O efeito dos pardais de Hong Kong

[dropcap]E[/dropcap]m 1963, o metereologista americano Edward Norton Lorenz afirmou um dia que “quando uma borboleta bate as asas no Brasil pode provocar um tornado no Texas” para nos lembrar que pequenas mudanças num determinado lugar podem ter como consequência tremendas alterações num local distante. Estas declarações deram origem à expressão “efeito borboleta”.

Assim sendo, se o movimento das asas de uma borboleta pode ter grandes consequências, o que dizer do efeito provocado pela agitação continuada das asas de um pardal? O resultado das últimas eleições em Taiwan é a resposta a esta pergunta.

No início de Outubro de 2019, referi nesta coluna que, se os problemas sociais desencadeados pelo “Movimento contra a Lei de Extradição” em Hong Kong, não fossem solucionados o mais rapidamente possível e se o Governo continuasse a recorrer apenas às Forças de Segurança para controlar a violência e o caos, a China, como nação, iria ser lesada. A maior maldição que pesa sobre todos os historiadores é a sua capacidade de prever as consequências das situações e a sua impossibilidade de reverter os resultados. E isto porque, quem detém o poder só se preocupa com a defesa da sua dignidade pessoal, da sua posição e acredita que a História é escrita por si, ignorando os sentimentos e as opiniões do povo. As águas do mar podem ser suaves e calmas, mas quando se enfurecem, podem afundar um navio de centenas de toneladas. Aqueles que não conseguem aprender com a História, terão de aprender de outra forma.

Nos anos que se seguiram à fundação da República Popular da China, houve uma campanha para erradicar os pardais de todo o país, porque se acreditava que provocavam muita destruição. Esta campanha teve um sucesso sem precedentes, mas teve como consequência a multiplicação das pestes que atacavam as colheitas. Por este motivo pôs-se fim ao extremínio dos pardais. Veio a perceber-se que um pequeno pássaro como o pardal, tem um impacto muito grande na natureza.

O discurso do Presidente Xi Jinping dirigido a Taiwan no início de 2019, foi usado por alguns detractores do princípio “Um País, Dois Sistemas” para proferirem ataques verbais à China continental. Quando surgiu o “Movimento contra a Revisão da Lei de Extradição”, a forma como o Governo de Hong Kong lidou com os acontecimentos provocou ainda mais desconfiança em Taiwan. O slogan “Hoje em Hong Kong, Amanhã em Taiwan,” tornou-se a bandeira do Partido Democrático Progressista (PDP), que apela ao sentimento nacionalista. Cada lata de gás lacrimogéneo lançada, cada bala de borracha disparada pela polícia de Hong Kong, bem como cada manifestante preso, parece ter dado mais votos ao PDP, como se viu nas eleições de Taiwan. Os pardais (os manifestantes) não foram erradicados de Hong Kong, mas o Partido Nacionalista perdeu as eleições.

A famosa revista bi-semanal de Taiwan “Commonwealth”, publicou no passado dia a 31 de Dezembro, os resultados de uma sondagem que realizou a nível nacional. A sondagem demonstrou que mais de 60% dos inquiridos se consideram “Taiwaneses”, dos quais mais de 80%, têm idades compreendidas entre os 20 e os 29 anos. Mais de 60% dos inquiridos, com idades superiores a 40 anos, apoiam o status quo, mas cerca de 60% com menos de 30 anos são a favor da indepedência, e 90% dos inquiridos pensam que o princípio “Um País, Dois Sistemas” não é aplicável a Taiwan. Estes números reflectem o sentimento da sociedade de Taiwan antes das eleições da semana passada, e foram influenciados pelo “Movimento Contra a Revisão da Lei de Extradição” em Hong Kong. A resposta do Partido Nacionalista de Taiwan face aos acontecimentos de Hong Kong foi bastante débil, quando comparada com o apoio activo demonstrado aos manifestantes pelo PDP. Os eleitores de Taiwan, especialmente as gerações mais jovens, deram o seu voto ao PDP, porque consideram que “não foi contaminado pelos vermelhos”. Isso permitiu que Tsai Ing-wen tivesse sido reeleita Presidente. Algumas pessoas já fizeram comentários jocosos na internet, afirmando que a chefe do Eecutivo de Hong Kong, Carrie Lam, é a primeira pessoa a quem Tsai deveria agradecer, visto que Carrie a ajudou a “angariar” votos!

As eleições de 2018 e de 2020 em Taiwan revelam uma inflexão acentuada do eleitorado para o campo azul e para o campo verde, o que também demonstra que a ecologia política de Taiwan é muito instável. Qualquer movimento ao longo do Estreito tem um impacto incomensurável na situação política de Taiwan. O princípio “Um País, Dois Sistemas” e o estabelecimento do “Consenso 1992” pretendiam lançar as bases para uma reunificação pacífica da China. O modelo “Um país, Dois sistemas” aplicado em Hong Kong, assente na actuação de 30.000 agentes da polícia para travar as insurreições sociais não será certamente aceite pelos compatriotas de Taiwan, e ataques armados a Taiwan iriam criar danos irreparáveis. O efeito dos pardais de Hong Kong não se voltará a fazer sentir desde que eles se deixem de sentir assustados e pressionados, e nessa altura o ciclone político puderá abrandar.

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