O (des)equílibrio da existência Manuel de Almeida - 30 Jul 2020 [dropcap]D[/dropcap]esvalorizamos valores – existimos –, há chantagem em vez de princípios, há vassalagem no lugar de dignidade e o mais preocupante é que o debate público está centrado “em pontos específicos, mais formais do que substanciais, mais conjunturais do que estruturais”. Continuamos sem uma estratégia, um esforço intelectual, um código de existência, ou seja, já não somos capazes de produzir sons de ruído. “Não há tempo para desesperar, o desespero é para os privilegiados”- segundo James Baldwin (1924 – 1987) – há uma obstrução do passado. Problemas existem: políticos, sociais, económicos, jurídicos, culturais, laborais, mas nós longe das obsessões por quimeras “empoeiradas” e, sem vontade de um entendimento colectivo de aventura e compromisso, aprendemos a lição – recapitulação da matéria da lição anterior -, sentamo-nos como bons alunos, que sempre fomos, a aprender – de que se deve evitar encenações -, só o palco principal é para os actores. Não se trocam argumentos, atiram-se farpas – fruto dos agasalhos das tertúlias, existe (?), do calor da discussão, ruído (?), dos injustiçados da razão, calúnias (?), das movimentações ocultas, pecado (?) opinião objectiva, idealismo (?), decisões concretas, emoção – “Não procuro esconder nada; o tempo vê, escuta e revela tudo”. A reflexão íntima? As conversas nunca deveriam ser desperdiçadas. Onde estão aquelas “desfechadas” e duras falas? Devemos exercitar a emoção. Carregamos paciência. Ultrapassamos facilmente escolhas, curiosidades, destinos, pesadelos, ímpetos, represálias, até à meta final, esperança. A esperança desobstrui os problemas. É próprio das pessoas que entram na velhice contemplar a vida passada, com interesse, e olhar o futuro como uma “desforra” do interesse – é um balanço da “caixa” da vida, o débito e o crédito -, virtudes antigas, novas exigências. A curiosidade da vida – mudanças, contradições, polémicas -, traz consigo vitórias e derrotas. A vivência é difícil e complexa, talvez não estejamos destinados a procurar, apenas a encontrar – possuímos uma qualidade abstracta. O nosso atraso é mais cultural – existência sem destino -, do que material, somos almas dilaceradas pela dúvida, ouvimos as liturgias do poder (uma combinação perfeita entre sagrado e profano), condenámos mas não existimos -, vivemos num mundo de sombras e de ambiguidades. Ajoelhamo-nos ao poder. Temos voz nos bastidores. Poderíamos ter aproveitado este hiato temporal, para arrumar o que esta(va) desarrumado, até porque o destino tem que ser uma ambição, não uma fatalidade. “Não conseguimos reconhecer uma derrota ou o mérito de uma vitória alheia”. Procuramos o estatuto de “Ter”, esquecemos o “Ser” e, à nascença, abandonamos o “Estar”. Muitas histórias, muitos acontecimentos, – fomos perdulários no bem comunitário (relação/confronto), mas mantivemos fidelidade à palavra – os “restos” do passado. Ouve uma paragem no tempo entre o antes e o depois – o chamado “passo em branco”. Na continuidade da “Novidade (1999)”, aceitamos os “factos” com tremor e temor. Soubemos desconstruir o guião social. Fomos interlocutores entre saber e poder. O discurso oficial apostava na franqueza e excluía a intimidade – sem querer quebrar os laços. A palavra no tempo. É nobre, a desconfiança saudável. A memória, a cultura, o conhecimento. Existe – é um fardo pesado —, mentalmente o sentido físico do pesadelo. Porquê? Não soubemos fazer convenientemente o “Luto” e isso deixa marcas futuras. Como sabem existem diversos estágios de um luto. Primeiro, a negação; depois, a raiva; a seguir, a resignação; e finalmente, a aceitação Não nos deixaram ouro, incenso e mirra – levaram na bagagem -, deixaram-nos na “praia”, onde a terra acaba e o mar começa. Aboliram antes de partir o pensamento absoluto do debate e a diabolização do pensamento crítico, ganhámos uma pobreza desenganada, a ironia – foram as prendas, dos rostos ausentes. Existimos fruto da prudência… Não há “reinos” de oposição, desamor, conflitos ou angústia. Este texto é pura ficção, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Não esperem palmas – já não há público na plateia…
Exílios & Insílios António Cabrita - 30 Jul 2020 26/07/20 [dropcap]«Q[/dropcap]uem escreve está no exílio da escritura; é lá a sua pátria, onde não é profeta», cunhou Blanchot em L’Écriture du désastre. Eu sublinharia: onde precisamente não é profeta. Pelo que exilados seremos todos, desde que comandados pelo devaneio e por esse incessante ofuscamento de uma cicatriz na luz. Há vezes que dolorosa, de outras encontrando uma fraternidade na fuga. Talvez seja isto a escrita: uma fraternidade na fuga. Mas há exílios e exílios. Também o Ovídio, exilado em Tomis (na foz do Danúbio), encontrava um remédio para o seu mal-estar no sonambulismo da escrita. Trôpega, havia perdido o seu auditório e os Getas, junto dos quais estava exilado, não o compreendiam; ao cabo de uns anos sentiu que lhe encalhava o navio na língua, perdia a linguagem, secando-se-lhe a veia poética. Os seus poucos correspondentes suspeitavam que ele exagerava nas suas lamúrias. Quando se está longe e isolado, é difícil explicar que a distância amplifica o silêncio e vai tornando irreais, migratórios, até os espaços físicos onde exercitamos a nossa ausência. A terra estrangeira, perguntava-se Robert Bolano, é ela uma realidade objectiva, geográfica, ou é antes de mais uma construção mental em movimento perpétuo? E no entanto, soube-o Segalen como ninguém, a nossa personalidade alimenta-se de tudo o que é o seu antípoda: «É pela Diferença, e no seio do Diverso que se exalta a existência». É bem verdade, e senti que isso actuou em mim como um anzol que foi ao fundo de mim repescar a maiêutica. Contudo, que cansaço. Neste meu afastamento intermitente tive o tempo e a oportunidade de ler textos magníficos sobre o exílio, o ensaio de Linda Lê, as observações de Edward Said, os Diários de Gombrowicz, o texto laminar de Joseph Brodsky, donde tiro este excerto certeiro: «(…) se há algo de bom no exílio, é o facto de ensinar a humildade (…) o exílio é a lição suprema dessa virtude. E isso é especialmente precioso para um escritor porque lhe dá a perspectiva mais ampla possível. “E avanças em humanidade”, como disse Keats. Perder-se na humanidade, na multidão – multidão? – entre bilhões; tornar-se uma agulha naquele famoso palheiro – mas uma agulha que é procurada por alguém: é disso que se trata quando falamos de exílio. (…) Mede-te não por teus pares escritores, mas pela infinidade humana: é quase tão terrível quanto a inumana. É a partir daí que deves falar e não a partir da tua inveja ou ambição.» Chegaram-me estas notas por causa do livro que descobri hoje que o meu amigo Nazir Can havia lançado no Brasil sobre a literatura moçambicana e que se chama: O campo literário moçambicano: tradução do espaço e formas de insílio (Kapulana, 2020). Fiquei preso ao substantivo «insílio», cujo significado me instigava e resolvi averiguar, tendo descoberto que ganhou a armadura de um conceito muito explorado nos ensaios do sul-americano Mario Benedetti para identificar “a condição dos cidadãos que foram forçados por poderes coactivos a adotar uma atitude passiva e uma semi-impotência que os destitui de sua autonomia moral e de sua iniciativa psicológica”. Para ter chamado a palavra à capa é porque Nazir encontrou em muitos textos essa característica, ao ponto de a desenvolver como chave e parece-me ser um achado para traduzir o indisfarçável mal-estar de grande parte da intelectualidade moçambicana, tal como aliás “a curiosa nostalgia do exílio em plena pátria” (Benedetti), muito presente no impasse que muito para além do Covid se faz sentir no quotidiano do país. Nós não nos libertamos de um hábito atirando-o pela janela: é preciso fazê-lo descer a escada, degrau por degrau, dizia Mark Twain – e poderíamos citar um hábito como o medo. Sem o ter lido, conhecendo-lhe a inteligência e a capacidade de análise suspeito que este livro estará para Moçambique como Labirinto da Saudade, de Eduardo Lourenço, esteve para Portugal, e espero que o livro se possa comprar em Maputo. 27/07/2000 A caixa com livros estava na varanda. Abria-a e o livro que estava por cima era A Festa de Babete, de Karen Blixen. Estava o frescor que acaricia as têmporas e lhes dá a agudez da atenção. Resolvi ler finalmente a História Imortal, por causa do Orson Welles (filme que nunca vi). Fui ao guarda-fato vestir um blusão e sentei-me na varanda a ler a pequena novela. Foi como visitar uma casa mobilada com biombos que o vento vai trocando de lugar. Depois disto só um iogurte de cerejas, coisa impossível de arranjar por estas bandas. Absolutamente devastador… 28/07/20 A cultura de massas é o resultado de uma arte combinatória de tudo o que já foi assimilado. As belíssimas orquestrações das canções dos Beatles ou do Elton John, em termos de linguagem da música, mais não fazem do que usar os padrões musicais conquistados pelos movimentos musicais do século XIX. Tiveram sucesso popular, depois de um século de acomodação a essa sensibilidade musical. Parecem agora simples: houve uma educação do gosto e da sensibilidade. Quem lembra hoje as resistências suscitadas pelas dissonâncias que o jazz introduzia na música? Isto em si é normal. Grave é que para um filho da cultura de massas não exista o mundo antes de si, a memória da tradição cultural, e o presente não passe do pomar onde supostamente colhe os lucros. Daí que um destituído como Bolsonaro consiga ser presidente e possa dizer sem ser imediatamente electrocutado por raio divino que criar uma lei de combate às fake news é uma tentativa de limitar a liberdade de expressão, por não entender que a liberdade não existe em abstracto e está irmanada com a responsabilidade. Não é sequer perversão ou maldade, ele não entende mesmo. Esta incapacidade de discernimento é comum a quem teve uma exclusiva educação ancorada nos “valores” da sociedade de massas, onde até o capital se converteu, antes de mais, “numa estética mercantilizada” que fez naufragar tudo numa terrível, irrevogável, indistinção.
Que o resto ortigas o cobrem Luís Carmelo - 30 Jul 2020 [dropcap]M[/dropcap]arx, Darwin e Freud descobriram, cada um a seu modo, que a história era uma mentira. Causaram, por isso mesmo, atordoamentos a muitas gerações. Nos nossos dias, estes curiosíssimos prodígios já são raros ou mesmo inexistentes. Ninguém hoje verdadeiramente se incomoda com as vertigens que nos ligam ao passado, nem com os sonhos que projectariam as cores do arco-íris nas telas do futuro. Vivemos tempos paródicos que levam muito boa gente a crer que a contaminação pandémica é coisa de fábula noctívaga e que a Europa, uma das últimas utopias, se tornou no vulcão siciliano de que Júlio Verne se esqueceu em casa. Ao contrário da minha gata, a internet não sabe falar, mas se falasse talvez nos confidenciasse que a história é de facto uma mentira pegada, coisa de ‘stand-up’. Tratá-la-ia por larva, o que em biologia corresponde ao estágio imaturo pré-embrionário de um animal que ainda não atingiu a sua maturação sexual. Nos tempos em que vivemos, mentir deixou de ser um problema. Acabámos de chegar à maturação celestial. Trump fê-lo três mil vezes no ano passado, segundo a CNN. Mente tão avidamente que a mentira deixou de ter sentido. Todos sabemos que a mentira atrai dimensões de actor, não é verdade? Searle caracterizou na mentira uma coexistência entre a dimensão da fraude e a dimensão de uma encenação em que não transparece qualquer intenção de enganar. O dizer-verdadeiro é, em última análise, um fazer-crer ou, se se preferir, um pacto como aquele de quem lê ficção e exige do lado do escritor verosimilhança. Tal como os delírios de Derrida deram a ver em Histoire du mensonge, é praticamente impossível provar que alguém mente, mesmo que seja óbvio que não tenha dito a verdade. Torna-se sempre plausível alegar múltiplas alternativas entre o que foi dito, o que haveria a dizer, o que se quereria dizer, os efeitos do que se terá dito, o contexto do parece ter sido dito, a intenção inicial, a objecção intermédia, o furação da véspera, o mal-estar intestinal, etc, etc. Moral da história: a retórica do dia-a-dia é um jogo de damas sem tabus, nem tabuleiro. Pondo de lado estas considerações próprias de quem anda de jacto privado no Atlântico à procura de deus, convém, no entanto, referir que a verdade adoeceu. Estará mesmo em coma, segundo as autoridades sanitárias. Pessoas inteligentes como o senhor Foucault já o tinham previsto há mais de quatro décadas. Vejamos: a verdade centra-se em discursos legitimadores, porque necessita constantemente de bases, sejam elas institucionais, científicas ou tão-só de sujeitos que ainda consigam defender que a terra não é plana; submete-se à incitação dos mil poderes que vincam as sociedades com dentes cerrados; depende das escalas de difusão e de consumo (veja-se o caso da publicidade pós-‘lateral thinking’), para além de ser veiculada através de máquinas sociais que ninguém controla ao modo dos carrinhos de choque. A rematar, segue-se a apoteose final: a verdade passou a respirar a bordo de um mundo onde o sentido (ou a sua ausência) passou a ter muito mais força do que ela própria, coitada. Num território que se veja ao espelho como livre, ou seja, que não caiba em cabecinhas como as de um Erdogan ou de um Putin, a verdade viverá inevitavelmente num mexido aquário de posições e de possibilidades cruzadas. A contaminação andará sempre por ali exposta ao virar da esquina. Isto de ser livre tem o seu preço e o seu peso, já se sabe. De qualquer maneira, tal como Hannah Arendt deixou escrito, convenhamos que as mentiras foram sempre consideradas como “ferramentas para o estado e para os estadistas”, ainda que, “quanto mais bem sucedido for um mentiroso, maior será a probabilidade de que acabe por ser vítima das suas próprias invenções”. Não iria tão longe, pois o meu optimismo é muitíssimo mais reservado. Talvez a palavra final de Fernando Pessoa aclare este mistério que tanto nos atiça a urgência de mentir: “Se tudo o que há é mentira,/ É mentira tudo o que há./ De nada nada se tira,/ A nada nada se dá.” (…) “Mais vale é o mais valer,/ Que o resto ortigas o cobrem/ E só se cumpra o dever/ Para que as palavras sobrem.”. Obras referidas nesta crónica: Arendt, H. Verdade e Política. Relógio d´Água, Lisboa, 1998. Derrida, J. Histoire du mensonge : Prolégomènes, Galilée, Paris, 2012. Foucault M. Microfísica do poder, Graal, S. Paulo, 1979. Pessoa, F. Poesias Inéditas (1930-1935). Ática, Lisboa, 1955. Searle, John R. Intencionalidade. Um ensaio da filosofia da mente. Relógio d´Água, Lisboa, 1999.
AFA | Yves Étienne Sonolet apresenta trabalho sobre a efemeridade da vida Andreia Sofia Silva - 30 Jul 2020 “I’ll Be Gone, You’ll Be Gone – Works by Yves Étienne Sonolet” é o nome da nova exposição do artista francês radicado em Macau, que será inaugurada esta sexta-feira no Tak Chun Macau Art Garden, espaço da AFA (Art for All Society). Os trabalhos, que vão da fotografia à instalação de vídeo, retratam as relações humanas e a efemeridade da existência [dropcap]Y[/dropcap]ves Étienne Sonolet, artista francês radicado em Macau desde 2008, está de regresso às exposições pela mão da AFA – Art for All Society. A exposição “I’ll Be Gone, You’ll Be Gone – Works by Yves Étienne Sonolet” é inaugurada esta sexta-feira, pelas 18h30, no espaço Tak Chun Macau Art Garden e conta com curadoria de Alice Kok. Desta vez, o artista resolveu abordar a complexidade das relações humanas e a ideia de que somos, afinal, mortais, e que vivemos demasiado no presente, sem pensar no amanhã. A exposição tem como base a obra “A Invenção do Quotidiano”, de Michel de Certeau. Ao HM, Yves Étienne Sonolet confessa que a ideia por detrás do título da exposição constitui, desde logo, uma “contradição entre duas coisas que podem ser opostas”. Isto porque “há uma ideia que nos remete para a morte, mas ao mesmo tempo existe a ideia de que as pessoas não se preocupam com o futuro e vivemos como se não houvesse amanhã”. “É a ideia de que aquilo que fazemos não importa verdadeiramente, porque na altura os problemas irão desaparecer. Há um sentimento de indiferença em relação às coisas do dia-a-dia”, frisou o artista, que procurou trazer para esta exposição uma diversidade de trabalhos. “Tentei reunir alguns trabalhos que fazem um diálogo entre si, há fotografia, instalação de vídeo e alguma interactividade entre os vídeos”. Para o artista, “I’ll Be Gone, You’ll Be Gone” é, sobretudo, uma mostra “sobre relações entre pessoas”, e um dos trabalhos que espelha isso é “Possible Paths”, filmado junto às Ruínas de São Paulo vazias, ou seja, em tempos de pandemia. “Não é normal ir lá num dia de semana e não ver ninguém, então filmei [no local] nesta altura, mas sempre a partir do mesmo ângulo. Fiz depois um filme a usar essas imagens, recriando uma multidão com as imagens capturadas das pessoas.” Com esta exposição, Yves Étienne Sonolet quer que “os trabalhos falem entre si”, sempre com uma mensagem relativa à forma como as pessoas se representam e posicionam no seu mundo. “Não é uma exposição de pintura apenas, mas é mais um conjunto de coisas que estão relacionadas. O que acho interessante é essa relação, são representações artísticas diferentes e há algo de interactivo nisso”, frisou. Morte vs Vida Ao expor trabalhos que reflectem sobre as relações humanas, Yves Étienne Sonolet assume pertencer a esta efemeridade. “Considero-me parte de tudo isto. Estamos apenas a evitar pensar sobre a morte. Esta é a grande preocupação, pois todos sabemos que vamos morrer. Nesse sentido temos muitas formas de nos distrairmos, pode ser uma das razões [pelas quais vivemos como se não houvesse amanhã]. Não faz sentido pensar em tudo com muita antecedência.” O artista fala de uma outra obra, intitulada “Until the End of Time”, onde surge uma pessoa, sozinha, a cantar a música “Love me Tender” de Elvis Presley. “A pessoa canta sozinha e é algo que sabemos que vai acontecer. Há [na exposição] algum sentido de humor também, espero.” Parte da exposição começou a ser pensada antes do surgimento da pandemia da covid-19, e apenas dois trabalhos foram feitos já em tempos de confinamento. Agora, o artista espera que as pessoas consigam estabelecer alguma ligação às obras que vão ver. “Há uma ideia de que a arte não é apenas para nós, mas também serve para mostrar algo às pessoas. Não quero que pensem exactamente como eu, mas que tentem encontrar um equilíbrio. Quero proporcionar uma espécie de janela através da qual as pessoas possam olhar e, a partir das suas próprias experiências, possam tirar um significado”, concluiu. Nas palavras da curadora Alice Kok, o artista francês é alguém com uma variedade de interesses que passam pela sociologia, política, tecnologia, arte ou cultura. “Yves tem um incrível talento para a imaginação e para o humor, com base nas coisas das quais retira prazer através da ‘apropriação’ de objectos aborrecidos do quotidiano, tal como transformar maços de cigarros vazios numa máquina de karaoke”, numa referência à obra “Until the End of Time”.
Crime | Autoridades da Malásia dizem que Jho Low está em Macau Hoje Macau - 30 Jul 2020 O Inspector-Geral da polícia da Malásia, Tan Sri Abdul Hamid Bador, disse que Jho Low está em Macau e que os seus familiares estão em Hong Kong [dropcap]T[/dropcap]udo aponta para que o fugitivo acusado de crimes financeiros Low Taek Jho esteja escondido em Macau. A informação foi avançada ontem por órgãos de comunicação social da Malásia, com base em dados prestados pelas autoridades do país. De acordo com o jornal local The Star, o Inspector-Geral da polícia da Malásia, Tan Sri Abdul Hamid Bador, disse que Low Taek Jho – mais conhecido por Jho Low – fez transacções durante a sua permanência no território. E garantiu que “estão a ser feitos todos os esforços para o localizar e trazer à justiça”. Hamid acrescentou ainda que os familiares de Jho Low se estão a mover livremente em Hong Kong. As autoridades do país do Sudeste Asiático estarão a trabalhar silenciosamente para recuperar os fundos bem como para levar Jho Low de regresso à Malásia. O Malay Mail noticiou que o Inspector-Geral disse que o fugitivo entrou em Macau depois de ter sido localizado na Tailândia, tendo fugido para a RAEM depois do anúncio dos resultados das eleições gerais. Além da alegada compra de propriedades no território, terá tentado adquirir outras em Chipre, e terão sido detectadas propriedades dele e da família em Kuala Lumpur e Penang. Jho Low está em fuga há vários anos, e é procurado por um crime de desfalque de fundos públicos, que envolve a companhia 1Malaysia Development Berhad (1MBD). Um caso denunciado em 2015. Memórias recentes Não é a primeira vez que é apontada a presença de Jho Low em Macau. Em 2018, as autoridades da Malásia disseram que o fugitivo estava no território. Posteriormente, informaram ter recebido informações de Macau em como Jho Low já teria saído do território, uma posição tomada depois de Macau ter desmentido as informações. A Polícia Judiciária chegou a emitir um comunicado a lamentar a postura da congénere malaia. Na semana passada, a BBC noticiou que a Goldman Sachs, acusada na Malásia de ter induzido em erro investidores quando ajudou a angariar dinheiro para o fundo de desenvolvimento, chegou a um acordo de 3,9 mil milhões de dólares com o Governo da Malásia pelo seu papel no esquema de corrupção.
Covid-19 | Distribuição de máscaras passa a ser feita para 30 dias João Santos Filipe - 30 Jul 2020 A nova ronda de venda de máscaras arranca já amanhã. Um trabalhador de Macau foi detectado como infectado em Hong Kong, onde se encontra, e as autoridades acreditam que o contágio aconteceu na RAEHK [dropcap]O[/dropcap] programa de venda de máscaras passa a ser feito para períodos de 30 dias, ao invés dos actuais 10 dias. A alteração foi revelada ontem, pelo médico Alvis Lo, durante a conferência dos Serviços de Saúde (SSM) sobre a pandemia, e arranca com o período de vendas que tem início amanhã. “O período da venda passa de 10 dias para 30 dias, ou seja, o período para a compra vai ser entre 31 de Julho e 29 de Agosto. Cada pessoa vai poder adquirir 30 máscaras pelo preço de 24 patacas”, afirmou Alvis Lo. “As 19 vendas anteriores correram bem, por isso decidimos alargar o período para 30 dias e garantimos que todas as pessoas vão ter acesso à compra de máscaras”, acrescentou. Por sua vez, a coordenadora do Núcleo de Prevenção e Doenças Infecciosas e Vigilância da Doença, Leong Iek Hou, apelou à população para não correr às farmácias e apontou que a nova medida permite evitar concentração de pessoas nos postos de venda. “As pessoas já estão muito familiarizadas com este sistema de venda, por isso para evitarmos as deslocações a cada 10 dias e o aglomerado de pessoas vamos aumentar o período de venda”, justificou. Quanto às máscaras para crianças com idades entre os 5 e os 8 anos, os pais vão poder optar por três modalidades: 30 máscaras para criança; 15 para criança e 15 para adulto; ou ainda 30 máscaras de adulto. Já para as crianças mais novas, com idades entre os 3 e 4 anos, a compra pode ser de 15 máscaras de crianças e 15 de adulto ou 30 para adulto. Os 84 postos de venda não sofrem alterações. Trabalhador infectado Ainda em relação à pandemia, as autoridades foram informadas pela congénere de Hong Kong que um trabalhador de Macau ficou infectado quando foi visitar a família à RAEHK. O homem de 62 anos, que é decorador de interiores, saiu da RAEM a 11 de Julho com um teste de ácido nucleico negativo, que tinha sido realizado no dia anterior. Contudo, no dia 17 de Julho, já em Hong Kong, acabou por ser confirmado como infectado. Posteriormente, também a mulher e o filho foram confirmados como infectados. As autoridades de Macau acreditam que a infecção aconteceu em Hong Kong, no contacto com familiares. Uma versão igualmente assumida na RAEHK, contou ontem a médica Leong Iek Hou. A mulher trabalhou num restaurante de Hong Kong, onde foram identificados vários casos comunitários na região vizinha.
Sulu Sou acusa dirigentes da polícia de “falta de inteligência política” Salomé Fernandes - 30 Jul 2020 [dropcap]“A[/dropcap]s autoridades ainda não conseguiram dar informações sobre o número de agentes destacados, das pessoas interceptadas e das levadas para a esquadra”, diz Sulu Sou numa interpelação oral submetida à Assembleia Legislativa. O deputado questionou se as autoridades reconhecem que houve “violação de disposições legais” em relação aos eventos da noite de 4 de Junho. Além disso, quer que se clarifiquem as definições de reunião, manifestação e desfile, de forma a “evitar suspeitas de abuso do conceito de ‘reunião ilegal’ para reprimir o mero exercício dos direitos de petição, à crítica e de liberdade de expressão por parte dos residentes”. “Os dirigentes da Polícia têm falta de inteligência política e distorcem a lei que salvaguarda os direitos fundamentais dos residentes para reprimir esses direitos, chegando mesmo a interpretar erradamente a decisão do tribunal que visa garantir o direito de reunião e de manifestação. Originaram um ‘desastre’ difícil de resolver e empurraram os agentes da linha da frente para resolverem as disputas com os cidadãos”, aponta. Na interpelação, Sulu Sou quer saber se o Governo reconhece dualidade de critérios no tratamento de reuniões e manifestações, e eventos de grande envergadura. Dá como exemplos a exposição do festival da flor de lótus, as regatas de barcos-dragão e os simulacros de tufão. E questiona se há uma tendência para aumentar a não permissão de reuniões e manifestações. O deputado declara que a população questiona a força das autoridades e os critérios usados na aplicação da lei, e argumenta que o “incidente infeliz” na noite de 4 de Junho se deveu ao erro da proibição “de forma radical de uma reunião pacífica sobre a qual o organizador estava disposto a negociar melhor arranjo”. Recordou ainda a alegação inicial da polícia de que o evento de apoio à lei da segurança nacional em Hong Kong se tratava apenas de um desfile. A iniciativa decorreu no dia seguinte aquele em que habitualmente se realizava a vigília em memória do massacre de Tiananmen, e acabou por ser denunciado pela polícia. Uma decisão que Sulu Sou atribui às críticas do público. No entender do pró-democracia, as autoridades não cumprem ainda plenamente os deveres de apoio dos direitos humanos aos cidadãos.
Macauport | José Chui Sai Peng é presidente do Conselho Fiscal João Santos Filipe - 30 Jul 2020 Uma comissão da AL, presidida por Si Ka Lon, analisou no início do mês o preço dos combustíveis. Os deputados referiram não saber quem eram os accionistas da empresa gestora do porto de armazenamento. Afinal, o presidente do Conselho Fiscal da empresa é deputado nessa comissão [dropcap]A[/dropcap] Comissão de Acompanhamento para os Assuntos da Administração Pública reuniu-se no passado dia 9 de Julho para analisar o preço dos combustíveis. No final, na conferência de imprensa, Si Ka Lon, disse que não conhecia os accionistas da Macauport – Sociedade de Administração de Portos, S.A., empresa que gere o porto de armazenamento em Ká Hó. “A Nam Kwong é uma das accionistas, mas não sabemos a percentagem, nem quem são os outros accionistas e a participação do Governo”, respondeu o presidente da comissão da Assembleia Legislativa, quando confrontado com a possibilidade de a empresa estatal chinesa ter o monopólio do armazenamento dos combustíveis. No entanto, dados revelados ontem pelo Governo sobre as empresas com capitais públicos mostram que para ficarem conhecedores da estrutura da empresa, os deputados só tinham de perguntar a um dos membros da própria comissão: José Chui Sai Peng. Isto porque o deputado e primo de Chui Sai On, anterior Chefe do Executivo, é o presidente do Conselho Fiscal da sociedade em questão. Quanto à estrutura accionista da Macauport – Sociedade de Administração de Portos a informação disponibilizada através do portal do Gabinete para o Planeamento da Supervisão dos Activos Públicos mostra que a petrolífera estatal Nam Kwong tem uma participação minoritária, com 12 por cento, o que representa 14,4 milhões de patacas. Também o ramo local da multinacional Shell tem acções na empresa que gere o porto de armazenamento em Ká Hó, com 1 milhão de patacas, ou 0,83 por cento. Legado de Stanley Ho Apesar das dúvidas na Assembleia Legislativa, a maior accionista da Macauport é uma empresa com o nome Marban Corporation, registada no paraíso fiscal das Bahamas. A Marban tem uma participação de 55 por cento, que equivale a 66,2 milhões de patacas. Contudo, o facto de o conselho de administração, mesa assembleia geral e comissão executiva serem dominados pelas filhas de Stanley Ho, Pansy e Daisy, além da presença de Ambrose So, histórico aliado do magnata, apontam para um controlo por parte dos descendentes do Rei do Jogo. A participação do Governo da RAEM é de 31,8 por cento, no valor de 38,2 milhões de patacas. O Executivo está representado na companhia pelo ex-director dos Serviços de Protecção Ambiental, Vai Hoi Ieong. Accionista Neto Valente O advogado Neto Valente é accionista em duas filiais da empresa Macauport – Sociedade de Administração de Portos, com participações que totalizam 2 mil patacas. Na filial Macauport-Sociedade de Administração do Terminal de Contentores, Lda., Neto Valente tem uma participação de 0,0083 por cento que representam mil patacas. O mesmo sucede na filial Macauport Transportes Terrestres, Lda., em que a participação surge com um valor de mil patacas, ou seja, um por cento do capital social.
Economia | AMCM alerta para riscos como a pandemia e disputas comerciais Salomé Fernandes - 30 Jul 2020 A recuperação económica do território está envolta em incertezas, diz um relatório publicado pela Autoridade Monetária de Macau. Entre os factores de risco estão as tensões comerciais entre a China e os EUA e o desenvolvimento da epidemia [dropcap]A[/dropcap]pesar da reabertura das economias de vários países e de se observarem sinais de recuperação, existem “imensas incertezas” associadas ao percurso da pandemia, como “o desenvolvimento de vacinas”. É o que indica a Autoridade Monetária de Macau (AMCM), na última “Revisão da Estabilidade Monetária e Financeira”. Para além disso, defende que as disputas comerciais entre a China e os EUA, bem como tensões geopolíticas “continuam a ser factores de risco que merecem atenção”. “A recuperação da economia de Macau está sujeita a incertezas consideráveis”, observa a AMCM, apesar de reconhecer que a pandemia foi “relativamente bem contida” nas cidades vizinhas da China Continental e que o regresso de mobilidade, mesmo que seja com limites, pode aliviar o impacto negativo nas actividades turísticas. O organismo diz ainda que o Governo da RAEM criou planos para revitalizar a indústria de viagens e facilitar a recuperação económica gradual, mas entende que a procura externa vai continuar sujeita a incertezas no segundo semestre do ano. No relatório prevê-se que a procura externa continue fraca, tendo em conta a expansão económica mais lenta do mercado de exportação e as medidas prologadas de contenção em várias partes do mundo. De acordo com a AMCM, nuvem paira sobre as perspectivas económicas do território por causa do “novo escalar de tensões comerciais entre a China e os EUA” e “uma recuperação mais lenta do que se estimava da procura global”. Espera-se que as duas rondas de apoio lançadas pelo Governo e a procura reprimida estimulem o consumo entre Julho e Dezembro. “Para além disso, o aumento do investimento público em projectos de infra-estrutura e construção vão mitigar a contração do investimento privado. Não obstante, espera-se que a economia de Macau registe uma contração de dois dígitos em 2020, face a um ambiente externo desafiante”. A pandemia tornou evidente a importância da diversificação da economia para a resistência de Macau a choques externos e o relatório da AMCM tem algumas notas positivas nesse sentido. Explica-se que o processo de diversificação – de actividades voláteis para outras de crescimento mais estável – se tornou “mais atractivo”. É ainda defendido que há iniciativas dentro da Grande Baía que vão reforçar o papel do sector financeiro na diversificação. Em causa está a maior oferta de produtos para investimento e a capitalização da procura de serviços de investimento e gestão de riqueza transfronteiriços por residentes da região. “Espera-se, portanto, que o aumento gradual da participação do sector financeiro na economia geral leve Macau no caminho de crescimento mais estável”, conclui a AMCM. ‘Air-bag’ económico O impacto da covid-19 sentiu-se a nível mundial. Como explica a AMCM, a pandemia e as medidas de contenção reduziram a procura por serviços e comodidades a nível mundial, “interromperam de forma séria a cadeia de suprimentos internacional” e levaram a economia global a sofrer “contrações fortes” nos primeiros três meses do ano. A margem que o contexto económico de Macau deu a minorar o impacto da pandemia não foi esquecido. De acordo com a AMCM, a reserva financeira permitiu amortecer choques externos e deu espaço para o lançamento de pacotes de estímulos fiscais a agregados familiares e empresas. Medidas tomadas enquanto o sector público da RAEM se manteve livre de dívidas, e os bancos a gerar lucros. “A rápida implementação de medidas de estímulo fiscal é essencial para impulsionar a economia durante e após a epidemia”, indica o organismo. E frisou o aumento do investimento do orçamento para projectos de infra-estrutura e construção para 13,7 mil milhões de patacas. Prevendo o aumento da taxa de desemprego, o relatório refere ainda assim que o volume de trabalhadores migrantes dá espaço para “ajustes políticos” e que “o Governo da RAEM tem uma posição clara para o fazer sempre que considerar apropriado, para preservar o emprego local”.
Chumbos | Professores e responsáveis a favor de novas regras Pedro Arede - 30 Jul 2020 Apesar da controvérsia, professores e responsáveis estão sintonizados quanto aos efeitos positivos do fim das reprovações no primeiro ciclo e da inclusão de taxas de retenção noutros anos escolares. A medida entra em vigor no ano lectivo 2021/2022 [dropcap]É[/dropcap] unânime entre professores e responsáveis de institutos de ensino de Macau. A medida que põe fim aos chumbos até à quarta classe e prevê taxas de retenção para outros anos escolares, tem, de um modo geral, efeitos benéficos para os alunos. Em causa está o regulamento administrativo anunciado na passada semana pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) que estabelece o sistema de avaliação do desempenho dos alunos da educação regular de Macau, interditando as reprovações no ensino básico, da primeira à quarta classe. Além disso, o regulamento que entra em vigor no ano lectivo 2021/2022, determina que a taxa de retenção global não pode ser superior a 4 por cento no 5º e 6º ano e exceder 8 por cento no ensino secundário. Manuel Machado, presidente da Escola Portuguesa de Macau (EPM) revelou ao HM ser “100 por cento a favor” da introdução das novas medidas, até porque, por norma, os chumbos são sempre entendidos como “situações de excepção”. “Numa escola devemos trabalhar para que os alunos progridam de ano de escolaridade em ano de escolaridade. As retenções devem ser consideradas situações de excepção aplicáveis quando, juntamente com as famílias e os próprios alunos, se chega a conclusão que é vantajoso ficarem retidos mais um ano do que progredirem, isto falando apenas do 1º ciclo”, explicou. Apesar de admitir que é importante “não generalizar” e haver situações em que o chumbo é eventualmente “benéfico”, o responsável aponta que é sempre preciso ponderar bem todos os motivos dessa discussão. Contudo, Manuel Machado diz-se “a favor da progressão”. “Uma escola de sucesso é uma escola em que os alunos progridem, não é uma escola em que os alunos ficam retidos”, referiu. Sobre as taxas de retenção, Manuel Machado entende que as percentagens de 4 e 8 por cento são “balizas” que servem “para não permitir que as escolas ultrapassem um determinado número de alunos retidos”. “Mas, quanto menos melhor”, rematou. Salto em frente Também Ana Correia, directora da Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade de São José (USJ) considera a medida “muito necessária”. Sobretudo porque a abolição das reprovações nos primeiros anos de escolaridade já existe em muitos países e, em Macau, “havia uma grande ignorância e desconhecimento dos professores”, sobre os alunos com mais dificuldades na progressão da aprendizagem. Para a também professora da USJ, o novo regulamento é bem-vindo, dado que a reprovação é um mecanismo de controlo que, a ocorrer, pode ser discriminatório e ter efeitos extremamente negativos para as crianças entre os 6 e os 10 anos. “Quando se trata da avaliação no final do ano, estamos a falar de uma faceta mais negra da avaliação digamos assim, que é a do controlo e da quantificação. Esta avaliação implica a exclusão de alunos que acabam, muitas vezes, por abandonar o percurso escolar e levar ao fracasso, contribuindo para a estratificação social”, partilhou Ana Correia com o HM. “Faz sentido exercer este mecanismo de discriminação e exclusão quando as crianças ainda estão numa fase inicial do seu percurso escolar?”, rematou. Além disso, aponta a professora, quando um aluno reprova, no ano seguinte, estará mais desmotivado, dado que, não só perdeu o grupo de amigos e a auto-confiança, como será também “estigmatizado em relação aos outros e, inclusivamente, pela família, que decepcionou”. “Os efeitos psicológicos penalizam mais a criança do que ela passar de ano e manter o seu o grupo de amigos. Além disso, mesmo que a criança tenha fragilidades é obrigação do sistema e da escola encontrar recursos e estratégias para ajudar o aluno a crescer e a desenvolver-se”, acrescentou a académica. Ana Correia acredita que a medida vai contribuir para que as escolas se foquem mais nos mecanismos destinados a ajudar os alunos, podendo dar também início a uma nova forma de encarar a pedagogia e as estratégias de ensino. Ou seja, para além da dimensão académica, a professora acredita que o novo regulamento pode abrir portas para que no futuro seja dada atenção, por exemplo, ao desenvolvimento motor, pessoal e social da criança. “A medida só por si não significa que os alunos venham a saber mais, isto é apenas o princípio. Espero que as escolas façam o seu ‘trabalho de casa’, repensem a forma de ensinar e garantam que os alunos aprendem. A avaliação não pode ter apenas como objectivo a parte académica tem de incluir outras dimensões, como o desenvolvimento motor, pessoal e social da criança”. A concretização desse objectivo está, na óptica da professora, dependente de cada escola, existindo ainda muito trabalho que “tem de ser feito ao nível da formação de professores”, já que “ainda há muito ensino tradicional em Macau centrado no professor”. Pais mais activos Sobre o maior envolvimento dos encarregados de educação previsto no novo regulamento, Filipe Regêncio Figueiredo, presidente da Associação de Pais da EPM, mostrou estar “bastante agradado”. “Há um avanço grande neste regulamento administrativo, que passa pela promoção da presença dos encarregados de educação em toda a avaliação. Não só na parte negativa de poder pedir que o filho chumbe, mas também no facto de prever que encarregados de educação colaborem com a escola na definição de elementos de avaliação”, partilhou Filipe Regêncio Figueiredo. Já quanto ao fim dos chumbos e taxas de retenção, o responsável lembra que em Portugal “também há restrições” e que, no caso do primeiro ciclo, a lei “privilegia a estabilidade emocional em virtude da aprendizagem”. “Pondo-me a mim na posição de pai será sempre uma situação muito excepcional, porque acho que nenhum pai, por muita razão que a escola e os professores tenham em chumbar um aluno, gosta que o seu filho chumbe”, aponta. Admitindo não saber como a medida vai ser recebida pelos pais da EPM, Filipe Regêncio Figueiredo espera agora que, após adequar os regulamentos de avaliação à luz às novas regras, a escola partilhe com os encarregados de educação “para que se pronunciem”. Estudos académicos não invalidam impacto pedagógico de chumbos Um pouco por todo o mundo a validade das reprovações no percurso escolar tem sido matéria de estudo académico e controvérsia. Qual o mérito dos chumbos e o seu impacto? Em Portugal, foram realizadas várias investigações, com as conclusões a caírem para os dois lados da questão, ou para lado nenhum, demonstrando que a matéria está longe de ser taxativa. O estudo com a conclusão mais dramática na panóplia de investigações analisadas pelo HM, foi conduzido numa universidade do Estado da Florida, nos Estados Unidos. O artigo compara a retenção de ano escolar a um dos eventos mais traumáticos da vida de uma criança, equivalente a perder um progenitor ou a ficar cego. Além dos pedidos para enumerar os eventos mais stressantes da vida de alunos do 1º, 3º e 6º ano, o estudo comparou o futuro dos que foram retidos e dos alunos que sempre foram aprovados, e concluiu que 93 por cento dos estudantes chumbados continuou a ter resultados escolares que reflectiram competências insuficientes sete anos após o ano da retenção. Além disso, os dados de investigadores da Florida Gulf Coast University apontam para a maior probabilidade de alunos de minorias étnicas e jovens oriundos de famílias desfavorecidas em termos socioeconómicos serem reprovados, em comparação com os seus pares caucasianos oriundos de famílias de classe média-alta. Um estudo publicado no Boletim Económico do Banco de Portugal, e comissariado pelo Conselho Nacional de Educação, alarga o espectro das razões além da origem e estatuto socioeconómico, para um fenómeno multidisciplinar, elencando “atributos individuais, de família e dos colegas”, como “importantes factores na explicação da repetência”. A investigação pegou em dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), da OCDE, para analisar os índices de retenção na escola pública de Portugal. Os investigadores concluíram que “a repetência em níveis iniciais do ensino básico produz um impacto negativo no desempenho numa fase mais tardia, o que sugere que haverá vantagem em implementar práticas alternativas de apoio aos alunos nesses níveis”. Porém, o documento abre a porta à nuance, sem comprometimentos para um lado ou outro. Assim sendo, indica que “os efeitos de curto-prazo da repetência numa fase mais avançada do percurso escolar são, pelo contrário, positivos, embora de pequena dimensão, o que não parece questionar tal prática neste caso”. Por outro lado Um outro estudo, de 2018, da Universidade Nova de Lisboa destaca alguns aspectos positivos das reprovações, quando estatisticamente insignificantes, e efeitos negativos quando numericamente mais frequentes. “O impacto da retenção precoce não é estatisticamente significativo ou tem uma pequena magnitude positiva. Considerando os altos custos de manter os alunos na escola por mais um ano, o pequeno benefício obtido com a retenção sugere que a repetição é uma ferramenta ineficaz para lidar com o baixo desempenho nos estágios iniciais.” Além disso, o relatório da Universidade Nova conclui que os professores têm tendência para não reter alunos que já reprovaram em anos anteriores e que os rapazes têm maior propensão para chumbar do que as raparigas. Outros factores que aumentam a probabilidade de reprovação, são habilitações académicas da mãe do estudante que se resumem ao ensino básico e o aluno ser originário de um país lusófono.
China detecta 101 casos de covid-19 nas últimas 24 horas Hoje Macau - 29 Jul 2020 [dropcap]A[/dropcap] China diagnosticou mais 101 casos de covid-19, nas últimas 24 horas, incluindo 89 na região de Xinjiang, oito na província de Liaoning e um em Pequim, indicaram hoje as autoridades chinesas. Os casos registados nestas três regiões são todos de transmissão local. Até domingo, a capital chinesa completou 21 dias sem registar novos casos. Foram ainda diagnosticados mais três casos em viajantes oriundos do exterior, os chamados casos “importados”. O número representa uma tendência crescente nos últimos dias: 68 novos casos na segunda-feira, 61 no domingo, 46 no sábado e 34 na sexta-feira. As autoridades de saúde acrescentaram que, até à meia-noite, 10 pacientes tiveram alta, fixando o número total de casos activos no país asiático em 482, incluindo 25 em estado grave. Segundo dados oficiais, desde o início da epidemia, a China registou 84.060 infectados e 4.634 mortos devido à covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). A pandemia de covid-19 já provocou mais de 654 mil mortos e infectou mais de 16,5 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência de notícias France-Presse (AFP).
Hong Kong | UE limita exportações à tecnologia para evitar “repressão” de Pequim Hoje Macau - 29 Jul 2020 [dropcap]O[/dropcap] Conselho da União Europeia (UE) manifestou ontem “grande preocupação” sobre a nova lei da segurança nacional imposta em Hong Kong pela China e adoptou limitações à exportação de tecnologia, para evitar a “repressão e vigilância” chinesas. “Após um debate inicial no Conselho dos Negócios Estrangeiros em 13 de julho de 2020, o Conselho adoptou ontem conclusões que exprimem uma grande preocupação sobre a legislação de segurança nacional para Hong Kong adoptadas pelo Comité Permanente do Congresso Nacional Popular da China em 30 de junho de 2020”, refere a estrutura em comunicado de imprensa. Essas conclusões reafirmam “o apoio da UE ao elevado grau de autonomia de Hong Kong ao abrigo do princípio ‘Um país, dois sistemas’”, manifestando ainda “solidariedade com o povo de Hong Kong”, acrescenta a estrutura. Deste “pacote coordenado em resposta à imposição da lei de segurança nacional, a ser levado a cabo a nível da UE e ou dos Estados-membros, conforme considerado apropriado”, fazem parte limitações da União às “exportações de equipamento e tecnologias sensíveis específicas para utilização final em Hong Kong, em particular quando existam motivos para suspeitar de utilização indesejável relacionada com a repressão interna, a interceção de comunicações internas ou a vigilância cibernética”, de acordo com as conclusões da reunião. Ao mesmo tempo, o Conselho da UE decidiu “rever as implicações da lei de segurança nacional sobre o funcionamento da extradição dos Estados-membros e outros acordos relevantes com Hong Kong”, bem como “continuar a envolver e apoiar a sociedade civil” na antiga colónia britânica, nomeadamente através da “monitorização contínua dos julgamentos dos ativistas pró-democracia”. A UE vai, ainda, “controlar o efeito extraterritorial da lei de segurança nacional” e evitar, “por enquanto, lançar quaisquer novas negociações com Hong Kong”. Em meados de Julho, os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, reunidos em Bruxelas, reiteraram a sua “preocupação” pela nova lei da segurança nacional imposta em Hong Kong pela China, admitindo recear os “riscos” na soberania da antiga colónia britânica. Pequim impôs uma lei da segurança nacional a Hong Kong, argumentando que a legislação “não coloca em causa” a máxima “Um país, dois sistemas” por ser “apenas uma forma de aumentar a segurança” daquela região administrativa especial com uma lei que “já devia ter sido aprovada”. O documento surgiu após repetidas advertências do poder comunista chinês contra a dissidência em Hong Kong, abalado em 2019 por sete meses de manifestações em defesa de reformas democráticas e quase sempre marcadas por confrontos com a polícia, que levaram à detenção de mais de nove mil pessoas. Num relatório anual publicado na semana passada, a diplomacia da UE considerou que 2019 foi um ano “excepcionalmente desafiante” para Hong Kong, devido à “agitação social constante” e às situações de violência, criticando também a “deterioração” das liberdades fundamentais”.
China suspende tratados de extradição entre Hong Kong e três países em retaliação Hoje Macau - 29 Jul 2020 [dropcap]A[/dropcap] China anunciou hoje a suspensão de acordos de extradição entre Hong Kong e três países ocidentais – Canadá, Austrália e Reino Unido -, que criticaram a imposição por Pequim de uma lei de segurança nacional na região semi-autónoma. A medida de retaliação adoptada por Pequim é sobretudo simbólica, visto que os três países já tinham suspendido unilateralmente os tratados, para protestar contra a nova legislação, em vigor desde 30 de junho passado. “Estas decisões erróneas (…) minaram gravemente os fundamentos da cooperação judicial”, disse Wang Wenbin, porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros da China, em conferência de imprensa. “A China decidiu suspender os tratados de extradição entre Hong Kong e o Canadá, Austrália e Reino Unido, além de acordos de cooperação em justiça criminal”, afirmou. Vários países ocidentais, liderados pelos Estados Unidos, pediram à China que reverta a lei de segurança nacional em Hong Kong. Esta nova legislação faz com que a oposição pró-democracia na cidade tema um sério declínio das liberdades em vigor neste território de 7,5 milhões de habitantes, retornado à China em 1997 pelo Reino Unido. Para Pequim, esta lei é oficialmente uma forma de garantir a estabilidade, de pôr fim ao vandalismo que marcou as manifestações pró-democracia de 2019 na região, bem como de suprimir vozes que defendem a independência do território.
Pequim critica “provocação perigosa” dos EUA após encerramento de consulados Hoje Macau - 29 Jul 2020 [dropcap]A[/dropcap] China criticou hoje os Estados Unidos pelo que definiu de “provocação perigosa” que pode implicar uma “confrontação” no caso do encerramento dos consulados, mas desejou que os dois países “comuniquem de forma racional”. No decurso de uma conversa com o seu homólogo francês Jean-Yves Le Drian, o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi, advertiu que as relações sino-norte-americanas se arriscam a “cair nos abismos da confrontação” e apelou à comunidade internacional para evitar “qualquer ato unilateral de hegemónico”, segundo uma transcrição fornecida pelo ministério chinês. A China assumiu na segunda-feira o controlo do consulado dos Estados Unidos em Chengdu (sudoeste), abandonado pelos diplomatas norte-americanos, em reação ao encerramento por Washington na semana passada do consulado chinês em Houston (Texas), no rescaldo de um episódio diplomático que fez recordar o período da Guerra fria. “Este perigoso incitamento à confrontação e à divisão por parte dos Estados Unidos é totalmente desligado da realidade, na qual os interesses da China e dos Estados Unidos estão intimamente ligados”, considerou o ministro chinês. Os dois países devem “procurar comunicar de forma racional” e “nunca permitir que elementos anti-chineses ponham em causa as décadas de trocas e de frutuosa cooperação”, acrescentou. Os EUA alegaram que o consulado de Houston era um ninho de espiões chineses, que tentaram roubar dados de instalações no Texas, incluindo o sistema médico do Texas A&M e o MD Anderson Cancer Center, da Universidade do Texas, em Houston. A China definiu as alegações de “calúnia maliciosa”.
Jogo | SJM Holdings com perdas de 1,4 mil milhões Hoje Macau - 29 Jul 2020 [dropcap]A[/dropcap] SJM Holdings anunciou ontem perdas líquidas de 1,4 mil milhões de dólares de Hong Kong durante o primeiro semestre do ano. Isto representa uma quebra de 184 por cento face ao mesmo período de 2019, em que se registaram 1,679 mil milhões em lucros. Em comunicado ontem divulgado pelo grupo, é indicado que as receitas líquidas do jogo da SJM diminuíram 74,4 por cento durante o primeiro semestre do ano, fixando-se em 4,37 mil milhões de dólares de Hong Kong. Já o EBITDA ajustado do grupo, que se refere aos resultados antes de impostos, juros, depreciações e amortizações, reflectiu perdas de 984 milhões de dólares de Hong Kong. Na mesma nota, a SJM referiu que o Hotel Grand Lisboa, em Macau, teve uma taxa de ocupação média de apenas 18,9 por cento, uma quebra de quase 80 por cento. “Os resultados do primeiro semestre da SJM refletem a severa contração nas viagens e turismo causada pela pandemia da covid-19. Neste ambiente, empenhamo-nos para controlar os custos operacionais num nível prudente. Ao mesmo tempo, estamos a trabalhar de perto com o Governo de Macau para concluir os procedimentos para abrir o Grand Lisboa Palace, no Cotai”, disse Ambrose So, CEO da Sociedade de Jogos de Macau.
USJ quer reforçar ensino de línguas e contrata mais professores de português Andreia Sofia Silva e João Santos Filipe - 29 Jul 2020 [dropcap]A[/dropcap] Universidade de São José (USJ) foi alvo de uma reestruturação interna, tendo sido criadas novas faculdades. O resultado traduziu-se em mudanças no funcionamento do departamento de português, que foi absorvido pelo novo Departamento de Línguas e Culturas. Ao HM, o director da Faculdade de Artes e Humanidades (FAH), Carlos Caires, disse que isso não significa uma menor aposta na língua portuguesa, bem pelo contrário. “Não há uma extinção do departamento, há uma reformulação. Nenhum professor corre o risco de ser despedido e posso garantir que está nos nossos objectivos aumentar o ensino das línguas em todos as licenciaturas da faculdade e da USJ.” Prova disso é o recrutamento, já no próximo semestre, de quatro professores de língua portuguesa, “três novas contratações e a vinda de uma bolseira do Brasil”, explicou Carlos Caires. Actualmente as licenciaturas já possuem o ensino de disciplinas de chinês, português e inglês, mas a ideia é que haja uma maior aposta a este nível. “Com a nova reestruturação queremos ter a possibilidade de ter quatro anos de ensino de língua, português, chinês ou inglês. Há um reforço na capacidade de ensino de línguas dentro da USJ”, frisou. “Vamos entrar nos objectivos ligados à política do Governo, do ensino das línguas do ponto de vista intercultural e multicultural, tendo em consideração a relação entre a China e Portugal e Macau como plataforma óbvia. A nossa ideia é reforçar o ensino das línguas, disso não há qualquer dúvida”, rematou o director da FAH. Dentro da faculdade passa a funcionar ainda o Departamento de História e Património e o Departamento de Indústrias Criativas.
Sobre o prazer e as suas dificuldades Tânia dos Santos - 29 Jul 2020 [dropcap]O[/dropcap] prazer – e vamos assumir o conceito de forma mais geral, onde cabe o sexo e muitas outras actividades – não é fácil de ser conquistado pelas mais variadas razões. Razões pragmáticas a conceptuais fazem parte do debate por quem luta pelo prazer. Inclusive, até por quem não assume posição nenhuma mas, com o seu silêncio, contribui para a complexidade do prazer na contemporaneidade. Passo a explicar como é que o prazer é afectado por três níveis de análise, para simplificar. Corpo. Muitas vezes olham-se para as barreiras mais palpáveis ao prazer procurando o nível de comprometimento do corpo. Existem várias patologias que comprometem o prazer, podem ser problemas anatómicos e até neurológicos. Só que utilizar esta classificação deixa o prazer abandonado num estado de incompreensão, onde é definido pela capacidade sensorial de um corpo que reage e espera por reagir, única e simplesmente. Mente. Depois vem uma visão mais psicológica do prazer, aquele em que o prazer não depende exclusivamente de um estado de corpo, mas de uma disponibilidade mental, cognitiva e emocional, para lhe dar forma. Falando assim parece vago, eu sei. Mas todos os estudos sobre o orgasmo, apontam para uma visão conjunta entre corpo e mente. Os estudos sobre disfunções sexuais também mostram a importância da terapia, o trabalho de desenvolvimento pessoal, em resolvê-los. Que estado mental é, então, desejado? É um estado de aceitação: do corpo que se tem, dos medos que se têm, das ansiedades, receios, desejos e prazeres. Mantenho a definição vaga para não cair em fórmulas rígidas, e mantendo a diversidade de escolas psicoterapêuticas e do entendimento de mente, o prazer depende de um corpo (que não tem que ser perfeito), e da aceitação e desenvolvimento de quem somos, para quê e como. Social. A seguir vem a visão social do prazer, que, como uma matryoshka, a boneca russa, se interpenetra no entendimento do prazer do corpo e da mente. Claro que somos bombardeados por imagens e representações sobre o que é o prazer, mas também somos afectados de forma mais profunda do que isso. O “social” contribui para a forma como podemos ou não assumir e aceitar o nosso corpo e a nossa individualidade dentro dos sistemas de privilégio e opressão vigentes. A interconexão do que se passa cá dentro com o que se passa lá fora não pode nunca ser negligenciada. Quem é que é merecedor de prazer e porquê? Só com esta interrogação é que se pode explorar de que forma é que as estruturas sociais moldam o acesso ao prazer e as formas como ele pode ser vivido. Estes três níveis, e a forma como estão ligados uns aos outros, reforça a necessidade de uma visão integrada (interdisciplinar!) do prazer. Onde o corpo, a mente e a sociedade estão em movimentos perpétuos de ligação. Esta conceptualização também mostra que a luta pelo prazer tem que ser feita por várias frentes. Perceber o nosso estado do corpo é importante, ter disponibilidade para estar em contacto com as nossas dificuldades, fragilidades e recursos é importante, estar pronto para lutar contra a injustiça social também é importante. Só assim é que poderemos libertarmo-nos do velho mito de que o prazer é de alguma forma pecaminoso. Pelo contrário, aceitar que podemos ter prazer é talvez a pré-condição para o bem-estar, não só com o sexo, mas nos pequenos momentos do dia-a-dia. Perceber o prazer e aceitá-lo, talvez seja a peça do puzzle que nos falta para outro tipo de consciência global. E para os que responderão com uma definição de prazer egoísta, tenho a acrescentar que o verdadeiro prazer resulta de uma dinâmica complexa, nada solitária, onde a responsabilidade é partilhada entre o próprio e os outros.
O anjo do desespero Amélia Vieira - 29 Jul 2020 Na sombra das minhas asas mora o terror, a minha esperança é o último sopro O meu voo é a revolta, o meu céu o abismo [dropcap]H[/dropcap]eine Muller é filho da R.D.A o que o torna no contexto sócio literário e dramaturgo alguém de muito especial pela sua configuração histórica e pelo elemento utópico, ao contrário de agora, não se pretendia nenhuma unificação que tendesse para uma amálgama entre partes, e esta natureza que começa por ser alinhada ao seu processo de transformação em curso, também se torna, no seu caso específico, o princípio de uma dilaceração. Discípulo de Brecht, anotamos contudo uma maior densidade lírica, talvez, que o aguilhão da nacionalidade a que pertence torna lindissimamente amarga. Efectivamente, ele foi do Partido Socialista Unificado Alemão, dirigente de grupos teatrais cujo prestígio lhe causaria dissabores, e estas travessias são matéria de aprumo para a compreensão de toda a sua obra e a relevância dela, no lado das vanguardas e na linha do intertexto passará a “persona non grata” banido da Sociedade de Escritores, saltando assim para lá do Muro onde o seu prestígio se instala, posteriormente, será por fim bem aceite na sua sociedade de origem. Os seus textos teatrais influíram ainda toda uma geração de actores até aos dias de hoje e só tarde se adentra então no texto poético, que poética é toda esta obra, com a estranha lucidez que tal epíteto carrega. Um Velo de Ouro negro se faz sempre sentir mergulhado numa soberba consciência das sociedades nos diversos tempos históricos, e neste caso, pelo fumo das fábricas das actividades em marcha, pelas guerras no centro do seu berço, das metralhas e do conflito de uma Europa laboral e bélica, e é na presença de realidades de transformações profundas que a sua linguagem ganha a belíssima Asa negra de uma hélice que gira sem parar. O prodigioso mundo dos “Fantasmas de Muller” muito focado no seu comprometimento, é também a do homem que fala com os mortos, e creio que só se tornará um autor mais intimista depois do suicídio da sua mulher, e aí se demora na tragédia, o que não é uma singularidade nos autores alemães “eu era Hamlet, estava à beira mar….atrás de mim as ruínas da Europa” o pós-modernismo habitando tempos vários, que a tragédia afigurava-se-lhe de grande vitalidade, oposta ao ciclo burguês de uma identidade reprimida e deprimida nas estratégias da sua consolidação de classe: ” o que há de mais estranho na nossa realidade é a beleza. Isto é a maior das provocações.” E é esta Asa de Anjo que sempre desce para reconhecimento das nossas existências e que vem de muito distante dirigida a um não menos distante futuro em forma de corvo negro, que nele tanto nos fascina! Anjo que fala com os mortos “eu sou a faca com que o morto abre o caixão” e eis que subitamente em forma de teatro nos aparece o da Trombeta em pleno Juízo Final. E ele que alude a uma qualquer ressurreição, é na funda impressão que lhe dá, ainda o veículo de uma catástrofe porque obriga a despertar aquilo que estava parado, perdido, ele volta a reunir os ossos – aqueles que em páginas outras andavam dispersos- erguendo em colunas de assombro um projecto Vivo. É muito revelador como os povos interpretam as presenças fictícias nas suas circunstâncias escritas e lembro «Uma frescura de Asas» de António Quadros e esta categorização de Muller, na mesma figura, a redefinição do sistema onírico dos povos é de facto matéria distante entre eles, e talvez por isso não sejam compatíveis ou não se entendam em muitos outros assuntos: redesenhados no imaginário das suas heranças históricas, podem abordar um mesmo tema de ângulos muito diferentes, no entanto, este admoestamento da imagem do Anjo é-me muito cara na visão de Muller, na mesma linha de correspondência que fez Rilke afirmar “todo o Anjo é terrível…”. Todo o futuro terá paradoxalmente um coração antigo que o transporta com a dinâmica veloz das revelações, e indo buscar as asas, trouxe-as com o desespero do mensageiro que não cabe já num tempo de mensagens vazias. Este é o testemunho de uma narração no limite da consciência, e tal como os vencedores não produzem cultura, também os trágicos não se abeiram das coisas que não os façam irredutíveis. Uma coisa não pode estar em vez da outra, pois que cada palavra aqui age para produzir o dinamismo necessário para sair do vazio que se instala na comédia humana. E acrescenta então o que gostaria de ter escrito mesmo cegando: Eu sou o anjo do desespero. Com minhas mãos distribuo o êxtase…… A minha fala é o silêncio, o meu canto o grito. Na sombra das minhas asas mora o terror. A minha esperança é o último sopro. Eu sou aquele que há-de ser. O meu voo é a revolta, o meu céu o abismo de amanhã. E ainda nas « Asas do Desejo», Berlim é um local agreste.
Sobre A Raiva (1963) de Pier Paolo Pasolini Hoje Macau - 29 Jul 2020 [dropcap]E[/dropcap] então tudo explode de novo: «Silêncio absoluto» (silenzio assoluto), como exige Pasolini no seu guião. O silêncio do «inextinguível terror» atómico. O silêncio antes que a «voz da didascália» retorne, e o seu texto poético acompanhando os sóis de morte e as listras no céu: «Sonhos de morte (sogni di morte). […] Ah, crianças! (Ah, figli!) […] Não há mais nada, nada, nada (Non c’è più nulla, nulla, nulla).» Poema antes da implacável sentença de uma «voz de prosa» que afirma: «Luta de classes, razão de toda a guerra» (Lotta di classe, ragione di ogni guerra). Duas vozes, portanto, que se sucederam ou reagiram: duas vozes para dizer e repetir a posição dialéctica de Pasolini. Veja essas explosões: o ponto de vista político (a «voz de prosa») ensina-nos quais são, de facto, as «armas da luta de classes», conforme Bertolt Brecht já havia dito, e como disseram ainda Hannah Arendt ou Günther Anders nos anos sessenta. Mas olhe para elas novamente, para essas explosões, olhe para elas mais algum tempo: o ponto de vista lírico (a «voz da poesia») sugere então que «essas formas no alto dos Céus» (queste forme nella sommità dei Cieli) são a nossa própria «realidade» (realtà). Assim se organiza o olhar duplo de Pasolini: através de uma montagem surpreendente, ele ousa, frente a essas armas atómicas, persistir na sua pergunta poética, na pergunta dirigida – via Marilyn Monroe – à beleza das formas. Surgem então as imagens de pinturas abstractas (os quadros de Jean Fautrier, no caso), cujo «lirismo» vem sublinhar ou acusar a própria beleza dos céus perturbados por explosões atómicas. Momento intensamente lírico, mas momento que acusa tanto quanto sublinha, pois é o reflexo de uma ordem política que finalmente emerge, carregada desta vez – o detalhe é importante – pela «voz da poesia»: «A classe detentora da beleza. Fortalecida pelo uso da beleza, alcançou os limites supremos da beleza, onde a beleza é apenas beleza.» Para quê os poetas, os pintores abstractos, os cineastas – que tantas vezes nos mostram a beleza dos corpos e dos gestos, os de Marilyn Monroe ou de Anna Magnani, por exemplo – nestes tempos obscuros em que existe uma «classe detentora da beleza»? Porquê dar a ver a beleza se mostrá-la equivale a abandoná-la entre as mãos do inimigo? Será a própria beleza um objecto da luta de classes? Uma série de fotografias mostrando típicas mulheres burguesas, caracteristicamente vulgares por estarem «carregadas de jóias» (ingioiellate) durante as noites de ópera, pontua toda uma reflexão, ainda trazida pela «voz da poesia», sobre a apropriação burguesa da beleza, mas também da natureza e da própria história: «A classe detentora da riqueza. Alcançou tanta confiança na riqueza que confunde a natureza com a riqueza. Tão perdida no mundo da riqueza que confunde a história com a riqueza.» Tocado – como Georges Bataille – pelas relações entre a beleza e o mal, Pasolini passará a situar o conflito dentro da própria beleza. A seus olhos, Marilyn encarna a «beleza pela obediência», a beleza de uma pessoa radiante, clássica e jovem, apropriada pela classe burguesa através do que Theodor Adorno já chamava de «indústria cultural» e do que Guy Debord ainda não chamava de «sociedade do espectáculo». A seus olhos, as explosões atómicas reificam a «beleza através do terror», a beleza de um processo de destruição absoluta nas mãos dos modernos senhores da guerra. Para ele, as pinturas de Fautrier representam – indevidamente, mas pouco importa aqui – a «beleza pela beleza» de que a burguesia de hoje, como Enrico Scrovegni na época de Giotto, se apropria a fim de apaziguar a sua má consciência (não contente em apropriar-se da história, quer também apropriar-se da história da salvação, no caso de um Scrovegni, ou mesmo da história da arte, no caso de um Henry Clay Frick ou, nos dias que correm, de um François Pinault). Eis porque, na sequência imediatamente seguinte, duas imponentes portas se fecham diante dos nossos olhos, como se a beleza nos tivesse sido negada pelos donos da riqueza: «A classe da beleza e da riqueza, um mundo que não [te] ouve. A classe da beleza e da riqueza, um mundo que [te] deixa do lado de fora da sua porta.» E é então que os mineiros voltam do fundo do filme, como se saíssem do fundo da sua mina. É quando emerge a outra beleza, a beleza tão estranhamente bela de carregar o seu outro, a dor mais antiga. Vinte e três mineiros estão de volta do fundo da mina, carregados pelos seus camaradas e chorados pelas suas esposas ou mães. É o que vemos primeiro, como o exacto contraponto às vidas «carregadas de jóias» das burguesas da ópera, ou até mesmo à morte da própria Marilyn sob a forma de «pó de ouro». Aqui estão as mulheres de cinza, de preto, as mulheres que se debatem com o luto, que se lamentam, que se calam dignamente ou que lançam os seus gestos de raiva contra as autoridades capazes apenas de «gerir o acidente». E Pasolini compõe, através da «voz da poesia», uma espécie de ode, uma humilde canção fúnebre para esse povo atingido pela brutal explosão: «E a classe dos xailes pretos de lã, dos aventais pretos para algumas liras, dos lenços que envolvem os rostos brancos das irmãs, a classe dos gritos antigos, das expectativas cristãs, dos silêncios fraternos na lama e do cinzento dos dias de lágrimas, a classe que dá valor supremo às suas pobres mil liras, e que nisso fundou uma vida mal capaz de iluminar a fatalidade de morrer.» tradução de: DIDI-HUBERMAN, Georges, Sentir le grisou, Paris, Les Éditions de Minuit, 2014, pp. 61-70
Urban Nights | Iniciativas temáticas promovem negócios locais para combater a crise Andreia Sofia Silva - 29 Jul 2020 A crise gerada pela pandemia do novo coronavírus está a deixar muitos negócios à beira da ruína. A pensar nisso, Rui Carreiro e Cristiana Figueiredo decidiram promover as Urban Nights, uma série de eventos temáticos que pretendem levar mais pessoas a consumir aquilo que é criado e feito em Macau. Depois de um evento dedicado à fotografia, vêm aí iniciativas ligadas à moda e música, sem esquecer o fado [dropcap]R[/dropcap]ui Carreiro, proprietário do espaço de restauração Urban Tribe, e Cristiana Figueiredo, proprietária do Cuppa Coffee, decidiram unir esforços para combater a crise com que se debatem muitos dos negócios locais desde que começou a pandemia da covid-19, devido à falta de turistas. A ideia é organizar eventos temáticos, com o nome “Urban Nights”, em vários locais do território a fim de promover o trabalho de artistas locais. Além disso, pretende-se que os residentes gastem o dinheiro dos cartões de consumo nos espaços comerciais de Macau e não em lojas de marcas internacionais. “Achamos estranho o facto de as pessoas só utilizarem o cartão de consumo nos supermercados, não faz sentido”, contou ao HM Rui Carreiro. “Usem o cartão em lojas locais. Nós somos a cara de Macau e não um casino ou um franchise. Sustentamos famílias. No meu caso, tenho três ordenados para pagar e a minha renda apenas baixou 10 por cento”, frisou. Para cada evento será convidada uma empresa local. No caso do primeiro “Urban Nights”, que decorreu no passado sábado e que foi inteiramente dedicado à fotografia, a empresa associada foi a ID Core. “Queremos também promover os artistas de Macau. Não vivemos de likes no Facebook e penso que é uma obrigação das pessoas de Macau, que têm direito ao cartão de consumo, ajudar os negócios locais. É um dever moral e cívico”, disse o proprietário do espaço Urban Tribe, que serve comida vegan e vegetariana. Moda, música e fado Depois do sucesso do primeiro “Urban Nights”, que juntou mais de 100 pessoas, Rui Carreiro já está a organizar o segundo evento que será dedicado à música, com uma banda de Macau e que conta com uma empresa de organização de eventos como convidada. Mas a ideia é organizar, a cada 15 dias ou três semanas, um evento diferente. “O terceiro evento será um jantar temático com actuações de vários artistas. Vamos ter também uma noite dedicada à moda e outra ao fado. Ainda estamos numa fase experimental para ver o que podemos fazer.” Em todas as iniciativas será servida comida vegan ou vegetariana do espaço Urban Tribe. Rui Carreiro diz que o lucro não é a principal prioridade, mas sim reunir pessoas de todas as comunidades existentes em Macau em prol de uma causa comum. “Queremos mesmo ser uma comunidade, ninguém está aqui para fazer milhões. Estes eventos dão pouco lucro, mas queremos difundir a mensagem. A ideia aqui não é só fazer com que as pessoas usem o cartão de consumo em negócios locais, mas atrair as pessoas para as lojas locais, para que não o gastem em franchises. O dinheiro desses franchises não fica cá, vai para as casas mães que estão fora de Macau. Vamos tentar usar o dinheiro que o Governo nos ofereceu para ajudar a economia local.”, rematou Rui Carreiro.
FSS | Arrancam hoje notificações para levantar verbas de saldos orçamentais Hoje Macau - 29 Jul 2020 Vem aí mais uma repartição extraordinária de saldos orçamentais do regime de previdência central não obrigatório. Desde 2010, o Governo atribuiu 28,5 mil milhões de patacas através deste benefício. Apesar de o orçamento para o próximo ano apontar para cortes, tudo indica que a verba vai continuar a ser atribuída, pelo 12º ano consecutivo [dropcap]D[/dropcap]epois de se tornar conhecido o corte de 10 por cento no orçamento da RAEM para 2021, Ho Iat Seng veio acalmar os residentes ao referir que não iria cortar nas despesas que servem o bem-estar da população, referindo-se aos cheques pecuniários. Ontem, a chefe do departamento do Regime de Previdência Central, Ieong Iun Lai, apontou que também as verbas de repartição extraordinária de saldos orçamentais devem manter-se no próximo ano, apesar do cenário de crise, sem dar, para já, certezas. “A repartição extraordinária depende da execução orçamental do ano. Temos de ouvir os pareceres das finanças [DSF]. O Chefe do Executivo referiu que o Governo não iria cortar nas despesas relativas à qualidade de vida da população”, contextualizou Ieong. Os beneficiários da contribuição extra começam hoje a ser notificados por SMS para se inscreverem e poderem levantar a verba, entre o final de Agosto e Outubro, segundo os responsáveis do Fundo de Segurança Social (FSS). Este dinheiro é distribuído há 11 anos seguidos, totalizando até ao momento 28,5 mil milhões de patacas. Os residentes que pedirem atribuição automática, vão receber no dia 21 de Agosto 7.000 patacas, mais juros, na conta bancária em que recebem a pensão para idosos ou de invalidez. Universo de benefícios As cerca de 56 mil pessoas que requerem no ano passado a atribuição automática do benefício não precisam apresentar de novo o requerimento da verba neste ano. Estão habilitados a receber a verba os residentes com mais de 65 anos, desempregados com 60 anos ou mais, residentes com elevadas despesas médicas devido a lesões ou doenças graves, quem invocar razões humanitária ou os beneficiários há mais de um ano de pensão de invalidez dos FSS e especial do Instituto de Acção Social. Os beneficiários têm de ser residentes permanentes, ter, pelo menos 22 anos, e ter permanecido no ano passado no território um mínimo de 183 dias. De acordo com dados facultados ao HM pelo FSS, no ano passado registaram-se quase 100 pedidos aprovados de pessoas apoiadas por razões humanitárias, que totalizou cerca de 2,59 milhões patacas. Quanto aos residentes com direito à verba por terem de suportar despesas elevadas devido a doença grave, no ano passado foram aprovados cerca de 110 pedidos, totalizando perto de 5,35 milhões de patacas. Devido à crise gerada pela pandemia, o FSS estima que este ano aumentem os casos de desempregados com mais de 60 anos em mais 2.000 pedidos.
Caso IPIM | Testemunhas de defesa começam a ser ouvidas amanhã Salomé Fernandes - 29 Jul 2020 Com as testemunhas de defesa a começarem a ser ouvidas amanhã, o julgamento do caso que envolve o ex-presidente do IPIM entra na recta final. O Ministério Público prevê usar pelo menos duas horas nas alegações finais [dropcap]O[/dropcap] julgamento do caso da alegada rede de pedidos de fixação de residência que envolve o ex-presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), Jackson Chang, está a aproximar-se do fim. A juíza indicou que por se tratar de um “processo especial” vai autorizar mais tempo para as alegações finais, apesar de ainda não se saber data. O Ministério Público disse ontem que vai precisar de, pelo menos, duas horas para as alegações finais. O Código de Processo Penal indica que as alegações orais não devem exceder 40 minutos por interveniente. Mas quem fundamentar a necessidade de continuar depois de esgotar o tempo “com base na complexidade da causa” pode fazê-lo com autorização do juiz. Neste caso, a juíza deixou ontem em aberto a possibilidade de as alegações serem até dia 11 de Agosto, ou deixadas para Setembro. De acordo com o tribunal, as testemunhas de defesa devem começar a ser ouvidas amanhã. A acusação entende que Jackson Chang recebeu benefícios do empresário Ng Kuok Sao através de dois relógios pagos com 230 mil patacas em numerário e 51 mil patacas encontradas nas buscas ao escritório de Jackson Chang. Um funcionário da Bern Watches depôs ontem sobre a altura em que levou os relógios até Jackson Chang e uma mulher – que não conseguiu identificar. Lam Long disse que na altura recebeu da mulher o pagamento de um dos relógios, no valor de 50 mil dólares de Hong Kong em numerário. E explicou que os recibos foram emitidos mais tarde. O dono da relojoaria indicou que os 180 mil do outro relógio foram pagos mais tarde por Angela Ip, mulher do ex-presidente do IPIM. A testemunha não avançou em tribunal razões para a aquisição dos relógios. De acordo com a defesa, um seria para o filho do casal, que ia acabar o curso. Por outro lado, várias testemunhas para as quais a Forever Creative, associada a Ng Kuok Sao, pagou contribuições da Segurança Social, disseram não conhecer a empresa nem terem trabalhado para ela. Mais um arguido O Ministério Público (MP) já requereu extração de certidão para abrir inquérito contra Tylor Ian. O actual chefe do departamento de fixação de residência do IPIM foi alertado na semana passada para a possibilidade de se tornar arguido, quando prestava depoimento na qualidade de testemunha. Tylor Ian disse que passou a Glória Batalha informações sobre um processo de fixação de residência por ser sua superior, mas que em circunstâncias normais não as teria divulgado. Ontem, o MP referiu que as declarações de Tylor Ian revelam indícios de abuso de poder e de revelação de segredo.
IPM | Instituição diz que e-mail sobre taxa enviado a docentes foi um lapso Salomé Fernandes - 29 Jul 2020 Em resposta ao deputado Pereira Coutinho, o IPM explicou que um “lapso” levou docentes a receber em Junho um e-mail com um regulamento que previa a cobrança de 10 por cento dos honorários que ganhassem na prestação de serviços fora da instituição [dropcap]A[/dropcap] 5 de Junho, o pessoal académico do Instituto Politécnico de Macau (IPM) recebeu um e-mail com um regulamento de 2002, que previa a possibilidade de a instituição cobrar 10 por cento dos honorários que um docente ganhasse na prestação de serviços fora do IPM, quando era autorizada a acumulação de funções. A situação foi detectada pelo deputado Pereira Coutinho que, numa interpelação escrita, quis saber qual a base legal a autorizar a criação da taxa e qual o destino das receitas. O presidente do IPM, Im Sio Kei, respondeu dizendo que a situação “já foi esclarecida” e que o e-mail enviado pela Divisão de Assuntos de Pessoal do IPM se tratou de um erro. “Tratou-se de um e-mail interno que foi enviado, de forma incorrecta, por um funcionário dessa Divisão, quando estava a tratar de alguns documentos electrónicos anteriormente arquivados. Essa Divisão, pouco depois, enviou um outro e-mail aos respectivos trabalhadores docentes para esclarecer essa situação, explicando que o e-mail havia sido emitido erradamente por lapso de um funcionário”. O regulamento em causa foi revogado em 2012 depois da insistência de Pereira Coutinho. Na altura, em resposta a uma interpelação escrita do legislador, o anterior presidente do IPM descreveu que o tema motivou sucessivas interpelações do deputado durante dois anos. “Para que a discussão não subsista, o IPM (…) deliberou suspender o referido regulamento, não porque tenha dúvidas da legalidade quanto ao mesmo, mas porque não deseja ver a Instituição envolvida em querelas que possam perturbar o seu normal funcionamento”. Ainda assim, Lei Heong Iok defendia que “o pagamento efectuado pelo trabalhador que é autorizado a acumular é uma prestação devida como contrapartida da remoção da limitação legal a essa acumulação”. Realidade das férias O período de férias de docentes também recebeu atenção do deputado, que acusou o IPM de decidir “de forma arbitrária” que o direito a férias dos docentes é entre 15 de Agosto de um ano e a mesma data do ano seguinte, “obrigando os docentes a gozar férias até 15 de Agosto de cada ano e não até ao final do ano civil como determina o Estatuto do Pessoal”. Sobre este ponto, Im Sio Kei disse que “devido à particularidade dos trabalhos intensivos de ensino” não deve haver pausa entre o início do ano lectivo e Dezembro. E aponta como exigência que os docentes gozem as férias antes de 15 de Agosto de cada ano, justificando a medida por ser uma prática que remonta à fundação do IPM em 1991 e comum noutras universidades. “Porém, se houver algum docente que precise de apresentar pedido para gozar de férias anuais após 15 de Agosto, a fim de tratar assuntos urgentes, o director da respectiva unidade académica pode autorizar o pedido, como um caso extraordinário, de acordo com a situação real”, explica. Por outro lado, o presidente do IPM nega que haja interferência abusiva de trabalhadores da divisão de pessoal do IPM nas reuniões de júris de recrutamento de professores. De acordo com Im Sio Kei, alguns desses trabalhadores são de apoio administrativo nos processos de recrutamento, mas “não interferem nos trabalhos de avaliação”, nem emitem “qualquer parecer sobre deliberações do júri”.
Capitais Públicos | Companhias reflectem influência da elite local João Santos Filipe - 29 Jul 2020 A revelação pelo Executivo de Ho Iat Seng das participações e nomeações nas empresas com capitais públicos expõe a olho nu as ligações entre famílias tradicionais, membros do Conselho Executivo e Governo. Os elos de ligação são nomeações públicas, mas também dos investimentos conjuntos [dropcap]O[/dropcap] Governo é responsável por, pelo menos, 3,45 mil milhões de patacas em participações sociais nas empresas que declararam dados no portal do Gabinete para o Planeamento da Supervisão dos Activos Públicos. O valor será mesmo superior, uma vez que faltam ser publicados dados de algumas companhias, enquanto outras optaram por não disponibilizar informação na plataforma. Mais do que o valor das participações, as informações que começaram a ser reveladas por instruções de Ho Iat Seng permitem perceber ligações entre o Executivo e alguns empresários e políticos mais influentes. Esta realidade vai muito além da histórica ligação com a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM). As ligações surgem não só pelo do facto de o Governo ser accionista com os empresários em algumas das companhias com capitais públicos, mas também por os nomear como representantes em várias ocasiões. Um dos nomes em maior evidência é do empresário e ex-membro do Conselho Executivo Liu Chak Wan. Além de ter sido nomeado pelo Executivo curador da Fundação Macau (FM) e do Fundo para o Desenvolvimento das Ciências de Tecnologia (FDCT), Liu é ainda parceiro minoritário de negócios com o Governo em pelo menos três empresas, nomeadamente no Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau (CPTTM), no Centro de Comércio Mundial de Macau (WTC, em inglês) – onde é presidente da mesa da Assembleia-Geral, e ainda na Companhia de Electricidade de Macau (CEM). No CPTTM, Liu tem uma participação de 100 mil patacas, ou seja 0,4 por cento do capital social, e no WTC a participação é de 750 mil patacas, o que representa 2,5 por cento do capital da empresa. Como curador da FM e FDCT, o empresário tem a possibilidade de estar envolvido no Centro de Ciência de Macau, no Instituto para o Desenvolvimento e Qualidade Macau (IDQM), Sociedade do Metro Ligeiro e na Macau Renovação Urbana, em que a FM e FDCT são accionistas. Acresce que no caso do Centro de Ciência de Macau, Liu é também presidente da Assembleia-Geral. O empresário é parceiro do Governo também na Companhia de Electricidade de Macau e secretário da mesa da Assembleia-Geral em nome da Liu’s Comércio e Indústria. A participação na CEM da empresa que Liu representa não é revelada, o portal da eléctrica releva que é inferior a dois por cento. Já a participação do Governo na CEM é de oito por cento. (u)Ma família feliz As informações reveladas no portal do Gabinete para o Planeamento da Supervisão dos Activos Públicos reflectem igualmente as ligações entre o família Ma e o Governo. Apesar de ter morrido em 2014, o patriarca Ma Man Kei continua a ser apresentado como accionista do CPTTM com uma participação de 100 mil patacas, ou seja 0,4 por cento do capital social da empresa, que deverá ser gerida pelos herdeiros. Porém, as ligações entre o Governo e a família continuam através de, pelo menos, três filhos e um neto. Também no CPTTM, o empresário Alexandre Ma Iao Lai surge com uma participação de 50 mil patacas, ou seja 0,2 por cento do capital social. O ex-membro do Conselho Executivo é ainda um dos sócios do Governo da empresa do Matadouro, com uma participação de 1 milhão de patacas, o que equivale a 2,5 por cento do capital social. Igualmente no CPTTM, também o filho de Alexandre Ma, Frederico Ma Chi Ngai tem uma palavra a dizer, ainda que de forma indirecta. Além de ser membro do Conselho Executivo de Ho Iat Seng, Frederico é membro do Conselho da UM, o órgão mais elevado de decisão na instituição de ensino, que tem uma participação de 50 mil patacas, ou seja 0,2 por cento no CPTTM. O membro de terceira geração do clã Ma é, de facto, o que mantem maiores ligações ao Executivo. Enquanto presidente do Fundo de Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia (FDCT), tem uma palavra a dizer na Macau Renovação Urbana, Metro Ligeiro e no Centro de Ciência de Macau. Em todas estas empresas, o FDCT tem participações de um por cento, o que corresponde a 1 milhão, 14 milhões e 100 mil patacas, respectivamente. Frederico Ma é ainda membro da mesa da Assembleia-Geral do Metro Ligeiro e vice-presidente da mesa da Assembleia-Geral do Centro de Ciência. Presença na CAM e TDM Já na empresa que gere o aeroporto de Macau, a CAM, mesmo sem ter uma participação em nome individual, a família Ma está representada por Ma Iao Hang, que é presidente do Conselho de Administração, por nomeação do Governo. A nomeação foi renovada em Março deste ano pelo secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário. Ma é igualmente vogal da comissão de vencimentos. Também por nomeação do Governo, pela mão do anterior Chefe do Executivo Chui Sai On, Ma Iao Hang é presidente da Mesa da Assembleia-Geral da Teledifusão de Macau (TDM). As ligações do segundo filho mais velho de Ma Man Kei, e pai do deputado Ma Chi Seng, não acabam por aqui. No conselho de curadores da Fundação Macau tem também uma ligação indirecta ao CPTTM, Centro de Ciência e Instituto para o Desenvolvimento e Qualidade Macau. O clã Ma está ainda envolvido directamente no Centro Mundial de Comércio, através do filho mais novo de Ma Man Kei, que é proprietário de 2,5 por cento da empresa, que representa um valor de 750 mil patacas. Senhor “renovação urbana” Outra elite que surge com bastante frequência nas informações disponibilizadas é Peter Lam, membro do Conselho Executivo e empresário da Sociedade de Investimento e Construção Cidade Nova. Recentemente, Peter Lam assumiu mais protagonismo com a nomeação para presidir ao Conselho da Administração da empresa Macau Renovação Urbana, que vai, entre outros projectos, construir fracções para os lesados do Pearl Horizon e fazer obras no Bairro Novo Macau, na Ilha da Montanha. No capítulo das nomeações, Peter Lam é o presidente do Conselho da Universidade de Macau, o órgão mais elevado da entidade que traça os planos para o futuro, além de escolher o reitor. A UM é accionista em empresas públicas como o CPTTM e o IDQM. Ao nível de parcerias em investimentos, Lam é sócio do Governo em pelo menos duas empresas com capitais públicos. Um desses exemplo é o WTC, onde a RAEM é a principal accionista, com 18 milhões de patacas, que representa 60 por cento do capital da empresa. Já o investimento de Lam representa 2,5 por cento do capital, avaliado em 750 mil patacas. Lam assume no WTC as posições de director-executivo da Comissão Executivo e Vice-presidente do Conselho da Administração. As duas partes voltam a encontrar-se no Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau. O clã Chui Além da ligação com a família Ma, as informações mostram a relação entre o Executivo e os membros da família Chui, a que pertence o anterior líder do Governo Chui Sai On. Como seria de esperar, e uma vez que o anterior Chefe do Executivo está em período de nojo após o mandato, as ligações são feitas com o irmão, Chui Sai Cheong, e o primo José Chui Sai Peng. O irmão Chui Sai Cheong é um dos accionistas do Centro de Comércio Mundial de Macau, com um investimento de 750 mil patacas, uma participação de 2,5 por cento, onde também assume funções de membro do Conselho de Administração. Além disso, o irmão mais velho do ex-Chefe do Executivo está envolvido no CPTTM, com uma participação de 50 mil patacas, de 0,2 por cento de todo o capital. Quanto ao primo, Chui Sai Peng, a ligação com as empresas da RAEM surge através do Centro de Ciência, onde foi nomeado para as funções de membro do Conselho de Administração. A histórica STDM Uma das parcerias mais frequentes relatada pela informação do Executivo, é a ligação entre o Governo e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, que data aos anos da administração portuguesa. A empresa fundada por Stanley Ho é a segunda maior accionista da CAM, com 34,1 por cento, que se traduz num valor 1,03 mil milhões de patacas. Além disso, a “sucessora” do magnata, Pansy Ho, assume os cargos de vice-presidente do Conselho de Administração e vogal do Conselho de Vencimentos. Também a irmã Daisy Ho aparece como administradora. No que diz respeito à CAM, Winnie Ho, irmã falecida de Stanley Ho, tem uma participação de 0,35 por cento, que vale 10,7 milhões de patacas. No entanto, a empresa que durante anos deteve o monopólio do jogo é ainda accionista no CPTTM e no Centro de Comércio Mundial. As participações têm valores de 250 mil e 750 mil patacas, respectivamente.