aérea ao Posto Sul de Qingmao a partir do bairro da Ilha Verde e do referido terreno triangular.

Comunidade macaense | O recado que António Hespanha deixou no seu último livro

O historiador António Hespanha, falecido esta segunda-feira, deixou no seu último livro um aviso à comunidade macaense: “faltam estudos sobre o Senado e a Misericórdia que permitam identificar os grupos dirigentes”, bem como “um estudo sistemático das grandes famílias macaenses”, que são mesmo fruto de uma “intensa crioulização”

 

[dropcap]A[/dropcap] história de Macau e da comunidade macaense foram o mote da última obra do historiador António Hespanha, falecido esta segunda-feira vítima de cancro, com 74 anos de idade. “Filhos da Terra – Identidades Mestiças nos Confins da Expansão Portuguesa”, lançado em Fevereiro pela Tinta-da-China, é a obra que analisa as comunidades compostas por pessoas que se sentem portuguesas, mas que ficaram de fora das linhas formais do Império, o chamado “Império sombra”, como lhe chamou o autor, que inclui também Malaca e outras regiões.

Hespanha ressalva que a ambiguidade do território se manteve até 1999, apesar de ter oficialmente administração portuguesa. E explica as razões pelas quais dedica um capítulo ao território.

Integrado no chamado “império formal” desde o século XVI, Macau é “uma lenda fundacional que tem de ser encarada criticamente”, como refere Hespanha citando Jorge Flores. “Ela surge num texto tardio, de 1629, em que se alinhavam razões que sustentassem autonomia, estabilidade e autossuficiência da povoação, quer em relação à administração formal portuguesa, quer à chinesa.”

“De alguma forma, Macau corresponde a Goa numa fase mais tardia, num novo cenário geográfico, económico e cultural, e com outros modelos de funcionamento. É por isso que os ‘macaenses’ cabem neste roteiro de comunidades ‘portuguesas’ na sombra, apesar de, formalmente, Macau ser tida pela coroa – quem sabe se só por ela e pelos seus oficiais – como uma cidade portuguesa.”

O historiador é um dos poucos que se debruçou sobre o Direito de Macau, frisou também que “dada a sua institucionalização – com Governo e administração formais, produzindo documentação guardada em arquivos que se mantiveram – Macau permite até recuperar um conhecimento sobre estas comunidades que se perdeu noutros lados”.

Os macaenses são aqui vistos como “os filhos da terra”, mas António Hespanha deixa um alerta a futuros académicos. “Apesar da pletora de estudos sobre a história de Macau nas últimas décadas do século XX, a história social dos macaenses não progrediu o suficiente para nos dar uma imagem detalhada e empiricamente fundada desta comunidade. Faltam estudos sobre o Senado e a Misericórdia que permitam identificar os grupos dirigentes, bem como as suas redes de alianças e dependências e as suas estratégias de grupo.”

Além disso, o autor defendeu que continua a fazer falta “um estudo sistemático das grandes famílias macaenses – os chamados ‘filhos da terra’ – cujos nomes portugueses dissimulavam, de facto, uma intensa crioulização – não apenas sino-portuguesa – e uma complexa teia de ligações fora do território”.

Filhos de muita gente

António Hespanha foi além da ideia generalizada de que a comunidade macaense é fruto, essencialmente, do cruzamento de chineses e portugueses. Na verdade, o historiador recorda que os macaenses descendem de várias origens.

“À medida que avançamos no tempo, mesmo a parte ‘portuguesa’, nomeadamente a que usa nomes portugueses, é cada vez mais cruzada com elementos nativos: chineses, japoneses, malaios, indianos, siameses, mesmo africanos”, escreveu. “Uma vez que o preconceito europeu em relação aos chineses (‘alvos como nós’) era menor do que em relação a populações negras, os casamentos de ‘portugueses’ com chinesas eram comuns, existindo também casamentos de portuguesas com chineses. Se olharmos para as prosopografias das cerca de 500 famílias macaenses de hoje, podemos observar a complexidade étnica do grupo”, acrescentou.

No que diz respeito ao relacionamento entre a China e a comunidade macaense, o autor descreve que o país “mostrava maior flexibilidade na relação com os macaenses, que chegavam a ser referidos (em 1623) como ‘nobres estrangeiros’, a quem se tinham conferido ‘os privilégios de naturais da China’”.

Por volta do ano 1584, os chineses, “relutantes em reconhecer a extraterritorialidade da cidade – nomeadamente, a aplicação das leis portuguesas – criaram também uma estrutura de controlo, considerando os líderes da comunidade macaense como funcionários imperiais, ambivalência que se manteve”.

A partir de 1586, “Macau comportava-se como uma república autónoma, que se correspondia com o rei da Conchichina e chegou mesmo a projectar o envio de uma embaixada sua em Pequim”, lê-se no livro.

“Filhos da Terra” retrata, sobretudo, as “comunidades mestiças na civilização e na cultura”, que “podem ser consideradas como uma outra face do ‘império’, cuja história, discreta, ambígua e frequentemente incómoda tem sido pouco cultivada na historiografia portuguesa”.

Hespanha descreve que “as maiores comunidades de ‘portugueses’ fora das fronteiras do império formal eram também ‘cristas’”, algo que “é mais distintivo na Ásia do que em África”. Na obra, o autor destaca também a presença do Cristianismo na China, onde “as comunidades cristas eram várias, algumas das quais bastante numerosas”. No século XVII seriam cerca de 150 mil cristãos no país, sendo que os principais centros do cristianismo estavam situados em Pequim, Fujian e Zhejian.

 

O Mestre que cultivava o espírito crítico

Ex-colegas recordam contributos de Hespanha na área da História e Direito de Macau

António Saldanha, investigador e docente de História na Universidade de Macau (UM), recorda ao HM o lugar de António Manuel Hespanha na academia. “Conhecíamo-nos há cerca de trinta anos: entrava eu para equipa de História do Direito da Faculdade de Direito de Lisboa, quando dela ia sair o António Hespanha para se doutorar em História noutra universidade. Durante esses anos nunca os nossos destinos deixaram de se cruzar: em júris, em conferências, no ensino na Faculdade de Direito de Macau, quando presidiu à Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, e em ocasionais contactos sobre aspectos específicos da investigação que em muitos pontos de interesse nos era comum.”

Saldanha recorda que os credos políticos de ambos “nunca coincidiram”, mas tal nunca interferiu “na partilha e no encontro dos nossos credos académicos e científicos”. “Pelo contrário: o António Hespanha nunca regateou uma citação, uma nota de apreço em relação à minha obra, que, como poucos entendeu. Fi-lo sempre também, não por mera ou cortês retribuição, mas por sincera admiração pelo contributo único que deu em várias áreas da História e do Direito”, acrescentou.

António Saldanha considera que “nunca ninguém poderá negar o título, hoje raro no seu sentido verdadeiro, de Mestre” a António Hespanha. Nesse sentido, “foi também um pedagogo de que nunca gerações de alunos esquecerão o brilhantismo”. Com a morte do historiador que veio do Direito “fica também a recordação do seu sentido de humor, da sua muita graça e da generosidade com que acolhia quem dele se aproximou”.

Cultivar espírito crítico

Manuel Escovar Trigo cruzou-se com António Hespanha na UM entre 1990 e 2000, período em que o falecido historiador coordenou a Área de Ciências Jurídico-Histórico e Filosóficas. Ao HM, o professor associado da Faculdade de Direito da UM recorda os primórdios do estabelecimento dos cursos de Direito no território. “Era um professor que promovia a participação dos seus estudantes, cultivava o convívio, o bom humor e o espírito crítico.”

Na UM, Hespanha, quer ao nível do ensino, quer da investigação, “deu um contributo de especial relevância para a configuração e desenvolvimento do curso de Direito da Faculdade de Direito da UM”. Dada a “carência de estudos e publicações no âmbito da sua área de coordenação, (Hespanha) deu o seu exemplo de investigar e escrever sobre temas relevantes”, recorda Escovar Trigo, pois “interessava-se pela história e sobre o presente e o futuro do Direito de Macau, sendo interveniente publicamente na definição da estratégia da formação jurídica”.

Obras como “Panorama da História Institucional e Jurídica de Macau” ou “Feelings of Justice in the Chinese Community of Macao, An Inquiry”, são, para Escovar Trigo, um exemplo do empenho de António Manuel Hespanha “nas áreas da sua coordenação, jurídicas-históricas e jurídico-filosóficas”.

Neste sentido, “os seus estudos continuam a ser importantes para a compreensão do sistema jurídico de Macau e um exemplo para os estudiosos desta área do saber”, rematou o docente da UM.

Jackson Chang foi detido na quarta-feira à noite

[dropcap]O[/dropcap] Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) deteve na quarta-feira à noite o ex-presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) Jackson Chang, disseram hoje à Lusa fontes judiciais.

Jackson Chang foi hoje presente a um juiz de instrução criminal, estando a aguardar que sejam determinadas eventuais medidas de coação, adiantou uma das fontes relacionadas com o processo contactada pela Lusa.

A firma de advogados que representa Jackson Chang escusou-se a comentar o caso.

A Lusa enviou um pedido de informação ao Ministério Público, que não respondeu em tempo útil.

Em Outubro de 2018, o CCAC disse que o ex-presidente do IPIM estava a ser investigado de “crimes funcionais” na apreciação e autorização dos pedidos de imigração por investimento.

De acordo com um comunicado divulgado pela mesma entidade (CCAC) em Outubro, Jackson Chang ficou sujeito às “medidas de coação de suspensão do desempenho de funções públicas e de proibição de saída de Macau”.

Em Julho, um relatório do CCAC dava conta de irregularidades na apreciação e autorização, por parte do IPIM, dos pedidos de “imigração por investimentos em imóveis”, “imigração por investimentos relevantes” e “imigração por fixação de residência dos técnicos especializados”.

O comissariado apontava, por exemplo, casos em que os requerentes, “não se encontrando em Macau por muitos anos, conseguiram demonstrar (…) auferir salários significativos de sociedades sem sucesso”, o que leva a crer que tenham “adquirido fraudulentamente” estas autorizações.

Além do ex-presidente também são arguidos, no mesmo processo, a ex-vogal executiva Glória Batalha, que acumulava com a função de secretária-geral adjunta do Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa e um antigo director adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência do IPIM, a quem foram aplicadas as mesmas medidas de coação aplicadas em Outubro.

O IPIM tem como objectivo dar apoio ao chefe do executivo de Macau na promoção do comércio externo, captação de investimentos, ao desenvolvimento de convenções e exposições, à cooperação económica e comercial entre a China e os países de língua portuguesa, entre outros projectos de cooperação externa.

Portuguesa Maria do Céu Guerra considerada a melhor actriz da Europa

[dropcap]A[/dropcap] actriz portuguesa Maria do Céu Guerra foi considerada a melhor da Europa pelo Festival Internacional de Teatro – Actor of Europe, revelou hoje a companhia teatral A Barraca. Maria do Céu Guerra receberá o prémio no sábado, na abertura daquele festival, que decorrerá no Lago de Prespa, nos Balcãs, na fronteira entre Macedónia, Albânia e Grécia.

O prémio de honra “Actress of Europe” é atribuído desde 2003 por um comité para reconhecer o percurso artístico de uma personalidade do teatro e o contributo criativo para a memória colectiva da civilização europeia, lê-se na página oficial do festival.

“Aos 75 anos, é uma das mais extraordinárias actrizes do teatro português e a alma da companhia teatral independente A Barraca”, sustenta o comité, presidido por Jordan Plevnes. Em comunicado, A Barraca refere que este prémio “reconhece o enorme mérito de trabalho teatral e humanista de uma das figuras maiores do Teatro e da Cultura em Portugal”.

Maria do Céu Guerra de Oliveira e Silva nasceu em Lisboa, a 26 de Maio de 1943, frequentou a licenciatura de Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, período em que começou a interessar-se pelo teatro, e fez parte do grupo fundador da Casa da Comédia.

A actriz estreou-se nesta companhia, em 1965, na peça “Deseja-se Mulher”, de Almada Negreiros, encenada por Fernando Amado. Nos cinco anos seguintes, profissionalizou-se no Teatro Experimental de Cascais, onde participou num vasto conjunto de peças dirigidas por Carlos Avilez, das quais se destacam “Esopaida”, de António José da Silva, “Auto da Mofina Mendes”, de Gil Vicente, “A Maluquinha de Arroios”, de André Brun, “A Casa de Bernarda Alba” e “Bodas de Sangue”, de Federico García Lorca, “D. Quixote”, de Yves Jamiaque, “Fedra”, de Jean Racine, “O Comissário de Polícia”, de Gervásio Lobato, e “Um Chapéu de Palha de Itália”, de Eugène Labiche.

Na década de 1970, participou em vários elencos de teatro de revista e de comédia, tendo colaborado com Laura Alves e Adolfo Marsillach, na peça “Tartufo”, de Moliére, e regressado à Casa da Comédia, onde trabalhou com Morais e Castro e Luís de Lima.

Após do 25 de Abril, fez parte do grupo fundador do Teatro Àdóque-Cooperativa de Trabalhadores de Teatro, logo em 1974, e, no ano seguinte, fundou a companhia de teatro A Barraca, onde desde então tem centrado a sua actividade teatral.

Nesta companhia realizou várias digressões em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente no Brasil, tendo feito parte dos elencos de peças como “D. João VI” (1978), de Hélder Costa, “Calamity Jane” (1986), com textos, adaptação e dramaturgia da atriz e de Hélder Costa, “A Cantora Careca” (1992), de Eugene Ionesco, e “O Avarento” (1994), de Molière, entre outras.

Em Agosto de 1985, foi distinguida como Dama da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada e, nove anos depois, recebeu o grau de Comendadora da Ordem do Infante D. Henrique. Em 2006, estreou, no Teatro de Pesquisa A Comuna, “Todos os que Caem”, de Samuel Beckett, com encenação de João Mota, interpretação que lhe valeu um Globo de Ouro SIC/Caras.

O desempenho no filme “Os Gatos não têm Vertigens” (2015), de António-Pedro Vasconcelos, valeu-lhe um Globo de Ouro de Melhor Actriz de Cinema e o Prémio Sophia para a Melhor Actriz.

No cinema, Maria do Céu Guerra estreou-se em “O Mal-Amado” (1974), de Fernando Matos Silva, tendo participado também em “Crónica dos Bons Malandros” (1984), de Fernando Lopes, “A Moura Encantada” (1985), de Manuel Costa e Silva, “Saudades para Dona Genciana” (1986), de Eduardo Geada, “Os Cornos de Cronos” (1991), de José Fonseca e Costa, e em “O Anjo da Guarda” (1998), de Margarida Gil, entre outros.

Na televisão, além da peça “O Pranto de Maria Parda” (1998), de Gil Vicente, participou em séries e telenovelas como “Residencial Tejo” (1999-2002), “Vamos Contar Mentiras” (1985), “Jardins Proibidos” (2014-2015), e “A Impostora” (2016), entre outras, assim como na adaptação de “Calamity Jane” (1987), pelo realizador Hélder Duarte. Em Janeiro deste ano o Prémio Vasco Graça Moura-Cidadania Cultural.

Equipa especial de Pequim em cidade vizinha de Hong Kong desde início dos protestos, diz SCMP

[dropcap]U[/dropcap]ma equipa especial de Pequim está estacionada na cidade chinesa de Shenzen desde a primeira grande manifestação em Hong Kong, para monitorizar a situação e evitar um possível derramamento de sangue, noticiou ontem o South China Morning Post.

O jornal escreve que desde o dia 9 de Junho que se encontra uma equipa especial para avaliar os factos no local e caso seja necessário manter a estabilidade social na antiga colónia britânica e evitar um banho de sangue, devido à escalada de tensão nos protestos contra a lei de extradição.

“O Governo Central aprecia muito o trabalho da polícia de Hong Kong e acredita que eles lidaram bem com a pressão e com os protestos, especialmente a forma como lidaram com a operação de limpeza no Conselho Legislativo sem causar derramamento de sangue”, disse uma fonte governamental ao jornal, referindo-se à intervenção policial após a invasão do parlamento de centenas de manifestantes na segunda-feira.

“Na terça-feira eles [equipa especial] ainda se encontravam em Shenzhen a avaliar a situação e a discutir o caminho a seguir”, disse a mesma fonte, acrescentando que a estratégia passa por “evitar a escalada dos confrontos e manter a calma, mas continuar firme em relação às questões principais”.

Na segunda-feira decorreu a marcha anual pela democracia no 22.º aniversário do regresso do território à China. Centenas de manifestantes partiram vidros e destruíram gradeamento para entrar na sede do parlamento. Uma vez lá dentro, pintaram ‘slogans’ nas paredes, reviraram arquivos nos escritórios e espalharam documentos no chão.

Os manifestantes dizem que a chefe do executivo, Carrie Lam, não respondeu às suas exigências, apesar dos vários protestos nas últimas semanas. Ao final da noite a polícia interveio finalmente, depois de avisos feitos aos manifestantes que insistiram em manter-se junto ao edifício e dentro das instalações onde se reúnem os deputados de Hong Kong.

Surf Hong obrigada a pagar multa imposta por Alexis Tam

[dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Última Instância (TUI) rejeitou dois pedidos de anulação dos despachos assinados pelo secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, que obrigam a empresa Surf Hong ao pagamento de 11 milhões de patacas em multas no contexto de um processo laboral. As decisões, referentes à apresentação de dois procedimentos cautelares de suspensão de eficácia por parte da Surf Hong, foram ontem tornadas públicas e confirmam a sentença proferida pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI) em Maio deste ano.

As multas foram aplicadas através de despachos, proferidos em Dezembro do ano passado, que exigem o pagamento de quatro e sete milhões de patacas, num total aproximado de 11 milhões de patacas, “por violação dos deveres contratuais, previstos no ‘Contrato de Prestação de Serviços de Gestão das Piscinas situadas em Macau afectas ao Instituto do Desporto’ e no ‘Contrato de Prestação de Serviços de Gestão das Piscinas situadas nas Ilhas afectas ao Instituto do Desporto’”.

Num recurso anterior, Wong Chou Heng, proprietário da Surf Hong, apresentou junto do TSI “informações referentes às contas bancárias da empresa, alegando que os seus bens pessoais e os bens da empresa não são suficientes para pagar as respectivas multas e, caso esses actos recorridos não sejam suspensos, será obrigado a declarar falência e a enfrentar o encerramento da empresa, o que lhe causará prejuízos de difícil reparação”.

O recorrente alegou também perante o tribunal que “a execução imediata dos referidos actos administrativos lhe poderá provocar a perda de todos os contratos de prestação dos serviços de gestão e de salvamento nas piscinas e praias”, além de resultar no desemprego dos empregados da empresa.

No final de Maio, o TSI alertou para o facto de o recorrente ter de “invocar e comprovar, simultaneamente, que os seus bens pessoais e os bens da empresa não são suficientes para pagar as multas”, sendo que este “não indicou os seus bens e as suas situações financeiras”. Neste sentido, o tribunal “entendeu não existirem provas suficientes para sustentar que a medida sancionatória, imposta pela Administração, causa prejuízos de difícil reparação” à Surf Hong.

O TSI considerou ainda que “outras situações, invocadas por A (Wong Chou Heng), não constituíam prejuízos de difícil reparação, uma vez que tais prejuízos, mesmo a existirem, podiam ser quantificados pecuniariamente e o desemprego dos empregados não era questão própria de A”. Os juízes entenderam que “caso existissem prejuízos, deviam os mesmos ser invocados por terceiros, não devendo ser defendidos por A através do seu próprio recurso contencioso, nem podendo ser defendidos em substituição deles”. O acordão da decisão do TUI, que voltou a negar o recurso da Surf Hong, ainda não foi divulgado, mas o portal dos tribunais de Macau refere que foi “negado provimento ao recurso”.

Influência das alterações climáticas sobre os ciclones tropicais

[dropcap]D[/dropcap]esde que o planeta Terra se formou, há cerca de 4,54 mil milhões de anos, a atmosfera tem vindo a sofrer alterações na sua composição química, conteúdo em aerossóis e temperatura média. Também o clima, que na sua definição mais simplista é a média das condições meteorológicas num período de pelo menos trinta anos, se tem alterado ao longo dos éones.

Exemplos das consequências destas alterações são as numerosas glaciações que o nosso planeta tem sofrido.

Todas essas oscilações do clima tiveram causas naturais. Acontece, porém, que desde o início da era industrial, há menos de dois séculos, o clima se tem alterado de tal maneira que há praticamente unanimidade no meio científico de que as causas estão relacionadas com o aumento da concentração dos gases de efeito de estufa. Segundo o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC), é 95% certo que as causas sejam antropogénicas, devidas principalmente ao uso intensivo de combustíveis fósseis.

O IPCC é merecedor de toda a credibilidade, na medida em que foi criado por duas entidades das Nações Unidas, a Organização Mundial de Meteorologia e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente. O principal objetivo do IPCC é disponibilizar aos decisores políticos avaliações científicas regulares sobre as alterações climáticas, assim como opções de adaptação e mitigação, alertando também para os riscos futuros.

O IPCC não realiza a sua própria investigação, mas os seus cientistas recorrem a milhares de trabalhos de investigação publicados em todo o mundo e elaboram com certa regularidade relatórios de avaliação sobre as alterações climáticas (Assessment Reports on Climate Change).

Desde a sua criação, em 1988, o IPCC já elaborou cinco relatórios deste tipo e está preparando o sexto, que se prevê que esteja pronto no primeiro semestre de 2022. Uma das organizações que tem vindo a colaborar com o IPCC, através de relatórios sobre a avaliação da influência das alterações climáticas sobre os ciclones tropicais, é o Comité dos Tufões (ESCAP/WMO Typhoon Committee), cujo secretariado está sediado em Macau desde 2007.

É uma realidade comprovada que o teor em gases de efeito de estufa na atmosfera tem vindo a aumentar, com especial relevo para o dióxido de carbono. A célebre curva de Keeling mostra que, desde 1958, altura em que se iniciou de maneira sistemática a medição da concentração do dióxido de carbono na atmosfera, o seu teor tem vindo a aumentar progressivamente.

Consultando o website “Earth’s CO2 Home Page” (https://www.co2.earth/keeling-curve-monthly) pode-se verificar que a concentração do dióxido de carbono no observatório de Mauna Loa (Hawai), passou de menos de 300 partes por milhão (ppm) em 1958 para mais de 400 ppm na atualidade. Estima-se que no início da era industrial era cerca de 280 ppm. Mesmo após 2005, ano em que entrou em vigor o Protocolo de Quioto, que não chegou a ser ratificado pelos Estados Unidos da América, não se nota na curva de Keeling qualquer decréscimo de concentração de dióxido de carbono, antes pelo contrário.

Curva de Keeling

De acordo com este protocolo os países assinantes comprometeram-se a tomar medidas para o decréscimo de emissões de gases de efeito de estufa, em particular do dióxido de carbono. Poder-se-á afirmar que o Protocolo de Quioto não cumpriu os seus objetivos. Infelizmente o mesmo parece estar a acontecer com o Acordo de Paris, estabelecido em 2015, que volta a preconizar medidas para a diminuição das emissões de gases de efeito de estufa.

Desde o início da era industrial que houve um aumento da temperatura média do ar de cerca de um grau Celsius, o que parece ser pouco, mas se pensarmos que basta um aumento de algumas décimas de grau para que a água passe do estado sólido para o estado líquido, quando a sua temperatura está próxima dos zero graus, facilmente se compreende as graves implicações desta subida de temperatura. As imagens de satélite mostram com clareza a rápida diminuição das calotas polares.

Com base nos estudos recolhidos pelo IPCC poder-se-á perguntar: qual será a influência das alterações climáticas nos ciclones tropicais? A resposta não é fácil, mas parece que seria provável uma maior atividade desses fenómenos meteorológicos, atendendo a que o aquecimento do ar e do mar é uma realidade e que os ciclones tropicais se formam sobre as áreas mais aquecidas dos oceanos. No entanto, a elevada temperatura da superfície do mar não é a única condição para a formação dos ciclones tropicais. Sabe-se, em termos estatísticos, que para que ciclones tropicais se formem, devem ocorrer simultaneamente as seguintes quatro condições:

– Temperatura da superfície da água do mar de pelo menos 26,5 graus Celsius;
– Uma perturbação no campo da pressão atmosférica nos níveis baixos da troposfera (depressão ou vale);
– Um anticiclone nos níveis altos da troposfera;
– Pequena variação na vertical da velocidade e direção do vento (cisalhamento vertical ou, em inglês, vertical wind shear).

Se ocorrerem simultaneamente estas quatro condições é muito provável a formação de um tufão se o fenómeno ocorrer no noroeste do Pacífico ou no Mar do Sul da China, um furacão no Atlântico ou no Pacífico oriental (a leste da linha de mudança de data), um ciclone se for no Índico.

Para estudar a evolução do clima recorre-se a registos de dados meteorológicos referentes a muitas dezenas de anos e a modelos físico-matemáticos com os quais se podem tirar conclusões sobre como reagem a atmosfera e os oceanos à maior ou menor quantidade de gases de efeito de estufa. E é isso que os climatologistas têm vindo a fazer e as conclusões não são nada otimistas no que se refere às consequências, nomeadamente o degelo das calotas polares, a subida do nível médio do mar, maior frequência de fenómenos meteorológicos extremos, como por exemplo ondas de calor, desertificação em determinadas regiões e chuvas intensas noutras, etc.

Como os ciclones tropicais se formam sempre no mar, onde as observações meteorológicas são muito mais escassas do que em terra, não há um registo longo da ocorrência destes fenómenos.

Essas observações eram quase exclusivamente obtidas, antes do advento dos satélites meteorológicos, com recurso a boias e tripulações de navios. Como seria expectável, quando havia indícios dessa formação, como por exemplo diminuição brusca da pressão atmosférica e aumento do vento e da nebulosidade, os navios manobravam para se afastarem. Por outro lado, a quantidade de boias com equipamento meteorológico era escassa e perdiam-se ou deterioravam-se facilmente. Estas limitações implicaram escassez de dados referentes à formação de ciclones tropicais antes de meados da década de sessenta do século passado, aquando do advento dos satélites meteorológicos, o que teve como consequência que as conclusões dos estudos sobre a evolução da intensidade e frequência dos ciclones tropicais só passaram a ser mais fiáveis a partir dessa altura.

De acordo com o Quinto Relatório de Avaliação sobre as Alterações Climáticas do IPCC (Fifth Assessment Report on Climate Change – AR5), editado em 2014, não se podem tirar conclusões seguras sobre se as alterações globais ou qualquer outra causa particular tenham influenciado a atividade dos ciclones tropicais. No entanto, no que se refere ao Atlântico Norte, constatou-se que essa atividade tem aumentado desde 1970.

No que se refere aos ciclones tropicais que ocorrem no noroeste do Pacífico e no Mar do Sul da China, o Comité dos Tufões tem vindo a elaborar relatórios sobre as implicações das alterações climáticas nesses fenómenos, antevendo-se aumento de intensidade, mas diminuição da frequência. Não é absolutamente certo que assim seja, mas há a certeza de que, considerando a tendência de aumento da pressão demográfica nas áreas tradicionalmente afetadas por tufões, cada vez mais gente ficará exposta a estes fenómenos.

Baía e Mi Jian

[dropcap]A[/dropcap] UM apresentou um estudo sobre a vontade dos residentes participarem na Grande Baía. A informação disponibilizada aos jornalistas foi muito limitada pelo que os comentários merecem alguma cautela. No entanto, houve um ponto que me levantou muitas dúvidas, nomeadamente o “perfil tipo” das pessoas mais disponíveis para participarem na Grande Baía. Segundo as conclusões, entre as profissões mais interessadas estão “deputados”, “chefias de departamentos do Governo” e “líderes de associações”. Acredito que as respostas desse tipo de entrevistados tenham sido essas, mas são pouco credíveis e são políticas. Se olharmos para deputados, os ordenados no Interior da China são muito mais baixos do que em Macau e não são profissões sem risco.

Se forem acusados de corrupção ou algo semelhante, os deputados ou chefias do Governo arriscam-se a ser condenadas à morte no Interior da China ou a longos tempos da prisão. Com um salário mais baixo e com estes riscos, alguém acredita que um deputado ou membro do Governo trocasse o seu cargo por outro na Grande Baía? Eu não acredito.

Outra nota para as denúncias de corrupção contra Mi Jian, da Direcção de Estudos e Políticas. Segundo um comunicado do Governo, houve um encontro interno, na sexta-feira passada, para falar das denúncias com todos os trabalhadores. Mas, um porta-voz desses Serviços disse ao Jornal de Tribuna de Macau, no Domingo, que só sabia das queixas pela imprensa.

Ridículos. Se Mi Jian quer que as pessoas acreditem na sua inocência, em vez de emitir comunicados que cheiram a estalinismo por todo o lado devia ter organizado uma conferência de imprensa. Agarrar o touro pelos cornos. Em vez disso a sua direcção andou a “dizer inverdades” aos jornalistas. Fica-lhe bem, principalmente quando espera que as pessoas acreditem na sua palavra face às acusações de corrupção.

A internet de Aquilino Ribeiro

[dropcap]S[/dropcap]erão três os atributos a que os arqueólogos do futuro irão recorrer para descrever o nosso tempo, neste local onde hoje vivemos e respiramos: a ilusão de poder estar em todo o lado ao mesmo tempo, a ilusão de poder aceder – seja ao que for – de modo instantâneo e a ilusão de poder saborear um tempo lúdico e marcado pelo desígnio da juventude eterna.

Quando lemos ‘As Terras do Demo’ de Aquilino Ribeiro – e devo referir que tenho na minha frente a segunda edição centenária (1919, Ed. Livraria Aillaud e Bertrand, capa dura) -, vemos que os personagens metem mão à terra e fazem mil coisas ao mesmo tempo (“Era bem ela – a Glórinhas -, por maré de acaso tangendo as vacas para o lameiro, cesta das rendas enfiada no braço, chibata na mão.”), acedendo quase a coisas impossíveis (“Nela, o que mais o detinha era a fábula inesgotável que ao espírito se lhe antepunha”), embora tudo decorra num espaço que, para aqueles personagens, se confundia com o planeta (e até com o universo) inteiro. Uma espécie de aquário telúrico que, para além das suas paredes de vidro, reluzia algo de infinito, o que era uma evidência no quadro humano retratado por Aquilino: “Na serra, não havia mimos e o dinheiro andava caro; embora, o salvador do mundo acolhesse os serranos, sorridente, como se cada um lhe levasse todo o oiro, incenso e mirra dos magos do Egipto” (…) “O carujo vinha descendo dos picotos, e os ladridos dos cães, nos rebanhos, soavam de longe, que nem do cabo do mundo”.

A internet de Aquilino e a nossa são realmente muito diferentes. A primeira era vocabular, irradiava um prazer imenso em criar mundos e trepava pela língua como um animal genialmente amestrado (“Gozoso, elevava e derribava seus morouços, e estendia-os em linhas paralelas, obrigados a uma relação de valor e de simetria. Ao mais leve rumor, deitava-se de bôrco sôbre seu haver, sem respirar, sem latejar. Mas nas horas confiadas, sua voluptuosidade expandia-se num trejeitado variado de orate.”). A segunda vale-se de bordões linguísticos e de euforias virais, vive do prazer em reduplicar experiências e trepa por novas linguagens valendo-se de 845 emojis e de palavras de ordem “em modo de” bala tracejada. Nenhuma destas internets é melhor do que a outra. São matérias de natureza tão diversa que nunca se encontrarão (e muito menos se tocarão) no concerto das galáxias.

O curioso é que entre estas duas fórmulas de espantar a linguagem passaram apenas cerca de cem anos. Repare-se, por exemplo, que entre a Odisseia atribuída a Homero ou os textos do Primeiro Isaías e O Paraíso Perdido de John Milton (1667) passou um período vinte e cinco vezes maior e a diferença de linguagem, de construção e de tópicos é muitíssimo menor. Entre Alexandre, o Grande que morreu há 2.342 anos (foi a 10 de Junho de 323 a.C.*) e as datas de uma série de textos que continuaram sempre a dá-lo como um ser vivo passaram-se 20 séculos (aconteceu até ao séc. XVI). Foi o caso, entre muitíssimos outros, da Sibila Tiburtina (380 d.C.*) em que Alexandre se converte em figura de imperador-salvador dos últimos dias e foi também o caso, em terras iraquianas, durante o reinado do quinto califa abássida, Harún ar-Rashíd (764-809), do Apocalipse de Bahíra*, texto atribuído a um monge cristão que colocava Alexandre em cena para pôr cobro à emergência islâmica.

Na escala humana, sempre foi possível reconhecer nas grandes amplitudes temporais algumas constantes e alguma estabilidade, razão para a existência dos chamados “cânones”, recorrendo à terminologia de Harold Bloom. Ora, a nossa época escapa radicalmente a esta regra, pois faz passar milénios em poucos anos. Nem toda a gente dá por isso, do mesmo modo que ninguém repara que o planeta executa a sua translação ao sol numa velocidade próxima dos 30 quilómetros por segundo.

Andamos exaltadíssimos com os vigores da tecnologia, mas tudo o que inalamos é simulado e ilusório. Não damos conta, de facto, do que se passa à nossa volta. Os três atributos com que os arqueólogos do futuro nos revisitarão falam por si a este respeito: (1) imaginamo-nos omnipresentes na rede, (2) acedermos instantaneamente a hemisférios virtuais e (3) vivermos a ilusão lúdica da juventude eterna. Uma era baseada em simulações é, pois, uma era cega para descobrir hipocrisias (relativações sem fim incluídas), falsidades (‘fake news’ incluídas) e traições (o que se difunde metamorfoseia-se logo).

Neste aspecto específico, a internet de Aquilino mostrou-se bem mais eficaz no seu tempo, já que foi justamente com a descoberta de uma traição que o romance ‘Terras do Demo’ encontrou o seu desenlace: “Empurrou-a dum alancão e seus olhos presenciaram a monstruosidade: o João Bispo, o homúnculo hediondo, sob seu corpo semi-nu subjugava o corpo semi-nu de Glòrinhas. Bocados de formusura divina confundiam-se com luaceiros de disformidade imunda. Ela debatia-se, o monstro que com uma das mãos lhe tapava a bôca, com a outra tenteava seu lance”. O herói, ou anti-herói, Inácio Miôma, não era um “farçola de varapau”, apesar de ter caído na desonra de “saborear um tal sainete”. Virtual, o tanas, salafrário!


*Liparotti, Renan Marques; Plutarco: A fortuna ou a virtude de Alexandre Magno, Imprensa da Universidade de Coimbra; Annablume Editora, http://hdl.handle.net/10316.2/43219 (Cons. 5-Jun-2019 12:00:31).
*Profecia do fim do século IV, provavelmente redigida na sequência da derrota militar romana em Adrianople (378). A partir do original grego, variadíssimas traduções permitiram a sua reactualização até ao século XVI (B.McGinn, Visions of End-Apocalyptic Traditions in the Middle Ages, Columbia Un. Press, New York,1983, pp. 53-54).
*Abel, Armand, Réflexions comparatives sur la sensibilité médiévale autour de la Méditerranée aux XIIIe et XIV siècles in Studia Islamica, Vol. XIII, 1960, pp.23-42.

Do Vento

[dropcap]D[/dropcap]eus não me tem trazido muito discernimento.
Suponho que porque quem me levava à missa na minha infância era uma tia surda. A minha tia Dulce.

Esta é uma história que os meus amigos sabem de sobejo e a minha família já vomita. Mas só eu é que a vivi.

O meu pai era anticlerical e como a minha mãe insistisse em que eu fosse à catequese e à missa, ao fim de anos de insistência capilar, cedeu, sentenciando: Ele pode ir à missa com a tua irmã.

Foi mistério que se me cravou na carne. Naqueles seis meses em que aquela mão calosa me conduzia à igreja, eu pouco ouvia da Palavra de Deus. O que me intrigava até às entranhas era como a Palavra acudia ao olhar beato da minha tia surda. Como é que apesar de tamanha surdez ela fora polinizada?

Eu nem sequer olhava o púlpito, fixava-me no rosto sardento dela, alheado, com os olhos embevecidos pelo que não ouvia, e nos seus lábios que mexiam, repetindo as loas e as orações.

Ela, de vez em quando, dava conta e num gesto maquinal virava-me a cabeça para a frente. Aí detinha-me, por um minuto, na batina do padre, na taça que o sacristão lhe passava e, atrás deles, no crucificado, e ouvia o fragmento de alguma parábola, antes de voltar a fixar o rosto dela e os seus olhos que, como macias faluas, se desfaziam nos quebra-mares de Deus.

É possível que Deus tenha feito nascer um milagre em Salzburgo, no caso de Mozart, no caso da minha tia, negou.

Apesar de ter crescido entre irmãs, e de não perder um culto, Deus não lhe depositou uma única palavra no tímpano. Outras coisas sim, e no coração com certeza, que era um poço de afectos, a minha tia Dulce. Porém, inapelavelmente mouca.

E parecia-me tão desproporcional a distribuição de fé em Deus, que do seu enigma não me livrava. Raras vezes me distraía dessa ideia fixa. Bom, uma vez distraí-me com uma península de carne que havia no pescoço duma senhora à nossa frente, e que abanava quando abriam a porta da igreja. Se na altura soubesse nomear as coisas, teria interrogado: Um pólipo é filho de Deus?

Na altura não havia nome para o que me perturbava, entalado entre a minha tia surda e aquele pólipo que no pescoço à minha frente ouvia a Palavra de Deus. Só eu não achava condições para a escuta.

Um dia, farto de tanta inquirição a que me levava a devoção da minha tia e do seu olhar amendoado quando engolia a hóstia, decidi arrumar os mistérios e decidi: o que a minha tia ouve é a voz do vento.

O vento tornou-se a primeira categoria transcendental na minha vida.

Nunca mais fui à missa e não sei porquê, mas nesse dia deixei de ter medo do vento. Ou não foi logo ali, mas no que lhe esteve ligado.

Nunca soube de onde nasceu o meu fascínio com o vento. Terá nascido da intuição de que se componha de sílabas entrecortadas como o meu furado entendimento do mundo, ou de o adivinhar como uma energia jubilatória, idêntica à que à nascença desloca o tempo e sintoniza nos pulmões a modulação do ar?

Semelhante ao vento, também a minha relação com a linguagem se enlaça aos sacões, por enfáticas ventosas; as palavras não me chegam quando eu quero traduzir a meu bel-prazer as inscrições da realidade em mim, pelo contrário, são volantes e indomáveis, embora a espaços pousem nas minhas mãos como pássaros num estado propiciatório (mais vizinho da desestabilização que do repouso) que faz vibrar um instante de coincidência entre mim e elas; ou seja, temo que as palavras, no meu caso, recusem a adesão a qualquer decalque e antes premeditam golpes de ventos que me trespassam.

Mas tinha medo, até esse dia, no primeiro domingo em que não fui à missa, que troquei por uma ida à pesca com o meu pai.

O meu pai pega-me na mão e avançamos pontão dentro, na Ponta da Areia, ele com a cana de pesca no ombro, e eu orgulhoso por ele me ter confiado o baldinho com as minhocas; progredimos direitos ao coração do mar, a despeito dos gritos da minha mãe que roga que regressemos, teme que o vento, irado nesse dia, nos atire às águas, concomitantemente, revoltas.

Galgamos o chão de pedras, num passo seguro, o vento eivado de lágrimas do mar endemoninha-se nos cabelos, mas ele só sorri ao medo dela, um sorriso cúmplice entre nós, que prescindimos de palavras e somos íntimos daquela vírgula de pedra, rasando as águas em que adentramos cem metros, cento e cinquenta, de olho fito no extremo adiante, aonde, como o dia está picado, se situa o palpite do meu pai de que na polpa de uma vaga bravia e oleaginosa se apinhem os robalos.

E o vento diabólico ameaça, mas não consegue arrancar-nos um sorriso.

A minha mãe grita, incansável, nas nossas costas, e só nos importa o som do mar que se engolfa nos nossos tímpanos e o vento que nos impele para diante. O meu pai é um medíocre pescador, não me lembro se o seu palpite estava certo, mas agradecer-lhe-ei eternamente ter afastado de mim o receio ao vento.

De ventos solares ouço falar, mas esses não me animam o canto. Só os terrenos, mais breves que o Papa Pepino e que enchiam de penas de anjo a boca da minha tia. Pelo menos era assim que eu imaginava a explicação que nunca me deram.

Já morreu, a minha tia que foi amada, e teve cinco filhos. Eu continuo a ser irrigado pelo vento, a matéria de um livro que me preparo para lançar. Entretanto, se nos definimos pelos nossos actos, Deus continua a ligar-me pouco, nem me deu aulas de guitarra.

Netflix and think (I)

[dropcap]L[/dropcap]ife overtakes me (Quando a vida nos atraiçoa), é um documentário na Netflix sobre famílias de refugiados na Suécia, cujas crianças são afectadas pela Síndrome de Resignação, também apelidada de Síndrome de Desistência. Após passarem por uma situação traumática, as crianças começam por entrar num estado depressivo que se vai aprofundando até ser atingida a catatonia. Vão gradualmente perdendo o interesse em quaisquer actividades, deixando de abrir os olhos, comer, falar, mover-se, responder a estímulos. Passam a usar fraldas e a ser alimentadas por via intravenosa pelos pais, que se tornam ainda mais cuidadores, muitas vezes auxiliados por voluntários. Não é incomum que, ao assistir ao estado de deterioração de um dos irmãos/irmãs, outra ou outras crianças da família sucumbam eventualmente à síndrome. Este sono profundo, comatoso, pode durar seis meses ou mais de dois anos, sendo por vezes reversível, não sem que antes decorra um período de tempo considerável entre o resolver da situação instável e o convencerem-se, ou melhor, serem convencidos pelo que parece ser transmitido pelos pais: o sentimento, a certeza de que tudo está bem.

Os pais parecem ter substituído o príncipe nas histórias de encantar. A deportação é o monstro/bruxa e o passaporte ou autorização de residência o beijo que quebra o feitiço. Há uma série de crianças e jovens adormecidos, esperando a salvação do asilo, a sua transformação de refugiados em cidadãos. Na sua obra-prima, A sangue frio (D. Quixote, tradução de Maria Isabel Braga, 2006), Truman Capote descreve como a tragédia que dilacerou a mais bem-amada família de Holcomb afectou gravemente quem teve o mínimo contacto quer com a família Clutter, quer com os despojos do seu brutal desaparecimento:

“A mulher de Dewey passou pelo sono mas acordou ao senti-lo saltar da cama para atender mais uma vez o telefone. Ouviu também, no quarto onde dormiam os filhos, os soluços de um dos rapazinhos que chorava. «Seria o Paul?» Ele não era rabugento nem chorão, nunca! (…) Porém, nesse dia ao almoço desatara em soluços. A mãe não precisara de lhe perguntar a razão; sabia que, muito embora ele compreendesse vagamente o motivo de toda aquela confusão à sua volta, sentia-se inseguro ante as enervantes chamadas telefónicas, os estranhos que entravam em casa, os olhos fatigados e cheios de preocupação do pai.”

Situações de racismo na escola (falamos de famílias arménias ou yazidi, por exemplo), criminalidade testemunhada (agressões e homicídios, as causas da fuga dos pais) parecem ser as causas traumáticas que iniciam este processo de fuga à realidade em crianças anteriormente activas e aparentemente saudáveis. Testes de reacção à dor e ao frio são executados regularmente, sem grande novidade. Ainda há muito para descobrir e confirmar relativamente a esta condição. Como em tudo, há quem questione se se trata de uma doença verdadeira, se os pais não estarão a envenenar os filhos, se não será uma estratégia para conseguir protecção e segurança, ou apenas mais uma distracção dos verdadeiros problemas quer dos suecos quer dos refugiados que acolhem. Ainda considerada uma condição rara e quase exclusiva à Suécia, sem razão aparente, certo é que existem relatos de algo semelhante nos campos de concentração Nazi. Detidos, migrantes, refugiados: esta condição começa a verificar-se também em crianças na Austrália. Quão contagiosos são a tristeza, o medo, o desespero, a falta de esperança? Quão sensíveis são estas crianças à verdade, de tal forma que já não basta ver ou ouvi-la, é fundamental senti-la?

Entre a tristeza dilacerante e o pós-terror, é comovente e duro assistir ao definhar de qualquer forma de vida, sobretudo a que é mais promissora, mais cheia de energia, normalmente mais adaptável a mudanças. A perda das funções motoras e biológicas acompanha a perda da inocência. Recordemos o quadro Sleeping, de Paula Rego (1986), exemplo dessa quase imperceptível diferença entre perigo e paz. Crianças dormem junto a um arado, vigiadas por um pelicano (símbolo cristão do sacrifício de Cristo, da sua ressurreição e da de Lázaro). Duas crianças estão acordadas, uma enfrentando a ave e a outra virando costas às que dormem, encostada a uma árvore. Observamos ainda uma tartaruga, símbolo de imortalidade, de concentração, de regresso ao estado primordial.

Até onde vamos para sobreviver? Além-fronteiras, fisicamente. Ao mais fundo de nós, mentalmente. Até onde tivermos de ir. Até onde nos levarem. Até não podermos mais. Somos, verdadeiramente, onde os nossos limites podem chegar. Na cama ou acompanhando a família em passeios e refeições, em cadeiras de rodas, a estes jovens são-lhes lidas histórias, cantados os parabéns, exercitados os músculos, escovados os dentes, afagados os cabelos. Só faltava aparecer Thom Yorke declarando I’ll take a quiet life, pedindo No alarms and no surprises, please. Bem que mereciam.

Dupla de criativos publicou “O Pequeno Livro Amarelo” com frases de Xi

Uma dupla de criativos publicou um livro com centenas de frases do Presidente Xi Jinping. Conhecer melhor a forma como pensa o actual líder chinês foi a intenção criativa e – “algo absurda” – de Julie O’yand e Fernando Eloy

 

[dropcap]H[/dropcap]á um pequeno livro amarelo, à venda na internet, que reúne 300 citações do Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, proferidas ao longo do seu mandato, iniciado em 2013. É uma obra de reflexão, entretenimento e alguma subversão, num estilo de leitura simples e atractivo, assinado pela jornalista e argumentista chinesa Julie O’yang e pelo jornalista e documentarista português Fernando Eloy.

“The Little Yellow Book” foi lançado em Fevereiro de 2019, por altura das comemorações do Ano Novo Chinês, quase um ano após o Congresso Nacional aprovar, com 2958 votos a favor, a deliberação de remover a limitação do termo de mandato presidencial, em Março de 2018, que antes era de dez anos no total. O actual líder, no final do seu primeiro mandato de cinco anos, passou a ter o poder de conduzir, por tempo indefinido, os destinos da grande China.

“A ideia de fazer este livro começou quando Xi Jinping tomou a decisão de retirar o limite ao termo da sua presidência, podendo permanecer para a vida no lugar. Esse foi para nós um momento de viragem e tivemos vontade de questionar pessoalmente o Presidente da China. Isso tornou-se um livro”, revelaram os autores ao HM.

A pergunta que Julie O’yang e Fernando Eloy quiseram colocar foi, antes de mais, quais as ideias essenciais que o Presidente Xi tinha para o desenvolvimento da nação. Qual o seu sonho para fazer o país avançar. Foi assim que começaram a coligir as suas frases e aforismos, para uma análise e divulgação dos princípios defendidos por Xi Jinping, à semelhança de um certo livro vermelho de propaganda, escrito por Mao Tse Tung em meados do século XX.

“O “Pequeno Livro Amarelo” espelha o seu famoso antecessor e segue o mesmo formato, com o mesmo padrão de narrativa. O “Pequeno Livro Vermelho” é o livro com mais tiragens no mundo, depois da Bíblia, sendo uma obra de propaganda que se tornou num ícone da China. O nosso não é um trabalho de propaganda, mas uma aproximação ao tradicional gosto chinês de coligir citações de sábios anciãos, incluindo o Confúcio e o ex-líder Mao. Sentimos que isso irá acontecer, mais cedo ou mais tarde, com os pensamentos de Xi. E quisemos abordar todas as suas considerações sobre a China”, afirmaram.

Integridade e ironia

A publicação, assumidamente uma “proposta de arte política, com um ângulo de certo modo absurdo”, foi um processo criativo de “comunicação com base na honestidade”, que pretende “convidar os leitores a questionarem” o que se está a passar no mundo. “O Presidente Donald Trump prometeu atacar este país sobre o qual poucas certezas se têm. E, enquanto isso, o domínio da China sobre o futuro global das nações tem estado em grande evidência, com a democracia ocidental em processo de autofagia a corroer-se por dentro”.

“A ambição do Partido Comunista Chinês tem sabido explorar bem o espectáculo desta crise política auto-infligida. E neste contexto actual globalizado, existe naturalmente ironia. A relevância e a integridade são coisas que nos interessam”, comentaram O’yang e Eloy, que dedicam este livro a “todos os leigos que têm curiosidade em saber algo mais sobre a China contemporânea. Sentimos que esta leitura devia ser uma espécie de viagem rápida e abrangente”.

Nesta versão não censurada, e não autorizada pelo próprio, os autores organizam as declarações de Xi Jinping em 23 capítulos sobre diversos temas pertinentes, como o “Sonho Chinês”, “Partido Comunista”, “Confucionismo”, “Meu País, Meu Povo”, “Um País, Dois Sistemas”, “Lei e Virtude”, “Liberdade de Expressão e Direitos Humanos”, “Corrupção e Disciplina”, “Internet e Dados”, “Media”, as “Relações Internacionais”, a “Guerra Comercial”, “Uma Faixa, Uma Rota”, e até a “Revolução da Casa de Banho” em que o Governo “tudo fará para solucionar os problemas que afectam a qualidade de vida das massas”, entre tantos outros temas, estando reservado um capítulo extra para considerações finais e um poema do grande Xi.

“Like” para os autores

A curadoria das frases do livro é da responsabilidade de O’yang, com edição e design de Eloy. Julie O’yang é uma ex-capitã do Exército de Libertação Chinês que se tornou autora, artista, empresária e argumentista, tendo procurado exílio na Europa durante os anos 1990, onde trabalha e reside, desenvolvendo projectos como jornalista e criadora de conteúdos de rádio e televisão na Holanda e Dinamarca. Fernando Eloy nasceu em Lisboa e iniciou a sua carreira profissional como jornalista e DJ nas rádios pirata dos anos 1980, tornando-se produtor de eventos e jornalista free-lancer para vários órgãos de comunicação. Veio para Macau em 2001, onde tem realizado documentários, produzido filmes promocionais e criado conteúdos para canais e aplicações online. Ambos foram colunistas do jornal Hoje Macau.

O livro tem 180 páginas e encontra-se à venda na Internet, em diversos formatos electrónicos, para Kindle, Kobo, iBooks e Google Play, por cerca de 8 dólares americanos, ou quase 65 patacas. “Quem no mundo não ama um bom líder?” é uma das frases proferidas pelo homem que “gostaria de pressionar o botão do “Like” a favor do grandioso povo chinês”. Há outras 298 para conhecer.

Estudo | DST deve apostar nas redes sociais para promover eventos

[dropcap]A[/dropcap] Direcção dos Serviços de Turismo (DST) levou a cabo o “Estudo do Efeito dos Órgãos de Comunicação Social sobre a Marca Turística e Eventos de Macau”, relativo a quatro eventos ocorridos em 2018. Os eventos em causa são a Parada de Celebração do Ano do Cão, o 29.° Concurso Internacional de Fogo-de-Artifício de Macau, o 3.º Festival Internacional de Cinema e Cerimónia de Entrega de Prémios e o Festival de Luz de Macau 2018. De acordo com um comunicado oficial, “os quatro eventos alcançaram um nível de satisfação médio-alto e elevado reconhecimento, reflectindo satisfação e elevado grau de reconhecimento dos eventos pela comunicação social e utentes da Internet”.

Os eventos geraram mais de 140 mil artigos na comunicação social do universo de todas as notícias difundidas sobre turismo que foi, no total, 450 mil artigos.

O facto das notícias sobre estes quatro eventos representarem 30 por cento deste universo mostra o “papel positivo dos eventos na promoção da marca turística de Macau”.

As conclusões do estudo revelam que “as redes sociais são o principal campo de opinião pública”, e que é recomendável que a DST “preste mais atenção à discussão dos eventos nestes canais”.

No que diz respeito à estratégia de divulgação do Executivo, “as contas oficiais do Governo ou de promoção dos eventos também reforçam a sua influência”, pelo que se recomenda “o fortalecimento do uso do poder das redes sociais, incluindo a publicação de posts promocionais na comunicação social, blogues de estrelas e de viagens, páginas oficiais, páginas e contas de promoção de eventos”.

Como resposta, a DST promete “acompanhar as recomendações da equipa de estudo e continuar a optimizar os eventos relevantes”.

Biblioteca Central | Chan Tak Seng pede novo local e suspensão do projecto 

Chan Tak Seng, membro do Conselho do Planeamento Urbanístico, acha que a localização da futura Biblioteca Central viola as regras inerentes ao planeamento da cidade e também da preservação do património. Nesse sentido, defende que seja encontrado um local alternativo ao edifício do antigo tribunal depois da tomada de posse do novo Governo

 

[dropcap]O[/dropcap] director da Aliança do Povo de Instituição de Macau e membro do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU), Chan Tak Seng, defende que a localização da futura Biblioteca Central, na zona da Praia Grande, não está de acordo com as regras do planeamento urbanístico e de preservação do património, escreve o Jornal do Cidadão.

“A construção de uma biblioteca central num lugar cheio de pessoas e carros é completamente contra a preservação do património cultural e é a destruição do planeamento urbanístico”, defendeu. Recentemente, o Instituto Cultural (IC) mostrou vontade de preservar apenas a fachada do edifício do antigo tribunal, mas Chan Tak Seng acredita que essa posição revela falta de conhecimento ao nível da protecção do património.

Como tal, o membro do CPU defende que seria fundamental a escolha de um novo local para a biblioteca depois da entrada do novo Executivo e da implementação do Plano Director de Macau. Nesse sentido, Chan defende a suspensão do projecto, para que o actual Governo de Chui Sai On possa resolver as questões mais urgentes, a fim de ser pensada depois uma nova localização mais adequada para a Biblioteca Central.

Um sítio comercial

Chan Tak Seng apresentou ainda dúvidas sobre os procedimentos adoptados pelo IC, uma vez que o organismo segue, de acordo com a sua visão, diferentes padrões de conservação, com maior e menos grau de exigência. Este salientou ainda que a construção da nova Biblioteca Central teria como base as condições do planeamento urbanístico ou estaria sujeita ao compromisso verbal da presidente do IC, Mok Ian Ian.

O director da Aliança do Povo de Instituição de Macau frisou ainda que a zona da Praia Grande é completamente comercial, não possui ambiente cultural e se a Biblioteca Central tem como objectivo servir os cidadãos e não os turistas, então deveria ir para outro sítio. Chan Tak Seng acredita também serem necessárias medidas para controlar o fluxo de pessoas nessa zona.

O IC estima que o projecto da Biblioteca Central de Macau, com capacidade para albergar 500 mil livros, venha a custar aos cofres públicos 900 milhões de patacas. O projecto adjudicado ao atelier do arquitecto Carlos Marreiros tem sido alvo de inúmeras críticas quanto aos custos e localização.

Taxista condenado a pagar 70 mil patacas por agressão a passageira

[dropcap]S[/dropcap]etenta mil patacas é o valor que um taxista vai ter que pagar de indemnização por ter agredido uma passageira que recusou pagar uma tarifa excessiva. A sentença foi dada pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI) e o caso que remonta a 2016 quando a vítima e o taxista entraram em discussão por estar a ser pedido um valor acima da tarifa normal.

De acordo com o acórdão do TSI, a passageira “quis pedir ajuda, por telefone, à polícia e o réu saiu do táxi, entrou para o banco traseiro e deu, com o punho direito, três socos fortes e consecutivos no rosto esquerdo” da passageira. A agressão resultou numa equimose na orelha, “inchaços e escoriações”. Depois da agressão, a vítima dirigiu-se ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para receber tratamento.

No processo penal que correu no Tribunal Judicial de Base (TJB), o taxista foi condenado pela prática de um crime de ofensa simples à integridade física a uma pena de multa 12 mil patacas. A vítima, independentemente do processo penal, intentou também uma acção de indemnização cível no TJB que decidiu fixar o montante dessa indemnização, por danos não patrimoniais, em 25 mil patacas.

Inconformada, a passageira interpôs recurso para o TSI, entendendo que o réu deveria ser condenado ao pagamento de 100 mil patacas de indemnização, “pelos danos morais sofridos”.

 

Notícia alterada às 15h30, com a data da ocorrência ser corrigida de 2006 para 2016.

Pedofilia | Lam Lon Wai quer penas de acordo com idade das vítimas

Lam Lon Wai considera que a idade das vítimas devia ter relação directa com as penas aplicadas neste tipo de crimes sexuais. Foi desta forma que o deputado dos Operários comentou os dois casos relevados na segunda-feira, cujos arguidos ficaram em prisão preventiva

 

[dropcap]O[/dropcap] deputado Lam Lon Wai considera que as penas para crimes sexuais com crianças devem estar relacionadas com as idades das vítimas. Foi esta a ideia defendida pelo membro da Assembleia Legislativa ao jornal Ou Mun, na edição de quarta-feira.

Segundo as ideias defendidas pelo legislador, que é também professor, as leis actuais deviam ser alteradas para adaptar penas e punir de forma distinta os criminosos de acordo com as diferentes idades das vítimas. Lam afirmou também que deviam ser criadas directrizes para apressar os processos de investigação.

Segundo o código penal, o crime de violação de menores de 16 anos é punido com uma pena de prisão que pode chegar aos 16 anos. Já o abuso sexual de criança é punido com uma pena de 1 a 8 anos de prisão. Se houver agravantes pode chegar aos 13 anos e 4 meses.

As declarações de Lam foram proferidas no contexto dos alegados casos de violação de menores e abuso sexual de menores, que envolvem duas vítimas de seis anos e que foram revelados pela Polícia Judiciária (PJ) na segunda-feira. Sobre estes incidentes, o deputado eleito pela via indirecta disse condená-los veemente e sublinhou que ambas as vítimas não tinham qualquer capacidade para resistirem aos ataques.

Por outro lado, o professor frisou que as escolas têm a responsabilidade de realizar actividades e cursos de educação sexual para crianças, assim como promover acções de prevenção destinadas aos encarregados de educação.

Suspeitos em preventiva

Em relação aos casos comentados pelo deputado ligado aos Operários, o Ministério Público (MP) emitiu ontem um comunicado a revelar as medidas de coacção.

No primeiro caso, que envolve um trabalhador de limpeza de um edifício, foi aplicada como medida de coacção a prisão preventiva. O trabalhador não-residente terá alegadamente violada uma criança de seis anos, quando esta pediu para utilizar a casa-de-banho comum do prédio onde o alegado violador trabalhava. Por isso, está indiciado pela prática do crime de violação de menor de forma agravada, que é punida com uma pena máxima de 16 anos.

O segundo caso envolve um pai que terá abusado sexualmente da filha, enquanto a mãe estava a trabalhar. Depois da ocorrência, o homem fugiu para o Interior da China, mas terá sido detido quando reentrou em Macau. O homem é suspeito de ter cometido o crime de abuso sexual de criança, de forma agravada por ser pai, o que poderá levar a que seja castigado com uma pena máxima de 13 anos e 4 meses.

Segundo o comunicado do MP, na aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, o Juiz de Instrução Criminal teve em conta “a gravidade dos actos praticados e a sua natureza perversa”. Por outro lado, pesou igualmente para a decisão “o perigo de perturbação do decurso do processo e o perigo de fuga para fora de Macau”.

No comunicado emitido ontem, o organismo liderado por Ip Son Sang garantiu ainda que “presta uma atenção reforçada a este tipo de crimes e tratá-lo-á com seriedade”, devido aos “efeitos negativos graves” que têm para o desenvolvimento físico e mental e da personalidade dos menores.

Lei Wun Kong quer revisão da “Lei da Protecção de Dados Pessoais”

[dropcap]O[/dropcap] advogado Lei Wun Kong, presidente da Associação de Promoção Jurídica de Macau, comentou ontem ao Jornal do Cidadão que está na altura de rever a “Lei da Protecção de Dados Pessoais”, que se encontra em vigor desde 2005, numa época em que “ainda não se falava em mega-dados, cidades inteligentes e outras tecnologias avançadas”.

Sobre a recente tecnologia de identificação facial dentro de casinos, Lei Wun Kong afirmou que “as empresas do sector devem ter legitimidade para o tratamento e processamento dos dados pessoais, a fim de se evitar o seu uso indevido”. Isto porque as actuais tecnologias de informação, não só beneficiam a vida quotidiana dos cidadãos, como também facilitam a recolha e utilização dos seus dados, podendo constituir um risco para a protecção da privacidade e dos direitos individuais, segundo o depoimento recolhido pelo Jornal do Cidadão.

O advogado insistiu na necessidade de actualizar a referida legislação, introduzindo elementos que possam oferecer mais garantias à população. Ou seja, a “Lei da Protecção de Dados Pessoais” deverá assegurar que a instalação dos sistemas de monitorização digital nas salas dos casinos e áreas de jogo, por empresas devidamente certificadas, pode incluir tecnologias como o reconhecimento facial, mas deverá impor limites na protecção da segurança pessoal e da propriedade.

Lei Wun Kong referiu ainda que, embora a aprovação da instalação de equipamentos de fiscalização e monitorização das operações comerciais de qualquer empresa seja responsabilidade da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), as situações que envolvem a protecção de dados pessoais são responsabilidade do Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais (GPDP).

Sobre como evitar especificamente o vazamento e uso indevido de dados, o advogado sugeriu que a DICJ e o GPDP façam um intercâmbio de ideias com os casinos em causa sobre as medidas a implementar. O GPDP pode emitir directrizes sobre a protecção de dados pessoais e a DICJ pode pedir para avaliar os equipamentos antes de serem instalados.

A obsolescência da lei de 2005 havia sido já criticada pelo coordenador do GPDP, Fong Man Chong, que em 2016 mencionou que o diploma não acompanhava o progresso tecnológico e social. No entanto, devido a restrições legais, que o jornal não especificou, houve atrasos no desenvolvimento dos mega-dados e da governação electrónica. Lei Wun Kong propõe então que seja absorvida a experiência legislativa da União Europeia na revisão e actualização da corrente “Lei de Protecção de Dados Pessoais”.

Recursos Financeiros | Operários tiverem encontro com FSS

[dropcap]O[/dropcap]s quatro deputados ligados aos Operários de Macau, Ella Lei, Lei Chan U, Lam Lon Wai e Leong Sun Iok, estiverem reunidos com a administração do Fundo de Segurança Social (FSS), liderada por Iong Kong Io.

Em cima da mesa esteve a discussão da proposta de lei de consolidação dos recursos financeiros do FSS, que os deputados defenderam contribuir para uma melhor sustentabilidade deste mecanismo. As alterações ainda têm de ser aprovadas na especialidade na Assembleia Legislativa.

Agências de Emprego | Funcionário públicos vão poder ser accionistas e administradores

O Executivo eliminou da lei de agências de emprego o requisito que impedia funcionários públicos de serem accionistas ou administradores das sociedades que gerem as agências de emprego. A cedência foi revelada ontem

 

[dropcap]O[/dropcap]s funcionários públicos vão poder ser proprietários e administradores de agências de emprego. A primeira proposta da lei de agências de emprego impedia este cenário, mas os argumentos dos deputados da 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, liderada por Vong Hin Fai, convenceram o Executivo.

“Nas primeiras versões da lei apresentadas havia certas inibições para os funcionários públicos que não podiam ser sócios das agências de emprego nem administradores das sociedades”, começou por explicar o deputado Vong Hin Fai. “Ao longo das várias reuniões a comissão alertou o Governo que o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) já garante a exclusividade de funções e que também nas outras leis, como a que regula a actividades dos casinos, não há esta proibição para os trabalhadores da função pública”, acrescentou.

Foram estes os argumentos que terão convencido a tutela do secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, a alterar o diploma, que vai na terceira versão de trabalho: “O Governo aceitou as nossas opiniões sobre incompatibilidades e aplica-se o ETAPM, ou seja o regime geral”, foi apontado.

Uma questão que os membros da Assembleia Legislativa consideram estar por resolver é a não renovação de licenças a agências que violem determinados artigos da lei.

Buracos legislativos

Segundo a comissão, neste momento, nada impede que uma agência que tenha sido punida com a não renovação de licença mude o nome e volte a operar. “A lei não prevê a situação de uma agência que ficou sem licença fechar as portas e abrir com um novo nome, para obter uma nova licença. Alertámos o Governo que esta possibilidade é possível segundo esta proposta”, foi revelado.

Ainda no que diz respeito a certas punições, para situações como uma agência de emprego não cooperar com as autoridades em caso de acidente de trabalho, está previsto que a licença não seja renovada. Porém, esta sanção é aplicada, segundo o texto do diploma, quando o caso acontece de forma “reiterada”. “Não ficou especificado quando não se pode renovar a licença.

Parece que o poder discricionário é muito amplo. Alertámos o Governo que não se define se a renovação deixa de ser feita, por exemplo, à segunda ou terceira vez”, explicou Vong Hin Fai.

Ainda em relação à legislação que vai regular as agências de emprego, a comissão insiste que vai ouvir as associações de trabalhadores não-residentes que enviaram cartas para o hemiciclo.

Contudo, nesta altura, o gabinete de relações da AL ainda está a identificar as associações e a ver se estão registadas na RAEM.

Contratações Públicas | População quer menos burocracia e mais informações

Não à obrigatoriedade de comissões para os procedimentos gerais de ajuste directo das contratações públicas e mais divulgação das informações acerca dos concursos foram algumas das ideias mais defendidas na consulta pública sobre a nova lei da contratação pública. O relatório foi divulgado ontem

 

[dropcap]A[/dropcap] obrigatoriedade de uma comissão de avaliação de propostas para a locação ou aquisição de bens por parte dos serviços públicos, por procedimento geral de ajuste directo “é impedimento à eficiência dos trabalhos”, apontam as opiniões recolhidas durante os dois meses da consulta pública relativa à nova lei da contratação pública.

De acordo com o relatório divulgado ontem pela Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), muitos serviços públicos consideram que a constituição obrigatória de uma comissão de avaliação para a realização dos trabalhos do acto público e de avaliação da proposta neste tipo de regime contraria a própria finalidade do sistema de ajuste directo. Importa referir que este procedimento apenas se aplica aos casos que envolvem serviços com valores entre 10 mil e 100 mil patacas. Ou seja, ao invés de promover a eficácia dos procedimentos, a medida prevista no novo diploma, prejudica “a eficiência e a eficácia da Administração Pública”.

A constituição de uma comissão de avaliação de propostas está prevista mesmo no caso em que os serviços obtenham apenas uma proposta de um fornecedor ou de um prestador de serviços o que pode levar a situações injustas. A razão, aponta o relatório, prende-se com a avaliação das propostas ser “assumida repetidamente por determinados trabalhadores dada a escassez de pessoal dos serviços”.

As opiniões expressão na consulta sugerem que o procedimento geral por ajuste directo seja idêntico ao sumário, nomeadamente nas situações em que não seja realizado concurso público ou de consulta.

Há também quem considere que o Governo deveria optar por aumentar os valores do procedimento geral de ajuste directo caso queira manter a obrigatoriedade da formação de comissões.

Mais transparência

Do outro lado do espectro, o Governo justifica a necessidade da comissão com o objectivo de promover a transparência do processo. “Embora o valor da contratação seja relativamente baixo, para evitar que alguns trabalhadores incumbidos da contratação formulem, livremente, propostas de adjudicação inapropriadas aos serviços públicos, propõe-se no documento de consulta o dever de constituir a comissão de avaliação de propostas para assumir as tarefas relacionadas com o acto público e a avaliação de propostas”, lê-se.

Recorde-se que a nova legislação aumenta o limite mínimo do montante das contratações de 2 milhões de patacas para 15 milhões de patacas para que se proceda a um concurso público.

É preciso informar

Outra das áreas que também suscitou grande número de opiniões diz respeito ao artigo referente às “disposições legais para promover a transparência da contratação e salvaguardar o direito à informação por parte dos participantes e da população em geral”.

De acordo com o relatório, “a sociedade e a população entendem que, para além da publicitação das situações propostas no documento de consulta”, há outras informações a serem integradas neste âmbito. De entre as sugestões destaca-se a publicação das informações de projectos de contratação, independentemente do valor e do procedimento da contratação e a divulgação das informações relativas a projectos de contratação sob “dispensa de consulta”. “Em caso da tomada de decisão de não adjudicação, devem ser indicados os trabalhos subsequentes e as regras de acompanhamento”, acrescenta o relatório referindo-se às sugestões recebidas. As opiniões apontam ainda que após a conclusão da adjudicação, deve-se divulgar a lista do pessoal que compõe a comissão de avaliação de propostas, “podendo este acto reforçar mais reconhecimento da imparcialidade do resultado da adjudicação”.

Houve, no entanto, uma opinião contrária à da maioria, que defende que a divulgação de informações deve ocorrer de acordo com a protecção de dados pessoais “sendo necessário ter em conta a protecção da identidade dos membros da comissão de avaliação de propostas”.

Para a consulta pública, que teve aconteceu ao longo de dois meses e terminou a 4 de Janeiro, foram recebidas 120 opiniões. A nova legislação pretende actualizar o regime que está em vigor “há quase 35 anos, desde a sua promulgação em meados da década de 80 do século passado”, referiu a DSF. “Hoje em dia, as disposições da parte do articulado dos respectivos decretos-leis apresentam-se, notoriamente, desfasadas no âmbito das necessidades motivadas pelo actual desenvolvimento socioeconómico de Macau, das exigências da implementação de boa governação na administração pública e da elevação de eficiência administrativa, bem como das solicitações sociais sobre o aumento da transparência (…) e o reforço de fiscalização”, justifica o organismo no relatório.