Liberdade condicional

[dropcap]S[/dropcap]oube-se através da comunicação social que no passado dia 28 de Outubro, Tony Maycon Munoz-Mendez, detido na Rogers State Prison, em Ritzville, Georgia, tinha sido foi libertado por engano do estabelecimento prisional, às 11:30 do dia 25.

Munoz-Mendez foi condenado a prisão perpétua em Abril de 2015, acusado de duas violações e de um crime de abuso de menores agravado.

A direcção da cadeia não explicou as circunstâncias do erro, nem porque é que o comunicado só foi feito três dias após o ocorrido.

Não é a primeira vez em que se dá uma libertação deste género numa prisão da Georgia. Em Abril do ano passado, Paul Serdula foi libertado por engano de uma prisão deste Estado, facto que muito chocou a opinião pública. Paul Serdula, enfermeiro na Marietta Dental Clinic, tinha sido condenado a prisão perpétua por ter violado uma paciente. Surpreendentemente, pouco tempo depois, Serdula entregou-se de livre vontade e regressou à prisão.

As pessoas são presas porque cometem crimes e esses crimes ficam provados em Tribunal. Se o tempo de cadeia for cumprido ajustam as suas contas com a sociedade.

Uma fuga da prisão pode acontecer por iniciativa individual, ou com a ajuda de terceiros. As diferentes legislações têm diferentes definições de “fuga da prisão”. A libertação de um prisioneiro por falha da direcção da cadeia pode ser ou não considerada fuga, consoante a legislação aplicada no Estado, não é igual em todo o lado. Da mesma forma, a fuga da prisão não é julgada da mesma forma em todos os Estados. De um modo geral, por causa deste crime o prisioneiro será julgado e sofrerá um agravamento da pena anterior.

Neste caso, sejam quais forem as circunstâncias a pena não será agravada. Munoz-Mendez já tinha sido condenado a prisão perpétua pelos crimes anteriormente cometidos. Se se entregar enfrenta uma vida no cárcere, se fugir e for apanhado sofre a mesma pena. Se voltar a fugir, para desfrutar um pouco de liberdade, quando regressar não pode receber um castigo maior.

Se o prisioneiro encarar as coisas desta forma é possível que esteja enganado. Todos sabemos que o espaço das prisões é limitado. Com o aumento do número de detidos, as cadeias tendem a ficar superlotadas. Além disso levanta-se a questão do comportamento, Alguém condenado a prisão perpétua não tem esperança de vir a sair e por isso não tem motivação para obedecer aos regulamentos. Começa a criar problemas dia após dia. Para evitar estas situações, existe a “liberdade condicional”, que se aplica se o detido:

Estiver encarcerado há muito tempo; e
se tiver bom comportamento; e
se mostrar arrependimento pelos crimes cometidos; e
se for ao encontro de outros requisitos jurídicos,

Nesse caso pode pedir liberdade condicional e, se for atendido, pode sair da prisão mais cedo.

Quem sai da prisão em liberdade condicional, continua a ser seguido e tem de respeitar um conjunto de condições. A forma mais comum de liberdade condicional permite ao prisioneiro sair durante o dia para trabalhar em instituições que têm acordos com o sistema, recolhendo à noite a um dormitório supervisionado. Embora seja uma liberdade condicionada, é muito preferível a ficar na prisão entre quatro paredes.

Fugir da prisão constitui um crime grave e faz perder a oportunidade de liberdade condicional. Se for o caso, depois de ser capturado, o fugitivo tem de voltar a aceitar o castigo, ou seja, a prisão perpétua, do qual não poderá escapar, porque perderá para sempre a possibilidade de vir a beneficiar de liberdade condicional.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

5 Nov 2019

Culpa do sistema

[dropcap]Q[/dropcap]uando se procura um culpado sem rosto para um problema, com graus diversos de variações de especificidade, o “sistema” é aquele vilão apetecível desde tempos imemoriais. Se a equipa de futebol não vence, culpa-se o sistema, que pode significar uma rede de influências e poderes, ou desculpa para uma época desportiva miserável. A economia anda pelas ruas da amarga, culpa-se o sistema.

Apesar do panorama de vilania nessa badalhoquice geral que é a macro-economia, por vezes o sistema é o bode expiatório para a preguiça e a auto-vitimização. Depois existem os sistemas especiais de corrida das RAEs, que são uma espécie de unicórnio enraçado de jumento em termos de direito internacional.

Pequim está a puxar o músculo da primeira premissa do princípio “Um País, Dois Sistemas”, referindo que a primeira parte se sobrepõe e deve ser prioridade em relação à segunda. No fundo, tenta acabar com os protestos em Hong Kong agravando a razão pela qual eles começaram. Falar em prioridade da unificação do país e da subordinação ao poder central, ao mesmo tempo que se fala do elevado grau de autonomia representa uma ginástica mental digna de medalha de ouro nas Olimpíadas Orwellianas.

Como dizer que é preciso dar prioridade ao minchi em prol da descida do colesterol. Além disso, Pequim quer reforçar o seu papel na escolha dos governantes de Macau e Hong Kong, terminando, finalmente, a influência desmedida e maquiavélica de Fornos de Algodres nas regiões administrativas especiais. Como em tudo, a culpa é do sistema.

5 Nov 2019

A opressão digital

“When there is oppression and dictatorship, by not speaking out, we lose our dignity”.
Asma Jahangir

 

[dropcap]O[/dropcap]s Estados globalmente preeminentes tendem a moldar o mundo de várias formas. Obviamente, fazem de maneira bastante directa através das suas actividades geoestratégicas, mas o fenómeno vai muito além e de propósito ou por acidente, tais Estados exportam os seus acordos internos para todo o sistema internacional. Os efeitos políticos, económicos, sociais, culturais e legais globais desse processo são profundos. A preeminência global britânica e depois a americana é responsável pelo facto de que é a língua inglesa ter acabado por ser a língua internacional do planeta, não o francês ou o alemão.

O comércio de escravos teve um golpe fatal em 1807, quando desenvolvimentos políticos e filosóficos na Grã-Bretanha resultaram na sua proibição, e porque era a Grã-Bretanha que tinha a força naval para efectivamente fazer cumprir a proibição, apesar de Portugal ter sido o primeiro país a abolir a escravatura em 1761. Actualmente existem no mundo entre vinte e um milhões a quarenta e seis milhões de pessoas que vivem em estado de escravatura. A vitória ocidental na I Guerra Mundial instalou a forma democrática de governo na vanguarda da moda política mundial, onde permanece até hoje.

As implicações do potencial sucesso dos regimes totalitários na sua procura por hegemonia durante a II Guerra Mundial ou a Guerra Fria são tão claras quanto desagradáveis. Desde a primeira metade do século XX, os Estados Unidos deixaram uma marca enorme no mundo globalizado, que vai muito além da geopolítica e um fluxo incessante de valores políticos, actividades financeiras e cultura que flui da América e tem efeitos incalculáveis. A soma total de várias manifestações de influência americana desempenhou um papel crucial na formação do mundo moderno. A preeminência americana é desafiada pela China e os dois países esforçam-se para não deixar a sua concorrência sair de controlo e são economicamente interdependentes.

A essência do que está a acontecer, é de que a China se tornou a segunda potência mundial e quer ocupar o primeiro lugar destronando os Estados Unidos. Os Estados Unidos não estão dispostos a ser substituídos na sua posição de liderança e nada há de incomum nessa situação. A luta pela preeminência vem acontecendo, com apenas breves pausas, desde a Idade Moderna.

Durante os períodos posteriores do Renascimento e das guerras religiosas, foi a Espanha contra a França. Desde o final do século XVII até o final das guerras napoleónicas, foi a França contra a Inglaterra e depois a Grã-Bretanha. Durante grande parte do século XIX, foi a Grã-Bretanha contra a Rússia. No início do século XX foi a Grã-Bretanha contra a Alemanha. Na II Guerra Mundial foram os Estados Unidos contra a Alemanha e o Japão. Durante a Guerra Fria, foram os Estados Unidos contra a União Soviética. Hoje são os Estados Unidos contra a China.

Tal luta não está necessariamente destinada a ser uma guerra directa (embora possa) que nunca será um tipo de Guerra Fria, mas quaisquer que sejam as formas que a competição sino-americana irá assumir, as apostas são incrivelmente altas, e não apenas para as duas potências concorrentes.

Se a China substituir os Estados Unidos no papel de líder global, a sua realidade interna moldará o mundo exterior, assim como o da Grã-Bretanha e o da América ainda o fazem. A realidade interna em questão não é totalmente agradável pois a China está em processo de transferência de um autoritarismo relativamente moderado (bem, “moderado” em comparação com o tempo de Mao) e que teve desde Deng Xiaoping para um novo modelo que se afasta da definição de totalitarismo.

A característica fundamental que difere um modelo totalitário de um autoritário é que, sob o totalitarismo, não é suficiente que os cidadãos apenas cuidem da sua vida e evitem a oposição política ao regime. Em vez de ficar satisfeito com a sua complacência política, um regime totalitário exige uma estrita adesão às suas regras e ideias no quotidiano das pessoas, inclusive nos assuntos que nada têm a ver com política. Assim, com efeito, procura controlar a vida de todos. O regime chinês não está a trabalhar para atingir tal desiderato. As modernas tecnologias digitais oferecem a possibilidade de construir uma distopia real no sentido até agora descrito apenas na ficção científica, algo que os regimes totalitários do passado não podiam fazer por razões práticas.

O sistema chinês, que depende da vigilância total e do “big data” para observar e avaliar as acções quotidianas dos cidadãos, não deverá entrar em operação em 2020 como muitos analistas afirmam. No entanto, está funcionar com outros propósitos o sistema de vigilância existente e é errado admitir que apenas em alguma das suas manifestações, vinte e três milhões de cidadãos chineses foram proibidos de comprar passagens para levar a cabo várias actividades das suas vidas e que o sistema desaprovou. O novo totalitarismo digital pode ser mais suave em comparação com os regimes tecnologicamente mais primitivos do passado e tem limites legais. Todas as técnicas de estatística não são realmente algo que alguém gostaria de ver mais difundido no mundo e tal aconteceria em relação à China em todos os domínios se vier a tornar-se a grande potência preeminente do mundo.

O Camboja, por exemplo, capacita a supressão da democracia pelo regime autoritário local. As práticas de vigilância estão a espalhar-se além das suas fronteiras. Entre os exemplos desse processo, está a decisão do Zimbabué de instalar um sistema de reconhecimento e monitorização em todo o país. A Tanzânia adoptou legislação de segurança cibernética que restringe a liberdade de conteúdo da Internet. O mesmo acontece com o Uganda. No Paquistão, um sistema de vigilância foi estabelecido ao longo da rota do “Corredor Económico China-Paquistão”. O relatório de 2018 da “Freedom on the Net”, que não parece totalmente imparcial, revelou que as empresas chinesas forneceram ferramentas de vigilância de alta tecnologia a governos que não respeitam os direitos humanos. A “A Freedom on the Net” tem sede nos Estados Unidos e é um projecto da “Freedom House” que consiste na análise de ponta, defesa baseada em factos e capacitação no local.

A característica principal da análise é o relatório anual que apresenta uma avaliação classificada por país da liberdade “on-line”, uma visão geral dos últimos desenvolvimentos e também relatórios aprofundados por país. Além disso, lançou recentemente um monitor para a liberdade na Internet com o fim de estimar o risco de restrições à liberdade na Internet durante as eleições.

As principais tendências e ameaças emergentes destacadas nos relatórios são usadas nas campanhas de defesa nacionais e internacionais. As suas descobertas também são usadas por activistas em todo o mundo no trabalho pela mudança local, por agências internacionais de desenvolvimento na criação de programas e na determinação de beneficiários de ajuda, por empresas de tecnologia para negócios e avaliação de riscos, por jornalistas que cobrem os direitos da Internet e por estudiosos e especialistas.

O projecto cria a capacidade de uma rede de pesquisadores, como os que escrevem em “blogs”, académicos, jornalistas e especialistas em tecnologia escolhidos pela sua experiência, fornecendo as ferramentas analíticas para servir como a futura geração de defensores da liberdade da Internet em todo o mundo. O projecto “Freedom on the Net” é apresentado como um recurso indispensável para quem se preocupa com a liberdade na era digital. O relatório fornece uma análise das restrições existentes à transmissão de informação “on-line” e destaca as ameaças emergentes que se combate nos próximos meses e anos e conta com a ajuda financeira do “Bureau de Democracia, Direitos Humanos e Assuntos Laborais (DRL)” que é um departamento dentro do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Google, The New York Community Trust e Yahoo. O projecto da “ Freedom House” contou dezoito países em que as empresas chinesas estão a combinar avanços em inteligência artificial e facial como reconhecimento para criar sistemas capazes de identificar ameaças à “ordem pública” o que parece ser algo aceitável.

Os representantes de trinta e seis países participaram de seminários em que autoridades chinesas partilharam o seu conhecimento sobre a gestão de informações. A noção do modelo tecno-distópico chinês, que se espalha internacionalmente, mencionado no relatório, está agora a entrar no discurso público mais amplo. Se a China liderasse o mundo, a democracia seria pressionada a permanecer a forma principal de regime político que tem sido no último século. As normas e práticas políticas e legais da China moderna seguiriam de perto a expansão global do domínio geopolítico e económico chinês. É por isso que a concorrência contínua entre os Estados Unidos e a China decidirá muito mais do que apenas as carreiras das duas grandes potências. Essa competição é, de facto, uma luta sobre em que tipo de mundo todos nós vamos viver.

A internet está a ficar menos livre em todo o mundo, e a democracia está a definhar sob a sua influência. A desinformação e a propaganda disseminada “on-line” envenenaram a esfera pública.

A colecta desenfreada de dados pessoais quebrou as noções tradicionais de privacidade e um conjunto de países está a mover-se em direcção ao autoritarismo digital, usando extensos sistemas de censura e vigilância automatizada e como resultado dessas tendências, a liberdade global da Internet diminuiu pelo oitavo ano consecutivo em 2018.

Os eventos desse ano confirmaram que a Internet pode ser usada para perturbar democracias com tanta certeza quanto pode desestabilizar ditaduras. Em Abril de 2018, o fundador, presidente e director executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, testemunhou nas duas audiências no Congresso sobre o papel da sua empresa no escândalo da “Cambridge Analytica” que é uma empresa de consultoria política britânica que combina mineração, corretagem e análise de dados com comunicação estratégica durante os processos eleitorais, no qual foi revelado que o Facebook havia exposto os dados de oitenta e sete milhões de usuários à exploração política. O caso foi uma chamada de atenção de como as informações pessoais estão a ser cada vez mais usadas para influenciar os resultados eleitorais.

Os piratas informáticos russos miraram a lista de eleitores dos Estados Unidos em vários Estados como parte dos esforços mais amplos da Rússia para corroer a integridade das eleições de 2016 e, desde então, pesquisadores de segurança descobriram novas violações de dados que afectaram cento e noventa e oito milhões de americanos, noventa e três milhões de mexicanos, cinquenta e cinco milhões de filipinos, e cinquenta milhões de eleitores turcos, e com ou sem intenção maligna, a Internet e as médias sociais, em particular, podem empurrar os cidadãos para as câmaras de eco polarizadas e atrair a estrutura social de um país, alimentando a hostilidade entre diferentes comunidades. Nos últimos dois anos no Bangladesh, Índia, Sri Lanka e Myanmar, boatos falsos e propaganda odiosa que foram espalhadas “on-line” incitaram surtos de violência contra minorias étnicas e religiosas. Tais brechas costumam servir aos interesses das forças antidemocráticas na sociedade, no governo ou em países estrangeiros hostis, que os incentivaram activamente através da manipulação de conteúdo.

Enquanto as sociedades democráticas lutam com os desafios de uma esfera “on-line” mais perigosa e contestada, alguns países intensificam os esforços para usar a média digital para aumentar o seu poder, tanto a nível interno quanto externo. O autoritarismo digital está a ser promovido como uma forma de os governos controlarem os seus cidadãos através da tecnologia.

Os países autoritários e não só têm usado alegações de “notícias falsas” e escândalos de dados e governos de países como o Egipto e Irão reescreveram leis restritivas da média para aplicar a usuários de médias sociais, prenderam críticos sob medidas projectadas para conter notícias falsas e bloquearam serviços de comunicação e média social estrangeiras. Alguns estados autoritários e outros repressivos também estão a exigir que as empresas armazenem os dados dos seus cidadãos dentro das suas fronteiras, onde as agências de segurança podem ter acesso às informações.

As democracias são lentas em responder a crises e os seus sistemas de freios e contrapesos e deliberação aberta e participação do público não são propícios para a tomada rápida de decisões.

Mas essa cautela interna ajudou alguns países semidemocráticos a defenderem-se dos controlos autoritários da Internet no ano passado. Os escritores de “blogs” quenianos em Maio de 2018, contestaram a constitucionalidade de disposições criminais contra a disseminação de notícias falsas, ganhando a suspensão de regras enquanto aguardavam uma sentença judicial final. No mesmo mês, os malaios votaram por um primeiro-ministro que prometeu rescindir uma lei recentemente adoptada contra notícias falsas que foram usadas pelo seu antecessor em uma tentativa fracassada de influenciar as eleições. Alguns países não estão apenas a resistir a reveses, mas a fazer progressos reais na liberdade da Internet dando um passo significativo e por vezes imperfeito para garantir a privacidade do usuário.

É de acreditar que proteger a liberdade da Internet contra o surgimento do autoritarismo digital é fundamental para proteger a democracia como um todo. A tecnologia deve capacitar os cidadãos a fazer as suas escolhas sociais, económicas e políticas sem coerção ou manipulação oculta. A internet tornou-se a esfera pública moderna, e as médias sociais e os mecanismos de pesquisa têm um poder extraordinário e a responsabilidade pesada de garantir que as suas plataformas atendam ao bem público. Se as entidades antidemocráticas efectivamente capturarem a Internet, será negado aos cidadãos um fórum para articular valores compartilhados, debater questões políticas e resolver pacificamente disputas intra-sociais. A democracia também requer uma esfera privada protegida.

A colecta irrestrita e amplamente não examinada de dados pessoais inibe os mais elementares direitos e para que a democracia sobreviva à era digital, empresas de tecnologia, governos e sociedade civil devem trabalhar juntos para encontrar soluções reais para os problemas de manipulação da média social e colecta abusiva de dados. É necessária uma coordenação multilateral e intersectorial para promover a alfabetização digital, identificar actores mal-intencionados e negar-lhes as ferramentas para amplificar fraudulentamente as suas vozes.

Quando se trata de proteger dados, os usuários devem ter o poder de impedir invasões indevidas nas suas vidas pessoais, tanto pelo governo quanto pelas empresas. A liberdade global da Internet pode e deve ser o antídoto para o autoritarismo digital. A saúde das democracias do mundo depende da garantia desse direito.

1 Nov 2019

Ainda nas ruas

[dropcap]N[/dropcap]ão é costume, mas regresso ao tema que me ocupou na crónica anterior, que para isso estão os tempos: de fracas participações em atos eleitorais vai-se passando com cada vez maior frequência a ações e manifestações de protesto ou reivindicação pública. Falava há 15 dias da Catalunha, onde as iniciativas independentistas se vão tratando como crime e dão origem a longas penas de prisão para quem promove referendos. Também falava de Hong Kong, onde – sabe-se agora – a candidatura às eleições locais de um dos mais destacados dirigentes pró-autonomia não foi aceite. Curiosa – e esclarecedora sobre a fabricação de consensos que se vai operando na imprensa livre contemporânea – é a forma como a maior parte da imprensa trata um caso e outro: na Catalunha criticam-se os raros protestos violentos ou a utilização de máscaras e justifica-se a ação repressiva das polícias; em Hong Kong critica-se a ação repressiva das polícias e justificam-se os ocasionais protestos violentos e a utilização de máscaras. Tem uma vantagem, esta manifesta dualidade de critérios: o obscurantismo contemporâneo é transparente.

Num caso e noutro, os conflitos parecem estar para durar, que isto das fronteiras e da integridade das nações tende a ser assunto de discussão demorada, acesa e pouco pacífica. Na realidade, raramente se resolve por vias legais, diplomáticas ou políticas: mostra-nos a larga maioria dos exemplos históricos que tende a prevalecer a força das armas e que quase nunca é suficiente a perseverança dos povos. Não faltam exemplos – nem dessa violência aparentemente necessária nem, mais uma vez, dessas dualidades com que se manufacturam os grandes consensos da sociedade contemporânea – pode ser mesmo muito ténue a fronteira entre ser-se terrorista internacional ou herói da pátria: tudo depende de se estar do lado certo das maiorias consensuais.

Ainda assim, registe-se com agrado a persistência do humor e da criatividade na Catalunha: em tempos de pesada criminalização dos dirigentes políticos que praticam atos que põem em causa a integridade e unicidade do estado espanhol, foram largos os milhares de pessoas que se deslocaram aos estabelecimentos competentes para se auto-denunciarem como instigadores do independentismo – um crime, já sabe, de gravidade suprema. Surpreendidos, os tribunais tiveram que cancelar a possibilidade de registar mais auto-denúncias e manifestamente não sabem como tratar do assunto.

Há 15 dias era também assunto a magnífica mobilização das comunidades indígenas do Equador, que ocuparam Quito até impôr a rejeição do acordo que o governo se preparava para assinar com o FMI e que, a troco de um generoso mas oneroso empréstimo, impunha a privatização de grande parte dos recursos e setores económicos tidos como estratégicos no país. Na realidade, não é mais que a tradicional cartilha neoliberal que desde os anos 80 se propagou pelo mundo, a partir das violentas experiências da América Latina, onde o empobrecimento generalizado inspirado pela chamada Escola de Chicago e promovido pelo FMI era suportado pela repressão violenta praticada por figuras como o general Allende. Desta vez é mesmo no Chile que as ruas da capital estão massivamente ocupadas por mais de um milhão de pessoas cansadas de 40 anos de saque neoliberal: “aqui nasceu e aqui vai morrer o neoliberalismo”, garantia o poster de uma manifestante, enquanto se celebrava a história de resistência do país com multidões em coro a cantar o direito a viver em paz que há décadas tinha cantado Victor Jara. Sintomática foi também a reivindicação da herança ancestral dos índios mapuche, com os seus símbolos, a sua bandeira e a sua língua pré-latina, o Mapudungun, já falada antes da chegada dos colonizadores. O desenlace é, em todo o caso, pouco claro: o primeiro-ministro demitiu todo o resto do governo e governa com as forças militares, num sintomático regresso ao passado.

Entretanto outras ruas foram sendo ocupadas, desta vez no Médio Oriente. Dezenas de mobilizações pacíficas em Beirute, com grupos de pessoas a sentar-se – ou a acampar – para cortar o trânsito, bloquearam as estradas e paralisaram escolas dos vários níveis de ensino, incluindo universidades, e vários tipos de serviços, como os bancários. Houve ataques sobre estas manifestações, aparentemente vindos de grupos historicamente organizados, como o Hezbollah, mas foi sempre vencendo a perseverança dos manifestantes, que incluíam gente de religiões diversas e colocavam na agenda questões económicas e sociais em vez de assuntos religiosos. O primeiro-ministro havia de abdicar em resposta a estes protestos generalizados e está por ver se é só início de uma transformação de larga escala no país. Como no Chile, há décadas de problemas acumulados que viriam à superfície em resultado de medidas aparentemente menores: um ligeiro aumento de preços nos transportes públicos chilenos e a cobrança de chamadas por whatsapp no Líbano. Num caso e noutro, tornaram-se problemas políticos gigantescos e trariam à rua grande parte da população.

Muito mais violenta tem sido a repressão sobre os já longos protestos que foram ocorrendo durante todo o mês de Outubro em várias cidades do Iraque, um país destruído pela guerra, com uma população muito jovem e com os horizontes limitados pela escassez de recursos e infraestruturas. A herança das intervenções militares com que a Europa e os EUA supostamente ajudaram a restaurar “democracias”. Neste caso, o regime reagiu com inusitada violência e há mais de 100 pessoas mortas. Nem todas as ruas são espaços de reivindicações pacíficas e de confrontos políticos.

1 Nov 2019

Campanha a solo

[dropcap]D[/dropcap]entro de uma semana, inicia-se mais um processo que só terá como efeito afastar ainda mais os residentes de Macau da política local. Dia 9 de Novembro arranca a “campanha eleitoral” para eleger o lugar de deputado deixado vago depois da saída da Assembleia Legislativa de Ho Iat Seng.

O futuro Chefe do Executivo foi “eleito” numa votação onde era a única escolha, e o mesmo vai acontecer com o deputado que irá ocupar o lugar que deixou vazio. Duas eleições, onde o povo não é chamado a pronunciar-se, e em que os “boletins de voto” só têm um nome. Dá-se início a mais uma dança-solo num espectáculo a que ninguém assiste, excepto a CAEAL, esse quase organismo que oficializa o onanismo eleitoral de coroação de Wong Sai Man.

Prevejo que nenhuma irregularidade será detectada por este sempre atento watchdog, dirigido pelo brilhantismo jurídico do juiz Tong Hio Fong, um peso pesado na averiguação de minudências que não interessam ao menino Jesus. Enfim, coisas acontecem no plano eleitoral sem que haja eleitorado ou eleições. Espectáculo!

Não quero dizer com esta coluna que a democracia está de boa saúde no panorama internacional, porque não está. Mas, na minha opinião, estes processos, a formalidade com que são tratados, descredibilizam as instituições. Às vezes, seria preferível que as coisas fossem à cão, honrando o nome desta coluna. Como foi, por exemplo, a tomada de posse de Kou Hoi In. Siga para bingo!

1 Nov 2019

O poder do segredo

[dropcap]A[/dropcap]doro a forma como o Governo de Macau apresenta dados. Uma pessoa sente-se bem com as conclusões que, por vezes, são retiradas dos milhentos estudos que se multiplicam por esta terra abençoada pelos santos da fortuna. Por exemplo, se há cada vez menos casos que caibam nos novos critérios de violência doméstica estabelecidos legalmente, o Governo chega à conclusão que a mera entrada em vigor de uma lei impede, literalmente, a brutalidade caseira. Isto é incrível.

Mesmo que os casos que cheguem a tribunal com acusações por outros crimes, como ofensas graves à integridade física, a falta de aplicação da lei da violência doméstica pelos órgãos judiciais é interpretada como algo positivo em termos de aplicabilidade. Faz lembrar a contabilidade dos números de consumidores de drogas no território, que todos os anos diminuem e que, por agora, devem ser três ou quatro (e todos de fora, claro).

Estas estatísticas são feitas com base nos consumidores que são apanhados pelas autoridades e pelos que confessam consumir drogas (numa terra que criminaliza o consumo). Não interessa que o número de drogas apreendidas esteja a aumentar, provavelmente esse factor não revela nada. O que é importante é ter atitude positiva. Uma espécie de governação de acordo com as balelas de autoajuda do Segredo. Basta acreditar para acontecer. A realidade é opcional. Acreditem.

31 Out 2019

Desencontros

[dropcap]M[/dropcap]uitas vezes não estamos alinhados com os outros. Não os encontramos e não os entendemos. Os limites que fazem o encontro afectam tudo: o sexo, os relacionamentos amorosos, os relacionamentos familiares e de amizade, as sociedades, as nações, e até, a mudança.

Assim percebemos, de forma mais ou menos sofisticada, o que justifica a esperança ou o pessimismo por um mundo melhor – esse cliché que irrita, mas que não deixa de ser a utopia dos tontos. Dos que acreditam na simplicidade do amor e do cuidado, ainda que saibamos pouco sobre as suas subtilezas e complexidade.

O desencontro pode ser fácil ou difícil, pode resultar numa resolução ou num conflito eterno, sem solução à vista. As identidades complexificam os processos de comunicação contribuindo para a natureza do conflito. As ideias que cuspimos vêm de um lugar de pensamento, de um posicionamento, de uma identidade e de várias experiências. Tanta investigação feita para desvendar os factos humanos e sociais e o desencontro continua lá. Desde o início dos tempos que tentamos dar-lhe sentido. Agora ficam por resolver as dores de ver um mundo a desfazer-se porque há conflito em todas as frentes. As alterações climáticas que nos afundam pela inacção, o conflito israelo-palestiniano que parece ser dor sem fim, o ódio que se espalha sem precedentes de discursos cada vez mais declarados de xenofobia, homofobia, racismo e preconceito. Será que as dores são minhas, ou do mundo?

As teorias para o desencontro são muitas. Os mais tolos andam a explorar mapas astrais onde o desencontro já estaria escrito nos astros. Em contraste, os mais cientistas agarram-se à razão positivista para dar sentido a uma moralidade aparentemente fácil, definida pela verdade e pela mentira. Nesta visão do mundo, os factos são a única ferramenta de empoderamento. Valoriza-se o saber como se o sentir não interessasse. Os sensíveis são acusados de ser emocionais, pouco racionais. O desencontro só se resolve com conhecimento não-emotivo, dizem eles, porque o desencontro é o resultado da tontice dos pouco esclarecidos.

O desencontro acontece quando a minha visão do mundo choca com a tua visão do mundo. Gosto sempre de voltar ao micro-cosmos das relações e percebê-las como pequenas arenas que poderiam explicar as maiores. Os tijolos que criam a nossa realidade estão lá, no nosso dia-a-dia.

Na pessoa que amamos, na pessoa que partiu o nosso coração, na pessoa com quem fomos para a cama uma vez em 2010. O desencontro é o resultado de tantos outros desencontros passados, nesta valsa a três tempos, ou talvez, numa cantiga de roda, infantil e vulnerável como os nossos desencontros muitas vezes são. E as emoções? Quando é que finalmente se legitimam as emoções? A zanga, o ódio, a raiva, o amor, o medo ou a ansiedade existem para explicar o inexplicável. Nunca foi fácil definir o ser humano ou o seu guião de acção e as dores sentidas só tornam mais clara a nossa dificuldade em fazê-lo.

Impressiono-me com esforço de separar águas inseparáveis de dor, desconforto e razão. Nem sempre conseguimos ver como os desencontros do mundo são desencontros de nós próprios.

Olhamos para a política internacional e não parece que possa ter que ver com o nosso sexo, ou com a nossa intimidade. É difícil engolir que o nosso ponto de partida possa estar em desencontro. Talvez porque o desencontro é o nosso estado mais natural e mais confortável. Não sei do que precisamos, se de amor, música ou arte para desvendar o maior segredo de todos – que o nosso propósito de vida é dar sentido àquilo que não tem sentido algum. O desencontro pode bem ser um estado perpétuo em si mesmo.

30 Out 2019

A UM é Junius Ho

[dropcap]J[/dropcap]unius Ho é um deputado de Hong Kong que se suspeita ter pago a tríades para atacar manifestantes e cidadãos. Disse manifestantes e cidadãos? Queria dizer baratas. Mas o bravo Junius também se distinguiu no hemiciclo de Hong Kong pela demonstração de classe em estado puro quando acusou a deputada Claudia Mo de “habitualmente comer salsicha estrangeira”, aludindo ao facto da legisladora ser casada com um cidadão britânico.

O “habitualmente” deixa também no ar que há traições naquele casamento cometidas por ela, como que chamando prostituta à legisladora. É quando faltam argumentos para debater que os homens ímpares se mostram acima dos comuns mortais e nesse capítulo Junius não desilude.

Claro, que de forma totalmente injusta, esta postura fez com que o magnânimo Junius tenha perdido o grau honoris causa da Universidade Anglia Ruskin. Uma decisão que só pode ser vista como um escândalo e devia motivar um movimento transversal no Mundo para defender Junius Ho, a começar por Macau. Por esse motivo, apelo à Universidade de Macau que, com base nos valores que parece apoiar, uma vez que é incapaz de condenar qualquer acto de racismo dos seus professores, atribua um grau honoris causa a Junius Ho.

Acho que o racismo subjacente do deputado de Hong Kong é um valor partilhado pelo silêncio da Universidade de Macau. Está na altura da UM nos orgulhar a todos e mostrar as suas cores verdadeiras. E que o faça em estilo com o diploma escrito apenas em chinês e inglês, para pôr esses “branquinhos” locais no lugar que merecem.

30 Out 2019

Táxis voadores e outros prodígios

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente realizou-se em Singapura a 26ª edição do “Congresso Mundial de Sistemas Inteligentes de Transporte”. No dia 22, a empresa alemã Volocopter fez uma demonstração do seu “táxi voador”, que sobrevoou durante três minutos a Marina Bay. É um pequeno prodígio. Mas não vamos ficar por aqui. Embora este modelo fosse dirigido por um ser humano, espera-se que de futuro os táxis áereos venham a ser pilotados automaticamente. Após o sucesso do teste, o Governo de Singapura espera que uma frota de “táxis voadores” venha a estar no activo dentro de dois anos.

Uma das preocupações da futura clientela é o preço deste serviço. Para já, o que se sabe é que de início será muito elevado, mas, à medida que o serviço se for desenvolvendo, os preços irão baixar.

Quando estiverem a funcionar em pleno, o custo será equivalente ao de um táxi de luxo.
Além dos táxis voadores, Singapura vai ter, a partir de 2022, carrinhas dirigidas automaticamente.
A principal característica destes autocarros é proporcinarem serviços “por medida”. Os passageiros podem requisitar este serviço através de uma aplicação instalada no telemóvel. Na fase inicial, as carrinhas com piloto automático só poderão circular em zonas pouco movimentadas.

A tecnologia que permite a condução automatizada pode facilitar o transporte de pessoas idosas, famílias com crianças e pessoas com deficiência.

Singapura tem também máquinas de venda de comida e restaurantes automatizados. Os restaurantes chegam a encontrar-se em localidades remotas e possuem um menu com mais de 30 opções; estas medidas estão a ser tomadas para dar resposta às necessidades de uma população cada vez mais envelhecida.

Em Singapura a taxa de natalidade é de 0.82, mais baixa que as de Hong Kong (1.19), da Coreia do Sul (1.21) e do Japão (1.41). O Governo prevê que, com o aumento da longevidade e a baixa taxa de natalidade, virá de futuro a haver déficit de trabalhadores na área de serviços.

Este problema poderá ser resolvido com a contratação de trabalhadores estrangeiros. No entanto, existe em certos sectores de Singapura um sentimento contra os trabalhadores emigrantes. Os empregados da indústria da restauração são disso exemplo. Este trabalho é mal pago e cansativo, não é uma área em que que as pessoas queiram trabalhar. Devido à falta de mão de obra, as máquinas de venda de comida e os restaurantes automatizados proliferaram. A falta de mão de obra pode levar ao aumento dos salários do pessoal especializado.

É evidente que os táxis aéreos e as carrinhas automatizadas facilitarão a vida das pessoas, mas também trarão consigo vários problemas legais. Pelo que se sabe até ao momento, ainda não foi divulgado nenhum tipo de regulamentação destes serviços, mas acredito que virá a haver legislação independente para regular os táxis aéreos e as carrinhas automatizadas. Entre outras matérias, a regulamentação terá de estipular quem virá a ser indemnizado e o método de cálculo das indemnizações, em caso de acidente.

As máquinas de venda de comida existem há muitos anos, e a legislação nesta área já é antiga. Aqui não deve vir a haver qualquer problema. No entanto, os restaurantes automatizados são um conceito relativamente recente e os conteúdos da sua regulamentação ainda estão em estudo.

Independentemente da legislação que o Governo resolva criar para estes serviços, uma coisa é certa: Hong Kong e Macau, à semelhança de Singapura, carecem de espaço urbano. Além disso, em Hong Kong, existem vários sectores que se opõem à vinda de trabalhadores estrangeiros. Em Macau, é frequente depararmo-nos com falta de mão de obra. Os táxis aéreos poderão vir a solucionar o problema da falta de espaço e do congestionamento do trânsito. As carrinhas automatizadas, as máquinas de venda de comida e os restaurantes automatizadas podem resolver o problema da falta de mão de obra. Tendo em vista a criação de cidades inteligentes e o desenvolvimento da inteligência artificial, podemos encarar estes serviços como medidas adequadas?

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

29 Out 2019

Consultas públicas

[dropcap]T[/dropcap]ão tradicional, como o pastel de nata. As consultas públicas fazem parte da paisagem política de Macau, como um chaparro numa planície alentejana. Não me interpretem mal, sempre que o povo é chamado a intervir nas decisões que influenciam o seu destino isso é música para os meus políticos ouvidos. Mas existe algo de manhoso neste processo de simulacro democrático.

Para já, nem sempre a vontade popular é tida em conta, o que faz sentido em questões de elevada complexidade técnica. As consultas públicas são uma fase de um processo rígido, imune a circunstancialismos, uma necessidade burocrática, quer façam ou não sentido. Por outro lado, não são raras as vezes em que assuntos polémicos, em que há contestação social, passam pelos pingos da chuva.

Assim de repente, penso no reconhecimento mútuo de cartas de condução com o continente e a criação do Fundo para o Desenvolvimento e Investimento, que implicava a mobilização de 60 mil milhões de patacas do erário público para uma entidade sem um propósito claro e isenta de fiscalização. Aí o povo não é chamado a intervir. Mas é chamado a opinar sobre questões altamente técnicas, como os métodos usados para a construção do túnel subaquático entre Macau e Taipa.

Seria refrescante uma reflexão política sobre este importante mecanismo. Para que serve? Quando faz sentido usá-lo? Queremos consultas que sejam um mero carimbo de aprovação, uma pedra burocrática no processo? Ou queremos mesmo envolver a população nas decisões governativas e ouvir os seus anseios e preocupações?

29 Out 2019

Racismo na UM

[dropcap]A[/dropcap] Universidade de Macau tem cada vez mais uma relação complicada com a comunidade portuguesa. Apesar dos muitos eventos de fachada que organiza, há vários aspectos em que simplesmente recusa aceitar a cultura de Macau. Um desses aspectos é o facto dos press releases saírem sempre em chinês tradicional e inglês. A versão portuguesa só surge em eventos muito específicos relacionados com a própria língua, ou então muito mais tarde.

Quando o novo reitor assumiu o cargo disse que ia dar importância à língua portuguesa. Foi discurso para português ouvir, que não teve qualquer seguimento. Mas o mais grave foi o ataque à comunidade que passou com toda a impunidade. Internamente não houve uma única reacção às palavras do professor que basicamente disse que os “brancos” são um obstáculo e ameaçam a soberania de Macau.

Pouco interessa se esses “brancos” são locais, se viveram toda a vida em Macau, ao contrário do professor. São “brancos” e por isso são maus, são o inimigo. O que choca é que ninguém com responsabilidades na UM tenha tomado uma posição de força. Não se pede a demissão do professor, mas deveria ter havido uma reprimenda pública, porque o racismo, de qualquer tipo, não devia ser tolerado.

O lado positivo deste caso é que permitiu perceber melhor a deputada Agnes Lam. É uma pessoa simpática, prestável, mas alguém a viu a defender macaenses ou portugueses? É tudo muito bonito na altura das eleições, mas depois…

28 Out 2019

Jorge Neto Valente

[dropcap]A[/dropcap]s declarações do Dr. Jorge Neto Valente, para os microfones e as câmaras de televisão, sobre uma ameaça grave recentemente noticiada (com base numa carta que enviara para Lisboa), surpreenderam-me. Foi penoso ouvi-las: pela minha família, pelos advogados que ele representa e por Macau.

As pessoas que me conhecem formarão livremente o seu julgamento. Os que não me conhecem, porém, terão só o benefício das declarações públicas do presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), pois não farei aqui uma defesa da minha integridade.

Para além de terem desviado a atenção sobre o que realmente interessava – a ameaça –, as declarações surpreenderam-me pela falta de elevação, de postura institucional, pela pessoalização e, acima de tudo, pela insensibilidade humana que revelaram. Foi pena, pois vieram na sequência de declarações lúcidas suas sobre o Acórdão do TUI proibindo manifestações em Macau.

O Dr. Neto Valente começou como terminou, insistindo e repetindo que desconhecia, ao final da tarde, uma notícia dada de manhã, com grande destaque, sobre ameaças a um advogado. No dia de abertura do ano judiciário, não viu jornais, nem falou com quem os tivesse visto.

Perguntado se achava normal um advogado, que já fora atacado, voltar a ser ameaçado, respondeu “não sei, não sei, não sei”. Daí em diante partiu para a pessoalização: “não vou pronunciar-me sobre um advogado com quem, aliás, não tenho boas relações, por razões que ele sabe quais são”.

“Mas o Dr. é presidente da AAM”, retorquiu o jornalista, “mas eu não sou obrigado a aturar…” e, quando o jornalista notou, “mas ele pode ser…”, o presidente da AAM interrompeu: “ele pode ser o que ele quiser, mas comigo não é nada, porque eu já o conheço há muitos anos, há mais de 20 anos que o conheço, e não quero comentar sobre a personalidade dele, porque se eu comentar sobre a personalidade dele, é ele que vai fazer queixa de mim, percebe… O que eu penso sobre ele é susceptível de fundamentar uma queixa dele contra mim por achar que eu o estou a difamar, compreende?”

Apesar de o jornalista reiterar que não estava em causa a pessoa, mas a ameaça, prosseguiu, “O que eu penso dele é bastante mau e não vou dizer mais nada”. Perante a insistência, “o Dr. é presidente da Associação dos Advogados…”, respondeu “Mas, e então, acha que eu sou polícia?”.

Pressionado por inúmeras insistências dos jornalistas, após dizer “são casos pessoais, não interessam a ninguém”, acabou por conceder, no final, “com certeza que eu não vou defender que algum advogado seja ameaçado ou atacado”. Com certeza que não.

Foi isto que o presidente da AAM teve para dizer quando instado a comentar uma ameaça grave a um familiar de um advogado inscrito na associação a que preside. Pareceu questionar a sua veracidade (“ele diz que foi ameaçado, então…”), desvalorizou-a e, em vez de se revoltar contra os autores de uma ameaça cruel, atacou o advogado ameaçado.

Eu também conheço o Dr. Neto Valente há mais de 20 anos, dois dos quais passados no seu escritório. E bem. Fui, aliás, o advogado que ele escolheu para o representar numa causa sua, pessoal.

Quando foi raptado, há 19 anos, escrevi-lhe de Inglaterra, estava ele no hospital, expressando revolta pela barbaridade do rapto e felicidade por o saber de saúde, pronto para retomar o seu rumo. Escrever-lhe-ia, de novo, carta idêntica se aquele brutal infortúnio tivesse ocorrido hoje.

O Dr. Neto Valente, um advogado muito inteligente, tem tantas razões para não ter boas relações comigo quantas as vezes que critiquei ou discordei de posições que veiculou. A grandeza de espírito manifesta-se em saber distinguir questões ‘pessoais’ de deveres institucionais. E em saber ouvir críticas.

Porém, e para que fique cristalinamente claro, os nossos diferendos não são pessoais. Os nossos diferendos são profissionais, deontológicos e cívicos.

“Fiquei a saber que, apesar de ser membro da AAM desde 1998, não posso contar com ela, porque o presidente não gosta das minhas críticas e opiniões. Se dúvidas houvesse, o presidente desfê-las: não dá apoio àqueles de quem não gosta. A AAM existe para quem se cale, concorde ou amigue do presidente.”

Para quem critica os tribunais assiduamente, num tom nem sempre decoroso, saber aceitar discordâncias não lhe ficaria mal: as liberdades afirmam-se exercitando-as, não tanto apregoando-as. Se os juízes julgassem causas com a parcialidade anunciada por este presidente, viveríamos num ‘estado do torto’, não num estado de direito.

Lamento que não tenha tido a coragem para declamar a trova que anunciara, partilhando o que de terrível disse saber sobre mim desde há 20 anos. Esquivou-se, encolhido, sem mais dizer, atrás do receio confessado de que eu o processasse por difamação.

Deixo aqui a garantia pública de que não processarei o Dr. Neto Valente por difamação, se ele tiver a integridade de revelar aquilo que diz que sabe que eu sei. Mais tudo o resto. E não o processaria de qualquer modo. Acredito que a liberdade de expressão não deve ser criminalizada, salvo em casos extremos, e que palavras se combatem com palavras, não com tribunais e polícias.

Garanto, ainda, que, se tiver a coragem de revelar aquilo que tem em mente, não serei tímido: responderei, documentadamente.

Não é edificante o presidente insinuar que um advogado é pessoa indigna sem dizer porquê, impedindo que o mesmo faça a defesa do seu carácter, quando o exercício da advocacia depende da nossa reputação. Não revela coragem. Não revela verticalidade.

Fiquei a saber que, apesar de ser membro da AAM desde 1998, não posso contar com ela, porque o presidente não gosta das minhas críticas e opiniões. Se dúvidas houvesse, o presidente desfê-las: não dá apoio àqueles de quem não gosta. A AAM existe para quem se cale, concorde ou amigue do presidente.

Estas suas declarações, de tão insensatas, visarão, talvez, descredibilizar futuras divergências que o presidente receie possam ocorrer. De ora em diante, crítica que lhe fizesse seria vista como resposta a esta arremessada, como decorrência de uma mera “questiúncula pessoal”, um pueril esbracejar no ringue, não já como uma tomada de posição séria, isenta e ponderada sobre valores estruturantes da nossa comunidade. É uma táctica antiga: golpear o mensageiro para suprimir a mensagem.

Não se consegue, porém, perceber por que razão o presidente da AAM escolheu este, de todos os momentos possíveis, para expressar tamanha animosidade para com um colega, quando era seu dever institucional, e da Direcção a que preside, manifestar solidariedade como tantos informalmente fizeram.

De facto, sentido de oportunidade não lhe faltou: Jorge Neto Valente lançou este ataque, tão infame quanto vácuo, no dia em que foi tornado público que máfias locais, apercebendo-se que ameaças contra mim não surtiram efeito, terão tentado coarctar e controlar o exercício livre e convicto da minha profissão, dirigindo uma ameaça grave àqueles cuja protecção jurei assegurar e cuja existência dá sentido à vida. Contexto mais vil do que este não conheço.

25 Out 2019

Os próximos dois meses

[dropcap]E[/dropcap]m menos de dois meses Macau vai celebrar o 20º aniversário do Regresso à Mãe Pátria. Nessa altura, de acordo com a prática habitual, o Presidente Xi Jinping irá estar presente nas celebrações. Mas, não posso deixar de me interrogar em que ponto estará a situação de Hong Kong por essa altura?

Os protestos e as manifestações continuam a acontecer em Hong Kong há mais de quatro meses. Não terminaram com a promulgação da “Lei Anti-Máscaras” e, antes pelo contrário, estas acções têm vindo a intensificar-se. Os conflitos entre a Polícia e os manifestantes não mostram sinais de chegar ao fim.

Nas reportagens transmitidas na televisão, podemos ver que ambas as partes se insultam mutuamente. Estes insultos são mais chocantes por parte dos agentes da autoridade, na medida em que a sua formação profissional os deveria impedir de ter estes comportamentos.

Lembro-me de há muitos anos atrás ter ido com uns amigos ver um jogo de futebol ao Campo Militar (que já foi demolido) na zona da Areia Preta. Como o Campo não estava aberto ao público, um polícia apareceu e mandou-nos sair. O acontecimento em si não teve nada de especial, mas como éramos muito jovens, reagimos impulsivamente e discutimos com o polícia. Como sabiamos que insultar um agente da autoridade é incorrer em delito, argumentámos com respeito. No entanto, o jovem polícia não conseguiu conter-se e utilizou palavras insultuosas e menos apropriadas. Lembrámo-lo de imediato que, enquanto vestisse uniforme, não podia usar aquela linguagem. Os agentes da autoridade estão proíbidos de utilizar palavrões e insultos, uma regra que visa manter o respeito e a cortesia da polícia na sua relação com a população e, sobretudo, a boa imagem da Força Policial. Depois de ter sido chamado à atenção pela escolha desapropriada de palavras, o jovem polícia acalmou-se e foi embora em paz.

Hoje, ouvi claramente, na reportagem a que estava a assitir na TV, os polícias de Hong Kong chamaram aos manifestantes “lixo”, “vocês não passam de lixo”. Se a polícia mantiver uma relação tensa com a população, não vai ter capacidade para controlar os protestos e a violência. Antes pelo contrário, como a violência gera violência, a escalada de distúrbios vai continuar. Exemplo disso é o incidente do passado domingo, em que a Mesquita em Tsim Sha Tsui foi acidentalmente atingida por jorros de água tingida de azul, com que a polícia procurava dispersar os manifestantes.

No dia seguinte (segunda-feira), a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, e o Comissário da Polícia foram pessoalmente ao local pedir desculpas, de forma a evitar que este episódio pudesse vir a assumir proporções dramáticas, o que revelou uma atitude digna de apreço. Se o Governo de Hong Kong tivesse agido de forma semelhante noutras situações conflituosas, estou em crer que muitos dos problemas que entretanto surgiram já estariam sanados. Infelizmente, nem toda a gente pensa que esta é a forma correcta de agir.

Antes da promulgação da “Lei Anti-Máscaras” em Hong Kong, comentei com várias pessoas a lei só viria piorar a situação e provocar mais conflitos. Os problemas que Hong Kong enfrenta actualmente não podem ser resolvidos desta forma. O Governo vai ter de encontrar maneira de lidar com as exigências dos manifestantes criando uma comissão de inquérito independente para averiguar a actuação da Polícia e restabelecendo a credibilidade das forças da autoridade. A promulgação da “Lei Anti-Máscaras” provou ser um passo em falso de Carrie Lam, que tem apostado em medidas paliativas, incapazes de sarar os problemas sociais que afligem Hong Kong.

Espero que o Governo de Hong Kong venha a tirar ilações desta situação que se arrasta há mais de quatro meses, e que procure de forma empenhada ultrapassar as contradições sociais nos dois meses que se avizinham. Espero também que não promulgue mais medidas restritivas, nem que adie ou cancele as eleições para o Conselho Distrital. Se a situação de Hong Kong não se puder resolver nos próximos dois meses, o Governo de Macau vai ter muita dificuldade em organizar a vinda do líder da China para presidir às cerimónias do 20º aniversário do Regresso de Macau à Mãe Pátria. Se este problema não se resolver, virá a afectar a população de Macau e, possivelmente, os resultados das eleições gerais de Taiwan, que vão ter lugar em Janeiro de 2020.

25 Out 2019

“Sentido de missão”

[dropcap]T[/dropcap]enham vergonha na cara! O caso do homem que matou, involuntariamente, a estudante de 22 anos é uma página negra para a História da RAEM. É impensável que a Justiça, com a conivência dos Serviços de Alfândega, permita que o homem regresse ao Interior da China, de onde não vai voltar mais. Se calhar quem está no poder acha que o pagamento de 8 milhões de patacas resolve tudo e que a vida de um residente nem vale assim tanto… Não me admirava.

É uma Justiça para ricos e amigos. As autoridades já por várias vezes mostraram aquilo que em Portugal se chama a ética republicana: para os amigos tudo, para os outros a lei. Quando Albano Martins mostrou um vídeo de um agente a espancar um cão, conseguiram pegar no caso e constituí-lo arguido. Imperou o bom-senso de alguém para ilibá-lo, mas a “mensagem pretendida” passou para a sociedade. Quando os manifestantes do Pearl Horizon bateram nos agentes da PSP, o secretário fechou os olhos, porque “o Governo tem simpatia” com a causa dos manifestantes. É pena que se preocupe mais com os agentes de Hong Kong do que com os de Macau.

Quando o filho de uma pessoa rica andou a fazer grafitis, que ainda estão numa das paredes da zona histórica da RAEM, as autoridades agiram como se nada se tivesse passado. Enfim é tudo tão imundo e tão às claras que devia envergonhar quem tem responsabilidades. Só que não envergonha, como ainda é motivo de orgulho pelo “sentido de missão”. E no meio disto tudo, quem menos interessa são os residentes locais, de quem apenas se espera que fiquem calados, sejam patrióticos e batam palmas, apesar das constantes provocações gratuitas, como mais esta, por parte de quem manda… Depois disto, ainda têm dificuldades em perceber a oposição ao reconhecimento mútuo da carta de condução?

25 Out 2019

A Índia e o desempenho político

“Good governance with good intentions is the hallmark of our government. Implementation with integrity is our core passion”.
Narendra Mod

 

[dropcap]A[/dropcap] Índia nas eleições de 19 Maio de 2019 esteve no centro da atenção mundial.  O actual primeiro-ministro Narendra Modi lutava por um segundo mandato, em um país que tem uma população de mil milhões e trezentos e quarenta milhões de pessoas, mil oitocentos e quarenta e um partidos, mais de oitocentos candidatos, novecentos milhões de eleitores pelo que se torna potencialmente, o maior exercício de democracia do mundo. A votação decorreu em sete fases ao longo de trinta e nove dias para os setecentos e cinquenta assentos do Parlamento, constituído pela Câmara Baixa (Lok Sabha) com quinhentos e quarenta e cinco assentos e a Câmara Alta (Rajya Sabha) com duzentos e quarenta e cinco assentos.

A maioria seria conseguida com duzentos e setenta e dois assentos, tendo o Partido do Povo Indiano de Narendra Modi ganho com duzentos e oitenta e dois deputados. Tanto os eleitores quanto os formuladores de políticas na Índia, enfrentaram uma distorção de informações ao considerar as suas escolhas na eleição e as prioridades do programa governativo após as mesmas, pois existiam inúmeros impressos sobre o governo Modi que circularam nos meios de comunicação tradicionais e sociais, incluindo os preparados pelo próprio governo e que também infelizmente sofreram de desinformação e confusão nos meios de comunicação.

É de considerar que outro elemento crítico ausente, especialmente para um país como a Índia com grandes aspirações globais, é uma avaliação objectiva do desempenho do governo em áreas políticas, como bem-estar do cidadão, crescimento económico e funcionamento das instituições públicas. É necessário para resolver essa lacuna que seja desenvolvida uma estrutura de avaliação de desempenho com três atributos, como medidas de progresso orientadas por dados em um amplo espectro de objectivos em termos de políticas;  progresso em relação a um grupo comparável de mercados emergentes;  e, dada a ênfase do governo indiano na tecnologia como um direccionador de políticas, comparações com os padrões globais de tecnologia estabelecidos pelos governos digitalmente mais avançados do mundo.

A avaliação do desempenho político de qualquer país pode ser medida em três grandes áreas como o bem-estar dos seus cidadãos;  a robustez da economia;  e o funcionamento das suas instituições.  É de utilizar uma referência global para essa análise, com base no desempenho dos países “Digital 5 (D5)” como são a Estónia, Israel, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Reino Unido, para capturar os padrões estabelecidos pelos governos digitalmente mais avançados do mundo. A adaptação da estrutura a essa análise do desempenho da política da Índia deve manter o D5 como um padrão global, e também criar uma nova referência usando um grupo de pares comparáveis, ​​que compreende cinco países de mercados emergentes como a Índia, Nigéria, Filipinas, México e Polónia.

O grupo geograficamente diverso oferece diferentes estágios de desenvolvimento económico, e representa democracias que estão no meio ou acabam de sair de um ciclo eleitoral.  Todos os cinco países também estão a emergir em termos das suas economias digitais sendo considerados países “emergentes”, pelo “Índice de Evolução Digital” que serve para rastrear o surgimento de um “planeta digital”, como física interacções em comunicação, intercâmbio social e político, comércio, media e entretenimento que estão a ser deslocadas por outros meios digitais, sendo identificados muitos pontos críticos em todo o mundo, e cujas mudanças estão a ocorrer rapidamente e outros em que o ritmo diminuiu. Independente de onde residimos, continuamos a avançar em diferentes velocidades em direcção ao planeta digital. Nesse grupo de pares, dois países, a Nigéria e as Filipinas, estão próximos da Índia em termos de PIB per capita, e dois outros estão mais avançados.

O México é um país mais rico, mas está próximo da Índia em termos de dinamismo da sua economia estando classificado perto da Índia no “Índice Global de Inovação (GII na sigla inglesa)” que é uma classificação anual dos países por capacidade e sucesso em inovação. É publicado pela Universidade de Cornell, Instituto Europeu de Administração de Empresas (INSEAD), e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual, em parceria com outras organizações e instituições, e é baseado em dados subjectivos e objectivos derivados de várias fontes, incluindo a União Internacional de Telecomunicações, o Banco Mundial e o Fórum Económico Mundial. O índice iniciou-se em 2007 pelo INSEAD e pela revista britânica World Business.

O GII é comummente usado por funcionários de empresas e governos para comparar países pelo seu nível de inovação. O GII é calculado tomando uma média simples das pontuações em dois subíndices, o “Índice de Contribuição da Inovação” e o “Índice de Resultados da Inovação”, que são compostos por cinco e dois pilares, respectivamente, sendo que cada um desses pilares descreve um atributo de inovação e compreende até cinco indicadores, e a sua pontuação é calculada pelo método de média ponderada. A Polónia ajuda a estabelecer uma meta de longo prazo para o avanço económico; enquanto fizer parte do processo de procura das melhores práticas numa determinada indústria pelo Morgan Stanley Capital International and MSCI Barra, e conhecido por “MSCI Índice de Mercados Emergentes”, e que captura a representação de grandes e médias empresas em vinte e seis países de “Mercados Emergentes (EM na sigla inglesa)”.

Tendo mil e duzentos e dois constituintes, o índice cobre aproximadamente 85 por cento da capitalização de mercado ajustada à flutuação livre em cada país. A Polónia está próximo de se mover de emergente à situação económica de avançado, e foi promovido ao estatuto de avançado pelo FTSE International Limited que negoceia como FTSE Russell, que é uma fornecedora britânica de índices do mercado de acções e serviços de dados associados, integralmente detida pela “Bolsa de Valores de Londres (London Stock Exchange; LSE, em inglês)”.

Quanto às votações os mexicanos votaram no dia 30 de Junho de 2018, para escolher um novo presidente em uma campanha histórica.

Todas as pesquisas apontavam que Andrés Manuel López Obrador, o líder esquerdista do Partido Morena, seria o presidente da segunda maior economia latino-americana para um mandato de seis anos e que acabou por ser eleito presidente, com o maior respaldo popular da história, obtendo mais de 53 por cento dos votos. Tratou-se de uma viragem à esquerda, no momento em que parte da América Latina elege opções mais conservadoras e na disputa fronteiriça e comercial com a Administração Trump. As eleições contavam com oitenta e nove milhões e trezentos mil eleitores, que votaram em uma campanha marcada pela violência, incluindo o extermínio de dezenas de candidatos, e pelos escândalos do partido do governo, PRI.

Além do presidente, os mexicanos elegeram quinhentos deputados e cento e vinte e oito senadores. A Nigéria, o país mais populoso de África com cento e noventa milhões de habitantes e oitenta e quatro milhões de eleitores, teve eleições a 23 de Fevereiro de 2019, que reelegeu o presidente Muhammadu Buhari (entre dois mil e trezentos candidatos) e trezentos e sessenta deputados e cento e nove senadores. As eleições foram pautadas por extrema violência com cinquenta e três mortos. A eleição geral das Filipinas foi realizada a 13 de Maio de 2019. Tratou-se de uma eleição de meio de mandato em que os eleitos tomaram posse a 30 de Junho de 2019.

As eleições visavam doze assentos no Senado, todos os assentos na Câmara dos Deputados, as posições de nível provincial, os cargos a nível de cidade e os cargos a nível municipal. A Polónia que é o país mais populoso e a maior economia que aderiu à União Europeia (UE) no alargamento de 2004, realizou eleições a 13 de Outubro de 2019, tendo o partido da direita conservadora Lei e Justiça, que está no poder na Polónia desde 2015, vencido as eleições legislativas por 43,6 por cento, conquistando duzentos e trinta e nove assentos dos quatrocentos e sessenta do Parlamento, o que constitui uma margem ainda mais confortável do que na votação anterior. Este grupo de cinco países de mercados emergentes é designado por EM5.

A análise desses países é realizada pela reunião de dados de cento e setenta e oito indicadores diferentes de mais de quarenta fontes, incluindo os públicos e privados e usa-se a melhor pontuação para cada indicador criar o parâmetro de referência EM5. A metodologia para chegar a esse novo parâmetro de referência segue a utilizada para o parâmetro D5, criado como parte da iniciativa de pesquisa das sociedades inteligentes. Dado o grande número de indicadores analisados, é possível organizar para que cada indicador possa ser classificado em um dos doze componentes principais do parâmetro de referência que são “Cidadão/Pessoas” que consideram inclusividade, ambiente e qualidade de vida, talento e condição humana e desenvolvimento de talento; as “Componentes da Economia” que consideram a conexão global, robustez económica, ecossistema empreendedor e capacidade de inovação e as “Instituições Componentes” que consideram a liberdade de expressão, confiança, segurança e protecção e serviços públicos.

É escolhido o tempo de análise com o ponto médio do actual governo indiano e para permitir melhores comparações com o grupo de pares, sendo especificamente, de evitar actividades relacionadas à campanha e outros factores nos países de comparação que possam obscurecer o cenário, formulando perguntas de como os países das EM5 se comparam entre si e com o parâmetro de referência D5 global?  Como a Índia, em particular, actua em relação aos seus pares?

Para cada país, calcula-se a pontuação para o seu desempenho em cada uma das doze componentes.  As pontuações ajudam a facilitar várias comparações entre a Índia e outro país;  entre qualquer conjunto de países e o EM5;  e contra os parâmetros de referência EM5 e D5.  Essa estrutura também oferece uma perspectiva para cada país em áreas relativas de pontos fortes e fracos em áreas individuais.

É de considerar que para ter uma ideia de como as pontuações foram derivadas, pode-se escolher uma componente e inquirir quão bem um país está a caminhar em termos de facilitar uma sociedade inclusiva?  A componente de inclusão, como todos as outras, recebe uma pontuação, que é baseada nas pontuações obtidas ao longo de vários factores contribuintes.  A pontuação de inclusão é um agregado de pontuações obtidas por vários factores, incluindo inclusão no mercado de trabalho, mobilidade económica, diversidade e aceitação de políticas governamentais que promovem a inclusão.  Se observamos também como essas pontuações mudaram ao longo de um período de cinco anos, é possível entender como o desempenho melhorou ou declinou até ao ponto da avaliação, que está no meio de um mandato da administração.

A questão primordial para os eleitores indianos é os empregos.  Ainda que a Índia tenha um longo caminho a percorrer na construção dos níveis necessários de aptidões e educação preparadas para o trabalho no abundante conjunto de mão-de-obra do país, tem o desempenho mais forte entre os EM5 em “Desenvolvimento de Talentos”, bem como em outras questões importantes. Os empreendimentos são capazes de encontrar pessoas com as habilidades correctas, pois os trabalhadores indianos oferecem o maior contentamento entre as EM5 no Toptal que é uma plataforma que liga empresas com engenheiros de software, designers e consultores de negócios em todo o mundo.

A aptidão da Índia para atrair talentos do exterior deve-se à sua capacidade de possuir o maior número de confirmações de empreendedorismo e investimento de todos os países das EM5, tornando-a atraente para empresários e investidores. Além de uma maior disponibilidade de serviços de formação públicos e privados, geralmente há mais indianos registados em plataformas de educação on-line de várias fontes internacionais do que os outros quatro países. A Índia lidera as EM5 em inovação.  O Fórum Económico Mundial atribui à Índia uma classificação de 4,5 a 7 nos gastos de P&D de empresas que é o valor mais alto das EM5, com 73 por cento do D5. Os indivíduos, empresas e governos estão dispostos a inovar, pois entre os seus pares das EM5, a classificação da capacidade de inovação da Índia pelo Fórum Económico Mundial é a segunda depois das Filipinas. As “startups” indianas receberam o maior número de investimentos e em estágio inicial, em comparação com os outros países das EM5.

A Índia alcançou 44 por cento do D5 e lidera as EM5 em termos de condições favoráveis ​​para iniciar um negócio e representa 45 por cento do valor de referência D5.  Dito isto, leva tempo para iniciar um negócio na Índia, em média trinta dias, em comparação com a média D5 de cinco dias e a média EM5 de vinte e quatro dias. O forte desempenho da Índia em inovação em relação aos parâmetros de referência, é ajudado pela ênfase do governo na adopção dos serviços digitais e pela priorização de uma indústria robusta de NTIC. O estado da saúde pública, meio ambiente e o grau de inclusão são as principais áreas de fraqueza da Índia em relação às EM5 e em uma pesquisa da Gallup realizada em 2017, apenas 3 por cento dos entrevistados na Índia relataram sentir que estão a prosperar, em contraste com a média das EM5 que é de 24 por cento.

Ainda que os padrões de saúde na Índia estejam a melhorar, a sua expectativa de vida permanece baixa em sessenta e oito anos, em comparação com os quase setenta e oito anos da Polónia. As mulheres representam apenas 24,5 por cento da força de trabalho total da Índia, em comparação com 45 por cento da Polónia e 45,5 por cento da força de trabalho da Nigéria. O PIB por pessoa empregada na Índia tem aumentado 29 por cento desde 2012, o que fica abaixo da média das EM5 em produtividade. Comparando a Índia com os dois países mais próximos em termos socioeconómicos, a Nigéria e Filipinas, a Índia supera a Nigéria em todos as suas componentes, excepto nas “Liberdades e Inclusão”, e posiciona-se melhor do que as Filipinas em “Desenvolvimento de Talentos, Serviços Públicos e Inovação”. É particularmente notável o desempenho mais fraco da Índia em termos de inclusão em geral.  Entre as muitas lacunas, é de considerar a baixa participação das mulheres na força de trabalho.

Quando comparada com países mais ricos, como México e a Polónia, a Índia supera o México em várias componentes como confiança, desenvolvimento de talentos, segurança e protecção e serviços públicos.   A Índia supera a Polónia no desenvolvimento de confiança e talento.  A Índia tinha a maior confiança nas instituições governamentais entre as EM5.  No entanto, o México possui uma população mais satisfeita, com 41 a afirmarem que estavam a prosperar contra 30 por cento dos polacos e uns sombrios 3 por cento dos indianos como foi referido. A forma como os indianos votaram mostrou que o governo de Modi avançou em várias frentes, principalmente na educação, desenvolvimento de aptidões e apoio à inovação e melhorou a confiança nas instituições governamentais em relação às administrações anteriores e em relação ao grupo de pares.

A Índia tinha melhorado em sete das doze componentes durante um período de cinco anos que antecedeu 2016 e 2017.  Ainda existem áreas cruciais em que a Índia está atrasada em relação aos seus pares como menos liberdades, baixa produtividade e significativamente, progresso insuficiente para a construção de uma sociedade mais inclusiva. A robustez económica também sofreu, com uma combinação de medidas drásticas, como a desmonetização, má implementação da reforma tributária e políticas cada vez mais proteccionistas.  O novo governo em exercício deve reformular as más políticas anteriores para garantir um crescimento inclusivo e o papel da Índia como uma potência global emergente.  Afinal é de esperar que a grande economia que mais cresce no mundo nos próximos anos e o desempenho desigual em relação aos seus pares e processo de procura de melhores parâmetros referenciais a nível global não seja razão suficiente para minar o impacto do país no mundo.

24 Out 2019

Riqueza decrépita

[dropcap]J[/dropcap]á todos estamos fartos da conversa da terra dos contrastes, da polarização e extremos a cada esquina, mas a realidade está-se bem nas tintas para preferências pessoais. Macau tem um dos maiores PIB per capita do mundo, um dos sítios mais ricos do mundo ao mesmo tempo que não consegue arranjar dinheiro para ter uma rede de saneamento decente, ou, como foi noticiado esta semana, capaz de pagar extintores para combater incêndios. É notável.

Quem entra num prédio na Areia Preta, no Porto Interior, em qualquer lado excepto nas bolhas de extrema riqueza, diria estar numa cidade pobre. Equipamentos decrépitos, edifícios com a pintura em péssimo estado que mais parece sofrer de uma doença crónica, escoamento de esgotos directamente para o rio, tratamento de águas residuais uma miragem.

As questões levantadas pelo incêndio de domingo, que felizmente não causou nenhuma morte, revelam debilidades que não se coadunam com a situação financeira da cidade, nem com chavões como “cidade inteligente”. Como é possível que se descure a segurança por uns trocos? Não quero responsabilizar o Governo, que é chamado a resolver tudo quando ninguém quer mexer uma palha, o que acontece sempre, em todas as ocasiões. Existe uma relação doentia entre falta de civismo e uma espécie de infantilização da sociedade civil, acolhida paternalmente pelo Estado.

A 10 ou 15 minutos a pé do edifício que não compra extintores porque são muito caros encontramos o stand da Lamborghini Macau, o Showroom da Bentley e o Stand da Aston Martin. Vou deixar este facto entranhar bem fundo na psique do leitor.

24 Out 2019

Dilemas da pílula

[dropcap]O[/dropcap] início da revolução sexual começou com a introdução da pílula na vida sexual – gravidezes indesejadas deixaram de ser um problema. Há quem, até, responsabilize a pílula pela crescente presença feminina no mercado de trabalho. Depois de 60 anos em que se deram como garantidas as vantagens deste contraceptivo hormonal, parece que há um declínio no seu uso, como se já não estivesse na moda. Os jovens detentores de útero estão cada vez menos interessados em utilizar esta forma de regulação hormonal, que ao longo do tempo foi sistematicamente prescrita não só para a prevenção da gravidez, mas para a eliminação do acne ou para regular ciclos menstruais mais incertos e dolorosos. A pílula imita a segunda fase do ciclo menstrual, pesado em progesterona, durante os 28 dias. O cérebro, ao entender os níveis de hormonas no corpo, assume que a ovulação não deve ocorrer e não envia os sinais necessários para ordenar a libertação do folículo. As menstruações tornam-se mais leves e menos dolorosas, e a pele mais limpa. A longo prazo a pílula também reduz o risco de cancro nos ovários e no endométrio.

A pílula também traz efeitos secundários indesejados – curioso que a pílula para os que têm um pénis viu uma saída tardia para o mercado, exactamente porque os efeitos secundários eram bastante explícitos (mas deixemos estas desigualdades de corpos). A biologia da pílula tem muito que se lhe diga. Há riscos claros de cancro da mama, criação de coágulos sanguíneos, ataque cardíaco e outras alterações no corpo mais visíveis. Recentemente uma psicóloga social debruçou-se sobre as alterações no cérebro sobre o efeito da pílula também. Algo que muito se havia especulado por que os efeitos secundários da pílula também incluem depressão, ansiedade e suicídio. O pior é que o cérebro, nestes estudos, é tido como uma máquina biológica. Há conclusões tão geniais quanto – a pílula enche os corpos de hormonas que podem participar na escolha de um parceiro não-viril (!), e por isso a investigadora alerta para o perigo de se parar a pílula durante um relacionamento com o parceiro que tenha sido ‘escolhido’ durante a enchente de progesterona – e assim a escolha pode deixar de fazer sentido. Estes estudos vêm reforçar uma perspectiva psicológica que simplifica em demasia os processos envolvidos no sexo. A psicologia evolutiva tenta perceber como é que o corpo pode participar nas nossas escolhas, neste caso, nas escolhas sexuais e românticas. Por isso é que há quem a entenda como adequada para perceber processos tão fisiológicos como o uso de pílulas hormonais. Mas é preciso olhar para o cérebro como co-criador da nossa realidade, e não uma máquina reactiva que se rege por impulsos que orientaram os pré-históricos a agir sobre o mundo. Felizmente que há neurocientistas que entendem o cérebro como dialógico com o que nos envolve.

Será necessária mais investigação para perceber, de facto, como é que a pílula afecta o nosso cérebro e a nossa sensação de ser. Também porque existem discursos contraditórios acerca da sua utilidade e segurança. Há quem esteja a tomar a pílula sem parar para não passar por menstruações que já não servem aos detentores de úteros que não têm interesse em parir.

Outros detentores de úteros estão a abandonar a pílula por completo. A prescrição indiscriminada de pílulas já começa a ser contestada e é importante perceber porquê. A hegemonia da pílula deixa por discutir as menstruações que ainda são tabu, as dores que ainda são normalizadas e que não lhes é dada a atenção devida, ou as depressões e as ansiedades.

Deixa por discutir a co-responsabilização que deveria existir por uma gravidez indesejada e a importância de dar prioridade (também) à prevenção de DST’s.

Para que os detentores de úteros possam tomar decisões informadas sobre os seus corpos, é preciso ver a pílula como um dilema também. Mesmo que a comunidade médica continue com uma postura de autoridade face aos nossos corpos e decisões, a investigação mostra as incertezas da área. Os detentores de úteros têm direito de perceber mais sobre os seus próprios corpos, sobre o seu funcionamento, e sobre os significados (contra a naturalização dos mesmos) que as sociedades propõem.

23 Out 2019

A UM não se conhece

[dropcap]A[/dropcap] Universidade de Macau (UM) tem sido palco de acontecimentos, no mínimo estranhos, para uma instituição pública de ensino que se quer internacional e com alunos vindos dos quatro cantos do mundo. É a liberdade académica, é a língua portuguesa, e agora são os rostos brancos, sejam portugueses ou estrangeiros.

Todos estes casos só mostram que a UM está a seguir um caminho contrário aos objectivos para os quais foi criada, nos idos tempos da Administração portuguesa. A história conta-nos que a primeira fase da Universidade da Ásia Oriental já contemplava o ensino da língua portuguesa e do Direito de Macau, ou seja, duas das áreas onde esses “rostos brancos” deram o seu contributo.

O facto de a UM ter nos seus quadros um académico, ainda por cima formado no Canadá, um país onde as liberdades individuais são respeitadas, sem esquecer os direitos das minorias, que afirma que a grande vantagem do sistema judiciário local é ter poucas “pessoas brancas”, é um tiro no pé. Mais, é a UM a ignorar por completo a sua história e a seguir um caminho que já muitos perceberam qual é.

Recordo-me do comentário de Jorge Rangel, ex-secretário adjunto de Rocha Vieira com a pasta do ensino superior, a criticar, há uns anos, o rumo que a UM estava a tomar, voltando as costas ao território. O Centro de Estudos de Macau dedica-se a estudar Macau, tal como o nome indica, mas ter nos seus quadros um académico com este discurso retira-lhe toda a credibilidade. Enquanto isso, a UM e governantes assobiam para o lado.

23 Out 2019

Redução de pena

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente foi publicada uma notícia importante. O protagonista do caso que desencadeou a proposta de revisão da Lei de Extradição dos Condenados em Fuga, Chan Tong Kai, vai sair da prisão na próxima quarta-Feira. O artigo afirma que Chan vai ficar junto da família alguns dias e depois viajará para Taiwan para se entregar às autoridades.

Chan e a namorada foram a Taiwan celebrar o Dia dos Namorados. Mais tarde, ele veio a ser considerado suspeito da morte da jovem. Roubou-lhe o cartão de crédito, tendo ainda ficado provado que o usou para levantar dinheiro. Finalmente foi preso em Hong Kong, condenado pelo roubo e uso do cartão. Mas, quanto ao homícidio, os tribunais de the Hong Kong não tinham poder para o julgar, visto o crime ter ocorrido fora da sua jurisdição. A acreditar na notícia, quando chegar a Taiwan, Chen vai ser julgado por homícidio.

A principal razão que levará Chan a entregar-se às autoridades é a expectativa de redução da pena. Quando o suspeito se entrega voluntariamente é muito pouco provável que tribunal venha a aplicar a pena máxima, neste caso a pena de morte, se a responsabilidade do crime se vier a provar.

Eventualmente existirão também motivos de ordem moral e necessidade de expiação da culpa. Se for o caso, demonstra que Chen se mostra responsável ao decidir arcar com as consequências das suas acções.

Já em relação aos familiares e amigos da vítima esta notícia poderá tê-los deixado simultaneamente felizes e preocupados. Felizes porque vêem a possibilidade de se poder fazer justiça brevemente.

Preocupados, porque em geral as pessoas próximas das vítimas sentem que os criminosos deverão ser condenados à morte, nos sistemas legais em que tal é possível. Quando não existe pena de morte, espera-se que sejam condenados a prisão perpétua. No presente caso, se o tribunal reconhecer a culpa do suspeito, a pena de morte será possivelmente reduzida para prisão perpétua, por se ter apresentado voluntariamente. Se tiver bom comportamento na prisão, de acordo com as condições que proporcionam liberdade condicional, existem muitas probabilidades de ser libertado mais cedo. Se tal acontecer, beneficiará de uma segunda redução de pena. Estas possíveis reduções de pena podem constituir motivos de preocupação para os familiares e amigos da vítima.

A liberdade condicional é uma forma de se poder controlar o comportamento dos prisioneiros. Para quem é condenado a prisão perpétua ou a muitos anos de encarceramento, a possibilidade de sair mais cedo por bom comportamento é um incentivo. Sem este estímulo poderiam ter comportamentos muito complicados na prisão. Por pior que agissem, mais castigados do que já estão não podem vir a estar, donde não terem nada a perder. A desobediência nas prisões provoca o caos e origina graves problemas sociais.

Desta forma, a liberdade condicional funciona para os prisioneiros como um encorajamento à obediência e ao bom comportamento. Do ponto de vista da sociedade em geral, a liberdade condicional permite a saída antecipada dos prisioneiros e uma consequente redução de custos.

Se o prisioneiro, que beneficiou da liberdade condicional, não voltar a reincidir, todos ficam a ganhar com esta medida.

Embora a liberdade condicional tenha todos estes aspectos positivos, reduz a pena que os prisioneiros deveriam cumprir. Na medida em que “a pena deverá ser proporcional ao crime cometido”, os familiares e amigos das vítimas opõem-se-lhe em geral. Mas como a lei proíbe que se faça “justiça pelas próprias mãos”, só lhes resta aceitar esta medida e tentar viver em paz .

A instituição da liberdade condicional é uma medida imperfeita, com lados positivos e lados negativos. Há quem seja a favor e quem seja contra. Em qualquer dos casos, se Chan se entregar à justiça de Taiwan, demonstrará coragem para enfrentar as consequências dos seus actos. Será uma forma de ficar em paz consigo próprio e ajudará a sarar a sociedade de Hong Kong.

Depois da rendição de Chen, a sociedade de Hong Kong deixará de ter necessidade de continuar a discutir a questão da revisão da Lei de Extradição dos Condenados em Fuga, pode por algum tempo esquecer estes incidentes. Esperamos que as manifestações e a violência vão gradualmente diminuindo após a entrega de Chan às autoridades de Taiwan.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

22 Out 2019

Será assim tão difícil?

[dropcap]N[/dropcap]ão me preocupo muito por um professor universitário, com vasto currículo académico, proferir declarações racistas contra “brancos”. Não perco o sono face à repetida constatação do sentimento “anti ocidente”, mesmo numa área da China habituada ao contacto com culturas diferentes e ocidentais. Não é isso que me aflige, porque sei que existe. Preocupa-me o silêncio e a cobardia de quem tem poder face a estas alarvidades.

O povo costuma dizer que quem “cala consente”. Nem mais. Alexis Tam recusou fazer comentários, Agnes Lam escudou-se num protocolo para não se pronunciar sobre as declarações proferidas numa conferência de um centro académico que dirige. A universidade muda e calada, impenetrável sem responder a emails ou atender telefones.

Será assim tão difícil dizer que as palavras do académico não pertencem a este século, nem pertencem a um lugar que ministra conhecimento? Será assim tão complicado condenar declarações racistas? Onde está o limite? Serão capazes de condenar um académico que negue o holocausto, que defenda o extermínio de judeus, negros, gays, muçulmanos, católicos, vegans? O silêncio do poder dá força ao ódio, permite que cresça sem amarras. Será assim tão difícil assumir um pingo de responsabilidade nesta terra?

Aqui apetece-se repetir o grito de Vítor Espadinha num popular vídeo de Youtube (procurar Vítor Espadinha indignado, 31 segundos). A sério, isto não foi um discurso de um bêbedo numa taberna antes de cair com a cara numa tijela de noodles, mas de um académico num evento oficial da maior universidade de Macau, perante figuras de relevo. É assim tão difícil? Têm medo do quê?

22 Out 2019

Abertura

[dropcap]A[/dropcap] porta da China vai continuar a abrir-se cada vez mais. O ambiente para negociar só vai melhorar e as oportunidades para empresas multinacionais serão cada vez maiores”. Foi assim que Xi Jinping comentou um novo abrandamento da economia chinesa que, ainda assim, continua a crescer acima dos 6 por cento.

Independentemente dos números oficiais e do seu rigor, há um número que destaco: o investimento estrangeiro directo que entra na China, cresceu para 100.8 mil milhões de dólares entre Janeiro e Setembro. Boas notícias para a autêntica sangria de capitais com que Pequim tem lidado.

Mas outro facto compromete as promessas de abertura da grande China ao mundo. Numa altura em que Hong Kong arde, o investimento estrangeiro directo que entra na China através da ex-colónia britânica cresceu 8,1 por cento nos primeiros nove meses do ano. Apesar da permanente batalha ideológica, da violência, do ódio de ambas as partes, 2/3 do investimento estrangeiro que entra na China fá-lo através da porta de Hong Kong. Uma chapada de realidade que une as duas partes numa interdependência sustentada no dinheiro, quando todas as outras dimensões gritam divórcio.

E aqui entramos no tema em análise desta humilde crónica. A fantástica noção da abertura da China ao mundo, uma das falácias geopolíticas que vai marcar esta primeira metade do século XXI. Gostaria de saber o que diria Deng Xiaoping do rumo que a política externa de Pequim tem seguido. Claro que para os crentes, tudo o que vem de cima é sagrado e absolutamente verdade. Se o querido líder disser que o céu é verde, a cor azul passa a ser uma ofensa.

Continua a ser extremamente difícil uma empresa, pessoa, ideia entrar na blindada China, o país que tem uma muralha como símbolo máximo. Eu próprio esbarrei na muralha, depois de me ter sido negada entrada na China, onde tentei ser turista, ansioso por me deliciar com a beleza intemporal de Pequim. Passagem comprada, hotel reservado e o juramento solene de que não iria trabalhar não foram condições suficientes para obter visto.

Claro que a fixação de uma empresa é assunto bem mais complexo e importante comparado com umas férias de um Zé Ninguém. Além dos requisitos burocráticos, da competitividade de mercado sui generis, para ser simpático, investidores estrangeiros precisam dar um salto de fé, um mergulho de confiança num país onde a justiça é fortemente politizada. Isto é o exacto oposto de abertura, é a clausura que está naturalmente inscrita no ADN do regime.

Na edição de sexta-feira, a nossa manchete incidiu sobre um professor que culpou os males de Hong Kong na influência branca. Não vou generalizar e cometer a atrocidade de dizer que este exemplo reflecte a maioria das pessoas do Interior.

Mas não posso deixar de analisar este tipo de mentalidade face a um factor: o nacionalismo nunca foi um cenário propício a uma visão positiva do outro, do estrangeiro, do exterior. O nacionalismo é o amor que se impõe em detrimento do resto do mundo, que sempre que domina um país tem consequências horripilantes para todo o mundo.

Para apaziguar a omnipresente “ideologia” “atão e os amaricanos”, que o próprio docente usou para justificar racismo, vou deixar claro que considero o “excepcionalismo” americano a força-motriz do apoio, ou relativização, das atrocidades que o império norte-americano comete desde o fim da Segunda Grande Guerra. A ideia interna e míope de que os Estados Unidos da América são o melhor país do mundo, justifica e abre caminho a crimes de guerra invisíveis para quem usa a pala cega do patriotismo.

Deste lado, esta perigosíssima semente germina adubada em abundância.

Para fora apregoa-se abertura, enquanto dentro de portas se enaltece a reclusão do amor-próprio. E este cárcere também é enaltecido aqui, principalmente nos dias que correm, numa cidade que ambiciona ser centro internacional disto e daquilo, que quer ser plataforma de comunicação com outros países. Uma cidade que se quer cosmopolita, internacional, tem de ser tolerante face aos outros, tem de ser multilingue, aberta, disponível para acolher. Vivemos numa era global, apesar das flutuações isolacionistas, que a China critica selectivamente devido às tarifas de Trump. Ironicamente, estes fenómenos de isolacionismo nascem exclusivamente do nacionalismo.

Era bom que se tivesse em conta que quando uma porta se abre não se pode permitir passagem apenas num sentido.

21 Out 2019

Rosário ajoelhou-se

[dropcap]P[/dropcap]ara quem acompanha o futebol em Portugal, nada representa melhor o espírito de uma derrota humilhante como quando Jorge Jesus, então treinador do Benfica, se ajoelhou no Estádio de Dragão, após o golo de Kelvin. Raimundo do Rosário viveu um momento semelhante na sexta-feira, quando admitiu que os contratos com as concessionárias de autocarros vão ser renovados de “forma temporária” por mais 12 meses.

Rosário tinha sempre afirmado que até 31 de Outubro seriam anunciados os novos moldes destes contratos. Foi uma derrota em toda a linha para o secretário. Mas poderiam as coisas ter sido diferentes? As negociações têm sido mantidas em segredo, mas não custa adivinhar o que separa o Governo dos empresários donos disto tudo: receitas geradas pelas concessionárias públicas por serviços prestados a empresas privadas, como o aluguer de autocarros e condutores às concessionárias do jogo e as publicidades nos próprios autocarros.

Também a aquisição de autocarros amigos do ambiente e respectivos subsídios deverão ter sido um dos temas quentes. A luta de Rosário nunca ia ser fácil, mas para isso era necessário que tivesse o apoio total de Chui Sai On. Parece-me que terá sido aí que as coisas falharam. O Chefe do Executivo está de saída e não está para deixar aqueles que sempre recompensou numa situação complicada. É ver para quem foram as “medalhas”.

Por isso, entre o secretário e “os nossos”… A corda partiu pelo lado mais fraco. Não foi a primeira vez. Alexis Tam fartou-se de provar deste veneno. O dossier passa assim para o próximo Governo, que Rosário até pode integrar e “salvar a face”, mas Ho Iat Seng vai ter de fazer uma escolha que pode marcar o mandato: o melhor para Macau ou para os empresários?

21 Out 2019

Nas ruas

[dropcap]D[/dropcap]esde os movimentos que a partir de 2011 e um pouco por todo o mundo se foram designando como “Occupy”, com as suas variantes regionais e linguísticas, não se via tanta política nas ruas das grandes cidades do planeta. Tinha sido o tempo de ocupar tudo, em nome dos tais 99%, um cálculo eventualmente exagerado mas certamente mobilizador: desde a Bolsa de Nova Iorque a emblemáticas Praças no Médio Oriente, passando pelas várias Europas, mais ricas e mais pobres, uma crise financeira e económica que afetava grande parte do mundo, com níveis de desemprego sem precedentes após a II Guerra Mundial, sobretudo para a juventude, com limitadas opções de entrada em mercados de trabalho cada vez mais desprotegidos e selvagens. Era a época em que empreendedores governantes mandavam esses jovens emigrar, que o tempo não estava para presentes nem futuros. Restava saber para onde, que os horizontes se iam fechando um pouco todo o lado e era por isso que se enchiam as praças, de conversas em assembleia à procura de novas Primaveras, mais ou menos perdidas entretanto, ou neutralizadas por uma parca recuperação económica e algum trabalho vagamente precário.

Agora é o clima, o regresso em máxima força da causa ambiental, graças à evidente ameaça a um planeta à beira do colapso, motivado pela ganância consumista e pelos poderes instalados, dependentes de tóxicos modelos de exploração desenfreada de recursos finitos e à beira do esgotamento para produção massiva de produtos de curta duração, com obsolescência programada à medida da voracidade das modas de consumo acelerado que vão dominando os padrões de vida contemporâneos, sempre em alta velocidade, sempre à procura da inovação, da nova experiência, do novo que envelhece depressa para poder ser rapidamente substituído, de preferência na loja online. Não houve discurso científico suficientemente mobilizador para trazer essa questão para fora das agendas de circunstância da ONU ou de outras plataformas parlamentares de democracia performativa e cada vez menos representativa, mas seriam os estudantes, cada vez mais, cada vez mais acompanhados, cada vez em mais lugares, a impôr a discussão pública do assunto – um passo necessário mas não suficiente para alguma acção consequente. Em todo o caso, nunca mais as sextas feiras foram como dantes: começou com o protesto solitário de uma adolescente sueca e são agora milhões as pessoas que acabam a semana a reivindicar uma agenda imediata para responder ao problema do clima.

Essas não são as únicas pessoas que ocupam com reivindicações políticas as ruas de hoje, no entanto: também há largos milhares – ou milhões – nas ruas de Hong Kong, há já vários meses, com mais ou menos violência sobre os espaços e infraestruturas públicas, mais ou menos repressão das autoridades policiais e mais ou menos clareza nos objetivos e reivindicações. Em todo o caso, nem parece próximo o final do conflito nem parece desenhar-se o esboço de uma solução. Ficam as ruas, a testemunhar o confronto, até agora sem vencedores, vencidos ou novos horizontes. Uma falta de horizontes que também parece pairar sobre a Catalunha, onde a transformação da discussão política sobre uma possível independência numa questão estritamente jurídica faz com que a conversa saísse inevitavelmente das salas dos tribunais para os espaços públicos das ruas: ainda mal começou, esta nova vaga de mobilização independentista, mas está certamente para durar, e em várias frentes: da mobilização pacífica ao boicote, incluindo desta vez confrontos violentos, em várias cidades da Catalunha e do restante estado espanhol, este confronto não deixa a Europa numa posição particularmente elegante no retrato global da democracia contemporânea e da capacidade dos sistemas políticos para gerar soluções consensualizadas a partir de instituições credíveis e com legitimidade reconhecida. Na realidade, talvez o problema esteja mesmo nessa falta de credibilidade e legitimidade: mais gente nas ruas e menos gente a votar são sinais evidentes das fraquezas por resolver nas democracias actuais – e também o terreno fértil por onde proliferam os novos aspirantes a tiranos.

Mais conclusivas – e também mais violentas – foram as mobilizações da população indígena do Equador, com a cidade de Quito massivamente ocupada por gente que se deslocou de todo o país para se enfrentar ao governo e para rejeitar o plano de austeridade e privatização generalizada de recursos públicos que o FMI pretendia impôr a troco de avultado financiamento – pago ele próprio a juros avultados, como é prática corrente na casa. Entre a violência dos confrontos, a paralisação do país, declarações de Estados de emergência e deslocação do governo para fora de Quito, ficou um resultado categórico: o acordo com o FMI foi rejeitado.

Resta saber o que virá a seguir – e como governará um executivo legitimado pelos votos e derrotado pelas protesto. Mais uma vez esteve em evidência a cada vez maior distância entre as práticas e consequências das urnas de voto e as exigências e confrontos das ruas.

18 Out 2019

Patriotismo a soldo

[dropcap]L[/dropcap]ei Chan U falou sobre patriotismo em mandarim. Os deputados podem utilizar as línguas oficiais da RAEM na AL e o deputado cumpriu. Mas ao contrário de alguns governantes, Lei consegue expressar-se muito bem em cantonense, pelo que a utilização do mandarim é uma escolha política e não um meio para comunicar de forma eficaz, como acontece, por exemplo, com Liu Dexue.

Mas como se justifica que Lei tenha voltado a desprezar principal “língua” dos “seus eleitores”? A educação patriótica não é um tema importante que merece que a maior parte da população o compreenda? Não se devia falar da educação patriótica de forma eficaz e clara? Claro. Mas isso era para um deputado que estivesse realmente interessado na RAEM e nos seus cidadãos.

São muito poucos assim, e Lei Chan U, como deputado eleito pela via indirecta da FAOM, está lá para tratar da vida dele, agradar ao Governo Central e espera um dia ser recompensado. Lei transmite a ideia de que para ele os cidadãos de Macau são secundários. Quando escolhe desprezar o cantonense, Lei está a focar-se numa agenda própria que passa por ser promovido para outros voos, como bom patriota.

No meio disto tudo, só é triste que Lei Chan U seja tão limitado intelectualmente que não perceba que ao sentir necessidade de falar mandarim para se mostrar um bom patriota está a negar a cultura chinesa, que o cantonense tanto enriquece. A FAOM só permite este tipo de atitudes porque a classe operária não é a prioridade. Foi chão que deu uvas e não é por acaso que os quatro magníficos são tão amigos dos empresários da AL … A farinha é a mesma, só a cor do saco é que muda.

18 Out 2019