Live Music Association recebe amanhã a música da dupla britânica Majik

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Live Music Association continua a fazer jus ao nome que tem. Amanhã, as portas do LMA abrem às 21h para oferecer mais uma noite de música, desta vez com a banda Majik, oriunda de Inglaterra. “É um dueto que faz um pop calmo, que usa batida electrónica como fundo, uma guitarra e voz”, explica Ryoma Ochiai, um dos organizadores do concerto.

Apesar de a banda ter nascido em terras de sua majestade, é composta por um escocês e um inglês de Marlow. Porém, o duo londrino conheceu-se em Leeds, onde partilharam casa. Logo ao início, Marcus testemunhou o experimentalismo musical do amigo e começaram a cozinhar algo que só viria a ser servido totalmente mais tarde em Londres.

Os Majik funcionam com um motor a dois-tempos, Jaime e Marcus. O primeiro é o homem por detrás das batidas e da guitarra, quem compõe a paisagem sonora onde encaixam as letras e voz de Marcus. A mistura resulta numa atmosfera que marca a nova pop britânica, feita de ambientes introspectivos para dançar de olhos fechados. A espaços fazem lembrar uma versão simplificada dos The xx.

Hoje em dia, os vídeos da banda no Youtube têm dezenas de milhares de visualizações, com destaque para “Closer”, “It’s Alright” e “Save Me”.

Não é de estranhar que rapidamente estejam a ganhar fãs um pouco por todos os cantos da Internet, com sons bem trabalhados e que ficam no ouvido.

Toque de magia

De momento encontram-se em tournée e passam por Macau, vindos de Kuala Lumpur e antes de se fazerem aos palcos de Guangdong, Xangai e Pequim.

O nome da banda vem do uso de chavão que os Queen imortalizaram. Marcus, o vocalista dos Majik, costumava dizer que testemunhar a mestria de Jamie a compor era como assistir a magia. Daí o nome do dueto.

A jovem banda ainda não conta com nenhum disco na bagagem, mas tem uma colecção de músicas com que conseguem compor um concerto. Aliás, parecem talhados numa geração para quem os discos são despicientes, num mundo de listas de spotifys e soundclouds. Os Majik são uma banda nova, fresca a ter em atenção no futuro.

As portas do LMA abrem às 21h e as hostes serão iniciadas por RyomA, que receberá o público com um set relaxado, chill out para abrir o apetite para o que se segue. A fechar a noite, para convidar os presentes a um pezinho de dança, o DJ local Kit Leong estará nos pratos a debitar house e disco. O LMA oferece mais um sábado de música aos noctívagos de Macau.

7 Abr 2017

Declaração Conjunta | TDM assinala 30 anos com série de reportagens

Foi um período decisivo para a Macau que hoje conhecemos. Perderam-se batalhas, garantiram-se conquistas, chegou-se a um acordo que permitiu desenhar o futuro do território. Em sete reportagens, a TDM conta o que é preciso não esquecer

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s canais portugueses de televisão e rádio da TDM exibem, a partir da próxima segunda-feira, uma série de reportagens sobre as negociações que conduziram à assinatura da Declaração Conjunta sobre o futuro de Macau, a 13 de Abril de 1987.

Num trabalho assinado pelo jornalista Gilberto Lopes vão ser relatados, na primeira pessoa, os momentos mais sensíveis e polémicos do processo negocial. A série de sete reportagens inclui depoimentos de membros da delegação portuguesa que negociaram a Declaração Conjunta, como o embaixador João de Deus Ramos e Carlos Gaspar que, na altura, era assessor político do ex-Presidente da República Portuguesa, Mário Soares.

“Declaração Conjunta 30 anos” conta também com o testemunho de António Vitorino, antigo membro do Governo de Macau e que nos primeiros dois anos da transição integrou o Grupo de Ligação Conjunto, o órgão de consulta dos Governos de Lisboa e Pequim para o período da transição (1987-1999).

O investigador Moisés de Silva Fernandes, com vários livros publicados sobre as relações entre Portugal e a China, é outro dos intervenientes na “Declaração Conjunta 30 anos”.

A antiga presidente da Assembleia Legislativa, Anabela Ritchie, e o ex-deputado e actual presidente da Associação dos Advogados de Macau, Jorge Neto Valente, descreveram à TDM como viveram, em Pequim, aquele dia histórico.

Duas regiões que foram quase uma

“Declaração Conjunta 30 anos” é emitida a partir de 10 de Abril. Na Rádio Macau, a série de programas passa às 8h30 e às 17h30, de segunda a sexta-feira; ao sábado e domingo, às 12h e às 16h30. No Canal Macau, o trabalho será exibido de segunda a domingo depois do Telejornal das 20h30.

No dia 10 é transmitida a primeira reportagem “Tudo começou em Paris”, onde se relata que foi com o reatamento das relações diplomáticas, em 1979, que a questão de Macau começou a ficar definida.

Na terça-feira e na quarta-feira, serão exibidas reportagens sobre a “Data” e a “Nacionalidade”, as duas questões que mais dividiram os negociadores portugueses e chineses.

Na quinta-feira, será a vez de “Uma Só Região Administrativa Especial”, onde se fala da ideia inicial da China em criar uma Região Administrativa Especial que juntasse Hong Kong e Macau e do projecto em ter uma transferência de administração simultânea para Macau e Hong Kong, em 1997.

Na sexta-feira, os negociadores Carlos Gaspar, João Deus Ramos e também António Vitorino falam da experiência que tiveram nas conversações com os negociadores chineses.

No sábado, o grande destaque vai para como Macau viveu as negociações. Em “Macau não foi consultado”, Jorge Neto Valente e Anabela Ritchie dão conta de que os residentes portugueses e chineses de Macau não foram ouvidos em todo o processo e que o Governo português não convidou os portugueses de Macau para a cerimónia em Pequim.

No domingo, realce para um depoimento gravado, em exclusivo para a TDM e Agência Lusa, do antigo primeiro-ministro, Cavaco Silva, que assinou com o líder chinês, Zhao Ziyang, a Declaração Conjunta, a 13 de Abril de 1987, no Palácio do Povo, em Pequim. António Vitorino e Carlos Gaspar falam dos grandes objectivos definidos para o período de transição, e Anabela Ritchie e Jorge Neto Valente dos vários diplomas aprovados e os que ficaram por aprovar na Assembleia Legislativa durante o período de transição.

“Declaração Conjunta 30 anos” terá uma exibição, em compacto, segunda-feira, 17 de Abril, a partir das 10h30, na Rádio Macau. A TDM explica que o trabalho tem locução do jornalista Rui Cid, grafismo e mistura final de Pedro Lemos, imagens de Bernardo Vieira, Chang Iong Long, Fernando Poon, Arquivo TDM e Arquivo RTP, e a colaboração de José Costa Santos e Pedro Benjamim.

7 Abr 2017

Cinema | “Peregrinação” de João Botelho até ao final do ano

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] realizador João Botelho inicia, na próxima segunda-feira, a segunda fase de rodagem do filme “Peregrinação”. O realizador entra na etapa final de filmagens da obra de Fernão Mendes Pinto, agora em Portugal, e pretende que a película estreie ainda este ano nos cinemas.

Depois de ter estado, no Verão passado, em filmagens na China, Macau, Japão, Índia, Malásia, Vietname e Indonésia, João Botelho está agora na segunda fase de rodagem em Portugal, com o elenco encabeçado por Cláudio da Silva no papel do explorador português do século XVI.

Na nota de intenções, o realizador descreve “Peregrinação” como “um filme de aventuras, literário e uma epopeia musical”, a partir de fragmentos de um “desmedido e louco romance de mil páginas”.

Além de Cláudio da Silva, o filme conta ainda com Cassiano Carneiro, Pedro Inês, Catarina Wallenstein, Maya Booth, Rui Morisson, Jani Zhao e Zia Soares.

Haverá também um coro de marinheiros a cantar músicas do álbum “Por este rio acima”, de Fausto Bordalo Dias.

Esta segunda fase da rodagem de “Peregrinação”, que se estende até Maio, passará por Sintra, Vila do Conde, Carrasqueira, Lisboa, Torres Novas, Tomar e Almada. A produção é de Alexandre Oliveira e a fotografia de João Ribeiro e Luís Branquinho.

“Ao trazer esta obra máxima da literatura portuguesa para o cinema, acho que cumpro a mais bela das missões: um realizador deve encontrar uma empatia emocional e verdadeira com as muitas pessoas a quem o filme se destina”, escreveu João Botelho.

Impresso pelo primeira vez em 1614, “Peregrinação” é um relato da presença dos portugueses no Oriente e uma crónica de viagens de duas décadas de vivência de Fernão Mendes Pinto.

João Botelho já adaptou outras obras literárias para cinema como “O livro do desassossego”, de Fernando Pessoa, “A corte do norte”, de Agustina Bessa-Luís e clássico “Os Maias”, de Eça de Queirós.

6 Abr 2017

Chan Hin Io faz radiografia à cidade com imagens panorâmicas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] afastamento visual pode dar perspectiva ao observador e revelar algo que a proximidade esconde. Este é o mote ao livro “Paisagem Pitoresca – Fotografias Aéreas de Macau Captadas por Chan Hin Io”, lançado hoje na Academia Jao Tsung-I sob a égide do Instituto Cultural (IC).

O público que se deslocar à festa de lançamento poderá apreciar fotografias e vídeos da cidade vista de grande altitude.

O fotógrafo local captou imagens de cortar a respiração de diversos cenários da cidade, formando um mosaico composto por edifícios, festividades, pontes e projectos de construção. As imagens mostram o tecido de que é feito Macau, colocando a nu o desenvolvimento urbano e a rede de artérias da cidade. As imagens parecem retiradas de um compêndio de cartografia, por vezes revelando uma perspectiva quase surrealista do chão.

À medida que fotografava, Chan Hin Io filmou um vídeo que será exibido hoje durante o lançamento do livro.

O fotógrafo local, que pegou nos últimos anos no tema da paisagem urbana de Macau, assim como nos costumes do território, tem sido galardoado com alguma frequência com prémios de fotografia. Com a cidade como musa transversal à sua carreira, Chan Hin Io fotografou os bairros de Macau, as memórias de ofícios e negócios tradicionais e o património arquitectónico da cidade. A sua obra tem como pontos altos os livros “Bairros de Macau: Fotografia Documental por Chan Hin Io”, “Memórias dos Ofícios e Negócios Tradicionais de Macau” e “Vida em Macau 2012 – Fotografias de Chan Hin Io”.

Outro dos destaques maiores na carreira do fotógrafo é o livro “O Lugar onde o Património Mundial Brilha – Fotografia do Centro Histórico de Macau”, que originou uma exposição que está patente em Lisboa, no Centro Científico e Cultural de Macau até 31 de Maio. Depois da capital portuguesa, a exposição será mostrada em Guimarães, no Palácio Vila Flor entre 23 de Junho e 15 de Agosto.

6 Abr 2017

Exposições | Le French May traz Louvre até Hong Kong

A edição deste ano do Festival Le French May traz alguns dos tesouros do espólio do Louvre à região vizinha de Hong Kong. Vão estar em exibição mais de uma centenas de obras, entre pintura, escultura, estátuas e antiguidades

 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a sequência da invasão artística francesa de Hong Kong que é o Festival Le French May 2017, destaque para a mostra que traz obras de um dos mais famosos museus do mundo. Durante três meses o Museu Heritage recebe peças históricas de enorme relevo. A mostra dos tesouros do Museu do Louvre vem a tempo de celebrar o vigésimo aniversário da fundação da Região Especial de Hong Kong, assim como o vigésimo quinto aniversário do festival artístico.

As exposições tem como nome “Inventing le Louvre: From Palace to Museum over 800 years”, e são organizadas numa parceria entre o museu francês e o Museu Heritage de Hong Kong. A exibição tem levado obras-primas de um dos mais prestigiados museus do mundo à volta do globo e dará ao público da região vizinha a oportunidade única para explorar os tesouros do museu francês.

A exposição ilustra a vitalidade e universalidade que caracteriza o espírito do Louvre, com uma selecção de obras transversais aos diversos períodos da história do museu, desde a sua fundação.

Desde a sua origem, nascido das colecções reais de Francisco I e Luís XIV, até aos tempos modernos, o museu francês tem sofrido imensas renovações e mudanças profundas.

A mostra atravessa também a arte produzida durante o período que passa pelo reinado de Napoleão e a época das ideias do movimento intelectual republicano.

Museu nação

Ao longo do último século o Louvre continuou a aumentar a sua colecção, alicerçado numa política de aquisição de obras de arte dos sucessivos reis franceses, ou seja, a história do museu está intrinsecamente ligada à história francesa.

O Le French May contará com uma sucessão de obras divididas em secções temporais. As colecções reais e o Palácio, depois de Francisco I e Luís XIV, do século XVII. O século XVIII terá, inevitavelmente, como foco o Iluminismo e a época de Denis Diderot, assim como o período que vai da revolução francesa a Napoleão. As obras dos século XIX têm como tema Napoleão III e a Terceira República. Finalmente, na actualidade, Louvre Hoje.

Entre as peças que visitam a região vizinha contam-se a estátua do escritor Jean de la Fontaine, Cabeça de Cavalo (fragmento de estátua) do departamento de antiguidades gregas, etruscas e romanas do Louvre, que saem do museu francês pela primeira vez.

A exposição conta com 126 peças e abre portas ao público a partir do dia 26 de Abril e estará em exibição até 24 de Julho no Museu Heritage de Hong Kong.

6 Abr 2017

Phil M. Reavis, músico da banda “The Bridge”: “A música, com o tempo, torna-se visceral”

Phil M. Reavis é professor de Inglês e músico em Macau desde 1982. Veio para dar aulas e agora é um dos rostos associados ao jazz local. Autodidacta, toca saxofone tenor com a banda local “The Bridge”. Ao HM, falou do que pensa relativamente ao estado do género musical no território

Como é que veio para Macau?

Vim para o território em 1982. Já tocava, na altura, mas só para mim. Apesar de professor era, acima de tudo, um desportista e treinador. Tive muita sorte. Cresci numa cidade operária dos Estados Unidos que tinha muitos campos para a prática de desporto. Com o salto em altura consegui uma bolsa que me deu acesso à universidade, com pagamento total de propinas. Acabei os estudos e comecei a trabalhar como professor, mas acabei por ir para o Camboja como treinador de uma equipa internacional que englobava várias modalidades. Com o agravamento da situação política naquele país fui destacado para o Vietname. Foi aí que conheci a minha mulher. Por sermos de cores diferentes, não éramos um casal bem visto. Recordo-me quando os Estados Unidos obrigaram todos os dependentes de quem estava no exército ou a trabalhar para o Governo a irem embora, e queriam que a minha mulher também o fizesse. Mas não éramos casados e, por isso, ela conseguiu ficar. Acabámos por ir para o Laos ensinar Inglês cerca de seis anos. Voltámos aos Estados Unidos. Pensava que poderia ter mais oportunidades se fizesse um mestrado em Estudos Migratórios, mas acabei por aceitar um emprego numa universidade. Na Universidade do Minnesota o movimento negro estava no auge, o que me incomodava muito. A minha mulher era branca e nada daquilo fazia sentido para mim. Aliás, durante a minha infância e adolescência não senti, de todo, a discriminação. Lembro-me da primeira vez que senti isso na pele. Estava no ensino secundário quando vi uma caixa enorme que tinha lá dentro um saxofone e fiquei encantado. Um amigo disse-me que podíamos ter aulas a um preço simbólico e o direito a ter o instrumento. Fui falar com o professor, que não me aceitou. O meu amigo voltou a insistir e lá consegui, mas em vez de uma caixa grande, tive uma caixa pequena com um clarinete. Agora, enquanto docente, estava no meio das questões raciais mais profundas dos Estados Unidos. Convidámos, na altura, um poeta para vir falar com os estudantes e, quando ele chegou e se deparou com uma plateia de brancos e negros, não quis falar para os brancos. Era tudo tão absurdo. Apareceu, mais tarde, a oportunidade de vir para Macau dar aulas de Inglês numa escola chinesa. Tínhamos, eu e a minha mulher, de ficar cinco anos para dar início ao departamento de Inglês. Tivemos muita sorte. Naquela altura, em Macau, já havia uma consciência muito grande de que se as pessoas quisessem progredir na vida teriam de aprender línguas. Tinha alunos espectaculares e que aprendiam muito depressa. Havia a combinação de dois factores fundamentais: queriam muito aprender e o território estava aberto. Acabaram-se os problemas raciais e essas coisas absurdas.

Onde é que andou a música durante esse tempo?

Comecei a tocar ainda no ensino secundário. Dada a situação em que me senti discriminado, acabei por aprender sozinho. Ao longo do tempo, chegava a casa e “fechava-me no armário” para tocar. Tinha um bom ouvido e achava que, se tocasse o que ouvia de forma perfeita, podia ir avançando. A música, com o tempo, torna-se visceral. Mas foi realmente em Macau que comecei a tocar para os outros. Vi um folheto de um concerto de jazz promovido pelo clube da altura. Ao perceberem que também tocava, convidaram-me a fazê-lo, mas em público. Foi em Macau que comecei a tocar realmente.

Como era a cena musical local da altura e em que aspectos tem mudado, nomeadamente no jazz?

Era muito limitada. Dentro da comunidade chinesa, a única coisa que era considerada como música era a clássica. O único instrumento real era o piano, por vezes o violino e, quanto muito, a flauta. A cena musical estava parada e agarrada ao virtuosismo da música clássica. Por exemplo, sempre que tínhamos concertos, os professores de música não apareciam. Lembro-me apenas de duas situações em que estiveram presentes. A ideia de ter música num clube ou num bar, penso, parecia-lhes motivo para ser desconsiderada. Mais tarde, tivemos a Casa de Vidro. Foi um grande salto na nossa visibilidade, era perfeita. Já não era a falácia de música nos bares. Era um passo em frente. Acabámos por ter festivais com alguma regularidade e o género teve um grande desenvolvimento no território. Actualmente, as diferenças são muitas e considero que está tudo melhor, principalmente com as novas gerações de músicos.

O que é que aconteceu?

Os jovens agora vão para a universidade para seguir música, por exemplo. Isso dá-lhes competências muito fortes. A escola de música está também muito bem organizada e há toda uma geração de novos artistas. Por outro lado, estamos numa sociedade altamente consumista e isso também se nota na música. As pessoas pensam que se conseguem ganhar dinheiro com ela, então é melhor aprender.

O que é preciso ao nível pessoal para tocar, especificamente, jazz?

O que quer que seja, vem com o tempo. Por exemplo, Ella Fitzgerald, enquanto jovem, canta bem mas, com a idade, a voz dela atingiu outra intensidade. É a maturidade que passa para a música. O mesmo se passa com o jazz. Esta nova geração começa agora a ter uma noção da expressão. Já não se trata unicamente de tocar as notas certas nos tempos certos. Um músico de jazz faz outra coisa: sente. É o sentimento que demora tempo. Se calhar, nos Estados Unidos, pode ser mais fácil para os mais novos que começam a ouvir jazz desde pequeninos na rádio mas, ainda assim, depois vem o tempo. No entanto, os miúdos que saem das escolas correm um grande risco. Quando os ouvimos, são todos iguais e não se pode fazer nada contra isso. Têm o grau académico, mas a questão é saber se conseguem fazer música daquilo. No território, temos uma grande referência que está a fazer muito pelo jazz e pelo seu ensino: José Eduardo.

Há um público em Macau?

Costumava existir, mas foram-se todos embora. Era, em grande parte, a comunidade portuguesa. Na noite de domingo, que marcou o regresso do Clube de Jazz, fiquei muito surpreendido com o público no Live Music Association. Vi jovens chineses, além dos portugueses. Mas lá está, é uma sociedade virada para o consumo e, em Macau, isso é mais evidente ainda. O jazz tem dificuldades. Foi sempre um género alternativo e nunca foi para maiorias. É triste, mas penso que será sempre considerado, de alguma forma, um género menor, até mesmo nos Estados Unidos. Há dois ou três anos, estava num bar com uns amigos que não ganhavam mais de 50 dólares por concerto. É terrível. Muitos deles acabam por saber interpretar mais do que um instrumento, porque lhes dá mais oportunidades de tocar. Mas há muita necessidade de instrumentistas, principalmente que saibam tocar baixo. É o instrumento em que é mais difícil encontrar um substituto e não há banda que não precise dele. Se tivesse agora um filho que quisesse seguir música, o meu conselho seria só que aprendesse baixo.

O que pensa do regresso do Clube de Jazz de Macau?

É um renascer da vontade de ouvir o género com frequência ao mesmo tempo em que se aposta numa geração mais nova, tanto de público, como de músicos. O jazz não tem a visibilidade que deveria, nem nunca teve. Não é ainda visto como uma música séria. É importante também perceber que o mito dos negros tocarem jazz é apenas isso, um mito e uma estupidez. Toda a gente o pode tocar, e bem. Esta política identitária não faz sentido algum.

5 Abr 2017

Albergue | Dez anos de desenhos de Daniel Vicente Flores

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s desenhos de Daniel Vicente Flores vão estar em exposição a partir do dia 19 no Albergue SCM. “Desenhos 2006-2016” é um conjunto de 33 obras a tinta-da-china “onde o artista explora o traço carregado de ângulos e variações representando a mancha de forma figurativa e abstracta, e onde se encontram por vezes apontamentos de cor”, lê-se em comunicado de imprensa.

De acordo com a organização, a mostra representa um imaginário íntimo em tom provocatório, onde o significante e o mundo identitário do artista se confundem. “Os meus desenhos não são estudos de sombra e luz a partir da observação, mas da luz e da cor em si, que formam o desenho relacionado com o mundo exterior apenas simbolicamente”, refere o artista.

Daniel Flores nasceu em Macau em 1989 e aqui viveu até 1999. O interesse pelo desenho enquanto expressão vem desde muito jovem, sendo que a literatura e a poesia surgem mais tarde. A residir em Lisboa, concluiu o ensino secundário na Escola António Arroio, na componente de Encenação. Frequentou a Faculdade de Belas Artes de Lisboa (Artes Multimédia) e a Escola de Jazz do Hot Club Portugal. Prossegue, em simultâneo, com todas as suas actividades artísticas: desenho, literatura e música.

Daniel Vicente Flores não deixou, no entanto, de visitar Macau com frequência e “Desenhos 2006-2016” é um marco “natural na terra natal”.

No mesmo dia, é lançado o Livro “Impressões” com desenhos e poemas do artista, com a chancela da editora Livros do Oriente.

5 Abr 2017

AFA | Aguarelas de Cai Guo Jie expostas a partir de hoje

São paisagens locais vistas com olhos de pássaro. A proposta é de Cai Guo Jié que adoptou Macau como casa e a quer mostrar a todos. A exposição é uma organização da Art for All Society e está patente até 23 de Abril no Art Garden

[dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap]verlook the Macau City” é a exposição de Cai Guo Jie que está, a partir de hoje, aberta aos visitantes no Macau Art Garden. A iniciativa promovida pela Art for All (AFA) traz uma série de 14 aguarelas que representam alguns dos espaços mais emblemáticos da cidade, produzidos pelo artista.

A escolha da técnica, disse o autor ao HM, tem a ver com motivos históricos e culturais. “Antigamente, a aguarela era utilizada na cerâmica que, antes de ser levada para cozedura, era pintada com esta técnica”, explicou.

A aplicação é realizada na pintura de espaços como Mong Ha, o Porto Interior, as Ruínas de São Paulo, a Igreja de São Lourenço e o Alto de Coloane. O objectivo é dar um panorama geral do território. “É um retrato dos lugares por onde passo todos os dias e que fazem parte da cidade”, disse.

Depois de várias exposições com passagens por Pequim, a mostra que hoje inaugura representa ainda uma mudança na perspectiva do artista. As paisagens agora elevadas a um plano superior do olhar, pretendem mostrar os lugares comuns de residentes e visitantes quando passeiam pela cidade.

“Na pintura `Camões Olhando para o Leste´,  o espectador parece ter sido levantado no ar e colocado num ponto mais alto, o horizonte também se levanta e a maior dimensão é ampliada à utilização de uma folha de aguarela completa”.

Cai Guo Jie, natural de Taiwan veio para Macau à cerca de cinco anos. “Era o local onde tinha o coração”, disse ao HM. Ao longo da carreira, passou por várias fases e, se num momento inicial tinha como meta a adaptação e técnicas ocidentais a motivos do oriente, com o tempo o objectivo também se transformou: “tornou-se fundamental dar mais relevo às técnicas locais”.

“Prefiro exportar a cultura a importar o que vem de fora e, quando me senti preparado, decidi produzir uma série de trabalhos sobre Macau”, recordou.

Liberdade local

Vindo de fora e com os olhos postos nos jovens criadores, Cai não tem dúvidas de que, em Macau, a liberdade é um marco na criação artística capaz de levar ao sucesso. Em contraponto está a realidade de Taiwan. “A maioria dos alunos de arte de Taiwan estudam muito mas o objectivo não passa de tentarem passar nos exames. Os estudantes de Macau são diferentes: “são muitos os que se dedicam à arte por sentirem um verdadeiro interesse e gosto por ela e, como tal, trabalham muito para conseguirem fazer o que gostam”, apontou Cai.

Por outro lado, a diferença pode estar na formação, até porque “os professores de Taiwan não consideram a questão da carreira. Como tal, aquando de dificuldades, os estudantes acabam por optar por outras carreiras. “Já aqui, e baseado na minha experiência no Instituto Politécnico de Macau, sinto que as escolas estão mais empenhadas em ajudar os artistas no encontro de um caminho profissional”.

É a autonomia que sente na vida artística de Macau que dá a Cai Guo Jie confiança para ficar e trabalhar no território. “Aqui, há liberdade e possibilidade de cada um de nós desenvolvermos as nossas características”, concluiu o artista.

3 Abr 2017

Clube de Jazz | Live Music Association acolhe concertos ao domingo

O Clube de Jazz de Macau vai promover concertos no espaço Live Music Association. A iniciativa acontece todos os domingos e o objectivo é, para já, levar os jovens músicos a mostrar o seu trabalho a um público que tem sede de concertos ao vivo

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] lugar remete-nos para uma onda underground. O palco é pequeno, o espaço quase faz lembrar uma caixa preta colocada num edifício industrial, mas o ambiente é o ideal para encontros onde o jazz é rei. É esta a ideia que está por detrás da mais recente iniciativa de três amigos, amantes deste estilo musical, que se associaram ao Clube de Jazz de Macau.

A ideia é que todos os domingos possam acontecer concertos no Live Music Association (LMA), ao final do dia. O primeiro decorre já este domingo, 2 de Abril, com a banda The Bridge, que nos anos 90 fez as delícias do público que frequentava o espaço do Clube de Jazz de Macau.

Henrique Silva, designer, fala em nome dos três amigos e lembra-se bem desses tempos. Anos depois, é muita a vontade de trazer de volta esses momentos de música. “Somos todos da velha guarda e decidimos logo juntarmo-nos ao clube. O jazz em Macau tem uma tradição muito antiga e podemos, de alguma forma, voltar a revitalizar [as sessões de música], nem que seja só ao domingo, aquele dia que serve para terminar a semana de uma forma calma”.

Até agora, o Clube de Jazz de Macau vinha promovendo concertos esporádicos em vários lugares, sendo que a Casa Garden, da Fundação Oriente, era o local mais escolhido. A organização dos concertos no LMA vai permitir uma melhor logística.

“Somos todos amantes e sócios do Clube de Jazz de Macau e, existindo o LMA, que é um espaço montado, com todo o equipamento necessário, achamos que, não existindo tantas oportunidades para haver música ao vivo, era uma pena ver aquela casa fechada e a ser utilizada só de vez em quando”, contou Henrique Silva ao HM.

“Decidimos criar algo mais regular, para as pessoas poderem contar com isso e saberem que, aos domingos, há sempre jazz”, acrescentou Henrique Silva, que fala de uma “solidariedade natural” com o Clube de Jazz de Macau.

“Relançar” o clube

José Luís Sales Marques, presidente do Clube de Jazz de Macau, explica a forma como vai funcionar a iniciativa. “Será importante fazermos uma mobilização dos sócios, estarmos lá presentes, organizar as coisas. Vamos também proporcionar algum apoio financeiro para esta primeira fase, uma vez que o clube tem tido uma actividade muito diminuta, que se limita à apresentação da banda The Bridge no Lago Nam Van. Mesmo isso, neste momento, não está a acontecer.”

Para Sales Marques, os domingos com jazz no LMA constituem “uma oportunidade para relançar a actividade do clube, num ambiente de música ao vivo, e mais informal do que aquele que costumamos ter na Casa Garden, que continua a ser um lugar importante, que nos tem dado muito apoio”.

Para já, a ideia é organizar os concertos apenas no LMA. “A aposta, por enquanto, é essa. É um espaço que é interessante e está localizado num edifício com algum charme”, considera Sales Marques.

Henrique Silva explicou que, daqui a uns tempos, poderão ser feitos convites a bandas de fora. “Consoante o que isto crescer e a adesão que tiver, e também quando percebermos as necessidades que houver por aqui, queremos trazer bandas de fora, seria fantástico, até para os estudantes de música tocarem com pessoas de fora e aprenderem um pouco mais.”

Mostrar o que se toca cá

Se os The Bridge representam a velha geração do jazz local, a verdade é que continua a formar-se uma nova geração de jovens músicos que não tem oportunidades para tocar ao vivo. É a esse segmento que os mentores desta ideia querem chegar e dar uma resposta.

“Há muito jazz que se faz em Macau. Há muitos miúdos a tocar jazz e não têm muitos sítios para o fazer. Essa foi uma das nossas ideias iniciais, criar um espaço onde estes miúdos possam dar asas à sua criatividade e à sua música. Estamos muito abertos à realização de jam sessions, com pessoas a tocar e a improvisar”, diz Henrique Silva.

José Sales Marques assume querer “explorar um pouco essa via nos próximos tempos”. “Em Macau não há tantas oportunidades para se ouvir música ao vivo, num ambiente relaxado. Há muita gente em Macau que precisa de tempo de palco, enfrentar uma audiência. Essa é a nossa abordagem.”

O objectivo é também chegar a um público expatriado que, nos seus países de origem, já tem o jazz como referência musical. “Há muita gente que gosta de jazz em Macau e há uma comunidade estrangeira que vem dos Estados Unidos, onde há uma cultura muito grande do jazz, e também da Europa. Esperamos que essas pessoas adiram, que a mensagem chegue e que façam parte do nosso clube”, disse Henrique Silva.

 

 

Festival internacional pode reaparecer este ano

Pouco se tem ouvido falar do Clube de Jazz de Macau, mas há uma vontade da parte do seu presidente de alterar o panorama, através do regresso do Festival Internacional de Jazz este ano, que não se realizou em 2016 por falta de apoios. “Temos sempre um alinhamento preparado, mas o festival não se consegue fazer se não tivermos um apoio oficial. Isto porque os apoios da privada, quanto muito, são logísticos.” Além disso, o Clube de Jazz de Macau depara-se com a dificuldade de não ter um espaço próprio para concertos. “Em 2014 e 2015 ainda fizemos bastantes espectáculos, fizemos o festival de jazz que até correu muito bem. Fizemos algumas colaborações com o IACM e com o Instituto Cultural, fizemos umas produções conjuntas”, recorda. “A questão essencial é não haver capacidade de autofinanciamento. Não temos outras actividades se não o que resulta das nossas profissões e, hoje em dia, qualquer espectáculo custa logo dinheiro. Há também uma falta de meios”, explicou José Sales Marques.

31 Mar 2017

Cinemateca Paixão mostra filmes de Macau a partir do dia 14

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] já nos próximos dias 14 e 28 de Abril que a Cinemateca Paixão acolhe uma das suas primeiras iniciativas, no âmbito da nova gestão. O ciclo de filmes “Panorama do Cinema de Macau” vai mostrar o que já se filmou por cá no tempo da Administração portuguesa e o que se tem vindo a fazer desde 1999.

Na visão dos gestores da Cinemateca Paixão, esta iniciativa visa “permitir aos cidadãos de Macau um melhor conhecimento do passado e do presente do cinema [local]”, sendo que serão transmitidos “filmes importantes, produzidos antes e depois da transferência de soberania de Macau, assim como as mais recentes longas e curtas-metragens, filmes de animação e documentários com características especificamente locais”.

O público poderá assistir, logo no dia 14, pelas 21h30, ao filme “Sisterhood”, de Tracy Choi, que venceu o prémio do público no Festival Internacional de Cinema de Macau. Nesse dia passa também “Ontem mais uma vez”, às 16h30. Além dos filmes, a Cinemateca Paixão vai também promover o seminário “Cinema de Macau, Presente e Futuro”, com entrada gratuita. As inscrições devem ser feitas até ao dia 10 de Abril através do email cinemathequepassion@gmail.com.

Na secção “Revisitar os clássicos” serão transmitidos os filmes “A Macau de Ah Ming”, dia 15 de Abril às 14h30, bem como o filme “O Homem da Bicicleta, Diário de Macau”. Dia 16 de Abril, às 16h30, é dia de transmitir o filme “A Trança Feiticeira”, uma adaptação da obra do escritor macaense Henrique de Senna Fernandes.

Serão ainda projectados filmes inseridos na “Série Histórias de Macau” e “Pegadas da Cidade”, bem como curtas-metragens recentemente produzidas.

“Antes da transferência de administração para a República Popular da China, em 1999, um grupo de cinéfilos de Macau, juntamente com estudantes recém-formados que regressavam do estrangeiro, começara a realizar os seus próprios filmes independentes, sem grandes preocupações comerciais. Era este o protótipo dos filmes aqui realizados”, lê-se no folheto de promoção do evento.

Após 2000, o panorama do cinema local mudou. “O Governo da RAEM começou a apoiar substancialmente o cinema local, tanto em termos de política cultural, como em termos de financiamento, levando um grupo cada vez mais alargado de pessoas a envolverem-se na realização de documentários, filmes de animação e curtas-metragens. Foi assim que as duas últimas décadas viram surgir todo um conjunto de cineastas talentosos”, escrevem os gestores da Cinemateca.

30 Mar 2017

Música | Marcel Khalife toca no Centro Cultural de Macau

Há quem diga que é “o Bob Dylan do Médio Oriente”. O músico e compositor Marcel Khalife está em Macau a 17 de Junho. O libanês vai explicar no Centro Cultural de Macau porque é que deu a volta ao oud

 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão têm semelhanças na música, mas sim na forma como encaram a política. É por isso que, em certos circuitos, Marcel Khalife é equiparado a Bob Dylan, mas no contexto do Médio Oriente. A música que faz tem contornos políticos, porque canta a liberdade.

A emissora NPR contextualiza: Khalife distinguiu-se por traduzir poesia em música. Durante anos, colaborou com o poeta palestiniano nacionalista Mahmoud Darwish. “Tudo começou quando acabei o conservatório de música em Beirute. A guerra civil tinha rebentado no Líbano. Eu queria mudar o mundo com a música”, contou Marcel Khalife à estação de rádio.

A guerra civil deixou o músico cercado na sua terra natal, Amchit. “Não tinha nada na minha solidão, a não ser as colecções de poesia de Mahmoud Darwish”, recorda. “Disse para mim mesmo: tenho de fazer música com estes poemas. Desde então que a minha carreira musical tem estado ligada à poesia de Mahmoud Darwish.”

Por altura da Primavera Árabe, a música de Marcel Khalife serviu de linguagem à revolução. À época, explicava que aquilo que estava a acontecer no mundo árabe era uma inevitabilidade, que “deveria ter acontecido há muito tempo”, por ser necessário “sair da estagnação”. Mas o compositor não alimentava ilusões: “Nenhuma revolução no mundo tem resultados positivos de um dia para o outro”.

Da erudição

Nascido em Junho de 1950, Marcel Khalife estudou oud, o alaúde árabe. Terminou o conservatório em 1971 e desde então que tem dado uma nova vida ao instrumento de corda, cuja origem remonta aos primeiros séculos da civilização árabe.

Logo no início da carreira, deu aulas em conservatórios e universidades, mas cedo começou a levar a música do Médio Oriente a outras paragens, incluindo à Europa e aos Estados Unidos. Conhecido por ser um instrumentista exímio, consegue libertar-se das restrições que o oud impõe, dizem os críticos.

Em 1972, Khalife cria um grupo em Amchit, com o objectivo de recuperar o património musical libanês. Quatro anos mais tarde, surge o Marcel Khalife’s Al Mayadine Ensemble e a carreira do compositor ganha projecção internacional. Tem um vasto currículo no que toca a participações em festivais internacionais, em todos os continentes.

Da obra do músico libanês, destaque ainda para a composição de instrumentais que foram interpretados por várias orquestras e formações, tanto no Médio Oriente, como no Ocidente. A música que faz deu ainda origem a um novo tipo de dança dentro da cultura libanesa.

Dedica-se também, há mais de 30 anos, à escrita de livros sobre música. Tem editados mais de 20 álbuns e DVDs.

No comunicado enviado à imprensa, o Centro Cultural de Macau (CCM) destaca que a contribuição de Marcel Khalife para promover as artes e a cultura foi reconhecida através de diversos galardões, como o Prémio Palestina para a música em 1999, a designação de Artista para a Paz da UNESCO, em 2005, e o prémio da Academia Charles Cross, em 2007.

A anteceder o concerto, o CCM organiza um tertúlia durante a qual “serão desvendados os mistérios do oud, um instrumento com uma tradição antiga”. A sessão é apenas em cantonês.

Os bilhetes para o espectáculo são colocados à venda no próximo domingo.

30 Mar 2017

Marionetas | Exposição e espectáculos para ver esta semana

No início, era a religião. Depois, passou a ser a sátira e a crítica social. As marionetas estão de regresso pela mão de Elisa Vilaça, para uma exposição e espectáculos na Casa Garden. Há oferta para todas as idades

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a cultura ocidental, a leitura que comummente se faz dos espectáculos de marionetas remete-nos para o universo infantil. Mas nem sempre foi esse o caso – antes pelo contrário. Os “bonecos”, como carinhosamente lhes chama Elisa Vilaça, tiveram a religião na origem. Foi assim na Ásia e no resto do mundo. A Oriente, as marionetas continuam a ser muito associadas à divulgação de princípios religiosos e morais; a Ocidente, a realidade alterou-se com o Concílio de Trento. Passaram a ter como função a sátira. Mereceram as composições de nomes como Schumann.

E por cá? Por aqui, é uma forma de expressão artística que começa a ter mais entusiastas, apesar de ainda ser incipiente. Elisa Vilaça, pedagoga, detentora de uma colecção de marionetas que chega aos 900 exemplares, tem procurado dinamizar a arte. O encontro de marionetas e a exposição que pode ser já vista na Casa Garden são a prova deste trabalho.

“É um esforço que tem dado alguns frutos principalmente na parte da comunidade educativa”, conta Elisa Vilaça. “Nas escolas tem havido mais interesse, as pessoas têm pedido inclusive para se fazerem espectáculos. As escolas chinesas têm-nos pedido para fazermos workshops de construção de marionetas de sombras e de pinturas de máscaras”, relata. Estas “abertura e maior sensibilização” na comunidade educativa são “extremamente importantes”.

Fora das escolas, a história tem outra narrativa. “No âmbito geral, como há pouca oferta deste género em Macau, as coisas são muito pontuais, não há fluidez. Esporadicamente faz-se um encontro, uma vez por ano, quando se pode.” É difícil trazer para Macau grupos de outros locais e, no território, só há duas formações a trabalharem com marionetas.

Porque considera que vale a pena tornar este tipo de arte mais acessível a quem cá vive, Elisa Vilaça ainda não desistiu da criação de um centro, “um espaço onde as pessoas pudessem ter workshops de construção de várias técnicas de manipulação, construção de bonecos e aprender a manipulá-los”. Trata-se de uma ideia que “não é fácil” de concretizar.

Com vida

Enquanto Elisa Vilaça não cria o seu espaço, as marionetas vivem do encontro que se realiza no próximo fim-de-semana na Casa Garden, organizado pela Casa de Portugal em Macau (CPM) com o apoio da Fundação Oriente. Ao todo, são três os intervenientes: um grupo que chega de Hong Kong, Elisa Vilaça e Sérgio Rolo.

A formação da região vizinha “traz espectáculos muito típicos da tradição chinesa, com marionetas de fios e marionetas de vara”. Os espectáculos de sábado e domingo estão agendados para o espaço exterior da Casa Garden, junto à escadaria, e têm início às 15h. Uma hora mais tarde, às 16h, há um espectáculo para bebés, no auditório, da responsabilidade de Elisa Vilaça.

No domingo, há uma performance extra: na blackbox da Escola de Artes e Ofícios da CPM, Sérgio Rolo apresenta um espectáculo “mais alternativo, diferente, numa linha mais moderna, não tão tradicional, que se chama ‘Mono’”, descreve a organizadora. A entrada para todos os eventos é livre.

Quem passar pela Casa Garden até ao próximo dia 15 de Abril pode ainda ver a “Exposição de Marionetas Asiáticas – Vozes da Terra”. Elisa Vilaça é a curadora da exposição e proprietária de todo o espólio. A investigadora tem marionetas de quase todo o mundo mas, nesta mostra, estão em destaque cerca de 50 marionetas, provenientes de vários países orientais e com diferentes técnicas de manipulação.

“Esta exposição tenta dar uma breve imagem da enorme diversidade e características de uma arte milenar, que se mantém cada vez mais viva no tempo e reconhecida mundialmente”, lê-se no comunicado sobre a exposição. A escolha do título “Vozes da Terra” tem que ver com a origem remota das peças exibidas.

Elisa Vilaça começou a coleccionar marionetas na década de 1980, nas viagens que ia fazendo pela Ásia e também pela Europa. Com um mestrado em História, decidiu começar a fazer investigação em torno destes “bonecos”, que carregam um contexto histórico, social e cultural. As marionetas dizem mais do que aquilo que são.

Ao longo de 38 anos de vida profissional, Elisa Vilaça foi utilizando as marionetas sobretudo numa vertente pedagógica, construindo os bonecos que manipula. Ainda assim, vai fazendo alguns espectáculos fora do contexto escola, sobretudo em festivais internacionais. Já levou as suas marionetas a Portugal, à Tailândia, ao Brasil e a Hong Kong. No fim-de-semana, há uma oportunidade de ver os bonecos de Elisa em Macau.

29 Mar 2017

Poly Auction | Leilão traz obra de Zeng Fanzhi a Macau

O Poly Auction Hong Kong colabora pela primeira vez com a organização homónima local. O objectivo é trazer a arte chinesa a ambos os territórios e traduz-se numa exposição de uma das obras emblemáticas de Zeng Fanzhi. Depois do Louvre, o n.º 6 da “Mask Series” está no Regency Hotel

[dropcap style≠’circle’]“F[/dropcap]usão” é o nome do certame do Polly Auction que, pela primeira vez, conta com a colaboração entre as delegações de Hong Kong e de Macau. Com a iniciativa, a cargo de Sabrina Ho, pretende-se mostrar o que de melhor se faz na arte moderna e contemporânea chinesa. A ideia é partilhar entre os dois territórios a arte, em exposição e de olhos postos no mercado, que se faz no Continente.

Em Macau a “Fusão” acontece no Regency Hotel com a mostra de um dos nomes mais importantes da expressão plástica chinesa da actualidade, Zeng Fanzhi. Depois de passar pelo Louvre, o n.º 6 da colecção “Mask Series” está até 5 de Abril no átrio do Regency para quem o quiser apreciar.

A pintura a óleo sobre tela, de larga escala, data de 1996. Três anos antes, Zeng mudou-se para Pequim e “sobreviveu num tempo de grandes mudanças”, lê-se no catálogo do evento. Terá sido a dinâmica histórica que o incentivou à realização da série. Marcado pelo expressionismo que já caracterizava o seu trabalho, “exagera na proporção das mãos e da cabeça, enquanto esconde expressões por detrás das máscaras, brancas e frias, que sorriem”.

Ao contrário dos primeiros quadros da série, em que as personagens apareciam bem vestidas e com ar contemporâneo, o n.º 6 é o primeiro trabalho que “envolve a narrativa de uma terceira pessoa na elaboração de uma perspectiva individual”. Situa-se já longe de uma experiência pessoal, mas “permanece nas memórias de quem a viveu de perto e remonta à juventude da Revolução Cultural”. “As máscaras, os sorrisos, os corpos e os contrastes compõem uma imagem íntima e cheia de hipocrisia”, ilustra a organização. A obra de Zeng Fanzhi vai a leilão, mas não é revelado o valor de licitação.

Obras preciosas

Já os restantes cinco trabalhos que integram o evento deste ano, e que vão estar em exposição no Grand Hyatt Hong Kong. de 1 a 4 do próximo mês, perfazem uma base de licitação de quase cinco milhões de dólares americanos. O conjunto é constituído por obras de Zao Wou-Ki, Wu Guanzhong, Chu Teh-chun, Li Keran e Xu Beihong.

De Zao Wou-ki é a tela “06.02.74”, que marca uma ruptura dentro do trabalho do artista. Produzido após a morte da segunda mulher, é uma obra que deixa para trás o recurso às cores ricas que marcavam os trabalhos do mesmo período. “06.02.74” é considerado um quadro de transição técnica que revela “uma composição complexa, traços dinâmicos e uma gradiente delicada de cores, num trabalho clássico que integra a pintura a óleo do Ocidente e o a tinta do Oriente”, lê-se na apresentação.

“Reclining” de Wu Ganzhong data de 1990 e é dedicado à expressão do nu, tema pelo que o artista é também conhecido e que marca “a primeira metade do seu período criativo”. Wu Ganzhong diz ter percebido, enquanto jovem estudante em França, que “toda a beleza plástica está relacionada com o corpo humano”. A partir desse momento, as suas obras passaram a retratar a nudez de forma a conceber paisagens. Foi esta abordagem que fez com que todos os seus trabalhos viessem a ser queimados durante a Revolução Cultural. “Reclining” é um regresso às origens produzido já com 72 anos de idade, motivo que tem levado à sua exibição por todo o mundo.

A utilização de tons de azul é o mote para “Summer”, de Chu Teh-Chun, na representação de profundidade espacial. A ideia é a “perseguição da evolução da natureza, mais do que a combinação de elementos abstractos”.

Das cinco obras presentes em Hong Kong, “Summer Mountains” de Li Keran tem a base de licitação mais valiosa. Com um valor inicial acima dos dois milhões de dólares americanos, é um “exemplo excepcional de estética da paisagem” do artista. Datado de 1986, já na final de carreira, o clássico da pintura chinesa combina técnicas orientais com ocidentais para a expressão “de uma atmosfera poética na representação de bosques e montanhas”.

De 1939 é “Standing Horse” de Xu Beihong. O quadro foi criado durante a guerra sino-japonesa em que o artista foi também activista, empenhado na recolha de donativos. De acordo com a organização, “Standing Horse” é uma obra particularmente importante porque representa uma das maiores especificidades de Xu Beihong na pintura de cavalos, ao mesmo tempo que é uma representação simbólica da força chinesa”.

28 Mar 2017

Curta-metragem “Uma Ficção Inútil” volta a ser distinguido

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om apenas uma curta-metragem Kin Man Cheong, realizador e antropólogo de Macau, ganhou um punhado de prémios, obtidos em vários festivais de cinema pelo mundo fora. Recentemente “Uma Ficção Inútil” obteve o seu sexto e sétimo prémio na Índia, onde foi considerado o Melhor Filme Documentário no Festival de Curtas-metragens e Documentário Atarva, em Bombaim. O filme ganhou ainda o prémio da Melhor Montagem no Festival de Cinema Mundial da Índia, em Hyderabad.

Em entrevista por e-mail ao HM, Kin Man Cheong mostra-se surpreendido com tantos prémios. “A curta-metragem já tinha obtido algum sucesso entre 2014 e 2016. Não esperava que a Índia me desse mais dois prémios, parece-me bastante positivo.”

“Uma Ficção Inútil” foi um trabalho que Kin Man Cheong desenvolveu para concluir o mestrado em Antropologia Visual na Universidade Livre de Berlim, Alemanha. “Foi de certa forma um diário visual, íntimo, que não pretendia mostrar ao público”, apontou.

Para este ano estão ainda agendadas mais viagens para “Uma Ficção Inútil”. A curta-metragem será reproduzida amanhã na Universidade Livre de Bruxelas, seguindo-se a galeria LemoArt, em Berlim, Alemanha, já em Abril. Há ainda passagens por Colónia, em Maio, no círculo de conferências “Estética, Média e Culturas na China” da Universidade de Colónia, pela Macedónia e Paris, entre outros locais.

A frequentar o doutoramento na mesma área, Kin Man Cheong pretende “aprofundar as investigações sobre a auto-etnografia”, estando a preparar um novo filme para a conclusão desta fase de estudos.

Para além disto, Kin Man Cheong está a preparar uma “ficção auto-biográfica” do seu pai. “Começa na véspera da Revolução Cultural e termina com a sua emigração clandestina da República Popular da China para Macau”, contou.

Uma casa necessária

Esta semana é inaugurada oficialmente a Cinemateca Paixão, (ver texto principal), uma iniciativa do Instituto Cultural (IC) aplaudida por Kin Man Cheong. “Fico contente com o facto de o projecto estar bem encaminhado, embora se pudesse ter começado a desenvolver esse mesmo projecto mais cedo”, defende.

“A cinemateca pode ir muito longe em termos de divulgação do cinema produzido em Macau, tanto dentro do território, como também no exterior. Existem no resto do mundo mil possibilidades à nossa espera. Agora coloca-se a questão: como aproveitar estas oportunidades?”, questiona ainda.

Sendo da área da antropologia visual, Kin Man Cheong assume conhecer “mal a indústria cinematográfica”, mas acredita que “poderia ser muito útil um ‘film board’, que ainda não temos”.

Kin Man Cheong defende que a iniciativa do IC pode ser um óptimo ponto de partida para a dinamização da produção cinematográfica local, mas afirma que é necessário apostar na desburocratização em termos de apoios financeiros a películas locais. “Seria importante haver maior flexibilidade no processo burocrático para aprovação desses apoios.”

“Com a política de promoção e apoio aos projectos relacionados com Macau, podemos facilmente limitar-nos a temas ou conteúdos que têm de alguma maneira a ver com a região administrativa especial. Macau, e as perspectivas que de lá vêm, são igualmente interessantes. No entanto, não é só com as cenas referentes a Macau que podemos classificar um projecto que seja de interesse para o território. Qualquer trabalho, de qualquer natural macaense, ou de outra pessoa que simplesmente se tenha estabelecido aqui na terra, poderá ter um impacto positivo na sua área”, conclui.

27 Mar 2017

Cultura | Cinemateca inaugurada na próxima quinta-feira

O cinema está prestes a ter uma nova casa. Quinta-feira é inaugurada a Cinemateca Paixão e, como não poderia deixar de ser, o foco do primeiro dia de actividade será o cinema produzido em Macau

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a próxima quinta-feira abre um espaço novo dedicado à sétima arte: a Cinemateca Paixão. Localizada no coração da cidade antiga, perto das Ruínas de S. Paulo, na Travessa da Paixão, será mais um pólo de atracção turística. “A localização é também conveniente para os turistas que queiram cá vir”, explica Rita Wong, directora da cinemateca. Acrescenta ainda que “de dois em dois fins-de-semana haverá algo que tenha Macau como tema”. Outro incentivo extra do espaço que fica sob a tutela do Instituto Cultural (IC) é o facto destes eventos terem entrada livre.
A cerimónia de inauguração da Cinemateca Paixão é na quinta-feira, às 18:45, e terá como prato principal a apresentação de três curtas-metragens de três realizadores de Macau. Os cineastas escolhidos para apadrinhar a nova casa da sétima arte são Tracy Choi, Chao Koi Wang e António Faria. Na mesma noite realiza-se ainda uma sessão destinada aos cineastas de Macau, de forma a abrir, oficialmente, um novo capítulo na indústria cinematográfica do território.
A abertura ao público será na sexta-feira, mas para o dia da inauguração Rita Wong pretende algo que “seja divertido e que sirva para conectar as pessoas do ramo”.
A casa do cinema encerra às segundas-feiras, mas “abre todos os outros dias, incluindo nos feriados, com portas abertas das 10 da manhã às 11 da noite”, conta a directora.

Casa de filmes

A cinemateca está instalada num edifício de três andares, multifuncional, habilitado a ter vários propósitos. Como é natural, vão ser projectados filmes, e haverá um espaço para o armazenamento de vídeos locais. Além disso, o local terá zonas dedicadas para a leitura de livros e revistas da especialidade. “É uma área para quem queira estudar cinema e, além da sala que reúne documentação sobre cinema, vamos também coleccionar publicações sobre Macau”, revela Rita Wong.
No que diz respeito à organização do espaço é de referir que a bilheteira é no rés-do-chão, onde se encontram também uma sala de projecção e outra de controle. A sala de documentação de material cinematográfico está situada no primeiro andar do edifício.
Com uma periodicidade mensal, a Cinemateca organizará festivais de cinema temático e programas como o “Realizador em Foco”. Também todos os meses, o espaço irá estrear dois ou três filmes provenientes de todo o mundo.
Com a intenção de promover a sétima arte em Macau, o local irá apresentar durante dois fins-de-semana por mês duas longas, ou curtas, metragens produzidas localmente. A mostra do cinema local insere-se no programa “Descobrir Macau: Produções Independentes Locais Revisitadas”, que pretende dar visibilidade aos cineastas do território.
Rita Wong explica ainda que a Cinemateca Paizão terá igualmente um programa de “workshops e conferências relacionados com cinema”. É de salientar que a gestão e programação do espaço estará a cargo da Cut Lda.
A inauguração deste equipamento marca um novo capítulo na promoção de filmes locais no exterior, assim como o impulsionamento da cultura e arte cinematográfica entre a população do território. Rita Wong acrescenta que a Cinemateca Paixão nasce com o intuito de “ser uma plataforma de intercâmbio entre a audiência, cineastas e também turistas”. No fundo, o cinema passa a ter uma casa em Macau, para a qual todos estão convidados.

27 Mar 2017

Filme “Cartas da Guerra”, de Ivo Ferreira, arrecada nove estatuetas nos Prémios Sophia

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme “Cartas da Guerra”, de Ivo Ferreira, realizador radicado em Macau, dominou a edição deste ano dos Prémios Sophia, da Academia Portuguesa de Cinema, ao arrecadar nove das 21 estatuetas entregues, entre as quais as de Melhor Filme e Melhor Realização.

“Cartas da Guerra” foi distinguido igualmente com os prémios de Melhor Argumento Adaptado, escrito pelo realizador com Edgar Medina, Melhor Montagem (Sandro Aguilar) e Melhor Fotografia (João Ribeiro), entre outras categorias técnicas.

Os prémios foram entregues no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, numa cerimónia na noite de quarta-feira. O realizador não estava presente – tinha acabado na véspera de filmar o novo projecto em que está a trabalhar, uma película rodada em Macau.

“Além de todos os lugares-comuns – de que me deixa feliz, e de que é bom ver reconhecido o meu trabalho e dos meus colegas –, tendo acabado de filmar no dia antes, tem um sabor especial”, comentou Ivo Ferreira ao HM. “Espero que possa ser uma ajuda para este filme de Macau.”

O realizador afirma ainda que “a Academia é um órgão muito específico, constituído por pessoas do cinema”, para salientar a satisfação que sente ao ser reconhecido entre os seus pares, com o “Cartas da Guerra” o escolhido em tantas categorias.

Construído a partir da correspondência entre o escritor António Lobo Antunes e a primeira mulher, Maria José, quando esteve destacado em Angola, durante a Guerra Colonial, “Cartas da Guerra” deixa um retrato sobre “a maior tragédia portuguesa do século XX”.

Desejos para o futuro

Ao receber o Prémio de Melhor Filme, o produtor, Luís Urbano, de O Som e a Fúria, dedicou-o ao Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), “apesar de não gostar muito da direcção que está lá”, por considerar que é um instrumento “essencial para fomentar esta actividade”, para prosseguir “uma política pública, que tem de existir” e “que tem de apoiar a diversidade no cinema”, com base em “concursos públicos” e “júris independentes, nomeados pelo próprio instituto do cinema, e não por qualquer arena de interesses”.

Pouco antes, o realizador Luís Filipe Rocha, distinguido com o prémio Sophia de Melhor Argumento Original, por “Cinzento e Negro”, criticara os sistemas de júri para a atribuição de financiamentos ao cinema português, e apelara a uma reforma total dos mecanismos de apoio do ICA.

Sem esquecer a presença do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, na plateia, o realizador de “Cinzento e Negro” desejou “um futuro melhor e mais solidário para o cinema português”.

“Cinzento e Negro” reunia 14 nomeações, e conquistou três prémios Sophia (Melhor Actor, Melhor Banda Sonora e Melhor Argumento Original). “Cartas da Guerra” somava 11 nomeações.

Miguel Borges recebeu o prémio de Melhor Actor Principal, pelo desempenho em “Cinzento e Negro”, e Ana Padrão, o de Melhor Actriz Principal, pelo trabalho em “Jogo de Damas”, de Patrícia Sequeira.

O prémio de Melhor Banda Sonora Original foi para Mário Laginha, pela composição para “Cinzento e Negro”.

O prémio de Melhor Curta-Metragem de Ficção foi para Simão Cayatte, por “Menina”. “Balada de um Batráquio”, de Leonor Teles, que abriu a lista de galardões com o Urso de Ouro de Berlim, em 2016, recebeu o Sophia de Melhor Documentário em Curta-Metragem.

A memória da Guerra Colonial passa igualmente por “Estilhaços”, de José Miguel Ribeiro, que juntou o Prémio de Melhor Curta-Metragem de Animação, ao seu rol de distinções.

“Mudar de Vida”, de Nuno Guerreiro e Pedro Fidalgo, sobre o músico José Mário Branco, recebeu o prémio de Melhor Documentário em Longa-metragem. “Mudar de Vida” chegou às salas de cinema em Maio do ano passado. Ficou em cartaz mais de dois meses e acabou por se situar entre os dez filmes portugueses mais vistos em sala, em 2016. A obra resulta de 12 anos de trabalho e não teve outros apoios financeiros se não os angariados junto de particulares: “Mais de 200”, sobretudo através de ‘crowdfunding’, porque, “quando todas as políticas falham”, viramo-nos para as pessoas, disse o realizador Nuno Guerreiro.

A Academia Portuguesa de Cinema distinguiu ainda o actor Ruy de Carvalho com o Prémio Mérito e Excelência, assinalando os seus 90 anos de vida e 75 de carreira. Os prémios Sophia Carreira, destinados à actriz Adelaide João e ao director de fotografia Elso Roque, serão entregues pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na próxima segunda-feira.

25 Mar 2017

Electrónica | DJ Marfox estreia-se em Macau no sábado

Marlon Silva é a personificação das origens humildes que chegam ao estrelato. Desde criança que quis ser DJ. Viu o primo mais velho animar festas de bairro, baptizados e casamentos, e cedo começou a cozinhar remixes. Hoje, as suas batidas já ecoaram por todo o mundo, e chegam ao Kampek no sábado

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]a Portela de Sacavém para o mundo. Podia ser um título alternativo para este artigo. DJ Marfox, ou Marlon Silva no cartão do cidadão, é hoje um fenómeno internacional. Tocou no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, em festas em Los Angeles, Tóquio, Xangai, Seul e por toda a Europa. Apareceu na Rolling Stone e um pouco por todas as publicações de música de dança com renome mundial.

Há um bom punhado de anos, num vídeo de uma actuação dos Buraka Som Sistema no conhecido Festival de Coachella, na Califórnia, podiam ver-se caras de espanto. As expressões pareciam trazer a interrogação “o que é isto?”. Internacionalizava-se a mistura de kuduro que nascia nas periferias de Lisboa.

DJ Marfox já andava por aí antes dessa explosão, a fazer corpos abanarem-se em festas que não chegavam ao centro de Lisboa, apesar de já marcar presença em várias cidades europeias. “A música já era internacional, os putos já a faziam, chegava a Londres, Nice, Paris, mas sempre para as comunidades emigrantes de Cabo-Verde e Angola”, conta o DJ.

Até que a Príncipe Discos e a produtora Filho Único chegam à história de Marfox, e levaram as sonoridades de inspiração africana da periferia para o Cais do Sodré, mais propriamente para o Musicbox. Começavam as “Noites Príncipe”, que foram ganhando notoriedade no underground lisboeta.

“Deram-nos uma casa no centro da cidade e, com isso, deram-nos consistência”, revela. O artista tem uma relação umbilical com a sua editora, que considera uma família. O suporte da ‘label’ chegou ao ponto de levar artistas ao SEF para tratarem de documentação, assim como tratar de problemas familiares. Também mantinham uma relação estreita com os pais de Marlon, ligando-lhes para reiterar o talento do jovem e que tudo fariam para lhe dar uma carreira como DJ.

Rumo ao Oriente

Com cinco discos editados na bagagem e participação em quatro compilações, Marfox não perde o pé. O miúdo que cresceu na Quinta da Vitória, na Portela de Sacavém, tem um sentido de responsabilidade que nem sempre se encontra no mundo da música.

Chegar aos palcos internacionais “é uma responsabilidade muito grande porque muita gente depositou confiança em mim”, releva o DJ. Quando pensa no sucesso e reconhecimento internacional que conseguiu, Marfox pensa no pai e na mãe, “nos sacrifícios que fizeram” para lhe darem a melhor vida possível.

Ao sentido de responsabilidade junta-se a satisfação que tem em tocar e em fazer correr suor nas pistas por onde passa. Um sentimento de compromisso que cresceu há três semanas com o nascimento do seu primeiro rebento. “Os meus pais cumpriram o seu papel, agora falto eu cumprir o meu e melhorar a vida do meu filho”, conta. Este ciclo que lhe dá força, firmeza, que faz com que encare todos os públicos sem medos e com que dê tudo o que tem, mesmo que esteja cansado.

Além disso, toca com prazer. Quando à definição do seu som, Marfox caracteriza-o como “uma ponte entre tudo o que é feito de melhor em África e tudo o que é feito de melhor em Lisboa”, em termos de música electrónica.

Mistura as batidas africanas do kizomba, kuduro, funaná, tarraxinha aos sons urbanos do techno, house e electrónica. Ainda assim, classifica a sua música como sendo “80 por cento lisboeta”. Acrescenta que “é uma música da nova Lisboa, não Huambo, mas das periferias de Lisboa que abraça a velha Lisboa do centro”.

Quanto a Macau, Marfox sente que tem “bom vibe”. Além disso, achou muita piada à forma como se nota nalgumas pessoas, e na própria cidade, a mistura que houve entre portugueses e chineses. Definitivamente, um bom remix.

24 Mar 2017

Xangai vai ter um Centro Pompidou

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]stão em marcha planos para a construção de uma filial do Centro Georges Pompidou em Xangai, na margem oeste do rio que atravessa a cidade. De acordo com o Art Newspaper, o projecto está em andamento sob a batuta do Governo do distrito de Xuhui e o West Bund Development Group, uma empresa do ramo imobiliário que opera na área.

O investimento público na zona ronda os 20 mil milhões de yuans e promete trazer uma autêntica revolução urbana, transformando um antigo centro industrial num “corredor cultural” nas margens do Rio Huangpu. Ao longo de uma faixa de 11 quilómetros estão projectadas uma série de infra-estruturas dedicadas às artes, tais como museus, teatros, salas de concertos e cinemas.

Entre os empreendimentos previstos, destaque para o West Bund Art Museum, desenhado pelo arquitecto britânico David Chipperfield, que receberá o Centro Pompidou, e que deverá estar pronto daqui a três anos. O local escolhido situa-se perto do Tank Shanghai, um centro de artes que está a ser desenvolvido pelo coleccionador Qiao Zhibing em antigos tanques de petróleo.

Em declarações ao Shanghai Daily, o director do distrito de Xuhui, Fang Shizhong, revelou que o Centro Georges Pompidou de Paris disponibilizará obras de arte do seu espólio ao museu de Xangai, mas também terá uma vasta mostra de arte contemporânea chinesa. A instituição parisiense receberá, anualmente, um valor estimado em cerca de 1,5 milhões de yuan, o que está em linha com o que cobra, por exemplo, ao museu de Málaga.

O Art Newspaper indica ainda que os custos correntes anuais do novo museu do West Bund terão um orçamento na ordem dos 50 milhões de yuan.

O projecto do Centro Pompidou em Xangai regressa à ordem do dia uma década depois do falhanço de implementar uma filial da conceituada instituição europeia na cidade. Na altura, tudo parecia indicar que o projecto seria para avançar, chegou-se mesmo a um estado adiantado de negociações para estabelecer um posto do museu francês no distrito de Luwan, sendo que a inauguração esteve prevista para 2010. Mas um desentendimento diplomático entre os Governos francês e chinês deitou o negócio por terra.

No entanto, entre Outubro do ano passado e Janeiro último, o Centro Pompidou trouxe algumas das suas peças clássicas ao Centro de Exposições de Xangai, entre as quais se destacaram obras de Picasso e Marcel Duchamp.

Enquanto o complexo dedicado às artes não abre ao público, o distrito de Xuhui organizará este ano a quarta edição da feira anual das artes, a West Bund Art and Design, que deverá ocorrer entre 10 e 12 de Novembro.

23 Mar 2017

Teatro | Comuna de Pedra apresenta “Canções dos Migrantes”

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]oucos nasceram em Macau e quase todos vieram do lado de lá. Da China, de Portugal, das Filipinas, de Taiwan. A sociedade local é complexa e cheia de diferenças culturais mas é, sobretudo, feita de migrantes. Jenny Mok, directora da Associação de Arte e Cultura Comuna de Pedra, quis mostrar isso mesmo no seu novo projecto, que será apresentado nas Oficinas Navais, nos dias 14 e 15 de Maio, no âmbito do Festival de Artes de Macau (FAM).

“Canções dos Migrantes” é um espectáculo de teatro físico que entrelaça diferentes experiências de migrantes. Para isso, Jenny Mok foi buscar um actor filipino, uma actriz brasileira, nomes de Taiwan e de Hong Kong. Porque a sociedade não é apenas composta pelos que vieram da China nas décadas de 70 e 80, dos que vieram para trabalhar nas fábricas e na construção civil com as suas famílias.

“Há um processo colaborativo”, conta Jenny Mok em entrevista ao HM. “Com estas histórias diferentes, que representam pessoas diferentes, vindas de vários lugares, tentamos procurar a resposta a esta questão: o que é a identidade nesta longa história de migração? O que significa para Macau ser um território destes enredos? Porque sem estas experiências este território não tem história”, aponta a directora da Comuna de Pedra.

O espectáculo é composto por três fases, sendo uma ideia que já existe na cabeça de Jenny Mok desde 2014. “Nesta primeira fase do projecto apresento uma peça de teatro físico onde as pessoas partilham. Não tenho as histórias tradicionais, com personagens, um guião. O espectáculo tem menos disso mas crio mais ambiente, há texto, mas não é propriamente um enredo. Tenta focar-se mais na experiência que o público obtém através dele.”

A falta de uma terra natal

Jenny Mok é ela própria um resultado de uma migração do Continente. Os pais já tinham um filho quando se candidataram a um visto de trabalho para Macau. “Eu nasci só pelo facto de eles se terem mudado para cá, porque viviam sob um regime comunista, tinham uma vida completamente diferente e o meu irmão tinha nascido há dez anos. Só o facto de terem tomado essa decisão já afectou a minha vida, porque eu nasci, e isso trouxe um corte emocional e intelectual em relação à minha ideia de terra natal.”

Hoje Jenny Mok assume não sentir que a China é a sua terra natal, embora tenha memórias e algumas ligações. “[A terra natal] é suposto ser o local onde os meus pais nasceram e cresceram, mas não sinto nada em relação ao sítio que é suposto ser a minha terra natal. Ao mesmo tempo, tenho muitas memórias de infância de Macau, das pessoas que trabalhavam o tempo todo nas fábricas.”

A vinda dos migrantes da China, tal como todos os outros, é feita de necessidades e de escolhas por uma vida melhor. “Nos anos 80 houve uma abertura económica e as pessoas começaram a abrir muitas fábricas em Macau, e começaram a ser necessários mais trabalhadores. Apareceram muitos imigrantes ilegais, a vida era muito difícil, e muitos queriam escapar ao que restou da Revolução Cultural. Acreditavam que iriam ter uma vida melhor se viessem para Macau ou Hong Kong. Os meus pais não têm histórias incríveis como existem por aí, histórias de pessoas que nadaram nove horas para chegar aqui, ou de outras que vieram escondidas. Simplesmente candidataram-se a um visto de trabalho.”

Jenny Mok acredita que faz falta contar as histórias dos outros migrantes, dos antigos e dos mais recentes, que muitas vezes permanecem na sombra. “Constroem as casas onde moramos, trabalham para nós, mas não sabemos nada sobre eles. Têm acidentes, morrem, não nos preocupamos. Todos têm diferentes histórias, seja um trabalhador das obras ilegais que vem da China ou um filipino.”

A ausência de cultura

Apesar do sucesso em termos de bilheteira que o FAM tem registado, a directora da Comuna de Pedra garante que a maioria da população continua a não sentir necessidade de consumir cultura.

“Não é uma prática comum. As pessoas chegam ao fim-de-semana e não pensam ‘vamos a um concerto, vamos ver uma exposição’. Há pessoas que vão, mas essa não é a maioria. Se um evento tiver a presença de uma celebridade [há uma maior participação], mas se as companhias locais estiverem a apresentar um espectáculo, o público não vai além das 1500 pessoas, no máximo. E fica por aí.”

Jenny Mok defende que a origem desse problema é a própria educação que é transmitida. “As pessoas sentem que ir a eventos culturais é algo da classe média, algo luxuoso. Mas há um problema educacional, de que a arte não é importante, não é apreciada. A educação das artes, como existe hoje, está a afastar as pessoas. Os alunos do ensino secundário não têm aulas de arte, fazem uns trabalhos com plasticina, com moldes, coisas aborrecidas.”

Apesar dessa realidade, a Comuna de Pedra assume continuar a querer fazer coisas diferentes, numa altura em que está prestes a celebrar o 21.º aniversário. “É um desafio e uma atracção para mim. O teatro já representa uma minoria, e o teatro físico é ainda mais específico, porque as pessoas dizem que não há guião, não há história, não vão entender. Todos os artistas fazem coisas para eles próprios, e, no meu caso, se não fizer o meu coração bater, então não faço”, conclui.

23 Mar 2017

Sónar | Hong Kong em contagem decrescente para DJ Shadow

Quase a celebrar 20 anos de carreira, DJ Shadow estreia-se em Hong Kong no próximo dia 1 de Abril. A antecipar o espectáculo com elevada componente visual que estreia no Sónar, deu uma entrevista à organização do festival onde revelou detalhes da sua infância e o que o inspira

[dropcap]O[/dropcap] que está a fazer hoje, além de dar entrevistas?
Estou na minha casa, perto de São Francisco. Hoje acordei e ouvi alguns discos, depois respondi a emails, recebi chamadas e filmei uma entrevista para um documentário sobre caixas de ritmo. Depois almocei com a minha mulher, fui às compras e trabalhei na preparação de concertos e música.

Depois de quatro discos e uma carreira de duas décadas, acha que o seu processo criativo mudou com os anos?
A muitos níveis mantenho uma consistência no minha criação, especialmente naquilo que procuro alcançar na música e na ética de trabalho. Respeito produtores que são meticulosos na sua abordagem, aqueles que mergulham na música e revolucionam a ideia que as pessoas tinham de um estilo de som ou de instrumento. São esses que me inspiram. Claro que a tecnologia mudou ao longo dos anos, isso alimenta e guia a forma como penso na música e como posso manipular o som. Acho que é importante mergulhar na novidade, aprender um novo instrumento, ouvir música nova e desafiar as ideias que temos. Descobrir a linhagem musical e encontrar uma forma de unir os pontos. É importante manter a mente aberta. Tive a sorte de crescer em simultâneo com o hip hop e assistir a algo que, ao início, era ignorado e que depois disparou para o mainstream. Há que manter a humildade e os ouvidos abertos.

É dos DJs mais influentes da actualidade. Como consegue manter os pés no chão?
É fácil, na realidade, é a música que me mantém. Cresci numa casa da classe trabalhadora, não havia ninguém na minha família no mundo do espectáculo. Foi um bom ambiente que me mostrou que, para termos aquilo que queremos, é necessário trabalho duro. Tenho preocupações, como qualquer pessoa. Preocupações com dinheiro, a segurança da minha família, o que se passa no mundo da política. Sou, definitivamente, uma pessoa preocupada. A música é um mecanismo que me ajuda a resolver os problemas que vivo no dia-a-dia, o stress, ou mesmo situações emocionais.

Que música nova tem ouvido ultimamente?
Todas as semanas gosto de me aventurar num disco novo. Acabei de arranjar o mais recente do Stormzy. O último disco que ouvi foi de Thundercat, que gosto bastante. Estou envolvido numa editora chamada Liquid Amber e recebemos muitas maquetes, há sempre algo novo para descobrir. Estamos a preparar, neste momento, o lançamento do novo disco de Noer The Boy.

Uma geração de fãs de Hong Kong chegou até ao seu som através da colaboração que teve com Wong Kar Wai no vídeo “Six Days”. Como foi trabalhar com o cineasta?
Foi uma experiência espectacular, quando penso nisso ainda acho surreal. Desde que saí, pela primeira vez, dos Estados Unidos para ir em tournée, passei a considerar-me um cidadão do mundo. Tenho tido a sorte de viajar pelo mundo fora e de trabalhar com artistas talentosos um pouco por toda a parte. Em 2002, eu e o meu agente começámos a pensar em pessoas com quem poderia colaborar. Disse-lhe que estava farto de velhos nomes e que queria fazer algo diferente, como trabalhar com um realizador de cinema, e o nome dele veio à baila. Nunca pensei que fosse realmente acontecer, mas apostámos forte. Recordo-me de ele ser bastante humilde nas mensagens que trocámos. O projecto era algo tão diferente do que estávamos, ambos, a fazer na altura. Sinceramente, não me parece que um realizador ocidental reagisse da forma como Wong Kar Wai reagiu e aceitasse colaborar comigo naqueles termos.

Já esteve em Hong Kong. Qual é a impressão que tem da cidade?
Estive em Hong Kong pela primeira vez em 1996. Recordo-me que é uma cidade muito cosmopolita e densa. Lembro-me vividamente dos andaimes de bambu em prédios altíssimos. Adoro cidades que tenham confluências culturais que se misturam. O que estou a achar excitante em relação a esta viagem é que terei tempo para explorar a cidade.

O que é que os espectadores do Sónar podem esperar deste espectáculo?
O conceito visual é algo muito importante àquilo a que chamo “espectáculo”. Quero criar efeitos visuais que sejam conducentes com a música e que ajudem as pessoas a mergulhar no som. É uma experiência diferente do simples djing, a minha abordagem é tentar montar um espectáculo, uma performance. Neste momento estou a fazer festivais e percebi que não sou o tipo de DJ que anda aos saltos, fuma cigarros e atira-se para a plateia. Não quero ser cool. Estou mais interessado em apresentar um espectáculo que enfeitice o público. Vamos apresentar um novo show em Hong Kong, temos estado a trabalho nele há mais de um ano. Estou confortável para dizer que é um grande espectáculo. Acho que vai resultar, espero que o público goste.

22 Mar 2017

Poesia | Associação Amigos do Livro em Macau assinala Dia Mundial

Depois de alguns anos de pausa, na Fundação Rui Cunha volta-se a comemorar o Dia Mundial da Poesia. O regresso é feito com a ajuda da voz dos mais jovens e pela articulação de vários meios de expressão artística
Camilo Pessanha (Coimbra, 1867 – Macau, 1926)

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi a um verso de Camilo Pessanha, um verso “muito significativo” – “Eu vi a luz em um país perdido” –, que Fernando Sales Lopes foi buscar a ideia que lança o evento marcado para o final da tarde de hoje. Quando forem 18h30, a Fundação Rui Cunha recebe uma sessão em que se assinala o Dia Mundial da Poesia, num retorno da efeméride ao espaço.

Nos últimos anos, a data tem coincidido com o Rota das Letras, razão que levou Sales Lopes a não avançar com qualquer tipo de iniciativa. Este ano, o festival literário já terminou, não há sobreposição de eventos, pelo que o historiador e poeta decidiu juntar de novo um grupo de pessoas para lembrar a importância do dia e, sobretudo, da poesia que se faz nas várias línguas de Macau.

O acontecimento de hoje vai além de um conjunto de poemas ditos. A organização – a Associação Amigos do Livro em Macau – decidiu conjugar esforços com várias entidades e o resultado é uma sessão que conjuga diferentes formas de expressão artística. Vai haver música a acompanhar poemas, fotografias para ver hoje (e também durante o resto da semana), e um documentário em permanente exibição.

“O programa do evento divide-se em duas partes fundamentais”, aponta Fernando Sales Lopes. “Uma delas é a evocação de Camilo Pessanha. A Associação Amigos do Livro encerra as comemorações dos 150 anos do seu nascimento com esta sessão”, explica. Esta primeira parte começa com uma leitura de poemas de autores locais que se inspiraram, de algum modo, no poeta português que morreu em Macau a 1 de Março de 1926.

Depois, vão ser ditos poemas de Camilo Pessanha. “São poemas ditos por gente mais crescida, mas também por adolescentes, pessoas de várias idades. Alguns serão musicados, o que, espero, dará um ar interessante à sessão.” O evento conta com a presença de alunos da Escola Portuguesa de Macau, que se associam à iniciativa.

Ainda a propósito do grande nome do simbolismo em língua portuguesa, destaque para uma pequena exposição biobibliográfica e para o documentário de Francisco Manso “Camilo Pessanha, um poeta ao longe”, ambos para ver na Galeria da Fundação Rui Cunha.

Da aproximação

Para a segunda parte do evento, ganha importância outra colaboração: vai ser feita uma leitura de obras de poetas de Macau a partir de imagens fotográficas, criadas sob a sua inspiração, pela ArtFusion. Estas fotografias integram a exposição “Nas Lentes da Poesia”, que poderá ser vista até ao dia 29. “É uma leitura fotográfica poética. Também vai haver intervenção musical”, antecipa Sales Lopes. “E artes performativas.”

Para a construção da sessão, o responsável teve essencialmente em conta “o bilinguismo e a intervenção dos jovens”. Porque vão ser ditos poemas em português e em chinês, vai haver tradução escrita para ambas as línguas, com a distribuição de um libreto.

“Há muitos poetas em Macau”, nota Fernando Sales Lopes. A poesia é uma forma de escrita particularmente comum entre os autores portugueses, mas entre os chineses também. “Claro que há aqui um problema que é o desconhecimento mútuo. Esta sessão também se insere nisso. Também é objectivo desta associação mostrar que é necessário e tentar que haja apoios para formar gente em tradução literária, para que se saiba o que os autores chineses estão a escrever e eles saibam o que estão os autores de língua portuguesa a fazer”, conclui.

21 Mar 2017

Btr | Autor de Xangai condensa o tempo para memória futura

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om o heterónimo Btr, o autor e fotógrafo produz um ainda raro registo da sociedade contemporânea chinesa. Natural de Xangai, prefere escrever o presente em mutação para que fique um registo dos dias de mudança. A escrita está intimamente ligada a um modo de expressão mais abrangente em que utiliza o desenho, a fotografia e o vídeo. “Tudo para emoldurar a realidade chinesa da actualidade”, afirmou ao HM.

O mundo virtual, por exemplo, é fonte de alterações que ainda não se compreendem, mas que estão a afectar a vida de todos, indica Btr. Em causa estão também as mudanças de valores. Se até há pouco tempo a sociedade chinesa era influenciada pelas antigas tradições e palavras, hoje, diz, tudo isso está a mudar.

“Um dos problemas na língua chinesa é a utilização de palavras-chave como símbolos e o que tenho vindo a constatar é o aparecimento e a criação diária de novas palavras com origem, por exemplo, no vocabulário da Internet”, explica. Para o autor, o fenómeno não é de estranhar até porque “as palavras que tínhamos não seriam capazes de representar a nova realidade”. O facto representa, já por si, uma mudança a ocorrer.

Crítica criativa

O trabalho que produz reúne a utilização de vários meios e começou com uma crítica à arte contemporânea. “Comecei a interessar-me pelo presente através da arte contemporânea há dois anos”, conta. O interesse em particular veio da abundância do estilo no Continente e especialmente em Xangai, “onde há muitas exposições”.

No entanto, longe da crítica tradicional, o autor escreve histórias inspirado pelo que vê. O trabalho que realiza acerca do que se faz na arte contemporânea recria-se com a escrita. “Não faço uma crítica das obras, por assim dizer, escrevo pequenos contos em torno delas, do que elas me transmitem. Acabo por confundir o trabalho crítico com o criativo e criar outra coisa a partir da observação da arte que se faz hoje em dia”.

Btr acabou por achar que a fotografia e o desenho podiam juntar-se à palavra e criar uma aproximação mais verosímil da realidade. Na semana passada, inaugurou a sua primeira exposição a solo em Xangai. “Chama-se yisi yisi, 意思意思, uma expressão chinesa muito difícil de traduzir”, afirma.

No seu todo, a exposição “é uma espécie de livro visual, pendurado nas paredes, e que descreve um dia, repartido em dez momentos na vida de um trabalhador de colarinho branco de Xangai”. Mais uma vez, a ideia é mostrar a contemporaneidade e ilustrar a forma como as redes sociais são capazes de influenciar o quotidiano. “Actualmente na China, as pessoas não tiram os olhos dos telefones, sendo que até o trabalho, penso, é decidido através desta interacção virtual”, constata. É esta mudança, ainda rumo a parte incerta, que mais o incentiva a fazer o seu retrato. Btr diz ainda que em cada conto ou imagem que produz consegue sintetizar, “em formato instantâneo, um passado e um futuro”.

Por outro lado, aponta, já há muitos e bons escritores que retratam a história recente e o panorama rural do país, mas raros os que se dedicam a este momento tão importante que é o presente.

Btr não deixa de sublinhar que o retrato da mudança a que se dedica está condicionado. Se, por um lado, o mundo virtual possibilita um acesso cada vez maior à informação, e a mais interacções, na China essa informação continua a ser circunscrita aos links autorizados, o que acaba por formar uma bolha da qual não se consegue facilmente sair. “Usamos o WeChat para tudo, mas é uma plataforma que funciona como uma bolha e que não autoriza o acesso à informação do exterior. Não podemos aceder ao New York Times”, exemplifica.

Da passagem por Macau, para o festival Rota das Letras, leva a oportunidade “única de estar em contacto com outros autores, tanto chineses, como ocidentais”.

21 Mar 2017

Rota das Letras | Gei Fei poderá estar presente em 2018

Terminada mais uma edição do festival literário Rota das Letras, Hélder Beja, director de programação do evento, fala da diversidade de autores que passaram por Macau e levanta a ponta do véu para a próxima edição: Gei Fei, autor chinês contemporâneo, que começou a publicar na década de 80

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hegou ontem ao fim a edição deste ano do festival literário Rota das Letras, que durante duas semanas trouxe ao edifício do antigo tribunal uma panóplia de autores de vinte nacionalidades diferentes, sem esquecer os concertos e os espectáculos. Para Hélder Beja, director do programação do festival, essa diversidade cultural foi um dos pontos altos.

“O ano passado tivemos várias nacionalidades mas este ano tivemos mais: cerca de vinte, uma coisa nova para Macau e para este festival. A maior parte das sessões tiveram bastante público. Esse para mim é o grande resumo: a diversidade resultou e o festival tem de continuar a ser essa ponte entre a China e os países de língua portuguesa, mas deve ser mais do que isso e, a partir de agora, vai ser ainda mais isso”, contou ao HM.

A pensar nisso, Hélder Beja falou de um importante nome da literatura contemporânea chinesa que já foi convidado e que poderá mesmo marcar presença em 2018: Gei Fei. “Ainda não veio, há-de vir, está convidado. Queremos trazê-lo para o ano, mas tudo depende muito das agendas dos autores”, apontou Hélder Beja.

“Os pontos altos desta edição foram os que esperávamos: a passagem por Macau de pessoas como o Pedro Mexia ou Yu Hua. Houve pontos altos surpreendentes, como a Jéssica Faleiro, uma autora que nos surpreendeu a nós e que recebeu a atenção do público, e Bruno Vieira do Amaral, por ser um autor com muita qualidade e por ter o dom da palavra, sem ser deselegante, o que é raro de encontrar”, acrescentou Hélder Beja.

Ao nível dos espectáculos e performances, o subdirector do Rota das Letras destaca a presença de Sérgio Godinho, “como autor e como músico”, e ainda da “performance lindíssima da Vera Paz, uma das mais lindas em seis anos de festival”.

Palavras do mundo

Num lugar onde vários idiomas se misturam, o director de programação do Rota das Letras considera que a ligação entre a literatura chinesa e os autores internacionais acaba por ser mais imediata, por comparação com o distanciamento físico da literatura portuguesa.

“Esse encontro [da língua chinesa] é até mais fácil do que o encontro com a literatura em língua portuguesa. Isto porque os autores que trazemos aqui já estão traduzidos para inglês, mas não estão em português. Na literatura em português há um maior desconhecimento, o que é normal, porque os autores vivem noutro hemisfério, que passa mais pela língua portuguesa”, adiantou.

Cheng Yongxin, director da revista literária Harvest, editor e escritor, disse ao HM ter ficado surpreendido com a diversidade cultural que este festival conseguiu trazer. “Fiquei muito surpreendido quando recebi o convite e quando vi este festival, achava que Macau era um lugar só com casinos, mas este festival teve uma grande escala, com tantos escritores. A literatura tem uma grande influência em pessoas tão diferentes e de todo o mundo, então penso que este evento é muito importante.”

Quanto aos autores de Macau, Hélder Beja referiu que é objectivo da direcção do festival continuar a convidar cerca de seis nomes por edição. “Há que ser muito estruturado em algumas coisas. Há três anos decidimos ter seis autores de Macau em cada edição, não achamos ser possível haver mais autores de Macau do que esse número, muitas vezes porque não há. Temos de fazer um trabalho de ir à procura de autores que não têm nada publicado numa outra língua que não seja o chinês. Queremos continuar a trazer autores de língua portuguesa de Macau, de língua chinesa e também autores internacionais que façam de Macau a sua casa.”

“Um livro excelente”

Em relação ao concurso de contos, os vencedores foram João Carvalho da Silva, que, apesar de ser português, venceu na categoria de conto em inglês. A brasileira Adi Berenice e Silva venceu na categoria do conto escrito em português, enquanto que Chi Pang Loi foi o vencedor de língua chinesa. O livro com os contos vencedores e com contos escritos por alguns autores da edição 2016 do festival foi ontem lançado.

“O concurso correu bem, não tivemos mais submissões do que o ano anterior. Estendemos o prazo e isso ajudou. Este quinto livro é excelente, tivemos muitas contribuições dos autores de 2016”, rematou Hélder Beja.

20 Mar 2017

Literatura | Yu Hua fala de livros, censura e influências

Yu Hua é um dos principais nomes da literatura contemporânea chinesa. O autor, que oscila entre romances autorizados e ensaios proibidos na China Continental, não abdica da liberdade da escrita. Está em Macau para participar no Rota das Letras

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] autor de “Viver”, “A China em Dez Palavras” e “Crónicas de Um Vendedor de Sangue” está em Macau para participar no festival literário Rota das Letras. Conhecido pela sua escrita “violenta” que retrata essencialmente a sociedade ao tempo da Revolução Cultural, época em cresceu, Yu Hua tem no seu trabalho um retrato do absurdo. No entanto, não é um non-sense confinado ao contexto chinês. “Passa-se no Continente mas podemos ver o absurdo em todo o lado porque está na vida diária. A China é um exemplo e um país cheio de contradições”, referiu num encontro realizado ontem com a imprensa.

Alvo de censura em várias obras, nomeadamente ensaios, o autor explica que “não há muitas preocupações quando em causa estão romances”. A razão, aponta, é que o trabalho de ficção pode incluir o uso de estratégias muito diferentes para expressar o que gostaria de dizer de forma explícita. Quando se trata de ensaios, como “A China em Dez Palavras”, que é proibido no Continente, a expressão é diferente. “Temos de dizer as coisas de forma directa”, assume.

A proibição do livro, diz, não foi surpresa. “Mal escrevi a primeira palavra, ‘Povo’, em que falo do 4 de Junho em Tiananmen, sabia que aquele livro nunca seria publicado na China”, aponta. No entanto, continuou a escrever tendo em consideração o mercado de Taiwan e de Hong Kong. Para o autor, a atitude do Governo Central é “infantil”.

Enquanto escritor, Yu Hua considera que o maior requisito é a independência seguida de sentido crítico. Actualmente, aponta, é mais fácil ser crítico. “Temos de admitir que o Governo Central é mais tolerante agora do que antes e conseguimos ouvir mais vozes críticas que podem ou não ser aceites”, diz, acrescentando que “o sentido de independência na escrita deve ser sempre prioritário à crítica”.

Do esquecimento

A Revolução Cultural é um tema transversal nos livros de Yu Hua, quase como se fosse uma inevitabilidade. “O meu período de estudos em criança apanhou a década da Revolução. O que passei naqueles anos influenciou o resto da vida, porque o pensamento acerca do mundo nasce das experiências tidas nesses anos e que, depois, vão sendo revisitadas”, explica.

O facto de continuar dentro de histórias daquela altura é importante ainda hoje. Para Yu Hua, o problema que se levanta na actualidade é o facto de “os mais novos não saberem nada do que se passou na Revolução Cultural”.

O autor sublinha que os tempos e acontecimentos que marcam a história recente da China estão a ser apagados e que é precisamente essa a intenção das autoridades. “O Governo Central é o primeiro a proibir a discussão das coisas. No ano passado, na altura do aniversário da Revolução, pensei que fosse feito algum festejo, mas tal não aconteceu, não vi nada. A informação na Internet acerca da Revolução Cultural estava completamente bloqueada”, ilustra.

Yu Hua considera que o comportamento dos dirigentes, 50 anos depois, está a dar resultados porque “os jovens não sabem nada e nem se preocupam em saber”. Na sua opinião, a situação é perigosa e a história precisa de ser recordada para que se evitem repetições. “Hoje em dia, a Revolução Cultural aparece no dia-a-dia das pessoas como se fosse a dinastia Qing, está muito distante.” Ainda assim, entende que é um período da história da China que vai deixar um rasto para sempre.

Kafka, salva-vidas

Não é fácil escolher as obras que conseguiu ler durante a juventude e que lhe marcaram o rumo literário. Mas “havia uma cópia impressa de um livro de Alexandre Dumas, na altura banido”. As opções eram limitadas e só podia ler Lu Xun. Na altura era um autor de que não gostava. Obrigado o recitar o poeta chinês que não entendia, Lu Xun só mais tarde regressou à vida de Yu Hua e participou das suas referências fundamentais.

Após os anos conturbados na década de 1950, deram entrada na China vários livros e com eles os “três mestres” de Yu Hua. “O meu primeiro professor foi o escritor japonês Yasunari Kawabata.” Com a leitura do autor nipónico, Yu Hua sentiu que se estava a afastar de si mesmo. “Mais tarde senti-me preso por ele, estava a imitá-lo e não estava a ser eu. Foi quando em 1996 encontrei Kafka. Salvou-me a vida”, recorda.

Não é que tenha aprendido a escrever com o autor checo. Mais que isso, foi Kafka que ensinou a liberdade da escrita a Yu Hua. “Percebi que podia escrever o que me apetecesse. Kafka deu-me o direito e as asas da liberdade.”

O terceiro professor foi William Faulkner, o autor que lhe “educou os sentimentos”.

A literatura ocidental constitui o instrumento da sua escrita e, sem a sua presença, muitos dos seus livros nunca teriam existido, admite. Os clássicos são imperdíveis, até porque acompanham a escrita, mesmo que de forma subliminar. Tolstoi é um exemplo de referência.

Yu Hu, apesar de ateu, não deixa de mencionar a Bíblia como referência maior porque, considera, “é o melhor livro do mundo”.

Macau numa palavra

Se Yu Hua escolhesse uma palavra para Macau, dentro da lógica do livro “A China em Dez Palavras”, seria a “ignorância”. O termo, explica, deve-se ao facto de não conhecer o território. No entanto, não deixa de anotar as mudanças, nem sempre muito positivas, que constata.

Numa visita em 1996, recorda, Macau era mais limpo. “Lembro-me de passear de carro perto do mar e a água era limpa. Na altura, pensei que Macau fosse muito asseado”, diz. A ideia agora é outra. Sente-se a poluição e, “não estando como Pequim, aproxima-se desse estado”, lamenta.

17 Mar 2017