Aquela faixa

[dropcap]É[/dropcap] certo e sabido que os chineses estão por todo o lado, como os portugueses: viajamos para aquela ilha paradisíaca e eles estão por lá. Desta vez, os chineses decidiram estabelecer-se numa terra chamada Boi Morto, no norte de Portugal e, alegadamente, traficar haxixe.

A história foi ontem publicada nas páginas do Diário de Notícias e não deixa de soar alarmes sobre o lado negativo dos vistos gold. Já a ex-eurodeputada Ana Gomes, em entrevista ao HM, tinha alertado para o facto destes vistos poderem potenciar a entrada de tríades e esquemas de corrupção no espaço Schengen.

As próprias autoridades chinesas estão atentas e garantiram que não vão deixar passar em claro casos de corrupção no âmbito da política “Uma Faixa, Uma Rota”. Xi Jinping bem tenta combater a corrupção no seu país, um dos grandes problemas sociais e políticos dos últimos anos, mas o caminho não tem sido fácil.

Ainda a procissão vai no adro, que é como quem diz, ainda esta política está a começar a ser estabelecida, e já se teme a corrupção. Do lado da União Europeia, resta-nos esperar uma intervenção eficaz das autoridades, para que estes problemas não atinjam a Europa da pior maneira.

30 Jul 2019

Ovelha

[dropcap]D[/dropcap]omesticada e obediente, és o orgulho do pastor. Segue o resto da manada sem te importares com o caminho. O destino final tanto pode ser o mais apetecível verdejante pasto ou o matadouro. Não faz mal. Não interessa, porque tudo o que vem do pastor é bom e tem um qualquer interesse superior como objectivo que te escapa. Vai para onde te mandam, faz o que te pedem, come o que te dão, sê o exemplo de absoluta e inegável reverência. O propósito da tua vida é acatar ordens, mesmo que sejam ilógicas e cruéis. Abdica, rasteja, sujeita-te. Esta é a tua vida.

Não ouses a rebeldia de um pensamento original, não foste feito para isso, não questiones, não duvides, não digas não ou ainda te transformas numa dessas negras ranhosas, a vergonha da manada e da espécie inteira. Justifica o abandono do teu pobre núcleo de individualidade com as razões do dono, pois é das mãos dele que vem a comida, a sobrevivência e a tua utilidade na Terra.

Entrega a tua a vida a algo maior e apercebe-te que tudo é maior que a tua insignificante vida, há sempre um plano maior, um objectivo ulterior que jamais vais perceber ou antecipar.

Desde os tempos de Abraão que a morte é a materialização do teu mais precioso bem. Agnus Dei, o cordeiro cujo sacrifício apazigua a ira divina. João Baptista anunciou o expoente máximo do que representas quando exclamou: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Deus tem sede do teu sangue, do teu suplício.

Seja metaforicamente, num apelo de fé, ou no plano material, a tua vida realiza-se na morte.
E se te portares bem, mas mesmo muito bem, podes chegar a líder do rebanho, a mais alta posição a que um ruminante pode aspirar. Imagina-te a ser a voz do pastor entre os teus, a sua continuação. Quanta honra ascender a essa categoria, ser a primeira da malhada, a rainha do curral. A palha inicial estará reservada para ti, és o animal dotado da honrosa distinção de receber as ordens directas do ser supremo e da tarefa de a transmitir aos teus semelhantes. Convence-te de que dares tudo de ti em troca de nada é aquilo para que nascestes, estás a cumprir o teu desígnio. Mais vale gozar esse destino, mas não penses que a tua hora não vai chegar só porque o pastor fala directamente contigo. As regalias do fardo inaugural nada vão significar quando chegar a tua hora de enfrentar a faca.

A faca é o derradeiro direito do mestre, o exercício último da sua natural supremacia. Regozija-te na faca, aceita-a e encara-a como o reconhecimento do teu valor. A tua carcaça será consumida, servirá um propósito sempre maior que tu. Aprende a amar a faca pois é do seu gume que vem o teu último contributo e a tua libertação. Foi para isto que nasceste e tiveste a sábia direcção do pastor. És e sempre foste artigo, fruto, género, mercadoria, uma coisa que se compra e vende, substituível, provisória, destinada à caducidade. A tua sina materializa-se na faca.

Mesmo que a tua hora esteja marcada, mesmo que o teu corpo continue a ser uma unidade de produção, leite, lã, carne e espírito, nada te pertence. Não és, nem nunca foste. Regozija-te do privilégio de não seres, nunca terás de suportar o fardo da existência. Reduz-te ao vibrato do balido, esse lamento arrastado em ondas de pranto que acompanha o ritmo do chocalho e o passar do tempo que não te pertence.

Limita-te a aguardar pela redentora faca. Até lá, cornos baixos e come essa palha com um sorriso bovino. Linda menina do pastor.

29 Jul 2019

Violência aplaudida

[dropcap]N[/dropcap]os últimos dias aumentou a indignação relacionada com Hong Kong, depois de manifestantes terem atacado com tinta os símbolos nacionais no Gabinete de Ligação. Num país em que os símbolos nacionais estão muito acima de tudo, como a história já nos mostrou, este acto pisa claramente a linha.

E como um país também é o reflexo dos seus cidadãos não me surpreendeu que em Macau muita gente tivesse ficado irritada e queira um castigo exemplar. O que eu não esperava era que algumas destas pessoas, que têm toda a legitimidade para defender a sua pátria, tivessem um prazer sádico no ataque das tríades a pessoas inocentes.

Um ataque do mais violento imaginável a crianças, grávidas e trabalhadores, que se limitavam a voltar para casa depois de um dia de trabalho. No entanto, a violência extrema foi aplaudida com frases como: “estavam a pedi-las” ou “então criticam a polícia e agora querem ser protegidos?”.

Parece que a Justiça, que faz parte de um segundo sistema saudável, é desprezível ou que pelo menos não merece confiança. E há ainda uma questão que não entendo. Porque é que a polícia não protegeu a tempo o Gabinete de Ligação? A esquadra de Central ficou totalmente protegida, mas o gabinete não.

Parece-me óbvio que neste caso a responsabilidade também é da polícia. Os símbolos nacionais são para ser protegidos. Aliás, fossem outras as circunstâncias e acredito que o chefe principal da polícia de Hong Kong tinha sido despedido, porque faz parte do seu trabalho impedir as humilhações dos símbolos nacionais. Questão que as visões a preto e branco impedem de ver…

29 Jul 2019

Sorrisos fáceis

[dropcap]S[/dropcap]e há coisa que me surpreende muito agradavelmente sempre que passo uns dias em territórios do sudoeste asiático é a espontaneidade generalizada dos sorrisos que encontro nas pessoas com quem interajo. Uma simpatia profunda e inevitável, leve e fácil, que torna mais suaves e adocicadas as relações, mesmo que sejam as comerciais, as que resultam da prestação dos serviços necessários a viajantes mais ou menos desenquadrados daquelas realidades quotidianas, mas que também se nota para lá desse território do estrito domínio dos afetos necessários à dinâmica do capitalismo moderno, tão feito do consumo de experiências, interações, símbolos e emoções a impregnar produtos – um tráfico sistemático e permanente de sentimentos embebidos em mercadorias várias.

Vai para lá dessa traficância de afetos a genuína simpatia e o decorrente caloroso acolhimento que generalizadamente se sente por onde quer que se percorram as ruas, as praças, os mercados, as lojas, as praias ou os templos e monumentos de países como a Tailândia, o Vietname, a Índia ou a Indonésia – os que por sortes várias tive oportunidade de visitar. Encontra-se por esses caminhos uma permanente sensação de descontração e relaxamento, de descanso efetivo e aparentemente definitivo, desprovido de qualquer tensão imanente, ainda que sejam desconhecidos os lugares e incompreensíveis as línguas que se falam ao nosso redor. Há por ali um sentimento de comunidade e fraternidade que as sociedades altamente individualistas e competitivas em que nos habituámos a viver dispensam com a brutalidade inevitável e necessária que lhes caracteriza o quotidiano.

Talvez não seja alheia a estas anacrónicas e exóticas vivências comunitárias a persistência aparentemente generalizada de formas de organização social pré-capitalistas (ou “a-capitalistas”, eventualmente), alheias à motivação do lucro e dos benefícios individuais e profundamente enraizadas na defesa e promoção dos valores da coletividade e da comunidade, da prioridade à solidariedade sobre a competição, mesmo quando afinal estas práticas estão relativamente próximas – ou até intimamente ligadas – aos grandes fluxos globais de mercadorias e pessoas, com o decorrente tráfego comercial e turístico. São exemplos disso práticas ainda hoje comuns como o trabalho voluntário na manutenção e preservação de templos religiosos (também utilizados como atração turística) ou a existência de redes locais de solidariedade social (e até de administração da justiça) financiadas com contribuições de todas as pessoas, numa proporção fixa do seu rendimento, à margem (ou em complemento) dos mecanismos legais das instituições do Estado.

Sobrepõe-se esta doce e acolhedora hospitalidade às carências das mais básicas infraestruturas, como as insuficiências no tratamento e na distribuição de água que tornam o cheiro a esgoto frequente, por vezes até no centro das cidades, e relativamente arriscada a ingestão de alimentos não cozinhados, o que naturalmente inclui o gelo necessário e indispensável à preparação de cocktails vários que combatem a sede e aninam o espírito. É só um exemplo do que falta nestas sociedades e do que nos habituámos a tomar como adquirido, mesmo em Portugal, que continua longe dos níveis de desenvolvimento de outros países: os serviços médicos, os transportes, a qualidade da habitação e da construção em geral, a pobreza ainda generalizada que coexiste com os sorrisos espontâneos que vamos encontrando. Não sei se também é assim nos imensos bairros de lata que circundam as grandes metrópoles de Bangkok, Ho Chi Minh, Jakarta ou Bombaim, em todo o caso.

Certo é que a pobreza e as desigualdades profundas que prevalecem nesta zona do planeta não se traduzem num estado de insegurança permanente ou de violência regular para o turista europeu ou americano. Mesmo que não seja rico ou esteja até longe disso, esse viajante transporta inevitavelmente na carteira, só para os ocasionais gastos de férias, montantes despropositados em relação às necessidades quotidianas das pessoas que lá vivem. São esses turistas que vão usar os melhores recursos, as melhores praias, os melhores restaurantes, os melhores hotéis, as melhores lojas, que esses países têm para oferecer – e que são inacessíveis à esmagadora maioria da população local. Ainda assim, nenhuma dessas profundas injustiças inibe a simpatia, a empatia e o acolhimento numa comunidade aparentemente tranquila e protegida da competição quotidiana, intensa e permanente que nos alimenta as ambições e, dizem, o progresso. Com menos sorrisos, certamente, mas mais ricos.

26 Jul 2019

O erro repete-se 

[dropcap]H[/dropcap]á um novo capítulo na turbulenta situação política em Hong Kong e desta vez a China quis deixar bem claro que há todo um exército de libertação que pode intervir e ir para as ruas, tendo até feito questão de lembrar à perdida Carrie Lam que ela, na qualidade de Chefe do Executivo, pode chamar os militares se assim o entender. Que belo post-it político de não esquecimento.

Mas, mais do que a importante questão da entrada do exército em Hong Kong, é também importante lembrar que houve um erro que os manifestantes cometeram, que foi o de denegrir o símbolo da bandeira chinesa e vandalizar o edifício do Gabinete de Ligação. A coisa já tinha corrido mal há uns anos quando, em plena tomada de posse no LegCo, os deputados do campo pró-independência resolveram insultar a China e os seus símbolos. Nessa altura, perderam uma oportunidade de se fazerem ouvir em pleno parlamento.

É bonito lutar, e dois milhões de pessoas demonstraram isso nas primeiras acções de rua, mas não percam agora a credibilidade com acções deste tipo. Mas vamos ver se desta vez os protestos não chegam a um ponto sem retorno, com a entrada em cena do exército e de alegadas tríades.

26 Jul 2019

A China e a governança global

“China`s development has enormous implications for how the world is governed. The sheer size of the country means the effect of its activities inevitably spills over its border. Beyond that, there is evidence that the Chinese government has taken an active role in a number of policy área to defend China`s expanding national interest and to strengthen its status in the world. As China’s economy and its political ambition continue to grow, so will its influence around the world.”
China and Global Governance
Asian Perspectives (Vol.33 No.3)
Hongying Wang and James N. Rosenau

 

[dropcap]A[/dropcap] China tem vivido o seu melhor período de desenvolvimento dos tempos modernos, enquanto o mundo está a passar pelas mudanças mais profundas e sem precedentes em um século, com as duas situações entrelaçadas e a interagirem. É de salientar que contra esse cenário, a China desfruta de muitas condições externas favoráveis ​​para realizar a actividade diplomática actual e nos anos vindouros. O Presidente Xi Jinping fez essa avaliação na reunião de discussão sobre o trabalho diplomático. Assim, entre 22 e 23 de Junho de 2018, foi realizada em Pequim a “Conferência Central sobre o Trabalho Relativo às Relações Externas”, tendo no seu discurso enfatizado que a bandeira de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade deve ser mantida para ajudar a tornar o sistema de governança global mais justo e mais razoável.

O “Cinturão Económico da Rota da Seda” e da “Rota da Seda Marítima do Século XXI”, comummente denominada por “Um Cinturão e uma Rota”, devem ser solidificados para elevar a abertura do país a um nível superior. Assim, de acordo com a conferência, diante das vicissitudes da paisagem internacional desde o 18.º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCC), realizado em 8 de Novembro de 2012, a China superou muitas dificuldades para avançar na diplomacia nacional com características chinesas de forma pioneira, tendo realizado feitos de significado histórico. É de recordar que conjuntamente com seu rápido desenvolvimento económico nas últimas décadas, a China está aproximar-se cada vez mais do centro do cenário mundial, e o trabalho diplomático está a assumir um papel fundamental nas decisões políticas gerais do país.

A conferência de dois dias não apenas reviu as realizações da China na frente diplomática desde 2012, mas também forneceu respostas teóricas e práticas para a grande questão de como sustentar o progresso nas relações externas na nova era do “Pensamento do Presidente Xi Jinping sobre Diplomacia”. O estabelecimento do pensamento do presidente chinês sobre diplomacia como uma directriz abrangente torna o projecto da diplomacia chinesa muito mais claro. As importantes ideias diplomáticas do presidente chinês incluem a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade, a “Iniciativa Faixa e Rota” e a criação de uma rede de parcerias globais. O Conselho de Direitos Humanos da ONU, a 23 de Março de 2017, adoptou duas resoluções sobre a realização, em todos os países, dos direitos económicos, sociais e culturais e do direito à alimentação, que pediam claramente esforços para construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade.

O presidente chinês no seu discurso enunciou dez princípios que a diplomacia do país deveria seguir e ofereceu esclarecimentos sobre orientação política, missões históricas, grandes ideias diplomáticas, planos estratégicos e a direcção a tomar quanto ao desenvolvimento do país. A China, de acordo com esses princípios, promoverá a diplomacia nacional com características chinesas para cumprir a missão de realizar o rejuvenescimento nacional e preservar a paz mundial e procurar o desenvolvimento comum, tendo como objectivo promover a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado pela humanidade.

Os dez princípios são a essência do pensamento diplomático do presidente chinês, sendo o resumo sistemático das teorias e práticas diplomáticas da China desde o 18.º Congresso Nacional do PCC e o principal guia para assegurar o desenvolvimento sustentável da diplomacia chinesa. É importante salientar que face a uma situação internacional em mutação, a manutenção de foco estratégico, firmeza e paciência são fundamentais para a realização da actividade diplomática e com a garantia como pré-requisito para o foco estratégico e paciência, o pensamento diplomático do presidente chinês enfatiza o aumento da confiança estratégica, ao mesmo tempo que confia no socialismo com características chinesas para o seu apoio.

O mundo está a passar por mudanças sem precedentes e a China enfrenta enormes oportunidades e desafios para o seu desenvolvimento, e desde 2012, a diplomacia tem assumido um novo modelo. A implementação do pensamento diplomático do presidente chinês pode ajudar o país a criar um ambiente externo favorável à realização do rejuvenescimento nacional da China e à construção de uma comunidade com um futuro compartido para a humanidade. A evolução da teoria e prática diplomática baseia-se na perspectiva do próprio país, a situação de um mundo mais amplo e a relação entre os dois.

O presidente chinês no seu discurso apontou que, para se ter uma avaliação correcta da situação internacional e uma compreensão precisa da história, a situação geral e o papel e posição da China no panorama mundial devem ser aperfeiçoados. A incerteza está a surgir no mundo de forma rápida e, somente através de uma apreciação exacta da situação internacional e procurando a verdade, a diplomacia chinesa permanecerá nos trilhos. O presidente chinês não apenas sugeriu observar a actual situação internacional, mas também reviu o passado, resumindo as leis históricas e aguardando o futuro para entender melhor a tendência da história.

Quanto à compreensão acurada da situação geral, não só a observação de fenómenos e pormenores é importante, mas também uma profunda apreciação da essência e situação global, de modo a não se perder na complexa e cambiante situação internacional. É de reconhecer que a evolução da principal contradição enfrentada pela sociedade chinesa não muda a avaliação do actual estágio do socialismo na China. A dimensão básica do contexto chinês de que o país ainda está e permanecerá por muito tempo no estágio primário do socialismo O status internacional da China como o maior país em desenvolvimento do mundo não mudou, e essa qualidade é o papel auto-identificado do país na sua diplomacia.

Assim, como país em desenvolvimento, a China precisa de se concentrar no seu desenvolvimento e conduzir a actividade diplomática de acordo com as suas condições nacionais. A China como potência mundial deve perceber plenamente a sua influência na formação da história mundial e na sua responsabilidade por ter um papel mais activo e construtivo nos assuntos internacionais. O presidente chinês chamou o período entre o décimo nono e vigésimo congressos nacionais do PCC de uma conjuntura histórica para a realização dos dois centenários da China, afirmando que o período é de grande importância no progresso histórico do grande rejuvenescimento do país e de acordo com os objectivos conjuntos, a China tornar-se-á uma sociedade moderadamente próspera, com uma economia mais forte, maior democracia, ciência e educação mais avançadas, cultura favorável, harmonia social e melhor qualidade de vida no centenário do PCC.

A modernização e tornar-se um país socialista moderno no centenário da República Popular da China é algo de fundamental importância. Ao longo da história humana, o desenvolvimento do mundo sempre foi o resultado de contradições interligadas e interagindo umas com as outras. O presidente chinês, pediu uma análise aprofundada da forma como a situação internacional muda, quando o mundo vive um período de transição e a compreensão exacta das características básicas do ambiente externo que a China enfrenta neste momento histórico, a fim de melhor planear e facilitar o trabalho do país nos assuntos externos.

Os dez principais princípios do presidente Xi Jinping sobre diplomacia são manter a autoridade do Comité Central do PCC, como o princípio dominante e fortalecer a liderança centralizada e unificada do Partido sobre a actividade diplomática; fazer avançar a diplomacia de grande país com características chinesas para cumprir a missão de realizar a revitalização nacional; considerar a preservação da paz mundial e a procura do desenvolvimento comum com o propósito de promover a construção de uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade; aumentar a confiança estratégica no socialismo com características chinesas como base; impulsionar a construção da “Faixa e Rota” com base no princípio de alcançar o crescimento compartilhado através da discussão e colaboração; seguir o caminho do desenvolvimento pacífico com base no respeito mútuo e cooperação de ganhos recíprocos; desenvolver parcerias globais ao avançar a agenda diplomática; liderar a reforma do sistema de governança global com o conceito de imparcialidade e justiça; tomar os interesses essenciais nacionais como a linha final para defender a soberania, segurança e os interesses de desenvolvimento da China e cultivar um estilo distintivo da diplomacia chinesa combinando a boa tradição do trabalho externo e as características dos tempos.

É de salientar que construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade é um dos objectivos da diplomacia chinesa na nova era, e é também a direcção que a China espera alcançar, juntamente com os esforços combinados da comunidade internacional. Na conferência, o presidente chinês salientou particularmente essa dimensão da diplomacia chinesa, ressaltando a importância de ter em mente tanto os imperativos internos quanto os internacionais em lidar com assuntos externos. A actividade diplomática do país deve trazer o rejuvenescimento nacional e promover a paz mundial e o desenvolvimento comum como principais tarefas, e esforçar-se para construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade e salvaguardar com firmeza os interesses de soberania, segurança e desenvolvimento do país.

A visão diplomática do presidente chinês é uma solução fornecida pela China para resolver problemas globais no meio de mudanças sem precedentes na situação internacional e contra o panorama do proteccionismo predominante e uma crescente suspeita de multilateralismo, o mundo necessita mais do que nunca de uma solução para vencer os desafios comuns. As ideias diplomáticas da China ganharam crescente reconhecimento e aceitação entre a comunidade internacional.

A construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade e a “Iniciativa Faixa e Rota” foram incorporadas em documentos da ONU. Face à vaga global de populismo, isolacionismo e proteccionismo, paz mundial e o desenvolvimento global são confrontados com desafios cada vez mais severos. As lições das duas guerras mundiais na primeira metade do século XX também exigem que a comunidade internacional abandone a mentalidade de soma zero. A construção colaborativa de uma comunidade com um futuro compartilhado está de acordo com a tendência dos tempos. Em um ano marcado por crescentes disputas e violência em todo o mundo, a diplomacia chinesa mostrou a sua maturidade ao promover um novo tipo de relações internacionais. Procurou construir parcerias e manter o diálogo, em vez de promover o confronto e alinhamentos estratégicos.

A China, em 2018, participou de intercâmbios amistosos com outros países, sob o princípio contínuo da cooperação de ganhos recíprocos, explorando ideias de como superar diferenças em sistemas sociais e estágios de desenvolvimento para avançar com outros países de uma maneira igual e mutuamente benéfica. Tal, forneceu novas opções para os países se relacionarem uns com os outros e por todos reconhecido. É de acreditar que reforçar a cooperação e a coordenação com grandes potências, incluindo os Estados Unidos, Europa e a Rússia, continue a ser a prioridade das relações internacionais da China.

A reunião entre o presidente chinês e o presidente americano na Argentina, a 1 de Dezembro de 2018 foi um dos destaques da diplomacia mundial, que resultou em uma trégua na guerra tarifária entre as duas maiores economias e mostrou a determinação da China em fazer que os seus críticos aderissem às suas ideias, em vez de transformar a Cimeira do G20 de Buenos Aires em um exercício para isolar o presidente americano e foi também outra demonstração do objectivo chinês de construir uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade. Além disso, em 2018, a China continuou a fortalecer a cooperação com os países em desenvolvimento, fazendo uso de plataformas para a China-África, e em contraste com o passado, quando grandes reuniões globais ou regionais se realizavam nos Estados Unidos ou na Europa, a China serviu de sede a quatro grandes eventos diplomáticos em 2018 como a “Conferência Anual do Fórum Boao para a Ásia”, a “Cimeira da Organização de Cooperação de Xangai”, o “Fórum sobre Cimeira de Cooperação China-África” e a recém-lançada “China International Import Expo (CIIE) ” para estimular a desaceleração da economia global.

Os quatro eventos continham temas diferentes, mas todos demonstraram a aspiração da China por um desenvolvimento pacífico. É de considerar que com o ressurgimento do populismo e do unilateralismo, o conceito de desenvolvimento pacífico da China tem sido um factor estabilizador para a comunidade internacional. O ano de 2018 será sempre recordado como o quadragésimo aniversário da reforma e abertura da China, que foi uma estratégia de longo alcance que levou o país para o núcleo das maiores potências mundiais. As acções falam mais alto que palavras e o desenvolvimento da China fez o mundo perceber a sabedoria das soluções chinesas para problemas como pobreza e analfabetismo que continuam sendo questões globais. Assim, a implementação do “13.º Plano Quinquenal (2016-2020)” com o objectivo de construir uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos enfrentará menos pessimistas, enquanto mais pessoas aguardarão para ver os progressos, e alguns estarão mesmo dispostos a pegar nos ponteiros do relógio do desenvolvimento.

25 Jul 2019

A lata do costume

[dropcap]P[/dropcap]or cá não é difícil pensar que já nada nos surpreende. Estamos habituados ao poder dos lóbis, à indiferença perante os conflitos de interesse e à lata de governantes e deputados perante os problemas prementes do território. Ainda assim, esta semana consegui ficar sem saber como reagir às declarações de um “iluminado” ex-deputado.

Não é que Ung Choi Kun está atormentado com as “boas” condições dadas pelo serviço público de saúde que, desta forma, “dificultam” a vidinha das clínicas privadas? Ora, portanto, a solução, segundo entendo, será piorar ainda mais os serviços públicos de saúde para que os residentes não tenham outra opção se não recorrer à medicina privada. Na prática, a saúde para quem tem dinheiro e os coitados que vivem com mais dificuldades que se lixem. Porque isto de manter a clientela de um nicho de profissionais, que se calhar nunca deveriam ter enveredado pela carreira médica, ou o rendimento aos empresários que detêm as ditas clínicas, não pode sofrer mazela.

Não esquecer que estamos a falar de um ex-legislador que detém um negócio no sector, assim como tantos outros que têm em mãos actualmente a análise de leis que dizem directamente respeito aos lobbies que defendem. Será por estas e por outras que os tão falados problemas da sociedade se perpetuam e que não apresentam solução à vista. Pudera!

25 Jul 2019

Coisas de vulvas, o mito da virgindade e o verdadeiro sexo

[dropcap]A[/dropcap]s vulvas escondem-se e mostram-se de várias formas. A pluralidade de formas que ninguém discute já levou a que muito boa gente se sentisse obrigada a uma vulvoplastia. Um exemplo clássico de como a expectativa da vulva perfeita já foi aproveitada pela nossa sociedade de consumo. Com estas pressões de transformação começa a existir pouco espaço para a variabilidade e diversidade dos sexos e dos genitais femininos. O pouco conhecimento acerca dos cuidados a ter com as vulvas também é preocupante. Aliás, o pouco que se sabe sobre genitais tidos como femininos ou masculinos é preocupante de várias formas, até ao nível de saúde pública. A educação sexual continua a limitar-se a falar de vaginas e pénis e de DST’s e de preservativos de forma limitada, descontextualizada do prazer e sem descontruir os tabus do sexo que nos afectam física e psicologicamente. Porque ainda há quem queira uma vulva perfeita e há quem queira retrocede-la no tempo. Virginizá-la com auxílio da cirurgia plástica. Patetices.

O conceito de virgindade é problemático também – uma construção social ao invés de uma condição fisiológica clara que sempre nos quiseram vender. Construção essa que pressupõe que o hímen, quando quebrado por penetração vaginal, vá sangrar e que desaparece magicamente logo após a primeira relação sexual vaginal. A confusão anatómica pressupõe o hímen como um pedaço de película a tapar a entrada da vagina. Só que não – o hímen é mais uma orla membranar, bem elástica, com um círculo no meio. Até pode ter vários círculos/falhas, até franjas.

Não há nada de anatomicamente típico no estudo da virgindade – especialmente quando uma mulher de meia-idade, trabalhadora do sexo, já ter apresentado um hímen semelhante à de uma adolescente. Estas não são raras excepções à virgindade, mas a confirmação de que observação vaginal pouco nos diz sobre o seu estado sexual. O hímen pode ter muitas formas e feitios e pode parecer – como já vi descrito – um floco de neve com complexos rendilhados. Os testes de virgindade são inúteis. Vários contextos sócio-culturais é que nos tentam convencer que são fiéis e úteis no entendimento da sexualidade feminina – na perpetuação da dominação sobre a sexualidade feminina.

Com certos entendimentos vulvares acompanhados pelo mito do hímen e da virgindade vem outra concepção problemática: a de que o sexo de penetração entre uma vagina e um pénis é o único que existe. Supostamente, a iniciação faz-se pela primeira vez que o pénis entra, o hímen se parte, e toda a dignidade da mulher se perde. Só que o sexo é tão mais completo e complexo do que isso. Se se mudar a forma como se vê o sexo e retirar-se a primazia do sexo vaginal da equação, ficamos com uma visão muito mais igualitária e interessante. Uma visão em que o sexo é muito mais criativo e inclusivo. Uma visão que quebra com as visões binárias do género e do seu papel na sexualidade.

Gostava de encontrar um verbo simpático para descrever o sexo que fosse menos ofensivo do que a (fabulosa) gíria imprópria para menores de dezasseis anos – mas que fosse menos amorosamente carregado do que ‘fazer amor’. A utilização do verbo é importante para entender este processo que é o sexo, e deixarmos de essencializá-lo à sua forma redutora – a um simples substantivo. A vulva verdadeira não existe, o hímen como vulgarmente entendido, muito menos.

O sexo é tanto mais do que um pénis e uma vagina – porque também há vagina com boca, pénis com ânus, pénis com boca e tantas outras combinações possíveis (sim, ainda há mais). As vulvas e os sexos precisam desta abertura e crítica – para além do que nos é tido como óbvio.

24 Jul 2019

Unguentos bastam…

[dropcap]Q[/dropcap]ue os interesses económicos subvertem os interesses sociais não é estranho para ninguém. O que talvez ainda seja estranho é o à-vontade com que se assumem estas posições de forma tão descarada, como o fez o ex-deputado e despudorado Ung Choi Kun.

Criticar o Governo por querer oferecer melhor assistência médica à população, através dos serviços de saúde e hospitais públicos, é não perceber que existem preocupações reais de garantia do bem-estar dos residentes, por questões que vão além da bonomia e das boas-intenções de qualquer Estado.

Na verdade, quanto mais se asseguram a saúde preventiva e as condições básicas dos cidadãos, menos encargos se virá a ter no futuro, sobretudo nas sociedades actuais com o envelhecimento a pesar cada vez mais na pirâmide demográfica invertida.

Mas Ung acha que o Governo está a querer estragar o negócio ao sector privado. E que afrontar isso representa para quem está no ramo, não para salvar vidas, mas para embolsar milhões à custa da desgraça alheia. Depois vem a justificação estafada de que é preciso evitar excesso de despesas ao erário público.

Só que nunca são demais os pedidos feitos por Ung Choi Kun de políticas públicas para apoiar o crescimento das instituições médicas privadas, que “continuam a enfrentar a perda de pacientes”. Tudo isto daria vontade de rir se não fosse péssimo.

O actual presidente da Associação de Incentivar Políticas da Humanidades de Sabedoria de Macau (sic) quer talvez que os médicos públicos se limitem a receitar umas aspirinas e umas pomadas e mandem os doentes para casa. Que tal a criação e comercialização de um “Unguento” milagroso para dinamizar as receitas do negocio privado? Seria um bom exemplo de “sabedoria da humanidades” dos empresários da medicina local.

24 Jul 2019

Imposto digital

[dropcap]A[/dropcap] última cimeira do G20 aprovou a implementação do imposto digital, para ser aplicado a empresas que fornecem serviços digitais (as DPC sigla em inglês). Das empresas deste ramo destacam-se o Facebook, o Google, a Apple e a Amazon, conhecidas em todo o mundo.

No universo online, onde vivemos actualmente, as DPC vendem e-books, publicidade e colocam os seus motores de busca ao nosso dispor, para nos permitir procurar todo o tipo de informação. Os consumidores pagam estes serviços. Estes pagamentos geram os lucros das DPC. Sem um imposto digital não há forma de taxar as DPC e, ao contrário das empresas tradicionais, as DPC pagam impostos baixos.

Quando na cimeira do G20 foi estabelecida a necessidade de cobrar o imposto digital, foram avançados dois princípios. O primeiro consistiu na regulação das taxas. Debateu-se se os impostos deveriam ser cobrados nos países onde os serviços são prestados ou nos locais onde as empresas estão sediadas. Mas, como as DPC não são empresas físicas, nem estão registadas num determinado país, estabeleceu-se que as taxas seriam cobradas pelos países onde os serviços são prestados.

Serão, pois, os Governos dos países consumidores destes serviços a cobrar o imposto. Nestas questões a justiça fiscal é importante. Se os países não tiverem implementado o imposto digital, por mais dinheiro que as DPC ganhem, os governos não o podem cobrar. Para a economia desses países também é injusto que empresas que facturam milhões não contribuam com uma parte dos seus lucros.

Em segundo lugar, a cimeira decidiu que se estabeleceria uma taxa mínima para esta contribuição fiscal. Este princípio é bom, mas encerra alguns problemas. A Irlanda e o Luxemburgo já têm imposto digital, cobrado a uma percentagem relativamente baixa. Para evitar pagar mais, as DPC têm-se estabelecido nos países que cobram taxas baixas. Nos países que cobram imposto mais alto, as DPC só têm fornecido os seus serviços. Se for criada uma percentagem global para o imposto digital, as vantagens que os países como a Irlanda e o Luxemburgo oferecem vão ser significativamente reduzidas; por isso estes países têm-se oposto à percentagem global. Se esta questão não for resolvida, vai ser difícil o G20 estabelecer uma regulamentação global até 2020.

Singapura já tinha anunciado a implementação do registo de fornecedores estrangeiros para 2020. Neste regime DPCs com uma receita anual superior a 1 milhão de dólares, e uma facturação local superior a 100.000 dólares, deverá pagar este imposto.

O Japão reviu os impostos ao consumo em 2015 e expandiu a taxação a empresas estrangeiras que vendam produtos digitais em solo japonês. Desde que a transacção ocorra no Japão, o fornecedor tem de pagar imposto ao Governo nipónico. A definição do local da transacção foi alterada de “localização do fornecedor do serviço” para “morada do consumidor do serviço”.

Estamos, pois, perante a eclosão de um novo imposto global. De que forma deverão Hong Kong e Macau lidar com esta situação? Se Hong Kong continuar a manter o seu sistema fiscal, ou seja, omitindo o imposto digital, pode vir a atrair para o seu território muitas DPCs. Mas se isto se verificar, o Governo de Hong Kong vai perder uma fonte de rendimento fiscal. Actualmente, a maior parte dos dividendos do Governo de Hong Kong são obtidos através da venda de terras. É uma receita instável. Para além disso, existem poucos impostos em Hong Kong. Do ponto de vista dos cofres da cidade, seria uma boa decisão a implementação do imposto digital

Saliente-se ainda que a comunidade internacional defende a criação deste imposto num futuro próximo e, para se manter alinhado com o resto do mundo, Hong Kong também o deveria implementar.

A receita do Governo de Macau provém sobretudo dos casinos. Após a reunificação da China, os casinos são fonte de enormes lucros e a receita do Governo também tem vindo a subir. Para já, em Macau o imposto digital não parece ser uma prioridade. Outra vantagem possível da não implementação deste imposto é o encorajamento ao crescimento do comércio online na cidade. Pode vir a atrair DPCs estrangeiras para aqui se estabelecerem.

De qualquer forma, continuemos a acompanhar os desenvolvimentos da implementação do imposto digital e depois tiraremos mais conclusões.

 

Legal consultant of Macau Jazz Promotion Association
Associate Professor, Macao Polytechnic Institute
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
23 Jul 2019

Sem desculpa

[dropcap]E[/dropcap]m 2014, o movimento Occupy Central surpreendeu tudo e todos pela dimensão e pelo ponto de viragem que representou. Na altura, as autoridades policiais viram-se confrontadas com uma nova realidade e foram alvo de muitas acusações, algumas correctas, outras infundadas.

Mas desta vez a polícia de Hong Kong não tem desculpa para o que aconteceu. Num território onde ainda vigora um certo Estado de Direito não podem haver ataques infundados por parte de um grupo de pessoas que não se identificam sem que a polícia intervenha. Não se compreende como é que numa estação de metro, pessoas vestidas com camisolas brancas batem em outras usando bastões de bambu sem que nada seja feito.

Em 2014, a polícia lamentou-se. Ontem deu algumas explicações. Há semanas, Carrie Lam, a Chefe do Executivo, chorou na televisão. Mas agora qualquer pedido de desculpas ou quaisquer justificações numa conferência de imprensa parecem não ter qualquer credibilidade.

A população de Hong Kong tem recorrido a um direito básico e não há direito de pessoas inocentes serem agredidas desta forma sem terem a protecção da polícia. Não há desculpas. Hong Kong vive, sem dúvida nenhuma, tempos difíceis.

23 Jul 2019

Observações

[dropcap]K[/dropcap]ou Hoi In é o novo presidente da Assembleia Legislativa (AL). Espero que tudo lhe corra bem e que se mostre à altura do cargo. Mas, e quero estar enganado, não acredito que tenha competências para a posição. Kou tem um percurso no hemiciclo cheio de manchas.

Foi um dos homens por trás do projecto de resolução que tentava dizer aos tribunais o que podem fazer, o que é muito preocupante e mostra a falta de noção sobre a separação de poderes. Foi o presidente da Comissão de Regimento e Mandatos que andou a fazer reuniões ilegais sem que os outros deputados tenham sido avisados. Também não conseguiu apresentar uma justificação para a forma como contrariou o regimento.

No meio destes casos, o esquecimento de dizer Macau no juramento é um coisa mínima… Pode ser muito simbólico, mas erros todos comentemos. Interessante também foi analisar as dinâmicas entre governantes durante a primeira cerimónia de juramento de Kou Hoi In. Mi Jian está a ser investigado e nota-se claramente que é tóxico. Foram muito poucos os colegas de Governo que se aproximaram dele.

Ainda na mesma cerimónia, outro apontamento interessante. O Governo tem uma hierarquia e a sala VIP não é para todos. Um secretário entra, mas o chefe de departamento não… Wong Sio Chak e Alexis Tam estivaram na sala VIP, já Raimundo do Rosário preferiu misturar-se com a ralé política. Será Raimundo o secretário “da malta”? Ou está apenas a desfrutar a liberdade de não ter ambições políticas?

22 Jul 2019

A crise em Hong Kong

[dropcap]N[/dropcap]o dia 1 deste mês, fiquei no Hospital da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau a acompanhar um familiar e, por isso, não pude ir a Hong Kong assistir à manifestação de 1 de Julho, como costumo fazer. Só consegui testemunhar as dramáticas mudanças que estão a acontecer na cidade através da televisão. Fiquei esgotado, fisíca e psicologicamente, ao ponto de não ter conseguido escrever o artigo dessa semana, pelo que apresento as minhas desculpas.

Os confrontos entre os manifestantes e a polícia que então se verificaram não diminuíram de intensidade, antes pelo contrário aumentaram nos dias seguintes. Os distúrbios irromperam em vários distritos e a animosidade entre manifestantes e a polícia foi subindo de tom. Quando as questões políticas não se resolvem nos locais próprios, o divisionismo no seio da sociedade de Hong Kong aumenta de dia para dia. Se o princípio da responsabilização dos funcionários superiores fosse observado, a Chefe do Executivo, Carrie Lam, assumiria a culpa e demitir-se-ia, porque ela é a responsável pela crise social que se vive na cidade. As suas afirmações sobre a “morte” da revisão da lei, não significam que a revisão seja definitivamente “abolida”. Por outro lado, sem a criação de uma comissão de inquérito independente ao comportamento da polícia os conflitos sociais não irão diminuir. No entanto, o Governo de Hong Kong não deu qualquer resposta positiva a esta questão tão clara com a qual poderia ter aliviado as tensões sociais.

Se Carrie Lam tivesse anunciado oficialmente a abolição da revisão da Lei de Extradição, tivesse criado uma “comissão de inquérito independente” e tivesse designado o antigo Secretário da Justiça Andrew Kwok-nang Li, do Supremo Tribunal, para chefe da comissão, acredito que a tensão começaria imediatamente a diminuir e haveria boas hipóteses de cura das feridas causadas por toda esta divisão social. Até agora, quem é que mostrou não ter vontade de resolver a crise de Hong Kong? Quem é que está a transformar Hong Kong num palco de luta de gladiadores? Quem é que está a arrastar Hong Kong para uma crise política, pondo em causa o conceito “um país, dois sistemas”?

A política é uma arte, embora não seja uma arte marcial e, como tal, não se determina quem perde e quem ganha através do uso da violência. Os chineses têm um ditado que diz “é possível chegar ao poder através da violência, mas não se pode usar a violência para governar um país”.

Não se pode negar a competência a a eficácia administrativa de Carrie Lam, mas ela deixa-se muitas vezes cegar pela “arrogância e pelo preconceito” ao ponto de não conseguir aceitar as opiniões das outras pessoas. Sempre que discursa, ou faz declarações públicas, as suas palavras produzem o efeito oposto do esperado. Este facto demonstra que ela se encontra num estado de confusão e que deixa transparecer as suas emoções secretas por entre as frases que pronuncia. Não serve de nada continuar a pedir-lhe que resolva os problemas que foram criados.

Os rumores recentes sobre a possibilidade da declaração da “lei marcial” em certos distritos de Hong Kong não são infundamentados. Se a situação se deteriorar, sera possível vir a declara a lei marcial na cidade inteira, que é a última coisa que as pessoas esperam. A questão que se coloca é porque é que não foi avançada até agora nenhuma solução para resolver a crise? As acções do Governo e da polícia dão frequentemente a sensação de que não sabem como sair deste dilema.

A forma de sair da crise deveria ter sido pensada a partir da identificação atempada dos seus sinais, lidando com as questões e resolvendo-as, ao invés de ter permitido a criação de uma bola de neve impossível de ser travada. A análise das medidas de contigência tomadas pela polícia na manifestação de 1 de Julho, quando os manifestantes irromperam pelo edifício do Conselho Legislativo, e das acções da polícia no New Town Plaza Mall, em Sha Tin, a 14 de Julho, levou algumas pessoas a suspeitar de que há quem pretenda colocar os manifestantes e os agentes numa posição difícil, de forma a deixar tudo fora de controle.

Deng Xiaoping propôs o conceito de “um país, dois sistemas” aquando da transferância de soberania de Hong Kong e Macau, para também vir a ser aplicado em Taiwan, com o objectivo de conseguir uma reunificação pacífica da China. Em Macau, a aplicação deste conceito trouxe prosperidade económica através da liberalização dos direitos do jogo e da política de “turismo de visto individual”. O “Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico” de Macau pode silenciar temporariamente a insatisfação, mas esta “gaiola dourada” não é uma opção para os habitantes de Hong Kong. Quando as reformas constitucionais falharam em Hong Kong, em 2014, as autoridades competentes não se aproveitaram do rescaldo do “Movimento dos Chapéus de Chuva” para apresentarem uma nova proposta reformista. A arrogância daqueles que detêm o poder e a ineficácia de quem os rodeia são responsáveis pela actual situação de Hong Kong. Se a aplicação do conceito “um país, dois sistemas” falhar completamente em Hong Kong”, vai ser muito difícil a sua implementação em Taiwan.

Se a crise de Hong Kong se continuar a agravar, os habitantes de Hong Kong e o conceito “um país, dois sistemas” vão sofrer sérios danos. Lucrarão com esta crise serão aqueles que por ela foram responsáveis.

19 Jul 2019

Sim, somos parte da China

[dropcap]A[/dropcap]i Weiwei esteve num conhecido festival de música em Portugal, o NOS Alive. Andou por lá na zona VIP, viu concertos, publicou fotografias no Instagram e falou à RTP sobre a actual situação que se vive em Hong Kong. Contudo, talvez o dissidente chinês se tenha equivocado em algumas das suas palavras, talvez devido às boas sonoridades que por lá passavam.

Macau e Hong Kong sempre fizeram parte da China, mas tinham as suas próprias administrações. Depois da transição destes territórios, continuam a fazer parte da China, mas supostamente mantém a sua autonomia financeira e política até às datas que foram decididas pelos governantes na altura, ou seja, 2049 para Macau, 2047 para Hong Kong.

Portanto, caro Ai Weiwei, Macau e Hong Kong nunca serão Taiwan, um território que nasceu independente e que hoje vive diplomaticamente isolado, ainda que Xi Jinping deseje que Taiwan seja como Macau e Hong Kong. A génese é diferente e sim, Macau e Hong Kong já são parte da China.

A essência é outra: é saber de que forma é que são parte da China. Será que são parte da China respeitando o que foi acordado nos anos 80? Ou será que são parte da China unicamente como o Governo Central quer que sejam? É nisto que vale a pena reflectir.

19 Jul 2019

A Globalização 4.0 e a China

“Those who push for protectionism are shutting themselves inside a dark house. They have escaped the rain and clouds outside, but also missed the light and air.”
President Xi Jinping

 

[dropcap]A[/dropcap]pós a Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional uniu-se para construir um futuro partilhado e actualmente, deve fazê-lo novamente. Devido à recuperação lenta e desigual da última década desde a crise financeira global, uma parte substancial da sociedade tornou-se descontente e amargurada, não apenas com a política e os políticos, mas também com a globalização e com todo o sistema económico que a sustenta. Em uma era de insegurança e frustração generalizadas, o populismo tornou-se cada vez mais atraente como alternativa ao “status quo”, mas o discurso populista escapa, e muitas vezes confunde, as distinções substantivas entre dois conceitos, o de globalização e globalismo.

A globalização é um fenómeno impulsionado pela tecnologia e pelo movimento de ideias, pessoas e bens. O globalismo é uma ideologia que dá prioridade à ordem global neoliberal sobre os interesses nacionais. Ninguém pode negar que estamos a viver em um mundo globalizado e se todas as políticas devem ser “globalistas” é altamente discutível. Afinal, este momento de crise levantou questões importantes sobre a arquitectura da governança global e cada vez mais eleitores exigem “retomar o controlo” das “forças globais”, e o desafio é restaurar a soberania em um mundo que requer cooperação.

Ao invés de fechar as economias através do proteccionismo e da política nacionalista, deve-se forjar um novo pacto social entre os cidadãos e os seus líderes, para que todos se sintam seguros o suficiente nos seus países para permanecerem abertos ao mundo em geral, pois caso contrário, a desintegração contínua do tecido social poderia levar ao colapso da democracia.

Além disso, os desafios associados à “Quarta Revolução Industrial (4IR na sigla inglesa)” coincidem com o rápido surgimento de restrições ecológicas, o advento de uma ordem internacional cada vez mais multipolar e a crescente desigualdade.

Os desenvolvimentos integrados estão a estabelecer uma nova era de globalização. Se tal irá melhorar a condição humana, dependerá se a governança corporativa, local, nacional e internacional se adaptar no tempo. Enquanto tal acontece, uma nova estrutura para a cooperação global público-privada vem a ganhar forma. A cooperação público-privada consiste em aproveitar o sector privado e abrir mercados para estimular o crescimento económico para o bem público, com a sustentabilidade ambiental e a inclusão social sempre em mente. Mas, para determinar o bem público, é necessário primeiro identificar as causas da desigualdade, por exemplo, enquanto os mercados abertos e o aumento da concorrência produzem vencedores e perdedores na arena internacional, podem estar a ter um efeito ainda mais pronunciado sobre a desigualdade a nível nacional.

Além disso, a crescente divisão entre o precariado e o privilegiado está sendo reforçada pelos modelos de negócios 4IR, que frequentemente derivam os alugueres de capital ou propriedade intelectual e encerrar essa divisão requer que se reconheça que se está a viver em um novo tipo de economia impulsionada pela inovação e que novas normas, padrões, políticas e convenções globais são necessários para salvaguardar a confiança pública. A nova economia interrompeu e recombinou inúmeras indústrias e deslocou milhões de trabalhadores.

É de desmaterializar a produção, aumentar a intensidade do conhecimento da criação de valor, pois está a crescer a concorrência nos mercados internos de produtos, capital e trabalho, bem como entre os países que adoptam diferentes estratégias de comércio e investimento, que está a alimentar a desconfiança, particularmente das empresas de tecnologia e a administração de dados. O ritmo sem precedentes da mudança tecnológica significa que os sistemas de saúde, transporte, comunicação, produção, distribuição e energia serão completamente transformados.

A gestão dessa mudança exigirá não apenas novas estruturas para a cooperação nacional e multinacional, mas também um novo modelo de educação, completo com programas direccionados para o ensino de novas aptidões aos trabalhadores.

Os avanços da robótica e da inteligência artificial no contexto das sociedades em envelhecimento, obrigam a passar de uma narrativa de produção e consumo para uma de partilha e cautela. A globalização 4.0 está apenas a começar, mas o mundo encontra-se muito despreparado. Agarrar-se a uma mentalidade desactualizada e mexer nos processos e instituições existentes não funcionará. Em vez disso, é preciso redesenhá-los a partir do zero, para que se possa aproveitar as novas oportunidades que nos esperam, evitando o tipo de interrupção que estamos a testemunhar.

À medida que se desenvolve uma nova abordagem para a nova economia, devemos lembrar que não estamos a brincar um jogo de soma zero. Não se trata de livre comércio ou proteccionismo, tecnologia ou emprego, imigração ou protecção dos cidadãos e crescimento ou igualdade. Essas são todas falsas dicotomias, que se podem evitar desenvolvendo políticas que favoreçam a comunidade, permitindo que todos os conjuntos de interesses sejam perseguidos em paralelo. Os pessimistas argumentarão que as condições políticas estão a impedir um diálogo global produtivo sobre a Globalização 4.0 e a nova economia.

Os realistas usarão o momento actual para explorar as lacunas no sistema e identificar os requisitos para uma abordagem futura. Os optimistas manterão a esperança de que as partes interessadas orientadas para o futuro criem uma comunidade de interesse e, em última análise, um objectivo compartilhado. As mudanças que estão em curso não são isoladas para um determinado país, sector ou matéria, são universais e, exigem uma resposta global. O não adoptar uma nova abordagem cooperativa seria uma tragédia para a humanidade. Para redigir um plano para uma arquitectura de governança global compartilhada, deve-se evitar ficar atolado no momento actual da gestão de crises. Especificamente, essa tarefa exigirá duas situações da comunidade internacional que são o envolvimento mais amplo e maior imaginação.

O envolvimento de todas as partes interessadas no diálogo sustentado será crucial, assim como a imaginação para pensar sistemicamente e além das próprias considerações institucionais e nacionais de curto prazo. O conceito de Globalização 4.0 foi apresentado pela primeira vez na reunião anual do “Fórum Económico Mundial (WEF na sigla inglesa)” em Davos, a 17 Janeiro de 2019, e foi visto pela comunidade internacional como um sinal de que a globalização entrou em uma nova era, e enquanto os milhares de líderes ricos e poderosos se dirigiam ao WEF, o fundador da organização, Klaus Schwab, pediu aos chefes de Estado internacionais que apresentassem uma abordagem “inclusiva” da globalização. O tema principal do encontro foi “Globalização 4.0: Moldando uma Nova Arquitectura na Era da Quarta Revolução Industrial″.

O WEF decorreu entre 22 e 25 de Janeiro de 2019. A globalização produz vencedores e perdedores e há muitos mais vencedores nos últimos vinte e cinco ou trinta anos, mas é necessário cuidar dos perdedores. Durante décadas, houve um forte consenso de que a globalização ajudaria a estimular o crescimento dos salários e a criar mais empregos, não apenas para os países desenvolvidos, mas também para os países mais pobres do mundo. No entanto, nos últimos anos, uma reacção populista contra a globalização consolidou-se, o que levou muitos a expressarem a sua raiva ao verem os seus empregos serem afectados pela automação, indústrias antigas desaparecerem e a migração a atrapalhar a ordem estabelecida.

O fórum divulgou um relatório de “Riscos Globais” em que observou que os mesmos estão a intensificar-se, mas a vontade colectiva de enfrentá-los parece estar a faltar. As discussões em Davos ocorreram em um momento crucial, já que a reacção política à globalização ameaça não apenas a economia global, mas também a ordem internacional liberal que tem sido a pedra angular de níveis sem precedentes de prosperidade, crescimento e segurança pós-guerra. Os participantes vieram mais preocupados com as perspectivas para a economia global, ligando uma possível desaceleração a factores como guerras comerciais e Brexit, pois desde o último fórum que decorreu entre 23 e 26 de Janeiro de 2018, as relações comerciais globais e a diplomacia, assim como as políticas domésticas, têm sido incertas.

É quase certo que os livros de história se lembrarão de 2016 como o ano em que os dois lados do Atlântico apostaram no populismo e 2019 será lembrado como o ano em que as apostas arriscadas faliram. As promessas vazias do populismo tornam-se aparentes para os eleitores que estavam a exigir soluções viáveis ​​para problemas sérios. A tarefa da liderança global é de ganhar o argumento para mostrar porque o sistema deveria ser reformado e não destruído, sendo essa tarefa particularmente urgente.

Quando se fala sobre Globalização 4.0, tem que ser mais inclusivo e sustentável, baseado em princípios leais. O que precisamos é de uma moralização da globalização. O tema da “Reunião Anual dos Novos Campeões 2019”, também conhecido como “Fórum Davos de Verão”, realizou-se de 1 a 3 de Julho de 2019 na cidade costeira de Dalian, China, que contou com mais de mil e novecentos representantes de mais de cem países e regiões e que teve como tema “Liderança 4.0: Ser bem sucedido em uma Nova Era de Globalização”. A mudança da Globalização 4.0 para a Liderança 4.0 não apenas reflectiu a mudança de situação e do padrão económico internacional, mas também o firme compromisso da comunidade internacional de salvaguardar o multilateralismo, os esforços práticos nesse sentido e as suas expectativas de um multilateralismo mais forte.

A China tornou-se a espinha dorsal dos esforços internacionais para salvaguardar o multilateralismo, enquanto a maior economia do mundo, os Estados Unidos, recorreu ao unilateralismo e está a provocar fricções comerciais globais ao impor tarifas mais altas às importações. A determinação da China e os esforços para proteger o multilateralismo são elogiados em todo o mundo. A China defende a abertura e está a implementar essa causa aumentando as importações, reduzindo as tarifas e diminuindo o limite de acesso ao mercado para melhorar o seu ambiente de negócios. Todas essas medidas têm sido uma fonte de confiança para a economia global. Quando o presidente chinês reiterou a posição da China e propôs medidas para a globalização económica na concluída Cúpula do Grupo dos 20, em Osaka, essa confiança foi ainda mais estimulada.

A diversidade da “Reunião Anual dos Novos Campeões 2019” mostrou o interesse da comunidade internacional nos esforços da China para proteger o multilateralismo e deu o seu apoio. Quase 70 por cento dos participantes vieram do exterior, incluindo muitas empresas dos Estados Unidas das áreas de assistência médica, finanças, ciência e tecnologia e educação, o que prova que a globalização é uma tendência internacional irresistível, apesar do surto de unilateralismo praticado pelo governo de Donald Trump. Actualmente, há uma divisão internacional do trabalho no desenvolvimento social e económico global. Todo o processo de projectar, fabricar, montar e vender todos os componentes de bens envolve empresas de vários países. Tal construiu a base da actual cooperação económica em todo o mundo e é uma razão importante para defender o multilateralismo.

Se todos os países se tornarem unilaterais, então as empresas, quer seja a Apple dos Estados Unidos, a Huawei da China ou a Samsung da República da Coreia, descobrirão que é impossível fabricar os seus produtos para compradores globais e ainda assim mantê-los acessíveis e como resultado, entrariam em colapso corporativo e a economia de cada país seria atingida. A globalização económica é a procura objectiva pelo desenvolvimento da produtividade social. É também o resultado inevitável do progresso da ciência tecnológica, do qual todos os países beneficiam. A nova revolução industrial nascida da globalização económica não está apenas a conectar a rede industrial global, mas igualmente a rede de inovação e de valor, mas também está a promover o crescimento inclusivo.

A China está a seguir esse caminho e nas últimas quatro décadas, envolveu-se na divisão global do trabalho e nas cadeias de valor, inovação e indústria globais e continua a abertura em todos os aspectos e a melhorar a qualidade da sua economia. A “Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (CNDR na inglesa)” da China, a 30 de Junho de 2019 e o Ministério do Comércio divulgaram uma lista revista para investimentos estrangeiros, que inclui um inventário da indústria para incentivar o investimento estrangeiro em todo o país e um rol de indústrias vantajosas para o investimento estrangeiro nas regiões central, ocidental e nordestina.

Enquanto os itens da lista negativa diminuíram, os da outra lista aumentaram, sendo que essa maior abertura é um contraste gritante com países que se isolaram do resto do mundo em nome da garantia da segurança nacional.

A sociedade humana está a viver uma era de informatização rápida, onde as pessoas se encontram mais próximas umas das outras, em vez de ficarem isoladas e esta tendência inevitável determina que a autoridade do mecanismo de comércio multilateral baseado em regras, com a “Organização Mundial do Comércio (OMC)” no centro, seja respeitada e protegida.

É animador que uma pesquisa global conduzida pelo Fórum de Davos tenha mostrado que a grande maioria acredita que a cooperação internacional é muito importante. Os princípios fundamentais do sistema multilateral são amplamente reconhecidos e defendidos. A memória da crise financeira de 2008 que surgiu nos Estados Unidos ainda se mantém fresca na memória colectiva. Durante essa turbulência, foi a estreita cooperação internacional que ajudou a economia global a recuperar-se da crise e precisamos novamente do mesmo espírito cooperativo na luta contra o unilateralismo e o proteccionismo comercial.

18 Jul 2019

Miss Dengue 2019

[dropcap]N[/dropcap]a terça-feira foram anunciadas as felizes contempladas de um concurso que só podia ter acontecido em Macau. Falo da magnífica e mui glamorosa “cerimónia de entrega de prémios da primeira fase do questionário sobre a prevenção da febre dengue 2019”.

Sim, este foi o nome do evento, de acordo com um comunicado divulgado pelo GCS. Carpete vermelha, flashes das revistas cor-de-rosa, a nata de quem é quem num frenesim de elegância e influência. Ok, estou a fantasiar um bocado. Os prémios variaram entre o sempre apetecível telemóvel, um aparelho para eliminar ácaros e algo que parece uma antena para contactar extraterrestres ou abrir portais de outras dimensões.

Atenção, não estou a escarnecer da necessidade de informar a população quanto às formas de prevenir a dengue, que já matou quase 500 pessoas nos primeiros seis meses do ano. Mas há formas para consciencializar a sociedade sem transformar um assunto sério de saúde pública numa competição infantil.

Enfim, esta é a forma como o Governo fala com os cidadãos, como se fossem crianças. Queres comer um gelado, residente malandreco?! Então, toca de acabar rapidamente os trabalhos de casa. Confesso que invejo quem tem como trabalho ter estas ideias. Assim sendo, sugiro que para o ano se eleve a fasquia e se organize a Miss Dengue 2019. O mais luxuoso e incontornável dos concursos de beleza febril. Estou só a atirar sementes ao ar, na esperança que germinem neste surrealista solo. Nunca se sabe.

18 Jul 2019

Caçando Unicórnios

[dropcap]O[/dropcap]s unicórnios são seres míticos (raros), que agora vêm a sua correspondência no mundo do sexo. Os casais que andam à procura de um unicórnio estão à procura ‘da’ mulher que se possa juntar à sua actividade sexual e fazer parte no tão desejado ménage à trois. Esta procura por unicórnios – que parece ocupar as plataformas na procura de parceiros sexuais/amorosos – é problemática de várias formas. Até começam a existir grupos no facebook para aquelas (unicórnias) que já sofreram com esta caça. E o que é, exatamente, um unicórnio? O unicórnio é uma mulher que gosta de homens e de mulheres. Um pré-requisito fundamental para que o ménage a trois corra na perfeição: alguém que goste de interagir com vulvas e pénis.

Nestas plataformas românticas, têm se visto formas muito sofisticadas de atrair estes unicórnios para o leito heterossexual – o que só demonstra a falta de ética que este processo de procura do unicórnio anda a sofrer. Os ditos unicórnios andam a ser atraídos por conversas que se julgavam íntimas e próximas, normalmente com uma mulher – normalmente a julgar que o jogo é a dois – que depois descambam para uma tentativa de empurrá-la não só para a cama, mas para a cama com um namorado que está pronto para apreciar o amor lésbico. Bem sabemos que a pornografia veio normalizar esta forma de amor homossexual – e que o mantém dentro dos limites da suposta normalidade sexual pornográfica.

Estes caçadores de unicórnios põem em evidência valores muito instrumentalistas do sexo. Como se as pessoas – os ditos unicórnios – estivessem ao dispor desta sexualidade que serve para acalmar os apetites dos casais que assim o querem. Também põem em evidência valores particularmente masculinos – ao enfatizar esta constelação de um homem com duas mulheres para a melhor orgia possível. Claro que a política do pénis único nestas formas de sexualidade costumam ser a regra e raramente a excepção. O que até parecia uma abertura progressiva à sexualidade – em casal heterossexual inovar a sua sexualidade ao incluir um terceiro elemento, é um mobilizar dos valores já vigentes de papéis de género e dar-lhe uma nova e confusa roupagem que afinal… vem redefinir pouco estes valores mais tradicionais.

Há unicórnios que se referem a esta prática de caça ao unicórnio como uma forma de bifobia, por não se compreender de facto o que é a bissexualidade. Assume-se que esta vontade por vulvas e pénis é plural. Quando se pensa na bissexualidade dá-se como garantida a disponibilidade por participar nestas formas de sexo colectivas quando pode nem ser o caso.

Mas por outro lado, há unicórnios que fazem uso desta identidade com orgulho. Transformam em verbo o acto de se unicornizar – e disponibilizam-se para serem os unicórnios que os casais heterossexuais andam à procura.

Nenhuma ideia de unicórnio ou caça ao unicórnio é problemática em si. Só que temos assistido a representações de bissexualidade que são problemáticas, pontos de partida conceptuais que exaltam o sexo como produto (quase comercializável) em vez de um processo de partilha constante. Pelo que tenho visto – e com razão – se é para tratar os unicórnios como objectos de prazer unilaterais, na sua procura e na sua interação, mais vale pagarem a prostitutas para fazerem ‘uso’ de unicórnios. Porque muitas vezes não se assume que os unicórnios se envolvam sem retribuição (que pode ser emocional, relacional e sexual) na dinâmica das relações. Para quem já anda nestas andanças à bastante tempo, e quem oferece aconselhamento a quem anda à procura de um terceiro elemento para satisfazer as suas fantasias, parece claro que os casais estão pouco preparados para perceber os seus limites de prazer e são invulgarmente protectivos em relação ao que eles querem (em vários domínios) e não consideram o unicórnio como um ser com vontade própria.

Como qualquer encontro sexual: esta procura e ‘caça’ ao unicórnio abertura à comunicação e à discussão/negociação dos limites do que é o respeito e o prazer nestas formas (ainda assim populares no imaginário) do sexo.

17 Jul 2019

O plástico de cada dia

[dropcap]D[/dropcap]e manhã na pastelaria, enquanto aguardo pelo café, vejo duas crianças a comprar pão. Compram cinco pães. Cada carcaça é colocada num saco pequeno, e depois os cinco sacos vão para um maior. Há também uma senhora que compra dois bolos do mesmo género, uma sandes e uma pequena baguete.

O procedimento é idêntico ao anterior. Mas aqui, os sacos pequenos repartem-se e cada grupo de alimentos já nos seus saquinhos é distribuidor por dois sacos maiores. A senhora lembrou-se de levar um café, mas pelos vistos as mão não chegavam para o transporte. Mais um saco pequeno para levar o copo. Até agora, num intervalo de tempo de menos de dois minutos: 13 sacos de plástico. O ritmo não melhora.

Meia hora depois, num supermercado perto da redacção, o senhor à minha frente na fila para pagar compra dois maços de cigarros, uma cuvete de melancia e uma garrafa de água. Dois sacos de plástico. Segui eu com o tradicional um maço de cigarros, uma garrafa de água e um bule de vidro. O rapaz da caixa, que já vinha de saco em punho recuou quando me viu. Pôs de lado. A mim seguia-se uma fila de clientes, e umas centenas de sacos para gastar. É assim o consumo de plástico que o Governo finge querer combater.

É este Executivo que não vai penalizar os estabelecimentos que não cumpram a lei que está em análise. É esta a educação que se está a dar às crianças que continuam sem fazer ideia de que têm um papel nesta luta por um bocadinho menos de poluição. É esta a sensibilização aos adultos que na prática não querem mesmo saber.

17 Jul 2019

Somos campeões

[dropcap]P[/dropcap]ara todos os estudantes do ensino secundário de Hong Kong o dia 10 de Julho é um marco importante, porque é nesse dia que são anunciados os resultados dos exames finais de curso, designados por HKDSE. Deste resultado depende o futuro dos estudantes. Os que passarem continuam rumo à Universidade, os que não passarem rumam em direcção ao mundo do trabalho.

Dos exames deste ano destacaram-se 12 campeões. Os ditos campeões são alunos que ficam classificados em primeiro lugar em pelo menos sete disciplinas. Ao contrário dos anos anteriores, dois destes campeões não vieram das escolas tradicionalmente mais importantes. Esta mudança demonstra que os resultados dependem em muito do empenho dos estudantes. Quem trabalha com afinco tem necessariamente boas notas. Às escolas, aos colegas e aos pais cabe o papel de formação e encorajamento, o papel de apoio aos candidatos. Mas o mais importante é o esforço de cada um. Esperemos que esta mudança sirva para que os estudantes, que não frequentam as escolas mais afamadas, compreendam a importância do empenhamento pessoal. Esta é a grande verdade.

O HKDSE é um exame público. Os enunciados são criados pela Autoridade de Examinação de Hong Kong. As grandes vantagens do exame público são a objectividade e a equidade. É muito difícil haver fugas dos conteúdos destes enunciados. Usar os mesmo critérios de avaliação para todos, faz com que a credibilidade dos exames seja bastante elevada.

Em Macau, para acesso às quatro Universidades, existe apenas um exame conjunto. Futuramente o exame de acesso à universidade irá fundir-se com o exame final do secundário e terá a sua importância acrescida.

Este ano, apresentaram-se 56.000 candidatos ao HKDSE. Nos anos 80, apenas existia o Exame de Certificação Educativa de Hong Kong (HKCEE – sigla em inglês). O exame actual, o HKDSE, ainda não tinha surgido. Todos os anos, cerca de 130.000 candidatos participavam no HKCEE. Nesta época, quando o candidato falhava o exame, tinha de repeti-lo no ano seguinte ou ingressar directamente no mundo do trabalho. Hoje em dia a situação é muito diferente. Actualmente, quando o estudante não tem resultados satisfatórios, embora não possa ingressar directamente na Universidade, tem a possibilidade de aceder a um programa de equivalências onde pode obter um bacharelato e futuramente uma formatura universitária.

À medida que o tempo passa o sistema educativo muda. Quanto mais facilitado for o acesso às universidades, menos valor terão os cursos superiores. Nos anos 80 um curso superior dava acesso imediato a uma posição bem remunerada, os licenciados passavam a pertencer à classe média e construíam uma vida confortável. Podiam comprar casa, carro e criar uma família. Mas hoje em dia, quer seja em Macau ou em Hong Kong, quem é que pode atingir esse nível de vida quando acaba a Universidade?

A popularização do ensino superior provocou a sua própria desvalorização e os estudantes deixaram de acreditar que o curso lhes vá proporcionar um bom futuro. Esta situação acaba por desencorajá-los e isso ressente-se nos estudos. Não se aplicam o suficiente porque não acreditam que o seu esforço vá verdadeiramente dar frutos e acabam por sair da Universidade mal preparados. Se uma geração com poucos conhecimentos vier a ocupar lugares de destaque, que tipo de sociedade nos espera?

O principal objectivo da Universidade é a formação de pessoas especializadas de forma a permitir o bom funcionamento da sociedade no seu todo. A conjuntura social não pode ser controlada pela Universidade, mas os factores que a condicionam afectam directamente o desempenho académico dos estudantes. Se as condicionantes actuais se mantiverem, é pouco provável que o desempenho académico em termos globais melhore e, em última análise, a vítima da situação será a sociedade em geral.

Cumprimentemos os campeões que obtiveram as melhores notas nos exames; no entanto, e ao mesmo tempo, devemos reflectir sobre os resultados académicos em termos globais.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
16 Jul 2019

A demissão que não acontece 

[dropcap]A[/dropcap] situação política em Hong Kong está longe de ter fim à vista e a situação pode ter implicações na relação que a China tem com outros países do Ocidente, ainda que já se tenha percebido que nem sempre a comunidade internacional dá a devida a devida importância a questões políticas ou de direitos humanos quando se trata da China.

Agora é o Financial Times que vem escrever que Carrie Lam até se quis demitir, mas a China não deixa. Depois de ter dado uma entrevista onde chorou e falou do seu amor por Hong Kong, a Chefe do Executivo quis sair depois de ter largado a bomba.

Se a China não aceita a sua demissão, a governante mais não pode fazer do que retirar a proposta de lei da extradição, e é se quer manter o mínimo de ordem e de estabilidade na região. É certo que, numa altura destas, a saída da governante e o agendamento de novas eleições poderia ser ainda mais caótico no meio da confusão política que já se vive em Hong Kong.

Os jovens saíram à rua onde clamam não só pelo fim da lei da extradição, mas também por mais democracia, e tão depressa não vão sair de lá. Atirem, por isso, a proposta de lei para um lugar onde ninguém se lembre de a ir buscar.

16 Jul 2019

Da Taipa ao Centro

[dropcap]U[/dropcap]m artigo publicado recentemente num jornal português defendia que as pessoas em Macau têm “perspectivas de realização individual, nomeadamente a nível de aquisição de habitação particular”. Não conheço o autor em causa, mas fiquei contente por ele.

Deve ter um belo salário e acredito genuinamente que o mereça. Mas, não sei que Macau frequenta. Suspeito que viva numa bolha e que as suas deslocações se limitem entre a Taipa e o Centro da cidade, com umas passagens por Hong Kong. Se calhar são muitos os anos sem passar pelo Iao Hon ou o Toi San. Mas podendo ser este o caso, basta olhar para as estatísticas da DSEC e DSF.

A mediana do salário dos residentes é de 20 mil patacas. Segundo a DSF, em Junho, o metro quadrado custava em média 111.806 patacas e a área útil das casas vendidas era em média 57 metros, o que dá um preço médio de 6,37 milhões de patacas por casa. Claro que as pessoas pagam mais do que a área útil e ainda têm de assumir o custo do empréstimo bancário.

Porém, neste caso, se uma pessoa poupar metade das 20 mil patacas, precisa de 53 anos para pagar a casa. Mas alguém com um ordenado de 20 mil patacas consegue poupar assim tanto, com despesas como comida, renda, roupa, saúde, deslocações e, de vez em quando, férias ou deslocações a Hong Kong? Mesmo numa vida em casal, com rendimentos duplicados, basta as pessoas “darem-se ao luxo” de ter filhos para dizerem adeus à casa. Ao mesmo tempo, a maioria dos jovens de cultura chinesa paga uma “prestação” aos pais sobre o ordenado que recebem…

Fazendo as contas muito por alto, para a maioria da população a casa não passa de uma miragem. Claro que há a habitação económica, mas mesmo essa é para os gananciosos dos Porsches e Mercedes que se “divorciam”, omitem rendimentos e aldrabam os concursos.

15 Jul 2019

Rotas asiáticas do turismo planetário

[dropcap]É[/dropcap] lento, mas persistente o processo de afirmação da Ásia enquanto centro de referência do turismo global. Massivos investimentos em infraestruturas e equipamentos turísticos, maior abertura e facilidades na obtenção de vistos e uma sempre crescente procura de serviços turísticos no planeta têm tornado o continente asiático cada vez mais importante, neste gigantesco negócio planetário. A emergência de novas classes médias que tem resultado do acelerado crescimento económico de vários países da Ásia garante os fregueses necessários para os inúmeros empreendimentos hoteleiros que proliferam com financiamentos nacionais ou internacionais.

O continente asiático recebeu em 2018 mais de 300 milhões de viajantes em voos internacionais, 23% dos que se registaram no mundo, segundo os dados da Organização Mundial do Turismo. É menos de metade do que se registou na Europa, que ainda concentra metade desses voos. Mas a tendência de transformação é inequívoca: no início do milénio a Ásia representava menos de 15% e a Europa quase 60% dos voos internacionais registados no planeta. Em 2018 a China foi o 4º país mais visitado no mundo e a Tailândia o 10º. Entre 2010 e 2017, países menos habituais nos tops destes rankings, como o Japão e o Vietname, viram triplicar o número de visitantes internacionais.

A este desempenho dos destinos turísticos asiáticos não é certamente alheio o crescimento económico sistemático e continuado que se tem registado em países como a China, o país do mundo com maior despesa em turismo internacional – ultrapassando os valores conjuntos do segundo (Estados Unidos) e terceiro (Alemanha) países da lista. O impressionante desempenho da economia chinesa nos últimos anos permitiu o aparecimento de investidores milionários em diversas áreas de negócio nos mais variados lugares do planeta, e permitiu também o aparecimento de uma nova classe média, jovem e urbana, com manifesta apetência (e rendimento) para viajar. Na realidade, o número de pessoas chinesas a fazer viagens internacionais em 2018 (142 milhões) é praticamente o triplo do que se registava em 2010, há menos de dez anos.

Não é só a China, certamente: também a Coreia (9º país do mundo em despesa com turismo internacional), Hong Kong (11º), Singapura (12º), Índia (17º), Japão (18º) e Taiwan (19º) contribuem significativamente para esta expansão do turismo na Ásia. Na realidade, os dados também mostram que 80% das viagens internacionais são feitas no interior do continente onde os turistas residem, o que sugere que procura e oferta turística crescem simultaneamente na Ásia criando uma nova centralidade nas rotas turísticas mundiais.

Não deixa de ser interessante observar que nem só de infraestruturas e equipamentos se faz o investimento para o desenvolvimento turístico na Ásia: há também uma atenção aos cuidados na prestação de serviços culturalmente enraizada, que ajuda a explicar o esforço generalizado com a educação e a qualificação das pessoas que trabalham na hotelaria e hospitalidade em geral. Exemplo disso são, não só a quantidade de cursos e instituições dedicadas ao tema, mas também o reconhecimento internacional da sua qualidade. O recentemente divulgado Ranking de Shangai, que mede o desempenho das universidades em todo o mundo, tem em primeiro lugar na área do turismo uma Universidade de Hong Kong (e quatro universidades asiáticas – mais uma chinesa e duas coreanas – nos primeiros doze lugares, onde só estão duas instituições europeias).

Enquanto investigador académico em economia do turismo, estou bastante familiarizado com a quantidade e a qualidade da investigação que se faz nesta área em países como o China ou a Coreia. Tive mais uma vez a oportunidade de contactar com este efervescente universo de novas ideais e horizontes para o futuro dos serviços turísticos durante a Conferência que assinalou o 25º aniversário da Associação de Turismo da Ásia e Pacífico, na bela cidade de Da Nang, no Vietname -um país que entrou relativamente tarde neste processo de acelerado desenvolvimento turístico mas que regista nos últimos anos um ritmo de crescimento superior ao que se verificou na Tailândia no período em que o turismo tailandês teve a sua expansão mais significativa. E também nesta cidade vietnamita é visível a atenção à educação para os serviços turísticos, com uma universidade onde estudam 5000 alunos só nesta área. Se o centro de gravidade do turismo planetário se vai deslocando para a Ásia, não será só por razões económicas ou pela atratividade dos lugares: a educação e a formação para os serviços também têm papel de relevo.

12 Jul 2019

Incomparabilidades

[dropcap]É[/dropcap] claro que não se pode comparar o nível de vida do presidente da 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, o deputado Chan Chak Mo, com o dos milhares de empregadas domésticas que vêm para Macau em busca de melhores condições.

Mas o mais grave é que este tipo de comparação leva a que se pense realmente nestas diferenças, não tanto a nível económico, mas nas diferenças básicas entre o ser humano comum e uns tantos privilegiados e que recaem essencialmente na área do simples bom senso. Não ter o mesmo nível de vida do que os TNR em Macau não significa que não se tenha empatia pelo outro nem pingo de humanismo.

Não entender, lá porque se pagam 10 mil patacas por um almoço, que o direito a um salário mínimo, na ordem das cinco mil patacas mensais, é um aperto para viver em Macau causa arrepios. Não, de facto não se comparam situações que de tão absurdas afundam-se no ridículo. E são estes privilegiados sem noção que analisam a lei do salário mínimo em Macau. Tudo isto teria piada se não fosse real ou se visto através da interpretação dos Monty Python, o que não é o caso.

12 Jul 2019

“Igreja de Portugueses negros” na Era Marítima

Ritchie Lek Chi, Chan

 

[dropcap]A[/dropcap] capital da Indonésia, Jacarta, era conhecida na Idade Média como a “Rainha do Oriente”. Hoje tem uma população de mais de 30 milhões e tornou-se a segunda maior área metropolitana do mundo. Esta cidade densamente povoada esconde a história primitiva da Indonésia, a história dos imigrantes chineses e os vestígios dos europeus que pisaram esta terra durante o período da “Descoberta Geográfia”. Não é difícil encontrar materiais históricos preciosos quando se viaja pela a cidade velha de Jacarta.

Apesar da forte atmosfera islâmica, Jacarta preservou igrejas católicas de grande valor histórico. Recentemente, fui a Jacarta e um dos meus familiares que lá mora acompanhou-me na visita a duas igrejas. Uma igreja está localizada no centro da cidade onde os holandeses construíram uma magnífica “Catedral da Assunção” em 1825.

A outra está localizada na cidade velha, a antiga e medíocre igreja de “Sião”*1 . A sua existência testemunha a história do desenvolvimento da cidade de Jacarta, bem como o processo histórico da competição e troca de poder entre as duas grandes potências marítimas, Portugal e Holanda da Idade Média. Portanto, em termos de valor histórico, a igreja de “Sião” é a mais importante.

Durante a minha visita, conheci uma pessoa de Ambon que se encarregava desta igreja* 2. Ele entusiasticamente apresentou a história da igreja e da antiga cidade de Taman Sari, devido a relações estreitas entre as duas.

No início do século XVI, os portugueses antes da sua chegada a Macau, já tinham viajado de Malaca para Maluku e depois para Batávia (o nome antigo de Jacarta). O primeiro local onde os portugueses chegaram foi numa pequena vila de pescadores de Sunda Kelapa (cidade de coco), na cidade velha de Ciliwung, onde construíram uma fortaleza pequena e uma igreja rudimentar fora da muralha antiga da cidade, um seminário e onde residiam escravos vindos da África. Os habitantes locais chamavam de “Igreja portuguesa exterior (muralha)” ou “Igreja de portugueses negros”. De acordo com um documento português, “No século V, foi o Reino Sunda que controlava essa área. Foi o local de nascimento de Jacarta e mais tarde se tornou num importante porto. No século XII, ficou conhecido por seu comércio de pimenta”. No início do século XVII, a igreja de “Sião” foi reconstruída após os holandeses ocuparem Jacarta. Neste momento, o povo Tang (chinês) imigraram e começaram a fazer negócios até ao presente, a região tornou-se numa das maiores Chinatown na Indonésia e no mundo fora.

O interior da Igreja de Sião foi conservado por mais de 300 anos, o distinto altar, órgão, mobiliário, móveis e utensílios utilizados nas cerimónias pertencentes à época holandesa. Antes de deixar a igreja, visitei o cemitério holandês fora da igreja e encontrei um dos túmulos que é do vigésimo governador das Índias Orientais Holandesas, Hendrick Zwaardecroon, que governou a Batávia entre 1718 e 1725. As visitas que fiz às igrejas em Jacarta foram o equivalente a frequentar um curso de “Descoberta Geográfica”. Por lá em aprendi mais sobre a importante relação histórica entre a Indonésia, a Europa e a China.

*1: “Sião” refere-se ao Monte Sião no sul de Jerusalém. O catolicismo refere-se a Jerusalém ou a Israel, e mais tarde usado como o nome geral da nação judaica.

*2: Ambon, a capital das ilhas Molucas, na Indonésia. Explorador português, Francisco Serrão chegou a Ambon em 1512 e tornou-se numa colónia portuguesa em 1526.

Artigo publicado no Macao Daily Newspaper em 12 de Junho de 2019

11 Jul 2019