Chico Buarque é o vencedor do Prémio Camões 2019

[dropcap]O[/dropcap] músico e escritor Chico Buarque é o vencedor do Prémio Camões 2019, foi ontem anunciado, após reunião do júri, na Biblioteca Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro.

O Prémio Camões de literatura em língua portuguesa foi instituído por Portugal e pelo Brasil em 1988, com o objectivo de distinguir um autor “cuja obra contribua para a projecção e reconhecimento do património literário e cultural da língua comum”.

Foi atribuído pela primeira vez, em 1989, ao escritor Miguel Torga. Em 2018 o prémio distinguiu o escritor cabo-verdiano Germano Almeida, autor de “A ilha fantástica”, “Os dois irmãos” e “O testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo”, entre outras obras.

“Feliz e honrado”

Chico Buarque ficou “muito feliz e honrado de seguir os passos de Raduan Nassar”, o seu compatriota distinguido com o prémio em 2016. “Fiquei muito feliz e honrado de seguir os passos de Raduan Nassar”, refere a curta declaração divulgada pela assessoria de Chico Buarque.

O músico e escritor brasileiro fora já distinguido com o prémio Jabuti, o mais importante prémio literário no Brasil, pelos romances “Estorvo”, “Leite Derramado”, obra com que também venceu o antigo Prémio Portugal Telecom de Literatura (actual Prémio Oceanos), e por “Budapeste”.

Chico Buarque foi escolhido pelos jurados Clara Rowland e Manuel Frias Martins, professores universitários indicados pelo Ministério português da Cultura, pelo ensaísta António Cícero Correia Lima e pelo professor António Carlos Hohlfeldt, indicados pelo Governo brasileiro, pela professora angolana Ana Paula Tavares e pelo professor moçambicano Nataniel Ngomane.

Escritor, compositor e cantor, Francisco Buarque de Holanda nasceu em 19 de Junho de 1944, no Rio de Janeiro. Estreou-se no romance com “Estorvo”, em 1991, a que se seguiram “Benjamim”, “Budapeste”, “Leite Derramado” e “O Irmão Alemão”, publicado em 2014. Em 2017, venceu em França o prémio Roger Caillois pelo conjunto da obra literária.

MASTV | Queixas na estação televisiva devido a salários em atraso

Os trabalhadores da empresa estão há meses para receber os salários e sentem-se abandonados pelas autoridades. Lam Nam, que vai ser eleito membro do Colégio Eleitor no subsector cultural no dia 16 de Junho, é o responsável pela estação televisiva

 

[dropcap]A[/dropcap] estação televisiva local MASTV está há meses sem pagar os ordenados dos trabalhadores. A situação foi relatada pelo portal Macau Concealers e envolve a companhia ligada a Lam Nam, empresário que deverá ser confirmado no dia 16 de Junho como membro do Colégio Eleitoral, pelo subsector cultural, que escolhe o Chefe do Executivo.

Segundo a publicação, logo em Dezembro do ano passado os funcionários ficaram à espera cerca de um mês para receber os ordenados. Também o bónus do Ano Chinês foi pago fora de horas, muito depois da data das celebrações, e a situação agravou-se entre os meses de Fevereiro de Abril, com os atrasos, de três meses, a acumularem-se. A publicação cita ainda trabalhadores que relatam que a situação chegou a um ponto em que os atrasos são “excessivos” para quem tem de pagar rendas, prestações ou a educação dos filhos, mas que este tipo de ocorrências sempre foi um “segredo aberto” dentro da empresa.

A situação foi igualmente confirmada ao HM por ex-funcionários da estação de televisão que pediram para não ser identificados. Segundo os trabalhadores ouvidos, os atrasos eram frequentes e essa foi uma das razões para terem deixado a empresa. Após a saída da companhia, os funcionários explicaram que receberam todos os pagamentos a que tinham direito, mas que tiveram de esperar alguns meses para que as dívidas fossem saldadas.

Também à publicação Macau Concealers, a empresa MASTV não negou a existência problemas internos no que diz respeito à questão dos salários em atrasos, apesar de não ter confirmado a situação nem avançado explicações.

Críticas à DSAL

No mesmo artigo publicado na segunda-feira à noite é relatada ainda uma resposta da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) sobre a questão. Segundo a resposta citada, a DSAL está a acompanhar a situação dos salários em atrasos e diz estar preparada para actuar caso verifique situações de infracção à lei. Contudo, o Governo recusou avançar mais detalhes sobre o caso.

Segundo a Lei das Relações de Trabalho, um empregador tem até nove dias úteis para pagar o salário base a partir da data combinada. Só depois dos noves dias é que se entra numa situação de atraso e se pode exigir o pagamento de juros de mora.

Ainda de acordo com o portal Macau Concealers, o facto da situação se arrastar há meses sem que haja uma solução, apesar da intervenção e das queixas na DSAL, tem feito com que os trabalhadores se sintam sem apoio do Governo.

O HM contactou a DSAL ontem para receber esclarecimentos sobre a situação, mas até ao fecho da edição não recebeu qualquer resposta.

Engenharia | Portugal e China vão criar escola conjunta

[dropcap]P[/dropcap]ortugal e China vão criar uma escola conjunta que agregará a Universidade de Lisboa e a de Xangai e que será dedicada sobretudo às áreas de engenharia, disse ontem o reitor da Universidade de Lisboa.

“Se tudo correr bem, no próximo ano é já possível termos a ‘joint school’ a funcionar em Xangai”, disse à Lusa António Cruz Serra, à margem do encontro “Anos de cooperação entre Portugal e China”, a decorrer em Lisboa.

De acordo com o reitor, a ‘joint school’ permitirá aos alunos “fazer o curso em Xangai e parte em Lisboa”, sendo o grau académico atribuído pelas duas universidades.

O projecto encaixa-se no âmbito da cooperação entre instituições do ensino superior dos dois países que já “abrange 64 universidades chinesas”, referiu António Cruz Serra.

Em estudo está também a “criação de uma universidade conjunta”, desta vez incluindo um grupo privado, e que significa “uma participação em pé de igualdade da universidade estrangeira [neste caso, portuguesa] e da universidade chinesa”.

Um projecto que ainda terá de passar pela aprovação dos ministérios da Educação dos dois países, mas em que a China já tem experiência.

“São uma experiência chinesa desde o início do século XXI e começaram com universidades inglesas”, explicou o responsável da Universidade de Lisboa, adiantando que, neste caso “é mandatório ter um terço dos docentes de cada universidade”.

Actualmente, e de acordo com Cruz Serra, existem 1.100 alunos chineses em Portugal, dos quais cerca de 20 por cento estão na Universidade de Lisboa.

Sun City é forte competidor para garantir licença em Macau

[dropcap]O[/dropcap] especialista de jogo Grant Govertsen disse ontem, em entrevista à Lusa, que o Sun City é um forte competidor para garantir uma licença de jogo em Macau no concurso público em 2022.

“Acho que o Sun City vai ter um lugar à mesa e vai ser considerado” e se isso acontecer fará com que que “os jogadores VIP regressem a Macau”, afirmou o analista da Union Gaming, à margem da 13.ª Global Gaming Expo Asia (G2E Asia), que decorre em Macau.

Por outro lado, “isso seria mau para os actuais operadores” porque iria fazer com que os negócios que agora são feitos por eles passariam a ser feitos pelo Sun City, frisou.

No ano passado, as receitas geradas pelo jogo ‘VIP’ em Macau foram de 166,097 mil milhões de patacas, 54,8 por cento do total arrecadado pelos casinos de Macau ao longo de 2018.

Contudo, as receitas dos casinos em Macau caíram 2,4 por cento no primeiro trimestre deste ano face ao período homólogo de 2018, e em Abril caíram 8,3%, de acordo com os últimos dados da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) de Macau.

Uma das principais razões para a quebra das receitas dos casinos prende-se com a diminuição das receitas angariadas nas salas de grandes apostas, tradicionalmente frequentadas pelos jogadores VIP: no primeiro trimestre deste ano, o jogo `VIP` sofreu uma redução de 13,4 por cento, em relação ao período homólogo do ano passado, no qual tinha atingido 42,95 mil milhões de patacas.

À espreita

O director executivo do grupo Sun City anunciou ontem também em entrevista à agência Lusa que pretende concorrer às concessões de novas licenças de jogo em Macau, em 2022.

“Até agora só houve rumores, não há ainda um comentário oficial [por parte do Governo de Macau], mas se houver alguma hipótese de participarmos no concurso público, adorávamos entrar na licitação sobre as concessões”, disse Andrew Lo à Lusa.

O Sun City é a maior empresa do mundo de angariadores de jogadores [‘junkets’] de grandes apostas, com mais de 40 por cento do mercado das apostas VIP na capital mundial do jogo, com 17 salas VIP no território e está presente em todos os grandes operadores na capital mundial do jogo, Melco, MGM, Sociedade de Jogos de Macau (SJM), Galaxy e Wynn.

Sexo Bipolar

[dropcap]O[/dropcap] que dizer da semana em que o estado do Alabama passou a proposta lei do aborto mais restritiva e Taiwan tornou o casamento homossexual uma possibilidade legal? Choramos e celebramos recuos e avanços na mesma semana – para nos sentirmos profundamente confusos. Avanços e recuos num movimento perpétuo.

O estado bipolar sexual em que vivemos provém da confusão que são os nossos sistemas sócio-políticos. Temos testemunhado movimentos que começaram a deixar para trás o pensamento progressista que julgávamos carregar. Têm-se construído barreiras discursivas e simbólicas para deslegitimar o que são lutas e visibilidades absolutamente necessárias. A 17 de Maio celebrou-se o dia internacional da luta contra as fobias de género e de orientação sexual – e é com insatisfação que me apercebo que o dia terá que continuar a existir por muito tempo. Quando os partidos em Portugal para as eleições europeias fazem uso do termo ‘ideologias de género’ para deslegitimar a naturalidade do nosso ser, devíamos preocuparmo-nos. Mas depois temos Taiwan, o orgulho dos nossos olhos neste grande continente Asiático. Há esperança – se calhar há.

No Alabama – e sobre o aborto que é agora punido com 99 anos de prisão – a contestação é criativa e eficaz para desmascarar os supostos valores pela vida. Valores que carregam mais raivas silenciosas contra os corpos detentores de útero do que outra coisa. Um país que se recusa a regular as armas para regular os úteros – torna ainda mais visível a bipolaridade patriarcal em que vivemos. O valor da vida de um embrião é exageradamente tido como o de um bebé. Só que por alguma razão o valor da vida da mulher que é violada (no cenário mais negro) é discutível. A pena é mais alta para quem faz um aborto do que para quem viola uma mulher. Esta lógica não chegou às pobres cabeças que provavelmente nunca tiveram educação sexual, mas que tomam decisões sexuais. Não sabendo dos corpos e dos processos apelam-se a valores universais da vida em contraste com a morte (o assassinato!) e controlam-se os corpos dos outros por consequência.

Houve quem sugerisse greve sexual para reforçar que os úteros, as vaginas e as vulvas são de quem as têm. Mas nem sei se isso irá funcionar porque o problema está na ausência de respeito centenária por quem os têm.

Depois temos Taiwan que muito nos emocionou nesta semana. Foi tão bom apreciar as fotografias das gentes que na rua manifestaram a felicidade de um amor que agora pode ser legalmente reconhecido. Outros direitos virão. Outras lutas por esta Ásia fora serão travadas – certamente. Em Taiwan mostrou-se que a liberdade para sermos quem somos pode coexistir com o sentido de compreensão social. Ainda que os direitos não sejam plenos, como os da adopção, já é um começo.

Vivemos em sociedades que usam e abusam do quão bipolar somos – entre responsabilidade individual e social, usam-se estratégias ideológicas a nosso bel-prazer. O corpo é de quem? Nosso ou de todos? Como é que se equilibra os valores liberais com solidariedade e respeito mútuo? A síndrome bipolar sexual vive desta indecisão. A forma como escolhemos justificar este dilema pode legitimar ou deslegitimar os outros. Em Taiwan, a prioridade foi a liberdade de identidade e de expressão sexual e no Alabama a lógica da vida por nascer é romanceada em contraste com as vidas que, de pele e osso, se sujeitaram ao pecado mortal. Nem quando essa vida é fruto de um incesto a liberdade prevalece. Quando queremos um mundo justo, vemo-nos confrontados com a dispersão de dificuldades e posições sociais. Talvez possa ser feliz em Taiwan e talvez nunca precise de ir ao Alabama. Mas e a nossa responsabilidade em criar um mundo menos bipolar e mais preocupado com os direitos humanos?

Morreu Niki Lauda, três vezes vencedor em Fórmula 1

[dropcap]O[/dropcap] antigo piloto austríaco Niki Lauda, tricampeão mundial de Fórmula 1, morreu esta segunda-feira aos 70 anos, anunciou a família. “É com enorme tristeza que anunciamos que o nosso querido Niki morreu em paz, rodeado pela sua família, esta segunda-feira”, lê-se num comunicado.

O ex-piloto tinha sido submetido a um transplante pulmonar no Verão passado. “As suas realizações únicas como desportista e como empresário são e serão sempre inesquecíveis. O seu dinamismo inesgotável, a sua integridade e a sua coragem serão um modelo e uma referência para todos nós”, recordou a família.

Niki Lauda foi campeão do Mundo em 1975, 1977 e 1984, tendo vencido 25 grandes prémios dos 177 que disputou, atingido por 52 vezes o pódio e garantindo 24 ‘pole positions’. Competiu na Fórmula 1 entre 1971 e 1979 e depois entre 1982 e 1985. Foi campeão pela Ferrari e pela McLaren, mas competiu ainda pela March, BRM e Brabham.

Em 1976, um dos marcos da sua carreira, quando um grave acidente no Grande Prémio da Alemanha quase o matou. O Ferrari que conduzia incendiou-se minutos depois e o piloto austríaco ficou preso dentro do monolugar.

Vários pilotos ajudaram-no a sair do carro, sem evitar graves queimaduras na cabeça e nos braços, além de inalar gases tóxicos. Estava consciente e chegou a andar, mas minutos depois entrou em coma.

Lauda ficou sem boa parte do cabelo, perdeu a orelha esquerda, as sobrancelhas, pestanas e pálpebras, mas a sua vontade de competir era tal, que voltou às provas apenas seis semanas depois, perdendo dois grandes prémios e permitindo a aproximação de James Hunt.

Valor supremo

Considerado como um piloto cauteloso e calculista, o austríaco perderia o mundial desse ano pelo facto de, na última prova, no Japão, ter abandonado a corrida ao fim da primeira volta, conforme acordado – mas não cumprido – por todos os pilotos, face às adversas condições climatéricas que não permitiam que estivessem asseguradas condições de segurança.

“A minha vida vale mais do que um campeonato”, justificou, antes de saber, já no aeroporto, o desfecho do mundial, sendo que apenas precisava de ficar à frente de James Hunt para conquistar o título que recuperaria na época seguinte.

Ainda não acabei

Santa Bárbara, Lisboa, 1 Maio

[dropcap]T[/dropcap]rouxe-o comigo do lançamento d’ A Imortal da Graça, que as livrarias cobram-me sempre portagem. Por coincidência, as governam as boas vidas, vi depois anunciada a tradução deste «Sabrina», de um desconhecido Nick Drnaso (ed. Granta). Aliás, o meu desconhecimento do que se vai fazendo hoje na banda desenhada alastra, tristeza tão minha, como nódoa de petróleo. Esta notável novela gráfica, na linhagem do minimalismo de Chris Ware, diz-nos do presente andando sobre vidro partido. Com golpes narrativos de certeira subtileza, entramos de mansinho na vida das personagens, sem muito aprofundar, uma quase banalidade, todavia poética. As solidões só na aparência se tocam, limitam-se a conviver. Apesar do drama. A vida faz-se toda presa nas redes, sendo a opinião dos outros, talvez próximos, apenas mais um fio.

Somos fantasmas, figuras de papel à mercê de vandalismos vários: recortes, recomposições, rasgões, furos, amarrotamentos. Apenas brincadeiras. Apenas para que meter cada figurinha, nós, mas desatados, na fábula infantilóide de determinada perspectiva de mundo. Perturbador, com dose de intensidade e mistério que fere. Tive, algures, crónica onde defendia que os livros só nos tocam se lidos no momento exacto. Eis um caso.

Horta Seca, Lisboa, 4 Maio

Andávamos para o fazer há meses. Coincidindo com momento que pedia serenidade, recebemos o Mû [Mbana] para dedilhar cordas que prendem destinos. Convocou a Sandra [Martins] e o José [Anjos], além de outros amigos, que com ele cantaram, disseram, tocaram. Acolher um pedaço da Guiné-Bissau nesta casa invoca raízes e tempos que me parecem de outras vidas, não sendo, vejo agora. Nada tocando, para amarga e íntima tristeza, navego estas frustres articulações separadas por vírgulas. Por vezes, a busca de mudança significa meter as mãos na terra. Toquei em África raízes impressionantes. Sentia-lhes uma pulsação que logo rimava com coração e pulmão e o resto do corpo que lhes obedece, às vezes. A voz de Mû desenhada com os dedos nas cordas constrói centro, um nó de origens e tempos e histórias e vertigens, entretecendo tapete de possibilidades que são de transcendência. Estamos p’ra aqui em busca do rasgo no quotidiano, que permita a entrada da luz, que abra a própria luz e feche o seu núcleo em âmbar, em raiz de cola. Desatentos, custa-nos perceber que os diamantes estão onde menos o esperamos. Hoje, na horta seca, estendeu-se um chão possível.

Horta Seca, Lisboa, 7 Maio

A dedicatória deste «Vida Nova» (ed. Turbina) contém os desejos de uma vida boa. Entre nova e boa, hesito. Melhorou qualquer coisa ouvindo este regressado Manel [Cruz], que não é apenas álbum, mas excelso volume de capa branca e amiga do toque, com título desalinhado e com corte. Sinais que se prolongam em série de pinturas do artista, letras inscritas em texturas ricas e variadas, sortido fino da ruína. (Exemplo algures na página). Este lugar faz-se de tessituras sem fim, ligando a letra à pele, o verso ao som, a crueza ao ritmo. Acresce a pujança das canções, feridas e irónicas, cansadas apesar de enérgicas, quase todas grito. Melancólico? O manifesto começa em tom confessional, o artista à procura de gesto que o traga ao momento, contra o tempo e a favor da infância, homem de novo a inventar-se em outra vida. Pode haver outro tema?

O cabaret de fim de século, adolescente como tudo o que renasce, abre a porta para deixar entrar corrente de ar de inteligência e ironia. E perda, como convém. Sento-me. «Eu desta vez vou conseguir/ Desta vez vou largar/ Eu não estou farto, eu cansei-me/ De que apenas parece/ Eu não sei se eu sou forte/ Só que tenho este grito/ Não contem comigo». Oiço uma e outra vez. E outra, sem pensar muito no nó dos sentidos. Vou ali passar as mãos nas paredes, em certa casa de Sintra, longe, tão longe, no tempo. «Desta vez eu desisto// De lutar contra a merda/ Eu sou feito de perda/ É mais do que um desabafo/ É uma voz que desperta/ Um consolo de abutre/ No direito à vivência/ Do pacote completo/

Não lamento palavras/ São o meu alimento». Lamento muito. Muito, mas. «Porque não pões um fim nessa vida sofrida?/ A resposta tem graça/ É que eu adoro esta vida!» esta vida sofrida tem graça. «Ainda não acabei!/ Vamos embora chorar, vamos embora sorrir/ Vamos embora sair, vamos embora ficar/ Vamos embora cair, vamos embora voltar/ Vamos embora ou não, são tudo coisas do chão».

Horta Seca, Lisboa, 9 Maio

Despois de «Anastasis», lanço, em breve, «Anastática». Pura coincidência, juro, fácil de comprovar nos longos atrasos a que me submeto. Imagino agora a confusão que fará na distribuidora, nas livrarias, nos incautos. Pelo inusitado dos vocábulos, arranhando a incompreensão dos poucos que não sabem googlar, e pelo inesperado dos que, visitando dicionários e memórias, descobrirão modos de renascer. Assim saiba eu ler o que ambos contêm de explosivo saber, sentido, sonho.

Horta Seca, Lisboa, 12 Maio

Em pleno caos e desatino, estou à mesa com Tóssan, o dos desenhos, sim, mas sobretudo o das palavras. Estou p’ra ver em papel o que, por enquanto, só brilha nos ecrãs: visões e revisões de três generosos volumes em caixa, casa de acolher uma daquelas obras que tendem a viajar sob os radares. E noto: «Desengane-se quem espere encontrar apenas motivo de riso. Anda por aqui «um algeiroz sofrendo da telha», a morte apresentando-se nas suas vestes de tédio, o tempo a discorrer, um olhar parado, perdido na linha de um qualquer horizonte. Estamos em pleno território do nonsense, esta ideia de que na arrumação dos dias, algo se desalinha. Algo animal que despenteia, até os dentes do pente. A máquina que nos faz avançar outra não é se não o trocadilho, esse modo de tornar elástica a língua, de a atirar a paisagens outras, de fornecer uma interpretação diversa. Está mais transparente nos poemas, ainda que os contos também se deixem contaminar por este olhar penetrante que entra nas palavras para nelas descobrir outras por pura convivência, com a conivência dos sons, mais o que perdura de uns nos outros.»

Se aqui o absurdo vira refrigério, ali somos parados por um verso, uma agudeza lógica, uma quase melancolia. «É no tempo que passa/ que recordamos o tempo que passa./ E é neste encontro que vamos/ criar saudade do reencontro.// A fome come o homem/ a ambição também o come/ como um abraço optimista/ a repetir o nome./ É como fazer as coisas/ sem as ter feito/ de emoção a emoção/ caminha no presente/ mas o futuro é solidão.» Na solidão do meu presente, procuro a custo devorar a fome que me come.

A verdadeira rede

[dropcap]O[/dropcap]s bons hábitos são para ser mantidos. Infelizmente nesta altura este aparente truísmo tende a ser mais valorizado na promoção de exercício físico para uma “vida saudável” do que no que diz respeito às relações humanas e aos múltiplos aspectos em que interagimos uns com os outros.

Existe um bom hábito de que me orgulho de ter e sobretudo de o conseguir manter. Trata-se de poder contar com vários interlocutores (amigos, conhecidos) cuja opinião sobre variadíssimas matérias me merece confiança. É uma declinação adulta da troca de cromos: mostramos uns aos outros coisas que potencialmente achamos que o outro poderá gostar. Como esta actividade exige reciprocidade, toda a gente fica ganhar. E eis a raridade nestes tempos entrincheirados: muitas vezes discordamos e argumentamos, não para termos razão mas apenas para dizermos o que pensamos e dessa forma prestarmos um elogio a quem nos anunciou o que discutimos.

Este ritual tomou formas diversas aos longos dos anos: primeiro em reuniões adolescentes, com discos ou livros a serem exuberantemente dissecados com a palermice e a paixão da juventude; depois em conversas mais restritas, jantares, almoços, coisas de crescidos; e agora, de forma mais abrangente e imediata, graças à internet e às redes sociais.

Sim: nem tudo que a social media faz é mau. A sua função matricial – a partilha de informação – cumpre-se da melhor maneira quando alguém nos chama a atenção no momento. A função de argumentação é que já não corre tão bem; mas isso advém também deste clima e já são outros quinhentos.

Por isso resolvi fazer de vós interlocutores disto que vos quero mostrar. Melhor: de partilhar o conhecimento de alguém que na minha modesta opinião vale a pena. Chama-se David Brooks, tem vários livros publicados e nesta altura é colunista no New York Times. Uma pesquisa simples dir-vos-á que Brooks é um conservador da linha Edmund Burke (e da sua derivação americana, Alexander Hamilton), um homem de centro-direita excomungado pelos Republicanos pelas suas posições anti-Trump ou pró –casamento entre pessoas do mesmo sexo (coisa que qualquer conservador que se preze defende sem problemas em qualquer lado menos num país onde a direita religiosa tem um peso antigo e forte).

Mas apesar de me identificar com a família política de Brooks não é por isso que aqui o trago: é pelo que escreve, pelo que defende e que vai além da política. As suas colunas no NYT falam de valores, de comportamentos éticos: lealdade, moderação. São, neste tempo de radicalismos fáceis, beneficamente subversivas. Brooks fala de comunidade – abrangente, diversa – por oposição a tribo – exclusivista, beligerante. É um royceano: adjectivo que criei agora e que vem do filósofo americano Josiah Royce que cunhou uma expressão mais tarde utilizada por Martin Luther King, Jr – “the beloved community”, uma comunidade onde os opositores políticos reconhecem e honram a lealdade dos seus antagonistas às causas que defendem e sobre essa base as discutem.

Se isto parece distante aos valores propalados pela ortodoxia em que vivemos é porque é. Se puderem, um conselho: da mesma forma que um amigo me chamou a atenção para um podcast de uma entrevista de David Brooks assim eu o faço perante os que me lêem. Trata-se de uma espantosa conversa com Ezra Klein (“The Ezra Klein Show”) a partir do último livro de Brooks, The Second Mountain: The Quest For A Moral Life, um livro mais biográfico e escrito durante o seu annus horribilis, 2013, em que perdeu muito. A dada altura confessa: “Sobrepus o tempo às pessoas”. E di-lo não de uma forma salvífica ou de auto-ajuda: apenas uma constatação de que houve ali uma altura em que foi menos humano.

Se alguém for conhecer o que este homem pensa e escreve, mesmo que mais tarde vá discordar dele, já fico feliz. Porque acredito – acredito mesmo – que esta partilha simples, apaixonada e aberta de conhecimento é que continua a ser a verdadeira rede.

Blogger chinesa condenada a quatro anos de prisão por literatura homossexual

[dropcap]U[/dropcap]ma ‘blogger’ chinesa foi condenada a quatro anos de prisão na China por ter publicado e vendido livros com cenas eróticas homossexuais, noticiou ontem a imprensa local.

A escritora, conhecida como Tang, foi condenada por “operações comerciais ilegais” que “afectaram seriamente a ordem do mercado”, de acordo com fontes citadas pela imprensa.

Além da ‘blogger’, dois outros proprietários de uma loja da popular plataforma de comércio electrónico ‘Taobao’ foram condenados a três anos e meio de prisão, enquanto três dirigentes de uma fábrica de impressão foram condenados a dois anos e meio.

Tang foi detida em Dezembro de 2017 pela polícia na cidade central de Wuhan, depois de publicar e vender romances considerados ilegais por não terem sido aprovados por agências governamentais e não terem um número de registo.

Segundo a imprensa estatal, os cinco livros escritos pela ‘blogger’ continham cenas “lascivas de sexo homossexual”. A autora terá ganho com as publicações um total de 1,18 milhões de yuans, factor que, segundo o advogado Lü Xiaoquan, citado pelo jornal Global Times, foi fundamental para aumentar a pena de prisão.

“Para os livros publicados por razões científicas ou de utilidade pública, os tribunais tendem a conceder uma punição menos severa”, explicou o advogado.

Actos anormais

Esta sentença surge meses depois de tribunais chineses terem condenado outra escritora chinesa a dez anos e meio de cadeia pela publicação de um romance erótico com protagonistas homossexuais, uma pesada sentença que causou choque e indignação no país.

Embora a homossexualidade seja legal na China desde 1997 e tenha sido desclassificada como doença mental em 2001, uma grande maioria dos chineses continua a encarar a homossexualidade como uma doença.

Na constituição chinesa, a homossexualidade é considerada um “acto anormal”, de tal forma que as autoridades desenvolveram diferentes regulamentações para censurar a disseminação de conteúdo ‘gay’. Mais de 70 milhões de homossexuais no gigante asiático carecem de qualquer tipo de protecção.

Hong Kong | Retida ex-procuradora filipina que processou Xi Jinping no TPI

Conchita Carpio Morales apresentou, em Março, juntamente com o ex-secretário dos Negócios Estrangeiros filipino e vários pescadores, uma queixa contra o Presidente chinês no Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade e danos ambientais. Em causa está a ocupação chinesa de ilhotas e recifes, contestada pelas Filipinas, no Mar do Sul. Foi detida no aeroporto de Hong Kong, acusada de ameaça à segurança nacional

 

[dropcap]A[/dropcap]s autoridades chinesas retiveram a ex-procuradora Conchita Carpio Morales, que em Março iniciou uma acção legal contra o Presidente chinês, Xi Jinping, perante o Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade e danos ambientais.

A ex-defensora pública filipina, de 78 anos, foi retida pelo departamento de imigração do aeroporto de Hong Kong como uma “ameaça à segurança nacional”, disse a sua advogada, Anne Marie Corominas, num comunicado à imprensa.

Conchita Carpio Morales, uma figura respeitada nas Filipinas e que se reformou no Verão passado, viajou para Hong Kong a partir de Manila, acompanhada do seu marido, filho, nora e dois netos, embora apenas a ex-Defensora tenha sido transferida para os escritórios de imigração do aeroporto na chegada.

“Como pode uma ex-defensora pública, que se dedicou ao combate à corrupção, ser uma ameaça à segurança da China?”, questionou a advogada.

“O Presidente Xi tem medo dela? A única coisa que fez foi exercer o seu direito como cidadã filipina de comparecer perante o TPI”, acrescentou a advogada, a quem Conchita Morales conseguiu enviar uma mensagem de texto para relatar a sua situação.

Disputas marítimas

A ex-Defensora, o ex-secretário dos Negócios Estrangeiros das Filipinas, Albert del Rosario, e um grupo de pescadores afectados pelas actividades da China nas águas das Filipinas apresentaram uma queixa em Março contra Xi Jinping.

Os queixosos acusaram Xi e outras autoridades chinesas de cometerem “crimes envolvendo danos ambientais maciços, quase permanentes e devastadores em várias nações”, uma vez que a China ocupou várias ilhotas e recifes, cuja posse é contestada por vários países da região.

Alegam ainda que os danos ambientais começaram quando o Governo de Xi Jinping empreendeu “um plano sistemático para tomar o Mar do Sul da China”, de vital importância geoestratégica, onde circula 30 por cento do comércio global e abriga 12 por cento da pesca mundial, além de possíveis depósitos de gás e petróleo.

Os signatários da acção argumentam que o TPI tem jurisdição sobre o caso porque os “crimes” da China ocorreram quando as Filipinas ainda era membro do Tribunal.

O país deixou de ser membro do TPI a 17 de Março, por ordem do actual Presidente do país, Rodrigo Duterte, acusado naquele tribunal de crimes contra a humanidade devido à sua guerra contra as drogas nas Filipinas.

O Tribunal Arbitral de Haia atribuiu em 2016 a posse de vários territórios do Mar do Sul da China às Filipinas, como o atol de Scarborough ou parte do arquipélago de Spratly, uma decisão que a China não reconhece.

Filipinas, China, Taiwan, Malásia, Vietname e Brunei reivindicam a totalidade ou parte desse arquipélago, onde a China construiu ilhas artificiais desde 2012 nos recifes e atóis para se apropriar delas de facto.

Apesar da decisão, a China continua as suas actividades militares sem que o Governo de Duterte tenha reivindicado nada, já que o Presidente reorientou sua política externa para o “gigante asiático” em troca de uma generosa injecção de investimento.

IC | Programa de subsídios para estudos artísticos e culturais abre a 20 de Junho

[dropcap]O[/dropcap] Instituto Cultural (IC) anunciou ontem que as inscrições para o “Programa de Concessão de Subsídios para Realização de Estudos Artísticos e Culturais” 2019/2020 vão abrir de 20 de Junho até 5 de Julho.

O programa abrange o financiamento para estudos de bacharelato ou mestrado nas áreas da investigação ou salvaguarda do património cultural, artes performativas, artes visuais, cinema e vídeo, design, banda desenhada e animação, administração das artes, literatura, estudos culturais, ensino das artes ou outras indústrias culturais e criativas.

Os candidatos têm de ser residentes permanentes da RAEM admitidos em instituições de ensino superior no exterior para prosseguir estudos de licenciatura e mestrado nas áreas acima mencionadas e que tenham estudado em escolas públicas ou privadas em Macau no mínimo três anos.

Filme cabo-verdiano inaugurou Semana de África 2019

O cinema de Samira Vera-Cruz é o encontro intimista de uma jovem realizadora com o retrato humano da sua gente. Entre o real e a superstição, a tradição e a modernidade, a lente da sua câmara vai tentando descobrir a identidade actual de Cabo Verde

 

[dropcap]S[/dropcap]amira Vera-Cruz aterrou em Macau para apresentar o filme ‘Hora di Bai’, ontem à tarde, na inauguração da Semana de África 2019. É uma jovem realizadora que tem conseguido captar a atenção dos festivais internacionais e dar crescente visibilidade ao cinema da sua terra, contando já vários títulos no currículo, entre curtas e longas-metragens.

O destaque da sua obra é o pequeno documentário ‘Hora di Bai” que, em 24 minutos, aborda o universo das tradições e superstições, a partir dos rituais fúnebres na Ilha de Santiago. É uma produção de 2017, cujo projecto venceu o concurso Curtas PALOP – TL, no quadro das comemorações do 25º aniversário de cooperação com a União Europeia.

“Eu tinha a ideia de filmar os rituais de despedida na hora da morte, na Ilha de Santiago, porque em Cabo Verde somos uma mistura entre o europeu e o africano, o branco e o negro, e isso faz com que muitos dos nossos rituais sejam mistos, nem bem uma coisa nem outra. E fiquei interessada porque sou de São Vicente, onde não há essa cultura tão forte, essa forma de velar os mortos, esse choro tradicional, como na Ilha de Santiago”.

Depois de conseguir financiamento, a realizadora teve acesso a uma residência artística e pôde conviver de perto com as personagens do seu filme, que “acabou por se tornar menos sobre os rituais em si, e mais sobre a relação das pessoas a um nível mais humano com a morte”, como recorda.

A personagem principal é, então, a Dona Gregória. “Já tinha 100 anos de idade quando a filmámos. No documentário aparece com 99, mas descobrimos depois que tinha mais um ano e não sabia, não se recordava da data”. Faleceu entretanto, em 2018, com 101. “A Dona Gregória já tinha a morte preparada há mais de 30 anos, era de um pragmatismo incrível, dizia que ‘a morte é certa, só não sabemos quando’, então para quê deixar para depois, para os filhos gastarem dinheiro, se podia ficar já tudo tratado….”, revela Samira Vera-Cruz.

As restantes personagens são a Dona Adélia, a carpideira, “que não acredita tanto nos rituais, mas segue-os porque é tradição”. E depois há o Sr. Leocádio, “que é o que nós chamamos de ‘rezeiro’, um rezador profissional, a quem pagam para ir rezar nos rituais. E ele acredita mesmo nisso, diz que libertou mais de não sei quantos espíritos, porque em Cabo Verde acredita-se numa morte violenta se o espírito fica preso”, esclarece.

Preservar a memória

O cinema de Samira Vera-Cruz tem dois propósitos fundamentais, como a própria define, “um é a preservação da memória, individual e colectiva, o outro é um lado mais moderno, mais de provocação socio-económico-cultural”. O interesse pela cultura do país, a insistência no uso da língua de Cabo Verde – o crioulo –, o papel das mulheres na sociedade local, as manifestações populares que ainda resistem, são a matéria que tem explorado na sua filmografia.

Foi assim que começou a fazer cinema, com ‘Buska Santu’, em 2016, uma pequena curta onde conta a história de um pai e de um filho, tendo como pano de fundo “a ‘tabanka’, uma manifestação cultural cabo-verdiana, muito típica na Ilha de Santiago”. Quando avançou com o projecto, “não havia muita coisa sobre o tema, havia coisas escritas, mas nada em cinema de ficção. E decidimos ir por aí”, uma experiência que lhe deu o estímulo de abrir a sua própria empresa – a Parallax Produções – e dedicar-se ao cinema.

Seguiram-se depois “Sukuru”, de 2017, a primeira longa metragem, cuja tradução para português é ‘escuro’, “um thriller psicológico sobre um jovem esquizofrénico, que acaba por se viciar em ‘crack’. É muito pesado. A saúde mental sobre foi um tema que me interessou muito, principalmente por ser tabu em Cabo Verde, não se fala sobre isso”, explica Samira, que pesquisou bastante junto da classe médica para escrever o guião, um trabalho “muito intenso”.

A curta que fez em 2018, ‘Ti Ki Nu Odja’ ou ‘Até um Dia’, é um projecto criado para o Dia da Mulher Cabo-verdiana – 27 de Março –, mas que aguarda vir a ser uma longa-metragem, talvez para o ano que vem. Surgiu como “uma coincidência, de eu estar em Maputo e passar em frente da casa de uma senhora cabo-verdiana, há mais de 60 anos em Moçambique”.

Entretanto, está ocupada com o filme que vai começar a rodar já em Junho, com o título ‘E Quem Cozinha?’. “É um documentário sobre uma jovem cega em Cabo Verde, uma história de abandono que pretende ser um retrato sobre a realidade da mulher cabo-verdiana, muito comum nos estratos socio-económicos mais baixos”. A personagem é abandonada pelo pai, e pelo pai do filho, que questionam a sua capacidade para cozinhar por serem cegas.

“Afinal, num país que já foi o segundo do mundo com mais mulheres ministras, em 2015, ainda é a mulher que tem que cozinhar para o homem. É uma sociedade muito matriarcal e, ainda assim, muito machista”, considera Samira Vera-Cruz, que vai falar mais sobre a sua obra na palestra sobre o “Desenvolvimento do Cinema em Cabo Verde”, amanhã às 18h30, na Universidade de São José, com entrada aberta ao público.

Doca dos Pescadores com complexo de realidade virtual

[dropcap]A[/dropcap] presidente da Macau Fisherman’s Wharf International Investment Limited, Melinda Chan, assinou esta semana uma parceria com a empresa japonesa Bandai Namco para o desenvolvimento de um complexo de entretenimento de realidade virtual.

Durante a cerimónia de assinatura da parceria, Melinda Chan destacou o facto do projecto ser pioneiro na região. Como tal, a ex-deputada espera que atraia público fora do sector do jogo para o complexo onde estão o Legend Palace e o Babylon Casino.

“Uma vez que Macau é um destino de turismo e o nosso Governo quer diversificar a economia e apostar nos elementos não-jogo, isto é algo que a Macau Fisherman’s Wharf quer fazer”, disse Melinda Chan. Estima-se que a zona de realidade virtual abra ao público no Outono e que inclua atracções para adultos e crianças.

Além desta zona de entretenimento tecnológico, Melinda Chan revelou que ainda este ano o Legend Palace Hotel terá instalado um restaurante de Hong Kong com três estrelas Michelin. Em relação a projectos pendentes, a presidente da Macau Fisherman’s Wharf revelou que o museu dedicado a dinossauros não estará pronto este ano, como havia sido anunciado.

FIC | Empresas investiram 448 milhões de patacas

[dropcap]A[/dropcap]s empresas apoiadas pelo Fundo de Indústrias Culturais (FIC) investiram 448 milhões de patacas dos fundos próprios entre 2015 e 2018, num total de 113 projectos comerciais.

Os dados foram revelados por Leong Heng Teng, presidente do Conselho do Fundo de Indústrias Culturais numa resposta a uma interpelação da deputada Song Pek Kei. De acordo com os dados apresentados no documento, no total estes 113 projectos foram responsáveis por um investimento de 513 milhões, dos quais 65 milhões dizem respeito aos subsídios do FIC.

Sobre estes, o FIC esclarece que vários pertencem a empresas de pequena dimensão, mas que promovem projectos temáticos do turismo cultural de Macau. Algumas das empresas terão mesmo feito incursões nos mercados do Interior da China, Hong Kong e Sudeste da Ásia. Alguns terão sido distinguidos pelo design no Interior da China e em Hong Kong.

G2E | Grande Baía é uma oportunidade histórica

Daisy Ho abriu as hostes da 13ª edição da G2E Asia com um discurso marcado pela Grande Baía. A presidente executiva da Sociedade de Jogos de Macau definiu o projecto de cooperação regional como uma “nova era” para o território

 

[dropcap]A[/dropcap] abertura da Global Gaming Expo (G2E), ontem no Hotel Venetian, teve como destaque a Grande Baía. A abrir a 13ª edição da G2E Asia, a presidente executiva da Sociedade de Jogos de Macau (SJM), Daisy Ho, pautou o seu discurso com a importância do projecto de cooperação inter-regional enquanto reflexo de uma “fase histórica”, de “uma nova era” que vai fazer com que Macau se “reinvente nas próximas décadas”.

De acordo com Daisy Ho, “o projecto da Grande Baía vai promover maior abertura e conectividade entre estas zonas e é consistente com os objectivos de Macau”, ou seja, acompanha os desígnios do território em tornar-se num centro global da indústria de turismo e entretenimento”.

A par deste objectivo, será através da Grande Baía que o território poderá incentivar a diversificação económica e mostrar as suas vantagens enquanto “plataforma entre a China e os países de língua portuguesa”.

Macau especial

Por outro lado, Macau, “apesar de ser um território pequeno e com uma área reduzida” já está destacado no próprio projecto de cooperação regional ao ser posicionado como “uma das principais cidades da Grande Baía”, a par de Hong Kong, Shengzhen e Cantão. “Macau tem o estatuto especial de cidade central”, disse.

No entanto, há ainda desafios a superar dentro de um projecto que envolve uma população de cerca de 70 milhões e que representa 12 por cento do PIB da China. Daisy Ho começou por destacar a necessidade de melhoramento de infra estruturas. “Os transportes são um desafio local e com a Grande Baía é necessário perceber a importância das ligações”.

É também urgente aumentar a capacidade de Macau de receber e alojar mais visitantes, referiu. A este respeito Daisy Ho salientou que com as novas construções hoteleiras e os projectos futuros, o território “nas próximas décadas aumentará em 50 por cento a sua capacidade de acolhimento”.

A diversificação não ficou de parte, e para corresponder às expectativas do projecto inter regional divulgado em Fevereiro pelo Presidente chinês, Xi Jinping, Macau tem que promover a criação de actividades extra jogo.

Para acompanhar o desenvolvimento, serão necessários recursos humanos pelo que investimento na formação é uma prioridade, apontou.

Sendo a protecção ambiental um dos pilares da Grande Baía, Macau tem que corresponder às expectativas que lhe vão ser exigidas. Daisy Ho salientou a importância de criar mais percursos pedestres essencialmente para a circulação dos turistas. Por outro lado, é necessário responsabilizar os hotéis na promoção da reciclagem e poupança de energia, referiu.

A G2E decorre até amanhã. Este ano a organização conta com a participação de quase duas centenas de expositores e mais de 18 mil visitantes.

Restauração | Mais de 8 mil vagas até 2020

[dropcap]A[/dropcap]té ao final do próximo ano, o sector hoteleiro vai precisar de contratar mais 8.324 trabalhadores, ou seja, é necessário que os actuais 55.052 trabalhadores passem a ser 63.376.

A previsão faz parte do Estudo da Procura de Futuros Talentos dos Sectores Hoteleiro e da Restauração de Macau, elaborado pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST, em inglês) a pedido do Grupo Especializado de Planeamento e Avaliação. No que diz respeito à restauração, até 2020 vai haver um aumento de 8.678 postos de trabalho, mas neste respeito o comunicado do Governo não menciono os pontos existentes.

Na reunião do Grupo Especializado de Planeamento e Avaliação, que faz parte da Comissão de Desenvolvimento de Talentos (CDT), foram ainda apresentados os estudos: Lista e índice da procura de talentos do sector do jogo 2018-2022 e o estudo da procura de futuros talentos do comércio a retalho de Macau.

Os resultados das necessidades do sector do jogo não foram revelados ao público, o que ficou prometido, em comunicado, para um momento posterior. No que diz respeito ao retalho, os resultados indicam que a procura está numa fase de crescimento estável.

Trânsito | Ecrã gigante custa entre 7 e 17 milhões de patacas

[dropcap]O[/dropcap] fornecimento e a instalação de um ecrã gigante no Centro de Controlo de Tráfego vai custar entre 7.295 milhões e 17,38 milhões de patacas, de acordo com as cinco propostas apresentadas no concurso público.

Segundo o comunicado da DSAT, que não detalha as empresas nem os valores apresentados, as propostas apresentaram um prazo para o cumprimento dos trabalhos que varia entre os 116 e os 180 dias.

O acto público de abertura das propostas teve lugar ontem às 9h30, na sala polivalente do 5.º andar do Edifício da DSAT. A abertura das propostas foi presidida pelo presidente da Comissão e Subdirector da DSAT, Chiang Ngoc Vai.

Apoio Social | Mak Soi Kun pede soluções inteligentes para idosos

[dropcap]M[/dropcap]ak Soi Kun escreveu uma interpelação a pedir ao Governo soluções para os problemas originados pelo envelhecimento populacional. O deputado mais votado nas últimas eleições para a Assembleia Legislativa aponta os exemplos de Hong Kong e Japão como regiões que encontraram respostas tecnológicas para as questões levantadas pelo crescimento demográfico da população mais idosa.

Mak dá os exemplos de mecanismos de monitorização remota do estado de saúde por via electrónica, que apontam novos caminhos para cuidadores e profissionais da saúde, tecnologia que permite acompanhar o paradeiro de pessoas com demência, entre outras soluções inovadoras.

O deputado refere que “o envelhecimento da população de Macau continua a acentuar-se, com os dados estatísticos do Governo a mostrar que no final de 2018 os residentes com mais de 65 anos eram 11,1 por cento da população, o que representou um crescimento de 0,6 por cento em relação ao ano anterior”. Aliás, o deputado acrescenta que 2018 foi o 22º ano consecutivo em que se registaram aumentos neste segmento demográfico.

Assim sendo, Mak Soi Kun pergunta “se o Governo considera desenhar um plano inteligente, à semelhança dos que se aplicam em regiões e países desenvolvidos, tal como possibilitar a empresas locais e a organizações comunitárias a introdução de produtos inteligentes para a terceira idade”.

Turismo | Ella Lei quer controlo de visitantes nas alturas de maior afluência

Ella Lei pede entendimento entre Executivo e Governo Central para promover acções administrativas que limitem o excesso de turistas durante períodos com feriados nacionais. Para a deputada, a solução passa pela emissão de vistos especiais, com regalias próprias, capazes de desviar os visitantes das datas mais problemáticas, para outras mais calmas

 

[dropcap]A[/dropcap] deputada Ella Lei alerta para a necessidade urgente de medidas de controlo do fluxo de turistas, especialmente nas alturas que envolvem feriados nacionais. Em interpelação escrita a deputada, sugere mesmo que o Executivo local chegue a um entendimento a este respeito com o Governo Central.

“O Governo precisa discutir com o Continente quais as medidas viáveis e disponíveis para resolver o problema do aumento de visitantes durante os períodos de pico e as concentrações excessivas em determinados locais”, lê-se.

Para o efeito, Lei refere a possibilidade de emissão de vistos especiais que promovam a transferência das visitas dos turistas do continente em alturas de feriados, para outras, em que Macau não registe tanta afluência de visitantes.

De acordo com a deputada com ligações à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) tratam-se de medidas viáveis uma vez que é possível prever as alturas de maior fluxo de visitantes a atravessar os postos fronteiriços de Macau. “O Governo pode através da análise dos dados estatísticos dos últimos anos, ter conhecimento e divulgar os dias de maior circulação fronteiriça para prever as ‘explosões’ de visitantes”, aponta.

Gente a mais

Em causa está o crescente aumento de turistas para números superiores aos que Macau consegue abarcar.

Ella Lei apoia-se nos números mais recentes e recorda que no fim de semana que integrou o feriado de 1 de Maio, passaram em três dias nos postos fronteiriços do território, uma média diária de 177 mil pessoas, um número 60 por cento acima da capacidade de recepção de visitantes local que se situa, aponta, nas 110 000 pessoas por dia.

Já no último Ano Novo Chinês, o número total de visitantes ultrapassou o 1,21 milhão, um aumento de 26,6 por cento em relação ao ano anterior. Durante esta altura festiva, houve mesmo um dia, o terceiro do novo ano chinês, em que o fluxo fronteiriço registou a passagem de 220.000 pessoas. Já nos dois primeiros dias do Festival Ching Ming, mais de 1,24 milhão de pessoas entraram e saíram dos postos fronteiriços de Macau, acrescentou, o que corresponde a um aumento de 20 por cento relativamente ao mesmo período em 2018.

Estes movimentos tiveram consequências: Além do congestionamento dos postos fronteiriços, “causaram a paralisação do trânsito no centro de Macau, sendo difícil circular entre as principais atracções turísticas”. Os transtornos não são apenas visíveis para os moradores, mas tornam desconfortável a visita a Macau para os turistas, ou seja, “uma experiência contrária à direcção que Macau pretende ao querer posicionar-se como capital mundial do turismo e lazer”.

 

Estudo do ano

A consulta de opiniões acerca da implementação de uma taxa turística teve início na passada segunda-feira. No entanto, o estudo abrangente acerca desta matéria deverá durar até ao final do ano. A ideia foi deixada ontem pela presidente da Direcção dos dos Serviços de Turismo (DST), Helena de Senna Fernandes, à margem da abertura oficial da Global Gaming Expo Asia 2019, no Hotel Venetian. “O total destes estudos serão feitos até ao final deste ano”, disse. Para já, está a decorrer a consulta à população que vai durar um mês. Estão também a ser administrados questionários aos turistas nos postos fronteiriços, “aquando da sua saída”.

Além, destas duas vertentes há ainda uma terceira componente do estudo para sondar as opiniões das entidades ligadas à indústria. Paralelamente, a DST está a “recolher informações acerca de taxas ou impostos semelhantes em diferentes partes do mundo, para ver o seu objectivo e a sua eficiência”, apontou Senna Fernandes. O turismo compromete-se a terminar este estudo ainda este ano, no entanto a possibilidade de implementar uma taxa turística não tem data até porque não cabe a este serviço decidir, apontou a responsável. O mesmo se aplica à sua forma de implementação, caso venha a acontecer, acrescentou Helena de Senna Fernandes.

Protecção Civil | Coutinho diz que lei é pretexto para controlar informação

Medidas que vão muito além das necessidades de segurança da RAEM. É desta forma que o deputado José Pereira Coutinho encara as políticas de Wong Sio Chak. O legislador pede ainda abertura para que as leis sejam feitas de forma a estabelecer uma linha clara entre o que é crime e o que é permitido

 

[dropcap]O[/dropcap] deputado José Pereira Coutinho está preocupado com os efeitos da proposta de Lei da Protecção Civil pelo exemplo que vai estabelecer. Para o legislador que preside à Associação dos Trabalhadores de Macau da Função Pública (ATFPM), o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, encontrou neste diploma oportunidade para dar um exemplo de uma medida que podia ser estendida fora das situações de calamidade.

“Há muito tempo que o Governo pretendia limitar a liberdade de informar dos meios de comunicação social e o projecto lei de protecção civil vai servir como exemplo”, afirmou José Pereira Coutinho, em declarações ao HM. “Este é o começo de um âmbito mais restrito para situações de calamidade que poderá ser estendido a situações fora das alturas de calamidades. Assim cria-se uma cultura geral em que as pessoas mentalmente se autocensuraram”, acrescentou.

Em relação à discussão na Assembleia Legislativa (AL), José Pereira Coutinho espera que haja abertura para definir claramente as terminologias da lei, de forma a evitar um estado em que as pessoas não sabem quando estão ou não a infringir as leis: “Ainda tenho a esperança que haja abertura do secretário para a Segurança para rever a terminologia utilizada […] Não podemos criar uma sociedade em que as pessoas não sabem onde começa e acaba a linha demarcatória das infracções criminais”, frisou.

Segundo a proposta do Governo, durante as situações de emergência as “notícias falsas, infundadas e tendenciosas” passam a ser crime. A hipótese está a causar polémica junto da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM), que entende que a consulta pública apenas focou o “crime de falso alarme social”. Sobre as notícias não havia referências no texto da consulta.

No entanto, o facto de a consulta focar certos aspectos e depois a lei trazer um conteúdo diferente não admira o deputado da ATFPM. “É uma situação que aconteceu centenas de vezes ao longo de 20 anos. Todos os diplomas relacionados com a Função Pública perguntam sobre aspectos que nunca são exactamente iguais aos que surgem nas propostas entregues à Assembleia Legislativa”, acusou. “Não me espanta esta situação”, indicou.

Também na semana passada o presidente da Associação de Advogados de Macau, Jorge Neto Valente, tinha criticado o facto de a Polícia Judiciária fazer as consultas públicas sobre assuntos em que é parte interessada.

Sociedade policial

Mas o aspecto que mais preocupa José Pereira Coutinho é a tendência policial que está a ser implementada em Macau, através das políticas de Wong Sio Chak. O deputado recorda que com o novo estatuto do Corpo de Polícia de Segurança Pública qualquer pessoa pode ser seguida e vigiada à distância sem qualquer conhecimento, mesmo quando vai para casa. “Tudo isto faz parte de um dolo, de um controlo geral da sociedade, que somado à proliferação das câmaras de segurança faz com que estejamos muito mais perto de um estado de polícia”, defendeu.

Coutinho defende ainda que estas políticas vão muito além das necessidades de segurança do território. “A proliferação de câmaras de vigilância, a generalização das escutas telefónicas e mensagens electrónicas vão muito além das necessidades de segurança interna da RAEM. Vamos continuar a ser mais vigiados e mais controlados”, indicou.

Fernando Lima, jornalista e ex-assessor de Cavaco Silva: “Edmund Ho foi uma espécie de parceiro”

Fernando Lima acompanhou de perto as negociações para a transição de Macau como poucos. Apresenta hoje a reedição do livro “Macau – Um Diálogo de Sucesso”, publicado há 20 anos. O autor recorda como a questão da nacionalidade dos chineses em Macau foi fundamental e como os negociadores portugueses não souberam antecipar o que a RAEM é hoje

 

Fale-me deste livro que vai lançar em Macau.

[dropcap]T[/dropcap]rata-se de uma reedição um livro que tinha publicado há 20 anos, em dois volumes, intitulado “Macau e as Duas Transições”. Vivi em Macau de 1974 a 1976, fui director dos Serviços de Informação e Turismo com o Governador Garcia Leandro. Quando trabalhei no gabinete do primeiro-ministro, em 1986, acompanhei a questão de Macau com a República Popular da China (RPC) e fui um observador da evolução das negociações. Isso permitiu-me, em 1999, publicar o livro sobre esse assunto.

O que conta este livro de novo?

Quis mostrar que os negociadores, sobretudo a parte portuguesa, estavam certos na abordagem que fizeram para tratar da questão de Macau ou preparar com os chineses a Declaração Conjunta. Muitas vezes vemos o início das negociações, mas não vemos os resultados, e hoje é possível vê-los. A parte portuguesa tinha como preocupação principal as pessoas de Macau, os que viviam em Macau e confiaram na Administração…

A questão da nacionalidade, certo?

Essa foi uma questão que os negociadores chineses compreenderam e era a nossa preocupação. Isso foi muito importante tendo em conta o que aconteceu depois em Hong Kong. O que também era importante para nós era a defesa da língua portuguesa, da cultura e do património. Hoje vemos que foi positivo e que a China está a tirar grande partido dessas três vertentes. Queríamos também que Portugal saísse com dignidade do território, por comparação com uma descolonização que não tinha corrido bem. Devo dizer ainda que, para os negociadores chineses, eram praticamente inegociáveis as questões ligadas ao exercício de soberania da China em Macau. E isso condicionava muito.

Chegava a quase tudo.

Chegava a quase tudo. Em Hong Kong os ingleses não tinham tido esse cuidado de protecção na questão da nacionalidade, e nós tivemos. Hoje, Macau é património da UNESCO, e, para ver a questão do exercício de soberania, quando Portugal quis fazer a candidatura de Macau à UNESCO, quando já estávamos no período de transição, a China disse que não, que tinha de ser ela a fazer isso.

Houve demasiadas cedências de Portugal em relação à China?

Sei que há analistas que pensam assim, mas não vejo as coisas dessa maneira. As negociações nem sempre foram fáceis porque a China estabeleceu um conjunto de regras e nós não tínhamos grande capacidade de negociação, pois não tínhamos interesses materiais fortes, como a Grã-Bretanha tinha em Hong Kong.

Quando me diz que não havia interesses materiais, não acha que houve falta de visão relativamente ao potencial de Macau do ponto de vista económico, e que hoje é tão abordado? Muitas empresas saíram, ficou o BNU, por exemplo.

Nessa altura, o grande poder económico e comercial pertencia aos chineses. Essa é a realidade. As nossas empresas que lá foram procuraram responder ao apelo do Governo de Macau e de Lisboa para que estivessem mais presentes em Macau, mas era um mercado difícil, porque era dominado pelos chineses. As nossas empresas eram de pequena dimensão. Obviamente que a China e os empresários de Macau queriam mostrar que, com o regresso de Macau à China, ia criar-se outro dinamismo. Também era uma forma de mostrar à população que ela estava a beneficiar com a transição.

Porque havia essa necessidade?

Quando se colocou a questão de a China reclamar Macau e Hong Kong, os chineses dos dois territórios não esconderam alguns receios, e houve até emigração para o Canadá ou Austrália. Uma das coisas que os chineses perceberam é que era preciso combater esse receio e tornar como um acto natural o regresso dos dois territórios, e que havia boas razões para acreditar na China. Foi assim que depois a China quis dar aquilo a que eu chamo uma utilidade geopolítica a Macau, ao criar o Fórum Macau. É interessante ver isso, porque até então a ideia que havia para Macau era a ideia de ser um território onde havia casinos. No início das negociações, a China tinha dificuldade em digerir algumas questões porque considerava ser uma concessão à nossa língua, cultura e património, e eles não estavam ainda em condições para fazer isso. Isto porque a China, quando começa uma negociação, parte sempre com desconfiança.

Hoje as coisas são bastante diferentes.

Nesse ponto, a China tem hoje uma posição completamente descomplexada em relação à língua portuguesa, à cultura e património, e viu que Macau podia ter essa utilidade geopolítica nesse espaço de influência portuguesa. Essa foi a grande evolução que depois a China acrescentou a Macau. No tempo da Administração portuguesa, o último Governador (Vasco Rocha Vieira) desenvolveu contactos com os novos países de língua oficial portuguesa e havia uma perspectiva de ir desenvolvendo relações. É sempre em Macau que os dirigentes chineses fazem declarações relativamente a esse espaço que querem cativar e onde estão hoje bem posicionados. A única coisa que os chineses não quiseram discutir nas negociações foi o passado.

Em que sentido?

O passado era o passado e não queriam voltar a falar de como os portugueses tinham chegado ao território. Para os chineses, Macau era um legado da história, e isso chegava, não queriam entrar em detalhes. Qual foi um outro ponto difícil nas negociações? Foi a questão da data.

Houve várias versões sobre isso.

Eu tenho a minha versão e está contada no livro. Devo dizer que a pessoa que levou a data a Pequim, e que já faleceu, era um dos meus melhores amigos, o secretário de Estado Azevedo Soares. E conversamos muito sobre a missão dele, que era a de propor aos chineses a data da transição. Os chineses impunham como condição que Macau tinha de ser reintegrada até 31 de Dezembro de 1999. A data que o secretário de Estado foi precisamente 31 de Dezembro de 1999. Aí os chineses, na sua maneira de ser, mostraram que essa data não era prática. Se fosse nessa data tinha de se prolongar por alguns dias o Grupo de Ligação, e eles queriam que tudo terminasse no dia 31 de Dezembro. Então propuseram 3 datas: o dia 15, 20 e 25. Propuseram então o dia 20 porque era uma data aceitável e Portugal aceitou, pois dia 25 era Natal.

Chegaram a ser divulgados alguns documentos oficiais sobre o facto de ter sido falado o ano de 2004 para a data da transição.

Os chineses quiseram outras datas, mas Portugal resistiu sempre. Para os chineses quanto mais cedo melhor, mas Portugal resistiu. Um dos pontos que Portugal frisava é que não podia ser concedido um período de transição inferior ao que tinha sido atribuído a Hong Kong. Depois estávamos a fazer tudo para as negociações correrem bem, o que não tinha acontecido nas negociações entre chineses e ingleses, não queríamos que a China fizesse uma diferenciação do processo. Há também uma parte que o meu livro conta é como o Álvaro Cunhal entra nas negociações. É uma parte pouco conhecida do processo. O PCP e o Partido Comunista Chinês tinham uma relação distante. A situação evoluiu e o Cunhal foi convidado para ir à China, mas não foi recebido pelo Deng Xiaoping. Os chineses incumbiram-no de uma missão em relação a Portugal. Isto porque, para os chineses, havia um problema, que era haver muitos chineses com passaporte português a quererem fazer a opção pela nacionalidade portuguesa.

Sobretudo depois de terem fugido do país para Macau.

Sim. Aí o Cunhal procurou trazer o pedido do lado chinês, que era criar algumas dificuldades para que isso acontecesse. Dizia que essa gente não tinha nada a ver com Portugal, e se viessem para aqui eram portugueses mas não ficavam integrados. Apontou algumas das dificuldades que, no entender do PCP, poderiam acontecer. Foi interessante ele ter aparecido nessa altura, mas depois resolveu-se tudo a contento e a China aceitou a nossa posição. A questão da nacionalidade ficou clara em 1987.

Considera que tudo o que foi discutido no âmbito da Lei Básica está a ser cumprido, 20 anos depois?

O livro não aborda esse período, mas penso que a Lei Básica tem sido consensual em relação ao que eram os objectivos da China em relação a Macau e ao modo de vida no território, que era importante ser salvaguardado.

Na altura, adivinhava-se que o caminho de Macau seria a integração regional, e que se falaria disso muito antes de 2049?

Quando cheguei a Macau, em 1974, fiquei fascinado por Hong Kong. E sempre questionei se Macau conseguia competir com Hong Kong, e quem haveria de dizer que isso seria conseguido. Macau deu um salto face ao que era, embora competir seja impossível, pois Hong Kong tem uma dinâmica muito própria face à China e ao mundo. Há 20 anos não éramos capazes de antecipar tudo o que está a acontecer. A China ia fazer de tudo para integrar Macau nos seus hábitos e nas suas leis, mas não éramos capazes de antecipar esta dimensão e que será maior face ao que já vi anunciar. Também não éramos capazes de antecipar o Fórum Macau, embora disséssemos que Macau tinha uma relação privilegiada com os países de língua portuguesa.

O Fórum Macau tem sido alvo de críticas, 15 anos depois da sua criação.

Se calhar alguns investimentos que a China fez não correspondem às suas expectativas, e pode estar numa posição mais defensiva em função daquilo que se está a passar em África. Em Moçambique existem problemas de corrupção, em Angola há uma mudança de poder.

No que diz respeito à questão dos direitos, liberdades e garantias. O assunto dos direitos humanos foi muito debatido na altura?

Foi uma questão que Portugal defendeu. A questão da pena de morte não se colocou em relação a Macau.

Formaram-se políticos à pressa para governarem no pós-1999?

A Administração portuguesa tentou integrar Edmund Ho no processo da transição e ele fez um acompanhamento num determinado período e isso foi muito importante. Edmund Ho foi uma espécie de parceiro. Em Hong Kong, com o primeiro Chefe do Executivo, aquilo correu muito mal, porque foi tido como um grande empresário, e faltou-lhe a chamada habilidade política. Em Macau, viveu-se a tranquilidade nos primeiros tempos. Nunca vi isto muito abordado nos livros sobre o território.

Sobre a eleição do Chefe do Executivo da RAEM. Chegou a colocar-se a questão do sufrágio universal?

Aí os chineses é que impunham as regras. Podíamos mostrar interesse, mas quando criámos o Estatuto Orgânico de Macau tivemos em conta as especificidades de Macau. Eles fizeram uma espécie de cópia desse documento (na elaboração da Declaração Conjunta), decalcaram de acordo com as características chinesas, para terem umas eleições que lhes trouxessem confiança. Isso não impede que haja grupos de cidadãos que possam defender o voto universal.

Veículos | Elevados requisitos sobre emissão de gases

[dropcap]A[/dropcap] Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) e Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) procederam à revisão dos valores-limite dos gases emitidos por parte de veículos e motociclos. De acordo com um comunicado, “propõe-se na revisão que sejam ainda mais elevados os requisitos relativos às emissões de gases de escape para os novos veículos importados e em circulação”.

Nesse sentido, “quanto aos novos veículos importados, após a elevação em 2018 das normas de emissão dos veículos normais ligeiros movidos a gasolina para as equivalentes à Norma Euro 6, propõe-se na presente revisão que as normas de emissão para os veículos a gasóleo e os veículos pesados movidos a gás natural passem das equivalentes à Norma Euro 5 para as equivalentes à Norma Euro 6”. Além disso, o Executivo determina que “as normas de emissão dos veículos pesados a gasolina provenientes da União Europeia devam obedecer às normas equivalentes à Norma Euro 6”. As mudanças entram em vigor hoje.

A mesma revisão tem ainda por objectivo “elevar os valores-limite de emissão das motocicletas em circulação com método de medição à velocidade de rotação lenta”, além de “definir os correspondentes valores-limite de emissão conforme a data do primeiro registo para atribuição de matrícula”. Tudo para que haja uma diminuição das emissões de gases de escape. Este último despacho entrará em vigor no dia 1 de Julho deste ano.

A segurança do paciente e os erros médicos

“All men make mistakes, but a good man yields when he knows his course is wrong, and repairs the evil. The only crime is pride.”
Sophocles, Antigone”

 

[dropcap]É[/dropcap] impossível contabilizar os milhares de pessoas que são mortas a cada ano por erros médicos, mas para ter apenas uma ideia são de centenas de milhares nos Estados Unidos e dezenas de milhares no Reino Unido, sendo conjuntamente com as doenças cardíacas e cancro, uma das principais causas de morte. Muito mais pessoas sofrem danos de forma não fatal por erros, e o custo dos pagamentos por negligência clínica nos países onde existe alguma estatística, é de muitos milhares de milhões de euros. É necessário entender que reduzir o custo humano e financeiro dos erros médicos é uma prioridade ética.

O mediático caso de Bawa-Garba, que se refere a Jack Adcock , uma criança de seis anos, que foi internada na “Leicester Royal Infirmary (LRI)”, unidade pertencente ao “Serviço Nacional de Saúde (NHS)” britânico, em 18 de Fevereiro de 2011 e que morreu no mesmo dia, em parte devido a erros no seu tratamento. A Dra. Hadiza Bawa-Garba, indiana, médica que o tratou e a enfermeira portuguesa, Isabel Amaro, foram posteriormente declaradas culpadas de homicídio culposo por negligência grave no qual a médica contribuiu para a morte por septicemia, tendo sido destacado durante o julgamento a necessidade de abordar questões individuais e sistémicas para reduzir os erros.

A Dra. Bawa-Garba, foi condenada a dois anos de prisão a 4 de Novembro de 2015, e a enfermeira Isabel Amaro foi condenada a três anos de prisão a 2 de Novembro de 2015. Os médicos têm a obrigação ética de ser transparentes sobre os seus erros médicos, mas como será possível encorajá-los a fazer quando as consequências pessoais e profissionais da honestidade podem ser devastadoras? A realidade é que alguns erros médicos nunca são revelados aos pacientes, que são então privados de indemnização, e pouco é aprendido com os mesmos.

A Universidade Johns Hopkins publicou um relatório a 3 de Maio de 2016, em que afirma que as taxas de incidência de óbitos directamente atribuíveis à assistência médica não foram reconhecidas em nenhum método padronizado de colecta de estatísticas nacionais, e analisando os dados médicos de mortalidade ao longo de um período de oito anos, os especialistas em segurança do paciente calcularam que mais de duzentas e cinquenta mil mortes por ano são devidas a erros médicos nos Estados Unidos, sendo a principal causa de morte dos “Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC na sigla inglesa)”, que pertence ao “Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos”, e que por comparativamente as doenças respiratórias, matam cerca de cento e cinquenta mil pessoas por ano.

A forma do CDC colectar estatísticas nacionais de saúde não classifica os erros médicos separadamente no atestado de óbito. Os pesquisadores defendem critérios actualizados para classificar os óbitos nos atestados de óbito. As taxas de incidência de óbitos directamente atribuíveis à assistência médica não foram reconhecidas em nenhum método padronizado de recolha de estatísticas nacionais. O sistema de codificação médica foi projectado para maximizar os serviços médicos, não para recolher estatísticas nacionais de saúde, como está ser usado actualmente. Os Estados Unidos, desde 1949, adoptaram uma forma internacional que usava os códigos da “Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID na sigla inglesa) que é publicada pela “Organização Mundial de Saúde (OMS)” e que visa padronizar a codificação de doenças e outros problemas relacionados à saúde.

A CID fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças para calcular as causas de morte. A partir dessa época foi sub-reconhecido que os erros de diagnóstico, erros médicos e a ausência de redes de segurança poderiam resultar na morte de alguém e, daí que os erros médicos foram involuntariamente excluídos das estatísticas nacionais de saúde. Os pesquisadores alertam que a maioria dos erros médicos não se deve à prática de actos médicos intrinsecamente nefastos, e que mais que denunciar esses erros e serem resolvidos por punição ou acção legal, afirmam que a maioria dos erros representa problemas sistémicos, incluindo cuidados mal coordenados, redes de seguro fragmentadas, ausência ou subutilização de redes de segurança e outros protocolos, além da mudança injustificada nos padrões de prática médica que carecem de responsabilidade.

O “Jornal de Segurança do Paciente” dos Estados Unidos, alegam que o número de mortes por erro médico chegou a quatrocentas e quarenta mil por ano. A razão para a discrepância é de que os médicos, donos de funerárias, juristas e médicos legistas raramente notam nos atestados de óbito os erros humanos e falhas do sistema envolvidos. As certidões de óbito são o que os CDC se baseiam para colocar estatísticas de mortes em todo o país. A epidemia de danos ao paciente em hospitais deve ser levada mais a sério se quiserem que reduza.

Envolver totalmente os pacientes e seus defensores durante o atendimento hospitalar, procurando sistematicamente ouvir os pacientes na identificação de danos, a transparência na responsabilização por danos e a correcção intencional das causas do dano são necessárias para atingir esse objectivo. O sistema é culpado pois é entendido como erro médico a morte causada por pessoal inadequadamente qualificado, erro no julgamento ou cuidados, um defeito do sistema ou um efeito adverso evitável, incluindo falhas do computador, misturas com as doses ou tipos de medicamentos administrados aos pacientes e complicações cirúrgicas que não são diagnosticadas.

É de realçar todavia que os profissionais de saúde são em geral pessoas dedicadas e atenciosas, mas são humanos e que como seres humanos cometem erros, não sendo todavia causa de exclusão da ilicitude. Existem muitos técnicos de farmácia, em vez de farmacêuticos bem treinados e instruídos, que estão a compor quase todos os medicamentos para os pacientes e muitos têm requisitos ou comprovação de competência para esses exercer essa actividade. O uso da tecnologia da informação em saúde através do uso de registos electrónicos de saúde de pacientes hospitalizados e ambulatórios é essencial. Muitos hospitais, por sua vez, procuram acompanhar o ritmo da tecnologia cada vez mais disponível para melhorar a segurança do paciente.

A maioria dos consultórios médicos dos Estados Unidos mantém registos electrónicos, bem como regista conversas entre médicos, enfermeiros e os seus pacientes, a fim de garantir que haja clareza e que não ocorram erros. As complicações comuns podem ocorrer, especialmente, no atendimento médico desnecessário, e cerca de 20 por cento de todos os procedimentos médicos podem ser desnecessários. Existe também, culpa na prescrição excessiva de medicação após a cirurgia, particularmente os opiáceos. É de considerar que os médicos são encorajados pelas empresas farmacêuticas, às vezes por meio de pagamentos em dinheiro, a “promover” os seus produtos.

Tendo em consideração os “Direitos do Paciente em um Sistema de Saúde Perigoso e Orientado a Lucros”, os pacientes precisam de assumir o controlo, pois deve existir um equilíbrio entre a comunidade prestadora e os pacientes. A “Carta Nacional de Direitos do Paciente Hospitalizado” nos Estados Unidos, foi criada em 2014 em que os preconiza que quanto aos “registos médicos”, os pacientes hospitalizados devem receber diariamente o seu prontuário e ser ensinado como fazer anotações nos seus registos e corrigir qualquer desinformação. Os registos médicos devem ser electrónicos e mantidos por um período longo.

O “cuidado” baseado em evidências quer que o diagnóstico e o tratamento devam estar de acordo com as directrizes federais e/ou nacionais de saúde ou de acordo com as directrizes revistas por especialistas publicadas por organizações especializadas para a condição médica do paciente. Se o médico determinar que é necessário desviar-se das directrizes, deve informar o paciente que o seu cuidado se deve desviar das directrizes e fornecer uma explicação para o desvio. Os “medicamentos terapêuticos”, preconiza que nenhum paciente deve receber uma medicação para fins “off label” sem ser informado de que o medicamento prescrito não foi aprovado pela “Food and Drug Administration (FDA)” para a condição médica do paciente.

A justificativa para a prescrição do medicamento “off label” e o risco associado devem ser revelados ao paciente e documentados. O paciente deve ser informado sobre como relatar os efeitos adversos de qualquer medicamento sob prescrição médica ao FDA. A “competência do médico”, quer que os pacientes tenham o direito a serem informados sobre o “status” de competência do seu médico antes de serem tratados. Este “status” deve incluir a conclusão da “Central de Material Esterilizado (CME)” estadual, o “status” de certificação do conselho, a manutenção da certificação do conselho, a reabilitação do abuso de drogas e quaisquer outros factores que afectam a competência do médico.

Os “custos” requerem que os pacientes devem conhecer os custos normais do diagnóstico e tratamento que receberão antes de concordarem com um plano de diagnóstico ou plano de tratamento. O tratamento encontrado contra directrizes sem o consentimento do paciente não precisa de ser pago. Os “eventos” adversos estipula que se acaso ocorrer um evento adverso imprevisto durante o diagnóstico ou tratamento, o paciente tem direito a uma explicação completa do que aconteceu e como o hospital pretende prevenir eventos adversos semelhantes no futuro. Se o evento adverso foi causado por um erro médico, o paciente tem direito a uma compensação justa.

A falsificação de registos médicos após um evento adverso constitui adulteração de evidências. O “dever” de advertir, exigindo que os pacientes devem saber a taxa de infecção do hospital e a morbidade e mortalidade associadas a procedimentos invasivos planeados. O paciente deve ser avisado de qualquer actividade de estilo de vida que ameace a sua saúde e devem receber orientação sobre a gestão dessa actividade. O “consentimento informado” exige que o paciente deve dar o seu consentimento informado para procedimentos invasivos de acordo com as directrizes publicadas pela “American Medical Association” de 1998. O medo nunca deve ser usado para obter consentimento para procedimentos invasivos.

O “feedback” sobre o cuidado quer que o paciente tenha o direito, mesmo um dever, de fornecer “feedback” a uma agência independente sobre a qualidade do atendimento recebido durante a hospitalização. Este “feedback” deve ser sistematicamente tomado e disponibilizado ao público. O “direito” a um advogado mostrou que, enquanto o hospital é o local principal para integrar o atendimento de um paciente é o advogado que deve defender os interesses do paciente. Todos os pacientes do hospital devem ter o direito a um advogado.

O “Patient Safety America” lista os três níveis em que os pacientes podem proteger-se. Estes incluem ser um consumidor sábio dos cuidados de saúde, exigindo cuidados de qualidade e custo-benefício para si e para aqueles que ama; participando da liderança em segurança do paciente por meio de conselhos, painéis e comissões que implementam políticas e leis; e pressionando por leis que favoreçam cuidados, transparência e prestação de contas mais seguras.

É necessário obter sempre o máximo de informações que puder do seu médico, inquirindo sobre os benefícios, efeitos colaterais e desvantagens de um medicamento ou procedimento recomendado, e usando as médias sociais para saber mais sobre a própria condição do paciente, bem como sobre os medicamentos e procedimentos para os quais foram prescritos.

O paciente deve sempre procurar uma segunda opinião. Se a situação o justificar ou se existirem incertezas, deve obter uma segunda opinião de outro médico, pois um bom médico aceitará a confirmação do seu diagnóstico e resistirá a qualquer tentativa de desencorajar o paciente de aprender mais ou de “tentativas de amordaçar o paciente”. Muitas vezes o sistema de saúde silencia as pessoas em torno de um problema. Porquê muitos médicos são relutantes em especular, mas alguns admitem que as respostas vão do simples ego até à perda de um paciente para outro médico em quem confiam mais.

Às vezes é difícil processar todas as informações por si mesmo, pelo que se deve trazer um membro da família ou um amigo para a sua consulta, alguém que possa entender as informações e sugestões dadas e fazer perguntas. Ao ter as informações médicas literalmente na palma da mão, pode trabalhar em equipa com o médico para reduzir o risco de erros médicos. Os aplicativos de saúde podem ser simples ou complexos e, dependendo da idade e condição, pode gerir o seu bem-estar, medicamentos e muito mais.

O que têm de bom o sistema de saúde americano, inglês e outros em trabalho comparativo e cooperativo deve ser estudado e aplicado com adaptações e o que acontece nos Estados Unidos e no Reino Unido é o mesmo que acontece em outros países quanto aos maus procedimentos e devem ser instituídos todos os mecanismos em defesa da segurança do paciente, pois muitas vezes, o sistema de saúde silencia as pessoas em torno de um problema, para esconder as falhas do sistema e o erro médico. O acesso do paciente a bons cuidados de saúde e de forma gratuita é um direito fundamental e universal.

Direitos dos Animais (II)

[dropcap]A[/dropcap] semana passada falámos sobre duas das alterações à lei de protecção dos animais em Hong Kong. A primeira, reflecte-se na seccção 56 da Lei do Tráfego Rodoviário e prevê que, quem atropele um animal tem de parar, prestar auxílio e notificar a polícia num espaço de 24 horas. A segunda, estipula que os donos são responsáveis pelos seus animais, sendo sua obrigação cuidar e atender às suas necessidades. Esta obrigação constitui o “dever de cuidar”.

Na sequência desta alteração, os tribunais podem privar uma pessoa do direito de possuir um animal para sempre, se este dever for seriamente violado

A Lei de protecção dos animais de Macau não estipula esta condição, mas o parágrafo 1 do artigo 28 enuncia:

Artigo 28.º

Penas acessórias
1. A quem for condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 25.º e 26.º podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias:

1) Declaração de perda a favor do IACM do animal do infractor;
2) Proibição de aquisição e criação de animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos;
3) Proibição do exercício de actividades que impliquem o contacto efectivo com animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos;

Como vemos, este artigo estipula que quem violar a lei será privado do seu animal, o qual será entregue ao cuidado do IACM. Isto implica que os animais sujeitos a maus tratos serão imediatamente resgatados. Embora aqui se preveja que quem infligir maus tratos a animais seja proibido de os ter por um período de um a três anos, não é uma interdição para toda a vida, conforme enuncia a emenda à legislação de Hong Kong. As leis da Região Administrativa Especial de Macau foram buscar o modelo da legislação portuguesa. Segundo o Código Penal português, a pena máxima é de 25 anos. Não existe prisão perpétua. Transpondo este princípio para a lei de protecção dos direitos dos animais, faz sentido que não se proíba ninguém de ter um animal para o resto da vida.

Uma das antigas propostas de alteração a esta lei previa a criação de um corpo policial dedicado em exclusivo à protecção animal. Mas a polícia opôs-se argumentando a falta de efectivos. Sem intervenção policial, existirão inevitavelmente bloqueios à implementação da lei, especialmente quando os donos se recusam a colaborar, ou resistem violentamente, os responsáveis ficam incapacitados de agir.

Outra crítica às emendas da lei de Hong Kong prende-se com a falta de uniformização, o que deu origem a dificuldades na compreensão e confusões. Também dificulta o trabalho dos departamentos responsáveis ao tentarem aplicar a lei correctamente. Conforme já foi referido, a legislação de protecção animal em Hong Kong, inicialmente, apenas se destinava a preservar a segurança e a sáude públicas. Actualmente foi alargada aos conceitos de direitos e bem-estar animal. Direitos e bem-estar animal e saúde e segurança públicas são dois binários conceptuais distintos. Misturar conceitos gera confusão, daí que as críticas pareçam ser compreensíveis.

Em oposição, a legislação de protecção animal de Macau é basicamente um conjunto de quatro regulamentos, a Lei No. 4/2016, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 335/2016 que – Determina a proibição da aquisição, criação, reprodução ou importação das raças de cães e animais, o Regulamento Administrativo n.º 28/2004 que – Aprova o Regulamento Geral dos Espaços Públicos e o Despacho do Chefe do Executivo n.º 106/2005 que – Aprova o Catálogo das Infracções a que se refere o artigo 37.º, n.º 1, alínea 2, do Regulamento Geral dos Espaços Públicos. Como Macau tem basicamente nesta matéria este conjunto de leis e Despachos, e a legislação sobre protecção animal remonta a 2016, pode afirmar-se que é uma lei recente. Além disso podemos classificar a legislação de Macau como “simples e clara” .

No Génesis, é dito que Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança. E Deus ordenou ” Ao homem é dado domínio sobre todas as coisas e ele recebe mandamento de se multiplicar e de encher a Terra.” Embora nem todos acreditem na Bíblia, o princípio sagrado de usar a lei para proteger os direitos dos animais e a promoção do seu bem estar, faz parte de uma sociedade saudável e evoluída. O primeiro passo para que este objectivo seja cumprido é compreender que os animais não são brinquedos, nem podem servir para descarregar frustrações; se assim não for, o agressor despe-se do sentido de moralidade que todo o ser humano deve possuir e será altamente provável que a lei de protecção animal venha a ser violada.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
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