João Santos Filipe VozesDa Taipa ao Centro [dropcap]U[/dropcap]m artigo publicado recentemente num jornal português defendia que as pessoas em Macau têm “perspectivas de realização individual, nomeadamente a nível de aquisição de habitação particular”. Não conheço o autor em causa, mas fiquei contente por ele. Deve ter um belo salário e acredito genuinamente que o mereça. Mas, não sei que Macau frequenta. Suspeito que viva numa bolha e que as suas deslocações se limitem entre a Taipa e o Centro da cidade, com umas passagens por Hong Kong. Se calhar são muitos os anos sem passar pelo Iao Hon ou o Toi San. Mas podendo ser este o caso, basta olhar para as estatísticas da DSEC e DSF. A mediana do salário dos residentes é de 20 mil patacas. Segundo a DSF, em Junho, o metro quadrado custava em média 111.806 patacas e a área útil das casas vendidas era em média 57 metros, o que dá um preço médio de 6,37 milhões de patacas por casa. Claro que as pessoas pagam mais do que a área útil e ainda têm de assumir o custo do empréstimo bancário. Porém, neste caso, se uma pessoa poupar metade das 20 mil patacas, precisa de 53 anos para pagar a casa. Mas alguém com um ordenado de 20 mil patacas consegue poupar assim tanto, com despesas como comida, renda, roupa, saúde, deslocações e, de vez em quando, férias ou deslocações a Hong Kong? Mesmo numa vida em casal, com rendimentos duplicados, basta as pessoas “darem-se ao luxo” de ter filhos para dizerem adeus à casa. Ao mesmo tempo, a maioria dos jovens de cultura chinesa paga uma “prestação” aos pais sobre o ordenado que recebem… Fazendo as contas muito por alto, para a maioria da população a casa não passa de uma miragem. Claro que há a habitação económica, mas mesmo essa é para os gananciosos dos Porsches e Mercedes que se “divorciam”, omitem rendimentos e aldrabam os concursos.
João Romão VozesRotas asiáticas do turismo planetário [dropcap]É[/dropcap] lento, mas persistente o processo de afirmação da Ásia enquanto centro de referência do turismo global. Massivos investimentos em infraestruturas e equipamentos turísticos, maior abertura e facilidades na obtenção de vistos e uma sempre crescente procura de serviços turísticos no planeta têm tornado o continente asiático cada vez mais importante, neste gigantesco negócio planetário. A emergência de novas classes médias que tem resultado do acelerado crescimento económico de vários países da Ásia garante os fregueses necessários para os inúmeros empreendimentos hoteleiros que proliferam com financiamentos nacionais ou internacionais. O continente asiático recebeu em 2018 mais de 300 milhões de viajantes em voos internacionais, 23% dos que se registaram no mundo, segundo os dados da Organização Mundial do Turismo. É menos de metade do que se registou na Europa, que ainda concentra metade desses voos. Mas a tendência de transformação é inequívoca: no início do milénio a Ásia representava menos de 15% e a Europa quase 60% dos voos internacionais registados no planeta. Em 2018 a China foi o 4º país mais visitado no mundo e a Tailândia o 10º. Entre 2010 e 2017, países menos habituais nos tops destes rankings, como o Japão e o Vietname, viram triplicar o número de visitantes internacionais. A este desempenho dos destinos turísticos asiáticos não é certamente alheio o crescimento económico sistemático e continuado que se tem registado em países como a China, o país do mundo com maior despesa em turismo internacional – ultrapassando os valores conjuntos do segundo (Estados Unidos) e terceiro (Alemanha) países da lista. O impressionante desempenho da economia chinesa nos últimos anos permitiu o aparecimento de investidores milionários em diversas áreas de negócio nos mais variados lugares do planeta, e permitiu também o aparecimento de uma nova classe média, jovem e urbana, com manifesta apetência (e rendimento) para viajar. Na realidade, o número de pessoas chinesas a fazer viagens internacionais em 2018 (142 milhões) é praticamente o triplo do que se registava em 2010, há menos de dez anos. Não é só a China, certamente: também a Coreia (9º país do mundo em despesa com turismo internacional), Hong Kong (11º), Singapura (12º), Índia (17º), Japão (18º) e Taiwan (19º) contribuem significativamente para esta expansão do turismo na Ásia. Na realidade, os dados também mostram que 80% das viagens internacionais são feitas no interior do continente onde os turistas residem, o que sugere que procura e oferta turística crescem simultaneamente na Ásia criando uma nova centralidade nas rotas turísticas mundiais. Não deixa de ser interessante observar que nem só de infraestruturas e equipamentos se faz o investimento para o desenvolvimento turístico na Ásia: há também uma atenção aos cuidados na prestação de serviços culturalmente enraizada, que ajuda a explicar o esforço generalizado com a educação e a qualificação das pessoas que trabalham na hotelaria e hospitalidade em geral. Exemplo disso são, não só a quantidade de cursos e instituições dedicadas ao tema, mas também o reconhecimento internacional da sua qualidade. O recentemente divulgado Ranking de Shangai, que mede o desempenho das universidades em todo o mundo, tem em primeiro lugar na área do turismo uma Universidade de Hong Kong (e quatro universidades asiáticas – mais uma chinesa e duas coreanas – nos primeiros doze lugares, onde só estão duas instituições europeias). Enquanto investigador académico em economia do turismo, estou bastante familiarizado com a quantidade e a qualidade da investigação que se faz nesta área em países como o China ou a Coreia. Tive mais uma vez a oportunidade de contactar com este efervescente universo de novas ideais e horizontes para o futuro dos serviços turísticos durante a Conferência que assinalou o 25º aniversário da Associação de Turismo da Ásia e Pacífico, na bela cidade de Da Nang, no Vietname -um país que entrou relativamente tarde neste processo de acelerado desenvolvimento turístico mas que regista nos últimos anos um ritmo de crescimento superior ao que se verificou na Tailândia no período em que o turismo tailandês teve a sua expansão mais significativa. E também nesta cidade vietnamita é visível a atenção à educação para os serviços turísticos, com uma universidade onde estudam 5000 alunos só nesta área. Se o centro de gravidade do turismo planetário se vai deslocando para a Ásia, não será só por razões económicas ou pela atratividade dos lugares: a educação e a formação para os serviços também têm papel de relevo.
Sofia Margarida Mota VozesIncomparabilidades [dropcap]É[/dropcap] claro que não se pode comparar o nível de vida do presidente da 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, o deputado Chan Chak Mo, com o dos milhares de empregadas domésticas que vêm para Macau em busca de melhores condições. Mas o mais grave é que este tipo de comparação leva a que se pense realmente nestas diferenças, não tanto a nível económico, mas nas diferenças básicas entre o ser humano comum e uns tantos privilegiados e que recaem essencialmente na área do simples bom senso. Não ter o mesmo nível de vida do que os TNR em Macau não significa que não se tenha empatia pelo outro nem pingo de humanismo. Não entender, lá porque se pagam 10 mil patacas por um almoço, que o direito a um salário mínimo, na ordem das cinco mil patacas mensais, é um aperto para viver em Macau causa arrepios. Não, de facto não se comparam situações que de tão absurdas afundam-se no ridículo. E são estes privilegiados sem noção que analisam a lei do salário mínimo em Macau. Tudo isto teria piada se não fosse real ou se visto através da interpretação dos Monty Python, o que não é o caso.
Hoje Macau Vozes“Igreja de Portugueses negros” na Era Marítima Ritchie Lek Chi, Chan [dropcap]A[/dropcap] capital da Indonésia, Jacarta, era conhecida na Idade Média como a “Rainha do Oriente”. Hoje tem uma população de mais de 30 milhões e tornou-se a segunda maior área metropolitana do mundo. Esta cidade densamente povoada esconde a história primitiva da Indonésia, a história dos imigrantes chineses e os vestígios dos europeus que pisaram esta terra durante o período da “Descoberta Geográfia”. Não é difícil encontrar materiais históricos preciosos quando se viaja pela a cidade velha de Jacarta. Apesar da forte atmosfera islâmica, Jacarta preservou igrejas católicas de grande valor histórico. Recentemente, fui a Jacarta e um dos meus familiares que lá mora acompanhou-me na visita a duas igrejas. Uma igreja está localizada no centro da cidade onde os holandeses construíram uma magnífica “Catedral da Assunção” em 1825. A outra está localizada na cidade velha, a antiga e medíocre igreja de “Sião”*1 . A sua existência testemunha a história do desenvolvimento da cidade de Jacarta, bem como o processo histórico da competição e troca de poder entre as duas grandes potências marítimas, Portugal e Holanda da Idade Média. Portanto, em termos de valor histórico, a igreja de “Sião” é a mais importante. Durante a minha visita, conheci uma pessoa de Ambon que se encarregava desta igreja* 2. Ele entusiasticamente apresentou a história da igreja e da antiga cidade de Taman Sari, devido a relações estreitas entre as duas. No início do século XVI, os portugueses antes da sua chegada a Macau, já tinham viajado de Malaca para Maluku e depois para Batávia (o nome antigo de Jacarta). O primeiro local onde os portugueses chegaram foi numa pequena vila de pescadores de Sunda Kelapa (cidade de coco), na cidade velha de Ciliwung, onde construíram uma fortaleza pequena e uma igreja rudimentar fora da muralha antiga da cidade, um seminário e onde residiam escravos vindos da África. Os habitantes locais chamavam de “Igreja portuguesa exterior (muralha)” ou “Igreja de portugueses negros”. De acordo com um documento português, “No século V, foi o Reino Sunda que controlava essa área. Foi o local de nascimento de Jacarta e mais tarde se tornou num importante porto. No século XII, ficou conhecido por seu comércio de pimenta”. No início do século XVII, a igreja de “Sião” foi reconstruída após os holandeses ocuparem Jacarta. Neste momento, o povo Tang (chinês) imigraram e começaram a fazer negócios até ao presente, a região tornou-se numa das maiores Chinatown na Indonésia e no mundo fora. O interior da Igreja de Sião foi conservado por mais de 300 anos, o distinto altar, órgão, mobiliário, móveis e utensílios utilizados nas cerimónias pertencentes à época holandesa. Antes de deixar a igreja, visitei o cemitério holandês fora da igreja e encontrei um dos túmulos que é do vigésimo governador das Índias Orientais Holandesas, Hendrick Zwaardecroon, que governou a Batávia entre 1718 e 1725. As visitas que fiz às igrejas em Jacarta foram o equivalente a frequentar um curso de “Descoberta Geográfica”. Por lá em aprendi mais sobre a importante relação histórica entre a Indonésia, a Europa e a China. *1: “Sião” refere-se ao Monte Sião no sul de Jerusalém. O catolicismo refere-se a Jerusalém ou a Israel, e mais tarde usado como o nome geral da nação judaica. *2: Ambon, a capital das ilhas Molucas, na Indonésia. Explorador português, Francisco Serrão chegou a Ambon em 1512 e tornou-se numa colónia portuguesa em 1526. Artigo publicado no Macao Daily Newspaper em 12 de Junho de 2019
João Luz Vozes1984 a caminho [dropcap]S[/dropcap]empre ouvi dizer que uma das características culturais chinesas é a paciência, a forma como o país, o poder e as suas gentes lidam com o tempo, com uma espécie de dom de saber montar estratégias a longuíssimo prazo. Pois, parece-me que 50 anos é um prazo que está a custar muito a passar em Pequim. Vamos esquecer a fantasia do segundo sistema, da Lei Básica e dos acordos internacionais que estabeleceram as transferências de soberania. Hoje quero falar-vos das oportunidades trazidas pela Grande Baía. Além dos chavões, que já todos conhecíamos e que foram apresentados como “desígnios” para Macau, a notícia de que o sistema de crédito social estará a chegar a Guangdong, antes de se tornar obrigatório na China inteira em 2020, e fazer parte do projecto da Grande Baía é das coisas mais perversas que vi no meu horizonte político. Quando não conseguirem comprar um bilhete de avião, arrendar casa, ser promovido ou manter o emprego, por cometer o hediondo crime de pensar diferente, ou ser amigo de alguém que sai fora da ortodoxia do sacrossanto partido, quero ver o que vão fazer os filhos da terra que criticam as manifestações em Hong Kong. O privilégio de ter passaporte português é uma segurançazinha muito confortável, não é? Até dá para apoiar cegamente a autocracia. Mas quando lhes morder os calcanhares, quero ver se marcham alinhados, ou se marcham daqui para fora.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesCorpo de Praia [dropcap]C[/dropcap]omo procuramos o corpo perfeito? Representações disto e daquilo que ditam o que é bonito e feio, ou aceitável. As formas como tentamos chegar a este corpo perfeito deixam imenso espaço para discussão. Devemos nós submetermo-nos à maravilha do controlo total do nosso corpo? Quando chegam os meses mais quentes, a pressão publicitária para encontrarmos (em nós) o corpo perfeito parece que se intensifica. As pessoas despem-se com o calor e com isso podem estar a mostrar aquilo que não é aceitável. A celulite, a gordura ou as estrias. Note-se que esta é uma dificuldade particularmente ocidental, talvez particularmente mediterrânica onde as praias são um estilo de vida. De qualquer modo, mesmo que os padrões de beleza se alterem, não deixam de existir – aqui e ali. Há do belo idadismo no que toca a estes corpos. Parece que os corpos velhos já não devem ter direitos de exposição como se fosse uma ofensa, passíveis de censura. Só que os padrões de beleza são construídos – e podem ser reconstruídos também. Não há nada de fundamental no corpo que envelhece, nós é que o essencializamos para algo que não convém a ninguém. ‘Basta’ transformamos a nossa forma de pensar para não nos chocarmos com a pouca perfeição e a velhice de cada um. As pessoas detentoras de vaginas e que se regem pela heteronormatividade das relações parece que cedem mais a estas pressões. Não porque são (só) homens que ditam padrões de beleza – apesar de serem sobretudo os homens. Estas dinâmicas vêm de uma expectativa relacional de que os homens são visuais e as mulheres não, que os homens cedem à tentação dos corpos e as mulheres não, e mais outras coisas parvas que aparecem nos estudos – e representações diárias – que mostram que as diferenças de género são estáticas, biológica e fisiologicamente definidas. Quando já deveríamos ter ultrapassado esta visão retrograda do género, do corpo e da beleza. A censura do corpo feminino leva a absurdos que continuam a prevalecer desde há décadas – provavelmente desde há séculos. Pêlos, mamilos, exposição a menos ou exposição a mais. Parece que o corpo tido como feminino é frequentemente escrutinado ora por uma razão ou por outra. Os burkinis são repressivos, os fios dentais progressivos – caso se tenha um rabo em condições de ser mostrado. Perfeito. O corpo é dissidente quando vai contra a corrente. Mas esta dissidência é só para os corajosos que ousam mostrar-se. Não é fácil submetermo-nos aos olhares de escrutínio constantes. Produz-se saber à naturalidade do corpo que tantos outros querem artificial. Tal como também se produz a artificialidade no sexo. Se o futuro do sexo passa por robôs que podem ser comprados de acordo com as nossas preferências corporais – levamos ao extremo o controlo que queremos ter sobre tudo. Nada contra a criação (e a criatividade) mas dá muita vontade pôr limites quando esta produção implica uma anulação completa do corpo tal como ele é. Estes corpos belos não são só os que têm feições bonitas ou que possuem características dignas de capas de revista actuais. Os corpos de variadas cores da pele, formas e cores de cabelo passam pelo crivo do ‘aceitável’ também. Num mundo onde ainda nos obcecamos pela beleza da pessoa caucasiana só demonstra o quão atrasados ainda estamos para abraçar a nossa beleza (essência?). Não é por acaso que certas gentes andam a criticar a nova pequena sereia da Disney – porque agora será negra. Como se já não estivéssemos demasiado cansados de (re)produzir o corpo aceitável, sem crítica, sem auto-reflexão, sem desejo de controlo. O corpo de praia é o que vai à praia – estou farta de dizer. Tornando o corpo político é o que nos permite ir à praia quando o corpo não é ‘belíssimo’ – de acordo com os critérios que andam aí.
Andreia Sofia Silva VozesQual o nosso lugar? [dropcap]O[/dropcap] recente caso do fim da licenciatura em tradução e interpretação chinês/português para nativos de português, no Instituto Politécnico de Macau (IPM), não é sinal de fraca estratégia do Governo ou do próprio IPM em prol do ensino da língua, mas é resultado da história do território, do seu sistema de ensino e das características socioculturais muito específicas. Em primeiro lugar, o ensino dos bilingues em Macau começou tarde e nunca teve uma estratégia por parte da Administração portuguesa, salvo raras excepções. Além disso, as comunidades de expatriados, e não falo apenas da portuguesa, nunca tiveram muito interesse na aprendizagem do chinês, por falta de necessidade no dia-a-dia. Presumo que em Hong Kong aconteça o mesmo, com a diferença de que o inglês é uma língua mais falada. É de lamentar o encerramento de uma licenciatura pensada para portugueses, ou para pessoas que dominem totalmente a língua, por falta de alunos. Faz-nos pensar no nosso papel em Macau nos dias de hoje, no papel que tivemos e no posicionamento que queremos ter no futuro. E contra mim falo, pois nunca encontrei espaço temporal e mental na minha agenda para aprender chinês. Com a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau à porta, queremos continuar a ser portugueses que apenas falam inglês?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesJurisdição além fronteiras [dropcap]A[/dropcap]pós o anúncio oficial da suspensão da revisão da lei dos condenados em fuga por parte da Chefe do Executivo, este processo chegou ao fim. Embora nos últimos dias ainda se tenham efectuado pequenas manifestações em Hong Kong, têm sido em geral demonstrações pacíficas. No entanto houve uma excepção, a invasão e vandalização do edifício do Conselho Legislativo. Na sociedade actual as pessoas têm a obrigação de se manifestar de forma pacífica, independentemente das causas que defendem. Ninguém pode apoiar manifestações que degeneram em motins e dão origem a violência física e a danos materiais. Uma sociedade evoluída permite que as pessoas manifestem as suas opiniões de forma pacífica e dá espaço para os diferentes pontos de vista. No entanto, não se pode aceitar o recurso à violência como forma de imposição das ideias de um determinado grupo de pessoas. É um comportamento que nos vemos forçados a condenar. Na sequência do ataque ao Parlamento, ficou a saber-se que o edifício não tinha seguro. Não se sabe se este lapso se deveu a uma recusa da companhia seguradora ou a um simples esquecimento por parte do Governo. Seja qual for o caso, este problema tem de ser resolvido. Claro que pôr trancas à porta depois da casa arrombada não é a melhor ideia e, neste caso, não sabemos que companhia seguradora irá estar interessada no negócio depois da vandalização do edíficio. Estamos sem dúvida perante um problema. Se não houver forma de fazer um seguro, será que podemos contar com uma alternativa? A questão central que desencadeou a vontade de rever a lei de extradição dos condenados em fuga foi o alegado crime perpetrado em Taiwan por um residente de Hong Kong. A revisão da lei foi suspensa. Não restam dúvidas que este suspeito vai beneficiar da suspensão revisão da lei. Já não vai ser julgado em Taiwan; significando que não irá responder pelas suas acções perante o Tribunal. No passado dia 28, o jornal Sing Tao Daily anunciou que Yang Yueqiao, deputado do Conselho Legislativo, escreveu à Chefe do Executivo manifestando vontade de ver aprovada a jurisdição extraterritorial do Tribunal de Hong Kong. Do ponto de vista legal, em princípio, um tribunal local só tem capacidade de julgar casos ocorridos no seu território; nas situações que se verificam fora de Hong Kong a legislação local não se aplica. As leis de Hong Kong não podem ser usadas como padrão em julgamentos de crimes praticados além fronteiras. No entanto, se for aplicada a jurisdição extraterritorial, as leis de Hong Kong podem passar a ser aplicadas a casos ocorridos fora do território. Desta forma o suspeito do homicídio de Taiwan poderia vir a ser julgado em Hong Kong. Mas esta possibilidade levanta dois problemas óbvios. Em primeiro lugar, estender a jurisdição local a um caso ocorrido além fronteiras é alargar o seu poder a território estrangeiro. Se as autoridades da outra região discordarem, que consequências poderão daí advir? Ou seja, se as autoridades de Taiwan não concordarem que o suspeito venha a ser julgado em Hong Kong e, por isso, não quiserem entregar as provas comprometedoras, o julgamento não se poderá efectuar. Em segundo lugar, o Governo de Hong Kon é um governo local. Estender a jurisdição da RAEHK a outras regiões está completamente para lá dos limites da Lei Básica da cidade. Sem o consentimento do Governo Central tal nunca será permitido. A possibilidade da jurisdição extraterritorial depende de vários factores, não parece fácil implementá-la para levar o suspeito do crime de Taiwan a comparecer perante a justiça. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
João Luz VozesOs outros valores [dropcap]Q[/dropcap]uando valem os valores? Não falo de capital, de cartas hidrográficas de rios de dinheiro, de ábacos de contas recheadas. Falo de princípios, das fundações, dos parâmetros éticos que balizam acção e consciência, coração moral que não deveria ter preço de mercado, mas que é vendido às peças. Hoje em dia assistimos à falência das entidades supra-estatais que nasceram da evolução dos nossos melhores instintos enquanto espécie que tenta ao máximo sacudir os ares de barbárie. As Nações Unidas atribuíram, há uns anos, um papel importante à Arábia Saudita no Conselho dos Direitos Humanos, um país que manda assassinar jornalistas em embaixadas e que tem nos seus quadros operacionais especializados em amputar corpos com motosserra. Erdogan, depois de assinar acordos comerciais com a China, mostrou-se agradado com a “abertura” de Pequim ao permitir a entrada de observadores turcos nos campos de concentração onde uma parte significativa dos uigures estão a ser “reeducados” a serem algo que nunca foram. A Europa deixa morrer às suas portas centenas de pessoas desesperadas por um porto seguro, enquanto o Parlamento Europeu discute quem odeia mais Bruxelas ao som do Hino da Alegria. É sabido que a moral social evolui com oscilações, a ética não ascende a um ritmo estável em direcção a um mundo mais decente. Pelo caminho, outros valores se levantam e as mais bem-intencionadas vozes são abafadas pelo ensurdecedor volume do dinheiro.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesVisão de Oceanos Azuis de Osaka “Toward realization of the “Osaka Blue Ocean Vision” that we aim to reduce additional pollution by marine plastic litter to zero by 2050, which was shared at the G20 Osaka Summit, Prime Minister Abe announced that Japan will support developing countries’ efforts including their capacity building and infrastructure development in the area of waste management at the summit.” G20 Osaka Summit [dropcap]O[/dropcap] mecanismo de cooperação do Grupo dos 20 (G20), nas últimas duas décadas, conseguiu transformar-se de uma reunião de ministros de finanças e governadores de bancos centrais a um mecanismo multilateral de coordenação e diálogo conduzido pelos líderes do bloco, passando de uma estrutura de resposta a crises para um mecanismo de longo prazo, servindo como plataforma principal para a governança económica global. O G20 desempenhou um papel crucial, especialmente ao enfrentar a crise financeira e outros desafios globais. A comunidade internacional tinha grandes expectativas a Cimeira do G20, que se realizou em Osaka, entre 28 e 29 de Junho de 2019, para resolver alguns problemas globais urgentes. Em uma época em que o crescimento económico global está a diminuir, as fricções comerciais se intensificam e uma série de problemas de desenvolvimento estão a surgir, questões que incluem o crescimento económico, desenvolvimento sustentável e governança da Internet tinham de merecer especial atenção. Quanto ao crescimento económico global, é sabido, que desde 2018, a recuperação económica global tem enfrentado crescentes incertezas, embora os novos condutores da economia ainda se encontrem em preparação, a pressão negativa na economia aumentou, e ano passado, o crescimento económico global não conseguiu manter o ritmo de recuperação geral iniciado em de 2017. O crescimento da maioria dos países caiu, com poucas excepções. Os dados do “Fundo Monetário Internacional (FMI)” mostraram, em Abril de 2019, que a taxa de crescimento económica global em 2018 foi de 3,6 por cento, revelando uma queda de 0,2 por cento em relação ao ano anterior. O FMI prevê que a taxa continuará em declínio devendo ser de 3,3 por cento em 2019, a mais lenta desde 2010. A taxa de crescimento das economias desenvolvidas, em geral, no ano passado foi de 1,8 por cento, revelando uma queda de 0,4 por cento em relação ao ano anterior, enquanto para os mercados emergentes e economias em desenvolvimento, foi de 4,4 por cento, revelando uma queda de 0,2 por cento. A longo prazo, uma taxa de crescimento inferior resulta em menor produtividade do trabalho. O crescimento da produtividade do trabalho nas economias desenvolvidas e em desenvolvimento, actualmente entrou em declínio, com o crescimento económico de muitos países em estagnação. Os factores decisivos para a melhoria da produtividade do trabalho, como a inovação tecnológica, acumulação de capital humano e a reforma dos mecanismos, não fizeram progressos substanciais. A eficácia desses factores também não foi maximizada. A nova revolução científica, tecnológica e transformação industrial está a dar origem a um grande número de diferentes indústrias, bem como a novas formas de negócios e modelos. No entanto, ainda é necessário tempo para realizar a transformação de controladores de crescimento e a acumulação de capital humano é lenta, as barreiras institucionais ao crescimento económico estão a tornar-se graves, enquanto os factores de crescimento para a recuperação são insuficientes. A reformulação das forças motrizes foi uma das principais agendas do G20. O proteccionismo global do comércio tem aumentado nos últimos anos e de acordo com o banco de dados “Global Trade Alert (GTA)”, que é uma organização criada em 2009, quando se temia que a crise financeira global levasse os governos a adoptar políticas generalizadas de estilo procurar o benefício do país à custa dos demais. Ainda dento desse âmbito, o GTA tem dado atenção especial às escolhas políticas dos governos do G-20, desde que os seus líderes fizeram a promessa de “nenhum proteccionismo” na Cimeira de Washington, realizada de 14 a 15 Novembro de 2008. Apesar de inicialmente concebido como uma iniciativa de monitorização de políticas comerciais, à medida que milhares de comunicações de políticas foram documentados, o GTA tornou-se uma matéria-prima amplamente utilizada para análise e tomada de decisões pelas empresas, associações industriais, jornalistas, pesquisadores, organizações internacionais e governos, o que reflecte o facto de o FMI ter dito em 2016, que o GTA tem a cobertura mais abrangente de todos os tipos de medidas comerciais discriminatórias e liberalizadoras do comércio. Segundo o GTA mais de dez mil medidas proteccionistas foram implementadas por dezanove membros do G20 de 2009 a 2018. Os Estados Unidos sendo a maior economia do mundo, implementou mil e seiscentas e noventa e três medidas, tornando-se o líder, com cento e sessenta e nove medidas proteccionistas por ano em média, das quais cento e noventa e sete foram adoptadas em 2018, o que representa um aumento de 28,8 por cento em relação ao ano anterior. A Alemanha introduziu mil e duzentas e vinte e cinco medidas no mesmo período, incluindo cento e quinze novas em 2018, que representam um aumento de 113 por cento. Os países numa época em que o proteccionismo é abundante, devem fazer esforços maiores para impulsionar a liberalização do comércio e chegar a acordos sobre a construção de zonas de livre comércio em todo o mundo. O proteccionismo tornou-se um dos principais impedimentos ao comércio mundial. A “Organização Mundial de Comércio (OMC)”, em Abril de 2019, fez uma previsão preliminar de que o comércio mundial de bens cresceu apenas 3 por cento em 2018, menos 0,7 por cento que a previsão de Setembro desse ano. É de esperar que o crescimento do comércio mundial diminua para 2,6 por cento em 2019, o que representa uma queda de 1,1 por cento em relação à previsão anterior. A “Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD na sigla inglesa)” divulgou em Janeiro de 2019 no seu “Global Investment Trend Monitor”, que os “Influxos de Investimentos Estrangeiros Directo (IED)”, em 2018 caíram 19 por cento em relação ao ano anterior, assinalando o terceiro ano consecutivo de queda. O IED global encontra-se no seu nível mais baixo em uma década, muito inferior ao recorde histórico de 2007, e daí que os membros do G20 precisam de tomar medidas concretas para implementar documentos políticos, como o “Acordo sobre a Facilitação do Comércio da OMC”, a “Estratégia do G20 para o Crescimento do Comércio Global” e os “Princípios Norteadores do G20” para a formulação de políticas globais de investimento para estimular o comércio e o investimento. Os membros do G20 devem dar o exemplo implementando o “Plano de Acção do G20” na “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” aprovado na Cimeira do G20 em Hangzhou realizada de 4 a 5 de Setembro de 2016 e cumprir os compromissos específicos assumidos por todos os membros na Cimeira de Hamburgo, realizada de 7 a 8 de Julho de 2017. Os membros devem simultaneamente trabalhar com as partes interessadas para promover a implementação da “Agenda 2030” em todo o mundo de forma a garantir que os seus objectivos sejam cumpridos a tempo. Os membros a nível nacional e internacional, necessitam de cooperar mais nas acções do G20 com a “Agenda 2030”, como a “Terceira Conferência Internacional sobre o Financiamento para o Desenvolvimento”, que produziu o acordo denominado de “Agenda de Acção de Addis Abeba”. O apoio aos países em desenvolvimento deve ser fortalecido e maior número de bens públicos devem ser fornecidos para alcançar esses objectivos. Aquando da Cimeira de Hamburgo, foi divulgado pela primeira vez o “Relatório Anual de Progresso” detalhando os compromissos seleccionados do G20 com a implementação da “Agenda 2030”, que reconhece a importância da inclusão financeira como multiplicadora da erradicação da pobreza, criação de empregos, igualdade de género e empoderamento das mulheres. Na Cimeira de Buenos Aires, realizada de 30 de Novembro a 1 de Dezembro de 2018, a “Actualização de Buenos Aires” delineou as acções colectivas e concretas do G20 para alcançar a agenda. A Cimeira de Osaka avaliou o progresso e a implementação do mais recente plano de acção, tendo alcançado ao mesmo tempo novos consensos e planos para acções concretas no futuro. A conectividade de infra-estrutura cria uma base sólida para o desenvolvimento sustentável e prosperidade global. Actualmente, existe uma séria escassez de investimentos em infra-estrutura, especialmente em áreas como o transporte, energia e comunicação. O “Global Infrastructure Hub” é a única organização dedicada exclusivamente à infra-estrutura nos mercados desenvolvidos e emergentes e concentra-se em colaborar com governos, sector privado, bancos multilaterais de desenvolvimento e outras organizações internacionais para promover o ambiente propício, que permitirá a identificação e desenvolvimento de projectos de infra-estrutura que sejam de alta qualidade, resilientes, sustentáveis e necessários a uma rápida evolução. O seu objectivo é ajudar a preencher a lacuna entre os sectores público e privado, ajudando os governos a libertar triliões de dólares em investimentos privados para financiar a infra-estrutura pública, criando economias produtivas e cidades mais habitáveis. O “Global Infrastructure Hub” funciona assim como uma plataforma de projecto de infra-estrutura global lançada pelo G20, para ligar os sectores público e privado, prevendo que a necessidade de investimento em infra-estrutura chegará a noventa e quatro triliões de dólares até 2040. Os países e regiões, incluindo os membros do G20, são deficientes na coordenação dos seus planos de desenvolvimento de infra-estrutura, padrões de construção e normas de gestão, o que prejudicou a melhoria do facilitamento do comércio e investimento e a construção de uma rede de livre comércio de alto padrão. O G20, não obstante, atingiu uma série de consensos nos últimos anos para promover a conectividade de infra-estrutura e por exemplo, em 2014, foi criado um grupo de trabalho sobre investimento e infra-estrutura. A Cimeira de Hangzhou, dois anos mais tarde, aprovou documentos importantes, incluindo a “Declaração Conjunta de Aspirações em Acções para Apoiar o Investimento em Infra-estrutura” por onze bancos multilaterais de desenvolvimento e endossou a “Aliança Global de Conectividade de Infra-estrutura”, para promover sinergia e cooperação entre vários programas de conectividade de infra-estrutura. A Cimeira do G20 de 2018 listou a infra-estrutura como uma das suas três prioridades e aprovou o “Roteiro para Infra-estrutura” como uma “Classe de Activos” e os “Princípios do G20” para a “Fase de Preparação do Projecto de Infra-estrutura”. Assim, a Cimeira de Osaka podia tomar medidas para abordar o deficit de financiamento, a normalização contratual e chegar a um novo consenso sobre infra-estrutura de qualidade. A China está preparada para fortalecer a cooperação com outras partes dentro dos quadros G20 e a “Iniciativa Faixa e Rota”, estabelece um sistema de investimento e financiamento de infra-estrutura global diversificado e eficaz. A China reiterou a sua disposição de cooperar com os outros membros para promover a infra-estrutura de qualidade e fornecer uma garantia forte para a globalização económica por meio de uma rede de conectividade segura, conveniente e desembaraçada. Quanto à governança do ciberespaço, ao integrar-se em todos os aspectos da vida social, a Internet está a mudar profundamente os métodos de produção e de vida das pessoas, e para aproveitar em conjunto as oportunidades digitais, abordar os desafios digitais e impulsionar o crescimento global, a “Iniciativa de Desenvolvimento e Cooperação em Economia Digital” do G20 que foi lançada durante a Cimeira de Hangzhou, inclui a promoção do fluxo de informações para o crescimento económico, a confiança e a segurança, além de oferecer suporte às políticas para um ambiente aberto e seguro. A “Declaração Ministerial da Economia Digital” do G20 e vários documentos como os “Princípios Digitais” do G20, “Preenchimento da Divisão de Género Digital”, “Medição da Economia Digital” e “Aceleração da Infra-estrutura Digital para o Desenvolvimento” foram adoptados durante a “Reunião Ministerial do G20 sobre Comércio e Economia Digital”, em 2018. Os membros do G20 na Cimeira de Buenos Aires reafirmaram a importância da segurança das tecnologias de informação e comunicação e concordaram em continuar os trabalhos sobre inteligência artificial, novas tecnologias e plataformas de negócios. O consenso foi alcançado sobre a maximização do impacto positivo da digitalização e das novas tecnologias no crescimento e produtividade inovadores. Os principais países estão agora a concentrar-se na importância da segurança da informação cibernética. Ainda que a Internet desempenhe um papel insubstituível na comunicação social e nas actividades empresariais, a cooperação na governança do ciberespaço não satisfez a procura de segurança da informação da maioria dos países e regiões. A segurança da informação cibernética inclui a protecção de sistemas de computador, “hardware”, “software” e dados de dispositivos móveis de serem roubados ou destruídos, além de salvaguardar a economia digital e informações comerciais. Os crimes e ataques no mundo cibernético representam uma ameaça comum a governos, empresas e indivíduos, e em particular, evitar a espionagem, terrorismo e até mesmo guerras no ciberespaço para garantir uma ordem económica saudável é uma tarefa urgente para os membros do G20. O G20, para tanto, como principal plataforma de governança global, deve desempenhar um papel importante. O esforço concertado deve ser feito para melhorar a aplicação segura das tecnologias de informação e comunicação, e para combater o uso indevido de actividades criminosas e terroristas. Os membros do G20 também devem trabalhar em conjunto para promover a cooperação em áreas como as tecnologias de informação e comunicação, aplicação da lei, pesquisa e desenvolvimento, inovação e a capacitação institucional. O G20 tem mostrado uma crescente fragmentação na luta contra as alterações climáticas e para acabar com o proteccionismo, em uma Cimeira em que a conquista mais notável foi a trégua entre os Estados Unidos e a China sobre o seu conflito comercial. Assim, durante a reunião de dois dias em Osaka, os líderes do G20 só conseguiram chegar a um acordo sobre uma declaração que reconhece os “riscos” enfrentados pela economia global e todos os países, excepto os Estados Unidos, reafirmaram os seus compromissos ambientais dentro do “Acordo de Paris”. O primeiro-ministro japonês quis mostrar a unidade no termo da reunião, ao afirmar que todos os países tinham apoiado os fundamentos do livre comércio e encontrado um área comum sobre as alterações climáticas apesar das suas diferenças. É difícil encontrar uma solução para tantos desafios globais, mas pelo menos conseguiu-se encontrar uma vontade comum em muitas áreas. O texto final assinala a intensificação das tensões geopolíticas e comerciais, mas não se inclui nenhuma menção ao auge do proteccionismo, tal como pretendia uma parte maioritária de países, face aos múltiplos conflitos comerciais abertos pelos Estados Unidos. A conclusão refere aos trabalhos em conjunto para conseguir um ambiente de investimento livre, justo, não discriminatório, transparente, previsível e estável para manter os mercados abertos. O avanço mais significativo no actual contexto de crispação global sobre o comércio, chegou com a esperada reunião entre os presidentes dos Estados Unidos e da China que acordaram continuar com as negociações e interromper parte das medidas restritivas que aplicam. Quanto às alterações climáticas, os países reafirmaram a irreversibilidade do “Acordo de Paris” e comprometeram-se à plena implementação das suas medidas nacionais contra as alterações climáticas, com excepção dos Estados Unidos. À declaração final foi acrescentado um parágrafo que menciona que os Estados Unidos reiteram a sua decisão de se retirar do “Acordo de Paris” porque supõe uma desvantagem para os trabalhadores e contribuintes americanos e que apesar de tudo (aloucadamente) é reconhecido como líder na protecção ambiental. O presidente americano ao ser inquirido sobre o tema respondeu que não está disposto a sacrificar o potencial do seu país que tem os melhores dados que alguma vez conseguiu em matéria ambiental. O presidente francês propôs alterar o formato do G20 para conseguir acordos mais eficazes sobre o tema ambiental. O texto final contém apesar de tudo o objectivo de reduzir a zero a poluição de plásticos nos oceanos até 2050, meta que foi baptizada como “Visão de Oceanos Azuis de Osaka” e que deve ser alcançada enquanto se reconhece o papel importante do plástico para a sociedade. As organizações ecológicas como a “Greenpeace”, o “Centro Japonês para uma Sociedade Sustentável e Meio Ambiente” e os “Amigos da Terra” rejeitaram por inadequadas as medidas acordadas sobre as alterações climáticas e resíduos de plástico, e organizaram protestos em Osaka aquando da Cimeira.
João Santos Filipe VozesQuanto vale a face? [dropcap]O[/dropcap] que mais me impressiona nos acontecimentos de Hong Kong é a forma como a Chefe do Executivo, Carrie Lam, tem lidado com toda uma geração. Não é segredo que os protestos são em grande parte motivados por jovens. Face à geração mais nova o que faz a Chefe do Executivo de Hong Kong? Ignora-a, autoriza a polícia a carregar cegamente neles e, depois, faz todo o tipo de jogadas, como a retirada da polícia do LegCo, impensável em qualquer parte do mundo, para ganhar alguma razão. Nos últimos dias, Carrie Lam não cedeu um milímetro. A suspensão da lei não é o mesmo que retirada. E se a CE quer ser humilde, corte o mal pela raiz e retire a lei. Comece de novo! Mas não, Carrie não ouve os mais jovens nem uma única vez. Entre as cinco exigências dos manifestantes não aceitou nenhuma. Para ela, a “face” esteve sempre acima da geração que a classe dela abandonou. Estamos a falar de miúdos que sabem que nunca vão ter uma casa digna na terra deles e que não só são ignorados como expulsos do sistema político. Os deputados que elegeram são expulsos do LegCo, os colegas que lutaram por liberdades individuais consagradas na Lei Básica foram presos e nem quando pediram garantias sobre a Lei de Extradição foram ouvidos. Carrie Lam preferiu negociar com os colegas do crime do colarinho branco para garantir votos e passar a lei. Correu-lhe mal. Mas em todo este processo, Carrie Lam só pensou na sua “face” e pela sua “face” está disposta a sacrificar uma geração inteira de jovens de Hong Kong. A forma como o Governo de Hong Kong está preparado para colocar na prisão uma geração inteira, pelo problema que ele próprio criou, é deprimente. E o pior é sabermos que para Lam está tudo bem. Afinal de contas, os filhos dela têm passaporte britânico e podem sempre emigrar.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDesvalorização da educação [dropcap]N[/dropcap]a sexta-feira da semana passada os jornais de Hong Kong publicaram a notícia do suicídio de uma jovem universitária. No bilhete que deixou, apelava à manutenção da luta contra o projecto de lei de extradição dos condenados em fuga. Lembrava que os esforços empreendidos por dois milhões de pessoas não podiam ser desperdiçados. A notícia também adiantava que a jovem tinha rompido com o namorado. Durante o período de luta contra a lei de extradição já morreram duas pessoas. A primeira foi o homem que se suicidou em Admiralty e agora esta rapariga. Dois suicídios merecem alguma reflexão. Porque é que os jovens são actualmente tão frágeis? Porque é que encaram o suicídio como saída? É compreensível que o suicídio possa ser visto como uma forma de fugir dos problema, mas não os resolve de forma alguma. Os adultos devem enfrentar as dificuldades e lidar com elas com calma. O suicídio, para além de ser uma forma de fuga, provoca grande sofrimento aos familiares. Praticar suicídio por causa da lei de extradição provoca sofrimento à sociedade em geral. Se estes suicídios provocarem problemas sociais desnecessários, então serão ainda mais inaceitáveis. Muitas das pessoas envolvidas nas manifestações contra a lei de extradição são universitários e estudantes do secundário. Existirá um problema no sistema educativo que leve os estudantes a sair para a rua e defenderem as suas opiniões? Penso que a resposta a esta pergunta é muito complexa e não pode ser dada sucintamente. No entanto, uma coisa é certa. Hong Kong era relativamente pobre nos anos 60 e 70. Apenas uma percentagem mínima podia aceder ao ensino superior. Nos anos 80, Hong Kong começou a enriquecer. A pessoas compreenderam que a educação proporciona um futuro melhor. Por isso, nesta altura, houve uma corrida às Universidades, toda a gente queria ter um doutoramento. Pensavam que não teriam de se preocupar com o futuro nunca mais; a entrada na Universidade era um feito glorioso. Nos anos 90, viveu-se a febre do investimento. Imensa gente investiu dinheiro na Bolsa e em vários negócios. Além disso o Governo criou mais cursos superiores para compensar a saída de especialistas para o estrangeiro. Em comparação com os anos 70 e 80, a cotação do ensino superior começou a baixar. Além disso tinha deixado de ser necessário um grau universitário para ganhar dinheiro. Hoje em dia o preço das casas em Hong Kong e em Macau é altíssimo. Alguém que tenha acabado de se formar não consegue comprar um apartamento. A educação superior já não pode proporcionar um futuro radioso. Os jovens começam a desvalorizar o ensino universitário, e interrogam-se se vale a pena perder tempo a frequentar uma Faculdade. Trabalham apenas para a nota que garante passarem. Tudo o que vai para além disso é excessivo. Como não concentram as suas energias nos estudos, aplicam-nas noutras coisas. Coisas essas que podem ser, por exemplo, lutas sociais. Questões de ordem social geram naturalmente problemas sociais. A participação dos estudantes nas manifestações está intimamente ligada à sua atitude perante o estudo. Portanto, se não se ultrapassarem os problemas económicos e de qualidade de vida, será muito difícil Hong Kong voltar a ser uma sociedade harmoniosa e inclusiva. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Andreia Sofia Silva VozesA arte de engonhar [dropcap]A[/dropcap]s autoridades de Macau são peritas na chamada arte do engonhanço. Em bom português, a expressão engonhar ou engonhanço significa tudo o que é oposto à decisão ao acto de fazer. Perde-se tempo pelos mais variadíssimos motivos e interesses. O projecto da Biblioteca Central de Macau é um excelente exemplo de engonhanço: há mais de dez anos que está para se fazer. Depois das polémicas com os concursos públicos e com alegados plágios de projectos de arquitectura que foram negados, a obra avança. Eis que, afinal, há ainda uma coisa que não está bem, e surge em cena Chan Tak Seng, da Aliança do Povo da Instituição de Macau, para dizer que, afinal, a Biblioteca Central de Macau não deveria ser ali, num lugar central como é a avenida da Praia Grande porque, pasme-se, tem muitas pessoas e carros e é uma localização mais comercial. Pergunto-me porque é que este membro do Conselho do Planeamento Urbanístico quer agora alterar um plano que já foi mudado muitas vezes e adiá-lo para quando o novo Executivo tomar posse. Para quê mais meses de, lá está, engonhanço, quando o CPU já debateu este projecto inúmeras vezes e já existem adjudicações? Se é assim com uma biblioteca, imagine-se com tudo o resto que é obra pública.
Olavo Rasquinho VozesInfluência das alterações climáticas sobre os ciclones tropicais [dropcap]D[/dropcap]esde que o planeta Terra se formou, há cerca de 4,54 mil milhões de anos, a atmosfera tem vindo a sofrer alterações na sua composição química, conteúdo em aerossóis e temperatura média. Também o clima, que na sua definição mais simplista é a média das condições meteorológicas num período de pelo menos trinta anos, se tem alterado ao longo dos éones. Exemplos das consequências destas alterações são as numerosas glaciações que o nosso planeta tem sofrido. Todas essas oscilações do clima tiveram causas naturais. Acontece, porém, que desde o início da era industrial, há menos de dois séculos, o clima se tem alterado de tal maneira que há praticamente unanimidade no meio científico de que as causas estão relacionadas com o aumento da concentração dos gases de efeito de estufa. Segundo o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC), é 95% certo que as causas sejam antropogénicas, devidas principalmente ao uso intensivo de combustíveis fósseis. O IPCC é merecedor de toda a credibilidade, na medida em que foi criado por duas entidades das Nações Unidas, a Organização Mundial de Meteorologia e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente. O principal objetivo do IPCC é disponibilizar aos decisores políticos avaliações científicas regulares sobre as alterações climáticas, assim como opções de adaptação e mitigação, alertando também para os riscos futuros. O IPCC não realiza a sua própria investigação, mas os seus cientistas recorrem a milhares de trabalhos de investigação publicados em todo o mundo e elaboram com certa regularidade relatórios de avaliação sobre as alterações climáticas (Assessment Reports on Climate Change). Desde a sua criação, em 1988, o IPCC já elaborou cinco relatórios deste tipo e está preparando o sexto, que se prevê que esteja pronto no primeiro semestre de 2022. Uma das organizações que tem vindo a colaborar com o IPCC, através de relatórios sobre a avaliação da influência das alterações climáticas sobre os ciclones tropicais, é o Comité dos Tufões (ESCAP/WMO Typhoon Committee), cujo secretariado está sediado em Macau desde 2007. É uma realidade comprovada que o teor em gases de efeito de estufa na atmosfera tem vindo a aumentar, com especial relevo para o dióxido de carbono. A célebre curva de Keeling mostra que, desde 1958, altura em que se iniciou de maneira sistemática a medição da concentração do dióxido de carbono na atmosfera, o seu teor tem vindo a aumentar progressivamente. Consultando o website “Earth’s CO2 Home Page” (https://www.co2.earth/keeling-curve-monthly) pode-se verificar que a concentração do dióxido de carbono no observatório de Mauna Loa (Hawai), passou de menos de 300 partes por milhão (ppm) em 1958 para mais de 400 ppm na atualidade. Estima-se que no início da era industrial era cerca de 280 ppm. Mesmo após 2005, ano em que entrou em vigor o Protocolo de Quioto, que não chegou a ser ratificado pelos Estados Unidos da América, não se nota na curva de Keeling qualquer decréscimo de concentração de dióxido de carbono, antes pelo contrário. Curva de Keeling De acordo com este protocolo os países assinantes comprometeram-se a tomar medidas para o decréscimo de emissões de gases de efeito de estufa, em particular do dióxido de carbono. Poder-se-á afirmar que o Protocolo de Quioto não cumpriu os seus objetivos. Infelizmente o mesmo parece estar a acontecer com o Acordo de Paris, estabelecido em 2015, que volta a preconizar medidas para a diminuição das emissões de gases de efeito de estufa. Desde o início da era industrial que houve um aumento da temperatura média do ar de cerca de um grau Celsius, o que parece ser pouco, mas se pensarmos que basta um aumento de algumas décimas de grau para que a água passe do estado sólido para o estado líquido, quando a sua temperatura está próxima dos zero graus, facilmente se compreende as graves implicações desta subida de temperatura. As imagens de satélite mostram com clareza a rápida diminuição das calotas polares. Com base nos estudos recolhidos pelo IPCC poder-se-á perguntar: qual será a influência das alterações climáticas nos ciclones tropicais? A resposta não é fácil, mas parece que seria provável uma maior atividade desses fenómenos meteorológicos, atendendo a que o aquecimento do ar e do mar é uma realidade e que os ciclones tropicais se formam sobre as áreas mais aquecidas dos oceanos. No entanto, a elevada temperatura da superfície do mar não é a única condição para a formação dos ciclones tropicais. Sabe-se, em termos estatísticos, que para que ciclones tropicais se formem, devem ocorrer simultaneamente as seguintes quatro condições: – Temperatura da superfície da água do mar de pelo menos 26,5 graus Celsius; – Uma perturbação no campo da pressão atmosférica nos níveis baixos da troposfera (depressão ou vale); – Um anticiclone nos níveis altos da troposfera; – Pequena variação na vertical da velocidade e direção do vento (cisalhamento vertical ou, em inglês, vertical wind shear). Se ocorrerem simultaneamente estas quatro condições é muito provável a formação de um tufão se o fenómeno ocorrer no noroeste do Pacífico ou no Mar do Sul da China, um furacão no Atlântico ou no Pacífico oriental (a leste da linha de mudança de data), um ciclone se for no Índico. Para estudar a evolução do clima recorre-se a registos de dados meteorológicos referentes a muitas dezenas de anos e a modelos físico-matemáticos com os quais se podem tirar conclusões sobre como reagem a atmosfera e os oceanos à maior ou menor quantidade de gases de efeito de estufa. E é isso que os climatologistas têm vindo a fazer e as conclusões não são nada otimistas no que se refere às consequências, nomeadamente o degelo das calotas polares, a subida do nível médio do mar, maior frequência de fenómenos meteorológicos extremos, como por exemplo ondas de calor, desertificação em determinadas regiões e chuvas intensas noutras, etc. Como os ciclones tropicais se formam sempre no mar, onde as observações meteorológicas são muito mais escassas do que em terra, não há um registo longo da ocorrência destes fenómenos. Essas observações eram quase exclusivamente obtidas, antes do advento dos satélites meteorológicos, com recurso a boias e tripulações de navios. Como seria expectável, quando havia indícios dessa formação, como por exemplo diminuição brusca da pressão atmosférica e aumento do vento e da nebulosidade, os navios manobravam para se afastarem. Por outro lado, a quantidade de boias com equipamento meteorológico era escassa e perdiam-se ou deterioravam-se facilmente. Estas limitações implicaram escassez de dados referentes à formação de ciclones tropicais antes de meados da década de sessenta do século passado, aquando do advento dos satélites meteorológicos, o que teve como consequência que as conclusões dos estudos sobre a evolução da intensidade e frequência dos ciclones tropicais só passaram a ser mais fiáveis a partir dessa altura. De acordo com o Quinto Relatório de Avaliação sobre as Alterações Climáticas do IPCC (Fifth Assessment Report on Climate Change – AR5), editado em 2014, não se podem tirar conclusões seguras sobre se as alterações globais ou qualquer outra causa particular tenham influenciado a atividade dos ciclones tropicais. No entanto, no que se refere ao Atlântico Norte, constatou-se que essa atividade tem aumentado desde 1970. No que se refere aos ciclones tropicais que ocorrem no noroeste do Pacífico e no Mar do Sul da China, o Comité dos Tufões tem vindo a elaborar relatórios sobre as implicações das alterações climáticas nesses fenómenos, antevendo-se aumento de intensidade, mas diminuição da frequência. Não é absolutamente certo que assim seja, mas há a certeza de que, considerando a tendência de aumento da pressão demográfica nas áreas tradicionalmente afetadas por tufões, cada vez mais gente ficará exposta a estes fenómenos.
João Santos Filipe VozesBaía e Mi Jian [dropcap]A[/dropcap] UM apresentou um estudo sobre a vontade dos residentes participarem na Grande Baía. A informação disponibilizada aos jornalistas foi muito limitada pelo que os comentários merecem alguma cautela. No entanto, houve um ponto que me levantou muitas dúvidas, nomeadamente o “perfil tipo” das pessoas mais disponíveis para participarem na Grande Baía. Segundo as conclusões, entre as profissões mais interessadas estão “deputados”, “chefias de departamentos do Governo” e “líderes de associações”. Acredito que as respostas desse tipo de entrevistados tenham sido essas, mas são pouco credíveis e são políticas. Se olharmos para deputados, os ordenados no Interior da China são muito mais baixos do que em Macau e não são profissões sem risco. Se forem acusados de corrupção ou algo semelhante, os deputados ou chefias do Governo arriscam-se a ser condenadas à morte no Interior da China ou a longos tempos da prisão. Com um salário mais baixo e com estes riscos, alguém acredita que um deputado ou membro do Governo trocasse o seu cargo por outro na Grande Baía? Eu não acredito. Outra nota para as denúncias de corrupção contra Mi Jian, da Direcção de Estudos e Políticas. Segundo um comunicado do Governo, houve um encontro interno, na sexta-feira passada, para falar das denúncias com todos os trabalhadores. Mas, um porta-voz desses Serviços disse ao Jornal de Tribuna de Macau, no Domingo, que só sabia das queixas pela imprensa. Ridículos. Se Mi Jian quer que as pessoas acreditem na sua inocência, em vez de emitir comunicados que cheiram a estalinismo por todo o lado devia ter organizado uma conferência de imprensa. Agarrar o touro pelos cornos. Em vez disso a sua direcção andou a “dizer inverdades” aos jornalistas. Fica-lhe bem, principalmente quando espera que as pessoas acreditem na sua palavra face às acusações de corrupção.
Hoje Macau Direito de Resposta VozesTerrível prática do “pseudo-jornalismo” Por Yao Jing Ming [dropcap]F[/dropcap]oi numa viagem de serviço oficial que tomei conhecimento do teor da reportagem relativa ao Departamento de Português da UM, publicada pelo jornal Hoje Macau do dia 27 de Junho e assinada pela jornalista Andreia Silva. Fiquei muito surpreendido e desapontado com a irresponsabilidade e falta do profissionalismo evidenciados nesse trabalho jornalístico. É lamentável que a reportagem tenha saído ao espaço público simplesmente baseada em declarações prestadas por dois docentes da FAH, que, não tendo tido coragem para assumir a sua identidade, optaram por se esconder no anonimato, e por um ex-docente do Departamento de Português que se demitiu por vontade própria há um ano. O que foi apresentado pelo jornal –sem provas nem fundamento – não corresponde à realidade do Departamento de Português. Uma vez que o Departamento de Português tem trinta docentes e mais de seiscentos alunos (incluindo minor, major, alunos da licenciatura em Direito e pós-graduação), teria sido essencial que a jornalista tivesse procurado ouvir mais pessoas, evitando, assim, a divulgação de mentiras e de comentários infundados. É completamente falsa e absurda a afirmação de “hostilidades aos portugueses”, tecida pelo senhor “Manuel”. No Departamento de Português trabalham e convivem harmoniosamente professores portugueses, brasileiros e chineses. Não se verificou, nos últimos anos, nenhuma “debandada”, visto que, as poucas pessoas que saíram (e não apenas portugueses) fizeram-no por terem atingido o limite de idade ou por opção própria, por diversos motivos pessoais. Quanto à alegada “perseguição” referida pelo ex-professor do Departamento de Português, ela também não corresponde à verdade. De acordo com o regulamento da Graduate School da Universidade de Macau, os Professores Auxiliares (Assistant Professors) não estavam autorizados a orientar teses de doutoramento a não ser na qualidade do co-orientador – este impedimento não foi, portanto, imposto apenas a esse professor, mas a todos os que estavam inseridos na mesma categoria. Apenas nos anos académicos mais recentes o regulamento foi alterado. Em relação à referida recusa de “licenças de investigação”, as mesmas podem ocorrer devido ao facto de os pedidos não cumprirem os regulamentos e prazos estabelecidos pela UM, o que, na maioria das vezes, pode ser solucionado com a sua reformulação em conformidade com as regras. No que diz respeito à minha “promoção apressada, sem justificação curricular”, quero dizer orgulhosamente ao “Manuel” (seja ele quem for), o seguinte: sendo um dos poetas mais respeitados da China, excelente tradutor de poesia portuguesa para chinês e investigador produtivo, sou muito digno desta promoção. Para este efeito, a condecoração pelo Presidente de República de Portugal e vários prémios que me honraram em termos literários e académicos também podem servir de fundamento. Eu estranho por que motivo é que a jornalista do Hoje Macau ignora o que tem sido desenvolvido pelo Departamento de Português nos últimos anos, preferindo recorrer às informações não verificadas nem confirmadas para a divulgação da maledicência? É sabido que nunca me interessou ser Director do Departamento, cargo esse que me tem roubado imenso tempo para me dedicar à investigação e à criação literária. Entretanto, foram o amor ao português e a vontade de dinamizar o Departamento que me obrigaram a assumir o cargo depois da saída voluntária da Professora Fernanda Gil Costa com a qual continuo a manter uma relação muito amistosa. Graças à colaboração dos colegas e ao apoio indispensável da Professora Jin Hong Gang (tenho de confessar que nunca houve um director da Faculdade tão preocupado com o Departamento de Português como ela), foram melhorados o programa de licenciatura (como por exemplo, foram padronizados os conteúdos do ensino e dos exames) e o programa de Study Abroad (os nossos alunos do terceiro ano já podem realizar o seu estudo em Países de Língua Portuguesa durante um ano lectivo em vez dum semestre). Os nossos cursos de mestrado tornaram-se mais atraentes, tendo sido admitidos os melhores licenciados provenientes da China Interior e também alunos internacionais. Foi posto em prática o plano de leitura que visa encorajar os alunos a ler mais obras em português. Em colaboração com DSEJ, foi concluído uma APP que permite aprender português pelo telemóvel, sendo o seu lançamento previsto ainda para este mês. Em 2017, foi criado o Centro de Formação Bilingue que tem organizado muitos seminários e palestras dirigidos aos nossos alunos e à comunidade local. Em termos de divulgação da cultura portuguesa, foi criado o Prémio de Tradução Literária em parceria com a Fundação Macau e foi iniciado o projecto de tradução de autores portugueses em parceira com uma editora prestigiada de Pequim. De acordo com a ética jornalística, os jornalistas são responsáveis pela escolha das fontes a que recorrem, pela confirmação da informação que difundem mediante várias fontes e pela análise da autenticidade dos dados. No entanto, a jornalista do Hoje Macau negligenciou esta ética, tendo-se limitado a fazer a “montagem” duma reportagem especulativa, baseada apenas em informações duvidosas e falsas. Será que qualquer pessoa pode usar o jornal com um nome fictício para a maledicência? Lamento profundamente que um jornal tenha usado o seu poder mediático para praticar este tipo de “pseudo-jornalismo”, e denegrir a imagem da Faculdade e do nosso Departamento. Reconheço que no Departamento haverá, certamente, muito trabalho a fazer e aspectos que podem ser melhorados e, estando aberto a críticas, espero que elas se façam num tom construtivo, em diálogo franco e sem obscuridade. Resposta da jornalista Andreia Sofia Silva Antes de mais, lamento que nunca tenha respondido ao meu e-mail, enviado dias antes de publicada a reportagem, relativo à saída da directora da Faculdade de Artes e Humanidades da Universidade de Macau, onde lhe pedia também um balanço do trabalho realizado pela dra. Hong Gang Jin. A própria dra. Hong Gang Jin também nunca respondeu ao meu email, onde lhe colocava as mesmas questões. Enviei os emails com antecedência, antes da publicação da referida reportagem, mas nunca obtive uma reacção ou mesmo uma simples resposta, acusando a recepção. Desta forma, foi impossível obter o contraditório, facto referido no artigo. Quanto a não ter contactado mais docentes, tive o cuidado de fazer inúmeros contactos com professores e ex-professores do departamento de português, mas não só: foram também contactados docentes de outros departamentos, precisamente para garantir a pluralidade de opiniões e ter uma visão global do que aconteceu. Muitos não quiseram responder, outros optaram por o fazer recorrendo ao legítimo direito do off the record. São pessoas que, perante mim, se identificaram e cujas posições considerei credíveis para a inserção na reportagem. Reconheço e tenho o maior respeito pelo seu mérito como poeta, tradutor e docente, mas não poderia deixar de publicar uma opinião de um docente que, assumo, não é a minha.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesPor que (não) precisamos de Chás Afrodisíacos [dropcap]T[/dropcap]odos temos teorias do que é o desejo, o sexo e o amor. Atribuímos significados às nossas sensações e definimos cronologias do que vem primeiro ou depois. Primeiro o desejo, depois o sexo e depois o amor, talvez. Pelo menos os psicólogos da evolução do comportamento parecem sugerir que o amor veio por último – um desenvolvimento natural para justificar a sobrevivência. Que não é bem a nossa sobrevivência, mas a dos genes que os nossos bebés carregam. E claro, lógica mais natural é de que os bebés irão sobreviver melhor se tiverem um pai e uma mãe a protegê-lo. Assim pensam uma facção de psicólogos que gostam de simplificar e normalizar aquilo que – talvez – não traz grande vantagem em ser assim simplificado. Mecanizar o que somos resulta numa enorme ausência de significado nas nossas vidas. Parece que vivemos para racionalizar tudo e todos, somos ateus e descrentes. Queremos esmiuçar o que é complexo porque a fenomenologia do saber não basta. Não basta sentirmos, temos que pensar de forma a deslegitimar o que sentimos. Como se o nosso sistema sensório-motor estivesse a enganar-nos e precisássemos de esclarecer exatamente o que se passa connosco. Na forma mais romântica de sermos, estas sensações que o desejo, o sexo e o amor trazem, poderão muito bem justificar o que somos. Como se fizesse parte da nossa procura de sentido. Só que biologia despe tudo de magia. Deixa-nos a sós com a ideia de que afinal somos só feitos de mecânicas e químicas que justificam o que sentimos. A investigação mostra que os caminhos neuronais para o desejo e para o amor são muito semelhantes. E o que é que isso nos interessa? Precisamos mesmo de procurar os caminhos neuronais do amor? Há quem ache que sim, eu acho que não. Optar pelo modelo biomédico do sexo e do amor é assumir que a procura por quem somos, até nas formas mais esotéricas, não as incluem. Se tentamos reduzir a magia do amor à presença de oxitocina, estamos mal. Tiramos a possibilidade de sermos mais do que um conjunto de células que só reage quando tem que reagir. Por exemplo, julgar que chás afrodisíacos curam a falta de desejo é assumir que o corpo pode ser só um corpo. Nada mais. E quem fala de chás, fala de medicação ou outras técnicas que assumem que o sexo só precisa de um estímulo e não de uma história – complexa, rica, com vitórias e perdas que lhe fazem parte – para resultar em desejo, sexo e amor. A solução é a estória ou a narrativa. As narrativas que contamos – melhor do que as áreas do cérebro que se activam numa ressonância magnética – mostram-nos melhor como o desejo cresce ou desaparece. Com o uso das palavras penetramos os símbolos, as emoções ou os comportamentos dos diferentes estados de enamoramento. Não presenciamos só aos significados, mas à mobilização de conteúdos que nos reinventam. Da forma como bebemos da imaginação para sobreviver à distância de quem mais gostamos ou para sobreviver a proximidade de muitos anos. Criamos estórias para contrariar a tendência mecânica e simplista. Estórias que podem ser criadas por muitos ou individualmente. As culturas tendem a definir as estórias amorosas dignas de serem vividas ou imaginadas. Só que nós somos uns rebeldes pelo prazer e pelo amor. Recriamos os contos de fada para sermos felizes – porque só contando e apropriando das nossas estórias é que podemos senti-las como nossas. Com as perspectivas vigentes, podemos ser princesas, príncipes e vilões ou animais que se regem por instintos e nada mais. A verdade é que num mundo de opções de como escolhemos viver o desejo, o sexo e o amor são sempre escolhas entre narrativas. Podemos optar por amor e sexos fantásticos ou do tipo aborrecidos que as narrativas biológicas nos tentam impingir.
Raquel Moz VozesOverbooking cultural [dropcap]É[/dropcap] injusto reclamar de barriga cheia. Mas ainda é mais injusto ter demasiados eventos culturais e artísticos a convergirem nas mesmas datas da agenda, onde já existiam outros eventos culturais e artísticos previamente marcados. É frequente dar-se o caso de “overbooking” no meu calendário electrónico. E não há nada a fazer, não é possível desdobrar-me para conseguir estar em lugares vários ao mesmo tempo. Vem isto a propósito de muita festa e festival que se faz por cá. Não pretendo com isto que acabem, nem que se feche a torneira da cultura, até porque de pão e circo vivemos todos nós e eu gosto. Felizmente, muitos acontecimentos esgotam e, de certa maneira, fica o problema resolvido. Só que depois venho a saber que muitas filas permaneceram vazias durante os espectáculos, concertos, peças de teatro, projecções de filme, e tenho vontade de torpedear todos os quadradinhos que vi trancados nas bilheteiras online, como se fossem uma batalha naval imaginária, em que os porta-aviões e os submarinos que não se dignaram aparecer deviam acabar como destroços cobertos de verdete no fundo do oceano. É claro que ninguém tem culpa – além dos que se baldam aos eventos, mas que decerto terão o seu atestado de internamento hospital, que respeito e compreendo –, muito menos os organizadores que já muito fazem para permitir que os lugares vagos possam ser, de última hora, preenchidos por aqueles que arriscam a sua sorte à porta dos eventos. Considero isso um dever cívico das organizações, que aplaudo, só que à distância. Porque não sou dessas pessoas que tenta ir quando tudo parece já perdido. E depois fico com pena.
Andreia Sofia Silva VozesFinalmente, Malaca [dropcap]R[/dropcap]ecordo-me da cara de felicidade daquele homem no meio de carros barulhentos quando viu o meu passaporte português. Tirou-o das minhas mãos, repentinamente, e sorriu como eu nunca havia visto alguém sorrir perante tal documento de viagem. Aquele residente de Malaca sentia-se português sem nunca ter ido a Portugal e sentia uma extrema felicidade só de olhar para o meu nome. Malaca é um lugar especial, mas esquecido. Aquele pequeno bairro português guarda tantas histórias consigo, histórias que permanecem por catalogar e que caíram no esquecimento das autoridades portuguesas. O sentimento de ser português, ainda que essa portugalidade possa ser uma ilusão, está muito presente naquelas ruas e é bonito de se ver, mas, sobretudo, de sentir. Finalmente, um dirigente português foi a Malaca ver estas pessoas e este sentimento bonito que elas guardam. Vai tarde, mas mais vale tarde do que nunca. Espero que a visita do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, possa dar àquelas pessoas uma escola de português como tanto desejam, um museu decente e infra-estruturas que permitam manter a sua história, que afinal é nossa também.
João Romão VozesMuros e estradas [dropcap]F[/dropcap]oi dos compromissos maiores estabelecidos com o seu eleitorado, o de construir um muro magnífico e inultrapassável que separasse definitivamente os fantásticos Estados Unidos do pobre México. Que os mexicanos pagariam por essa gigantesca e formidável obra da engenharia moderna foi outro compromisso assumido pelo que viria a ser eleito Presidente dos EUA, determinando em devolver ao país uma suposta grandiosidade perdida, devidamente protegido de nefastas influências estrangeiras, na economia ou na demografia. Um pouco por todo o mundo se ergueram vozes indignadas e não poucas vezes se referiram dois aspectos particularmente reveladores de hipocrisias várias nesta discussão: são mais de 60 milhões as pessoas indocumentadas a viver actualmente nos Estados Unidos, fornecendo uma mão-de-obra barata e de escassos direitos que alimenta grande parte da economia nacional; e, na realidade, o muro não é invenção nova – já lá estava, em grande parte da fronteira, e também durante a presidência de Obama aumentou a sua extensão. Não tendo afinal o dito muro crescido drasticamente durante o actual mandato presidencial, cresceram as acusações de violações de direitos humanos de migrantes, bárbaros actos de separação de famílias e isolamento de crianças ou até criação sistemática de campos de concentração – tem sido mesmo este o termo usado para definir centros de detenção de migrantes, em discussões nas mais altas instituições do estado – onde se acumulam milhares de pessoas que procuram na parte mais rica da América o sonho de liberdade e a ambição de riqueza que foram alimentando. Apesar de mais discreta, não é muito diferente a situação na Europa: também chegam do sul milhares de pessoas, a fugir da guerra e da pobreza e à procura de sonhos e ambições. Têm muros ocasionais e redes de arame farpado, é verdade, mas há um todo um mar que estabelece mais subtil fronteira onde em tempos houve espaço para cruzamento e contato de antigas civilizações – de fenícios, gregos, egípcios, romanos ou árabes. Hoje há desemprego, escassa confiança na economia e alta desconfiança nos seres humanos, a alimentar ódios e xenofobias. Não basta nestes dias tenebrosos ter o Mediterrâneo como vala comum de migrantes em fuga desesperada: chegam notícias de diligentes autoridades a perseguir quem ajuda quem se afoga nas outrora plácidas águas que separam o Sul da Europa do Norte de África: chamam-lhe “auxílio à imigração ilegal” e querem bani-los das águas mediterrânicas. Não são só os governantes neo-fascistas que se instalaram em Itália: são em geral as políticas de imigração da União Europeia, que fazem do Mediterrâneo o mesmo muro que se quer reforçar na América. Num e noutro lado do Atlântico alimenta-se a divisão entre os pobres e os ricos do Sul e do Norte, supostamente à procura de uma grandiosidade perdida na história. Não chegará por essa via, certamente. Há caminhos na história das civilizações que reabrem na contemporaneidade, no entanto. É o caso da chamada Rota da Seda, recuperada pelo governo chinês para promover um massivo programa de investimentos em infraestruturas e empresas da Ásia, África e Europa. Em tempos de competição e desconfiança generalizadas, os poderes europeus e americanos denunciam a ameaça da expansão chinesa e os perigos decorrentes do aumento da sua influência económica, cultural e política no resto do mundo. Sendo previsível essa consequência, está longe de constituir originalidade histórica. Foi semelhante a expansão da influência dos Estados Unidos sobre a Europa e o Japão com o plano Marshall, que financiou massivamente a reconstrução económica e demográfica que se seguiu à II Guerra Mundial. Com mútuo benefício, diga-se em abono da verdade: os EUA assumiram-se como a grande potência mundial, enquanto a generalidade dos países europeus (e também o Japão) beneficiaram de um longo período de crescimento económico, que duraria até quase ao final do século XX – e que também se traduz numa evidente hegemonia política e militar. Também vem desse período do pós-Guerra o acesso cada vez mais global a formas de expressão cultural com origem nos EUA e hoje altamente massificadas, como os blues, o jazz, o rock ou o cinema de Hollywood. Nem Europa nem Estados Unidos têm hoje qualquer iniciativa semelhante a um plano massivo de investimentos no apoio ao desenvolvimento: são mais os gastos em financiamento de organizações para-militares e bombardeamentos regulares em larga escala (sobretudo – mas não só – no Médio Oriente) do que os investimentos na riqueza e no desenvolvimento dos países de África ou do sul da América. Quem tem essa iniciativa é a China, que não gasta em guerras a riqueza que vem acumulando. Não é impossível, apesar de todos os maus exemplos, reabrir velhos caminhos da paz e da cooperação económica – mesmo que, já se sabe, os benefícios sejam desiguais e quem promove o investimento acabe por vir a reforçar a sua posição hegemónica, como demonstram os exemplos históricos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA receita chinesa para o choque de civilizações “Various civilizations are not destined to clash. It is foolish to believe that one’s race and civilization are superior to others’ and it is disastrous to willfully reshape or even replace other civilizations.” President Xi Jinping [dropcap]T[/dropcap]odas as civilizações do mundo sentem orgulho na sua história e realizações culturais, e escreveram a história da humanidade tornando cada uma como centro. O presidente Xi Jinping em resposta aos mais sérios desafios globais enfrentados pela sociedade humana, deu uma “receita chinesa” no seu discurso de abertura da “Conferência sobre o Diálogo das Civilizações Asiáticas (CDAC na sigla inglesa)” que teve por tema “enfrentar desafios comuns e avançar para um futuro melhor, requer força económica e tecnológica, mas também cultural e civilizacional”, realizada no Centro Nacional de Convenções de Pequim, a 15 de Maio de 2019. Devido à diversidade de civilizações, é necessário aprender umas com as outras retirando lições para o desenvolvimento. Se as civilizações humanas tivessem apenas uma cor e modelo, o mundo seria monótono e aborrecido demais. O discurso do presidente chinês analisou em profundidade a grave destruição criada pelo conceito de uniformidade em relação às civilizações do mundo. De facto, são justamente as diferentes opiniões sobre a uniformidade e a diversidade das civilizações que se tornaram um importante motivo para criar muitos conflitos, guerras e tragédias na história recente da humanidade, especialmente desde o início do século XV, devido ao grande avanço na astronomia, geografia e nas modernas tecnologias de construção naval e navegação, a interacção entre diferentes civilizações tornou-se mais frequente e generalizada. O rápido desenvolvimento da tecnologia na primeira revolução industrial, fez que a civilização da Europa Ocidental se começasse a expandir, conquistar e colonizar, o que levou a um aumento de poder da região, que foi rapidamente colocada no centro do mundo e não se tratava apenas de ligar todas as civilizações, mas também exercer diferentes graus de influência sobre as demais, que levou a um equívoco, o de acreditar que a civilização da Europa Ocidental e da civilização europeia e americana, cujos principais valores dela são derivados são melhores que as outras. As suas realizações em termos culturais, artísticos, científicos e tecnológicos, ideológico, sistema social, e modelo de desenvolvimento alcançaram o auge das civilizações humanas e acreditam que a civilização europeia e americana tem uma condição universal, isto é, tal visão causou danos extremamente dolorosos às civilizações do mundo na história da humanidade. Tal visão, gerou uma estreiteza e egoísmo na natureza humana e espalhou a semente da discórdia e de guerras com elevado grau de morticínio, sendo de relevar uma guerra colonial de quatrocentos anos, duas guerras mundiais e racismo que nunca são fáceis de erradicar e que estão indubitável e intimamente relacionados com as influências negativas e profundas deste conceito de civilização uniforme. A história milenar da humanidade é um processo no qual diferentes civilizações brilhavam em mudanças ou coexistiam de forma esplêndida e destacaram-se as antigas civilizações da Mesopotâmia, Egipto, América pré-colombiana, India e outras, incluindo a da Europa Ocidental, cujas raízes são as antigas civilizações grega e romana. Assim, incluem-se as civilizações do leste asiático, que sobreviveram por milhares de anos. Ainda que diferentes culturas tenham surgido e decaído, fundido, trocado ou colidido, a coexistência era a norma e a corrente dominante é também a base da civilização humana. As diferentes civilizações promoveram à sua maneira o progresso das regiões e impulsionaram os meios para que as suas características e fenómenos culturais se desenvolvessem, amadurecessem e estabelecessem um padrão que as fez distinguir das demais. O reconhecido historiador inglês Arnold Toynbee, afirmou que cada civilização apresenta características que não são compreendidas pelas outras. É de acreditar que especialmente nesta época de globalização, mais elementos culturais regionais tiveram a oportunidade de se tornar globais, e diferentes culturas foram ainda mais enriquecidas em termos de intercâmbio e aprendizagem mútua, o que também gerou um fenómeno de subculturas, mais diversificadas e plurais. A conotação e extensão da diversidade cultural expandiram-se. Ainda que o conceito de civilização uniforme tenha dado origem à hegemonia ou colonização cultural de uma parte poderosa sobre uma débil, o mundo vai-se dando conta que a realidade histórica tem demonstrado que este conceito não é civilizado e inclusive não é cívico. É inegável que existem diferenças entre as diversas civilizações, especialmente, nesta era de globalização, a relação entre as civilizações sofreu profundos ajustes, o que gerou interacções fortes, multidimensionais e contínuas, e até mesmo colisões entre elas. O início do século XXI, com a influência cada vez menor da Guerra Fria e uma preocupação maior na luta contra o terrorismo, fez surgir a teoria do “choque de civilizações”. É de considerar que “O Choque de Civilizações” é o título da obra de Samuel Huntington, ex-professor em Harvard e um dos mais importantes pensadores políticos contemporâneos. O livro, de 1996, é o resultado de um artigo anterior, escrito contra o livro “O Fim da História e o Último Homem”, de Francis Fukuyama, professor na Universidade Stanford, e publicado na revista “Foreign Affairs”, em 1993. A tese do artigo primitivo, que o livro expande e está repleto de detalhes, é de que uma vez terminada a Guerra Fria, outras tensões geopolíticas mundiais começarão e as suas linhas de fractura serão “civilizações”. São conjuntos normativos fechados, culturas activas com memória, capazes de estabelecer uma vontade política comum. Tal vontade é baseada apenas no que é comum aos mesmos, geralmente uma visão religiosa de si e do mundo. Há, segundo Samuel Huntington, “sete ou oito” grandes civilizações, a da Europa Ocidental que inclui a América do Norte e a Austrália; os ortodoxos cristãos, os chineses japoneses, os islâmicos, os hindus e os africanos, os latino-americanos e talvez os budistas que estão no término. O Ocidente é e será por algum tempo a civilização mais poderosa. Mas cada grande área tem um país líder e a teia do poder mundial é formada por poderes de diferentes civilizações. Assim, ninguém pode impor-se aos outros. A trama de fundo em que se desenvolve a tese de Samuel Huntington é clara, pois basta conhecer a história e a demografia. As civilizações do passado foram todas permeáveis às inovações técnicas dos seus contemporâneos, mas nunca aconteceu que uma civilização sentisse a necessidade de importar inovações morais ou políticas. As “expansões” foram feitas pelas formas religiosas que são o endurecimento das fronteiras de valor. O professor Samuel Hutington acreditava que nenhuma grande religião nova ou sincrética é apreciada no futuro e cada poder central das diferentes civilizações competirá com as outras, ou então realizará com algumas alianças estratégicas, enquanto criará os seus satélites para os países menos poderosos da sua área civilizadora. O mundo é e continuará a ser multicultural e multifocal, sem que isso garanta tolerância ou paz, porque as civilizações competirão sem remédio. Os conflitos aparecerão nas “zonas de fractura” nos países onde elas se limitam, e há fronteiras mais difíceis do que outras. A partir da análise do conflito religioso plural na ex-Jugoslávia, Samuel Huntington tira a conclusão de que o Islão é a civilização mais problemática, demográfica e valiosa, embora deva ser dada atenção especial à Índia e à China, que se tornarão superpotências económicas. Todavia, a ordem fomentada pelo Ocidente, com a sua tabela de valores e Direitos Humanos, não é universal nem será; não sendo credível e os grupos civilizacionais não a atacam directamente, não porque a obedeçam ou estão em processo de fazê-lo, mas porque ainda não têm a força para o fazer e não a vivem como universal, mas como o próprio Ocidente, exógeno e baseado na força. Nenhuma civilização prevaleceu; e, embora Arnold Toynbee se tenha inquirido se o Ocidente poderia mudar, universalizando e sobrevivendo, não parece que Samuel Huntington, que em tantos pensamentos o segue, fosse tão optimista. O Ocidente tem interesses em todas as outras civilizações, mas é uma minoria demográfica cada vez menor. Acredita-se que o conflito entre as diferentes civilizações domine o mundo e que as diferenças culturais sejam as causas essenciais desses conflitos. O chamado “choque de civilizações”, de facto, é apenas um fenómeno superficial para o pensamento chinês. As suas raízes estão na procura e captura por parte de diferentes países e grupos étnicos de poder, riqueza e segurança. A causa real é de natureza socioeconómica e é o resultado irracional e injusto da ordem política do mundo. O presidente chinês afirmou de forma lapidar durante a CDAC que não deve haver conflitos entre as diferentes civilizações, mas apenas ter olhos para apreciar a beleza de todas elas. É verdade que não existe conexão directa e inevitável entre conflitos e civilizações plurais e diversificadas. Os preconceitos e mal-entendidos devido ao isolamento e à má comunicação são um terreno fértil para criar e agravar conflitos. O respeito pela diversidade cultural do mundo, a persistência nos princípios de procura de áreas comuns que marginalizem as diferenças, e promovam os intercâmbios e aprendizagem mútua, contribuirão para o conhecimento e entendimentos completos e objectivos entre as diferentes civilizações, e encorajarão a sua coexistência em harmonia e desenvolvimento. É necessário primeiro construir plataformas de intercâmbio e deslocar o seu papel, por exemplo, com a construção de mecanismos culturais bilaterais e multilaterais, a convocação de conferências regionais sobre o diálogo entre civilizações ou o apoio a organizações como a UNESCO. É de considerar que em segundo lugar, deve ser tido em conta que cada civilização tem as suas próprias vantagens. As pessoas devem manter uma mente aberta em relação a intercâmbios e diálogos, aprender com as conquistas alcançadas e promover a prosperidade e progresso comum da civilização humana. É este o sentido de trabalhar juntos para construir uma comunidade de destino compartilhado. Em um tempo como o que vivemos, de desenvolvimento e mudanças gigantescas, a coexistência harmoniosa com outras civilizações é a oportunidade de alcançar o desenvolvimento. A CDAC oferece uma nova plataforma para os países da Ásia e do mundo, para que possam dialogar, realizar intercâmbios, aprender uns com os outros e iluminar uns aos outros, e também consolidar a base de construção conjunta da comunidade de destino da Ásia e da humanidade. Aquando da abertura da CDAC, o presidente chinês rejeitou a teoria de que diferentes civilizações estão fadadas a colidir e que era tolice acreditar que a raça e a civilização de alguém é superior à de outros, sendo desastroso reformular deliberadamente ou mesmo substituir outras civilizações, tendo feito uma proposta de quatro pontos para consolidar a base cultural da construção conjunta de uma comunidade com um futuro compartilhado para a Ásia e humanidade; como tratar uns aos outros com respeito e como iguais; apreciar a excelência de todas as civilizações; aderir à abertura, inclusão e aprendizagem mútua e acompanhar os tempos. A Ásia é o berço de muitas civilizações importantes no mundo, como as civilizações indianas, mesopotâmica e chinesa. Houve intercâmbios frequentes e aprendizagem mútua entre as civilizações asiáticas ao longo da história, por exemplo, o budismo espalhou-se pela China e outras partes da Ásia. A filosofia dos antigos pensadores chineses, como Confúcio e Mencius espalhou-se pela Ásia e pelo mundo para fornecer orientação para a conduta humana e governança. A astrologia e a ciência médica dos países árabes chegaram à China através da antiga “Rota da Seda”. Os países asiáticos sempre tiveram uma base sólida na história para o diálogo e comunicação. Os intercâmbios culturais, actualmente, continuaram em vários campos, como filmes, literatura e protecção do património cultural. O primeiro filme co-produzido pela China e Cazaquistão, “The Composer”, foi estreado em 17 de Maio de 2019, durante o CDAC. O musical narra os últimos anos de 1940 a 1945 do compositor chinês Xian Xinghai, nascido em Macau e mais conhecido pela sua “Cantata do Rio Amarelo”, em Alma-Ata, a maior cidade do Cazaquistão, e Moscovo. O presidente chinês destacou a importância das trocas e aprendizagem mútua entre civilizações em várias ocasiões. Em um discurso na sede da UNESCO em Paris, em 2014, afirmou que as civilizações tornaram-se mais ricas e mais coloridas com intercâmbios e mútua aprendizagem. Tais intercâmbios e aprendizagem formam um importante impulso para o progresso humano, paz e desenvolvimento global. A CDAC foi proposta na reunião de cúpula da “Conferência sobre Interacções e Construção de Confiança na Ásia (CICA na sigla inglesa)”, em Xangai, em 2014, e novamente na “Conferência Anual do Fórum Boao para a Ásia (FBA na sigla inglesa)” que se realizou na província de Hainan no sul da China, em 2015. A exposição no “Museu Nacional de Arte da China” em Pequim, durante a CDAC teve uma interessante mistura. Havia pinturas de artistas chineses retratando outros países da Ásia, bem como paisagens chinesas e pessoas desenhadas por artistas de outros países asiáticos. O discurso do presidente chinês aquando da abertura da CADC foi muito caloroso, expressando a sua disposição de abrir os braços a todas as civilizações na Ásia e do mundo, enfatizando a necessidade de lidar com diferentes civilizações em pé de igualdade e que nenhuma delas tinha o direito de ser superior. Todas as civilizações têm as suas singularidades e a sua parte na herança humana. Ao invés do “choque de civilizações”, afirmou a necessidade de cooperação entre civilizações e de construir uma comunidade de civilizações com um futuro partilhado, invertendo a direcção de muitas ideias de progresso no mundo que levam à existência de relações de confronto entre países e civilizações. Actualmente existem duas tendências no mundo, sendo a da globalização e a da desglobalização. Os Estados Unidos estão a tentar destruir a actual ordem mundial, tendo cancelado a sua participação em vários acordos globais como o “Acordo Climático de Paris”, mas a China lidera a globalização e oferece ao mundo grandes ideias como a “Iniciativa Faixa e Rota” e um futuro compartido para a Ásia e toda a humanidade. A China está a oferecer um novo farol de esperança. O diálogo é a aspiração comum das pessoas na Ásia. A CDAC pode aumentar a consciência da civilização asiática. A Ásia tem civilizações antigas, diversas e ricas. No entanto, por muito tempo na história, a civilização ocidental dominou o mundo e a civilização asiática foi suprimida até certo ponto. A tese chinesa é uma censura poderosa para os que defendem a teoria do “choque de civilizações”. A Ásia possui mais de 60 por cento da população mundial e um terço do PIB mundial e tornou-se um importante motor para o crescimento económico global. A civilização asiática adoptará uma renovação e o CDAC será um catalisador para essa reforma.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAs noites de Verão [dropcap]C[/dropcap]om o solstício de Verão talvez os astros se alterem para formar constelações particulares. Os alquimistas falarão em transformações astrais e transformações individuais. Mas disso não sei absolutamente nada. Só que as mudanças são mudanças, e as mudanças do clima também afectam a pele, o tacto e tantos outros sentidos. Foi numa noite de Verão que os corpos se encontraram e a magia aconteceu. Há quem culpe as hormonas responsáveis pelos cheiros ou as formas irresistíveis das gentes sexualizadas. Os protagonistas podem ser homens, mulheres, trans ou intersexo. Os corpos mais ou menos definidos pela ‘suposta’ necessidade mental de categorização – mas que acabam por viver no limiar entre desejos de auto-determinação e a negociação de aprovação alheia. Categorias que são muito mais que nomes, que carregam expectativas do que são características típicas. Como é uma mulher e como é um homem, ou de como é quem não é uma coisa nem outra. Só que quebramos as constantes amarras que as palavras nos criam. Criamos outras palavras para fazer justiça ao nosso prazer e identidade. Mas ao mesmo tempo parece que as noites de Verão têm promiscuidade colada na testa. Talvez porque os corpos estão mais à vista, mais descobertos. Talvez porque falamos dos amores de Verão como circunscritos no tempo e não os julgamos para sempre, como se houvesse uma fórmula que definisse à partida o futuro dos amores de corpos. Corpos que podem ser mais dissidentes que outros, mas que são sempre dissidentes. Não há nada mais poderoso que o amor e o sexo. Os hippies tinham razão: façam amor em vez de guerra. Parece tão simples quanto isso. Foi também numa noite de Verão que, em Nova Iorque, houve quem tivesse contribuído para a rebelião em Stonewall. Não era um capricho de Verão. A necessidade imperativa de afirmação do que era uma vida escondida dentro do armário – ou dentro de lugares muito particulares – não tinha outra escolha. Pequenos lugares onde a auto-determinação era uma possibilidade, mas que ficava confinada por ali. Uma altura em que a liberdade de amar a nosso bel-prazer era tida como uma doença mental ou era criminalizada. Junho é o mês em que se celebra o orgulho das muitas formas de auto-determinação – o direito de nos expressarmos exatamente como somos. Por acaso é no Verão, mas podia ser noutra altura qualquer. Em noites de Verão também se escreve sobre sexo para dar sentido a vidas para além do dele, e do amor. Como se a parte mais censurada de nós precisasse de ser libertada para a vida ganhar mais sentido. Talvez estejamos presos no problema hedonista. Na procura de prazer e na culpa de o ter. Como se vivêssemos os impulsos de formas extraordinariamente relutantes. Ponderamos entregar-nos quando não sabemos o que nos traz a entrega. Nas noites de Verão os corpos e as mentes parecem mais livres. Talvez sejam as férias, o desejo de folia ou o desespero por quebrar a rotina. Como se no resto do ano estivéssemos presos a uma expectativa parva, em um formato mecânico e irreflectido. Acorda-se e vive-se sem se pensar muito no que fazemos e para onde vamos. Até que chegamos ao Verão e percebemos que podemos fazer tudo. Fugir dos medos, fugir de nós ou reencontrarmo-nos no sexo, no amor ou na vida. Os alquimistas talvez tenham as fórmulas de tornar esta sensação de liberdade eterna. Misturando os elementos perfeitos conseguimos tudo. Provas de quem somos, definições de prazer genuínas, formas de pensar a sexualidade longe de preconceito, longe de complicações. Não que esteja a reduzir tudo isto ao simples impulso. Na complicação fisiológica e conceptual poderemos simplificar, às vezes. Porque no Verão, ou em qualquer estação do ano, amor é amor é amor.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesLei de extradição continua na ordem do dia [dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong, os últimos domingos foram assinalados por duas enormes manifestações contra a revisão da lei de extradição dos condenados em fuga. De acordo com os dados da organização, na primeira manifestação participou cerca de um milhão de pessoas e na segunda participaram cerca de dois milhões. Um dos manifestantes morreu em Admiralty ao cair de um edifício. Segundo os dados do Governo de Hong Kong o número de participantes foi muito inferior. De qualquer forma, esta questão não é muito relevante. A segunda manifestação, que começou às 14.40, congregou tantas pessoas que só se pôde ver o seu final pelas 23.00. A participação massiva nestas manifestações confirma que o Governo de Hong Kong tem um problema sério entre mãos. Em primeiro lugar, as manifestações revelam que os habitantes de Hong Kong estão muito preocupados com a revisão da lei e que querem suavizar as alterações. Em segundo lugar, o aperfeiçoamento em termos de organização que se verificou da primeira para a segunda manifestação, muitíssimo bem organizada, colocou o Governo da cidade perante um difícil dilema. Por um lado, os manifestantes tinham um objectivo muito bem definido e transmitiram as suas exigências de forma pacífica, sem necessidade de recorrer a qualquer tipo de violência. De certa forma obrigaram o Governo a aceitar os seus pontos de vista. O que se passou desta vez em Hong Kong, nada teve a ver com o que por vezes acontece noutros locais do globo, que degenera em tumultos incontroláveis. A forma pacífica das pessoas se manifestarem impediu a polícia de intervir. Efectivamente, nesta segunda demonstração, a polícia limitou-se a abrir caminho para os manifestantes passarem e a velar para que a ordem se mantivesse. Se de futuro os hong kongers passarem a demonstrar desta forma as suas insatisfações o Governo vai ficar numa posição difícil. Em terceiro lugar, a Chefe do Executivo de Hong Kong anunciou a suspensão da revisão da lei de extradição dos condenados em fuga e não a abolição da revisão. Estas palavras “suspensão” e “abolição” deram o mote para algumas pequenas manifestações, que se realizaram depois da segunda grande manifestação. A questão estava precisamente no facto de suspender ou abolir a revisão da lei. Claro que a suspensão implica o regresso do projecto de lei ao Conselho Legislativo, enquanto a abolição implica a morte imediata deste projecto. No entanto, algumas pessoas próximas dos círculos governamentais têm salientado que, se o Governo não tiver forma de lidar com as exigências deste número esmagador de manifestantes, será impossível reiniciar o processo de revisão da lei. Desta forma, a “suspensão” de Carrie Lam talvez venha a ser sinónimo de “abolição”. É evidente que no seio da sociedade de Hong Kong se encontram apoiantes da “suspensão” e da “abolição”. Mas independentemente das diferentes opiniões, o facto que salta à vista é que o Governo não está em posição de resolver esta disputa e que será melhor não levar para a frente a revisão da lei. No decurso das duas manifestações massivas as exigências dos habitantes de Hong Kong foram expressas de forma inequívoca e o Governo da cidade anunciou a “suspensão” da revisão. As pessoas devem reflectir sobre estes dois factos. Será que ainda é necessário continuarem as manifestações para exigir a “abolição” da revisão? Se continuarmos a escalpelizar este assunto que consequências podem daí advir? Rowan Tam, um antigo cantor de Hong Kong, tinha uma canção,”Under the Lion Rock”, que dizia mais ou menos o seguinte: “Navegamos no mesmo barco sob a Lion Rock, devemos ajudarmo-nos uns aos outros, esquecer as diferenças e procurar as semelhanças.” Quer sejamos a favor ou contra a revisão da lei de extradição, Hong Kong tem de seguir em frente, olhar para o futuro e deixar o passado para trás. Unamos esforços para que Hong Kong possa vir a ter um futuro brilhante. Este deverá ser o desejo de todos nós. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
João Luz VozesBom pai de família [dropcap]N[/dropcap]ão é minha intenção sentar-me tardiamente a uma mesa onde já todos terminaram o café. Até há dias não liguei à “controvérsia”, dita “fracturante”, trazida por um artigo que não passou o crivo editorial deste jornal por razões mais que legítimas. Durante este tempo não achei que o tema merecesse o meu tempo, enquanto outros assuntos da actualidade ganharam prioridade. Até que, movido por curiosidade mórbida, li o tal artigo que circulou de e-mail em e-mail. Não vale a pena dirigir-me ao mérito moral de um discurso que em termos de direitos civis é tão caduco como ainda argumentar a favor da segregação. Mas existem alguns aspectos, por extravasarem regularmente para outros assuntos, que acho serem dignos de ponderação. Um deles é a menção à censura. Censura é uma mordaça imposta pelo Estado, transversal a tudo e todos, com vista a blindar a sociedade a ideias que possam colocar em causa o regime. Um jornal não é um Estado, mesmo se quisesse não tem poderes para barrar todos os canais informativos, ou vozes dissidentes. Nunca foi tão fácil, como hoje em dia, arejar uma ideia ou argumento publicamente, mas isso não obriga privados a publicarem tudo o que lhes é enviado. Além disso, uma entidade privada ter autonomia de critério editorial é, muito pelo contrário, o mais puro acto de liberdade. Aliás, mesmo discordando profundamente de opiniões que datam de um período eticamente jurássico, seria o primeiro a acrescentar a minha voz ao coro que clama por liberdade de expressão e defender o direito de alguém dizer a maior barbaridade que conseguir. Só não me venham com choradinhos póstumos e vitimizantes. Falar abertamente é também estar abertamente sujeito a crítica e ter a dignidade para aceitar isso. Em segundo lugar quero abordar a evocação da expressão bonus pater familiae, termo oriundo do direito romano que atravessou séculos como conceito jurídico, que em nada se aproxima da simplificação axiomática de taberna da categorização do homem como um tipo com um par de bolas no sítio, do gajo que tem uma mulher e filhos para cuidar. Bom pai de família, o elemento que tem a sensatez para ser padrão legal, em lado nenhum se refere ao uso dado aos genitais. Mas pensemos no mérito de trazer este conceito para fora da linguagem jurídica e remetê-lo para a esfera da intriga de costumes, do escândalo menor da quermesse do ano passado, longe da jurisprudência e da fixação de doutrina, a universos de distância da administração da lei e das teorizações de Fustel de Coulanges. Importa referir que o bonus pater familiae tinha luz verde para dispor da vida de qualquer elemento da família. Pode-se discutir que o direito de matar quem dorme debaixo do seu tecto terá tido historicamente apenas sentido simbólico, mas há académicos que contestam e afirmam que a supremacia sobre a vida de outros indivíduos era de facto exercida. Seja como for, o termo evocado precisa ser confrontado com a moral social de hoje, 50 iluminismos depois, a universos éticos de distância dos tempos quando seres humanos eram devorados por feras numa arena por desporto. O homicídio era punido pela velha regra de olho por olho, vingança era a lei da Terra, enquanto as penas administradas publicamente são coisas de filme de terror. Para ofensas menores as penas iam de espancamentos severos, flagelação e marcas na testa com ferro em brasa. As ofensas mais graves podiam resultar em vazamento de olhos, língua ou orelhas cortadas, a pena de morte era administrada através de empalação, enterrar o condenado vivo e, claro, crucificação. Quanto ao “argumento bíblico” para condenar uma expressão de amor, recordo que existem outras abominações nos testamentos que nunca são consideradas e para sempre ficam selectiva e convenientemente esquecidas, num hino ao relativismo absoluto. Comer marisco é uma abominação, usar vestuário que combine dois tipos de tecido (não houve revelação divina que adivinhasse o poliéster), adultério, rebelião dos filhos contra os pais eram punidas com morte, e podia ficar aqui o dia todo a discorrer mil e umas outras aberrações morais punidas com morte. Finalmente, quero endereçar a ideia de que viver abertamente a preferência sexual é uma afronta às mentes conservadoras, que o orgulho no tipo de amor que se sente, que só é mais identitário quanto maior for o preconceito, é um insulto à decência que teme qualquer mudança na moral social. Há bem pouco tempo, uma mulher usar minissaia, fumar, votar, querer autonomia além das superiores alçadas masculinas, era uma afronta à mente conservadora. O medo de mudança, inevitável porque sociedades e valores éticos evoluem, faz parte do ADN da mente conservadora. Um enorme receio da desestabilização do que pode acontecer se isto mudar. Negros comerem no mesmo restaurante que brancos, etnias e culturas longínquas ascenderem a posições de poder, são tradicionalmente afrontas ao imobilismo privilegiado da mente conservadora. Esta é uma batalha impossível de ganhar, meus caros, a luz vai sempre iluminar os cantos mais escuros, lentamente, com avanços e recuos, os direitos civis vão progredir indiferentes às barreiras antiquadas sustentadas por tradições obsoletas. Vale-nos que o preconceito tem de ser ensinado, passado de geração em geração para sobreviver. No geral, a tolerância e o respeito advêm da experiência e da lógica. O contacto e amizade dos mais novos com grupos sociais distintos é catalizador de mudança. Perceber o outro elimina esse medo visceral do que nos é intimamente estrangeiro. Como tantas outras revoluções éticas e morais, daqui a uns tempos vamos olhar para expressões como “pegar de empurrão” com pesar, com vergonha alheia, como quando ouvimos chamar macaco a alguém. Já os gregos antigos sabiam que a mudança é a única constante da vida. Lutar contra esta maré é não compreender os tempos, é fazer legado da imoralidade e não viver no presente.