A era do pós-indivíduo

[dropcap]Q[/dropcap]uando hoje passeamos pelas chamadas redes sociais reparamos num fenómeno sintomático: seja qual for a ideia, opinião ou evento rapidamente se formam dois lados, dois partidos, duas facções, que mutuamente se insultam e destilam ódio como se em causa estivesse realmente um futuro qualquer.

Ao contrário do que se poderia pensar, depois das experiências do século XX, nomeadamente da crítica das metanarrativas, o mundo voltou a ser a preto e branco. A “verdade” voltou e vingativa. Afinal, qual de nós não é hoje o detentor da “verdade”, pura, crua e sem remissão? Ter dúvidas, hesitar, reflectir, pensar, não está na moda.

É mesmo horrível, coisa de gente fraca, pouco digna de guerreiros de teclado. A coisa agora é mais insultar, excruciar, reclamar, excluir. Ao contrário do que seria esperado, parece haver uma compulsão para se pertencer a algo, habitar num grupo de “amigos” cujos valores estão previamente formatados, tudo pronto e embrulhado para consumo rápido e certeiro. Não se trocam ideias, insulta-se o que discorda de nós.

No fundo, é um descanso, um torvelinho parado, um remoinho que não sai do mesmo sítio e por isso deve ter um efeito hipnótico e calmante. E lá vamos: cantando o que nos fazem cantar, recitando o que nos fazem recitar. Orgulhosos de pertencer e de não ser. Entrámos, seguramente, na era do pós-indivíduo.

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