Fernando Sales Lopes fala sobre ano novo lunar na FRC

É um final de tarde dedicado a quem tem curiosidade sobre os rituais do ano novo lunar. Amanhã, na Fundação Rui Cunha, Fernando Sales Lopes partilha ideias sobre a festa mais importante da comunidade chinesa
Fernando Sales Lopes

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]contece “a pedido de várias famílias” e não é um momento inédito. Há alguns anos, Fernando Sales Lopes, historiador e mestre em Relações Interculturais, foi o responsável por uma sessão do género, que tem como público-alvo aqueles que, tendo algumas noções sobre a importância do ano novo lunar, pretendem saber mais sobre este momento importante para a comunidade chinesa.

“A maior parte das pessoas não sabe o que se passa no ano novo chinês e tem curiosidade, como é óbvio”, diz o investigador, com trabalho feito em festividades chinesas. “Às vezes a informação também não é a melhor. Regra geral, as coisas oscilam ‘entre isto dá sorte’ e ‘aquilo dá azar’.”

Acontece que a grande festa do ano é muito mais do que uma questão de fortuna ou de desgraça. Sales Lopes vai falar do ano novo lunar de “uma forma mais ou menos estruturada”, explicando o que é, o que significa na China e porque é que há determinadas práticas nesta altura.

“As pessoas têm muita curiosidade em relação a certas coisas: hoje pode fazer-se isto, amanhã pode fazer-se aquilo, as dívidas têm de ser pagas, há que cortar o cabelo, arranjar a casa, visitar a família”, observa. O investigador vai falar dos rituais, do significado da cor, o significado da forma, “porque é que as coisas acontecem assim e não de outra maneira”.

Um mundo em movimento

Fernando Sales Lopes destaca que estas tradições fazem parte da maior festa da comunidade chinesa, com uma enorme importância social. “Neste momento, na China, já andam milhões de pessoas de um lado para o outro, é a maior migração do mundo, porque é a festa da família. As pessoas encontram-se, correm meio mundo, há outros que estão emigrados e que regressam nesta altura para estarem com as famílias. É uma festa importantíssima nesse aspecto, porque é a festa da família.”

Ainda em relação ao modo como o ano novo lunar é vivido, é difícil destacar um momento, seja pela importância ou pela peculiaridade, numa festividade que engloba uma série de rituais. “São todos muito curiosos e, assim sendo, apelava à curiosidade das pessoas para irem ver a sessão, para a gente falar sobre isso”, desafia.

É uma festa muito rica do ponto de vista das tradições. “Há a ceia da família, do ano novo, a chegada do ano, o regresso a casa na noite de ano novo do Deus do Fogão, que sai 15 dias antes para ir lá a cima levar ao Imperador de Jade o relatório sobre como a família se portou o ano inteiro”, exemplifica. “Há uma altura do ano novo chinês em que as pessoas ficam em casa e há outra em que vêm todas para a rua. Tudo isto tem um significado.”

“O ano novo chinês – Costumes e tradições”, com Fernando Sales Lopes, tem início marcado para as 18h30, amanhã, na Fundação Rui Cunha.

23 Jan 2017

Performance | Festival Fringe apresenta trabalho de Jenny Mok

O edifício do antigo tribunal recebe a performance “Paisagem Entrelaçada: Maré da Noite” amanhã e domingo, pelas 20h. Fomos conhecer Jenny Mok, a coreógrafa que pisará o palco numa dança mais que plástica

 

[dropcap style≠’circle’]“É[/dropcap] uma coreografia pensada para materiais, em vez de ser para feita da forma tradicional, para o corpo humano.” As palavras são de Jenny Mok, a performer e coreógrafa que apresentará ao público do Festival Fringe este fim-de-semana o seu espectáculo sobre paisagens naturais em movimento. Anteriormente, a artista de Macau já havia trabalhado com tecidos no seu processo criativo, nomeadamente o algodão. Neste espectáculo, “Paisagem Entrelaçada: Maré da Noite”, o material escolhido foi o plástico. Esta exibição foi preparada a meias com a sua amiga e designer visual Nip Man Teng.

Há dois anos que a coreógrafa começou os seus trabalhos a solo. Primeiro começou por explorar a interacção entre corpo, som e luz, como partes iguais, que se fundiam numa linguagem única. Depois veio a preocupação com o que mais se poderia fazer em palco, além do trabalho físico com o corpo. Os materiais vieram por arrasto, naturalmente. “Quisemos fazer coreografias para corpos não-humanos, foi o primeiro passo”, comenta a coreógrafa. Jenny explica também que tenta dirigir o material enquanto representa, “mas o material fixa o tom” do que transmite, uma vez que a textura se conjuga com os restantes elementos em palco.

Jenny Mok considera que o plástico, sacos em particular, carregam uma carga negativa nos dias de hoje, muito ligados à deterioração do ambiente e ao excesso de consumo, e são o resultado de manipulação, outra palavra com uma conotação negativa. Paradoxalmente, usa estes dois elementos para transmitir algo natural.

“O que é engraçado é que, quando se tenta trabalhar com estes materiais manipulados, artificiais, em coreografia, eles dão uma impressão de paisagem natural”, explica a performer. “Também Macau é muito trabalhado, em constante transformação, e pegámos neste conceito de paisagens alteradas para fazer coreografia”, explica.

Mundo plástico

Jenny Mok tem formação em literatura inglesa, algo que considera importante na sua formação como artista, uma vez que lhe deu perspectiva para melhor entender o processo artístico. Durante o seu tempo como estudante universitária, começou a interessar-se por artes performativas, algo que ao primeiro contacto lhe “acelerou o coração”. O arrebatamento chegou antes de ter iniciado qualquer tipo de formação na área artística. A porta de entrada para a criação cultural foi como espectadora, mais precisamente no Festival Fringe de 2001. Sem ter compreendido muito bem o que tinha visto, Jenny ficou muito impressionada com a performance vanguardista a que assistiu. Um ano depois estaria a ter aulas de dança com a companhia que a tinha impressionado, depois de se voluntariar para ajudar no que fosse preciso.

Na primeira vez que pisou o palco, a artista confessa que não sabia muito bem o que estava a fazer, apenas tentou expressar-se da melhor forma que conseguiu. O seu processo criativo foi-se apurando até chegar a uma mensagem que transmite ao público usando a linguagem do movimento corporal.

Macau foi uma das inspirações para a artista, uma vez que a manipulação de paisagens atinge uma intensidade muito grande, comparando com outras cidades do mundo. “Esta não é uma performance sobre as mudanças nos horizontes de Macau, mas a cidade tem um enorme impacto em mim, enquanto criadora”, explica Jenny Mok. A artista completa que “é impossível não sentir a influência do sítio onde vivemos”.

Apesar do elemento de improviso, os espectadores terão uma visão de algo detalhadamente planeado. Ainda assim, “com este material nunca sei muito bem o que vai acontecer, eu tento manipular esse o plástico mas, por vezes, ele é que acaba por me manipular”.

20 Jan 2017

Espectáculo “Made in Macau 2.0” recorda vivências nas fábricas

É já em Fevereiro que estreia em Macau o espectáculo “Made in Macau 2.0”, que retrata o tempo em que milhares de pessoas vieram do Continente para trabalhar nas fábricas de Macau. Teresa Lam, mentora do espectáculo de teatro documental, optou por contar a sua história de vida, num misto de ficção e realidade

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi por pouco que Teresa Lam não nascia no meio de uma fábrica de têxteis, a meio da noite. A mãe, imigrante oriunda da China, sem posses económicas, sentiu as fortes dores do parto e foi sozinha para o hospital. Estávamos em 1980 e em Macau o boom do turismo ainda não se fazia sentir. Havia dificuldades económicas e muitos procuravam emprego.

Foi esta a realidade que Teresa Lam optou por retratar no projecto de teatro documental “Made in Macau 2.0”, que subirá ao palco do edifício do antigo tribunal nos dias 18 e 19 de Fevereiro. Ao HM, Teresa Lam explicou por que optou por ser a personagem principal da sua própria criação.

“Este projecto é sobre a minha família, que saiu da China para se estabelecer em Macau, e conta a história de como cresci numa fábrica têxtil. Nos anos 80 e 90 as fábricas eram muito comuns. Claro que, depois, a indústria do turismo tornou-se dominante e todas as fábricas foram fechando. Faço parte da geração que assistiu a esta rápida mudança, porque nasci em 1980 e a primeira parte da minha vida vivi-a numa antiga colónia portuguesa, mas depois tive de regressar à China com a minha família. Somos a geração que mais vivenciou esta rápida transformação da história de Macau.”

Sendo uma mistura de teatro documental com storytelling, “Made in Macao 2.0” pretende mostrar à sociedade dos dias de hoje a história de um tempo passado. “Esta é uma colecção de memórias muito especial para as pessoas de Macau. Espero que o público possa recordar os tempos difíceis de Macau por comparação a uma fase em que temos o PIB mais elevado do mundo”, defendeu Teresa Lam.

Para a mentora deste projecto, só faria sentido falar de si mesma se fosse para mostrar a história de tantas outras pessoas. “Pensei que, se fosse falar de mim, teria de ser mostrando toda a Macau e como o território mudou. E como as ideologias foram mudando, porque os nossos pais mudaram-se para Macau devido à situação política na China naquela altura. As suas visões são muito diferentes. O público poderá ver como nascemos e crescemos. Praticamente nasci na fábrica.”

Experiência checa

Esta não é, contudo, a primeira vez que este espectáculo sobe ao palco. Tudo começou em Praga, na República Checa, onde Teresa e Kevin Chio, produtor do espectáculo, fizeram os seus mestrados nesta área.

“Em dois anos fizemos um projecto final e decidimos que tínhamos de fazer algo sobre Macau. Ficámos muito felizes com um contacto que conseguimos com um centro de arte performativa local, um dos maiores de Praga. Foi importante porque a maioria dos teatros são em checo, mas este está aberto a profissionais do estrangeiro e, por isso, conseguimos apresentar o nosso projecto. Também cooperamos com artistas de Praga ligados ao teatro documental.”

Para Teresa Lam, estar em Praga e apresentar lá o seu espectáculo foi importante do ponto de vista criativo. “Conseguiram transmitir-nos uma visão estrangeira ao projecto, porque muitas vezes introduzimos elementos de uma cultura, como os pauzinhos, e não compreendemos como os outros vão olhar e entender esses elementos culturais.”

No ano passado, Teresa Lam e Kevin Chio foram convidados para regressar à capital checa, onde fizeram a segunda fase do “Made in Macau 2.0”, que vai agora ser apresentada ao público local.

Apesar de conter uma boa dose de realidade, “Made in Macao 2.0” também será feito de ficção. “O espectáculo vai mostrar a realidade, mas também alguma imaginação, sobretudo sobre o período anterior ao meu nascimento, quando os meus pais vieram para Macau. Abordo também os amigos dos meus pais, que não tiveram a mesma sorte de vir para o território. Fiz alguma pesquisa sobre isso e criei alguma ficção à volta desse período”, concluiu.

O espectáculo está a cargo da companhia de teatro alternativo Rolling Puppet, fundada por Teresa Lam, e será apresentado ao público no dia 18 de Fevereiro às 20h e no dia 19 de Fevereiro às 15h. Os bilhetes já se encontram à venda.

19 Jan 2017

Laura Nyögéri, directora artística da Artfusion | A arte de aprender a ser livre

A Artfusion existe há quase três anos para ensinar a criar em liberdade. A direcção artística é assumida por Laura Nyögéri que, um dia, substituiu a publicidade pela criatividade e agora encaminha os mais novos na descoberta

[dropcap]C[/dropcap]omo é que descreve o projecto Artfusion?
O Artfusion é um grupo de artes performativas que existe em Macau desde 2014. Surgiu exactamente nesta altura, no ano novo chinês. Era o ano do Cavalo e a formação apareceu de uma colaboração com o grupo de capoeira Axé. Tivemos a ideia de juntar a capoeira e os batuques com dança contemporânea, ginástica e muita criatividade. O resultado foi surpreendente. Nasceu o conceito de fusão de artes, de onde apareceu o nosso nome.

Não ficaram por aí.
Não. Com a experiência resolvemos começar a organizar workshops onde desenvolvemos várias áreas das artes performativas. Optámos, desde logo, por diversas vertentes: a expressão dramática, a dança, técnicas de improviso e até as próprias artes plásticas. Este trabalho permitiu aos alunos que se inscreveram o contacto com várias valências e, a nós, percebermos quais as competências das crianças e jovens para delinearmos qual seria o caminho a seguir. A partir daí, iniciámos as aulas de artes performativas em que as inscrições foram muitas. Tivemos alunos dos quatro aos 17 anos, o que fez com que começássemos a dividir as formações por turmas, consoante as idades. Actualmente temos cerca de 50 alunos, divididos em três grupos.

São também uma escola?
Acabamos por ser. Uma das nossas principais missões é a formação através das artes orientada para o desenvolvimento da expressão da criatividade e, acima de tudo, para a noção de liberdade. Outro aspecto importante é o desenvolvimento da expressão individual e de grupo. Pontualmente funcionamos com grupos de adultos para eventos específicos. Neste momento, cerca de 80 por cento dos alunos são portugueses e os restantes dividem-se entre macaenses e chineses. Também aqui há uma fusão de culturas que torna a experiência muito interessante.

Como são organizadas as aulas?
Exploramos e seguimos muitos modelos e técnicas criativas aliadas à expressão corporal e dramática. Queremos também permitir a exploração da consciência do eu e do outro para que não só desenvolvam conhecimentos nas diversas áreas artísticas, mas que encontrem também aqui um lugar de divertimento e de criação. Sinto que muitos jovens têm um plano curricular com muitas actividades e uma das maiores dificuldades é terem tempo para fazerem as coisas. É por isso também que temos aulas apenas uma vez por semana e, mesmo assim, os alunos têm, frequentemente, de fazer alguma ginástica com a agenda para conseguirem fazer tudo. Por outro lado, isto também implica algum trabalho das próprias famílias para coordenar os vários horários, mas é possível. Eles gostam muito das aulas.

O Artfusion tem aulas e espectáculos?
Sim. Muitas vezes aproveitamos as aulas para o ensaio de espectáculos, mas também sinto que temos de parar esse processo de produção para que tenham espaço para se libertarem. Sinto que precisam deste espaço.

Não são uma associação. Como é que se organizam?
Somos um grupo que colabora com a associação “Macau no coração”, o que nos permite participar em actividades organizadas por instituições governamentais. Quando participamos em determinados eventos, como a Lusofonia, fazemos questão de levar conteúdos, de alguma forma, lusófonos. Já dançamos o fado, por exemplo.

Como é que chegam à ideia para um espectáculo?
Os alunos também têm aí um papel muito importante. Tentamos perceber quais são os seus interesses e de que forma a nossa cultura pode ser interessante para ser explorada por eles. O nosso público é, essencialmente, familiar e o nosso universo muito vasto pelo que, para agradarmos a todos, temos de fazer um espectáculo o mais completo possível. Tentamos explorar conceitos que inicialmente podem parecer mais abstractos e torná-los mais simples.

E como é que fazem isso?
Posso mesmo dizer que os alunos são a principal fonte de inspiração. Antes da concepção de qualquer espectáculo exploramos os temas que queremos abordar com os estudantes. Eles dão ideias, que não são só verbais, mas também ao nível do corpo. Procuro sempre que, por exemplo, através do grafismo ou do desenho, também possam expressar o seu universo. Depois fazemos a nossa pesquisa e levamos ideias do nosso contacto com grupos que não são de cá.

O Cirque du Soleil é um exemplo?
Sim. Passei o Verão de 2016 nos Estados Unidos a acompanhar o Cirque du Soleil num dos seus espectáculos. Juntei-me a eles desde a criação do espectáculo à digressão. Era uma outsider, mas acompanhei todos os departamentos, vi como aconteciam as coisas e como se fazia a produção, e aprendi com os excelentes profissionais que fazem parte daquela equipa. Foi uma experiência única, apesar de assustadora. É uma equipa muito grande e que envolve uma logística que a maioria das pessoas não faz ideia.

O que trouxe do Cirque du Soleil para Macau?
Trouxe um bocadinho de tudo aquilo. Trouxe ideias, daquelas que muitas vezes nos assustam por acharmos que não são possíveis, mas depois pensamos que existe sempre alguma forma de as concretizar ou adaptar à nossa realidade. Também tive, nos Estados Unidos, oportunidade de conhecer vários grupos de jovens em que o trabalho deles era sem qualquer limite. Ali tudo era possível e é este universo de possibilidades infinitas que acho importante trazer para Macau. Quase nunca é fácil, mas não é impossível.

Quais são as maiores dificuldades que têm sentido?
Os alunos mudam todos os semestres. Crescem e saem de Macau ou experimentam outras actividades. A diferença é que o Artfusion acontece aqui mas poderia acontecer em qualquer lado. Recentemente estivemos em Portugal e fizemos um intercâmbio com vários municípios. Na mira está Taipé onde pretendo que nos juntemos, além de integrar outras actividades, ao Cirque du Soleil na sua digressão asiática da companhia. Esta actividade permitirá mostrar o que é fazer produção em grande escala e com uma equipa em que trabalham profissionais de várias áreas. Quero organizar um programa de residência artística em que poderão participar não só alunos do Artfusion, mas todos os interessados: uma semana de workshops com os artistas do Cirque vindos de diferentes backgrounds, visitas a espaços culturais e artísticos, visitas aos bastidores, etc. Enfim, é dar oportunidade aos jovens de terem contacto com esta realidade e conhecerem o percurso daqueles artistas.

E o seu percurso até aqui, como foi?
Sou formada em Publicidade e Marketing e, da minha experiência, foi a criatividade que mais me chamou a atenção. Acabei por trabalhar em cinema e em televisão, fiz formação em teatro e, com os conteúdos que fui assimilando, descobri que o que mais gostava de fazer era estar na produção, nomeadamente na direcção artística. O facto de ter passado por vários departamentos foi para mim muito importante: deu-me consciência do que é o trabalho de equipa.

Trabalham essencialmente com jovens. Porquê esta população?
O que vejo de especial nestas pessoas é a espontaneidade e a capacidade de trabalhar os medos. As crianças e os jovens são também muito criativos e verdadeiros, o que para mim é um desafio. Cada um tem de ser trabalhado de uma forma individual e, depois, quando colocados em trabalho de equipa, mostram uma grande transformação. Acabo também por desenvolver as minhas competências para poder chegar até eles.

O que vamos ter no espectáculo integrado no Fringe?
Este espectáculo é uma estreia em Macau, a primeira vez que foi apresentado foi em Shenzhen. Mas são espectáculos diferentes. Aqui tive de fazer várias adaptações. Ter o Nam Van como palco foi um desafio enorme, é um palco muito grande. Chama-se “Connection” e o objectivo foi explorar o próprio conceito da palavra, ou seja, como é que o ser humano está ligado aos outros, à natureza, ao mundo à sua volta, muitas vezes de forma inconsciente. Este é um trabalho de alerta para a inconsciência das ligações que existem. São laços muitas vezes invisíveis ou ignorados e, cada vez mais no mundo real, esta falta de consciência transforma-se em intolerância. Todo o trabalho de concepção é neste sentido e os protagonistas têm de sentir tudo isto para fazerem um bom espectáculo, que só acontece se conseguirem fazer com que o público sinta o mesmo.

18 Jan 2017

Husam Abed, artista: “Não sei o que é ter uma casa”

Husam Abed é palestiniano, mas podia ser da Jordânia. Nasceu em Baka, um campo de refugiados a norte de Amã, e não conhece as origens. Está em Macau para apresentar hoje, sábado e domingo, o espectáculo “Uma Vida Suave”, com Réka Deák, mulher e directora de cenografia. A peça junta realidade, marionetas e público à mesa

[dropcap]É[/dropcap] palestiniano, mas nasceu na Jordânia.
Nasci num campo de refugiados. Em 1949, a minha família fugiu de uma pequena aldeia e ficaram num campo em Jericó. Em 1967, tiveram de mudar de novo e foram para Karama, para um campo de palestinianos. No ano seguinte mudaram para o campo de Baka, a norte de Amã. Hoje é um campo que acolhe cerca de 150 mil pessoas. Foi lá que nasci. No início, as pessoas viviam em tendas mas, aos poucos, foi mudando e agora têm casas. Mas é ainda sobrepovoado e vive numa situação ambígua. Não é reconhecido pelo estado da Jordânia, nem as Nações Unidas prestam lá cuidados. As pessoas estão no meio de dois fogos.

Como é crescer num campo de refugiados?
Vivia na Jordânia, mas só conheci alguém de lá já deveria ter uns 20 anos. É viver numa comunidade muito fechada onde se levanta a questão da identidade de uma forma muito forte. Muitas pessoas não sentem que são da Jordânia, mesmo depois de 60 anos a ali viverem, nem que são da Palestina, que já não passa de uma memória longínqua. Eu, por exemplo, conheci a minha avó há apenas dois anos. Ela ficou em Jericó e nunca a tinha visto. O meu pai morreu e a minha mãe foi lá buscá-la. É uma senhora muito velhinha, com o corpo cheio de cicatrizes da guerra. Ali, a guerra é diária. Por outro lado, toda a gente fala da Palestina e no direito de regressar. Não sei o que é ter uma casa. Nunca pude construir essa ideia. Há um sentimento nostálgico de que a “casa” existe, mas eu não sei o que é, nunca lá estive. É mais um sentimento de diáspora ou de exílio. Quando queremos ter educação ou saúde, não somos de lá, e não temos direito a nada.

Como é que fez para estudar?
A questão da educação na Palestina sempre foi muito forte. E esse foi o meu caso também. Apesar de o meu avô paterno ser talhante, teve o cuidado de possibilitar educação superior aos filhos e eu fui educado nessa perspectiva. A única hipótese era ir estudar para as mesquitas na Síria. O meu professor de inglês costumava dizer que, quando uma catástrofe atinge algumas pessoas, haverá outras a beneficiar com isso. Na Síria, que foi colonizada pelos franceses, o ensino do inglês era muito mau mas, com o regresso dos palestinianos, vieram muitos académicos que acabaram por se tornar professores de inglês e colmataram uma falha. A educação sempre foi uma questão essencial para os palestinianos.

Como é que apareceram as marionetas?
Quando estava a estudar Química tornei-me voluntário no orfanato que existia no campo de Baka. Não havia actividades para os mais jovens e não havia como libertar a energia. Existia um clube de desporto em que as pessoas se encontravam e a associação dos órfãos. Para conhecer a dinâmica da comunidade era necessário fazer algum trabalho voluntário ou social. Fazia campos de Verão e programas educacionais com as crianças. Queria também fazer qualquer coisa que ajudasse as crianças na formação do seu carácter e lembrei-me de fazer algo mais artístico. Foi quando apareceu a ideia das marionetas. Até então, só tinha visto os bonecos na televisão e nem sabia como fazer. Falei com os meus colegas e discutimos como fazer um guião, fazer os bonecos, etc.. Começou aí. Na altura, tinha uma ideia baseada no budismo, em que, depois de não existirem árvores, água e animais, o homem descobre que não pode comer dinheiro. Era essa a reflexão que queria passar. Fui ao mercado, comprei umas bonecas e precisava de uma personagem que fosse o contador de histórias. Num desses dias de compras vi um homem a vender melão. É um fruto que tem uma espécie de rugas e achei interessante. Tirei o interior e transformei-o num boneco. Foi a minha primeira marioneta. No entanto, acabei o curso em Química Aplicada, trabalhei numa refinaria de petróleo durante dois anos e depois comecei a dar aulas. Passado um ano decidi que não era aquilo que queria. Foi um choque para a minha família o facto de estar a perder uma oportunidade de estabilizar e ter um futuro. Decidi que queria trabalhar com marionetas.

Estudou em Praga.
Sim, mas foi uma coincidência. Quando fiz a minha escolha, em 2009, tive o meu próprio espectáculo e fiz alguns workshops para campos de refugiados. Em 2010 comecei a trabalhar com refugiados iraquianos. Trabalhei em Zaatari com a comunidade em geral e já fazia coisas também para adultos. Mas sentia que ninguém estava convencido com o meu trabalho e que precisava de algum tipo de reconhecimento internacional. Comecei à procura de opções. Apareceu-me uma formação na Alemanha, mas não podia ingressar sem um curso de língua. Ainda comecei a estudar mas só me aceitariam por meio ano porque já tinha mais de 26 anos. Continuei à procura e encontrei cursos em inglês em Praga.

A capital internacional das marionetas…
Sim, mas eu não sabia. Foi o que me apareceu. É uma história muito estranha. Descobri quando lá cheguei e nem queria acreditar. Os bonecos que tinha visto na televisão, que eram os meus favoritos, tinham sido criados ali, e eu estava ali. Fui admitido numa escola de teatro e estavam marionetas em todo o lado. Fiz o curso, durante três semanas, e o meu professor, responsável pelo programa, perguntou-me se não me queria candidatar ao programa de mestrado. Foi muito complicado. Não tinha um background no teatro e sentia-me completamente perdido. Sentia que não conseguia encontrar a minha forma de expressão. Vinha de uma cultura muito diferente e não me sentia pronto. Fui à Índia, onde vi alguns festivais que me inspiraram e me proporcionaram uma abordagem diferente das coisas. Regressei a Praga e consegui fazer um projecto mais pessoal. Aprofundei a área do teatro documental, que conta histórias.

O que é que vamos ter com “Uma Vida Suave” aqui em Macau?
Comecei a sentir que tinha de fazer teatro em que pudesse jogar com os limites da realidade e da fantasia, e em que pudesse juntar alguma actividade. Nesta peça estamos em casa, à mesa, e as pessoas vêm ouvir algumas histórias acerca da minha infância. A mesa tem estampado o mapa da Palestina e, ao mesmo tempo que vou contando as histórias, as pessoas vão bebendo chá. A peça acaba com a partilha de uma refeição tipicamente palestiniana que, traduzindo, se chama “de pernas para o ar”. É uma refeição especial que se faz especialmente ao fim-de-semana. A cenografia está a cargo da Réka Deák. Concebeu uma mesa com gavetas e as histórias vão saindo delas. É também uma peça sobre a família e as memórias. Acima de tudo, o que quero mostrar é que cada pessoa tem a sua história que deve ser contada. Estamos num tempo em que as pessoas se reduzem a números. Lidamos como as pessoas como se fossem algarismos. Por exemplo, diz-se que três mil pessoas foram mortas, mas quem são estas pessoas? As pessoas tornam-se números e os números esquecem-se. Mas as histórias não. As histórias devem fazer a diferença, e ficar no coração e na memória das pessoas.

17 Jan 2017

Moçambique | Ciclo de cinema na FRC para dar a conhecer o país real

O cinema moçambicano vai estar em destaque do dia 21 a 26 na Fundação Rui Cunha. A iniciativa é organizada pela Associação dos Amigos de Moçambique. A ideia é permitir a quem vive cá conhecer o cinema e a cultura daquele país

 

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão cinco os filmes que vão integrar a terceira edição do ciclo de cinema feito em Moçambique. O evento tem lugar entre 21 e 26 deste mês no auditório da Fundação Rui Cunha e no cartaz traz quatro filmes de Licínio Azevedo e um da realizadora Teresa Prata.

“Não podemos chamar a iniciativa de festival”, disse ao HM Helena Brandão, “porque não é uma coisa grande”. Para a responsável pela Associação dos Amigos de Moçambique, entidade organizadora, esta é antes “uma forma de alargar as actividades de forma sustentável”.

“O dinheiro não é muito e fazemos o que podemos”, explicou. A iniciativa teve a primeira edição em 2012 e a ideia de projectar filmes surgiu como sendo a mais viável, de modo a que possam ser levadas a cabo outras actividades além da semana gastronómica.

Para a organizadora, “basta ter cerca de 15 pessoas a assistir que podemos considerar um sucesso”. Mas certo é que a adesão tem vindo a crescer a cada edição.

A ideia é mostrar à população de Macau um pouco mais da cultura moçambicana. Vasta e diversificada, Helena Brandão lamenta que não seja possível trazer mais actividades. “Gostava muito de ter cá teatro, que é uma área de relevo em Moçambique, mas é difícil trazer os actores, é muito dispendioso.”

Com empenho, a associação consegue trazer, mais uma vez a Macau, o realizador Licínio Azevedo. Brasileiro de origem, Licínio Azevedo está radicado em Moçambique há mais de 40 anos e é hoje uma das maiores referências da sétima arte do país. O reconhecimento internacional aconteceu no âmbito do programa “Open Doors” do Festival de Cinema de Locarno, com o destaque que foi dado a “Comboio de Sal e Açúcar”. A película conta a história de um comboio e dos seus passageiros, que embarcam numa viagem perigosa durante a guerra civil moçambicana.

Quatro histórias

Do cineasta serão exibidos em Macau “A Ponte”, “Ferro em Brasa”, “A Ilha dos Espíritos” e “Desobediência”.

“A Ponte” é a história do esforço colectivo para fazer uma travessia. De acordo com a apresentação da película, na estação das chuvas os rios enchem, e Chimanimami, uma das mais bonitas regiões de Moçambique, fica isolada do resto do país. No entanto, com a intenção de criar ali uma reserva natural, cuja principal atracção é o Monte Binga, o ponto mais alto de Moçambique, é necessário construir uma ponte e é a aldeia que se une para contribuir para a concretização do projecto.

Um documentário sobre o fotojornalista Ricardo Rangel é a proposta de “Ferro em Brasa”. O fotógrafo, de 80 anos, é o símbolo vivo da geração que, no fim dos anos 40, iniciou as primeiras denúncias contra a situação colonial. Enquanto fotografava a cidade dos colonos, “Ricardo revelava a desumanidade e a crueldade do colonialismo”, lê-se na mesma apresentação. Desde então, e até ao fim da guerra civil pós-independência, o protagonista fotografou 60 anos da história de Moçambique. Neste filme, o fotógrafo conduz o público pela sua vida e obra, onde a cidade de Maputo, a boémia e o jazz têm um lugar especial.

Também em formato documental é “A Ilha dos Espíritos”. Muito antes de dar nome ao país, a ilha de Moçambique teve um papel fundamental no Oceano Índico. “Foi um ponto de paragem de caravelas, de encontro de piratas, lugar de mistura de raças.” Os seus habitantes, orgulhosos do passado glorioso da ilha, são aqui personagens excêntricas que deambulam pelas ruas.

Ainda de Licínio Azevedo é “A Desobediência”. Um filme real interpretado pelos protagonistas da história que conta. A película documenta a saga de Rosa, uma camponesa moçambicana que é acusada pela família do marido de ser a causadora do seu suicídio, por se recusar a obedecer-lhe. Para provar a inocência, e recuperar os filhos e os poucos bens que o casal possuía, Rosa submete-se a dois julgamentos: o primeiro num curandeiro e o segundo num tribunal. É absolvida em ambos.

Durante a filmagem, o realizador decidiu instalar uma segunda câmara para seguir a história até ao fim. Segundo a apresentação da película, “uma montagem desta complexidade não tem paralelo no cinema africano.”

Todas as projecções contam com a presença de Licínio Azevedo, que vai estar em Macau para falar não só dos filmes que faz, mas também da situação actual do país onde vive, do cinema que por lá existe e da cultura que o acolhe.

A vida na tela

Realizado por Teresa Prata é “Terra Sonâmbula”, uma longa-metragem premiada. Entre outras distinções, ganhou, em 2008, o FIPRESCI do International Film Festival Kerala, na Índia.

O filme conta a história do velho Tuahir que encontrou Muidinga ainda com vida enquanto ajudava a enterrar crianças assassinadas numa aldeia. Tuahir cuidou da criança e viajou com ela para fugir da guerra. Cansados e com fome, encontraram um autocarro atacado pouco tempo antes, onde descobriram um diário. O achado leva as personagens à história de Kindzu, um jovem que teve a família assassinada e que estava em viagem à procura de uma criança.

De acordo com a organização, “com o correr dos anos o cinema moçambicano ganhou experiência, tornou-se maduro e hoje, ainda sem actores profissionais, mais do que cinema político, conta histórias de factos como o drama humano, em histórias de ficção baseadas em factos reais, e é um cinema que, acima de tudo, revela a sociedade moçambicana pós-colonial e as suas contradições”.

16 Jan 2017

CCM | Ballet de Hong Kong apresenta nova versão do Quebra-Nozes

O “Quebra-nozes” está, até domingo, no Centro Cultural de Macau. Interpretada pelo Ballet de Hong Kong, a apresentação marca o fim de oito anos de direcção artística da sueca Madelaine Onne. O espectáculo é dirigido a todas as idades, numa recriação do clássico de Tchaikovsky

 

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]adelaine Onne está de saída da direcção artística do Ballet de Hong Kong, não sem antes passar por Macau para uma apresentação especial do clássico “Quebra-nozes”. “É uma versão diferente porque foi feita especialmente para nós, pelo australiano Terence Kohler, e foi concebida enquanto forma de celebração do Natal. Como em Hong Kong não celebramos, efectivamente, a época, o sentimento foi misto e o resultado foi a construção de uma história passada num mundo de sonho através de uma casa de bonecas”, explicou Madelaine Onne num encontro com a imprensa.

A presente edição do “Quebra-nozes” é dirigida a um público vasto em que as crianças são bem-vindas. No entanto, esta não é razão para que as plateias não sejam preenchidas com adultos. Se a experiência com os mais novos tem sido gratificante, para Madelaine Onne a peça não é menos positiva para os adultos. “Hoje em dia todos temos uma vida cheia de stress, com famílias e trabalho, e também nós precisamos de entrar nos teatros e ver outros mundos”, justificou.

Além do clássico

A “bailarina” do “Quebra-nozes” é interpretada por Yao Jin, que veio do Ballet Nacional de Pequim. Para a agora bailarina principal da companhia de Hong Kong, a mudança “concretizou um sonho”. A formação na capital foi de excelência, mas “não era suficiente”. “Queria sair e ter a oportunidade de tocar, de uma forma mais directa, o que vinha da cultura ocidental”, explicou. “Encontrei isso aqui: a companhia integra o factor liberdade e foi aí que consegui juntar a formação clássica a um ballet novo e mais contemporâneo.”

Madelaine Onne reitera as palavras da primeira bailarina. Um dos grandes objectivos aquando do ingresso na direcção da companhia, há oito anos, era esse mesmo: possibilitar a criação de um estilo pessoal nos seus bailarinos. “Quando cheguei encontrei profissionais magníficos que se copiavam uns aos outros na perfeição e de onde eu vinha era muito diferente: não tínhamos a mesma excelência técnica e, por isso, éramos obrigados a desenvolver outras capacidades”, recordou.

Ryo Kato interpreta o “Quebra-nozes” e não podia estar mais de acordo: “é realmente muito diferente trabalhar aqui.” O bailarino japonês passou por Portugal e pela Rússia ao longo da formação. Do primeiro trouxe a liberdade de movimentos e uma abertura ao ballet contemporâneo; do segundo, a formação clássica tradicional. Agora junta ambas.

Para Onne, o desafio de juntar o lado artístico e criativo à perícia era grande, e hoje é possível ver com facilidade o estilo de cada um. Por outro lado, a valência criativa é notória em palco. “Todos os espectáculos são diferentes porque há sempre coisas a acontecer e a serem adaptadas naquele momento.”

O caminho não terá sido fácil e levou cerca de dois anos a conseguir sair da cópia para a concriação. “No início eles achavam que eu era louca em pedir para fazerem algo diferente, e hoje tenho de pedir para pararem porque já têm o seu processo criativo individual de forma natural.”

Para o efeito, a directora tentou, sempre que possível, trazer coreógrafos que trabalhassem directamente com os bailarinos, com uma peça definida ou com recurso a temas. O desenvolvimento foi significativo e agora, nas digressões, a diferença é reconhecida.

O Ballet de Hong Kong conta actualmente com cerca de 50 bailarinos vindos de 11 países. Sem residência, o trabalho é duplamente difícil. “Alugamos estúdios mas, às 18h, temos de sair, o que impede o desenvolvimento de determinadas opções que vão aparecendo”, esclareceu Madelaine Onne. No entanto, a companhia aguarda a concessão de um local de trabalho nos novos espaços de West Kowloon.

O “Quebra-nozes” está no Centro Cultural de Macau hoje e amanhã, às 19h30, e domingo às 15h.

 

13 Jan 2017

Teatro físico, da companhia checa Spitfire, abre o festival Fringe

O festival Fringe começa hoje e no cartaz tem o espectáculo “Antiwords” da companhia checa Spitfire. A peça é inspirada nos textos autobiográficos de Václav Havel e retrata a conversa entre dois homens. No entanto, “em vez das duas personagens masculinas, o diálogo é entre duas mulheres”, explicou o director artístico Petr Bohac ao HM.

A situação é passada numa cervejaria e representa uma conversa entre um intelectual – proibido de escrever, trabalha numa cervejaria – e o proprietário do estabelecimento. A interacção é absurda, cómica e dramática. Para a actriz Sonia Feriencikova, o que sobressai na peça é o humor que camufla o desenlace final. “É um trabalho com muitas camadas, das mais superficiais às mais profundas”, referiu.

O grupo que se dedica à representação do absurdo através do teatro físico assume que esta é uma forma de evitar enganos. “O corpo não consegue mentir. As palavras podem fazê-lo, e com muita facilidade, mas o corpo não”, defendeu Petr Bohac. Por outro lado, o movimento é uma linguagem universal que não depende de idiomas.

Para a actriz, também o corpo é um elemento de comunicação especial que “usa outros níveis de pensamento para comunicar com o público”.

A China chegou com as digressões e “Antiwords” permitiu o contacto com públicos diferentes. “Estivemos em Pequim e Xangai, por exemplo, e mesmo dentro do mesmo país, a ‘Antiwords’ teve um acolhimento distinto. Por exemplo, o público de Pequim é muito mais aberto do que o de Xangai, o que é um pouco surpreendente”, considerou o director. No entanto, sublinhou, o mais interessante é que “a audiência chinesa consegue sempre entender muito bem situações que envolvam o absurdo”.

A passagem por Macau não acarreta expectativas, mas antes curiosidade. Em cada espectáculo a companhia procura “o contacto com o público numa tentativa de mudar as pessoas”, rematou Petr Bohac.

13 Jan 2017

Workshop | Justiça laboral em discussão na Universidade de Macau

Realiza-se hoje na Universidade de Macau um workshop focado nos direitos dos trabalhadores dos países do BRIC, com a excepção da Rússia. Os temas serão analisados no presente contexto da transformação social na economia global

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] atravessar desafios diferentes nesta altura, a China, Índia e Brasil enfrentam, ainda assim, situações ao nível do direito do trabalho que carecem de análise académica. Pois será exactamente isso que acontecerá hoje, pelas 14h30, na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Macau.

De acordo com Rui Flores, académico e organizador, este é um tema que também interessa a Macau, “não só porque a Prof. Anita Chan irá falar das questões laborais da região vizinha de Guangdong, mas também porque se vai falar de globalização, questão premente não só para Macau, como para todo o mundo”.

Nesse sentido, a apresentação de Anita Chan discutirá a legislação do trabalho na China, tema que tem atraído a atenção do mundo inteiro, assim como a evolução que tem acontecido em termos de direitos e condições de vida dos trabalhadores chineses. Uma das questões em cima da mesa serão os desafios criados pela entrada na economia chinesa de empresas estrangeiras, assim como de joint ventures, que vêm colocar novas e complicadas questões jurídicas que serão centro de debate.

Este tópico será também explorado por Jonathon Hunger, da Universidade Nacional da Austrália, e editor do China Journal.

Índia e Brasil

Outro do foco será o Brasil e o subcontinente indiano. Neste capítulo, destaque para a palestra de Jorg Novak, da Universidade da Cidade de Hong Kong. O académico tem estudos publicados acerca dos protestos de massas que ocorreram tanto na Índia, como no Brasil. Debruçou-se academicamente também sobre avultados investimentos chineses na economia brasileira. O académico publicou ainda um estudo sobre a Foxconn, a maior fábrica de componentes informáticos do mundo, sediada em Taiwan.

Novak será coadjuvado nos desafios que a Índia enfrenta em termos de direitos laborais por Tim Kerswell, professor da Universidade de Macau. Neste tópico é avançada uma alternativa ao neoliberalismo que domina a economia global, sendo para tal apontado o papel das cooperativas de trabalhadores indianos, em particular no sector da construção.

Outro dos aspectos de interesse que estará em discussão é o caso de estudo da Associação de Trabalhadoras por Conta Própria da Índia. Esta associação, que tem mais características de uma organização não-governamental do que propriamente um sindicato, imprime algum poder às mulheres numa sociedade marcada por um forte machismo cultural.

A organização tenta promover a defesa das suas associadas encorajando-as a não aceitarem condições de trabalho que estejam abaixo dos padrões legalmente estabelecidos.

Esta é mais uma iniciativa do Programa Académico da União Europeia, e procura apontar possíveis caminhos para as questões mais prementes relacionadas com os direitos laborais das chamadas economias emergentes.

12 Jan 2017

Fringe | Edição de 2017 começa na próxima sexta-feira

A edição deste ano do Fringe fica marcada pela busca de uma direcção para os artistas locais. Há cada vez mais gente de Macau a querer participar num festival que pretende ser alternativo

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m cartaz cheio com nomes vindos de Portugal, Jordânia, República Checa, China e Macau, e espectáculos que podem acontecer numa sala de espectáculos, mas também no mercado, no salão de cabeleireiro, numa estrada ou num jardim. É esta a proposta para a edição de 2017 do Fringe.

Mas, este ano, o objectivo da organização vai além da programação: a ideia é apontar uma direcção para abrir portas aos artistas locais. “Queremos que o Fringe se transforme numa plataforma para os artistas do território terem acesso a outros destinos e, neste sentido, estamos a tentar criar uma direcção para o festival”, disse o membro da organização Billy Hui.

Para o efeito, o cartaz inclui uma sessão de partilha onde estarão presentes sete representantes de festivais que, de alguma forma, estão relacionados com o Fringe e que vão apresentar o que fazem, explicou Paula Lei, que também organiza o evento a cargo do Instituto Cultural (IC).

O Fringe começou em 1999. “Era uma altura de mudança e pensámos em fazer um festival que trouxesse uma lufada de ar fresco e pronto para receber a nova era”, recorda Hui. A organização, na altura, deslocou-se a algumas cidades europeias para ver o que por lá se fazia. Voltou com ideias da Europa distante que deram o tema à primeira edição: “European Small Theater Window”. “Vieram artistas de Portugal e Inglaterra, e só tínhamos três grupos de Macau. Ninguém sabia o que era ou como se juntar ao evento”, recordou Billy Hui.

Festival fora de portas

Com a experiência, os horizontes mudaram e o objectivo passou a ser a criação de algo realmente diferente. O primeiro passo a dar foi a saída dos espaços fechados e assumir a rua como palco. Billy Hui não deixa de mostrar o contentamento com a iniciativa: “Queríamos sair do teatro e fomos para as ruas, para a praia, lojas e mercados, queríamos aproveitar a beleza e a mistura cultural de Macau”.

Se em 1999 apenas participaram três grupos locais, 18 anos depois a presença da prata da casa é notável. São vários os artistas que, em nome individual ou em grupo, associados a colegas da terra ou da vizinhança, apresentam as ideias concretizadas. Agora, os interessados podem enviar os projectos no mês de Junho para o IC e, para este ano, a organização recebeu cerca de 20 propostas de Macau.

Para o IC, é também lema do festival a motivação para a produção e o Fringe terá, à sua maneira, contribuído para o incentivo à liberdade criativa. “Por vezes, os artistas apenas têm uma ideia mas não sabem como concretizá-la, e é aí que aparece o festival: uma entidade que apoia qualquer ideia que apareça, por mais louca que possa parecer, e que ajuda na sua materialização”, afirma Billy Hui. Por outro lado, é esta liberdade que atrai os artistas, “porque sabem que o Fringe apoia sem limitações”.

Muitos anos com algumas histórias

“Lembro-me que, em 2001, havia uma ideia de um criativo de fazer uma produção apenas iluminada pelas luzes das motas. Encontrámos uma companhia de dança que aceitou o desafio e o resultado foi surpreendente pelas possibilidades que criou: o palco era a rua e a coreografia foi criada para este tipo de iluminação ainda experimental”, exemplificou o membro da organização.

As memórias são muitas e, a par das “estrelas”, o caminho do Fringe foi marcado pela ajuda da própria população. “Lembro-me de uma produção feita num local sem luz eléctrica e precisávamos de lá fazer chegar cabos. O curioso foi que, sem nos darmos conta, a população ajudou: abriu as portas de casa e dos carros para que pudéssemos passar os cabos e fazer o espectáculo naquele lugar”, recorda Hui.

No entanto, a sociedade mudou muito e os desafios para a organização também. Se, em tempos, os residentes eram os primeiros a colaborar, até na cedência de espaços, actualmente a situação é bem diferente. “Encontrar locais alternativos agora é muito difícil. Os espaços são caros e, mesmo que queiramos arrendar ou pedir, deparamo-nos com outra situação: os donos dos locais já não são de cá e nem conseguimos chegar a eles”.

Billy Hui recorda uma edição em que uma das apresentações foi feita no Largo do Senado: “Tínhamos exposições em algumas lojas e DJs a tocar em varandas que davam para a praça. Agora, se queremos pedir, ou não temos acesso ao gerente ou quando temos a resposta é sempre a mesma, o dono está em Hong Kong ou na China, ou em qualquer outro lado, porque não é daqui. Antigamente o patrão era de cá, entrávamos e pedíamos para falar com ele. Agora isso é impossível”, lamentou.

Ainda assim, para os organizadores, o estado da criação artística local actual é caracterizado pelo optimismo. As mudanças são muitas e, para Billy Hui e Paula Lei, há esperança também, até porque “agora as pessoas estudam artes”. “Estou muito entusiasmado por ver o futuro”, concluiu Hui.

11 Jan 2017

Livro | Shee Va publica obra sobre a ópera no território

É o primeiro de três tomos dedicados às óperas a que a cidade assistiu. O médico Shee Va foi à procura do passado musical da cidade e passou-o a livro, com a ajuda de uma personagem que tem o tempo de vida do Festival Internacional de Música

 

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ouco antes de Macau se ter despedido da administração portuguesa, a “Aida” veio ao território. Onze anos antes, Ileana Cotrubas explicava, numa “Traviata” na cidade, porque é que tinha conquistado um lugar de destaque no mundo das sopranos.

Há ópera em Macau há quase 30 anos – o tempo de vida do Festival Internacional de Música – e desde o mês passado que existe um livro que recupera a memória deste género musical no território. É o resultado de uma iniciativa de Shee Va, médico amante de música erudita, e trata-se apenas do primeiro de três tomos. A ideia é escrever sobre todas as óperas desde o estabelecimento do festival.

“O meu gosto pela ópera vem desde criança”, explica ao HM o autor de “Ópera no Festival Internacional de Música de Macau (FIMM)”. O gastrenterologista regressou a Macau em 2012 e, desde então, tem sido um activo divulgador do género, com várias sessões na Fundação Rui Cunha, em parceria com o advogado Frederico Rato. Na sequência dos ciclos de que foi co-autor, decidiu recordar as óperas anuais de Macau – aquelas que são trazidas pelo festival.

“Claro que escrever sobre óperas, não tendo formação musical, é difícil mas, de qualquer modo, quis transmitir o meu gosto, como melómano que sou, pela música e pela ópera”, explica. A volta ao texto que se impunha pela falta de formação específica sobre a matéria foi dada com a construção de uma espécie de romance: há uma personagem com a idade do festival, um homem de 30 anos, que foi à ópera pela primeira vez em 1999. Foi ver a “Aida” levado pelo pai, que lhe deixa em herança todas as memórias relacionadas com a presença da ópera no FIMM. “Fiz com que esse rapaz nascesse com o Festival e o acompanhasse durante estes 30 anos.”

Os primeiros anos

O exercício de recuperação do passado do FIMM permitiu descobrir diferenças no modo como a ópera foi sendo apresentada ao público local. “‘O Barbeiro de Sevilha’ foi feito na Fortaleza do Monte. Aproveitou-se o edifício antigo que, naquela altura, era a Meteorologia, acrescentou-se umas pinturas a imitar Sevilha e tocou-se a ópera ao ar livre”, conta o escritor sobre a primeira apresentação do género verdadeiramente encenada.

Existe ópera no FIMM desde a segunda edição do evento, mas as dificuldades de uma produção do género e a inexistência de uma sala de espectáculos com boas condições fizeram com que o então director, Adriano Jordão, não tivesse incentivado este tipo de espectáculo. “Depois, com o segundo director, João Pereira Bastos, que já tinha sido director do São Carlos, o género foi cultivado”, explica Shee Va.

As óperas produzidas ao tempo de João Pereira Bastos eram bastante diferentes daquelas que surgiram depois da transferência de administração, conclui o autor. Antes de 1999, a produção tinham uma participação local maior, apesar dos artistas que chegavam da Europa. “As produções eram mais vividas”, refere.

Depois da transferência de administração, passou-se por um período em que Macau tinha um contributo modesto na produção, uma tendência que terá terminado no ano passado. “A produção foi completamente local e, portanto, vive-se muito mais. Quando vem de fora não existe a mesma envolvência. Mesmo em termos de aprendizagem, é mais interessante para a formação das pessoas ter as coisas feitas localmente.”

“Ópera no Festival Internacional de Música de Macau” é uma edição da Associação dos Médicos de Língua Portuguesa de Macau.

10 Jan 2017

FRC | Exposição mostra trabalhos feitos com elementos naturais

“Pó e Pedra” é um conjunto de esculturas e pinturas feitas com pigmentos e materiais naturais. A proposta é da Fundação Rui Cunha (FRC) que convidou Fernando Simões e Rafaela Silva para mostrarem os seus mais recentes trabalhos

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma série de pinturas e esculturas feitas com pigmentos e matérias naturais é o conteúdo da exposição “Pó e Pedra” com obras de Rafaela Silva e Fernando Simões.

A pintora, que tem marcado o seu trabalho com peças em que utiliza o óleo, técnicas mistas e colagens, está agora com os olhos postos na natureza e os materiais que dela nascem. “Trabalhei durante muitos anos com a pintura a óleo e era nesse âmbito que me sentia completamente em casa a trabalhar”, disse ao HM. Há três anos frequentou um workshop no Algarve onde “a recolha de rochas e outros elementos da terra” a deixaram encantada com as possibilidades que poderia trazer.

Rafaela Silva começou por trabalhar os pigmentos naturais em papel de aguarela utilizando a água-cola como elemento aglutinador. Mais tarde optou pela cortiça porque “é um elemento novo e que está em fase de grande desenvolvimento de finalidades”. Apesar de ser uma base onde nem sempre é fácil trabalhar por absorver os pigmentos de imediato e exigir uma ideia concreta, é também um desafio por não permitir correcções.

É “com o recurso a elementos naturais e biológicos, e segundo os métodos mais antigos e tradicionais” que a artista pretende continuar o seu trabalho, até porque considera que o contexto artístico está num momento de “voltar à origem por proporcionar novas descobertas”.

Para o futuro prevê outras bases para explorar: “A seguir quero tentar a madeira e depois o papel japonês”, referiu.

A exposição com o escultor Fernando Simões foi produzida separadamente. “Os trabalhos estavam feitos quando recebemos o convite da FRC e acabou por resultar muito bem”.

Espaço para a escultura

Já Fernando Simões continua a criar sobre a representação da própria natureza. “São esculturas que podem representar ondas ou outros elementos naturais que identificamos facilmente” explicou ao HM. A intenção é “transmitir a ideia de movimento e a inspiração vem da própria natureza”.

Este é um método que, para o artista, representa uma forma livre de trabalhar por não seguir “qualquer desenho pré-concebido”. “Começo a fazer uma peça e quando vejo que gosto, está terminada”, sublinhou.

Para Fernando Simões, uma obra de arte tem de possuir definição, movimento e surpresa. No seu trabalho, o inesperado é parte integrante do processo criativo. Com peças que têm de ir ao forno, o resultado pode, muitas vezes, ser o mais inesperado. “É um trabalho que tem uma parte do processo controlada, mas há coisas que depois da cozedura, por exemplo, aparecem e que acabam por ser aproveitadas para valorizar a própria peça”.

A junção das esculturas de Fernando Simões à pintura de Rafaela Silva, foi, para o artista uma boa aposta. “Em Macau, há muita pintura ou fotografia, mas não há muita escultura e esta é uma oportunidade de a mostrar também”, disse. “Pó e Pedra” está patente até 15 de Fevereiro.

9 Jan 2017

Sandy Leong Sin U expõe trabalhos no Café Terra

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Café Terra, localizado perto do Teatro D. Pedro V, acolhe até ao próximo dia 25 de Janeiro uma exposição de uma artista local. “Miss” é o trabalho mais recente de Sandy Leong Sin U e estará exposto nas paredes do pequeno estabelecimento. Segundo um comunicado, a exposição “Miss” aborda as memórias de família da própria artista.

“‘Miss’ é um trabalho que serve de memória à avó de Sandy Leong Sin U, que faleceu há um ano. Através de uma mostra de recordações, roupas feitas à mão e mobílias que faziam parte da casa da sua avó, Sandy Leong Sin U pretende reflectir sobre o modo de vida nos anos 60 e 70 na China, com uma perspectiva histórica.”

Sandy Leong Sin U referiu ainda que os proprietários do Café Terra disponibilizaram o espaço e também assistência técnica para a exposição, além de terem feito ajustes “de acordo com o progresso do trabalho”.

A artista de Macau trabalha sobretudo ao nível de ilustração, instalação e desenho, tendo lançado, em 2015, a obra “Hey, Listen”, além dos trabalhos “If we think our world is…” e “Relationship”.

Esta não é a primeira vez que o Café Terra mostra uma ligação ao meio artístico e até musical. Recentemente o espaço serviu de palco a um concerto de jazz, promovido pela Associação Promotora de Jazz de Macau. Já foram também expostas fotografias de Wong Wang Lap, actualmente a estudar em Londres, Reino Unido.

“Há cada vez mais colaboração entre cafés e artistas locais, e cada vez mais cafés estão a tornar-se em plataformas para novos artistas mostrarem o seu trabalho”, apontam os responsáveis do Café Terra.

6 Jan 2017

Paulo Senna Fernandes é 19º em ranking mundial

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] estilista local Paulo de Senna Fernandes foi distinguido como o 19.º designer do mundo no ano de 2016/2017 pelo World’s Leading Designer, na categoria de moda, vestuário e concepção de vestuário. Ao HM, o designer macaense garantiu ter recebido “a melhor prenda”.

“Recebi uma prenda de Itália, o 19.º lugar no ranking mundial de designers, após exibições importantes na Holanda, Índia, Itália e China, na cidade de Shenzen. É uma honra para mim, mas este não será o meu último prémio porque sempre gostei de competir, uma vez que ainda procuro o meu reconhecimento ao nível internacional”, contou.

Paulo de Senna Fernandes garante que só se candidata por querer levar o nome de Macau além-fronteiras. “Quando me inscrevo numa competição procuro trazer prémios porque sempre quis levar e mostrar lá fora o que é ‘Made in Macau’.”

O premiado designer, que já foi reconhecido com outros galardões ao longo da carreira, deixa ainda um recado. “Sou mais respeitado lá fora, tanto na China como no resto do mundo. Deram-me prémios e um nome. O meu mercado é o Continente, porque na China há oportunidades de negócio, bem como clientes, comunicação e espaço. O mais importante é que há um grande mercado de tecidos e acessórios, é muito fácil fazer encomendas.”

Para o sector de moda local, Paulo de Senna Fernandes deixa ainda umas ideias. “Macau tem poucos alfaiates porque a maioria da mão-de-obra vem da China. Mantenho os alfaiates locais nas minhas produções porque quero mostrar aos meus clientes que faço um trabalho diferente. Se Macau tivesse um espaço só para estilistas locais, no centro da cidade, seria muito interessante para desenvolver e promover o sector”, concluiu.

6 Jan 2017

Fotografia | International Photo Awards & Convention em Macau

 

A quinta edição da iniciativa International Photo Awards & Convention, organizada pela Associação de Fotógrafos Profissionais da Ásia, tem lugar em Macau e parece ter chegado para ficar. A organização pretende fazer do território o anfitrião permanente do evento, para transformar Macau num centro de encontro da fotografia internacional

 

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau pode vir a ser palco regular do International Photo Awards & Convention da Associação de Fotógrafos Profissionais da Ásia (PPCA, na sigla inglesa), a partir deste ano. A iniciativa, que assinalará a 5.ª edição na próxima semana, chegou ao território depois de ter passado por Cantão, Hong Kong e Xangai.

“A intenção é fazer, em Macau, o que já se faz em Las Vegas num encontro anual organizado pela Associação de Fotógrafos Profissionais Americana, dedicada a fotografia de casamento”, disse ao HM Allison Chan, directora da PPCA. No entanto, a ideia para a associação asiática é a de que, por cá, “seja dedicada à fotografia em geral e não limitada a um tema”, disse ainda.

Macau parece ser, para a organização, um local de excelência para transformar o evento num acontecimento estável porque “tem muita coisa em comum com Las Vegas”. Uma das razões apontadas é a existência de espaços que permitem expor as fotografias finalistas.

Na edição que decorre a 10 e 11 deste mês, a sala de exposições do Conrad Hotel vai acolher as 500 fotografias que foram escolhidas por decisão do júri. “Em Hong Kong, por exemplo, seria impossível encontrar um espaço assim.” No total, a PPCA recebeu cerca de 10 mil imagens de cerca de três mil profissionais de todo o mundo.

A ideia é “partilhar as últimas tendências da fotografia mundial e inspirar uma maior criatividade, ao mesmo tempo que é esperada a promoção de um intercâmbio com os criadores locais e um incentivo à indústria em Macau”, referiu.

Por outro lado, a Associação de Indústrias Culturais e Criativas, que colabora na organização do evento, considera que esta é uma forma de enquadrar as políticas de diversificação turística e incluir a fotografia numa indústria local a desenvolver. Gary Tang, presidente da associação, considera ainda que “o evento será a plataforma perfeita para motivar os talentos locais, ao mesmo tempo que promove a imagem do próprio território no estrangeiro”.

Espaço para os de cá

Outra novidade é o concurso local que integra a convenção. Dedicado aos fotógrafos do território, os interessados, profissionais ou amadores, podem submeter as suas imagens numa competição especial.

O evento conta ainda com a realização de masterclasses (dia 11), com a orientação de alguns dos melhores fotógrafos internacionais. Fazem parte da lista de oradores Liang Chen, de Taiwan, que ministra a palestra dedicada ao tema “a alma na fotografia”, o americano David Beckstead, que vai falar acerca dos elementos fotográficos, e Dave Koh, de Singapura, que traz o tema da criatividade para discussão.

O primeiro dia, 10 de Janeiro, é dedicado à realização de vários fóruns dos quais a organização destaca: “Latest Photography Trends”, com Allison Chan (Hong Kong), Victor Tong (Malásia), Zhang Huabin (China), Jack Chan (Hong Kong) e Liang Chen (Taiwan); e “Criatividade e Impacto”, com Victor Tong (Malásia), Jason Groupp (EUA), Erich Caparas (EUA), Anthony Mendoza Barlan (Filipinas) e Prito Reza (Bangladesh).

A competição geral é dividida em oito categorias que incluem o retrato, retrato criativo, crianças, paisagens, casamento, pré-casamento, retrato e paisagem captados por telefone. O painel do júri seleccionará os 32 vencedores através de um processo ao vivo e a apresentação do prémio será realizada no dia 10 de Janeiro. O destaque da competição será o anúncio dos dez melhores fotógrafos internacionais durante a apresentação dos premiados na noite de terça-feira.

6 Jan 2017

Hugo Teixeira, fotógrafo | O bambu e os mestres

No próximo dia 13 é inaugurada a exposição “Transcience: Daredevils and Towering Webs”, um conjunto de fotografias que retratam andaimes de bambu e os mestres que os montam, pela lente de Hugo Teixeira, na sua primeira exposição em Macau. O HM foi falar com o homem atrás da câmara

O que podemos esperar desta exposição?
Podem ver cianotipia e ambrotipia, são os dois processos de fotografia que prefiro usar. Na cianotipia tiro fotografias num tom azul sob papel de aguarela, que é um processo antigo, enquanto a ambrotipia é fotografia a preto e branco sobre vidro. São ambos processos do século XIX. As cianotipias são imagens de diversos edifícios em Macau cobertos por andaimes em bambu, um projecto que comecei há algum tempo só por interesse pessoal. Depois, a ambrotipia são retratos dos mestres que montam esses andaimes em bambu. A ideia foi unir os dois processos num mesmo tema mas, ao mesmo tempo, ter duas vertentes diferentes para se poder perceber o valor e as diferenças entre ambos.

De onde veio a ideia de fotografar andaimes?
Quando cheguei a Macau adorava andar pela cidade, perdia-me durante horas. Vivo aqui há seis anos. Quando cheguei houve diversos temas que me interessaram, que me chamaram a atenção e que comecei a fotografar, só por brincadeira. Depois, mais tarde, explorei com tempo e cuidado. Os andaimes foi um tema que permaneceu até hoje, e que acabou por interessar o João Ó, que me convidou para fazer uma exposição. Ele também trabalha em bambu, fez várias instalações e estruturas com esse material. Foi um tema em que pude ligar os dois processos fotográficos, no fundo, a fotografia que eu gosto de fazer.

Como começa o seu interesse pela fotografia?
Comecei por roubar a máquina da minha mãe, tirar umas fotografias e depois levar nas orelhas por cortar cabeças, pernas, etc. Mais tarde, fui atraído pela tecnologia. Tinha um amigo que comprou uma daquelas primeiras máquinas automáticas, DSLR. Gostava de ver como aquilo funcionava. Foi um interesse partilhado com outros amigos, isto com 17, 18, 19 anos, e começámos a fotografar como hobby. Nesse tempo, claro, ainda analógico, o digital ainda estava a começar, mas foi aí o princípio.

O gosto aprofundou-se…
Depois de acabar o curso universitário fui para Portugal e interessei-me mais pelo lado de fotojornalismo e da fotografia documental. Nos Estados Unidos tinha começado o curso de Belas-Artes, mas depois vi que não teria emprego, e virei-me mais para a linguística. Fui criado com duas línguas e tinha o interesse por línguas e comunicação. Quando fui para Portugal, fiz o curso de fotojornalismo e fotografia documental na ETIC e depois vim para a China. Comecei a explorar temas de uma forma mais documental, mas ficou-me o interesse por estes processos antigos que aprendi nas Belas-Artes. Tinha um professor que até o papel produzia, fazia as fotografias de raiz. Naquela altura fiquei curioso, mas acabei por não explorar logo as técnicas. Aí fazia mais fotografia a preto e branco, papel, mais tradicional. Mas aquilo ficou.

Alguma ideia porquê?
Estas técnicas antigas já tinham sido a última tecnologia de há muito tempo. Gosto da ideia de pegar numa tecnologia ultrapassada e explorá-la como alternativa.

Curiosa forma de viver a fotografia na era do Instagram.
O Instagram, as selfies, toda essa cultura não me parece que tenha vindo substituir nada do que era feito antes, mas é uma nova vertente. Pessoalmente não me interessa, não gosto muito de partilhar nas redes sociais, mas aprecio como outro meio, outra opção.

Quais são as suas principais influências?
Toda a escola de Dusseldorf, adoro tipografias, repetir o mesmo tema para explorar uma estrutura. Ultimamente, Mark Klett e Trudy Smith. Eles começam do arquivo fotográfico e tentam colocar essas imagens no contexto contemporâneo. O Mark, por exemplo, fez um grande trabalho com fotografias de arquivo de São Francisco em 1906, depois do grande terramoto que destruiu a cidade. Depois fotografou os mesmos locais em 2006, um século depois. Trudy fotografa temas mais sociológicos. Gosto muito do trabalho que fez sobre a forma como se criou a identidade canadiana. Partiu daquelas primeiras imagens dos territórios não povoados, novos territórios recém-colonizados do Canadá.

As suas influências são só fotógrafos?
Não, também cineastas, como por exemplo Wes Anderson. Gosto daqueles enquadramentos direitinhos, tudo muito simétrico, de frente, ou de cima. Os andaimes em bambu são estruturas grandes, muito simétricas. É uma forma diferente de olharmos para os edifícios, são coisas muito temporárias, mas permitem-me focar-me apenas na forma, em vez de ser o edifício tal, ou a igreja tal. Fica simplesmente a forma, depois resta-me procurar um ângulo que permita captar aquele retrato do edifício. Acho um desafio interessante.

Como é o seu processo criativo?
Por exemplo, quando vou a caminho do trabalho, dou uma volta a pé, vejo uma coisa e capto com o telefone. Ah, porque eu sou professor de Inglês, trabalho no Instituto de Formação Turística, já estive no Politécnico, no Externato de São José. A fotografia sempre foi um hobby. Mas gosto de andar e procurar coisas para fotografar, excepto no Verão, em que não dá para andar por aí com a máquina. Depois volto, com mais tempo, porque estou a fotografar com máquinas de grande formato. Normalmente, cativam-me estruturas, enquadramentos, não sei por que me chamam a atenção, mas há algo diferente a que quero voltar, que quero ver com mais cuidado. Primeiro ando à procura dos ângulos certos, como são edifícios enormes, para variar o ângulo, por vezes tenho de me deslocar um quilómetro. Depois volto com a máquina, com o filme, com tripé, e capto quatro ou cinco fotogramas. O passo seguinte é ir para casa revelar, tentar não deixar cair os negativos no meio do chão, tentar não abrir a máquina com as luzes ainda acesas. Metades das vezes tenho de voltar e fotografar outra vez (risos). Depois da revelação vem a digitalização. Grande parte das imagens que vou mostrar já tirei há um ano ou dois. Vivo algum tempo com as imagens, depois faço ampliações digitais sobre acetato, assim como algumas pequenas provas para ver se realmente resulta. Só posteriormente é que faço o formato maior.

E o retrato dos mestres de bambu?
A ambrotopia teve um processo completamente diferente. Convidámos os mestres lá para minha casa, para o terraço. Foi um processo mais simples, fiz uma ou duas imagens, eles perderam a paciência e foram-se embora. Fica aquilo, porque uma imagem é final, é o positivo sobre vidro. Digitalizei mais tarde porque aquilo ainda leva verniz. É um processo mais rápido. Na cianotipia faço grande, depois repito três, quatro vezes até acertar o contraste.

Como surgiu esta oportunidade de retratar os mestres?
Os retratos foram com a ajuda do João Ó, que é o curador da exposição. Ele trabalha já há algum tempo com os mestres do bambu, inclusive convidou alguns para ir a Portugal montar bambu no Museu de História Natural e Ciência de Lisboa. Aproveitei esses elos que ele estabeleceu para fazer a parte dos retratos. Nós partimos da ideia de querer mostrar os processos, não queria apenas mostrar fotografias aleatoriamente. Peguei nos edifícios que já tinha fotografado há algum tempo e tentei com a ambrotipia. Acho que retrata as pessoas de uma forma muito interessante, muito diferente. Como o João já tem estas relações estabelecidas, aproveitámos para convidar os mestres para irem lá a casa. O processo demorava muito tempo, e nalguns casos os senhores já tinham alguma idade, eram reformados, mas porque um amigo de um amigo convidou, eles apareceram. Fazia uma imagem, revelava, e eles perguntavam: ‘Está tudo bem, posso ir embora?’, ‘Pode ir embora, muito obrigado senhor Ho’. Outros que conheciam melhor o João ficavam. Bebiam umas cervejinhas, fumavam um cigarrinho e conversávamos um pouco. Mas foi o João que permitiu fazer a ligação. Porque eu, embora esteja cá há seis anos, não falo chinês para poder estabelecer aqueles elos.


As teias e os mestres

O nome da exposição é “Transience: Daredevils and Towering Webs”, e estará patente na Taipa Village Art Space, entre 13 de Janeiro e 31 de Março. Usando técnicas que remontam ao séc. XIX, o luso-americano Hugo Teixeira foca uma das características de Macau: os andaimes de bambu que enchem a cidade, assim como os mestres que os construíram. As estruturas assemelham-se a gigantescas teias, e são o suporte das aranhas que ousam desafiar a gravidade para construir os prédios de Macau. Também os mestres que montam estas estruturas foram alvo da lente de Hugo Teixeira, em retratos com uma força que só uma técnica cuidada consegue captar.

5 Jan 2017

Vincent Cheong, responsável da Live Music Association | Acabar para voltar de novo

O espaço da Live Music Association, que dá palco à música alternativa, vai fechar portas sexta-feira com a promessa de retorno. O momento é de pausa para repensar o trabalho que foi feito e reorganizar o futuro. “Reconstruction closing party” é o nome da festa de despedida. O responsável pelo local, Vincent Cheong, faz um balanço ao HM e fala dos projectos que tem para o LMA

[dropcap]O[/dropcap] que é que vai acontecer na sexta-feira?
O nome que demos ao evento de sexta-feira foi ‘festa de reconstrução’. A ideia apareceu porque o LMA está num momento em que vai fechar temporariamente. Queremos usar este tempo de pausa para podermos reconstruir tudo aqui, porque queremos fazer mais e melhor. Actualmente isso é difícil de conseguir: temos problemas de recursos humanos, o material também precisa de ser actualizado e a promoção necessita de ser repensada.

Qual foi a ideia inicial deste espaço e que desafios foram encontrados para que fosse necessário parar?
A ideia começou por eu próprio ter uma banda e sentir a necessidade de um local onde fosse possível dar concertos. Em Macau, na altura, não havia espaço para os músicos tocarem. Precisávamos de organizar um concerto e para isso tínhamos de pedir ao Governo e, na melhor das hipóteses, conseguíamos um espectáculo esporádico. Naquela altura sentíamos que não tínhamos oportunidades de tocar pelo que, na maioria das vezes, tocávamos na China Continental.

No Continente a música ao vivo é muito mais promovida?
Sim. A existência de espaços com música ao vivo é muito popular e qualquer espaço aqui à volta como Cantão, Zhuhai ou Shenzhen têm uma série de locais para esse fim. Para nós, a questão era porque é que em Macau não existiam esse tipo de salas. Foi daí que partiu a ideia do LMA: criar um espaço focado unicamente na música ao vivo. Antes do LMA já tinha um estúdio de ensaios e, sempre que ensaiávamos, apareciam amigos para nos verem. Acabávamos por ter boas conversas e beber uns copos enquanto tocávamos. Foi então que pensei que, se conseguisse ter um espaço maior para acolher mais pessoas, poderia resultar. Encontrar um sítio onde isso fosse possível podia ser complicado; no entanto, acho que estávamos no momento certo. Na altura as rendas aumentaram muito, estávamos em 2006. A renda do estúdio aumentou cerca de dez vezes e aproveitei para pensar num novo destino em que pudesse ter a valência da música ao vivo. Foi assim que apareceu o primeiro espaço do LMA. Os edifícios industriais não eram procurados. Eram prédios mais antigos e a inflação do sector imobiliário só atingia os apartamentos destinados à habitação. Por isso, conseguimos um excelente contrato. Era um espaço muito grande e perfeito para o que queria fazer.

Como foram os primeiros tempos de LMA quando nasceu, em 2007?
Dada a necessidade, o início do LMA foi muito bom. Lembro-me do primeiro concerto que tivemos: era uma banda de Berlim. A promoção foi apenas através de pósteres espalhados pela cidade e tivemos cerca de 100 pessoas a assistir. Esta audiência veio confirmar a ideia que tinha de que Macau realmente precisava de um espaço assim. Acabámos por organizar algumas festas com DJs, concertos de rock e música mais alternativa. Ficámos ali cerca de seis anos e depois fomos obrigados a mudar.

O que é que aconteceu?
O de sempre. O valor da renda subiu cerca de 20 vezes e o edifício foi vendido. Neste momento é um templo budista. Uma das maiores dificuldades que tivemos foi encontrar uma nova localização, num edifício industrial e que não ficasse fora de mão. Conseguimos aqui na Coronel Mesquita: um espaço central e onde toda a gente chega com facilidade.

Mas esta relocalização não foi totalmente positiva.
Não sei o que aconteceu nestes últimos anos, mas parece-me que o público começou a perder o interesse ou a paixão por este tipo de iniciativas. Parece que as pessoas têm outro tipo de interesses. Cada vez temos menos público a vir aqui. Penso que uma das áreas em que estamos a falhar será a da promoção. Precisamos de repensar muito este aspecto. Usamos muito o Facebook, por exemplo, e já não está a resultar. Precisamos de uma nova maneira de promover a música ao vivo.

Já existe alguma estratégia nesse sentido?
Estratégia definida ainda não, mas já existem algumas ideias. Queremos chegar à população mais jovem que está a estudar. Junto da universidade, por exemplo. Já temos muitos alunos vindos da China Continental e esse é também um mercado a ter em conta. Os estudantes precisam de encontrar actividades de lazer que considerem atractivas. Precisamos de criar uma equipa de promoção. A ideia é ter uma rede em que um grupo de pessoas fique responsável pela promoção. Macau tem várias camadas sociais com diferentes origens e interesses. Precisamos de ter uma pessoa na equipa que contacte com cada uma dessas camadas, de modo a abranger a generalidade da população. Não sei como vai resultar, mas sei que esta é uma forma. Não temos dinheiro para pagar publicidade, porque é tudo muito caro, por isso a forma que temos é fazer chegar a informação e a promoção através de uma rede de pessoas. Vamos também remodelar o espaço. Continuamos aqui mas queremos, de alguma forma, recriar este lugar. Fundamental é ainda a renovação do equipamento. O equipamento que usamos é o mesmo desde há quase dez anos. É necessário que seja renovado ou arranjado. Outra falha que sentimos e que necessita de ser colmatada é a existência de um engenheiro de som. Felizmente temos sempre um, mas é um mercado que também falta em Macau: os que há estão sempre muito ocupados e nós vamos usando os dos casinos quando estão de folga. Para um concerto ser bom tem de ter bons profissionais. Queremos investir em alguém que consiga trabalhar com diferentes tipos de música e adaptar-se sempre ao que cá vier, com garantia de qualidade.

Como é que a associação tem sobrevivido financeiramente?
Temos tarefas em que pagamos às pessoas que cá trabalham, mas a maioria das funções, como o pessoal que trabalha no bar de apoio, é trabalho de voluntariado. As pessoas que aqui trabalham acreditam no projecto e, por isso, ajudam ao mesmo tempo que acabam por se divertir e contribuir para um objectivo comum.

A equipa tem-se mantido ao longo dos anos? 
Não. Por não ser uma função estável, mudámos muitas vezes. Tenho perdido muita gente e também ganho outras pessoas que vão aparecendo. As pessoas arranjam novos empregos, a disponibilidade também muda e acabam por ir embora. Encontro novas pessoas que se interessam e o ciclo recomeça. Faço muita coisa sozinho, mas não consigo fazer tudo. A minha principal função é ter contactos para trazer cá os músicos. Gostava de conseguir apenas focar-me em trazer os músicos e no design de comunicação.

Quando é que podemos contar com um regresso?
Não temos uma data concreta. Precisamos de redefinir tudo. Sabemos que vamos voltar, mas não sabemos quando.

Em quase dez anos, quais são os melhores e piores momentos do LMA?
Os piores foram, sem dúvida, as mudanças que tivemos de fazer. Encontrar um espaço e mudar outra vez foi um pesadelo. Mas os melhores momentos são aqueles em que estamos a pensar em novos concertos. Recordo, por exemplo, o concerto com que assinalámos o nosso segundo aniversário. Tínhamos uma banda japonesa e a casa cheia.

Como é que o LMA tem conseguido trazer tantas bandas oriundas um pouco do mundo inteiro?
Não temos cachets para tratar da produção de todos os nomes que cá vêm. No entanto, há cada vez mais artistas que passam perto de Macau porque estão em digressão na China Continental. São cada vez mais e vindos de todo o lado. Há muitos festivais que trazem artistas à Ásia e que acabam por fazer digressão pelo país. Uma vez em digressão, propomos o LMA como ponto de passagem. Com estes quase dez anos de vida fomos sendo também cada vez mais conhecidos, e já temos as bandas e as produtoras a proporem a passagem dos músicos por aqui, porque sabem que em Macau existe o LMA. Com facto de se trazer bandas de fora, os músicos locais acabam por se juntar em pequenas sessões de improvisação. É óptimo para todos: não só dá a conhecer aos que vêm de fora o que se faz por cá, como expande os horizontes locais. É bom para todos. Muitas vezes, depois dos concertos, público e músicos ficam a conversar. Trocam impressões acerca do que foi tocado, de técnicas e preferências, e todos ganham com isso.

Que bandas gostaria de trazer ao LMA no futuro?
Não sei ainda mas sei, de certeza, que na reabertura teremos uma banda de referência e uma grande festa. Precisamos mesmo de fechar antes que isso aconteça. Queremos ser os melhores para acolher todo o tipo de músicos e chegar ao maior número de pessoas que conseguirmos.

 

3 Jan 2017

Extramuros | Projecto online de Luís Ortet visa criar pontes com cultura chinesa

Há muito que Luís Ortet, jornalista e editor, conversa com chineses para perceber onde vive. Os apontamentos deram lugar a um blogue que, por sua vez, dará lugar a um projecto com colaboradores que irão transmitir os seus pontos de vista. É assim o “Extramuros”, já disponível online

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ara escrever sobre a China uma vida não bastará. Para perceber a cultura chinesa são então necessários pedaços de tempo, papel, caneta e muitas conversas, para que se possa compreender um mundo tão diferente do ocidental. Foi o que pensou Luís Ortet.

O jornalista e editor, há décadas radicado em Macau, mantém o hábito de conversar com chineses para treinar o seu mandarim. Foi daí que nasceu a ideia de criar o “Extramuros – A China além da China” (www.extramuros.me), que começou por ser um blogue de apontamentos dessas conversas, mas que já se transformou num website, administrado pela jornalista Catarina Domingues, e que conta com colaborações do artista Rui Rasquinho e da docente da Universidade de Macau Márcia Schmaltz. Há ainda colaboradores de origem chinesa.

“O objectivo dessas conversas que mantenho é treinar a língua, mas o tema das conversas é a cultura chinesa. Coisas que acontecem em Macau e na China, no mundo, e vamos falando sobre isso. Comecei então a reunir uma série de apontamentos sobre essas conversas. Senti que seria de alguma utilidade tornar isso público, e daí nasceu a ideia de ter um blogue”, explicou ao HM Luís Ortet.

Para além dos desenhos de Rui Rasquinho sobre alguns caracteres chineses, há a ideia de escrever sobre livros. “Outra faceta é tentar ter chineses a colaborar, e já temos chineses a escrever. Vamos ter publicações sobre livros. Estamos a acompanhar o projecto da Associação dos Amigos do Livro [presidida por Rogério Beltrão Coelho].” João Guedes, jornalista da TDM, será um dos colaboradores, confirmou Luís Ortet.

“Aquela ideia inicial de apenas ter um suporte para publicar os meus apontamentos deu origem a uma coisa que me ultrapassa. Neste momento sou apenas um dos contribuidores. A ideia é: as conversas que tenho com amigos chineses desde há anos é no sentido de lhes tentar explicar as nossas ideias ocidentais, e eles tentarem explicar-me como é que eles pensam. Isso não é fácil porque eles são muito reservados e têm medo de ferir as pessoas, são muito cuidadosos”, disse o jornalista.

Para Luís Ortet, o seu mais recente projecto é como se fosse “uma pessoa a espreitar para o outro lado do muro, isto é, para outra realidade”.

Perceber o que somos

O projecto, unicamente escrito em português, poderia ganhar outra dimensão ao ser escrito em chinês, defendeu Luís Ortet. “A minha esperança é que um dia haja uma espécie de Extramuros em chinês, para os chineses. Chineses que venham falar connosco, portugueses, que nos peçam para escrever no blogue deles.”

No contexto da relação com a comunidade chinesa, Luís Ortet considera que os portugueses devem hoje, 17 anos após a transferência de soberania, olhar melhor para o seu papel em Macau.

“Temos de pensar bem o que é ser português em Macau nesta altura. Há 17 anos a ideia era que íamos embora, mais tarde ou mais cedo. Em Macau, tecnicamente, somos emigrantes. Somos de Portugal e viemos para aqui num dado momento, mas o que se está a passar é que a presença portuguesa em Macau faz parte da República Popular da China, faz parte da realidade política de Macau”, observa. “Qualquer pessoa que vá para o Reino Unido aprende a língua e insere-se nos costumes ingleses. Nós aqui falamos português, não falamos chinês, mas vivemos na China. Isto faz parte de uma forma que encontrámos para viver. Sabemos, em termos políticos, o que se passa em Macau, porque está escrito na Lei Básica que o português é língua oficial, mas os jornais foram além disso: todas incluem jornalistas chineses”, apontou.

Para Luís Ortet, em 1999, “estávamos a viver a prazo e não sabíamos qual ia ser o futuro”. “Mas já conhecemos 17 anos de futuro, pós-transição, e conseguimos criar uma maneira de estar em Macau em que preservamos a nossa identidade e lutamos por ela. Somos os portugueses da China, mas não nos integrámos no sentido de aprender a língua. Criou-se uma dinâmica própria e que já faz parte de Macau”, rematou o mentor do “Extramuros”.

30 Dez 2016

Entrevista | António Paula Saraiva, autor de “Árvores e Arbustos de Macau”

“Árvores e Arbustos de Macau” é um livro que resulta de quatro anos de trabalho e descreve as mais de 200 espécies da flora local. Da autoria de António Paula Saraiva, a obra é a ilustração da natureza do território e serve de alerta para a necessidade de a conhecer. Está disponível em Janeiro

[dropcap]P[/dropcap]orque é que sentiu necessidade de explorar as espécies de Macau?
Considero que uma das falhas da nossa educação é o pouco caso que se faz da educação biológica. Tenho feito perguntas a várias pessoas acerca de aspectos que, para mim, são muito simples, e as respostas que tenho tido mostram um profundo desconhecimento dos factos mais simples da biologia ou mesmo do ambiente em geral. Tenho um amigo, por exemplo, uma pessoa informada, que ficou muito espantado quando lhe falei do nome das nuvens. Nem lhe passava pela cabeça que as nuvens pudessem ter nome. A maior parte das pessoas desconhece o nome das rochas e anda à procura de Pokémon, que são coisas que nem existem.

Considera que há um desconhecimento da realidade natural à nossa volta?
Sim. Hoje em dia as pessoas passam largos anos na escola e, no entanto, não sabem o nome das árvores que as rodeiam. Mas, por exemplo, sabem as marcas de automóveis. Se não existissem carros, o homem poderia viver, mas sem árvores, não. Há 200 ou 300 anos, havia um interesse e um conhecimento da botânica que não existe hoje. Penso que houve uma regressão. Não só estávamos numa fase de exploração activa do mundo, como havia o espanto da descoberta. A curiosidade acaba por se estender às plantas. Outro aspecto importante é que, antigamente, os remédios eram encontrados nas plantas e por isso muitos botânicos eram médicos. Dizia-se por brincadeira que as senhoras de um certo estrato social tinham de tocar piano e falar francês, mas houve épocas também em que o conhecimento da botânica era um apanágio do homem culto. É algo que hoje em dia desapareceu.

O facto de actualmente existir uma maior consciência ecológica em nada contribui para um maior conhecimento da botânica?
Isto é discutível, mas há muitas coisas que são fingidas e não correspondem à realidade. Toda a gente gosta de falar em ecologia, mas depois isso não se traduz em verdadeiras preocupações. Por exemplo, fala-se que é preciso gastar menos energia, mas as pessoas cada vez têm mais aparelhos de ar condicionado. É uma preocupação um pouco postiça.

Neste estudo da flora local, que particularidades encontrou?
Há um aspecto muito característico de Macau e ainda pouco estudado: a existência das raízes aéreas. Vemos as plantas crescerem contra a lógica porque há situações em que não há terra, nem água e as plantas continuam lá. Isso significa que se estão a alimentar através dessas raízes e sem suporte, mas ainda não se sabe como.

Em Macau há uma maior quantidade desse tipo de plantas?
Talvez, porque este tipo de plantas aparece mais em lugares com muita humidade.

Como é que decorreu toda esta investigação?
Não se pode dizer que seja uma exploração exaustiva, mas tentei que fosse completa. Há dois aspectos que contribuem para que não seja uma investigação exaustiva. Um deles é que estamos na era da globalização e, como tal, aparecem cada vez com mais frequência espécies de outras regiões. Por outro lado, e em relação às plantas espontâneas, há umas que apresentam características mais especiais e por isso saltam à vista, e outras que se confundem. Logo, é possível que aquelas que não apresentam aspectos muito característicos ou distintivos acabem por passar despercebidas e não constem no meu trabalho.

Mencionou a globalização e o acréscimo de espécies com esse fenómeno. Macau é um lugar de misturas. Podemos aplicar a miscigenação à flora local?
Posso responder de duas formas a esta questão. As pessoas quando vão para outros locais adaptam-se sempre, mas tentam também ter algo do seu mundo de origem. Um aspecto muito característico deste fenómeno verificou-se na Nova Zelândia em que os ingleses que foram para lá tentaram recriar a fauna do seu país. Em Macau verifica-se, por exemplo, que houve pessoas que trouxeram videiras. As videiras são características de climas mediterrânicos, mas infelizmente aqui já desapareceram quase todas com o avanço da urbanização. Mas ainda se encontram figueiras que, também sendo do mesmo tipo de clima, permanecem. As misturas culturais não se aplicam à botânica. Existe mesmo a noção de espécie invasora, ou seja, uma espécie que provém de uma outra localização geográfica, mas que se instala de tal forma que começa a acabar com a flora espontânea. Para dar um exemplo conhecido, em Portugal tem havido várias campanhas para acabar com as acácias que são da Austrália ou mesmo com o chorão das praias.

Podemos dizer que este trabalho é o primeiro do género a ser publicado, visto ser uma compilação e estar em três línguas, português, inglês e chinês?
Existe em Macau uma publicação acerca da flora local, mas só está publicada em chinês. É muito completa mas tem a limitação da língua. Nesse sentido, este livro tenta ser mais abrangente a chegar a pessoas que possam falar português ou inglês também. É um livro que tenta entrar por outros caminhos que ainda não foram explorados, nomeadamente o aspecto da reprodução das plantas que, para mim, tem uma importância fundamental: estamos numa época em que tudo é comprado, há viveiros onde se podem comprar as plantas, mas pode ser interessante as pessoas cultivarem as suas próprias espécies e, para isso, é necessário terem alguns conhecimentos. Os livros de botânica que existiam falavam apenas das plantas e não na sua cultura. Outro aspecto que também tentei abordar foi a história da introdução das plantas em Macau. Não havia praticamente fontes sobre a introdução de espécies no território. Encontrei apenas duas listas, uma de 1886 e outra de 1933 mas, entretanto, devido ao fenómeno da globalização e até do enriquecimento de Macau, foi possível trazer mais plantas para cá. Um número razoavelmente grande de espécies já entrou no território perante os meus olhos. É um dos capítulos mais insuficientes do livro e que gostaria de explorar mais, mas acabei por achar que era melhor pôr alguma coisa, e dar início a essa abordagem, do que não pôr nada. Quando introduzia espécies não tinha, por vezes, o cuidado de fazer uma descrição dessa introdução. Isso depois teve de ser feito a partir da memória.

Com factores como o desenvolvimento do território e a poluição, a flora está em risco?
Os chineses gostam mais de fazer as cidades em locais planos ao contrário dos europeus que preferem cidades em colinas. Aqui deitam por vezes montanhas abaixo para planar o terreno e é aí que fazem as suas cidades. No caso de Macau, toda aquela zona do Cotai é uma zona plana e isso leva a que as plantas localizadas nas montanhas estejam mais protegidas, enquanto aquelas que se situam nos locais mais baixos estão mais em risco ou já foram mais ou menos eliminadas. Não totalmente porque, sendo plantas de sítios húmidos, têm mais resistências do que as de sítios secos. Com certeza que a poluição causa danos; no entanto, como é que isso se traduz na evolução da população ou no desaparecimento de certas espécies, já é mais difícil de afirmar.

Quais as maiores dificuldades que teve na concepção deste livro?
Há espécies que não são de fácil identificação e, por isso, pedi ajuda a colegas para o fazer de uma forma mais precisa.

Este é um livro acompanhado de ilustrações. Porque é que decidiu recorrer a este tipo de representação?
O livro tem ilustrações técnicas na parte geral e depois tem a descrição das espécies acompanhadas por fotografias. A opção pelas 44 ilustrações que foram feitas pela Catarina França e pela Mafalda Paiva foi um retomar da tradição dos antigos botânicos que faziam, numa altura em que não havia fotografias, ilustrações e muitas delas muito bonitas. Quando se tira uma fotografia, a planta, que é constituída por uma série de planos, vai aparecer com aspectos focados e outros mais desfocados. Por outro lado, os desenhos têm ruído, ou seja, têm muitos aspectos secundários que dispersam a atenção. Nestas ilustrações todos os órgãos da planta aparecem ‘focados’ para que a sua leitura seja fácil. Há um ajeitar da natureza de forma a torná-la mais compreensiva. Mas foi sobretudo uma homenagem aos antigos botânicos.

EXPOSIÇÃO

https://www.facebook.com/events/1078674292241318/

Entre os dias 29 de Dezembro e 13 de Janeiro, os desenhos da flora de Macau que ilustram a obra de António Paula Saraiva serão objecto de uma exposição no auditório do Instituto Internacional de Macau. Para acompanhar o evento basta seguir a ligação em cima.


29 Dez 2016

AFA | Liberdade artística marca exposição de aniversário

A Art for All Society assinala mais um aniversário com uma exposição sem tema. Uma ideia que, segundo o curador José Drummond, deu oportunidade aos artistas de revelarem melhor a sua individualidade criativa, sem constrangimentos

 

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma exposição livre e capaz de mostrar a identidade de cada autor que a compõe. Esta é a ideia da mostra que assinala o nono aniversário da Art For All Society (AFA), que decorre até sexta-feira no Art Garden, na Avenida Rodrigo Rodrigues.

O evento, que conta com a curadoria de José Drummond, teve na génese “propor aos artistas que encontrassem uma solução própria para contribuir para o aniversário da AFA”. “Esta opção faria mais justiça ao trabalho de cada um até porque, muitas vezes, estar a limitar os artistas a um determinado tema pode ser constrangedor”, disse José Drummond ao HM. O objectivo foi mostrar, de forma representativa, o trabalho de cada um dos membros da associação.

O resultado foi um conjunto de obras que acabam por fazer sobressair trabalhos marcados pela liberdade de criação. “Em virtude dessa liberdade, a exposição é uma montra interessante do que se faz em Macau, especialmente pela diversidade que a própria arte local tem”, referiu o curador.

Uma das características que pontua as artes plásticas locais e que, de algum modo, a caracteriza é precisamente a diferença que se pode ver em cada uma das criações porque “em Macau é difícil encontrar dois artistas que sejam semelhantes ou que estejam na mesma linha”. Drummond atreve-se mesmo a dizer que é uma arte “em que não há modas ou estilos e há realmente um trabalho individual em que cada um explora a sua expressão, sendo que, se podem existir elos de ligação entre um ou outro artista, existe, ainda assim, uma voz única em cada um”.

Para o curador, este aspecto poderia até ser encarado de uma forma negativa mas, no caso de Macau, até acaba por ser benéfico. “Este hipotético desapego a modas, tendências ou estilos acontece essencialmente por existir uma outra coisa que poderia ser negativa: o não ter um verdadeiro mercado de arte, uma história de arte ou uma série de estruturas”, apontou.

Por outro lado, é um aspecto que foge à influência do crescimento recente das indústrias culturais, na medida em que é um fenómeno que “causa algum constrangimento aos artistas”. Para o artista plástico, estas indústrias podem obrigar os criadores a produzirem trabalhos “mais comerciais”.

Um caminho difícil

Os nove anos que estão a ser comemorados pela AFA não tiveram um trajecto facilitado. “Ao longo deste tempo foram muitas as dificuldades e começaram logo por ter tido de mudar, pelo menos quatro vezes, de localização, o que acaba por ser muito negativo”, explicou José Drummond.

As dificuldades que a associação foi encontrando limitaram o trabalho e as possibilidades de afirmação. “A inquietude a prazo e em prazos de dois anos, em que cada vez que se muda de espaço volta a fazer-se obras, por exemplo, impossibilita o planeamento a médio prazo”, disse.

Para o curador, o grande destaque do trabalho desenvolvido está precisamente no que a AFA tem feito pelos próprios artistas. Ao olhar para o início, José Drummond recorda que a realidade artística da altura era muito diferente. “Além dos espaços institucionais – e mesmo estes eram em muito menor número do que hoje –, existiam mais uns três espaços onde os artistas se podiam mostrar e nenhum deles tinha a perspectiva de um espaço expositivo que pudesse colmatar a lacuna da galeria comercial”, explicou ao HM.

Com a AFA, os artistas tiveram um espaço que, além de aberto à experimentação, também podia ser usado para a venda de trabalhos. “A questão da venda, na altura, foi importantíssima para que alguns deles pudessem começar a ter estúdios e a ser mais reconhecidos, especialmente na sociedade local”, explicou o curador. Nove anos depois, há artistas que, através do trajecto ao qual a AFA deu início, passaram a ser reconhecidos, alguns mesmo internacionalmente.

Mas o caminho ainda não acabou e Macau precisa de mais e melhor no panorama de arte local e, essencialmente, na arte contemporânea. O aspecto prioritário para Drummond é a formação com uma “aposta na educação na área artística, especialmente com uma visão contemporânea”. “No que respeita à formação, é usual ver membros da AFA a darem workshops dentro das instalações da associação de modo a motivar energias e a estender o leque de acções na sociedade.”

28 Dez 2016

José Drummond na lista final do Sovereign Asian Art Prize

É a terceira vez que José Drummond, artista plástico português radicado em Macau, é nomeado para o prémio mais importante da região vizinha na área das artes. O reconhecimento lá fora não acompanha o que se passa em casa

[dropcap]T[/dropcap]rata-se de uma nomeação directa, conquistada pela presença este ano no Sovereign Asian Art Prize. José Drummond foi finalista na edição de 2016, tendo o seu trabalho sido mostrado na Christie’s, garantindo um lugar na competição do próximo ano. Regressa ao mais importante prémio das artes em Hong Kong com três trabalhos, todos eles feitos com caixas de luz. É a terceira vez que o artista português, a viver em Macau há mais de 20 anos, entra na lista daqueles que a organização entende serem os melhores da Ásia. “É sempre bom. Não acho que os prémios sejam completamente reveladores do trabalho que as pessoas fazem no trajecto da sua carreira, mas são veículos de reconhecimento que acabam por ser importantes, especialmente nos dias de hoje”, comenta José Drummond ao HM. “Nesse sentido, é óptimo.”

Organizado anualmente, o Sovereign Asian Art Prize convida artistas contemporâneos, que estejam a meio da carreira, para submeterem três trabalhos online. As obras são depois avaliadas por um júri da região constituído por especialistas em arte, que escolhem os 30 melhores trabalhos.

É esta selecção que vai estar ex- posta num local público em Hong Kong, sendo que se segue depois uma nova apreciação. O artista vencedor recebe 30 mil dólares norte-americanos. À excepção da obra vencedora, os restantes trabalhos são leiloados durante a gala de atribuição dos prémios. Além da obra seleccionada pelo júri, é ainda distinguido o trabalho que mais votos recebeu do público que foi ver a exposição.

“É um dos prémios mais importantes da região Ásia-Pacífico”, contextualiza José Drummond. “Já começo a ser um repetente, é a terceira vez que estou nesta fase. Penso que será a primeira vez que acontece a um artista de Macau.” O artista português foi o único do território presente na fase final da iniciativa.

DA NOITE E DO DIA

Na edição de 2017, Drummond concorre com um media que tem uma presença importante na sua obra: as caixas de luz. “Tem que ver com o meu interesse em espelhar todos estes conceitos à volta da luz e da sombra. Depois, embora sejam fotografias tiradas no momento, há sempre nos meus trabalhos uma condição teatral, cenográfica, quase encenada. É por isso que tenho optado, para estas séries, pelas caixas de luz.”

As três obras a concurso resultam de fotografias tiradas à noite, um momento em que a cidade se transfigura. Na sequência de um trabalho que tem vindo a fazer, as imagens obedecem a uma narrativa poética, que “tem que ver com o estado de desassossego, com a insónia”.

No primeiro trabalho, “Think of the saddest thing in your life”, vê-se uma fotografia tirada num lago. “É só água. Digo, a determinada altura no texto, como a água pode ser tão opaca quanto a vida. Temos esta ideia de que a água é transparente, mas não é”, observa. “Mais uma vez, tem que ver com a teoria da luz, com as cores. Nesse trabalho usei luz que transformasse a cor normal do lago. Ficou azul porque forcei a que casse assim.”

“All those moments at night when you’re not with me”, a segunda fotografia, “é mais próxima de um instantâneo” e está relacionada com uma investigação que o artista plástico tem estado a fazer, associada à ideia da “ausência do outro, que nos leva a deambular pelas ruas”.

Trata-se de uma série em que José Drummond procurou captar situações que entende serem interessantes na cidade. A imagem em questão mostra o recanto de uma pessoa que “colecciona coisas inúteis que recolhe do lixo”. “Colecciona garrafas de plástico e pendura-as à entrada de casa. Tem as portas de casa abertas e consegue-se ver tudo o que se passa lá dentro.” Há uma certa organização no espaço fotografado, explica: “Tem uma cadeira pendurada, há uma lógica muito pessoal que nos faz confusão. Esta pessoa em especial tem sido objecto da minha investigação há algum tempo, com fotografias em diferentes momentos do dia e com objectos diferentes”.

“Não acho que os prémios sejam completamente reveladores (…), mas são veículos de reconhecimento que acabam por ser importantes.”
JOSÉ DRUMMOND, ARTISTA PLÁSTICO

A fotografia enviada para Hong Kong tem “um ar quase de ficção científica”. “Não tenho qualquer intervenção na imagem, a não ser clicar”, refere. No entanto, o lado cénico mantém-se. “Tudo aquilo é encenado, mas por outra pessoa.” A fotografia insere-se numa série em que Drummond vai à procura de pessoas que estão, de certa forma, fora do que é convencional, “personagens que são deixadas para trás” na sociedade.

O último trabalho, “When my hands make your heads spin”, tem a morte como subtexto. “É uma reflexão. São dois ravers no final de uma festa. O final da festa significa também quase o final do corpo. A paz é quase morte, naquele sentido. Depois de toda a excitação e do excesso que possa ter havido, há depois este momento, completamente oposto”, mostra. “Esta dualidade entre vida e morte é um lado que tenho andado a explorar. É muito difícil falar sobre a morte e registá-la. Nunca conseguimos fazer uma boa representação da morte porque não sentimos a nossa; só a sentimos através da morte dos outros.”

LÁ FORA

Nos últimos anos, José Drummond tem sido mais valorizado fora de Macau do que em casa. “De algum modo, parece que o meu trabalho vai sendo mais reconhecido fora de Macau do que aqui”, diz.

Além do lugar conquistado entre os finalistas da edição de 2016 do Sovereign Asian Art Prize, o artista teve o seu trabalho exposto na Berlin Transart Trienalle, em Agosto passado.

Durante este ano, participou em festivais de vídeo de Portugal, Espanha e Áustria. Juntamente com a artista Peng Yun, teve uma obra no Rosalux Project Space em Berlim. Por cá, fez um trabalho especificamente para a última edição do Festival Literário Rota das Letras.

José Drummond teve ainda um ano muito activo enquanto curador. Foi responsável por mais uma edição do VAFA e do festival de vídeo experimental EXIM, além do papel desempenhado na selecção de obras para a exposição que assinala o nono aniversário da Art For All, cuja inauguração está marcada para esta semana.

O ano do artista plástico termina com uma projecção de um trabalho na Cinemateca Paixão, no próximo dia 28, que serve de introdução à obra que, em Janeiro de 2017, vai apresentar.

20 Dez 2016

Concerto | Noite de jazz esta quarta-feira no Café Terra

A Associação Promotora de Jazz de Macau organiza esta quarta-feira, no Café Terra, um concerto com quatro músicos locais e um da Malásia. Mars Lee, presidente da entidade, irá tocar guitarra e garante que dar um concerto num café é a melhor forma de desfrutar do ambiente

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] noite desta quarta-feira, dia 21, promete ser bem diferente ali para os lados do Café Terra, localizado junto ao Teatro D.Pedro V. Isto porque a Associação Promotora de Jazz de Macau irá organizar um concerto em que o próprio presidente da entidade, Mars Lee, vai tocar ao lado de mais dois músicos locais e um malaio. A entrada é gratuita e, segundo contou ao HM Mars Lee, o objectivo é fazer com que o público aproveite o som do jazz de uma outra forma.

“Esta não é a primeira vez que tocamos em cafés e é sempre uma experiência enriquecedora, porque apesar de não ser um espaço muito grande, as pessoas gostam de estar a ouvir música enquanto estão sentadas com a sua bebida. É sempre bom realizar este tipo de eventos.”

Com entrada gratuita, este evento fecha o ano de actividades da Associação Promotora de Jazz de Macau, que recentemente organizou a 5ª Semana de Jazz de Macau, com um concerto no Centro Cultural de Macau (CCM).

Boas sensações

Actuar num café é diferente de actuar num palco, mas ainda assim Mars Lee espera uma boa recepção por parte do público. “Diferentes concertos provocam diferentes sensações, e as pessoas sentem-se bem neste tipo de ambiente. É uma cultura importante no jazz, estar calmo a ouvir música, e neste café consegue-se este tipo de ambiente.”

O presidente da Associação Promotora de Jazz de Macau defende que mais concertos poderiam ser realizados no território, numa altura em que há cada vez mais cafés a abrir portas. “A música pode ajudar. A música ao vivo é ainda uma grande questão em Macau, devido aos problemas do barulho, com a nova lei. As pessoas estão a gostar mais de música ao vivo. Esperamos que no futuro haja mais locais como este.”

Mars Lee planeia realizar mais concertos deste tipo no próximo ano, mas ainda nada é concreto. “Somos uma associação sem fins lucrativos e temos algumas propostas submetidas ao Instituto Cultural. Estamos à espera de respostas. Vamos tentar organizar alguns concertos”, rematou.

19 Dez 2016

Clube Militar | Fim de ano assinalado com mostra de arte colectiva

A partir de hoje, o Clube Militar recebe uma exposição dedicada aos artistas locais. São 36 obras que representam o momento presente de cada um dos convidados num conjunto, que, pela sua diversidade, congrega a essência de Macau: a miscigenação

 

[dropcap style≠’circle’]“S[/dropcap]alão dos Artistas de Macau” dá nome à exposição que é inaugurada hoje na Galeria Comendador Ho Yin, no Clube Militar. José Duarte, curador do evento, referiu ao HM que a ideia é “aproveitar o final do ano e o aniversário da transferência de administração para apresentar uma amostra dos artistas locais”.

Integram a iniciativa artistas, na maioria de Macau, mas que podem ter nascido na China, Portugal ou outros países, desde que sejam residentes do território. No total são 36 nomes que deram corpo a igual número de obras. “Procurámos conversar com os artistas para que escolhessem e sugerissem uma obra ou um conjunto de trabalhos dos quais pudesse sair um projecto que, de algum modo, representasse a fase actual em que estão ou que para eles fosse particularmente significativa”, explicou o curador. Daí resultaram os trabalhos que vão estar até 6 de Janeiro em exposição.

Os criadores têm as mais variadas influências: “Vêm da pintura tradicional chinesa, pintura contemporânea moderna e caligrafia. É, por assim dizer, uma amostra do trabalho criativo que se faz no território no domínio da pintura, do desenho e da caligrafia”, referiu José Duarte.

A principal intenção foi não ceder a separações pelo que, ao longo da exposição, “se passa, facilmente, de um quadro de pintura tradicional para um outro abstracto e essa é também um experiência que pode desafiar sentidos e sensibilidades”.

José Duarte não deixa de sublinhar a miscelânea que caracteriza a arte que se faz, neste momento, em Macau. Os artistas foram convidados pela Associação de Promoção de Actividades Culturais (APAC), entidade organizadora, e José Duarte considera que “esta é uma oportunidade de ver que existe criatividade e grande diversidade de ideias no panorama artístico local”. “A arte em Macau se calhar está mais viva do que se possa, por vezes, pensar”, considerou.

Décadas de criação

As obras são de autores que vão dos 21 aos 76 anos. “Apanhamos 55 anos de criação. Se olharmos para os artistas mais velhos podemos ver uma influência das matrizes mais tradicionais chinesas e que é quebrada, aqui e ali, por artistas que são residentes, mas que não nasceram cá”, referiu o curador.

Por outro lado, a faixa mais jovem caracteriza-se por uma maior diversidade técnica. “Nalguns casos são usadas técnicas tradicionais para temas contemporâneos ou abstractos e, noutros, reflectindo a sua própria matriz cultural, os artistas utilizam técnicas da tradição ocidental.”

Esta é uma exposição que reflecte muito daquilo que é a singularidade de Macau porque “temos jovens chineses a trabalhar com técnicas e simbologias que vêm do Ocidente e isso só acontece por causa desta mistura”. “Também temos o contrário e Rui Rasquinho é um bom exemplo disso”, ilustrou José Duarte.

Para o curador, o “Salão dos Artistas de Macau é uma rapsódia”. Por isso mesmo, “é uma exposição para se ver com algum tempo”. “Tem mudanças de quadros de referência e tonalidades e precisa do seu processamento. Em suma, é uma exposição para ser apreciada no seu conjunto e saborear nos seus detalhes”, explicou ao HM.

Através desta mostra é possível ver que existe crescimento e amadurecimento da arte em Macau. No entanto ainda há um caminho a percorrer em que “o mercado da arte ainda é limitado”. Não é viável pensar num mercado que dependa apenas do financiamento público. José Duarte recorre às regiões vizinhas para ilustrar que a dinâmica da arte existe. “Se olharmos para as regiões próximas de Macau constatamos que existe movimento e que as pessoas vêm as obras e compram. Esta componente civil da arte em Macau ainda está um pouco ausente, mas penso que existem sinais positivos de que também vamos nesse caminho. É preciso ver para se querer comprar”, considerou.

A inauguração do “Salão dos Artistas de Macau” tem lugar às 18h e conta com entrada livre.

16 Dez 2016

Clube Militar | Último concerto das jornadas musicais com orquestra de Hong Kong

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s Jornadas Musicais do Clube Militar, iniciativa que nasceu em 2010, encerram a sétima edição com o Hong Kong New Music Ensemble. “O concerto de hoje é focado na vertente mais contemporânea da música clássica. A formação já conta com alguma história: “Participou no Festival de Artes de Hong Kong, no Festival Internacional de Música de Macau, tem um percurso internacional e é a terceira vez que actua no Clube Militar”, explicou ao HM Tiago Pereira, organizador da iniciativa.

O Hong Kong New Music Ensemble apresenta-se como “um grupo de músicos inovadores que criam música nova de (e para) o século XXI” em que a música clássica é tida na sua forma mais contemporânea.

A ideia de findar o ano com os músicos da região vizinha é sair do que normalmente é associado à música erudita, porque o objectivo é trazer “uma vertente diferente, de modo a abranger todo o espectro que este género ocupa”.

As Jornadas Musicais começaram há seis anos e a ideia nasceu porque Tiago Pereira é assistente regular de concertos de música clássica. “Apesar de termos a Orquestra de Macau e existirem concertos de música de câmara que acontecem, nomeadamente no Teatro do Pedro V, notei que havia todo um leque que acabava por não ser explorado”.

Concertos intimistas

O objectivo das jornadas é aproximar o público dos concertos que, muitas vezes, são dados de forma muito formal. “O conceito que normalmente existe da música de câmara é de que é um evento mais formal, o sarau. Mas o que estávamos à procura era de uma abordagem mais intimista”, referiu. “A ideia é que as pessoas que ouvem música e que a querem descobrir o possam fazer num ambiente mais descontraído, distinto dos ambientes da música clássica, ditos, mais normais.”

Para Tiago Pereira, o concerto de câmara neste formato convida ainda a um conjunto de possíveis interpretações como as sonatas para violino, agrupamentos menores ou mesmo concertos a solo.

A diferença é também marcada pelo convívio que o público pode ter após o concerto, em que os interessados podem jantar com os músicos. “Um jantar a seguir ao concerto é um passo óbvio”, disse o organizador. No entanto, e de modo a manter a proximidade, o convívio à mesa não passa sem regras e “uma delas é não existirem lugares marcados”.

As jornadas realizam-se uma vez por mês que, normalmente, coincide com a última sexta-feira. Por ser Natal a organização abre uma excepção porque “muita gente não está cá por ir de férias”. A iniciativa é ainda interrompida nos meses de Julho e Agosto.

Ao final da sétima edição, Tiago Pereira está satisfeito com os resultados que a iniciativa tem tido. “Já temos uma assistência assídua, conquistada ao longo destes anos e agora os músicos já nos contactam por estarem interessados em participar. Isto deixa-nos muito satisfeitos por que demonstra contentamento de ambas as partes: músicos e público.”

16 Dez 2016