Carlos Morais José VozesDemocracia: um processo, não um estado [dropcap]É[/dropcap] verdade que a democracia se conquista e se perde. Aqui em Macau, por exemplo, estamos a perder oportunidades, uma atrás da outra, de alargar o espectro da representação democrática e tudo por causa de Hong Kong. Sim, Hong Kong tem sido o atraso de vida na senda para a democracia. Senão vejamos. Quando as manifestações começaram em 2014, era suposto existir um sufrágio universal em 2017. As manifestações, que na realidade se estenderam até 2016, impediram a sua realização. Onde é que já se viu gente que diz querer democracia impedir um acto eleitoral, ainda que imperfeito? Em Hong Kong, pois claro. Ora se tivesse acontecido em 2017 em HK, provavelmente teríamos votado este ano em Macau. Assim, nada, nicles, niente. Ficámos a ver os barcos a passar, que é como quem diz os tais activistas a remeterem para as calendas quaisquer possibilidades de entendimento que aprofunde a democracia nas duas regiões. Eles perderam e nós também. Como se sabe muito bem nos países onde existem actos eleitorais normais (quais são?), o avanço para a democracia é um processo de sucessivas conquistas, de permanentes novas realizações. Passa também por um melhor acesso à educação, por exemplo. Passa por garantir o voto a todos os cidadãos (os negros só votaram plenamente nos EUA em 1968, por exemplo), passa por muitas outras coisas. É um processo, não um estado. E hoje, no século XXI, usar a violência é claramente um passo atrás nesse processo. E o pior é que a democracia é de tal modo um processo que nos países europeus, onde era suposto estar implantada, assistimos todos os dias à sua decadência.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão da cibersegurança (II) “The Internet is the first thing that humanity has built that humanity doesn`t understand, the largest experiment in anarchy that we have ever had”. Eric Schmidt [dropcap]A[/dropcap] dissuasão por punição, por outro lado, depende da capacidade de contra-atacar. É de argumentar que se o atacante sabe que a retaliação seria “certa, severa e imediata”, isso o dissuadirá. A questão é se a dissuasão cibernética pode funcionar da mesma forma que a dissuasão nuclear. A dissuasão nuclear funciona porque ambos os lados conhecem com bastante precisão a natureza, o tamanho e o escopo do arsenal nuclear um do outro e os meios de provimento. Durante décadas, as negociações sobre controlo de armas foram focadas em questões como transparência e verificabilidade dos arsenais uns dos outros. Foram desenvolvidas “Medidas Detalhadas de Fortalecimento da Confiança Nuclear (MGCs na sigla inglesa)”, com base na verificação. Foram feitas tentativas para compreender as doutrinas nucleares uns dos outros e no caso nuclear, os actores eram poucos (actores não estatais não possuíam armas nucleares). Assim, no ciberespaço, a situação é muito diferente pois, não há transparência sequer sobre o que significa um ataque cibernético. Não existe uma definição acordada de arma cibernética, bem como não há meios de verificação. Vários actores operam no ciberespaço com total anonimato. Os cépticos salientam que a dissuasão cibernética falhará devido à falta de imputabilidade no ciberespaço. No ciberespaço, onde o anonimato é a chave, é difícil identificar com precisão quem é o atacante. A não atribuição é a fraqueza fundamental do argumento da dissuasão cibernética. Existe, no entanto, alguma literatura que sugere que o problema da atribuição pode ser ultrapassado mais cedo ou mais tarde. Tais afirmações são, no entanto, não verificáveis actualmente. Para que a dissuasão cibernética seja significativa, um país teria de definir os seus limiares através de sinalização adequada. Teria de indicar os seus limiares cibernéticos e alguma ambiguidade será, sem dúvida, deliberada. No entanto, um potencial atacante deve saber que a retaliação seria grave e inaceitável se uma determinada linha vermelha fosse ultrapassada. A indicação de linhas vermelhas dependerá das capacidades, intenções e interesses de um país. Hoje, porém, as linhas vermelhas estão ausentes e por exemplo, a ciberespionagem, dirigida contra alvos militares e não militares, deveria ser tratada como um acto de guerra cibernética? Será um ataque às redes bancárias, bolsas de valores e de energia um acto de guerra? A ciberespionagem merece um contra-ataque? A retaliação deve ser feita no ciberespaço ou por outros meios? Com perguntas-chave sem resposta ter uma dissuasão cibernética na linha da dissuasão nuclear parece difícil. O “Manual de Tallinn 1.0”, originalmente chamado “Manual de Tallinn sobre o Direito Internacional Aplicável à Guerra Cibernética”, trata de cenários de conflito no ciberespaço onde o direito internacional se aplicaria. Embora o “Manual de Tallinn” não seja um documento oficial, o seu trabalho é patrocinado pela “Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)” e outros países. Actualmente, está a ser elaborada uma segunda versão com o nome de “Manual de Tallinn 2.0”. Trata da aplicação do direito internacional ao ciberespaço em tempo de paz. Uma reunião realizada em Haia, de 2 a 3 de Fevereiro de 2016, tratou destas questões. Durante as discussões, foram feitas tentativas de criar uma lei diplomática para o ciberespaço. Foi sugerido que o ataque aos sistemas informáticos de uma embaixada estrangeira deveria ser proibido por lei. Foi também afirmado que a intervenção no ciberespaço pode ser permitida em determinadas circunstâncias. Assim, por exemplo, do ponto de vista da Índia, o “Manual de Tallinn”, embora seja um exercício útil, não reflecte a legislação existente sobre o assunto devido à ausência de práticas estatais que são críticas ao desenvolvimento do direito internacional consuetudinário. Apesar destas dificuldades, os países estão a avançar com a incorporação da cibersegurança nas suas doutrinas militares. Tais doutrinas postulam que um país, ao exercer o direito defesa, poderia retaliar a um ataque cibernético por ciberataques ou qualquer outro meio. A “Estratégia Nacional dos Estados Unidos” diz que poderiam usar ferramentas cibernéticas ou outros meios para retaliar ataques cibernéticos. O problema dos ciberataques não pode ser visto isoladamente. Actualmente, o ciberespaço está interligado com outros domínios da guerra, nomeadamente a terra, água, ar e o espaço. Este entrelaçamento implica que os ciberataques não serão vistos apenas como tal. A retaliação sob forma não cibernética, ou seja, a retaliação através de meios não cibernéticos, incluindo possivelmente meios militares, não pode ser excluída. Os ciberataques, como meio de guerra, apenas alargariam o domínio da batalha. A ciberguerra pode induzir os países a optar por uma dissuasão total do espectro. A ciberguerra é um conceito contestado. A ciberespionagem, ataque a infra-estruturas críticas, etc., são acontecimentos rotineiros no ciberespaço. Até agora, não foram utilizados meios militares para deter os ataques. Também não foram utilizadas sanções económicas porque a atribuição de um ataque cibernético tem sido muito difícil. Além disso, muitas vítimas sentem receio de denunciar ciberataques. Tais incidentes não têm sido considerados como actos de guerra até agora, porque não existe uma definição de guerra cibernética. Se um ataque cibernético é visto como um componente da guerra cibernética dependerá do contexto do ataque. Os autores do “Manual de Tallinn” lutaram durante muitos anos para chegar a algumas definições aceitáveis, mas o progresso tem sido lento. A Índia por exemplo, não pode ignorar estes desenvolvimentos. O uso da Internet está a espalhar-se rapidamente na Índia e embora a penetração da Internet no país ainda seja baixa, quase quatrocentos milhões de pessoas estão a usar a Internet. A Índia digital levará a Internet de banda larga a todas as aldeias. A revolução na conectividade está a varrer a Índia com mil milhões de assinantes de cartões SIM. O futuro progresso e crescimento da Índia estão ligados à expansão da rede digital, superando as disparidades digitais e garantindo que políticas robustas de segurança cibernética sejam adoptadas desde o início. A Índia tomou várias medidas no passado recente para fortalecer as suas capacidades de defesa cibernética sendo de mencionar algumas como uma política nacional de segurança cibernética que foi anunciada e está a ser implementada; uma elaborada estrutura nacional de garantia da segurança cibernética que está em fase de implementação; a nomeação do “Coordenador Nacional de Segurança Cibernética”; a coordenação entre várias agências melhorou; foi criado um “Centro Nacional de Protecção de Infra-estrutura de Informações Críticas (NCIIPC na sigla inglesa)”; existe um diálogo regular com os principais sectores da economia; está a ser construída uma parceria público-privada; existe um diálogo activo entre o governo e o sector privado; está a ser criado um “Centro Nacional de Cibercoordenação (NCCC na sigla inglesa)”; estão a ser envidados esforços para desenvolver as competências em matéria de cibersegurança no país; novos cursos de cibersegurança estão a ser introduzidos nas faculdades; a política de “Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)” em matéria de cibersegurança também tem sido objecto de consideração activa por parte do governo. A “Equipa Indiana de Resposta a Emergências de Computadores (CERT-In na sigla inglesa)” criada em 2004, realizou um trabalho significativo no tratamento de incidentes cibernéticos, bem como na sensibilização. A Índia está a desenvolver uma ciberdiplomacia activa, estabelecendo diálogos sobre cibersegurança com vários países e participando em vários fóruns internacionais, incluindo a ONU sobre cibersegurança. Todos estes esforços sincronizados e coordenados estão a dar resultados. Mas não podemos ser complacentes face às ameaças crescentes e à evolução das tecnologias. Devido ao crescimento explosivo das TIC, é provável que o cenário da cibersegurança continue a ser um desafio. Os países terão de trabalhar arduamente nos vários aspectos da cibersegurança, incluindo os desafios emergentes. Assim como outros países, a Índia também enfrenta a tarefa assustadora de interromper e prevenir ataques cibernéticos nas suas redes. A Índia terá que estudar de perto a evolução da ideia de dissuasão cibernética. Construir capacidade de dissuasão cibernética implicaria edificar redes robustas que possam ser defendidas, incentivar a P&D abrangente na área de cibersegurança e fortalecer a fabricação nativa de produtos das TIC. Será também necessária uma forte ciberdiplomacia para garantir que a Índia e outros países não sejam os destinatários finais do regime emergente de controlo das exportações das TIC ao abrigo do “Acordo de Wassenaar”. É necessário também analisar de perto os padrões dos ciberataques contra os países e criar medidas de resposta adequadas, incluindo a capacidade de realizar ciberoperações, se necessário. Alguns países teriam de tomar em conta as doutrinas de cibersegurança cada vez mais assertivas que estão a ser adoptadas por outros países e ajudarão a elaborar as suas doutrinas de cibersegurança. É de salientar que existe uma falta de consenso na comunidade internacional sobre as normas de comportamento no ciberespaço. Estamos em uma fase em que a tecnologia está muito à frente do nosso pensamento sobre as leis e normas cibernéticas. A UNGGE provou ser uma plataforma útil para discutir essas questões, mas a ausência de uma plataforma representativa mais ampla, onde as questões controversas possam ser discutidas e o consenso possa ser alcançado, é evidente pela sua ausência. Os grupos “ad hoc” que adoptam procedimentos para deliberar sobre agendas de segurança cibernética não construirão necessariamente um consenso. A comunidade internacional precisa de se reunir para discutir como lidar com ameaças no ciberespaço que estão a crescer a cada minuto. A tarefa pode parecer assustadora, mas os países devem reflectir seriamente se o mundo precisa de uma convenção cibernética sobre segurança cibernética. Ao contrário dos outros bens comuns, nomeadamente a terra, mar e o espaço, em que o direito internacional cresceu imediatamente, o ciberespaço continua a ser, em grande medida, ilegal. É necessária uma discussão sustentada por especialistas internacionais para gerar ideias sobre o caminho a seguir para a construção de um consenso sobre questões de cibersegurança.
Carlos Morais José VozesHannah, 14 anos de idade [dropcap]A[/dropcap] CNN entrou ontem no campus da Universidade Politécnica de Hong Kong para dar conta da situação. Entre outros, surge na reportagem o testemunho de uma miúda, que dá o nome falso de Hannah. Hannah tem 14 anos e, confessa, esteve presente em todos os protestos. Contudo, não se limita a gritar palavras de ordem ou fazer de corpo presente: Hannah tem como missão (ou seja, é utilizada para…) “neutralizar as granadas de gás lacrimogéneo, que a polícia atira, ou atirá-las de volta às autoridades”. Hannah está ali porque “se confronta um governo autoritário”. Não se percebe se o actual executivo de Hong Kong, se o de Pequim, se o que estará para vir. Ela também não sabe. Sabe, no entanto, que a sua mãe estava lá fora, entre os pais que cercaram também a Universidade Politécnica preocupados com os filhos. Hannah, de 14 anos, não é, com certeza, uma estudante desta universidade tal como a maior parte dos manifestantes que ali se concentraram e destruíram o estabelecimento de ensino. A mãe devia ser presa. E a filha levar uns tabefes e umas lições de história, política e, já agora, sobre essas coisas chamadas “democracia” e “liberdade”. A ver se estes disparates acabam e os responsáveis pela manipulação destes miúdos são presos e presentes à justiça.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesFelizes para sempre [dropcap]O[/dropcap] casamento sugere que encontrámos a pessoa perfeita para as nossas vidas, e que vamos viver felizes para sempre. Há quem queira ser romântico e veja o casamento como a prova última do amor. Tal como o tamanho do anel de noivado, ou o tamanho do gesto romântico que um pedido de casamento implica. Os preparativos, a festa, os convidados ou o dinheiro que se gasta, realça que não há nada mais romântico do que partilhar a vida com alguém para sempre. Mas também não há nada mais assustador do que partilhar a vida com alguém para sempre. O casamento transforma-nos nesse alguém. Um peão numa díade de intimidade. Ganha-se um título que será vivido em função das expectativas monogâmicas vigentes. Todos os rituais maritais e pré-maritais são importantes para o luto dos amores que não se viverão. Não que a monogamia não exista no pré-casamento, mas a ligação torna-se mais rígida. Tornamo-nos fiéis àquela relação num contrato legal e religioso que é tido como um sinal de maturidade. Como os católicos dizem, um vínculo de estabilidade para lidar com o(s) pecado(s) do mundo. A teorização religiosa do casamento é bastante complexa. O casamento serve um propósito. Mas para os não-religiosos o casamento parece ainda ser um ritual irreflectido, como o Natal para quem não acredita no menino Jesus. Um passo burocrático para os que querem poupar nos impostos, ou uma forma de garantir residência na instabilidade das geografias actuais. Um rito de passagem para um caminho prototípico. Nascemos, crescemos, encontramos alguém para sexar para sempre, e morremos. A simplicidade da vida parece incluir este contrato e torna-se num objectivo de vida porque o contruímos como um objectivo de vida. Só que a naturalidade do processo revela a dificuldade do processo também. O casamento sobreviveu até aos dias de hoje com base em expectativas heteronormativas de família, e em muitos lugares do mundo, outras formas de família ainda não são vistas como legítimas para este vínculo. O casamento, apesar de necessitar de uma reinvenção, ainda não é um direito de todos. Talvez quando for, é que poderemos abalar o conceito. A ideia de que a felicidade vem com o casamento, ou uma relação íntima estável, monogâmica e duradoura, precisa de ser mais flexível. Para fugir ao estigma que ser solteira implica, recentemente a Emma Watson autodenominou-se de self-partnered, i.e., parceira de si própria. A procura de legitimidade de estados solteiros saudáveis e felizes precisa de ser incluída no diálogo da vida adulta também. Uma vida madura e relacional não se pode limitar a um namoro estável ou ao casamento. Despirmo-nos destas expectativas é despirmo-nos de ideias pré-históricas de que estamos programados para um único curso de vida. ‘Supostamente’, as pessoas organizam-se em parelhas porque é melhor existirem duas pessoas de vinculação segura para a sobrevivência da espécie (neste momento, combater as alterações climáticas será mais eficaz à sobrevivência da espécie, mas essas são outras conversas). Da mesma forma: a parentalidade, que muitos acreditam ser essencial à existência, não precisa de ser. As novas formas de vida, seja sozinho, com amigos, ou com os gatos, são formas legitimas de felicidade. É importante começar a reescrever narrativas para desconstruir a pressão social de certos rituais – ao entendermo-los à luz das expectativas individuais e colectivas. Cabe a cada um de nós perceber como é que o casamento faz parte de um plano de felicidade, ou como a ausência de casamento também pode fazer parte de uma vida completa e satisfatória.
Carlos Morais José VozesDemocracias há muitas [dropcap]A[/dropcap] questão da democracia tem muito que se lhe diga, é certo, mas é muito mais importante é o que se faz. Um exemplo que vem de dois países europeus com posturas radicalmente diferentes perante o mundo. O primeiro é Portugal que, mal conseguiu implantar um regime democrático, teve como preocupação central acabar com as colónias, na medida em que a sua existência repugnava aos nossos dirigentes. Demos imediatamente a independência a todas chamadas províncias ultramarinas, se calhar nem sempre respeitando os “timings” correctos, mas a verdade é que fomos dignos de usar o nome de “democratas”. Já a Inglaterra, que é suposto ser uma democracia há muito mais tempo, agarrou-se o mais possível às suas possessões ultramarinas e criou sempre problemas de modo a dizer-se que depois da sua saída (geralmente forçada) era o caos. De forma iníqua, pois os ingleses sempre acreditaram firmemente na sua superioridade em relação a “brancos” e, sobretudo, “não brancos”, quiseram sempre manter as relações coloniais com os que consideravam súbditos ( e não cidadãos, tanto que nunca outorgaram cidadania aos colonizados) da sua esclerosada rainha. Daí também que Macau nada tenha a ver com Hong Kong e que por aqui reine há muito tempo o princípio “um país, dois sistemas” e é de tal forma bem sucedido que ninguém (ou quase) dá por ele. Há que afastarmo-nos das influências perniciosas da ex-colónia britânica se aqui queremos sobreviver como comunidade. Tal qual fazemos há cinco séculos, muito antes dos ingleses saberem que a China existia.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesConceitos de violação (II) [dropcap]A[/dropcap] semana passada falámos sobre o caso de uma rapariga de 14 anos, violada por cinco homens, durante uma festa que decorreu em Manesa, Barcelona. Como, no momento da agressão, estava embriagada e drogada não ofereceu resistência. O Tribunal deliberou que o crime, por não ter havido violência física nem intimidação, não podia ser considerado violação, mas sim abuso sexual. A decisão desencadeou vários protestos. Os manifestantes saíram à rua para exigir a revisão da lei, que consideram desactualizada. A lei espanhola estipula que, para haver violação, a vítima tem de ter sido submetida a violência ou intimidação. Na sua ausência, os crimes enquadram noutra moldura legal. Se a vítima tiver ficado inconsciente não pode acusar o agressor de violação. Este facto deverá preocupar as mulheres espanholas. A forma mais eficaz de acalmar a indignação da população é rever a lei e aceitar que o estado de inconsciência é um factor de que o agressor se pode aproveitar para violar a vítima, de forma a que as mulheres possam ser inteiramente protegidas pela lei e se sintam confiantes. A violação pode efectivamente implicar agressão física. A introdução de objectos na vagina ou no ânus pode também ser vista como violação? O segundo parágrafo do Artigo 157 do Código Penal de Macau não é muito claro quanto a esta questão. Estipula apenas que a pena a aplicar nestes casos é igual à pena pelo crime de violação, ou seja, três a doze anos de prisão. Pessoalmente, acredito que estes casos, que excedem uma relação sexual forçada, deveriam ser tratados como “atentado grave à integridade física” mais do que como “violação”. Se o Governo espanhol considerar a revisão da lei, deve, em primeiro lugar, aceitar que o facto de a vítima estar inconsciente e não oferecer por isso resistência, não impede que o crime de abuso sexual seja considerado violação, para que casos como os desta jovem não possam vir a repetir-se . Além disso, a lei deverá estipular de forma clara que só não existe violação quando a mulher tem relações sexuais de livre vontade e plenamente consciente. Se essa vontade não for claramente expressa, ou porque está a ser físicamente pressionada ou porque está inconsciente, tem direito a ser protegida pela lei e, se o quiser fazer, apelar à lei para que se faça justiça. Depois de ficarem bem estabelecidas as circunstâncias susceptíveis de serem consideradas crime de violação, o passo seguinte é determinar se a introdução de objectos na vagina, no ânus ou na boca deverá ser considerada violação ou atentado grave à integridade física. Por fim, determinar quem pode ser considerado violador: Quem pode ser responsabilizado por este crime? Homens? Mulheres? Recordemos o caso de Jesamine Hearsum, mencionado a semana passada. Se a lei não distinguir claramente as circunstâncias em que a vítima é violada por um homem daquelas em que existe uma agressão feminina, como julgar casos em que a violadora é uma mulher? E será que um homem pode ser violado por uma mulher? Poderá o marido da mulher coreana ser encarado como uma vítima? Deverá a lei proporcionar maior protecção? Sendo a violação um crime que implica uma relação sexual forçada, quase sempre com recurso à violência, não deverá ser também tratado como um crime de atentado grave à integridade física? Pela mesma ordem de ideias, recorrer a drogas ou a alcoól para induzir na vítima um estado de inconsciência, a fim de se aproveitar dela sexualmente, deverá implicar uma acusação de violação? Neste último caso, estamos perante um crime de violação simples, ou de um crime de violação agravada, pelo facto de a vítima ter sido forçada ao consumo de drogas? Como punir um violador? Além de condená-lo a prisão, dever-se-á ainda recorrer à medida a que foi submetida Jesamin Hearsum, ou seja, proibição de manter qualquer contacto com a vítima por um certo período de tempo? Espero que estas reflexões ajudem Espanha a rever a lei de agressão sexual para proporcionar às mulheres mais e melhor protecção. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Carlos Morais José VozesIronias [dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Última Instância de Hong Kong acaba de dar razão aos 25 pan-“democratas” que tinham apresentado queixa contra a lei anti-máscara, que o governo de Carrie Lam havia activado e que já levou à detenção de algumas pessoas. Ora a lei anti-máscara de Carrie Lam trata-se, afinal, da reactivação de uma lei de 1922, que os ingleses impuseram à sua colónia precisamente para evitar distúrbios. Contudo, o High Court decidiu que essa lei era anti-constitucional, que é como quem diz viola a Lei Básica. Irónico pois que os tais “democratas”, que tanto apreciavam a vergasta colonial de Sua Majestade, ao ponto de exibirem bandeiras do Reino Unido e pedirem o regresso dos colonizadores, tenham sido agora salvos pela lei fundamental que eles tanto detestam: a que garante a prossecução do princípio “um país, dois sistemas”. Assim, a Lei Básica afirma-se como o verdadeiro garante dos direitos civis e políticos no segundo sistema e o sistema judicial de Hong Kong mantém, claramente, a sua independência.
João Luz VozesDados irreais [dropcap]U[/dropcap]m dos parâmetros de avaliação dos talentos locais que chegaram ao cume dos Himalaias das aspirações laborais, trabalhar na função pública, devia ser a qualidade dos estudos que apresentam. Mostram trabalho, dedicação, tempo e labor aos superiores que exigem números e dados colectados, mesmo que estes nada representem. Esta semana, Macau voltou a ter conhecimento da redução drástica do número de toxicodependentes na cidade. É assim todos os anos. Desta feita, durante o primeiro semestre de 2019, o Instituto de Acção Social (IAS) deu conta da fantástica redução de 30 por cento do número de consumidores de drogas, em relação a 2018. De onde tiraram este milagroso número?! Ora bem, das únicas pessoas que temos quase a certeza que não consomem drogas, ou seja, as pessoas que estão detidas por consumo e tráfico e os que dão entrada nas instituições que oferecem tratamento. Trocando por miúdos, todos os que consomem drogas, um delito criminal, fora do olhar das autoridades não são considerados nesta contabilidade. Isto é como tentar calcular o número de pessoas que come carne de vaca entre vegetarianos e pessoas alérgicas a carne vermelha. Pelo caminho, a maioria dos órgãos de comunicação social notícia o extraordinário feito, equiparável ao milagre das rosas, de eliminação de quase um terço de todos os viciados em drogas num ano, sem que se tenha feito nada de especial nesse sentido e apesar dos números da criminalidade para o mesmo período apontarem para o aumento de detenções por consumo de estupefacientes na ordem de quase 50 por cento. Ninguém questiona e lá surgem os títulos fabulosos, mil palmadinhas nas costas, grandes campeões, mais um estudo que em vez de mostrar a realidade que pretende endereçar, esconde-a em absoluta clandestinidade. Obviamente, o trabalho do IAS estava condenado à partida pela conjuntura legal da RAEM. O consumo é crime punido severamente, diga-se de passagem, ao orgulho arrepio de qualquer recomendação internacional, até porque, como toda a gente sabe, o mundo começa e acaba no país que se estende acima. Será muito pedir para, ao menos, se poupar dinheiro e recursos com estudos que não trazem nada de fidedigno? Ou o objectivo é mentir à população? Por este caminho, qualquer dia Macau terá – 300 por cento de toxicodependentes. Não só não haverá viciados em drogas no território, como os consumidores importados pelo turismo, vão ficar automaticamente e para sempre livres das amarras do vício assim que meterem os pés em Macau. “E depois… estava o peixinho, veio o gato e comeu-o. Depois veio o cão e o gato teve de se esconder. Veio o coelhinho… Não, não, o coelhinho foi com o pai natal e o palhaço no comboio ao circo”. Agora uma citação séria do velho mestre Lao Zi: “A vida é uma série de mudanças naturais e espontâneas. Não resista a elas – isso só gera tristeza. Deixe a realidade ser realidade. Deixe as coisas fluírem naturalmente pelo caminho que elas seguirem”. Não tenham medo da realidade, principalmente quando implicar caminho árduo pela frente, trabalho duro na busca de soluções para os problemas com que a vida nos confronta. É para isso que ocupam a posição que ocupam. Camuflar a realidade ou apresentar números que não a representam não cumpre qualquer finalidade positiva, é uma acção fútil que não serve a sociedade e que apenas dissemina a ignorância. Mas, lá está, todos os anos vamos continuar a ser bombardeados com números que nada representam e que passam para o campo da realidade estabelecida sem qualquer escrutínio. Se é de Narnias pseudo-científicas que vamos ocupar as páginas dos jornais, sugiro um levantamento exaustivo da dimensão de todas as populações de unicórnios em Macau. Este estudo parece talhado para o Instituto para os Assuntos Municipais. Outro estudo que importa fazer nas temáticas da fantasia é o apuramento completo dos dentes que a Fada dos Dentes recolheu debaixo de travesseiros e quantas moedas foram arrecadadas no primeiro semestre de 2019. Este levantamento requer a conjugações e envidamento de esforços dos Serviços de Saúde e da Direcção dos Serviços de Economia. A Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau pode dar uma ajudinha.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão da cibersegurança (I) “One of the main cyber-risks is to think they don’t exist. The other is to try to treat all potential risks. Fix the basics, protect first what matters and be ready to react properly to pertinent threats. Think data, but also services integrity, awareness, experience, compliance, and reputation.” Stephane Nappo [dropcap]O[/dropcap] uso do ciberespaço por governos, empresas e indivíduos para facilitar e acelerar todos os tipos de actividades, levou à expansão global de redes cibernéticas em um período de tempo relativamente curto. Ainda que os especialistas em cibernética tenham advertido repetidamente, que as muitas vulnerabilidades inerentes e existentes em dispositivos e redes não foram resolvidas, nem podem ser adequadamente geridas para garantir a segurança das redes, têm sido amplamente ignoradas ou minimizadas. O aumento no número e na magnitude dos ataques, significa que a maioria dos formuladores de políticas está ciente da ampla gama de problemas associados à cibersegurança. As perspectivas diferentes dos países sobre questões cibernéticas, e a complexidade do tema tornaram a cibersegurança uma preocupação não apenas para a segurança nacional, mas também internacional. As conotações geopolíticas aumentaram os desafios da cibersegurança, e embora os sistemas e redes conectados se tenham tornado mais interligados e complexos, o ciberespaço está a ser usado por actores maliciosos para uma variedade de propósitos nefastos, desde a ciberespionagem, tanto para interesses comerciais quanto de segurança, até ao cibercrime e ciberterrorismo. O ataque distribuído de negação de serviço (Distributed Denial of Service – DDoS), pode interromper as operações comerciais ou causar paralisações graves, tendo um impacto directo nos lucros e na reputação das empresas. As empresas também enfrentam o risco de perder segredos comerciais ou direitos de propriedade intelectual. Além disso, uma violação maciça de dados para empresas ou portais de governo que armazenam dados de clientes ou cidadãos, compromete as informações pessoais e um ataque cibernético a entidades que fazem parte de infra-estruturas críticas pode ter um impacto debilitante na segurança nacional. O risco aumenta muito nas redes eléctricas, nas instalações nucleares e na rede de telemetria/comando e controlo dos bens espaciais. As redes sociais, surpreendentemente, como vector de ameaças, tornaram-se um canal de menor resistência para realizar reconhecimentos, roubar identidades e reunir informações sobre funcionários, projectos, sistemas e infra-estrutura, além de disseminar propaganda odiosa e seduzir jovens impressionáveis a seguir ideologias extremistas. Ao longo dos anos, o ciberespaço também se tornou um intrincado constituinte do poder nacional. As estratégias para o desenvolvimento do ciberespaço não se limitam apenas a fins civis; pelo contrário, este domínio inscreve-se agora perfeitamente no âmbito das forças armadas e com o advento da centricidade em rede nas operações militares e da revolução nos assuntos militares, as forças armadas correm um risco elevado de ciberincidentes. A utilização integrada de meios terrestres, aéreos, marítimos e espaciais para uma maior consciência do domínio ou acesso à informação em tempo real, justifica que as forças armadas adquiram conhecimentos especializados em operações cibernéticas defensivas e ofensivas. Os países documentaram as suas estratégias cibernéticas e executaram na forma de comandos cibernéticos. A dimensão militar viu o ciberespaço testemunhar o início de uma corrida pelo desenvolvimento e implantação de armas cibernéticas. É de ressaltar que um regime de controlo de armas, o “Acordo de Wassenaar sobre os Controlos das Exportações de Armas Convencionais, Bens e Tecnologias de Dupla Utilização” (é um regime multilateral de controlo de exportação com quarenta e dois países participantes, incluindo muitos países do antigo Pacto de Varsóvia), ampliou a sua lista de controlos em consonância com a forma como o ciberespaço alterou o actual cenário de segurança. O desenvolvimento de armas cibernéticas e o seu uso potencial contra alvos de alto valor, tem sido uma das principais preocupações de segurança dos países. As ameaças no ciberespaço são de natureza e intensidade variáveis. As empresas líderes nos sectores de energia, telecomunicações, finanças e transporte são alvos de “Ameaças Persistentes Avançadas (APTs na sigla inglesa)”. Os actores não estatais, como organizações terroristas e sindicatos criminosos, tornaram-se especialistas em tecnologia, empregando recursos humanos para desenvolver programas nocivos. Tais ferramentas são amplamente utilizadas na prática do cibercrime. As organizações terroristas aproveitam os benefícios do ciberespaço para a propagação de ideologias, recrutamento e comunicação. O Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS; também conhecido como ISIL/IS/Daesh), por exemplo, é um dos principais utilizadores, alavancando a sua tremenda presença nas médias sociais para espalhar propaganda e recrutar simpatizantes, de todo o mundo, como combatentes. A Al-Qaeda também tem desenvolvido programas de criptografia para proteger a sua comunicação no ciberespaço. À medida que a extensão do comércio transaccionado no ciberespaço cresce, junto com a dependência da tecnologia da informação para ganhar eficiência de custos, o risco para as empresas aumenta e como a Ásia continua a crescer a sua participação no comércio global, espera-se que as ameaças de ataques cibernéticos aumentem proporcionalmente. Os ciberataques, como muitos dos novos desafios de segurança, são transnacionais em termos de origem e natureza, e nenhum país pode combatê-los só. Apesar das variações nos sistemas étnicos, económicos e de governação, os países asiáticos necessitam de uma sólida arquitectura de segurança para resolver as questões específicas da região geográfica onde estão inseridos, bem como as situações internacionais prejudiciais ao crescimento económico e social da Ásia. É de acreditar com a transferência do poder para a Ásia, a sua representação nos mecanismos de governação internacional e os seus contributos para a criação de um ciberespaço seguro são fundamentais para a política internacional, economia mundial e credibilidade das instituições internacionais e dos regimes de cibersegurança. As ciberameaças, na Ásia, alteraram as percepções de segurança das instituições e dos sistemas governamentais. Assim, e nesse contexto, os trabalhos apresentados por especialistas estratégicos, académicos, especialistas em domínios e formuladores de políticas, tentam examinar uma série de questões como o ambiente de segurança cibernética global, os actores não estatais e ciberespaço, a segurança da infra-estrutura crítica e o papel dos militares na segurança cibernética. O mundo está a tornar-se cada vez mais turbulento. A imparável marcha da globalização, facilitada pelas “Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)”, levantou muitas questões preocupantes no que respeita à manutenção da paz e da estabilidade. A cibersegurança é uma preocupação de segurança internacional. É também uma das principais inquietações para a maioria dos países, e constitui um elemento importante nas suas prioridades nacionais em matéria de segurança. A tónica é colocada na gestão das ameaças no ciberespaço que afectam todos. A principal questão que se coloca a um país, é o de saber como se defender das ocorrências cada vez maiores em caso de ciberataques. O ano de 2015 assistiu a uma série de desenvolvimentos importantes no domínio da cibersegurança. A visita do presidente chinês aos Estados Unidos de 22 a 28 de Setembro de 2015, será lembrada por alguns comentários públicos sinceros do então presidente Obama, sobre as preocupações do seu país com o roubo “on-line” de propriedade intelectual. Os dois países estão consciente de que preocupações cibernéticas, se não resolvidas, podem criar mal-entendidos e desestabilizar laços, acordando em diálogos bilaterais sobre cibersegurança. O então presidente Obama, afirmaria que os dois governos concordaram que nem os Estados Unidos nem a China iriam conduzir ou apoiar conscientemente o roubo cibernético de propriedade intelectual, incluindo segredos comerciais ou outras informações confidenciais para retirarem vantagem comercial. O então presidente Obama, abordou ainda com o presidente chinês a questão das ameaças cibernéticas, tendo este declarado que a China se opõe fortemente e combate o roubo de segredos comerciais e ataques de pirataria informática. A reunião ocorreu no contexto de um ataque cibernético bem divulgado em Dezembro de 2014 no “Escritório dos Estados Unidos de Gestão de Pessoal (OPM na sigla inglesa)”, que resultou em uma grande violação de dados, comprometendo as impressões digitais de cinco milhões e seiscentas mil pessoas e os registos de segurança de cerca de vinte e dois milhões de pessoas. Os dois países reconheceram a segurança cibernética como um problema o que constituiu um desenvolvimento notável. Durante o mesmo ano, a China e a Rússia também assinaram um acordo abrangente sobre cibersegurança, tendo os “Grupos de Peritos Governamentais das Nações Unidas no domínio da informação e das telecomunicações no contexto da segurança internacional (UNGGE na sigla inglesa)”, apresentado o seu terceiro relatório que continha um avanço em relação ao relatório anterior e como resultado desses esforços, existe um reconhecimento crescente de que o direito internacional, particularmente a Carta das Nações Unidas, se aplica tanto ao ciberespaço como a outros domínios. O UNGGE salienta o respeito pelos princípios da igualdade soberana; a resolução de litígios internacionais por meios pacíficos; a não ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer país; o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de expressão; e a não intervenção nos assuntos internos de outros países são alguns dos princípios que também se aplicam à segurança das TICs, ou seja, por outras palavras, o direito internacional é tecnologicamente neutro. É de considerar que uma das principais observações do relatório é que os países têm jurisdição sobre a infra-estrutura das TICs localizada no seu território. O direito internacional tem muitos aspectos, incluindo a intervenção em autodefesa, sanções económicas contra medidas e assim por diante. Foi aberto um debate sobre se, em determinadas circunstâncias, se justifica ou não uma intervenção através de meios cibernéticos nas redes de outros países. O debate tem sido agudo, mas inconclusivo. As questões da cibersegurança são controversas, e revelam-se difíceis mesmo quando os incidentes de ciberataques, cibercriminalidade e ciberterrorismo aumentam exponencialmente. Todos os anos novos tipos de ataques são inventados e realizados. O conjunto de ferramentas dos atacantes está a expandir-se. É bem possível que os países estejam a desenvolver clandestinamente um arsenal de ferramentas de ataques cibernéticos, mesmo quando discutem a necessidade de normas aceites no ciberespaço. O desafio para os países é como defender a sua infra-estrutura crítica, militar e civil contra os ataques cibernéticos desestabilizadores. O cibercrime está a aumentar e o roubo de informações pessoais e de propriedade intelectual é desenfreado. A distinção entre intervenientes estatais e não estatais no ciberespaço está a esbater-se. Mesmo com o desenvolvimento de tecnologias de defesa activa, os atacantes estão vários passos à frente. A maioria dos países está empenhada em implementar estratégias para defender as suas redes contra ataques cibernéticos; ao mesmo tempo, também estão a jogar com a ideia de desenvolver capacidades que desencorajariam possíveis atacantes. Foram feitos esforços para desenvolver uma teoria e uma prática de “ciberdissuasão” na linha da dissuasão nuclear. Fazendo analogias com o vocabulário de controlo de armas nucleares, é de argumentar que tanto as negações quanto a punição são essenciais para dissuadir a agressão cibernética. A ideia é deixar claro ao potencial atacante que o custo da agressão cibernética superará os benefícios. Uma estratégia eficaz de dissuasão cibernética incluirá tanto a dissuasão por negação quanto a punição. A dissuasão pela negação dependerá de defesas fortes. Os esforços do atacante serão inúteis se as defesas e a resiliência, ou seja, as capacidades de recuperação, forem fortes.
João Romão VozesAs veias sempre abertas na América Latina [dropcap]V[/dropcap]em de longe a tradição histórica da violência sobre a América, a das comunidades indígenas “descobertas”, exploradas, escravizadas, desprovidas dos seus recursos, instituições e até línguas, culturas, crenças e religiões, que ainda assim foram preservando ao longo de mais de 500 anos com mais barbárie que cooperação. Disso tratou Galeano em livro de grande brutalidade e com estilo no qual o próprio autor deixou de se rever – mas que não deixa de retratar com precisão suficiente os processos de dominação do continente americano pelos poderes europeus que desse saque longo e sistemático acumularam o capital necessária para o que viria depois: a Revolução Industrial e os processos de especialização e divisão internacional do trabalho, da produção e dos mercados, com gradual mas persistente substituição do controle político colonial pelo controle económico pós-colonial. Essa herança do colonialismo europeu sobre a América Latina justificaria mais tarde a Doutrina Monroe, a partir de 1823 adoptada pelos Estados Unidos. Já a maior parte dos territórios da América Latina tinha recuperado a independência quando os EUA decretaram o seu direito a encarar qualquer ameaça ao continente como uma ameaça ao seu próprio país. Esta doutrina havia de prevalecer até ao século XX, abrindo caminho a diferentes tipos de intervenção política e militar, que em 1904 o Presidente Roosevelt viria a definir como o legítimo direito ao exercício de um “poder policial internacional na região”. E foram muitas e de grande dimensão as intervenções dos EUA no restante continente americano. Começa ainda no século XIX, com a invasão do México em 1847, da qual resultaria a anexação de quase metade do que era o território mexicano (correspondendo hoje aos estados da magnífica e rica Califórnia, Nevada, Utah, a maior parte do Arizona, e ainda partes do Novo México, Colorado e Wyoming). Não havia muro, na altura. Já no princípio do Século XX (1903), seria através de negociações que os EUA conseguiam assegurar o controle do Canal do Panamá, numa das mais importantes rotas comerciais do mundo – depois de apoiarem a independência do país em relação à Colômbia – e o controle militar da ilha de Cuba, com a instalação da célebre base de Guantanamo. Com a justificação da Guerra Fria e do controle do comunismo – e efectiva defesa de interesses económicos e políticos – as intervenções haviam de se generalizar, incluindo frequentemente o apoio explícito a poderes ditatoriais. O golpe de Estado na Guatemala apoiado pelos EUA em 1954 levaria o país a 40 anos de Guerra Civil. 10 anos depois, já com Kennedy como Presidente, viria o apoio ao golpe no Brasil. Em 1973, o golpe que colocou Pinochet no poder no Chine teve apoio declarado do Presidente Nixon, abrindo caminho à primeira experiência sistemática do neo-liberalismo contemporâneo, com suporte técnico e político da chamada Escola de Chicago e um regime autoritário capaz de impor uma agenda radical de austeridade e privatização generalizada de serviços públicos – ainda hoje causa dos protestos que mobilizam a população chilena a ocupar as ruas. Pouco depois viria o trágico golpe de Estado na Argentina, em 1976, quando Vilela tomou o poder a Isabel Perón, recebendo visitas de Jimmy Carter e Henri Kissinger – não por acaso figuras também muito ativas em Portugal a seguir ao 25 de Abril. Foi o início da chamada “Operação Condor”, com os militares a raptar, assassinar e eliminar qualquer tipo de rasto (incluindo os registos civis) de milhares de dirigentes políticos de oposição. Desse extermínio nasceriam as Mães da Praça de Maio, mulheres transformadas em documentos para testemunhar a existência dos filhos assassinados. A história prolongou-se até quase ao final do século XX, com o financiamento e apoio militar – primeiro Carter e depois Reagan – aos golpes na Nicarágua (1978) e El Salvador (1979), que deixariam os dois países em guerra civil até aos anos 1990. Aqui se notabilizaram os chamados “Esquadrões da Morte”, forças paramilitares que se dedicavam ao assassinato sistemático da população civil. Depois de um período em que massivos movimentos populares conseguiram assumir certa hegemonia e liderança política (o Brasil com Lula e Dilma, o Equador com Correa, a Bolívia com Morales, a Venezuela com Chavez e Maduro, o Paraguai com Lugo, o Uruguai com Mujica, a Argentina com os Kirchner, ou mesmo o Chile com Bachelet), trazendo ao continente um período de paz raramente conhecido, parece ser outra vez tempo de mudança de ciclo: processos judiciais altamente contestados, generais com ambições totalitárias e líderes políticos com suporte variável dos Estados Unidos – que a história há-de revelar com mais detalhe – voltam a manchar de sangue a agenda política na América Latina: execução de dirigentes e activistas no Brasil; balas de borracha disparadas nos olhos a cegar manifestantes no Chile; agressões organizadas a dirigentes e activistas na Bolívia. Generaliza-se a violência e promove-se, como de costume, a ignorância: líderes evangélicos são promovidos a ministros da educação, difundem o fundamentalismo religioso e limitam pensamentos críticos; há recolhas sistemáticas de livros e até fogueiras de bibliotecas inteiras, como na Bolívia, onde um ex-Vice Presidente de Evo Morales viu arder a sua biblioteca pessoal com 30.000 volumes. As respostas, sabe-se também, não deixam de aparecer, quer nas ruas, quer nas instituições. Até os jogadores da seleção de futebol do Chile se recusam a jogar, em solidariedade com o povo em manifestação quase permanente nas ruas de Santiago. A paz é que parece outra vez distante.
Andreia Sofia Silva VozesUma oportunidade [dropcap]A[/dropcap]notícia de que a Casa de Portugal em Macau (CPM) ganhou o concurso para gerir um restaurante na Casa de Vidro, na praça Tap Seac, constitui o pagamento de uma dívida há muito existente do governo para com esta associação. Quem não se recorda do fecho do Lvsitanvs na Casa Amarela devido à especulação imobiliária e ao poder dos proprietários (neste caso Chan Chak Mo), a quem pouco lhes interessa projectos inovadores para a cidade? O Governo nunca adquiriu esse edifício a Future Bright Holdings e a CPM viu-se obrigada a criar um mini Lvsitanvs na sua sede, algo bastante distante da ideia original. Parece que os pedidos de Amélia António ao Governo foram agora ouvidos. Está e uma boa decisão da tutela de Alexis Tam que assim da uma casa a mais uma iniciativa da sociedade civil na área da cultura e gastronomia.
João Luz VozesDez anos [dropcap]C[/dropcap]hui Sai On fez o balanço de uma década de governação na terça-feira. Tirando as palavras vazias e a fuga cirúrgica a algumas questões, os números apresentados e o confronto entre pré e pós Chui Sai On são impressionantes. Pelo menos, sem contexto. Investimentos públicos a duplicar em muitos sectores, com particular destaque para os apoios sociais. Mas em momento nenhum se mencionou que no início do primeiro mandato de Chui Sai On, abria o Strip do Cotai, que tornou Macau no território do mundo com maior volume de receitas de jogo. A mina fiscal que nasceu das águas para ser o solo mais fértil em termos de jogo é a razão destes números. Aliás, a ascensão progressiva de Macau ao topo dos PIB per capita do mundo não é um acidente, numa terra onde pouco ou nada se produz. Portanto, face a este contexto, não admira que o investimento público tenho aumentado exponencialmente. A inércia levaria a estes resultados, a governação em piloto-automático levaria a este resultado. O que admira é que numa das cidades mais ricas do mundo não haja saneamento básico em condições, o tratamento de esgotos seja meramente simbólico (a maioria vai parar directamente ao rio) e a cidade esteja repleta de ratos. Isso, sim, é admirável. Também é impressionante o tempo que se demora para se fazerem obras importantíssimas para Macau, como o segundo hospital público, outro estabelecimento prisional, ou o Metro Ligeiro. Enfim, todas estas questões foram deixadas de fora, ou abordadas com a leviandade de “opá, não me chateiem, estas coisas demoram, há processos, procedimentos e processamentos que emperram esta coisa”.
Hoje Macau VozesOlhar de cima [dropcap]R/dropcap]EC. Estaremos a viver debaixo de um céu estrelado? Ou serão antes meteoritos a vir na nossa direcção? Talvez seja um pouco dos dois. Muito se tem falado acerca do florescimento do sistema de videovigilância da RAEM e do plano de crescimento que prevê instalar mais de 4000 mil câmaras até 2028, algumas delas preparadas até para testar tecnologia de reconhecimento facial. Mas hoje o que me faz aqui sentir um pouco levado pela trela é mesmo o próprio nome do “Sistema de Videovigilância em Espaços Públicos” que vai trilhando seguro o seu caminho: “Olhos no Céu”! Mas que raio? Se por um lado parece ter “austeridade” e “controlo” estampado na testa (ou entre dois olhos talvez), por outro há qualquer coisa de celestial que fica a pairar no ar, pelo menos para mim, quando digo o nome em voz alta. Ora experimentem lá: ”Olhos [PAUSA] …no Céu”. Com os anjos a cantar ao fundo, parece soar a qualquer coisa de reconfortante e apaziguador não é? Talvez seja o conforto apaziguador de quem não pode deixar de tomar conta de todos nós, nem que seja por um segundo, e sempre para nosso bem. Mas este, digamos colo, representado sempre no palco da segurança e da eficácia do combate à criminalidade tem sido dúbio de compreender em termos da sua aplicação, pois falta saber de que forma será protegida a privacidade da população no espaço público e, por exemplo, como serão tratados e armazenados todos os dados e quem terá acesso aos mesmos. Não nego as vantagens que um sistema de videovigilância pode trazer, mas não consigo deixar de me sentir em permanente desvantagem perante alguém que olha de cima, a todo o instante. Nebuloso? Sim! Mas para já o que é certo é que Ele vai estar cada vez mais no meio de nós. Esperemos, ao menos, que não nos caia em cima. P.A.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesConceitos de violação (I) [dropcap]R[/dropcap]ecentemente, em Barcelona, cinco homens foram absolvidos do crime de violação de uma rapariga de 14 anos, embora tenham sido condenados por abuso sexual. A decisão do juiz foi muito contestada e deu origem a várias manifestações de protesto. Terá sido uma deliberação errada? Não se terá feito justiça? Será adequada a lei que regula os casos de violação em Espanha? A comunicação social de Hong Kong divulgou o caso no início deste mês. A jovem, que tem actualmente 14 anos, foi agredida em 2016, por cinco homens durante uma festa. No momento da agressão a menina estava inconsciente devido à ingestão de álcool e consumo de drogas. Por este motivo, o Tribunal deliberou que não se tinha tratado de violação. Segundo a lei espanhola, para haver violação tem de haver recurso à violência ou à intimidação. Neste caso, devido à inconsciência da jovem, os agressores não tiveram de recorrer a esses meios. A decisão do juiz desencadeou uma onda de protestos e os manifestantes exigiram a revisão da lei. O abuso foi no entanto provado. Um dos homens comandou as operações, estabelecendo que cada um deles a usaria durante quinze minutos. A decisão do Tribunal de Barcelona, ouvida a 31 de Outubro, baseou-se na lei. Devido ao estado de inconsciência da vítima, os agressores não precisaram de recorrer à violência nem à intimidação. Logo, perante a lei espanhola, não houve violação. Por este motivo, ficou provado o crime de abuso sexual e não o de violação. Os réus foram condenados a penas de prisão entre os 10 e os 12 anos. A vítima recebeu uma indemnização de 12.000 euros. Durante os protestos, os manifestantes exibiram cartazes onde se podia ler “Não é abuso sexual, é violação”. Exigem a revisão da lei porque a consideram antiquada e incapaz de proteger as vítimas. Este caso levanta algumas questões dignas de reflexão. O entendimento geral de violação implica que alguém (regra geral um homem) obrigue outrém (regra geral uma mulher) a ter relações sexuais sem o seu consentimento. Este caso é disso um exemplo. Mas um homem também pode violar outro homem. Em Taiwan, em Agosto deste ano, um indivíduo chamado Fu hospedou-se num hotel em Chiayi. Partilhou o quarto com outro homem pelo qual se sentiu atraído. Fu saiu do hotel e foi à rua comprar leite de soja e depois passou numa farmácia onde adquiriu duas seringas e um hipnótico. Depois de ter dissolvido o produto em água quente, injectou a mistuta no leite de soja com uma das seringas e deu-o a beber ao outro homem. A vítima entrou em coma e foi violada repetidas vezes durante a noite. Mas, por mais estranho que pareça, as mulheres também podem violar homens. Em Maio de 2015, uma mulher coreana amarrou as mãos e os pés do marido num hotel em Seúl, forçando-o a ter relações sexuais; a mulher foi acusada de “violação familiar”. E o mais chocante é terem-se já registado casos de mulheres que violam outras mulheres. Em 2014 Jesamine Hearsum, uma mulher britânica, levou para casa uma rapariga que conheceu num bar. Jesamine tentou fazer sexo com a jovem mas esta recusou-se. Nessa altura Jesamine espancou-a e ameaçou-a com uma faca. Acabou por ser condenada a uma pena suspensa de dois anos e foi proibida de estabelecer contacto com a vítima durante três anos. No entanto, este crime costuma ser encarado como uma agressão que os homens praticam contra as mulheres. Se efectivamente o agressor for um homem e a vítima uma mulher, o crime de violação será consumado se houver penetração vaginal, contra a vontade da vítima. Não existe necessidade de provar qualquer tipo de detalhes. Basta ter havido penetração contra vontade para se determinar que houve violação. O facto de não haver consentimento, implica geralmente que, de uma forma ou de outra, teve de haver violência. O uso da violência física é o mais comum, mas também pode haver outras situações que impliquem o recurso a drogas e álcool para induzir na vítima um estado de inconsciência. O segundo caso continua a ser considerado violação. A jovem de Barcelona estava alcoolizada e drogada e os cinco agressores aproveitaram a situação sem necessitarem de recorrer à violência física. A lei espanhola só considera violação se o acto envolver violência. Por causa disso, as pessoas têm saído à rua a pedir a alteração da lei, considerando-a desactualizada. A definição de violação encontra-se presente no nosso Código Penal. Segundo o Artigo 157, violação significa: a. Obrigar alguém a práticas sexuais – penetração vaginal, anal ou oral – com o próprio ou com uma terceira pessoa, através do recurso à violência; ou b. Forçar outros a terem relações sexuais entre si -penetração vaginal, anal ou oral -; ou c. Após induzir um estado de inconsciência em alguém, praticar com essa pessoa actos sexuais – penetração vaginal, anal ou oral. Um violador pode ser condenado entre três a doze anos de prisão. Continua na próxima semana. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Andreia Sofia Silva VozesO comissário discreto [dropcap]A[/dropcap] confirmar-se, o nome de Ho Veng On para o cargo de secretário para a Economia e Finanças pretende dar credibilidade a uma área que tem sido alvo de muitas críticas, não só por parte da sociedade como de deputados. Refiro o exemplo da forma como os serviços públicos tem utilizado o erário público nos últimos anos para aquisições de bens e serviços, ou na área das obras públicas. Discreto, com poucas declarações aos media, o comissário da Auditoria tem feito um bom trabalho que não passa apenas pela publicação dos relatórios de investigação, mas sim pelo sinal de profissionalismo que nem sempre existe no funcionalismo público de Macau. Exemplo disso foi o recente relatório sobre os gastos com o regime de recrutamento centralizado dos Serviços de Administração e Função Pública. As incongruências no discurso de Kou Peng Kuan, director dos SAFP, que primeiro admitiu erros em resposta ao CA para depois os desmentir aos jornalistas, levou Ho Veng On a emitir um comunicado público em defesa do trabalho independente do CA, acusando Kou Peng Kuan de “falta de respeito”. Trata-se de algo raro onde este tipo de relatórios e o que se diz sobre eles demora a ter consequências. Veremos se esta alegada escolha se concretiza.
João Santos Filipe VozesDesconforto [dropcap]U[/dropcap]m aluno está a ser investigado pela prática do crime de dano qualificado por ter feito um grafiti numa parede na Travessa da Paixão. Nas redes sociais, principalmente em chinês, o caso ganhou um amplo destaque porque o filho de uma deputada fez o mesmo, numa parede diferente, e não teve problemas. O caso foi mais insólito porque, na ignorância, as imagens até foram transmitidas num programa de televisão do Interior da China. As autoridades sempre tão expeditas a tratar de outros casos, neste apenas disseram que teria de ser o “privado” a apresentar a queixa, o que não aconteceu. Porém, para a sociedade civil a mensagem que passou foi de uma impunidade para uma das famílias mais ricas. Mas não foi a primeira vez. Num outro caso descobriu-se que a deputada era proprietária de uma fracção que estava a ser utilizada como pensão ilegal. Na altura de apurar responsabilidades, e mais uma vez, o Governo considerou que o membro da família Ho nem sabia o que se passava na fracção. Em ambos os casos as autoridades podem ter agido totalmente de forma legal e imparcial. Contudo, é muito complicado explicar à população a diferença de critérios. Um estudante faz um grafiti e as autoridades fazem-no sentir o peso brutal da justiça, com o recurso aos Olhos no Céu. Uma das famílias abastadas vê-se envolvida em mais do que um caso e surgem todas as tecnicalidades para ilibá-la, com recurso ao sistema Cabeça debaixo da Areia. A PJ até se veio defender, e pareceu-me que de forma muito clara e objectiva, mas basta recordar “a simpatia” do secretário Wong Sio Chak face às agressões a agentes da PSP numa manifestação do Pearl Horizon para perceber a razão de haver franjas da sociedade a questionar a imparcialidade das decisões…
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA questão dos resíduos sólidos “Climate change impacts are only one of a number of environmental impacts that derive from solid waste management options. Other impacts include health effects attributable to air pollutants such as NOx , SO2 , dioxins and fine particles, emissions of ozone depleting substances, contamination of water bodies, depletion of non-renewable resources, disamenity effects, noise, accidents etc. These environmental impacts are in addition to the socio-economic aspects of alternative ways of managing waste. All of these factors need to be properly considered in the determination of a balanced policy for sustainable waste management, of which the climate change elements are but one aspect”. Waste Management Options and Climate Change Alison Smith, Keith Brown, Steve Ogilvie, Kathryn Rushton and Judith Bates [dropcap]O[/dropcap] rápido crescimento da população mundial, o aumentar permanente dos padrões de vida, e os vastos avanços tecnológicos estão continuamente a ampliar a variedade e a quantidade de resíduos sólidos. A geração de resíduos sólidos urbanos, simultaneamente com a elevada percentagem de resíduos orgânicos presentes nos resíduos sólidos e o seu descarte, muitas vezes incorrecto, resulta em extensa poluição ecológica, baseada principalmente na emissão de gases que como o metano (CH4) e o dióxido de carbono (CO2). Devido a esta ameaça ambiental, as autoridades municipais são actualmente instadas a implementar soluções técnico-económicas e políticas de maior eficiência para gerir o crescimento de grandes quantidades de resíduos sólidos urbanos. A maior parte dos resíduos sólidos municipais (principalmente urbanos) consiste em resíduos biodegradáveis que desempenham um papel substancial nas emissões de gases com efeito de estufa (GEE) nas cidades de todo o mundo e de acordo com o estado actual do conhecimento, a gestão de resíduos sólidos é a estratégia de escolha para regular esta questão; tais estratégias, no entanto, necessitam de melhorias para trabalhar com as fracções orgânicas em crescimento de devoluções de sólidos municipais. Se for realizada de forma inteligente, pode por um lado, contribuir para a desejada redução das emissões de GEE, e, por outro lado, até mesmo potencialmente gerar benefícios económicos. Assim, os sistemas para a gestão sustentável dos resíduos sólidos urbanos são auspiciosos e atraentes objectos de estudo para avaliar o comportamento do consumo actual em diferentes regiões do planeta e para proteger o ambiente natural. Os resíduos sólidos urbanos, geralmente, são depositados em lixeiras e aterros sanitários como a mais simples, conveniente, barata e tecnologicamente menos avançada. As fracções orgânicas como o principal componente dos resíduos sólidos urbanos sofrem biodegradação nas condições anaeróbias prevalecentes nos aterros, que consequentemente libertar os GEE. A redução ou abolição total da poluição ambiental passa a ser cada vez mais importante, o que intensifica os esforços globais dedicados ao desenvolvimento de novas estratégias para reduzir gradualmente as quantidades de resíduos sólidos urbanos biodegradáveis em aterros sanitários. O processo de redução da poluição orgânica envolve a recolha separada na fonte da fracção orgânica dos resíduos sólidos urbanos, que sejam objecto de compostagem, incineração de resíduos orgânicos para fins energéticos e processamento mecânico/biológico para obter um material compostável. Os resíduos sólidos urbanos são geralmente compreendidos como os resíduos acumulados em um município. A maior parte destes resíduos sólidos é gerada em qualquer lugar, e, portanto, pode ser prejudicial ou inofensivo. Em geral, independente da origem dos resíduos sólidos urbanos, o seu impacto sobre o meio ambiente e diferentes formas de vida afecta e agrava a poluição do ar, água e solo. Além disso, o impacto dos resíduos sólidos urbanos no uso do solo, odores e aspectos estéticos também têm em conta considerações holísticas de sistemas de tratamento de resíduos. A espécie humana é responsável por qualquer poluição ambiental e constitui, por conseguinte, o principal factor de risco para a biodiversidade da natureza. A nível mundial o crescimento da população e o aumento da procura por parte dos consumidores, especialmente em economias em crescimento, emergentes e em desenvolvimento, resultaram em um grande aumento da produção em todo o mundo, apesar de começar a diminuir à medida que a recessão aumenta com nova crise à vista. No entanto, a maioria das instalações industriais são insuficientes ou completamente desprovidas de monitorização dos seus processos de produção em termos ambientais e, muitas vezes, instalações insuficientes ou inadequadas para a gestão e o tratamento de resíduos. A tendência global de rápido crescimento urbano causou ainda mais um aumento da geração de resíduos a partir de habitações e de serviços públicos e privados Além disso, estão em curso actividades intensificadas de construção e demolição e como a densidade populacional urbana é geralmente muito alta em todo o mundo, o consumo de bens e serviços é também elevado nas zonas urbanas. As quantidades de resíduos sólidos urbanos acumulados estão também directamente correlacionadas com o estatuto económico da sociedade num determinado país. A geração de resíduos sólidos urbanos per capita aumentou na maioria dos países a nível global e em muitos casos, este aumento tem sido dramático, especialmente durante os últimos anos. É de considerar que entre todos os resíduos sólidos, plásticos, papel, vidro e metais são as quatro categorias de maior potencial de reciclagem. As enormes quantidades de resíduos sólidos urbanos não constituem apenas um grave risco ecológico, mas são também motivo de grande preocupação social o que torna claro que a gestão adequada dos resíduos sólidos urbanos é uma questão actual e tema da maior importância. Devido a diversas deficiências, tais como a falta de separação de resíduos na origem, tratamento insuficiente, reutilização escassa, falta de sistemas de reciclagem e frequentemente inadequada, a gestão dos resíduos sólidos ainda apresenta várias lacunas na cadeia de gestão que é necessário preencher. O tratamento da fracção de resíduos orgânicos para recuperação de energia e recursos altera as suas características físicas e químicas. Neste contexto, as técnicas de processamento mais importantes incluem a compostagem (tratamento aeróbio) ou biometanogénese (tratamento anaeróbio em reactores de biogás). A compostagem através de processamento aeróbio produz o composto como um produto estável, que é amplamente utilizado como adubo e como fertilizante e condicionador de solo. Por várias razões, as instalações de compostagem são utilizadas em menor escala nas grandes cidades. A prevalência de resíduos não separados e a produção de composto de baixa qualidade, resultando em diminuta aceitação do utilizador final, são as duas razões mais importantes para essa subutilização. A biometanogénese via actividade microbiológica em condições anaeróbicas gera biogás rico em metano como componente de valor. Em geral, a compostagem torna-se viável quando um determinado resíduo contém alta humidade e conteúdo orgânico. A eliminação descontrolada e arbitrária de resíduos mistos, incluindo as fracções orgânicas causam problemas ambientais, tais como a poluição dos solos e dos ambientes aquáticos devido à lixiviação de componentes de resíduos. É de atender que um estudo que avalia um novo processo industrial para o processo mecânico-biológico do tratamento de resíduos sólidos urbanos, relata que os resíduos sólidos urbanos recebidos para tratamento na instalação consiste tipicamente, com base na massa seca, em 9 por cento de resíduos rejeitáveis, 21por cento de resíduos finos (<20 mm) (principalmente rejeitáveis), 23 por cento de papel e cartão, e 15 por cento de diversos materiais plásticos provenientes da petroquímica. Tão alto valor em plásticos, papel e papelão é típico para determinadas situações locais, onde os resíduos sólidos urbanos são recolhidos apenas com base numa separação na fonte do vidro e dos resíduos complexos residuais, sem recolha selectiva de plástico, papel e papelão. Quanto aos tipos de resíduos sólidos urbanos pode ser feita uma classificação com base nas fontes de resíduos sólidos tendo em conta que todos os resíduos sólidos produzidos no território de um município, independentemente da sua natureza física e química e fonte de geração, são classificados como resíduos sólidos urbanos; todas as actividades económicas criam um determinado padrão de resíduos sólidos e devido ao facto de que as actividades económicas e de consumo causam a geração de resíduos sólidos, todas essas actividades são consideradas fontes de resíduos sólidos. As habitações, hotéis, escritórios, lojas, estabelecimentos de ensino e outras instituições são causas de geração de resíduos sólidos urbanos. A maior parte dos resíduos sólidos abrange os resíduos orgânicos (principalmente alimentares ou hortícolas), cartão, papel, plásticos e outras resinas, têxteis, metal e vidro; em muitos casos, até mesmo os resíduos de demolição e construção estão incluídos nos resíduos recolhidos, para além de certas quantidades de resíduos precários, tais como pilhas, lâmpadas eléctricas e fluorescentes, peças para automóveis, medicamentos fora de prazo e outros produtos farmacêuticos, bem como produtos químicos diversos, como por exemplo, produtos de limpeza e cosméticos. Assim, as principais fontes de resíduos sólidos são as habitações e os sectores agrícolas, industrial, da construção, comercial e institucional. É de considerar que paralelamente ao aumento da população e da actividade económica, a gestão dos resíduos sólidos está a tornar-se um problema grave para quase todos os municípios. A saúde pública, perturbação por odores, emissões de gases perigosos, poluição atmosférica ou a formação de partículas são fenómenos típicos das regiões urbanas. Para uma gestão inteligente, a eliminação de resíduos sólidos urbanos exige uma monitorização ambiental adequada durante toda a cadeia de tratamento de resíduos, desde a sua recolha até à eliminação final, e, finalmente, é necessário um controlo regular dos locais de eliminação. Assim, para gerir os resíduos sólidos de forma eficiente, as inter-relações de quatro elementos funcionais têm de ser tidos em conta, antes de ser tomada uma decisão sobre a estratégia de eliminação final. A primeira função refere-se ao material gerado na fonte, sendo que materiais para os quais não existe mais valor acrescentado são referidos e eliminados como resíduos. A quantidade e natureza dos diferentes tipos de resíduos dependem da fonte de resíduos. O segundo elemento de função abrange o manuseamento, a separação e o armazenamento no local dos resíduos. Neste contexto, os resíduos têm de ser sujeitos a separação, antes de serem colocados num local de armazenamento adequado como os contentores. O papel, papelão, plástico, vidro, metais ferrosos, latas de alumínio e resíduos orgânicos são os componentes que são tipicamente separados e armazenados individualmente. Durante o processo de colecta, os resíduos sólidos são recolhidos e colocados em contentores vazios, que têm compartimentos separados para materiais recicláveis. Posteriormente, os trabalhadores de recolha de resíduos, colecta-os manualmente nos centros de eliminação antes de os descartar nos locais de eliminação. Uma política de gestão adequada dos resíduos deve assentar nos princípios do desenvolvimento sustentável, que considera a recusa da sociedade não só como rejeição mas também como um recurso potencial, que pode ser actualizado para valor potencial de criação. As instalações adequadas de gestão de resíduos sólidos nas regiões urbanas são essenciais, por um lado, para a gestão e protecção do ambiente e, por outro, para a saúde pública. Estratégias e técnicas de resolução de resíduos são problemas à escala regional que têm inevitavelmente um grande número de possíveis soluções a fim de serem implementadas em diferentes áreas, que são caracterizadas por variadas densidades populacionais, diferentes padrões e estilos de vida, número de localizações para infra-estrutura de gestão de resíduos e número e tipos de paisagens protegidas e outros sítios ecológicos de alto valor. A gestão ambientalmente benigna dos resíduos depende de vários factores específicos do local, como a composição dos resíduos, a eficácia da recolha dos mesmos na fonte e dos sistemas de tratamento necessários para o seu transporte que requer diferentes técnicas de gestão de resíduos, viabilidade de material de valor acrescentado, valorização a partir de fluxos de resíduos, normas de emissão segundo as quais a gestão de resíduos das instalações são projectadas e operadas, a eficiência geral de custos e o desempenho social da comunidade. Devido a essa alta complexidade, a gestão de resíduos sólidos municipais tem atraído muita atenção, especialmente em países com altos níveis de desemprego. O desenvolvimento económico dinâmico, como o da Índia, que é um país que produz cerca de seiscentos milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos por ano obriga a séria reflexão. A “Avaliação do Ciclo de Vida (ACV)” é uma ferramenta analítica de processo recomendada em muitos documentos da UE, como por exemplo, a Directiva 2008/98/CE relativa aos resíduos. A ACV como ferramenta apoia ou permite a consideração holística das questões ambientais. O impacto de um novo produto ou processo durante o seu desenvolvimento. Como medida quantitativa, o “Índice de Processos Sustentáveis (IPs)” permite comparar de forma simples a pegada ecológica dos produtos, processos e sistemas baseados na área necessária para a incorporação completa de um processo/sistema na ecosfera. Assim, a ACV é uma ferramenta bem estabelecida, que actualmente é amplamente utilizada para avaliar o impacto ambiental dos ciclos de vida dos produtos, em que a primeira refere-se apenas à produção até que o produto que saia da fábrica, enquanto o segundo envolve também a eliminação de resíduos após o encerramento da fábrica. A avaliação da situação actual das centrais de cogeração municipais de gestão de resíduos do ponto de vista ambiental, económico e social através de uma abordagem do ciclo de vida é um passo importante antes de tomar qualquer decisão sobre as tecnologias a seleccionar, políticas a desenvolver e as estratégias a adoptar por um país. O número considerável de modelos de computador de ACV reportados e dedicados a gestão de resíduos sólidos urbanos, recorrendo frequentemente à ferramenta de quantificação de SPI, enfatiza a aplicabilidade da ACV em questões relacionadas aos sistemas de gestão de resíduos sólidos urbanos. Tipicamente, estes modelos foram desenvolvidos de forma independente entre si e baseiam-se frequentemente em características e pressupostos que são altamente específico do período, quadro económico e das condições geográficas em que foram desenvolvidos, o que enfatiza claramente que a avaliação da viabilidade de uma dada necessidade dos sistemas de gestão de resíduos sólidos estar de acordo com as condições prevalecentes em uma cidade ou região específica.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesMais 10 anos [dropcap]N[/dropcap]o próximo dia 12, o Chefe do Executivo, Chui Sai On, vai apresentar o balanço do trabalho do Governo referente ao ano económico de 2019 e a preparação do Orçamento para o ano económico de 2020. A 20 de Dezembro, os seus dois mandatos chegarão ao fim, marcando os vinte anos de regresso de Macau à Pátria Mãe, um período que decorreu com estabilidade e em paz. Durante o final do segundo mandato, existiram alguns casos que se tornaram notórios pela negativa, nomeadamente os do ex-procurador Ho Chio Meng, acusado de corrupção e suborno passivos, do suicídio da Directora-geral dos Serviços de Alfândega Lai Man Wa, a manifestação (em que participaram cerca de 20.000 pessoas) contra a Proposta de Lei intitulada “Regime de garantia dos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos a aguardar posse, em efectividade e após cessação de funções”, o cancelamento do serviço de transportes a cargo da Sociedade de Transportes Públicos Reolian, a danificação na estrutura do Edifício “Sin Fong Garden”, a reversão do terreno do Edifício Pearl Horizon e a investigação sobre o projecto de construção do Alto de Coloane. No entanto, na presença destes problemas de ordem social e administrativa, Chui Sai On foi capaz de gerir as várias situações com presença de espírito, especialmente no que diz respeito à Proposta de Lei intitulada “Regime de garantia dos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos a aguardar posse, em efectividade e após cessação de funções”, que foi retirada pelo Governo eficaz e atempadamente. Em comparação com a actuação de Carrie Lam, Chefe do Executivo de Hong Kong, perante os problemas levantados pelo “Movimento Contra a Revisão da Lei de Extradição”, o comportamento de Chui é digno de louvor. No entanto, uma administração sensata não significa ausência de problemas sociais. Num programa de rádio que conta com a participação dos ouvintes (transmitido a 4 de Novembro), alguns participantes falaram sobre as dificuldades por que passam algumas pequenas e médias empresas, especialmente as que estão ligadas ao comércio, pedindo o apoio do Governo a esta actividade. De acordo com uma sondagem recente levada a cabo pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, a percentagem de desemprego dos residentes locais, desde Julho a Setembro, era de 2.5%, mostrando um ligeiro aumento de 0.5%, em relação à sondagem anterior. No decurso do “Inquérito de conjuntura à restauração e ao comércio a retalho referente a Agosto de 2019”, os inquiridos afirmaram que não tinham esperança de ver os seus negócios melhorar em Setembro. 45% acreditam que vão piorar de ano para ano. 18% acreditam que vão melhorar. Além disso, a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos anunciou que a a receita bruta mensal dos jogos de fortuna ou azar em Outubro de 2019 foi de 26.443 milhões de patacas, revelando uma queda de 3,2% em relação ao ano anterior, e que a Receita Bruta Acumulada entre Janeiro e Outubro deste ano foi de 246.740 milhões de patacas, revelando uma queda de 1,8% em relação a 2018. Segundo os analistas de mercado, com o expectável decréscimo de turistas até ao final do ano, e com a vinda dos líderes da China em Dezembro a Macau, espera-se a queda de 1 dígito na receita bruta mensal dos jogos de fortuna ou azar em Novembro. A partir das estatísticas, da opinião pública e da observação factual, a economia de Macau aparenta estar em curva descendente. Esta curva decendente está inevitavelmente em sintonia os sinais de decréscimo da macroeconomia mundial. Nos 20 anos que se seguiram ao Regresso de Macau à soberania Chinesa, o desenvolvimento económico da cidade foi potenciado pela liberalização do jogo e pela política de “Vistos Individuais” implementada pela China, que permitiu a Macau ter níveis de prosperidade que atingiram recordes em toda Ásia. Com o rápido desenvolvimento económico, a quantia necessária para comprar uma casa em 1999 mal dá hoje em dia para comprar um simples lugar de estacionamento. Embora o Governo distribua dinheiro pelos residentes todos os anos, tenha implementado o Programa de Comparticipação nos Cuidados de Saúde e os passes sociais, o preço das casas continua a subir. Recentemente, até o preço da carne de porco subiu até atingir quase 200 patacas por quilo. Apesar das medidas do Governo de “racionalização de quadros e simplificação administrativa”, o número de funcionários públicos subiu em vez de descer. O sistema de Metro Ligeiro de Macau, que anda a ser construído há vários anos, poderá entrar em funcionamento até às ilhas circundantes, pelos finais deste ano. Embora as reservas fiscais do Governo de Macau tenham atingido os 6.000 mil milhões de patacas, a construção urbanística e a diversificação económica durante estes 20 anos ainda não passaram da fase de planeamento. Macau não confia apenas na Mãe Pátria, depende dela. E o que é que Macau deverá fazer nos próximos 30 anos? Ho Iat Seng foi eleito para o quinto mandato de Chefe do Executivo. Se tudo correr bem, será reeleito de forma a preparar Macau para a reintegração da cidade no sistema da China continental. Como havemos de diversificar a estrutura económica de Macau de forma a lidar com a alteração nas concessões da indústria do jogo? O que é que deve ser feito para ajudar à expansão do espaço vital da cidade através do plano de desenvolvimento da Nova Área de Hengqin? Penso que é a partir destes dois polos que se deve orientar o desenvolvimento de Macau na próxima década. Espero que daqui a dez anos, possamos ter uma cidade competitiva e criativa, e não apenas um pequeno burgo dependente das receitas do jogo e do dinheiro dos turistas.
João Santos Filipe VozesIntenção duvidosa [dropcap]O[/dropcap] tema do reconhecimento mútuo das cartas de condução entre Macau e o Interior da China é um dos assuntos mais quentes da política local, mas tem estado praticamente arredado do debate nas últimas semanas, à excepção de declarações de um subdirector da DSAT. Compreende-se. Já muito foi debatido, mas nunca se tocou num ponto essencial que só veio a público devido à questão do trabalhador não-residente que teve um acidente e causou uma vítima mortal por negligência. Como é sabido, o homem foi posto em liberdade e aproveitou para regressar ao Interior da China, de forma a evitar cumprir uma pena de três anos e três meses de prisão. A polícia defende que nada pode fazer, assim como o juiz, uma vez que as leis actuais associam a prisão preventiva ao dolo. O caso mostrou a impunidade que vai reinar quando o reconhecimento mútuo das cartas de condução for imposto. É muito grave que o Executivo tenha tentado forçar uma medida que ia abrir a porta para que fossem cometidos crimes em Macau sem que haja os mecanismos necessários para responsabilizar os culpados. Porém, o assunto nunca foi abordado nesta perspectiva, o que só mostra que a intenção política era muito pouco transparente. Este aspecto é bastante chocante. Um Governo que está sempre tão preocupado com a segurança, a instalar câmaras em todo o lado, não deveria abrir a porta para que sejam cometidos crimes que não podem ser castigados, mesmo que até se façam uma “trocas” de prisioneiros na fronteira. À luz deste prisma, a recusa da medida é lógica e justifica-se com a necessidade de garantir a segurança local. O que se “estranha” é que o debate não tenha focado este aspecto…
Hoje Macau VozesExposição Individual Carlos Marreiros Red December Primeiro Acto “ Para onde fores, vai todo, Leva junto o teu coração” Confúcio [dropcap]D[/dropcap]esde há muito que desenho cidades em construção, cidades imaginárias, sem tempo próprio, porque todos os tempos coexistem no mesmo espaço dessas cidades. É a minha Macau e tantas Macaus, simultaneamente, a conviver com memórias de pedaços de outras cidades ou lugares, igualmente, sem relógio. São lugares que estão sempre em formação e, por isso, não terminadas. E contam estórias que aconteceram e outras que vou inventando. Macau é o pretexto, e tem o mesmo sentido que Gabriel García Márques deu à sua aldeia imaginária chamada Macondo. Estes desenhos são muito pormenorizados e de grandes dimensões. Faço-os com ponteiras, de entre 0,15 e 0,5, a tinta-da-china, em papel para aguarela, de grão fino e alta gramagem, e normalmente em folhas de tamanho A3. O desenho final é uma manta de retalhos, resultante da junção destas folhas todas. “Red December” é um barco que é uma pequena cidade, e viaja à procura do seu próprio tempo. Começei a construí-lo no Ano Lunar do Cão, nos estaleiros navais de Long Ngán Vun do meu estirador, e irei terminá-lo a tempo de ser exibida na exposição com o mesmo nome, a ser inaugurada a 8 de Novembro deste ano. O “Red December” transborda estórias, pretende trazer alegria e boa disposição. É habitada por gentes muito díspares, no tempo, no espaço nos desempenhos próprios.” A maioria delas sonha. E tem coração grande. Fernando Pessoa testemunha: « Trago dentro do meu coração, / Como num cofre que se não pode fechar de cheio, / Todos os lugares onde estive,/ Todos os portos a que cheguei,/ Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,/ Ou de tombadilhos, sonhando,/ E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.» Segundo Acto Tenho uma concepção de biblioteca quase próxima da do Jorge Luis Borges. Do Paraíso, ainda, talvez: “ O Paraíso seria uma espécie de biblioteca.” Só que os meus livros não têm só letras mas imagens também, podendo estas ser ou não “fontes de feitiçaria”. Continuando a citar o mesmo poeta argentino, o “livro é um objecto físico num mundo de objectos físicos. É um conjunto de símbolos mortos. É então que o leitor certo chega, e as palavras – ou melhor, a poesia escondida nas palavras, pois as palavras em si mesmas são meros símbolos – ganham vida, e temos uma ressureição da palavra”. Como o pincel, com imitação de sangue, servido em gengibre, que ao pintalgar os olhos e outras partes do leão do sul chinês, vivifica-o. Ainda, agora, era um leão de papel, cartão, bambú e trapos, tão belo e colorido, mas inerme. Já move, sacode as orelhas. Cresce, fita-nos nos olhos. Já dança! É, ao mesmo tempo, gracioso e feroz, brutal e complacente, dominador e dócil. A minha biblioteca é constituída por muitos livros, grandes e pequenos, cheios de imagens e algumas palavras. Talvez, como escrevia Fernando Pessoa: «…livros são papéis pintados com tinta.» Livros com registos diários de coisas que gosto e que quero fazer, ou, simplesmente, porque tenho que as fazer. São muitos desenhos, desde um pequeno borrão gráfico ou um registo automatista inconsequente; um esboço, um estudo, ou um desenho muito elaborado e enorme. Ou etiquetas de super-mercado ou saquetas de açúcar coladas mas páginas, como sendo as coisas mais importantes da vida. Como pode um papelinho de prata que embrulha um chocolate ser importante nas nossas vidas? Será que o leão colorido já vivificado, trará o leitor certo?
Olavo Rasquinho VozesOnde o mar se acaba e a terra começa [dropcap]N[/dropcap]ão, não é engano. O título deste texto é mesmo “Onde o mar se acaba e a terra começa” e não “Onde a terra se acaba e o mar começa”, como Luís de Camões escreveu numa das estrofes do canto III dos Lusíadas: Eis aqui, quase cume da cabeça De Europa toda, o Reino Lusitano, Onde a terra se acaba e o mar começa, E onde Febo repousa no Oceano. Este quis o Céu justo que floresça Nas armas contra o torpe Mauritano, Deitando-o de si fora, e lá na ardente África estar quieto o não consente Vem este texto a propósito do que está gravado numa placa do monumento que se encontra perto da cidade Choshi, junto ao farol do Cabo Inubo, o local mais a leste da prefeitura de Chiba, no Japão: “Cabo Inubo e Cabo da Roca – Monumento à amizade – Aqui… Onde o mar se acaba e a terra começa”. A situação geográfica deste cabo faz com que fique sujeito com certa frequência à ação de tempestades tropicais e tufões. Na parte oeste do Pacífico Norte os ciclones tropicais (tempestades tropicais e tufões) formam-se em geral no bordo sul do anticiclone subtropical característico dessa região, estatisticamente entre as Ilhas Marianas e as Filipinas, deslocando-se para oeste à medida que intensificam, progredindo em seguida para noroeste e norte, atingindo um ponto em que as suas trajetórias invertem o sentido passando o movimento a ser para nordeste ou leste, acabando por atingirem as latitudes médias. Ao progredirem neste trajeto afetam com certa frequência o Japão, nomeadamente a sua maior ilha, Honshu, onde se encontra o cabo Inubo. Foi na sequência de um tufão que causou o naufrágio de um navio de guerra japonês que provocou 13 vítimas mortais, em outubro de 1868, que surgiu a necessidade da construção de um farol neste cabo, cujo início de funcionamento se reporta a 1874. Sensivelmente à mesma latitude do Cabo Inubo, no extremo oeste do continente euroasiático, no Concelho de Sintra, freguesia de Colares, também surgiu a necessidade de se erguer um farol no Cabo da Roca, não por causa de ciclones tropicais, mas devido à frequência de nevoeiros e à forte agitação marítima causada por sistemas frontais no inverno e forte nortada no verão. Antes do século XIV acreditava-se na Europa que os penhascos do Cabo da Roca, varridos quase permanentemente por vento forte, eram a extremidade do mundo, o que inspirou Camões para escrever o célebre verso da estrofe do canto III. O farol do Cabo da Roca, um dos mais antigos do nosso país, foi mandado erguer durante a vigência do marquês de Pombal, tendo começado a funcionar em 1772, cerca de cem anos mais cedo que o do Cabo Inubo. O nome do Cabo Inubo provém da junção de dois carateres chineses, o primeiro dos quais significa cão e o segundo uivo. Uma das várias explicações desse nome é a de que nessa região eram frequentes as concentrações de leões-marinhos, cujo som emitido é semelhante ao uivo dos cães. Há, no entanto, outras versões, nomeadamente a que se baseia na lenda que narra que um cão ali perdido uivou durante sete dias e sete noites. Se fosse um cão qualquer não seria motivo para inspirar uma lenda, mas tratava-se do animal de estimação de Minamoto no Yoshitsune (1159-1189), um dos mais famosos samurais da história do Japão. O Cabo da Roca tem também sido fonte de lendas, das quais sobressai aquela em que um menino de cerca de 5 anos fora raptado por três bruxas e largado num buraco próximo do Cabo da Roca. Tendo ouvido o choro da criança, uns pastores deram o alarme e o menino foi salvo pelos habitantes de uma aldeia próxima. José Gomes, era esse o seu nome, contou à mãe que durante o tempo que esteve no buraco fora alimentado com sopa de cravos, por uma senhora muito bonita. Mais tarde sua mãe, para agradecer o resgate, foi rezar numa igreja onde estava uma imagem de Nossa Senhora, tendo a criança afirmado que fora aquela senhora que o havia alimentado. À semelhança da inscrição gravada na placa perto do farol do Cabo da Roca (“Onde a terra se acaba e o mar começa”), as autoridades de Choshi decidiram colocar uma placa perto do farol do Cabo Inubo, com uma frase análoga, numa manifestação de amizade para com o povo português. Nessa placa estão gravadas as coordenadas de ambos os cabos. Tive conhecimento deste assunto em conversa com Minoro Kamoto, na altura presidente do Grupo de Trabalho de Hidrologia do Comité dos Tufões, com sede em Macau desde 2007, quando lhe disse que vivia em Portugal a cerca de 15 km do Cabo da Roca, o local mais a oeste da Europa continental. Deixou-me curioso quando me deu a conhecer que visitara o cabo Inubo, tendo-se referido ao monumento com a inscrição “Aqui… onde o mar começa e a terra acaba”. Também me falou da existência de um vídeo que circula na Internet, intitulado “Inubousaki and Roca Cape – Friendship Monument” (https://www.youtube.com/watch?v=l3U5iCyeJLs), onde tive a oportunidade de me inteirar sobre a atitude amistosa das autoridades japonesas de prestarem homenagem à amizade luso-japonesa através da inscrição junto ao farol de Inubo. Numa época em que se constroem muros entre os povos, é com satisfação que se toma conhecimento que também se edificam pontes.
João Luz VozesPedras na engrenagem [dropcap]A[/dropcap]línea A) Pessoas que entram nos autocarros e estacionam o corpanzil logo à entrada, mesmo que não falte espaço no autocarro, sem qualquer noção de que os seus corpos têm volume ou que as malas que transportam são autênticos Himalaias que os outros têm de contornar. Alínea B) Pessoas que não sabem que existem headphones, seja por usarem o modo “alta voz”, ou por acharem que a novela, jogo, ou música ranhosa que estão a ouvir é digna de ser partilhada com quem não quer. Alínea C) Pessoas que não percebem a razão pela qual se forma uma fila para atendimento ou acesso a algo, que julgam ter prioridade no mundo por pertencerem a uma casta que as isenta de convenções sociais. Alínea D) Pessoas que em conjunto com outras pessoas, igualmente culpadas, decidem parar em grupo causando o congestionamento de um passeio. Esta estirpe representa o equivalente social a uma trombose, bloqueadores de artérias que se estão a marimbar para o natural fluxo dos passeios já por si estrangulados de gente. Alínea E) Pessoas que nem sequer exibem o mínimo de pudor em atirar lixo para o chão, como se a rua fosse uma extensão da sua badalhoquice privada. Totalmente imunes a olhares reprovadores. Esta coluna é pequena demais para conter todos os sub-grupos de pessoas que não estão prontas para viver em sociedade. Pessoas que deviam estar numa cave a ponderar comer as suas próprias fezes, sem compreender para onde vai o sol à noite, ou que existem outras pessoas.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesLugar do Corpo no Sexo [dropcap]T[/dropcap]emos pouca consciência do espaço que o nosso corpo ocupa. Diria, até, que são poucos aqueles que têm consciência de si próprios, da consciência plena dos seus limites. O sexo, se bem feito, pode criar uma ligação com esse lugar. O corpo que deambula sem pensar muito, anda para a frente para trás sem sabermos muito bem como. Prendemo-nos nos automatismos diários e não permitimos a redescoberta. Claro que há quem defenda que já nos focamos no corpo demasiado, no corpo médico e mecanizado. Nesse caso o sexo é frequentemente simplificado, tomando o corpo como garantido. Esta tese é a da complexificação do corpo como lugar de prazer sem automatismos ou expectativas. O prazer que não é o simples orgasmo, ‘o fim último’, mas um dos seus caminhos. O prazer que vem em estarmos presentes com o nosso corpo. Em crianças o corpo é claramente o nosso veículo, e nós aprendemos a lidar com ele – através de movimentos cada vez mais sofisticados que o nosso corpo desenvolve. Depois desenvolvemos o pensamento abstracto e aí ficámos, na cabeça. O nosso desenvolvimento estagna a nossa possibilidade de descobrirmos além – dentro do corpo, mas para além da nossa imaginação. A naturalidade de nos reconectarmos com a nossa presença deixa de ser natural, ou fácil. Exige o esforço de encontrarmos aquilo que ignoramos: o lugar de corpo que julgámos conhecer. O sexo é o lugar onde nos poderíamos deslumbrar vezes sem conta com a subtileza do toque e com a coordenação dos nossos sentidos. Só que esta consciência plena do nosso corpo, até no sexo, é rara. Vivemos no passado e no futuro e esquecemo-nos do momento presente. O corpo está lá, muito mais do que nós. A meditação também é uma forma de nos ligarmos com o presente – e está muito na moda. A sua eficácia na prevenção de mal-estares mentais já foi mais do que mostrada. Há quem diga que a nossa desadequação com o presente é o resultado de vidas contemporâneas de mil e uma distracções. Estamos sempre a pensar em alguma coisa. Tal como a meditação, o sexo poderia ser a nossa oportunidade de desligarmos das tormentas do passado e das ansiedades do futuro, mas mesmo assim, trazemo-las para a cama. Por isso há quem proponha trazer a meditação para a cama também, ainda que sexo viva do prazer da entrega dos sentidos. O toque, paladar, olfacto, visão e audição, tudo importa na entrega ao sexo ou, pelo menos, deveria importar. Esta é uma ideia que está longe de ser inovadora. Já nos anos 50, quando a primeira investigação sobre o sexo começou a surgir e os primeiros terapeutas sexuais começaram a surgir também, esta ideia de ‘foco sensorial’ era chave para que as pessoas pudessem ter uma atitude mais saudável com o sexo. O sexo, que frequentemente se distorce de expectativas irreais e que enfatiza determinadas performances, deixa os seus praticantes muitas vezes perdidos, nervosos e insatisfeitos. Estes princípios sensoriais são utilizados para nos gentilmente afastarmos do que se passa na nossa cabeça, sem pressões e sem julgamentos. A investigação mostra a importância deste foco sensorial para nos tornarmos mais presentes. Mais do que uma simples técnica para melhor aproveitarmos o sexo, é uma forma de estar. Se o sexo, de consciência plena, é uma forma de meditação que nos conecta com o corpo – e com o corpo de um outro, se for caso disso –, e se a meditação traz imensos benefícios para a saúde, o sexo tem o potencial de ser a cura para muitos males. Males que atormentam a nossa existência enquanto seres sexuais, e enquanto seres que têm que lidar com este mundo confuso, cheio de notificações, e sem espaço para redescobertas.
Andreia Sofia Silva VozesO fim da individualidade [dropcap]D[/dropcap]e um lado Edward Snowden a falar dos perigos do mundo digital e de como os Governos da era moderna estão a usar os nossos dados pessoais para nos controlar, qual “Big Brother is Watching You” do século XXI. Do outro, o presidente da Huawei, Guo Ping, a falar das maravilhas da rede 5G, bastante questionada pelo mundo ocidental pela forma como os nossos dados vão ou não ser protegidos, uma vez que na China não existe um regulamento geral sobre dados pessoais. Contradições à parte, foi assim a tarde de ontem na maior cimeira de tecnologia do mundo, a WebSummit. Milhares de pessoas acorreram à zona do Parque das Nações, em Lisboa, para ouvir dizer que estamos a ser manipulados e controlados e nem sabemos muito bem como. Vivemos agarrados aos ecrãs, apps atrás de apps, e nem temos consciência do perigo que estas plataformas constituem. Talvez seja o fim da nossa individualidade preconizada por Edward Snowden. O bom samaritano do mundo tecnológico deixou de trabalhar para o inimigo para nos proteger desse mesmo inimigo. Hoje, vive exilado. Enquanto isto, casos como o da Cambridge Analytica acontecem e nada muda verdadeiramente na forma de operar de gigantes digitais como o Facebook ou a Google. Somos cada vez mais globais e digitais, mas não de uma forma positiva.