Bi-invisibilidade

[dropcap]A[/dropcap] bissexualidade é invisível, mas muito presente nas formas de relacionamento romântico e sexual contemporâneos. A literatura parece concordar que isto se deve a um limbo algures entre o mundo heterossexual e o mundo homossexual, onde a bissexualidade se encontra. Estes mundos estão melhor limitados pela sua característica monossexual (ou só do mesmo sexo ou do sexo oposto) tornando-os muito mais fáceis de reconhecer e assumir. A bissexualidade, por sua vez, fica num não-lugar de identificação imediata. Durante muito tempo que se julgou que nem existia – era só uma fase de transição de um mundo para o outro.

Estes mundos apresentam-se numa espécie de sistema binário contrastante, em que a homossexualidade é o contrário da heterossexualidade. A necessidade de desconstruir a expectativa de que todos os relacionamentos são entre um homem e uma mulher, ou que a família se faz exclusivamente através desta relação, resulta nesta dicotomia que tem como intuito dar espaço a formas para além das heteronormativas. Este processo implica a constante politização de identidades e denúncia das dinâmicas de poder que definem o subalterno e o dominador. Mas a bissexualidade não é claramente uma nem outra e por isso fica perdida nesse jogo de poder e de legitimidade. Fica perdida entre o mundo do privilégio heterossexual e o mundo de reivindicação da homossexualidade. Navegar nestes dois mundos possibilita uma complexa posição de conforto e desconforto – e de muita dificuldade de reconhecimento – porque ‘normalmente’ ou se é uma coisa ou outra. A falta de reconhecimento pelo outro heterossexual ou homossexual faz com que sejam exigidas provas à não-monossexualidade.

Porque os bissexuais, se não forem poliamorosos (que podem ser), ou estão numa relação homossexual ou heterossexual – e aí espera-se que preencham os requisitos ou de um ou de outro.

Só que a bissexualidade não é só outra forma incompreendida de viver a sexualidade. Há quem a encaixe nas novas formas de heterossexualidade: é de algum modo expectável (graças à pornografia?) que as mulheres sejam bissexuais. Esta bissexualidade apresenta-se como comportamento sexual que deve ser visto/avaliado/admirado. Ao que a literatura chama de bissexualidade performativa – porque serve de performance ao outro-heterossexual. O que nos leva à questão – será que a bissexualidade está a romper com a perspectiva dicotómica do sexo ou está a dar mais força ao patriarcado? A resposta certa para ajudar a navegar este dilema da bissexualidade terá que partir da definição que lhe damos – só que ela continua invisível. Esta invisibilidade tem criado barreiras na maior congruência entre a identificação da orientação sexual e o comportamento sexual das pessoas. Pessoas tidas como heterossexuais que têm também parceiros do mesmo sexo não se identificam como bissexuais (e vice-versa) porque há dificuldade em mobilizar a bissexualidade para além dos mundos sexuais nossos conhecidos.

A bissexualidade está bastante alinhada com as expectativas de um contínuo sexual, onde as pessoas se poderiam posicionar entre mais heterossexual ou mais homossexual. A proposta inicial do Kinsey e a visão pós-estruturalista e mais sofisticada da teoria queer, tenta apresentar a identidade sexual e de género de forma fluída, contínua e em transformação. Num mundo ideal (um mundo muito mais justo do que o actual) esta fluidez talvez fosse menos complicada de ser entendida e os espaços deste contínuo seriam a única posição possível.

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